Políticas Públicas em Educação

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Lygia de Sousa Viégas &

Carla Biancha Angelucci


(orgs.)

POLÍTICAS PÚBLICAS
EM EDUCAÇÃO
&

PSICOLOGIA ESCOLAR

Autores:
Flávia da Silva Ferreira Asbahr
Luciana Dadico
Luiz Antônio Alves
Marcelo Domingues Roman
Marilene Proença R. de Souza

m
%
Casa do Psicólogo®
POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO:
DESAFIOS, DILEMAS E POSSIBILIDADES

M A R I L E N E P R O E N Ç A REBELLO DE SOUZA 1

A discussão referente à temática das políticas públicas em edu-


cação é recente no campo da Psicologia Escolar/Educacional. Po-
demos dizer que tal discussão remonta, no caso brasileiro, há pouco
mais de vinte anos. Essa discussão só tem sido possível à medida
que a Psicologia e mais especificamente a Psicologia Escolar pas-
saram a ser questionadas nos seus princípios epistemológicos e nas
suas finalidades. Tal discussão é introduzida no Brasil com a tese
de doutorado de Maria Helena Souza PATTO, defendida em 1981 e
publicada em livro com o título Psicologia e Ideologia: uma intro-
dução critica à Psicologia Escolar. Neste trabalho, PATTO (1984)
desnuda as principais filiações teóricas das práticas psicológicas
levadas a efeito na escola, os métodos que os psicólogos vinham
empregando, o fato das explicações sobre as dificuldades escolares
estarem centradas nas crianças e em suas famílias e a forma restrita
como a Psicologia interpretava os fenômenos escolares. A autora
discute a serviço de que e de quem estaria a Psicologia Escolar,
bem como a prática psicológica a ela vinculada, e conclui que a
atuação profissional do psicólogo no campo da educação avançava
pouco a serviço da melhoria da qualidade da escola e dos benefícios
que esta escola deveria estar propiciando a todos, em especial, às
crianças oriundas das classes populares.

' Doutora em Psicologia Escolar, Professora do Departamento de Psicologia da Aprendizagem,


do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo.
230 Políticas Públicas em Educação & Psicologia Escolar
Lygia de Sousa Viégas &. Carla Biancha Angelucci (orgs.) 231

