Bibliotecas Comunitárias Como Prática Social No Brasil PDF
Bibliotecas Comunitárias Como Prática Social No Brasil PDF
Bibliotecas Comunitárias Como Prática Social No Brasil PDF
São Paulo
2008
ELISA CAMPOS MACHADO
Comissão Julgadora
1. _______________________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Waldomiro de Castro Santos Vergueiro
2. _______________________________________________________
3. _______________________________________________________
4. _______________________________________________________
5. _______________________________________________________
AGRADECIMENTOS
A pesquisa aborda a biblioteca comunitária como prática social, no Brasil. Tem por
objetivo principal apontar políticas públicas para o fortalecimento e ampliação dessas
iniciativas. Para isso, foi necessário proceder à análise da biblioteca comunitária
como espaço de articulação local, seus atores, sua organização e o uso da
informação nesse contexto. Partindo do conceito de “comunidade”, apresentamos
uma reflexão sobre as práticas sociais, os processos participativos e a relação do
Estado na construção de políticas públicas para apoiar essas experiências.
Discutimos o emprego do termo pela sociedade e pela área acadêmica, analisando
as semelhanças e diferenças entre a biblioteca comunitária e a biblioteca pública e
popular. Optamos pela metodologia qualitativa com objetivos exploratórios e
resultados descritivos e analíticos. Levantamos 350 experiências no território
nacional e selecionamos 29 para compor o universo da pesquisa. Lançando mão
das técnicas de entrevista e observação, pudemos confirmar que o motivo principal
para a criação desses projetos é a carência de bibliotecas públicas e escolares no
país, o que leva a sociedade a buscar caminhos para enfrentar o problema de
acesso à informação, à leitura e ao livro. A partir das experiências analisadas, foi
possível perceber que, quanto mais participativa é a sua gestão, maior é a
possibilidade da biblioteca transformar-se num espaço estratégico para a
implantação de políticas de integração social. Apontamos como princípios básicos
para a implantação de políticas para esses espaços o respeito à diversidade e
pluralidade cultural, assim como a valorização do espaço público e dos processos
participativos. Defendemos a consolidação do Sistema Nacional de Bibliotecas
Públicas como agência responsável pela implementação, monitoramento e avaliação
das políticas públicas para apoiar as bibliotecas comunitárias.
The research focuses on the community library as social practice in Brazil. Its main
objective is to discuss possible policies to strength and broaden these experiences.
To accomplish these objectives performing the analysis of the community library as a
space for local commitment, its participants, the organization and the use of
information in this context became necessary. Starting from the concept of
“community”, we deal with the social practice, the participation process and the
relationship with the State for the construction of public policies to support these
experiences. We discuss the use of the term by the society and academic field,
analyzing the similarities and differences among community, public and popular
library. We decided for the qualitative methodology with an exploratory objective
survey, aiming to descriptive and analytical results. We investigated 350 experiences
in Brazil and selected 29 to compose the research universe. By making use of
interviews and observation techniques, it was possible to confirm that the main
reason for the creation of these projects is the lack of public and school libraries in
the country, which leads society to find ways to face the problems of the information,
reading and book access. According to the analyzed experiences, we concluded that
the more participative is the administration, the more possibility of the library
becoming a strategic space, capable of implementing the social integration policies,
increases. We point out, the respect to cultural diversity and plurality, as well as the
valorization of the public space and participative process, as main principles to
establish policies for these spaces. We support the consolidation of the Sistema
Nacional de Bibliotecas Públicas, as the responsible agency for implementing,
monitoring and evaluating of public policies to give support to the community
libraries.
