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27/09/2022 13:15 Movimento institucionalista: principais abordagens

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Estudos e Pesguisas em Psicologia Serviços Personalizados


versão On-line ISSN 1808-4281
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Estud. pesqui. psicol. v.7 n.1 Rio de Janeiro jun. 2007
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Professor Adjunto III na PUC Minas. Professor do Curso de Mestrado em
Psicologia do Instituto Santo Tomás de Aquino - ISTA e do Instituto Santo
Inácio - ISI.

EndereçQ_Rara corresRondência

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo explicitar as bases das experiências abarcadas pelo termo "Movimento
Institucionalista", passando pela definição do conceito de instituição e por discussões relativas ao processo de
institucionalização. Por fim, analisam-se duas das diversas correntes incluídas no Movimento Institucionalista: a
Análise Institucional ou Socioanálise e a Sociopsicanálise.

Palavras-chave: Movimento institucionalista, Análise institucional, Sóciopsicanálise, Psicanálise, Materialismo


histórico.

ABSTRACT

The present article has the goal of explaining the theoretical basis of experiences underlying the term
"lnstitutionalist Movement". It starts discussing the concept of "institution" and the related process of
institutionalization. Finally it analyses two of the several trends of this Movement: "Institutional Analysis" or
"Social-Analysis" and "Social- Psychoanalysis".

Keywords: Institutionalist Movement, Institutional Analysis, Social-Psychoanalysis, Psychoanalysis, Historical


Material ism.

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Movimento Institucionalista: principais abordagens


O termo "movimento institucionalista" define uma série de teorias, práticas e experiências que têm como premissa
a autogestão e a auto-análise 1, objetivando impulsionar experiências coletivas criadoras de novos saberes
(BAREMBLITT, 1992). Podemos citar: análise institucional, pedagogia institucional, psiquiatria democrática,
sociopsicanálise, psicossociologia, esquizoanálise, sociologia clínica, grupo operativo, educação popular e outros.

Ao invés de manter uma lógica identitária, esses movimentos buscam a lógica da diferença, procurando
desencadear rupturas objetivas e subjetivas em modos coagulados de experiências institucionais, contrapondo à
alienação a autonomia e a expressão da alteridade. Não se trata do poder constituído e vertical, mas da concepção
relacional do poder, que entende que o mesmo se exerce por relações de forças, redes que se instauram em um
espaço com multiplicidade de pontos de resistência. A concepção relacional do poder significa também um poder
difuso, sem lócus privilegiado, como o Estado ou as classes dominantes. As formas de dominação não são naturais
nem contratuais, mas construídas como estratégias sobre a ação dos outros, e determinadas historicamente
(FOUCAULT, 1990, p. 29). Assim, novos atores, antes excluídos, emergem no cenário da vida comunitária.
Diferentes espaços são criados e ganham nova ordem de significados.

O que é instituição?
O conceito de instituição, que acompanha a sociologia desde o seu nascedouro, encontra abrigo em diferentes
correntes, não somente neste campo disciplinar como em outros, tais como a antropologia, as ciências políticas e a
filosofia e, mesmo no interior desses campos, tem sido empregado em sentidos muitos diversos, em aportes
teóricos os mais distintos.

Não se pretendendo neste artigo esgotar a discussão sobre o tal conceito, tomar-se-á aqui, como ponto de partida
para a discussão que se empreende, a concepção de G. Baremblitt, que, de forma concisa e clara, aponta que

as instituições são lógicas, são árvores de composições lógicas que, segundo a forma e o grau de
formalização que adotem, podem ser leis, podem ser normas e, quando não estão enunciadas de
maneira manifesta, podem ser pautas, regularidades de comportamentos(BAREMBLITT, 1992, p.27).

As instituições são instâncias de saber que permitem a todo tempo recompor as relações sociais, organizar espaços
e recortar limites. A despeito de sua forma virtual, imaginária e simbólica, não estão desvinculadas da prática
social. Cada sociedade, segundo o modelo infraestrutura! a que obedece, cria um tipo de instituição, que será
mantida e sustentada em todos os níveis, do Estado à família, Igreja, escola, relações de trabalho, sistema jurídico,
etc.

