Políticas Públicas em Educação
Políticas Públicas em Educação
Políticas Públicas em Educação
POLÍTICAS PÚBLICAS
EM EDUCAÇÃO
&
PSICOLOGIA ESCOLAR
Autores:
Flávia da Silva Ferreira Asbahr
Luciana Dadico
Luiz Antônio Alves
Marcelo Domingues Roman
Marilene Proença R. de Souza
m
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Casa do Psicólogo®
POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO:
DESAFIOS, DILEMAS E POSSIBILIDADES
M A R I L E N E P R O E N Ç A REBELLO DE SOUZA 1
lugar de pesquisadora, de quem se propõe, desde 1987, a estudar e a Além de compreendermos a escola como produtora e produto
pesquisar a escola pública, os processos educativos, centrando o foco das relações histórico-sociais, consideramos que, para apreender mi-
da pesquisa nas políticas educacionais, no dia-a-dia escolar, em pri- nimamente a complexidade da vida diária escolar, precisamos cons-
meiro lugar na condição de aluna e posteriormente de formadora de truir procedimentos e instrumentos de aproximação com esse espaço
novos pesquisadores. E desse lugar, de alguém com formação em tão familiar e ao mesmo tempo tão estranho para nós. Assim sendo,
Psicologia Escolar, atuando como formadora de novos pesquisado- enquanto pesquisadores temos nos aproximado da escola por meio
res, desde a iniciação científica, passando pelo níveis de mestrado e de um método de trabalho que prioriza a convivência com seus par-
de doutorado, que farei algumas reflexões. Além disso, permeia tam- ticipantes, de forma que as vozes daqueles que são comumente si-
bém minha história profissional e pessoal a experiência de dez anos lenciados no interior da escola possam se fazer presentes enquanto
como professora de Ensino Fundamental e Médio no sistema público participantes, de fato, da pesquisa. Como diria Justa EZPELETA
estadual paulista (1975 a 1985). (1986) a "escola é um processo inacabado de construção", e para nós
Nesse processo de formação, as opções teórico-metodológicas documentar o não documentado, visando desenvolver estratégias para
para esta aproximação com a escola têm se dado na direção de anali- conhecer os processos estudados na perspectiva dos valores e signifi-
sar o miúdo desta instituição educacional, ou seja, a vida diária esco- cados atribuídos por seus protagonistas (ROCKWELL, 1986), é fun-
lar, as formas, maneiras, estratégias, processos que constituem o dia- damental. Procuramos, então, compreender a escola na sua
a-dia da escola e suas relações. É nesse espaço contraditório, cotidianidade, analisando as relações e os processos que nela se esta-
conflituoso, esperançoso, utópico que as políticas educacionais se belecem, buscando explicitar juntamente com os participantes da
materializam, que de fato acontecem. Portanto, a opção que temos pesquisa esses processos por meio do estabelecimento de vínculos de
feito em nosso grupo de pesquisa, no Instituto de Psicologia da Uni- confiança e de esclarecimento.
versidade de São Paulo - formado por alunos de graduação em Psi-
Que conhecimento temos construído por meio da pesquisa em
cologia, mestrandos e doutorandos -, é de pensar a escola a partir de
psicologia escolar e educacional, a respeito do processo de apropria-
seus processos diários de produção de relações, analisando como as
ção das políticas públicas na escola paulista? Ao fazermos esta per-
políticas públicas são apropriadas nesses espaços e transformadas em
gunta, estamos diante da questão da generalização em uma perspecti-
atividade pedagógica, em prática docente, em práticas institucionais,
va qualitativa de pesquisa, cuja discussão em um continuum caminha
portanto, em prática política.
desde aqueles que acreditam que é impossível generalizar dados, pois
Mas, ao analisarmos a vida diária escolar, partimos também da são fruto de uma única escola ou grupo de professores, até aqueles
concepção de que a escola se materializa em condições histórico- que consideram que o estudo de caso revela as particularidades e
culturais, ou seja, que ela é constituída e se constitui diariamente, a peculiaridades da realidade social, cujo referencial de análise permi-
partir de uma complexa rede em que se imbricam condições sociais, ta compreender processos existentes e que revelam o todo do siste-
interesses individuais e de grupos, atravessada pelos interesses do ma. A maneira de concebermos a pesquisa em educação é aquela que
estado, dos gestores, do bairro etc. A peculiaridade de uma determi- soma com esta última vertente, ao considerar que a particularidade
nada escola se articula com aspectos que a constituem e que são do revela as dimensões da totalidade do fenômeno a ser estudado.