Iniciava-se, portanto, na trajetória da Psicologia Escolar, um


constituição de um grande número de universidades públicas com
conjunto de questionamentos a respeito do seu papel social, dos pres-
nível de excelência, além de possuir condições para criar centros de
supostos que a norteavam, suas finalidades em relação à escola e
àqueles que dela participam. Estes questionamentos se fortaleceram pesquisa e de avaliação educacional, passou a assumir um lugar de
com vários trabalhos de pesquisa que passaram a se fazer presentes liderança no que tange às políticas públicas educacionais. Tornou-se,
na década de 1980, questionando o papel do psicólogo, sua identida- portanto, o Estado em que a maioria das propostas que hoje estão
de profissional e o lugar da Psicologia enquanto ciência numa socie- presentes no Brasil foram gestadas e implementadas, quer de forma
dade de classes. experimental, quer enquanto rede estadual ou municipal de ensino.
Este processo de discussão no interior da Psicologia vai toman- Assim, pesquisar a escola, as relações escolares, o processo de
do corpo em torno de um momento político nacional bastante propí- escolarização a partir dos anos 1980, significou pesquisar uma escola
cio para a discussão teórico-metodológica em uma perspectiva que foi e está sendo atravessada por um conjunto de reformas educa-
emancipatória, pois, nesta mesma década, intensificam-se os movi- cionais2. Se a crítica à Psicologia Escolar tradicional levava-nos a
mentos sociais pela redemocratização do Estado brasileiro, tais como compreender a escola e as relações que nela se constituem a partir
movimentos de trabalhadores metalúrgicos, movimentos de profes- das raízes históricas, sociais e culturais de sua produção, mister se
sores, movimento pelas eleições diretas em todos os níveis e cargos fazia pesquisá-las no contexto das políticas públicas educacionais.
de representação política e rearticulação dos partidos políticos. Além Quando um grupo de psicólogos e pesquisadores do programa
disso, no plano político, lutava-se por uma nova Constituição que de Pós-graduação em Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia
retirasse do cenário legislativo o que se denominava de "entulho au- da Universidade de São Paulo propôs-se a estudar e compreender o
toritário", oriundo de mais de vinte anos de Ditadura Militar no Bra- universo das políticas públicas em educação, realizou um ato corajo-
sil. A Constituição de 1988, denominada "Constituição Cidadã", abre so. Primeiro, porque embora a Psicologia Escolar houvesse realizado
caminhos para a institucionalização dos espaços democráticos, na a autocrítica, muito ainda teria de se construir tanto no campo teóri-
recuperação de direitos civis e sociais. A ela seguem-se o Estatuto da co, quanto na dimensão do método para que fosse possível apreender
Criança e do Adolescente (1990), a Declaração de Educação para a complexidade da escola. Questões de várias naturezas se apresenta-
Todos (1990), a Declaração de Salamanca (1994) e a Lei de Diretri- ram, a saber, como estudar a escola e suas relações institucionais,
zes e Bases da Educação Nacional, em 1996, apenas para citar algu- pedagógicas, interpessoais sem que se perca a especificidade da cons-
mas das mais importantes iniciativas institucionais de introduzir mu- trução de conhecimento no campo da Psicologia? E possível apreen-
danças estruturais nas relações sociais e civis no campo dos avanços der tais aspectos com quais teorias e procedimentos psicológicos?
dos direitos humanos, civis e sociais. Como possibilitar que o conhecimento psicológico se colocasse a
Portanto, é no bojo da redemocratização do Estado, da serviço de uma perspectiva emancipatória de mundo?
descentralização do poder para os Municípios e Estados, que a edu- Portanto, ao escrever este capítulo de finalização de um livro
cação passa a ter autonomia para planejar, implementar e gerir suas que apresenta pesquisas em Psicologia que se debruçaram sobre
políticas educacionais. algumas das políticas públicas do Estado de São Paulo, faço-o do
Nesse contexto, o Estado de São Paulo, em função de sua histó-
ria de participação no cenário educacional, maior pujança econômica, 2
Entre os primeiros trabalhos de pesquisa sobre as temáticas das políticas públicas do Estado
de São Paulo estavam: C U N H A , 1988; SOUZA, 1991; CRUZ, 1994; e SERRONI, 1997.
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lugar de pesquisadora, de quem se propõe, desde 1987, a estudar e a Além de compreendermos a escola como produtora e produto