Quando há uma prevalência do instituído, as instituições e seus estabelecimentos capturam os processos de


subjetivação singulares, impondo-lhes seu próprio modelo através da centralidade do poder, do saber, do dinheiro,
do prestígio, da disseminação da culpa. Por outro lado, quando as forças instituintes emergem, tem-se a
possibilidade da produção de novos agenciamentos, novas composições e arranjos próprios de subjetividades livres
e desejantes.

Por que nos instituímos? Essa é uma lei geral, presente em qualquer processo civilizatório. Acontece que nós,
humanos, somos ruptura, salto da natureza para a cultura. Somos, sim, animais, mas animais políticos - zoon
politikon -, tendo que criar as Leis da polis. O animal, através do instinto, obedece integralmente à relojoaria
cósmica. Segundo a concepção de sujeito da Sociopsicanálise, tributária da psicanálise freudiana, a cultura é um
esforço humano para lançar pontes sobre o abismo. É preciso produzir a partir da falta. Busca-se, pelo trabalho e
pela linguagem, organizar o mundo social, humano e a natureza. Esse trabalho de criação e metamorfose
lingüística ocorreu com a sexualidade humana, que é regida pela pulsão. O objetivo da pulsão é suprimir o estado
de tensão que reina na fonte pulsional, o inconsciente. A pulsão não tem objeto fixo, como os instintos. Os objetos
pulsionais têm de ser "encontrados". A pulsão não traz, em si mesma, uma harmoniosa garantia de ordem. Para
que o desejo possa servir à espécie humana e ao esforço civilizatório, ele precisa ser institucionalizado. O Édipo -
descoberta nuclear de Freud - é a gramática do desejo e da lei que constitui relações de parentesco e
possibilidades de aliança entre os grupos humanos. Assim, em todas as instituições presenciamos os
atravessamentos edípicos com seus inevitáveis sintomas: independência e dependência, liberdade e recalcamento,
consciência e alienação.

Os seres falantes criam as instituições, visando à diminuição do estado de desamparo, inerente à condição
humana. Espera-se que as instituições criem estruturas razoáveis de apoio para apaziguar as sensações de caos
absoluto e destrutividade das relações. As grandes formações culturais têm como função proporcionar, num mundo
feito de linguagem, estruturas de apoio para esses seres desgarrados da natureza.

Quando a estrutura institucional põe-se a serviço não do desejo, mas de privilégios, antiprodução e iniqüidades, ela
degrada-se, perde seu sentido original e transforma-se num instrumento destruidor de liberdades democráticas. A
instituição desvirtuada de seu propósito trabalhará para o avesso da liberdade: a servidão. As grandes instituições
e organizações geralmente temem a união dos participantes, percebendo-os como possível força de resistência. As
fantasias inconscientes institucionais acreditam que a união entre os membros pode destruir a instituição. Isso é
freqüente em instituições totais e constituídas de autoridades despóticas. A imposição unilateral de normas rígidas

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pode sacrificar, em nome de uma identidade narcisista, a própria razão de ser comunitária, que são as pessoas
com seus desejos.

A trama dialética entre instituinte, instituído e de institucionalização faz com que ela seja realidade inacabada,
projeto em construção. O instituinte não deve ser pensado como força que resulta em instituído, mas como relação
de forças permanente, que comporta tanto o poder como as singularidades de resistência e produção de novos
sentidos. Nas bordas do espaço instituído, debate-se o espaço instituinte, não previsível e inexato. Por isso, a
instituição não pode ser compreendida somente como algo conservador, sem movimento contrário, face do
instituído. O instituinte sobrevive encoberto no seio de toda instituição através de seu germe transformador, o
desejo, iceberg do qual só vemos a ponta aguda, cuja parte submersa é uma potência energética.

Há nas instituições silêncios impostos e consciências caladas, em que a autoridade determina as condições e os
parâmetros da comunicação. O rompimento desse silêncio contribui para o desmoronamento de restrições,
obstáculos que vêem à tona e podem tornar-se reveladores da estrutura institucional e daquilo que chamamos
"não saber", no sentido do desconhecido, do censurado pela força violenta do instituído.