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................... 14
1.1 JUSTIFICATIVA .................................................................................... 17
1.2 OBJETIVOS .......................................................................................... 19
1.2.1 Objetivos gerais ..................................................................................... 20
1.2.2 Objetivos específicos ............................................................................ 20
1.3 HIPÓTESE ............................................................................................ 20
1.4 REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................... 21
1.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................. 23
2 PRÁTICAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS NA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA ............................................................................. 28
2.1 O CONCEITO DE COMUNIDADE ........................................................ 29
2.2 PRÁTICAS SOCIAIS E PROCESSOS PARTICIPATIVOS ................... 33
2.3 SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICAS PÚBLICAS .................................... 40
3 BIBLIOTECAS COMUNITÁRIAS ......................................................... 49
3.1 O CONCEITO E O EMPREGO DO TERMO ......................................... 51
3.2 AS PRÁTICAS SOCIAIS E A BIBLIOTECONOMIA .............................. 65
4 A POLÍTICA CULTURAL E A BIBLIOTECA ........................................ 75
4.1 POLÍTICAS PÚBLICAS NACIONAIS PARA BIBLIOTECAS ................. 78
4.2 POLÍTICAS PÚBLICAS LOCAIS PARA BIBLIOTECAS ....................... 85
5 UM OLHAR PARA A REALIDADE DAS BIBLIOTECAS
COMUNITÁRIAS ................................................................................... 91
5.1 ANÁLISE DO CONJUNTO DE EXPERIÊNCIAS IDENTIFICADAS ..... 93
5.2 OS MOTIVOS E OS ATORES PRINCIPAIS ......................................... 97
5.2.1 Projetos criados a partir de iniciativas individuais ................................. 98
5.2.2 Projetos criados a partir de iniciativas coletivas .................................... 102
5.2.2.1 Projetos criados a partir de iniciativas coletivas externas à
comunidade ........................................................................................... 102
5.2.2.2 Projetos criados a partir de iniciativas coletivas internas à
comunidade ........................................................................................... 109
5.3 PARTICIPAÇÃO, ARTICULAÇÃO E SUSTENTABILIDADE ................ 114
5.3.1 As diferentes formas de entender a participação .................................. 115
5.3.2 As diferentes formas de articulação e sustentabilidade ........................ 124
5.4 ACERVO, INFRA-ESTRUTURA E AÇÕES .......................................... 133
5.4.1 Formação, desenvolvimento e tratamento de acervos ......................... 134
5.4.2 Equipamentos e infra-estrutura ............................................................. 137
5.4.3 Usuários e atendimento ........................................................................ 138
5.4.4 Equipe interna e formação .................................................................... 140
5.4.5 Espaço físico e ambientação ................................................................ 142
5.4.6 Serviços e ação cultural ........................................................................ 143
6 BIBLIOTECAS COMUNITÁRIAS: DESAFIO PARA AS POLÍTICAS
PÚBLICAS ............................................................................................ 145
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 158
REFERÊNCIAS ..................................................................................... 163
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR 173
APÊNDICES ......................................................................................... 175
ANEXOS ............................................................................................... 179
14
1 INTRODUÇÃO
Essa realidade vem sendo denunciada por inúmeros autores da área (ALMEIDA
JUNIOR, 1995; FLUSSER,1980; MARTELETO; RIBEIRO, 2001) e pôde ser
confirmada pelo diagnóstico situacional realizado no Departamento de Bibliotecas
Públicas da Secretaria Municipal de Cultura (SMC) da Prefeitura do Município de
São Paulo (PMSP), no ano de 2001 por Marina Cunali e Cecília Branco, órgão que
naquele momento estava sob nossa direção (CUNALI; BRANCO, 2002).
Não podemos deixar de lembrar que foi na modernidade que as teorias e
técnicas da Biblioteconomia se estabeleceram, pautada pelo pensamento funcional
da época, de ordenar os livros, ordenar a informação para ordenar o conhecimento.
É a partir desse fenômeno que queremos refletir sobre o conceito e as
características desses espaços. Se a academia já produziu muitos estudos sobre as
bibliotecas universitárias, públicas, escolares e especializadas, pouco se sabe sobre
as bibliotecas comunitárias. Seria esse um novo tipo de biblioteca?
1.1 JUSTIFICATIVA
1.2 OBJETIVOS
1.3 HIPÓTESE
nas zonas urbanas. Nesse âmbito, vale citar Márcia Wada (2004), Jailson de Souza
e Silva e Jorge Luiz Barbosa (2005), Luiz Eduardo Soares, MV Bill e Celso Athayde
(2005) e Michèle Petit (2008).
A partir desse referencial teórico, juntamente com a pesquisa de campo,
partimos para uma reflexão aprofundada do nosso objeto de estudo, com o objetivo
de criar condições para indicar quais as premissas que regem as ações das
bibliotecas comunitárias e quais os desafios que estas organizações enfrentam.
Retomando ao que foi escrito no início deste trabalho sobre as mudanças que
a sociedade contemporânea está vivendo, esclarecemos que, para fazer referência
aos tempos atuais, muitas vezes utilizaremos o termo “pós-modernidade”, apesar de
todas as controvérsias que ele carrega, justamente por acreditar que essa é uma
característica interessante desses tempos, ou do estado da cultura em que estamos
vivendo.
Pós-modernidade é considerado aquele momento em que os conceitos e
princípios estabelecidos pela sociedade moderna estão sendo colocados em xeque.
Para explicar o mundo moderno, Freud, no início do século passado, fez o seguinte
comentário: “o homem civilizado trocou um quinhão das suas possibilidades de
felicidade por um quinhão de segurança” (FREUD apud BAUMAN, 1998, p. 8).
Bauman, nos dias atuais, ao fazer um paralelo entre o discurso de Freud sobre “O
mal estar da cultura” e a sociedade contemporânea afirma que:
1
Organizações Não Governamentais (ONGs), Organizações de Assistência Social, Fundações
Sociais de empresas privadas, Universidades, Sindicatos, Movimentos Sociais entre outros.
31
pode fazer é trocar uma comunidade por outra e, assim, um tipo de responsabilidade
por outro.
Nos textos sobre responsabilidade, Arendt relaciona as atividades da vida, do
espírito à ação e à responsabilidade pessoal, traçando um caminho entre a
singularidade de cada indivíduo e a pluralidade do espaço público, alertando para a
perceptível desvalorização da atividade de agir conjuntamente.