pesquisar a escola pública, os processos educativos, centrando o foco das relações histórico-sociais, consideramos que, para apreender mi-
da pesquisa nas políticas educacionais, no dia-a-dia escolar, em pri- nimamente a complexidade da vida diária escolar, precisamos cons-
meiro lugar na condição de aluna e posteriormente de formadora de truir procedimentos e instrumentos de aproximação com esse espaço
novos pesquisadores. E desse lugar, de alguém com formação em tão familiar e ao mesmo tempo tão estranho para nós. Assim sendo,
Psicologia Escolar, atuando como formadora de novos pesquisado- enquanto pesquisadores temos nos aproximado da escola por meio
res, desde a iniciação científica, passando pelo níveis de mestrado e de um método de trabalho que prioriza a convivência com seus par-
de doutorado, que farei algumas reflexões. Além disso, permeia tam- ticipantes, de forma que as vozes daqueles que são comumente si-
bém minha história profissional e pessoal a experiência de dez anos lenciados no interior da escola possam se fazer presentes enquanto
como professora de Ensino Fundamental e Médio no sistema público participantes, de fato, da pesquisa. Como diria Justa EZPELETA
estadual paulista (1975 a 1985). (1986) a "escola é um processo inacabado de construção", e para nós
Nesse processo de formação, as opções teórico-metodológicas documentar o não documentado, visando desenvolver estratégias para
para esta aproximação com a escola têm se dado na direção de anali- conhecer os processos estudados na perspectiva dos valores e signifi-
sar o miúdo desta instituição educacional, ou seja, a vida diária esco- cados atribuídos por seus protagonistas (ROCKWELL, 1986), é fun-
lar, as formas, maneiras, estratégias, processos que constituem o dia- damental. Procuramos, então, compreender a escola na sua
a-dia da escola e suas relações. É nesse espaço contraditório, cotidianidade, analisando as relações e os processos que nela se esta-
conflituoso, esperançoso, utópico que as políticas educacionais se belecem, buscando explicitar juntamente com os participantes da
materializam, que de fato acontecem. Portanto, a opção que temos pesquisa esses processos por meio do estabelecimento de vínculos de
feito em nosso grupo de pesquisa, no Instituto de Psicologia da Uni- confiança e de esclarecimento.
versidade de São Paulo - formado por alunos de graduação em Psi-
Que conhecimento temos construído por meio da pesquisa em
cologia, mestrandos e doutorandos -, é de pensar a escola a partir de
psicologia escolar e educacional, a respeito do processo de apropria-
seus processos diários de produção de relações, analisando como as
ção das políticas públicas na escola paulista? Ao fazermos esta per-
políticas públicas são apropriadas nesses espaços e transformadas em
gunta, estamos diante da questão da generalização em uma perspecti-
atividade pedagógica, em prática docente, em práticas institucionais,
va qualitativa de pesquisa, cuja discussão em um continuum caminha
portanto, em prática política.
desde aqueles que acreditam que é impossível generalizar dados, pois
Mas, ao analisarmos a vida diária escolar, partimos também da são fruto de uma única escola ou grupo de professores, até aqueles
concepção de que a escola se materializa em condições histórico- que consideram que o estudo de caso revela as particularidades e
culturais, ou seja, que ela é constituída e se constitui diariamente, a peculiaridades da realidade social, cujo referencial de análise permi-
partir de uma complexa rede em que se imbricam condições sociais, ta compreender processos existentes e que revelam o todo do siste-
interesses individuais e de grupos, atravessada pelos interesses do ma. A maneira de concebermos a pesquisa em educação é aquela que
estado, dos gestores, do bairro etc. A peculiaridade de uma determi- soma com esta última vertente, ao considerar que a particularidade
nada escola se articula com aspectos que a constituem e que são do revela as dimensões da totalidade do fenômeno a ser estudado.
âmbito da denominada rede escolar ou sistema escolar no qual são
Sem nos aprofundarmos nesta discussão, podemos dizer que ti-
implantadas determinadas políticas educacionais.
vemos a oportunidade, nos últimos oito anos, de orientar trabalhos
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do discurso da justiça social, da escola para todos, inclusive para