Basicamente, as instituições funcionam sob a heterogestão, ou seja, geridos por outrem, por um "grande chefe".
Ao contrário, o movimento institucionalista busca princípios básicos de autogestão e auto-análise. O axioma
fundamental da autogestão é a igualdade de direito e de desejo. Crê-se na autonomia dos grupos, calcada na
participação, no saber, na experiência particular, estabelecendo assim formas próprias de se manter, dirigir, criticar
(auto-análise). O trabalho autogestivo é acompanhado do prazer coletivo da criação, sem patrão e capataz que
gozam sozinhos e narcisicamente. O sistema de autogestão implica opção política e escolha livre dos atores sociais,
mudança radical das relações de poder, saber, prazer e prestígio. Portanto, não se trata simplesmente de destruir o
poder centralizado, mas de resgatá-lo para os grupos. Não se entende o sistema autogestivo como um lugar onde
a lei esteja ausente. A lei nesse sistema também é autogerida, visa ao direito de desejar. Ela é a grande avalista do
desejo, não podendo ser entendida no sentido de coibir: ao contrário, ela é a garantidora da participação dentro
dos grupos - a lei tomada como dispositivo político.

Na história dos grupos populares no Brasil, esses ideários estiveram sempre presentes, ora de forma indizível, ora
visível. Essa potência jamais necessitou de agências clássicas ou de um suposto saber a conferir-lhe autoridade
para deflagrar movimentos revolucionários, dando-lhe voz e legitimidade. Entre rosários de crises e
acontecimentos inesperados, foram sempre capazes de emergir e ameaçar a sociedade. O processo de análise em
instituições gera acontecimentos ou forças potenciais que se apropriam de reservas conscientes e inconscientes,
abrindo fissuras para que o desconhecido venha à tona e seja elaborado. A palavra é condição imprescindível para
que esse processo de novas representações aconteça.

Saberes e práticas institucionalistas


Ao longo do tempo, o Movimento Institucionalista tem recebido contribuições teóricas e práticas de diversos
segmentos populares e acadêmicos.

No campo da religião cristã, são inúmeras as vocações orientadas por uma Utopia Ativa, como a experiência
comunitária dos primeiros cristãos e a vida religiosa mendicante. Esses ideais estão também presentes nos
princípios do Vaticano II, nas três Conferências Latino-Americanas e na Teologia da Libertação.

No campo da filosofia, vários autores influenciaram esse movimento desde os primórdios da filosofia grega, com os
Pré-socráticos, Sofistas, Helenistas, Epicuristas e Estóicos. Da filosofia moderna, o institucionalismo inspira-se no
Racionalismo Espinoziano, em Nietzsche, Bergson, Marx, Moro, Rabelais, Fourier e Bakunin.

Na área educacional, o institucionalismo encontra pensadores que propuseram práticas inventivas e introduziram o
paradigma educativo denominado "Escola Nova". Foi a Escola Nova que levantou mais alto a bandeira da autonomia
na instituição de educação. Na perspectiva de uma escola crítica e compromissada com as classes populares, está
presente a concepção de institucionalismo como ponto convergente das instâncias econômicas, culturais, sociais,
políticas e ideológicas. Nessa linha, a partir da década de 50, também estão diversos intelectuais brasileiros, como
P. Freire, A. Teixeira, D. Ribeiro, M. Gadotti, D. Saviani, M. Tragtenberg e C. Brandão.

Após a Segunda Guerra, tomou corpo uma nova cultura na área da saúde mental. Nessa época, forças de
intelectuais, usuários do sistema manicomial, familiares e setores populares mobilizam-se no debate sobre o
significante "loucura". Em suas reivindicações pela democratização de direitos e pela autonomia no enfrentamento
de uma nova política pública no setor da saúde mental, o movimento denominado "antipsiquiatria" transportou do
espaço privado para o público o debate sobre a loucura e seus desdobramentos na sociedade. No Brasil, a
antipsiquiatria tomou corpo a partir de profissionais vinculados a instituições, sindicatos, conselhos e organizações
de saúde.

Também se alinha aos princípios do Movimento Institucionalista o amplo espectro dos novos movimentos sociais.
Novos sujeitos, antes reprimidos ou desconsiderados socialmente, ganham a condição de atores: mulheres, gays,
negros, índios, favelados.