Ao analisar o pensamento de Arendt de “ser-do-mundo” em oposição ao
“estar-no-mundo”, Assy afirma que essa fenomenologia arendtiana
visa a uma nova simbologia cultural que leva em conta também uma
forma pública de vida. De modo que, ao final, uma parcela
considerável da nossa satisfação seria fruto do compromisso com a
comunidade na qual vivemos, por meio do reconhecimento da
superioridade do cuidado com o mundo e com o bem-estar coletivo
sob os caprichos e interesses individuais (ASSY, 2004, p. 45).
pertencer a uma família, a uma vizinhança ou a uma instituição, seja ela a escola, a
igreja, a empresa ou qualquer outra instituição.
Esses grupos podem ser comunidades moradoras de um mesmo local, uma
vila, um bairro, uma favela. Estudantes, funcionários e professores de uma
determinada instituição que se conhecem, convivem, trocam dia-a-dia informação
construindo histórias comuns e criando novos caminhos. Grupos de pessoas que se
unem por afinidade e por objetivos comuns e elegem um espaço comum para se
encontrar, seja real ou virtual.
tão logo um indivíduo empreende uma ação, qualquer que seja, esta
começa a escapar de suas intenções. Esta ação entra num universo
de interações e é finalmente o meio ambiente que se apossa dela,
em sentido que pode contrariar a intenção inicial (MORIN, 2002, p.
86).
Paulo Freire, por meio da educação, prova que é possível inverter a ordem e
implantar ações transformadoras. Para isso, desenvolve suas teorias pedagógicas,
baseando-se no principio de que a educação é uma prática de liberdade e que
aprender a ler e escrever só tem valor à medida que desenvolve capacidades nas
pessoas de participar de maneira ativa na sociedade. É nesse contexto que afirma
que a “práxis é a reflexão e a ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo.”
(FREIRE, 2003, p. 38). Para o autor é a reflexão que conduz à prática, e estas se
dão simultaneamente, do contrário a ação não passa de mero ativismo, porém,
ressalta também a importância entre o equilíbrio nesse processo, ou seja, nem só
reflexão, nem só ação.
As teorias de Paulo Freire nos dão uma chave para enfrentar os obstáculos
apontados na teoria da competência comunicativa desenvolvida por Habermas.
Alguns autores (REIS, 2004; FUNG, 2004; WERLE, 2004) apresentam a teoria da
ação comunicativa de Habermas como um forte componente para o processo
participativo, visto que essa teoria defende a participação de todos os interessados
nos contextos discursivos, sem obstrução da problematização discursiva. A ação
comunicativa “remete de antemão a possibilidade de que os participantes da
interação distingam com mais ou menos clareza a influência de uns sobre os outros
e o entendimento de uns com os outros.” (HABERMAS, 1988, p. 108, tradução
nossa).
Cabe esclarecer que quando Habermas apresenta os princípios do agir
comunicativo ele está se referindo à interação social e à compreensão mútua e
consensual entre os indivíduos dentro de uma situação lingüística ideal. Para
Habermas (apud FREITAG; ROUANET, 1980, p. 18), a situação lingüística ideal é
36
são mais importantes que o processo. É um modo de ver a participação como uma
técnica gerencial, pautada no cooptação de pessoas ou comunidades. Para nós,
esta forma de participação, facilmente, poderá se transformar em manipulação.
As duas outras definições, apresentadas pelo mesmo autor, referem-se a
interpretações diferentes, que vêem a participação como um fim.
Essa referência é feita pela autora para explicar a idéia de cidadania cultural
que permeou a política cultural implementada por ela, durante sua gestão na
Secretaria Municipal de Cultura da cidade de São Paulo, no período de 1988 a 1992.
A autora define cidadania cultural como:
subutilizados pelo cidadão. Muitos são os motivos que levam a isso, da falta de
informação ao descrédito no poder público.
Na esfera pública, existem vários canais de participação: conselhos,
conferências, assembléias, audiências públicas, orçamentos participativos,
mecanismos deliberativos das agências reguladoras. Em sua maioria, esses canais
são destinados à participação representativa.
A forte atuação das organizações da sociedade civil durante o período de
transição para o regime democrático foi um dos grandes motivos que colaboraram
para o avanço do processo participativo e democrático no país. Essas instituições
surgiram para lidar com questões voltadas à proteção ambiental, aos direitos
humanos, e a demandas locais, como é o caso das inúmeras associações de
moradores que proliferaram a partir do final dos anos 70. Essas organizações
atuaram de forma pedagógica e instigaram, por meio de suas ações locais e
mobilizações comunitárias, o desenvolvimento de novos valores democráticos na
sociedade civil brasileira, ultrapassando assim o ideal democrático normativo que vê
a participação relacionada unicamente com a possibilidade do cidadão exercer seu
poder de voto.
A capacidade de ação e de participação de um cidadão é bem diferente da
capacidade de ação de uma organização da sociedade civil, de uma empresa, ou do
Estado. “Saber organizar-se e associar-se é a ciência-mestra de uma sociedade
porque assim se produz auto-regulação e assegura-se a proteção aos direitos”
(TORO, 2005, p. 22). Não obstante a existência dos espaços de participação,
conforme já identificamos acima, o simples fato deles existirem não garante
resultados.