que acompanharam algumas das políticas educacionais paulistas, a pessoas com necessidades educativas especiais. Um discurso que visa
saber: as Classes de Aceleração (VIÉGAS, BONADIO e SOUZA, melhor gerenciar os recursos educacionais, considerados como insu-
1999; VIÉGAS e SOUZA, 2000), a política de Inclusão de Deficien- ficientes, precisando ser melhor distribuídos para que se faça justiça
tes (MACHADO, 2002), o Projeto Político-Pedagógico (ASBAHR, social, diminuindo a desigualdade entre classes sociais. Ao mesmo
2005), o Professor Coordenador Pedagógico (ROMAN, 2001) e a tempo, observamos que este discurso é ancorado por um projeto
Progressão Continuada (VIÉGAS, 2002), vários deles presentes nes- psicopedagógico cujas bases estão na autonomia do aprendiz, na im-
te livro. Somente estes títulos nos dão a noção da velocidade com que portância do processo de socialização em detrimento de currículos
foram implantadas mudanças no campo educacional paulista, bem conteudistas, em respeito ao ritmo de aprendizagem da criança, em
como a diversidade destas políticas3. projetos inovadores de aprendizagem, dentre outros. Ou seja, um dis-
A partir dos muitos meses de convivência na escola, de partici- curso que traz princípios de democratização, de ampliação de vagas,
pação nos seus mais diferentes níveis de organização e de gestão, de flexibilização da seriação e do processo de aprendizagem. Embo-
procuramos discutir a questão das políticas públicas educacionais ra tais princípios sejam em tese democráticos, é voz corrente entre os
atravessando a vida diária escolar, constituindo novas formas de re- planejadores das políticas que há um hiato entre a intenção e a reali-
lacionamento pedagógico, dando forma a concepções pedagógicas a dade e que as dificuldades de implementação da reforma pedagógica
respeito do processo de aprendizagem. são muitas. Dentre elas, destaca-se a morosidade dessa implantação
Ao analisarmos tais políticas, partimos do pressuposto teórico em função, principalmente, da pouca adesão dos educadores.
de que o discurso oficial expressa uma concepção de educação e de Como entender esta contradição? O que de fato revela o discur-
sociedade. Ou seja, nos bastidores de uma política pública gesta-se so oficial sobre as políticas vigentes? Por que os professores resis-
uma direção a ser dada àqueles que a ela se submetem. Embora mui- tiriam à sua implementação? Se as bandeiras políticas dos professo-
tas vezes tais concepções não sejam explicitadas aos professores, aos res centraram-se na ampliação de vagas, na democratização da esco-
pais e aos alunos, o projeto de sociedade, de homem e de mundo la, por que não participar ativamente das reformas em curso?
presente nas políticas educacionais imprime uma série de valores e Consideradas tais questões, propusemo-nos, então, a conhecer
de diretrizes que passam a constituir as relações interpessoais e os bastidores dessas políticas analisadas por aqueles que as vivem,
institucionais.
que as materializam em suas práticas educativas, os educadores. Como
De maneira geral, as pesquisas que relatamos e que tratam de pensam tais políticas, como as vivem, como compreendem o que se
algumas das principais políticas públicas educacionais da década de passa na escola, quais são suas críticas, seus dilemas e as estratégias
1990 têm em comum o discurso de enfrentamento da exclusão social, que constroem no dia-a-dia de sua implementação. O que sabem so-
marcada pelos altos índices de repetência e de abandono da escola bre tais políticas, como se deu o processo de participação em sua
regular, além do pouco acesso a ela por aqueles que apresentam algu- constituição, como compreendem as dificuldades vividas historica-
ma modalidade de deficiência. Esse discurso é, em geral, acrescido mente pela escola diante dos altos índices de repetência e de exclu-
são? Que avanços consideram que existam na educação, a partir da
4
Juntamente com os trabalhos de pesquisa sobre a política educacional paulista, pudemos implementação das reformas educacionais? Além disso, várias des-
orientar outros que se referiram à política nacional de formação de professores (ALVES, sas pesquisas ativeram-se à análise do conteúdo do discurso oficial, o
2002) e à política estadual de Rondônia de formação de professores (SANTOS, 2000).
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que diz nas linhas e nas entrelinhas, quais os compromissos políticos instâncias dos dirigentes de ensino e do staff da Secretaria do Estado