Analisemos agora duas das diversas correntes incluídas no Movimento Institucionalista: a Análise Institucional ou
Socioanálise e a Sociopsicanálise.
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Análise Institucional ou Socioanálise


A Análise Institucional ou Socioanálise é uma das modalidades do Institucionalismo mais difundidas no Brasil.
Protagonizada por René Lourau e Georges Lapassade a partir da década de 60, surgiu como um prolongamento da
Terapia Institucional, da Pedagogia Institucional, da Filosofia, da Sociologia Política e da Dinâmica de Grupo
americana de Kurt Lewin. Direcionou-se em seguida para a análise de grupos sociais (e não de indivíduos).

Trata-se de uma análise sustentada pelo coletivo, que assume a tarefa de pesquisar, questionar e analisar a
história, os objetivos, a estrutura e o funcionamento da organização, além dos dispositivos, práticas e agentes
grupais. No contrato de trabalho, os participantes comprometem-se a tudo dizer, sem recear os "não-ditos" da
instituição. Assim, a Socioanálise tem como objetivo ultrapassar a psicossociologia grupal e a sociologia das
organizações, ao analisar as determinações ocultas dos grupos, tendo como protagonista o próprio coletivo. O
papel do analista consiste em auxiliar a elucidar os conteúdos adormecidos, a fim de, na medida do possível, expor
o material oculto, a partir do que os analistas institucionais denominam "dispositivos analisadores", os quais podem
ser divididos em duas categorias: construídos e espontâneos. Construídos são os dispositivos analisadores criados
pelo analista e o coletivo para deflagrar o processo de análise: o resultado de uma pesquisa quantitativa e
qualitativa, a exibição de um filme, um psicodrama, etc. Espontâneos, por sua vez, são os fenômenos que fazem
parte do cotidiano das organizações institucionais: os fundadores, a missão, o poder, o dinheiro, a sexualidade, a
burocracia (leis, normas, regulamentos e constituições), a corporeidade, as práticas do estabelecimento.

A principal fonte de coleta de analisadores concentra-se na pesquisa da história da instituição. O interesse pela
análise do material histórico embasa-se na premissa de que reconstruir o passado auxilia na compreensão de como
o mesmo está vivo e atuante no presente e, desde já, determinando o futuro. O levantamento de dados históricos
faz parte do modelo de pesquisa-ação ou pesquisa participante: constrói-se de maneira democrática, porque o
pesquisador faz com que os sujeitos se transformem em protagonistas do saber. Utiliza-se a autogestão e a auto-
análise: os membros do grupo não recebem do exterior um saber, mas são provocados a tomar consciência do que
são e, sobretudo, de suas potencialidades.

Um dos aspectos relevantes da Socioanálise é que a equipe de analistas institucionais faz parte do processo. Existe
também para ela certo desconhecimento de como as características gerais do sistema incidem no trabalho coletivo
realizado; a isso se chama "análise da implicação" (BAREMBLITT, 1992). Na ocasião de intervenção, a equipe de
analistas deve examinar também seus próprios conflitos e contradições.

Os sujeitos são vítimas de um desconhecimento das leis que regem a instituição e de um doutrinamento por parte
das classes dominantes. "Cada coletivo de uma organização está alienado no não-saber, no não conhecer quais são
as condições reais em que está trabalhando" (BAREMBLITT, 1992, p.80). No processo de intervenção, busca-se
criar dispositivos para que esse "mal-dito" seja descoberto em "bem-dizer'' e, assim, ser reestruturado.

Os socioanalistas organizam a "subversão" (outra versão) da instituição com a ajuda da palavra e da participação
dos membros. Podemos dizer, de acordo com Lourau (1993), que a Análise Institucional tem forças de teor
instituinte e entra, portanto, em contradição com o já instituído, produtor de uma imobilidade a ser quebrada com
a intervenção. Portanto, o que a Socioanálise propõe é a criação de dispositivos para que o coletivo se reúna e
discuta, exaustivamente, os analisadores, visando ao processo de auto-análise e autogestão.