Baseando-se no que os autores acima citados nos apontam sobre a questão
da participação, fica evidente que estamos diante de uma ação que depende não só
da vontade do homem como agente da ação, mas também de acesso à informação,
da autonomia, do espaço e da posição desse agente nesse espaço social, da
reflexão e, por conseguinte, de postura crítica, ou seja, existem condições para que
o processo participativo se instale. Certamente não é qualquer ação que promove a
participação ativa e crítica de um agente individual ou coletivo.
Além disso, não podemos nos esquecer de que os espaços participativos nos
remetem à idéia do espaço de conflito, já que além dos campos de força e luta, e
dos processos de comunicação inerentes aos espaços sociais, temos aqui também a
40
prática da ação conjunta, que é decorrente de relações entre indivíduos que geram
praticas sociais, as quais podem ser articuladas, desarticuladas e rearticuladas de
diferentes maneiras e que, por conseguinte, tendem a gerar conflito. Para nós, esse
conjunto de fatores é visto pela sociedade como forte inibidor dos processos
participativos e é amplamente utilizado pela elite dominante para desarticular as
práticas sociais participativas.
criados na administração para esse fim. E a avaliação, por sua vez, é feita a partir da
comparação do que foi planejado com os resultados e impactos decorrentes da
implantação da política em questão.
Como vimos, é no momento de formulação que se estabelece a forma de
participação. Quanto mais participativo, menos racional é o processo e quanto mais
desequilibrada for a correlação de forças entre os atores, menor será a possibilidade
de implementar uma política pública formulada de maneira participativa. Dagnino
(2008, p. 135) alerta para o fato de estarmos num país em “que as políticas são
geradas e implantadas em um ambiente marcado por uma grande desigualdade de
poder, de capacidade de influência e de controle de recursos entre os diversos
atores sociais.”
Já vimos que há diferenças entre as possibilidades de participação individual
e coletiva, que a primeira tem o cidadão como agente da ação individual e a
segunda tem a organização como agente de ações coletivas. E mais: em função do
agente, individual ou coletivo, as formas de participação e os resultados destas
ações são bem distintas.
Vimos também que a partir da filosofia da ação proposta por Pierre Bourdieu,
individualmente, a ação de um cidadão é baseada nas suas estruturas objetivas
(campos) e nas suas estruturas incorporadas (habitus). Esta ação individual, em
alguns casos, é caracterizada como uma ação empreendedora.
Cabe esclarecer que o termo empreendedor vem sendo amplamente
empregado pela sociedade nos dias de hoje, porém, segundo Peter Drucker, foi o
economista Jean-Baptiste Say quem introduziu o termo para caracterizar aquele
indivíduo que, por meio de suas ações, muda os recursos econômicos de uma área
de baixa produtividade para uma área de maior produtividade e maiores lucros.
Drucker transporta esse conceito para a área social ao identificar o agente individual
que modifica a capacidade de atuação da sociedade como um empreendedor social.
(DRUCKER apud BORNSTEIN, 2006).
Buford ressalta que os empreendedores sociais possuem uma orientação
para os resultados, tendendo a “operar fora da linha filantrópica e sob o radar da
mídia”. Identifica o empreendedor social como àquele agente que
Segundo Pochmann (2003), essa situação piora ainda mais a partir dos anos
de 1980 quando o país para de crescer em função dos impactos gerados pelas
políticas de corte neoliberal, ou seja, o Estado consegue ampliar ainda mais a
exclusão no país. É nesse contexto que Milton Santos (2000, p. 30) diz que “há
países mais permissivos e países menos permissivos. O Brasil é um país
permissivo.” Santos afirma ainda que
devem ser valorizadas. Lembra, ainda, que a descentralização dos recursos amplia
as possibilidades de participação direta da população local:
3 BIBLIOTECAS COMUNITÁRIAS
novos sentidos para a vida e para as relações, por outro lado, esse fato muitas
vezes causa problemas sérios de sentido e compreensão do mundo.
Só para se ter uma noção das dificuldades que encontramos, podemos citar o
caso da própria Ciência da Informação, em que nossos problemas em relação à
linguagem se iniciam na definição do termo “informação”, o que passa a ser um
grande obstáculo até mesmo para a área se firmar no mundo científico.
Esclarecemos que neste trabalho o termo é entendido como uma unidade de
comunicação que representa o conceito.
Com relação ao termo “biblioteca comunitária”, percebemos a dificuldade na
sua definição, pois ele vem sendo empregado, pela sociedade em geral, como
sinônimo de biblioteca pública e biblioteca popular, sendo que o mesmo ocorre no
contexto acadêmico. Partindo do princípio de que é importante a utilização de termos
claros e significativos dentro de uma área de pesquisa, acreditamos ser importante
fazer uma reflexão sobre suas formas de emprego e sua relação com os tipos de
bibliotecas caracterizados pela Biblioteconomia.