e pedagógicos daqueles que os defendem? Como articulam a realida- de Educação e em poucas ocasiões com segmentos de classe, princi-
de da escola com as propostas de mudança elaboradas? Como inter- palmente de supervisores e diretores de ensino. Todas as propostas
pretam a crítica já acumulada sobre a realidade escolar? Portanto, os implementadas nesse período estudado são decretadas, surgem como
personagens centrais deste livro são os educadores e os textos das normas a serem seguidas, estabelecendo-se entre os órgãos gestores
políticas públicas oficiais. e os professores a manutenção de uma prática política e pedagógica
Ao analisarmos os discursos produzidos pelos professores e de subalternidade dos segundos em relação aos primeiros. A
gestores há alguns pontos de consenso que consideramos importan- implementação de novas formas de organizar a escola, de implementar
tes de serem considerados no campo da implementação de políticas teorias pedagógicas a ela atreladas, não se deu em um processo de
públicas em educação: a) a manutenção de formas hierarquizadas e discussão democrática e coletiva. Os professores demonstram que
pouco democráticas de implementação das políticas educacionais; b) não houve explicitação dos reais interesses que moveram e movem a
a desconsideração da história profissional e política daqueles que fa- organização de algumas dessas políticas, como, por exemplo, a Reor-
zem o dia-a-dia da escola; c) a implantação de políticas educacionais ganização das Escolas que visou separar as crianças de Ia a 4a séries
sem a necessária articulação com a devida infra-estrutura para sua dos demais níveis de Ensino, antecipando o processo de
real efetivação; d) a manutenção de concepções a respeito dos alunos municipalização do Ensino Básico. A manutenção de uma prática
e de suas famílias, oriundos das classes populares, que desqualificam hierarquizada de implementação de propostas pedagógicas tem gera-
parcela importante da população para a qual estas políticas são do inúmeras formas de resistência, de questionamento, de desconten-
dirigidas; e) o desconhecimento das reais finalidades das políticas tamento e de descompromisso do professor com seu trabalho. É fre-
educacionais implementadas pelos próprios educadores; f) o qüente os professores dizerem que se sentem desvalorizados em seu
aprofundamento da alienação do trabalho pedagógico e a busca qua- saber, desqualificados em sua prática, sobrecarregados com tantas
se desumana de significado e de sentido pessoal. tarefas além daquelas previstas para a atuação docente. Ao mesmo
tempo, nas pesquisas, muitos desses professores apresentam saídas,
Analisaremos, então, brevemente, alguns dos itens apresenta- propostas e análises da realidade escolar que muito contribuiriam para
dos anteriormente. Com relação ao processo de implementação de enfrentar determinados dilemas vividos hoje no âmbito educacional.
tais políticas, podemos considerar que todas elas apresentam como
peça-chave do processo o professor. Todas as políticas implementadas É bastante desafiador pensar esta realidade de descontentamen-
no plano da reforma educacional investem no professor como aquele to docente considerando-se que esta foi uma das categorias que mais
que terá a tarefa primordial de implantá-la. Mas, ao mesmo tempo discutiu e trabalhou na direção da construção de uma escola demo-
em que o professor é trazido como elemento fundamental no sucesso crática, para todos. Embora os movimentos de luta pela educação em
de uma política pública, as pesquisas demonstram que esse profissio- São Paulo ecoassem nacionalmente, o produto da organização social
nal pouco tem participado da discussão ou de instâncias de discussão pouco se manifesta na mudança efetiva da escola, da melhoria da
do planejamento e da implantação de quaisquer das políticas estuda- qualidade de ensino, na transformação das práticas educacionais em
das. Todas foram, de alguma forma, gestadas em instâncias que uma direção mais democrática. Observa-se um discurso oficial que
desconsideram a participação ampla dos educadores, centrando-se considera o professor como uma massa homogênea, atuando em uma
em segmentos da hierarquia estatal, centrada principalmente nas rede imensa, difícil de ser acessada de forma a considerar as suas
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particularidades e peculiaridades. Observa-se, portanto, nas politicas