A Sociopsicanálise e suas bases teóricas


A Sociopsicanálise foi criada por G. Mendel (1974), baseada nas teorias psicanalíticas de Sigmund Freud e no
Materialismo Histórico de Marx e Hegel, ampliando assim o universo de investigação da escola analítica freudiana,
antes limitada à esfera das representações psíquicas, estendendo-a para o campo das relações entre classes no
seio das instituições.

Mendel vai chamar de "classe institucional" a um conjunto de pessoas responsáveis, na instituição, pelas relações
sociais de produção e que possuem diferentes graus de influência sobre ela. As posições de liderança e de cada um
dos liderados, longe de representar uma relação neutra, estabelecem vínculos de poder, saber, prestígio, como
também seu oposto: domínio, ignorância, descrédito.

Essa questão relaciona-se ao modelo patriarcal que, muitas vezes, atravessa a vida organizacional das instituições,
produzindo subjetividades de servidão voluntária. A Sociopsicanálise pretende analisar os efeitos da prática da
centralização do poder, do silêncio sagrado, da culpabilidade, do medo, da dispersão e da antiprodução e,
conseqüentemente, da redução do espaço político. A proposta é animar nos grupos a reivindicação de seus
desejos, para que não haja falsa predominância de uns sobre outros. A capacidade de questionar e negociar
mobiliza a mudança, pois escolhas antes arbitrárias e concentradas nas mãos de poucos passam a ser discutidas
em escala maior, a fim de proporcionar participação de todos. Quando a classe institucional conscientiza-se do
campo do político, do conflito de interesses presente na instituição, há um movimento de inovação. Por outro lado,
quanto mais os sujeitos se sentem despossuídos de poder, mais apresentarão fantasias regressivas e arcaicas, em
um retorno do recalcado.

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Conceitos psicanalíticos, assim como o materialismo histórico de Marx, foram utilizados e reelaborados nessa
concepção. Apesar das diferenças, ambos apresentam o conflito como condição fundamental da realidade, e nisso
repousa a justificativa de Mendel para a articulação do psíquico com o sociológico, fazendo da Sociopsicanálise uma
interseção de campos que culmina com a análise do poder nos fenômenos institucionais.

A psicanálise, modelo desenvolvido a partir do séc. XX, transformou radicalmente o pensamento ocidental sobre o
homem. A razão pura, considerada pela ciência como único método capaz de levar o homem à verdade, foi
desalojada de seu lugar, em favor do inconsciente. O Ser não mais estaria ao alcance, mas submerso em algo
estranhamente preponderante. O complexo de Édipo, núcleo das relações humanas, tornou-se referência nas
teorias que utilizam modelos freudianos. Em torno da proibição ao incesto, toda a civilização seria erguida, mas a
realização de desejos incestuosos continuaria a ocorrer nas fantasias inconscientes. O ser humano permanece
ligado a estádios preliminares da organização sexual, fazendo com que não se efetue por completo a ordem social
imposta a seus desejos. A doença neurótica diz do impasse do sujeito, frente ao retorno daquilo que apresenta
perigo para a consciência.

As instituições constituídas em torno de figuras de autoridades mitificadas, estabelecem fusão entre seus
componentes e alimentam-se das pessoas que lhe são confiadas. Assumindo um lugar de onipotência, elas
impedem que haja espaço para a disfunção, a desterritorização e a singularidade. Anula-se a figura da Lei
simbólica, que media os sujeitos e permite que o desejo apareça. Tem lugar a lei tirânica: a autoridade muitas
vezes encarna-se num agente que se identifica narcisicamente à instituição. O discurso institucional passa então a
exigir comportamentos e atitudes de extrema fidelidade e coesão. Qualquer movimento de consciência crítica e
alteridade é lido como traição e retaliação aos membros do grupo. Estes, não suficientemente autônomos, tornam-
se capturados por essa figura e desintegram-se em sentimentos de terror e culpa. O processo a que o modelo
paternalista submete os sujeitos faz regredir a dimensão do político, permitindo aos setores conservadores
institucionalizar a mudança e capturar as forças vivas em estruturas e normas organizacionais burocráticas e
rígidas.

Participantes de um grupo depositam no líder toda a onipotência possível, potência imaginária com que tentam
sanar suas impotências reais. A Sociopsicanálise objetiva que todos participantes assumam politicamente a
produção da tarefa, tomando o lugar de sujeitos autônomos.