âmbito da denominada rede escolar ou sistema escolar no qual são
Sem nos aprofundarmos nesta discussão, podemos dizer que ti-
implantadas determinadas políticas educacionais.
vemos a oportunidade, nos últimos oito anos, de orientar trabalhos
Lygia de Sousa Viégas & Carla Biancha Angelucci (orgs.)
Políticas Públicas em Educação & Psicologia Escolar
que diz nas linhas e nas entrelinhas, quais os compromissos políticos instâncias dos dirigentes de ensino e do staff da Secretaria do Estado
e pedagógicos daqueles que os defendem? Como articulam a realida- de Educação e em poucas ocasiões com segmentos de classe, princi-
de da escola com as propostas de mudança elaboradas? Como inter- palmente de supervisores e diretores de ensino. Todas as propostas
pretam a crítica já acumulada sobre a realidade escolar? Portanto, os implementadas nesse período estudado são decretadas, surgem como
personagens centrais deste livro são os educadores e os textos das normas a serem seguidas, estabelecendo-se entre os órgãos gestores
políticas públicas oficiais. e os professores a manutenção de uma prática política e pedagógica
Ao analisarmos os discursos produzidos pelos professores e de subalternidade dos segundos em relação aos primeiros. A
gestores há alguns pontos de consenso que consideramos importan- implementação de novas formas de organizar a escola, de implementar
tes de serem considerados no campo da implementação de políticas teorias pedagógicas a ela atreladas, não se deu em um processo de
públicas em educação: a) a manutenção de formas hierarquizadas e discussão democrática e coletiva. Os professores demonstram que
pouco democráticas de implementação das políticas educacionais; b) não houve explicitação dos reais interesses que moveram e movem a
a desconsideração da história profissional e política daqueles que fa- organização de algumas dessas políticas, como, por exemplo, a Reor-
zem o dia-a-dia da escola; c) a implantação de políticas educacionais ganização das Escolas que visou separar as crianças de Ia a 4a séries
sem a necessária articulação com a devida infra-estrutura para sua dos demais níveis de Ensino, antecipando o processo de
real efetivação; d) a manutenção de concepções a respeito dos alunos municipalização do Ensino Básico. A manutenção de uma prática
e de suas famílias, oriundos das classes populares, que desqualificam hierarquizada de implementação de propostas pedagógicas tem gera-
parcela importante da população para a qual estas políticas são do inúmeras formas de resistência, de questionamento, de desconten-
dirigidas; e) o desconhecimento das reais finalidades das políticas tamento e de descompromisso do professor com seu trabalho. É fre-
educacionais implementadas pelos próprios educadores; f) o qüente os professores dizerem que se sentem desvalorizados em seu
aprofundamento da alienação do trabalho pedagógico e a busca qua- saber, desqualificados em sua prática, sobrecarregados com tantas
se desumana de significado e de sentido pessoal. tarefas além daquelas previstas para a atuação docente. Ao mesmo
tempo, nas pesquisas, muitos desses professores apresentam saídas,
Analisaremos, então, brevemente, alguns dos itens apresenta- propostas e análises da realidade escolar que muito contribuiriam para
dos anteriormente. Com relação ao processo de implementação de enfrentar determinados dilemas vividos hoje no âmbito educacional.