Apesar da escassez de literatura sobre o assunto, não podemos dizer que o
emprego do termo biblioteca comunitária seja recente. Na literatura estrangeira,
identificamos autores utilizando essa denominação para se referir àquelas
bibliotecas que têm um trabalho ativo junto a sua comunidade. Na maioria dos
casos, essas bibliotecas poderiam ser caracterizadas, segundo a tipologia
biblioteconômica, como bibliotecas públicas, pois possuem o mesmo objetivo, ou
seja, democratizar o acesso ao livro e à informação para a comunidade local. O
mesmo acontece com o uso do termo biblioteca popular.
Na literatura nacional, encontramos poucos trabalhos que tratam do assunto.
Aparentemente, o fato dessas bibliotecas surgirem de modo espontâneo na
comunidade não colabora para ampliar o registro sobre essas ações.
Segundo Almeida Junior (1997), o termo biblioteca comunitária é citado pela
primeira vez na literatura brasileira da área em 1978, por Carminda Nogueira de
Castro Ferreira, ao se referir à experiência americana do início do século passado,
que tratava da integração da biblioteca pública com a escolar.
Todêska Badke apresenta um dos primeiros relatos na literatura nacional
sobre constituição de bibliotecas comunitárias, o caso da biblioteca do Parque
Residencial Laranjeiras, localizado no município da Serra, ao Norte da Grande
Vitória, no Espírito Santo. Apesar de afirmar que é uma biblioteca comunitária, essa
53
experiência é denominada pela autora como uma biblioteca popular, pois considera
popular “o que é feito pelo povo e para o povo, compreendendo por isso sua efetiva
participação” (BADKE, 1984, p. 18).
Ainda segundo Badke,
2
Símbolos usados para indicar as relações entre cabeçalhos de assunto:
UF – Used For = UP - Usado Por
BT – Broader Topic = TG – Termo Genérico
NT – Narrower Topic = TE – Termo Específico
RT – Related Topc = TR – Termo Relacionado
AS – See also = VT – Ver também
57
comunitária. Segundo eles, esta opção se deu pelo fato de ser uma biblioteca aberta
à comunidade local, ou seja, além de atender alunos, professores e funcionários,
atende também a comunidade externa. Para nós isso é um exemplo de uso indevido
do termo, visto que está se caracteriza prioritariamente como uma biblioteca
universitária e tem, como todas as demais bibliotecas desse tipo, a função de
oferecer serviços de extensão à comunidade. Nesse caso consideramos que houve
uma inversão de valores, o que só colabora para vulgarizar o termo, desviar o foco e
enfraquecer as ações da instituição.
Alguns estados e municípios brasileiros, com o objetivo de aproximar as
bibliotecas públicas de suas comunidades, passaram a denominá-las como
bibliotecas populares. É o caso, por exemplo, dos municípios do Rio de Janeiro e de
Niterói.
Nesses casos, ao substituir pública por popular, parece-nos que o Estado
espera, com isso, fazer com que o imaginário da sociedade capture esse termo e o
incorpore ao espaço público da biblioteca, como uma qualidade de experiências
sociais, políticas e culturais. No entanto, essas bibliotecas continuaram as mesmas,
ou seja, as mudanças ficaram apenas no campo semântico e não foram suficientes
para garantir a sua incorporação no campo da prática ou da ação. Nesse sentido,
poderíamos concluir que essas mudanças são resultado de uma ação populista e
não genuinamente popular. Para Marilena Chaui
Nos dois trabalhos, fica claro que a biblioteca popular proposta na época
referia-se às bibliotecas de bairro ou distritais. Hoje a cidade de São Paulo, possui
um total de 81 bibliotecas públicas, incluindo as localizadas na região central da
cidade - Mário de Andrade, Monteiro Lobato e Sérgio Milliet - e as de bairro, que
incluem as bibliotecas dos Centros Educacionais Unificados (CEUs).
Parece–nos que o que Bauman (2003) diz sobre o significado e os
sentimentos que o termo comunidade carrega são potencializados pelo termo
biblioteca, já que este também opera no imaginário da sociedade como um espaço
carregado de cultura. O termo comunidade é usado, nesse caso, como um
qualificador para identificar espaços informacionais ou serviços de informação
fortemente vinculados ou direcionados a grupos específicos dentro de um contexto
de necessidades socioculturais.
Chaui (2006, p. 62), ao refletir sobre a expressão “nacional-popular”, alerta
para o fato de que “justamente porque os termos não cessam de ser definidos e
articulados de maneiras diferentes em diferentes condições históricas, a imaginação
ideológica procura fixá-la como se fossem entidades positivas”. Acreditamos que, o
mesmo se dá na opção pelo uso da denominação bibliotecas comunitárias: nesse
caso, ele não carrega apenas significados e sentimentos, carrega também
ideologias. O mesmo ocorre com “popular”, também um termo qualificador para a
biblioteca e usado para afirmar o desejo de trabalhar, ou seja, oferecer serviços,
para várias camadas da população. Porém, em função do tempo, espaço e das
ideologias, os grupos tendem a utilizar um ou outro termo qualificador.