As instituições sociais adoecem por um modo de relacionamento ultrapassado e excessivo, que insiste em ocultar a
dimensão política existente nessas relações. A proposta da Sociopsicanálise é desvencilhar os vínculos humanos
desses excessos, a fim de inscrever sujeitos autônomos num sistema de relações atuais, de cuja vida possam
participar, ter poder e saber e obter prazer.

A leitura marxista analisa a sociedade moderna através da expansão da divisão do trabalho e suas formas de
alienação, por um lado, e do surgimento dos que possuem os meios de produção e o grupo do proletariado, por
outro. Para compreender os fenômenos da divisão de classe e da alienação, Marx estudou como as sociedades são
produzidas historicamente pelos cinco modos de produção: comunidade primitiva, escravagista, feudalista,
capitalista e comunista. Verificou que, historicamente, uma sociedade sempre começa pela divisão do trabalho, que
organiza as relações sociais instituídas a seguir.

Na luta pela sobrevivência, os humanos agrupam-se para explorar os recursos da natureza e dividir as tarefas de
homens, mulheres, jovens, crianças. Surge a primeira instituição: a família e seu sistema hierárquico. Com as
famílias e a troca de seus produtos entre si, nasce o comércio e a propriedade privada. Da conquista de terras e do
subseqüente produto da colheita e da criação de gado produz-se o excedente, maior quantidade de produtos
extraídos por um determinado grupo em detrimento de outro. Vários grupos detentores do excedente passam a se
impor, e instala-se uma terceira instituição social: o trabalho servil, que desemboca na escravidão. A partir daí, os
mais ricos unem-se e decidem controlar o conjunto de famílias, meios e relações de produção, força de trabalho,
fundando a quarta instituição social: o poder político, de onde advirá o Estado como conjunto de leis, grande
avalista da classe dos possuidores, que utilizarão formas alienantes para explorar, dominar e criar em torno de si
símbolos que visam perpetuar seu poder.

Assim, a classe possuidora apropria-se não só da divisão social do trabalho, da troca, dos bens, das armas, da
religião, mas sobretudo do prazer e do poder político. Esse fenômeno, denominado alienação, é sustentado pela
ideologia hegemônica, centrada nas mãos de poucos em detrimento de muitos. Para Marx, a alienação não é um
conceito abstrato, pois se manifesta na divisão do trabalho, no surgimento da propriedade privada, na posse
exclusiva do excedente por uma determinada parcela através da economia de troca e, por último, na sociedade
moderna, onde o produto do trabalho deixa de pertencer ao trabalhador, criando a cisão entre sujeito e objeto,
num processo de reificação do trabalhador com o fetichismo da mercadoria: "o trabalhador torna-se um bem ainda
mais barato do que aquele que produz. A desvalorização do mundo humano aumenta em proporção direta à
valorização do mundo das coisas" (MARX, 1974, p.63). A mercadoria faz com que o valor de troca torne-se
superior ao valor de uso e determine as relações entre os homens. Privilegiam-se as relações entre coisas, que vão
definir relações entre pessoas. Com isso, a mercadoria assume formas (o dinheiro, o capital) que se convertem em
realidades soberanas e tirânicas. Logo, a "humanização" da mercadoria leva à desumanização do homem, à sua
coisificação, reificação (do latim res, "coisa"), sendo o próprio homem transformado em mercadoria (sua força de
trabalho tem um preço no mercado).

Para Marx, há duas fontes relacionadas à alienação: o processo de trabalho e a relação entre trabalhador e
produto. A primeira é determinada pela fragmentação do trabalho em tarefas rotineiras, desinteressantes e sem
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possibilidade de simbolização e prazer. A segunda diz da sustentação da divisão de classes.