tais políticas, podemos considerar que todas elas apresentam como
peça-chave do processo o professor. Todas as políticas implementadas É bastante desafiador pensar esta realidade de descontentamen-
no plano da reforma educacional investem no professor como aquele to docente considerando-se que esta foi uma das categorias que mais
que terá a tarefa primordial de implantá-la. Mas, ao mesmo tempo discutiu e trabalhou na direção da construção de uma escola demo-
em que o professor é trazido como elemento fundamental no sucesso crática, para todos. Embora os movimentos de luta pela educação em
de uma política pública, as pesquisas demonstram que esse profissio- São Paulo ecoassem nacionalmente, o produto da organização social
nal pouco tem participado da discussão ou de instâncias de discussão pouco se manifesta na mudança efetiva da escola, da melhoria da
do planejamento e da implantação de quaisquer das políticas estuda- qualidade de ensino, na transformação das práticas educacionais em
das. Todas foram, de alguma forma, gestadas em instâncias que uma direção mais democrática. Observa-se um discurso oficial que
desconsideram a participação ampla dos educadores, centrando-se considera o professor como uma massa homogênea, atuando em uma
em segmentos da hierarquia estatal, centrada principalmente nas rede imensa, difícil de ser acessada de forma a considerar as suas
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Lygia de Sousa Viégas & Carla Biancha Angelucci (orgs.)
impera no campo educacional, tratando a educação como um serviço ASBAHR, F. S. F. Sentido pessoal e projeto político-pedagógico:
prestado da mesma natureza que a venda de produtos e bens de con- análise da atividade pedagógica a partir da psicologia histórico-
sumo. Essa presença vê-se muito fortemente marcada na cultural. São Paulo, 2005. Dissertação (Mestrado). Instituto de Psi-
"terceirização", em que o Estado se desobriga ou se desresponsabiliza cologia, Universidade de São Paulo.
de determinados serviços educacionais, delegando-os ao chamado BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Lei de 5
"terceiro setor". de outubro de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/
Observamos, portanto, o aprofundamento da alienação do tra- ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm [acesso em 8 out.
balho docente, a desvalorização da crítica, a imposição de uma peda- de 2005].
gogia de "consenso", de maneira a individualizar o fracasso, como . Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n°. 8.069, de 13
algo de responsabilidade apenas do docente ou do aluno ou ainda de de julho de 1990. Disponível em http://www.planalto.gov.br/
sua família. Nesta perspectiva educacional, o coletivo é apresentado ccivil_03/Leis/L8069.htm [acesso em 8 out. de 2005].
pelas diretrizes políticas que devem ser seguidas e implementadas no
. Declaração de Nova Delhi sobre Educação para Todos.
interior de uma escola com pouquíssimas modificações nas suas pre-
cárias condições, cujo início data da década de 1980 com a expansão Disponível em htpp://www.unesco.org.br/publicacoes/copy_of_pdf/
de vagas sem expansão do orçamento para tanto. decnovadelhi/mostra_padrao [acesso em 8 out. de 2005].
. Declaração de Salamanca. Sobre Princípios, Políticas e
Finalizando, consideramos que os professores demonstram com
várias de suas análises e críticas, ou com o adoecimento e o sofri- Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais. Disponí-
mento, muitas das contradições presentes nas políticas públicas, sem vel em http://www.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf
que consigam de fato canalizar estas críticas para ações coletivas de [acesso em 8 out. de 2005].
enfrentamento das dificuldades. Observamos em suas discussões que . Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n°
não mais encontram no movimento sindical e na organização social 9394 de 20 de dezembro de 1996. Disponível em http://
os canais de organização e de reivindicação. Como reconstruir estes www.mec.gov.br/seesp/index2.php?option=content&do_pdf=
canais de organização é um dos grandes desafios desse momento his- l&id=63&banco= [acesso em 8 out. de 2005].
tórico e político, sob pena do aprofundamento das dificuldades vivi- COLLARES, C. A. L. & MOYSÉS, M. A. A. Preconceitos no coti-
das, hoje em dia, intensamente.
diano escolar: ensino e medicalização. São Paulo: Editora Cortez,
1998.
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Políticas Públicas em Educação & Psicologia Escolar Lygia de Sousa Viégas & Carla Biancha Angelucci (orgs.)
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uma Classe de Aceleração. CD-ROM da 22 a Reunião Anual da
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