Para nós, o emprego do termo biblioteca comunitária é mais apropriado para
identificar o que consideramos ser empreendimentos sociais que surgem do desejo
e da necessidade de um determinado grupo de pessoas em ter acesso ao livro, à
informação e à prática da leitura, num real exercício de cidadania. Em outras
palavras, podemos identificar as bibliotecas comunitárias como projetos vinculados a
um grupo particular de pessoas, que têm como objetivo atender esse mesmo grupo,
os quais possuem os mesmos problemas, os mesmos interesses e a sua própria
cultura, seja esse um grupo de especialistas em paleontologia ou um grupo de
moradores de uma comunidade considerada de risco. Estas pessoas ou grupos são
63
agentes individuais ou coletivos que, por meio de práticas sociais, interferem numa
realidade agindo de maneira transformadora.
Se encontramos pouca literatura sobre a biblioteca comunitária, o contrário se
dá em relação à biblioteca pública. Esta é tema de estudo e análise por parte de
pesquisadores há muitos anos. Muitos autores reconhecem o forte cunho ideológico
que essas instituições transmitem. Vergueiro, por exemplo, em sua tese de
doutorado, para discutir o desenvolvimento de coleções, apresenta a biblioteca
pública como “instrumento a serviço da manutenção do status quo dominante na
sociedade.” (VERGUEIRO, 1990, p. 8).
Nesse sentido, Almeida Junior afirma que
BIBLIOTECAS
CARACTERÍSTICAS BIBLIOTECAS PÚBLICAS
COMUNITÁRIAS
Fundamentação Projeto técnico3 Projeto político social4
Legitimidade Dada pelas leis Dada pelo grupo
Vinculada a um grupo de
Vinculada a órgão pessoas, podendo ou não ser
Estrutura
governamental parceira ou ter apoio de órgão
públicos e privados.
Hierarquia Rígida – altamente hierarquizada Mínima - Flexível
Funcionários da Administração
Pública, alocados no
Equipe Interna –
equipamento Membros da comunidade
Constituição
independentemente do seu
vínculo local.
Equipe interna -
Dependência Autonomia
Postura
Nesse contexto, é importante que fique claro que a concepção adotada nesta
pesquisa para o trabalho com bibliotecas comunitárias, leva em consideração os
cinco aspectos acima apresentados e as define como sendo
3
O termo projeto técnico é aqui empregado levando em conta as considerações feitas por Francis
Woff (2007, p. 73) onde o técnico refere-se a ações puramente administrativas e burocráticas que
buscam soluções racionais e simples para problemas sociais. Por exemplo, as bibliotecas públicas no
Brasil, definem seus horários utilizando um método puramente técnico – das 8hs às 17hs de 2ª. a 6ª.
feira.
4
O projeto político social é aqui usado no sentido de um projeto que prioriza as necessidades sociais
na sua concepção. Neste caso, o exemplo acima teria que encontrar outras possibilidades de horário
para atender a população que no horário comercial não pode freqüentar a biblioteca.
65
A nosso ver, falta ao bibliotecário reflexão crítica sobre sua prática e isso se
dá pelo fato do mesmo ser formado dentro de um conceito que Paulo Freire (2006,
p.25) denominou de educação bancária. Nesta concepção, os educandos são
considerados depósitos e tem a única obrigação de guardar e arquivar os
comunicados feitos pelos professores, “não há criatividade, não há transfomação,
não há saber [...] o ‘saber’ é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam
nada saber”.
Tecnicamente os alunos dos cursos de Biblioteconomia são orientados a criar
e aperfeiçoar sistemas de organização, controle, conservação e disseminação de
informação, de modo a garantir a preservação de documentos pelo maior tempo
possível. No entanto, na maioria das escolas do país, descarta-se, nesta formação, o
lado humanista, minimizando-se e às vezes até anulando o poder criador e crítico do
educando.
Apesar do incentivo à leitura ser um dos objetivos mais importantes tanto da
biblioteca pública como da escolar, a relação com os conteúdos escritos e os
processos de leitura não são questões abordadas nos conteúdos programáticos dos
cursos de Biblioteconomia. Esse fato afasta o bibliotecário de estudos aprofundados
sobre o tema, inibindo o desenvolvimento de competências para enfrentar o desafio
do incentivo à leitura em suas práticas cotidianas.
Entretanto, a formação acadêmica dá ao bibliotecário total condição para
trabalhar exclusivamente para “uma seleta e elitizada classe social, que se utiliza da
biblioteca e do bibliotecário, com seu consentimento e apoio, para manter seus
privilégios e sua condição de dominante” (ALMEIDA JUNIOR, 1989), como sempre
ocorreu na história da área. Ou seja; em sua maioria, os profissionais que vão atuar
no mercado de trabalho não estão preparados para mediar a leitura, assim como,
não estão preparados para interpretar e usar a informação como meio para se
relacionar com o seu grupo ou para reconhecer a importância da relação do grupo
com o seu passado, ou, ainda, para compreender a realidade presente da sua
comunidade. Nesse sentido, cabe resgatar, mais uma vez Paulo Freire (2003, p. 38),
ao afirmar que o mero reconhecimento de uma realidade “não conduz a nenhuma
transformação da realidade objetiva, precisamente porque não é reconhecimento
verdadeiro.”