Paira sobre nós uma estrutura institucional perversa, cujo poder alojou-se dentro dos tecidos psico-libidinais, sócio-
culturais e econômico-políticos, tornando, assim, possível um elevado nível de controle imperativo sobre os seres
humanos e, conseqüentemente, uma forma social anômica. Este é o modelo da sociedade moderna, que tenta ao
máximo mascarar a arbitrariedade do desejo de uma determinada classe hegemônica. Em toda estrutura perversa
existe lei, mas o perverso não conhece outra lei que não seja a de seu próprio desejo. O sistema capitalista nega o
limite, pois cada indivíduo pode, se for o mais forte, competitivo e brilhante, tudo obter. O perverso precisa do
Outro, pois ele não existe sem parceiro, com quem estabelece um contrato em que existe uma cláusula implícita:
"não se conhece outra lei que não seja a lei do meu desejo". Nessa concepção, é imanente ao capitalismo o
controle dos meios de produção ( o excedente) por parte de uma classe e a existência de uma classe subordinada
de trabalhadores que nada possuem, nada têm e nada são (alienação).

Essa estrutura permite ao sistema capitalista aumentar ao máximo a produção de bens às custas de um pesado
sacrifício: a alienação de si e do outro. Assim, a sociedade industrial, tecnológica e burocrática controla os
indivíduos com a força do poder econômico. O homem, nesse modo de produção, sente-se impotente e fragilizado
pela alienação que subordina indivíduos, transformando-os em repetição.

Há uma regressão do político ao psíquico, quando as classes não se podem desenvolver em sua amplitude, quando
seus membros não conseguem definir sua identidade pelo conflito interno.

A metodologia da sóciopsicanálise
Embasado nas teorias psicanalítica e do materialismo histórico, Mendel propõe uma análise da instituição a partir
das relações de poder entre classes. Ampliando o universo da escola freudiana, antes limitado à esfera das
representações psíquicas e suas derivações somáticas, o autor aplica-a às relações de dominação no seio das
instituições.

As classes sociais agrupam-se de acordo com o papel que cada indivíduo exerce no processo de produção e as
instituições repetem esse posicionamento. Formam-se, assim, as classes institucionais, organizadas em relação ao
poder. Há entre elas uma hierarquia e uma exigência interna de se obter maior poder, começando no âmbito da
própria classe e seguindo pela hierarquia como um todo, no que Mendel chama "pulsão de exigência de poder de
classe institucional". Essa situação conflituosa interclasses e interinstitucional é inscrita no sentido de uma
frustração dupla: não ter poder em sua totalidade e não "vencer" as "classes antagônicas". Há uma regressão do
político ao psíquico, quando as classes não podem se desenvolver e não conseguem criar sua identidade pelo
conflito interno.

A dependência no mundo do trabalho é vivenciada como uma reedição da situação familiar primária, levando a um
refúgio nos processos primários inconscientes. Alguns sintomas comuns são inibição afetiva, bloqueios intelectuais,
boicotes, absenteísmo, acidentes de trabalho, brigas, falta de comunicação, centralização de poder, de saber e
prestígio. Há sintomas mais graves, como somatizações, delírios e toxicodependências.

Quando as relações de poder no seio de uma organização são vividas de acordo com o modo familiar, geram
sentimentos de impotência. Instala-se, então, uma lógica do inconsciente que tende a substituir aquela que se
baseia nas relações de produção capitalistas, resultando daí uma série de comportamentos comprometidos, como
alienação, exploração e dominação.

A sociopsicanálise toma como objeto de estudo um grupo no interior de um estabelecimento, buscando fazer com
que esse grupo tome consciência de seu lugar. Sua intervenção caracteriza-se por uma série de assembléias
coletivas, nas quais o grupo de intervenientes deixa falar o grupo em análise. As reuniões são gravadas e
escutadas pelo grupo dos sociopsicanalistas, inclusive os que delas não participaram, sendo as gravações
posteriormente analisadas. As interpretações feitas a partir daí são devolvidas ao grupo-cliente.

Para a sociopsicanálise, é importante considerar a existência do ser psíquico e do ser social nos indivíduos e no
coletivo. O papel do sócio-analista consiste em perceber sintomas e suas relações com a opressão entre as classes,
trabalhando através da fala para que a dimensão política não seja substituída pelo viés psicofamiliar.

Considerações Finais
O movimento institucionalista, embora abranja um amplo campo teórico e pratico, é o saber intersticial a sua
marca principal, isto é, propostas que não se fixam, não se atêm a dogmas, mas se constituem em proposição
permanente, contando com dispositivos inéditos, fluidos e desenquadrados, visando, operativamente, à autogestão
das organizações. Neste artigo, enfocamos duas correntes do movimento institucionalista: a análise institucional ou
socioanálise e a sociopsicanálise.