públicas uma ausência de mecanismos que pudessem contar com a suas políticas. Ou seja, o ponto de partida não é o de constatação da
participação da experiência e da história profissional e política da- desigualdade social, mas sim de vitimização daqueles que já se en-
queles que fazem o dia-a-dia da escola, que lutam para sua constru- contram vitimizados na sociedade. Dessa forma, a escola passa a as-
ção, que optaram pela educação enquanto projeto político sumir o papel da família. Algumas das políticas propõem, inclusive,
emancipatório e considerando as particularidades de bairros, municí- que a escola passe a ser um espaço familiar para a criança, um espaço
pios e contextos sociais. tão somente de socialização. E a partir daí, o conhecimento torna-se
secundário. Quem estará assumindo o papel da escola? A quem cabe-
Um outro aspecto que se fez presente em todas as pesquisas
rá difundir os conhecimentos que a escola difunde institucionalmente?
aqui relatadas centra-se na questão da precarização da estrutura física
Esta é uma das realidades mais cruéis das políticas públicas vigentes:
e pedagógica das escolas públicas estaduais paulistas. Ou seja, as
a escola abre, deliberadamente, mão do papel de socializar os con-
políticas públicas, como a Progressão Continuada, exigiriam uma série
teúdos, o saber socialmente acumulado em detrimento de transfor-
de investimentos de ações complementares tais como reforço parale-
mar-se apenas em um espaço de socialização, na melhor das hipóte-
lo, projetos para melhoria do aprendizado de determinados grupos,
ses e, em sua maior parte, de disciplinamento e de manutenção do
avaliações periódicas do aprendizado, ações que não se fazem pre-
status quo. De fato, garantem-se apenas o acesso e a permanência,
sentes na escola. No caso do professor coordenador pedagógico esta
sem, contudo, garantir-se o acesso ao conhecimento e a uma perma-
precarização é mais visível, à medida que este assume diferentes fun-
nência que de fato restitua ao aluno os conhecimentos que ele neces-
ções na escola na ausência de funcionários, professores, enfim de um
sita para uma formação integral, conforme previsto na LDBN de 1996.
quadro administrativo mínimo que permitiria uma melhoria do fun-
cionamento escolar. A hegemonia do discurso econômico para justificar mudanças
políticas faz, muitas vezes, com que os educadores questionem fron-
Um dos importantes elementos que a pesquisa na área de Psico-
talmente determinadas decisões políticas. Grande parte da chamada
logia Escolar aponta ao final dos anos 1980 é o fato de que há na
"resistência" de professores quanto às políticas está por verificarem
escola, assim como na sociedade como um todo, uma concepção ex-
no seu dia-a-dia o quanto se está deixando de investir na escola, na
tremamente negativa em relação às famílias pobres e aos filhos da
formação de alunos e professores de fato, na infra-estrutura dos pré-
classe trabalhadora. Se esta constatação foi objeto de muitas pesqui-
dios e na contratação de funcionários que dariam o apoio logístico ao
sas analisando o preconceito na escola (COLLARES e MOYSÉS,
trabalho pedagógico. Se em outros momentos da história da educa-
1998; PATTO, 1990), observa-se no discurso das políticas públicas
ção o discurso oficial tem se aproximado da lógica do sistema de
estaduais paulistas que concepções depreciativas e de desqualificação
produção de bens, com o tecnicismo, atualmente vemos a aproxima-
das classes populares aparecem freqüentemente em vários dos docu-
ção à lógica empresarial, de prestação de serviços, por meio do con-
mentos oficiais. A concepção defendida por tais políticas e presente
ceito de "qualidade total", presente desde os anos 1980, e de raciona-
nos documentos oficiais é a de que cabe à escola assumir um lugar ou
lização de custos. Os documentos oficiais mostram inúmeros gráfi-
um papel social que a família não mais assume, pois esta não mais
cos, mencionando alunos e professores enquanto "elementos de des-
daria conta de sua tarefa de educar seus filhos; ou ainda de que as
pesa". Os gastos com educação não são computados na ordem do
crianças se apresentam com tamanhas carências culturais e sociais
investimento em futuros cidadãos, em futuros trabalhadores, indiví-
que a escola só poderá minimizá-las ou contorná-las por meio de
duos conhecedores de direitos e de deveres sociais. A lógica neoliberal
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impera no campo educacional, tratando a educação como um serviço ASBAHR, F. S. F. Sentido pessoal e projeto político-pedagógico:
prestado da mesma natureza que a venda de produtos e bens de con- análise da atividade pedagógica a partir da psicologia histórico-
sumo. Essa presença vê-se muito fortemente marcada na cultural. São Paulo, 2005. Dissertação (Mestrado). Instituto de Psi-
"terceirização", em que o Estado se desobriga ou se desresponsabiliza cologia, Universidade de São Paulo.
de determinados serviços educacionais, delegando-os ao chamado BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Lei de 5
"terceiro setor". de outubro de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/
Observamos, portanto, o aprofundamento da alienação do tra- ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm [acesso em 8 out.
balho docente, a desvalorização da crítica, a imposição de uma peda- de 2005].
gogia de "consenso", de maneira a individualizar o fracasso, como . Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n°. 8.069, de 13
algo de responsabilidade apenas do docente ou do aluno ou ainda de de julho de 1990. Disponível em http://www.planalto.gov.br/
sua família. Nesta perspectiva educacional, o coletivo é apresentado ccivil_03/Leis/L8069.htm [acesso em 8 out. de 2005].
pelas diretrizes políticas que devem ser seguidas e implementadas no
. Declaração de Nova Delhi sobre Educação para Todos.
interior de uma escola com pouquíssimas modificações nas suas pre-
cárias condições, cujo início data da década de 1980 com a expansão Disponível em htpp://www.unesco.org.br/publicacoes/copy_of_pdf/
de vagas sem expansão do orçamento para tanto. decnovadelhi/mostra_padrao [acesso em 8 out. de 2005].
. Declaração de Salamanca. Sobre Princípios, Políticas e
Finalizando, consideramos que os professores demonstram com
várias de suas análises e críticas, ou com o adoecimento e o sofri- Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais. Disponí-
mento, muitas das contradições presentes nas políticas públicas, sem vel em http://www.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf
que consigam de fato canalizar estas críticas para ações coletivas de [acesso em 8 out. de 2005].
enfrentamento das dificuldades. Observamos em suas discussões que . Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n°
não mais encontram no movimento sindical e na organização social 9394 de 20 de dezembro de 1996. Disponível em http://
os canais de organização e de reivindicação. Como reconstruir estes www.mec.gov.br/seesp/index2.php?option=content&do_pdf=
canais de organização é um dos grandes desafios desse momento his- l&id=63&banco= [acesso em 8 out. de 2005].
tórico e político, sob pena do aprofundamento das dificuldades vivi- COLLARES, C. A. L. & MOYSÉS, M. A. A. Preconceitos no coti-
das, hoje em dia, intensamente.
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