De modo geral, o bibliotecário é orientado a se relacionar com a comunidade
de maneira muito superficial, normalmente utilizando técnicas de pesquisa junto aos
67
previa a cooperação de todos os cidadãos que desejassem fazer parte dela. Dentro
da idéia de participação esse exemplo caracteriza-se como uma atitude democrata-
cristã, pois a biblioteca em questão foi idealizada para suprir uma carência social.
A mobilização de intelectuais nos anos 1930, a exemplo do grupo liderado por
Mário de Andrade em São Paulo e por Cecília Meireles no Rio de Janeiro, sem
dúvida foi um fator determinante na história da Biblioteconomia no Brasil. Esse
movimento desencadeou um processo de envolvimento de bibliotecários na
idealização de novos modelos biblioteconômicos, na formação de novos
profissionais, suportado por uma idéia de criação de uma política pública de cultura
que fosse nacional. A cultura naquela época teve um papel educativo e, assim, os
projetos na área de Biblioteconomia seguiram o mesmo trajeto. Almeida Junior
(1997), Emir Suaiden (1995), Gilda Verri (1996) e Patrícia Raffaini (2001)
apresentam-nos um panorama bem amplo sobre o processo histórico desse
momento.
Cabe destacar o relato sobre a história da criação de serviços de informação
às comunidades, no mundo, no âmbito dos serviços bibliotecários apresentado por
Emir Suaiden no seu livro: “Bibliotecas Públicas e informação à comunidade”.
A partir da década de 1980, período de redemocratização do país, ampliaram-
se os debates acerca dos conceitos de participação, emancipação social, ética e
cidadania, mas não na literatura biblioteconômica. É como se a biblioteca, seus
profissionais e seus serviços não exercessem influência nas relações de poder, ou
não sofressem mudança em função do estado de cultura em que a sociedade se
encontra.
O único projeto que encontramos voltado para a mobilização da sociedade,
com o intuito de criar bibliotecas comunitárias, liderado por entidade vinculada à área
de Biblioteconomia, é o do Conselho Regional de Biblioteconomia de Tocantins, o
qual está registrado no banco de ações do Programa Nacional do Livro e Leitura
(PNLL)5.
As associações de bibliotecários passaram por momentos áureos de
organização e luta, respectivamente nas décadas de 1970 e 1980, mas foram se
desestruturando e perdendo sua força e, assim, a possibilidade de atuar de forma
coletiva no sentido de colaborar no desenvolvimento de novas práticas
5
Endereço eletrônico: http://www.vivaleitura.com.br/calendario_detalhe.asp?id_projeto=279
72
Nos últimos anos, algumas ações vêm sendo implementadas pelo Ministério
da Cultura (Minc) para suprir o déficit da informação pública organizada na área de
cultura. No âmbito geral, em 2004 foi firmado um convênio com o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) com o objetivo de criar o Sistema de Informação e
Indicadores Culturais.
Especificamente no que se refere às informações sobre bibliotecas, o Sistema
Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP) disponibiliza um cadastro6 das bibliotecas
públicas conveniadas ao órgão. Paralelamente, no ano de 2003, o Minc deu início à
constituição de um banco de experiências7 com vistas a mapear as ações em prol do
livro e da leitura. Essas iniciativas são dignas de aplauso, mas, foram criadas de
forma desarticulada e não prevêem a interoperabilidade entre os bancos de dados o
que limita seu acesso.
Hoje, com as novas tecnologias, a biblioteca pública deveria ser o ponto de
apoio local para a sociedade ter acesso à informação. No entanto, essas bibliotecas,
6
Endereço eletrônico: http://catalogos.bn.br/scripts/odwp012k.dll?INDEXLIST=snbp_pr:snbp
7
Endereço eletrônico: http://www.pnll.gov.br/
77
ainda são vistas pelo poder público como um espaço unicamente físico, de
organização de documentos no suporte papel e que, quando muito, têm condições
de oferecer aos seus usuários atividades presenciais de incentivo à leitura na forma
de ações culturais.
Conforme vimos nas discussões anteriores, a herança histórica brasileira de
desigualdades favorece o processo de desmonte do Estado, do serviço público e
das instituições ligadas a ele, tais como as bibliotecas públicas. Em sua maioria, as
bibliotecas públicas brasileiras não possuem recursos suficientes para se manter,
para atualizar seus acervos, investir em tecnologia e muito menos na formação e
qualificação de suas equipes, prescindindo muitas vezes do próprio profissional
formado. Em 1999, segundo dados da Fundação Biblioteca Nacional, as bibliotecas
públicas, eram em sua maioria, dirigidas por leigos “52% dos dirigentes possuem
apenas o 2º. Grau e 13% apenas o 1º. Grau” (BIBLIOTECA NACIONAL, 2000, p.
23). Acreditamos que esse quadro não tenha se alterado substancialmente nos
últimos anos.
O discurso político sempre defendeu e ressaltou a importância das bibliotecas
públicas, mas na prática, pouco foi feito para apoiar efetivamente estas instituições.