A Análise Institucional é um procedimento coletivo, que visa realizar análise dos integrantes de uma organização,
as relações, as estruturas, as atitudes, as convenções e as práticas habituais. O papel do coordenador, analista
institucional, é propor o surgimento do "não-dito". Para isso, é necessário criar "dispositivos analisadores"
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históricos, espontâneos e naturais. Os analistas organizam a "subversão" (outra versão) da instituição com a ajuda
da palavra, dos dispositivos analisadores e da participação dos membros. De acordo com Lourau (1993), a Análise
Institucional tem forças de teor instituinte e entra, portanto, em contradição com o já instituído, produtor de uma
imobilidade a ser quebrada com a intervenção. Há uma íntima e imediata relação desses dispositivos analisadores
com a consecução do processo de auto-análise e autogestão. Já que os membros do grupo assimilam um saber
hegemônico sobre suas vidas, tomam consciência do grau de alienação que estão submetidos e produzem um novo
clima político de gestão e administração de suas próprias organizações.

A Sociopsicanálise é uma proposta de intervenção que toma a psicanálise e o materialismo histórico como
referênciais teóricos. Os indivíduos de uma organização, desapossados de poder, vêem-se submetidos a um
esquema regressivo, infantilizado e extremamente culpabilizados pela figura mítica da autoridade. Tais relações
promovem uma regressão do político ao psicoafetivo, ou seja, ao império do modelo psicofamiliar. A leitura
marxista utilizada pelo autor, por sua vez, analisa a sociedade moderna através da expansão da divisão do trabalho
e suas formas de alienação, por um lado, e do surgimento dos que possuem os meios de produção e o grupo dos
despossuídos, por outro. Desse modo, Mendel estabelece um diálogo entre a psicanálise e o materialismo histórico,
sinalizando como as instituições utilizam-se do desamparo fundamental dos sujeitos por meio de alienação, divisão
do trabalho, exploração e mitificação da relação hierárquica. O modo próprio de intervir da Sociopsicanálise é o que
Mendel vai chamar de "classe institucional", ou seja, a responsabilização dos indivíduos na instituição pelas
relações sociais de produção. A intervenção sociopsicanalítica se apresentaria como um meio de analisar os
processos regressivos que impedem o funcionamento da dimensão do político na instituição.

Alguns pontos são importantes para ambas: as assembléias, a autogestão e a autoanálise. Particularizá-las, no
entanto, é importante em alguns aspectos, buscando não cair no engodo de segmentá-las fixamente em correntes
estanques. Em linhas gerais, talvez possamos arriscar dizer que a Análise Institucional é mais revolucionária em
seu processo, enquanto a sociopsicanálise é mais moderada nas transformações que propõe. Como ponto comum,
ambas reúnem-se sob a égide da palavra como possibilidade para a instituição e seus membros.

Referências Bibliográficas
BAREMBLITT, G. F. Compêndio de Análise Institucional e outras correntes: teoria e prática. Rio de Janeiro:
Rosa dos Ventos, 1992. [ Links ]

CASTORIADIS, C. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 9 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1990.

LOURAU, R. A análise institucional. Petrópolis: Vozes, 1996.

___ . Análise institucional e práticas de pesquisa. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
1993. [ Links ]

MARX, K. O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte, em Marx. São Paulo: Abril, 1974. (Coleção Os Pensadores,
v.XXV). [ Links ]

_ _ _ . O capital. Crítica da economia política. v. I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

MENDEL, G. Sociopsicoanálisis 1 e 2. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1974.

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E-mail: [email protected].

Recebido em: 21/03/2006


Aceito para publicação em: 12/03/2007

Notas
~ Psicólogo Clínico. Analista Institucional. Doutor pela UFRJ.
1 Para maior compreensão acerca dos conceitos de auto-análise e autogestão, sugiro a obra de G. Baremblitt, em
especial, o Cap. Ido Compêndio de Análise Institucional de outras correntes: teoria e prática, p.17-18.

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