No que se refere ao acesso à informação, Prado (2004) considera que as ações
decorrentes desses discursos podem ser muito mais caracterizadas como
estratégias de marketing do que apoio ou articulações no sentido de fortalecer essas
instituições. Em seu trabalho sobre a biblioteca comunitária do semi-árido brasileiro,
o autor afirma que “uma das tradições do Estado brasileiro é estar constantemente
formulando políticas salvacionistas para o país.”
Foi a partir de 2003, com Gilberto Gil na liderança do Ministério da Cultura,
que o Estado passou a dialogar com seus interlocutores e assim identificar e
valorizar manifestações até então ignoradas. Ampliaram-se os debates e as
possibilidades de participação da sociedade na construção de políticas públicas para
a área, redefinindo assim os rumos em relação à gestão pública de cultura. Nesse
contexto, em 2005 foi criado o Sistema Federal de Cultura, com o objetivo de
caminhar no sentido de integrar os órgãos, programas e ações do governo federal.
Com esse caráter é lançado, em 2006, o Programa Nacional do Livro e da Leitura
(PNLL), um programa que surge com o objetivo de reunir e organizar as ações
relacionadas ao livro, à leitura, à literatura e à biblioteca que vinham sendo
implementadas no país de maneira dispersa e desarticulada.
78
conexão das bibliotecas públicas8. No entanto, até hoje nenhum recurso foi
destinado a esse fim.
Segundo Prado (2004, p. 17),
8
Artigo 5º. Parágrafo IV, VI, VII, VII da Lei no. 9.998 de 17 de agosto de 2000.
9
Informação fornecida por Cleide Soares, bibliotecária coordenadora do Programa Arca das Letras,
durante 2º. Fórum do Plano Nacional do Livro e Leitura, em agosto de 2008.
82
O Programa Mais Cultura conta com um orçamento de 4,7 milhões, sendo 2,2
bilhões do orçamento da União e 2,5 de parcerias e patrocínios. Com esse
orçamento o Minc prevê a construção ou reforma de 100 bibliotecas comunitárias em
favelas e periferia. No documento de apresentação do programa estas iniciativas são
identificadas de diferentes formas, tais como “espaços comunitários e culturais de
multiuso”, “bibliotecas espaços multiuso”, “pontos de leitura”, “bibliotecas públicas”
ou “bibliotecas comunitárias”. Até o momento parece-nos que os investimentos serão
restritos à aquisição de acervo e infra-estrutura.
10
Endereço eletrônico:
www.cultura.sp.gov.br/portal/site/SEC/menuitem.6eb44e481fba6c0ff828f049c19714a0/?vgnextoid=9a812993f4
4c8010VgnVCM1000001c01a8c0RCRD
11
Endereço eletrônico: www.funap.sp.gov.br/news_107.html
87
12
O IDH de Cidade Tiradentes é de 0,446 enquanto que o de Pinheiros é 0,833.
88
13
Endereço eletrônico: www.americobrasiliense.sp.gov.br/index2.htm
89
Apesar da biblioteca pública ser muito bem localizada e do governo local ter se
empenhado em criar mais três bibliotecas de bairro, chamadas de “Bibliotecas
Comunitárias Celeiro das Letras”, as mesmas não passam de lugares sombrios e
sem atrativo algum para o estímulo a leitura e ao acesso à informação.
Como sabemos o acesso à internet é fundamental e determinante para o
crescimento e melhoria da qualidade de vida de qualquer lugar e de qualquer
cidadão. Porém, nesse caso, as bibliotecas ficaram aquém das possibilidades
criadas na região, parece-nos que o avanço tecnológico que permeia a cidade não
chegou até esta instituição.
Cabe esclarecer que apesar das bibliotecas de bairro terem em seu nome o
termo qualificador “comunitárias” são bibliotecas públicas, criadas e mantidas pelo
município local em parceria com o governo do Estado do Rio de Janeiro, o Banco do
Brasil e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Como podemos perceber, existem políticas públicas que são significativas no
nível local, como em Curitiba, Ribeirão Preto e Américo Brasiliense, porém, ainda
acreditamos que estamos caminhando a passos lentos, de maneira dispersiva e
fragmentada no sentido de criar políticas para ampliar e fortalecer os espaços de
acesso à informação e à leitura. Afinal, a maioria dos municípios não possuem uma
política para a área de bibliotecas, ou da leitura e acesso à informação e, em alguns
casos, é evidente o caráter impositivo e populista das propostas, a exemplo de
Duque de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro, e até mesmo do Distrito Federal.
Apesar de algumas das políticas acima citadas serem bem divulgadas,
nenhuma delas conta efetivamente com a participação popular. Além disso, são
pouquíssimas as associações de amigos de biblioteca que existem e são ativas.
Esses são canais de participação que, de maneira organizada, poderiam atuar no
sentido de ampliar, valorizar e potencializar a biblioteca pública.
No que se refere a políticas específicas de apoio às bibliotecas comunitárias o
que identificamos foi ações advindas de bibliotecas públicas no sentido de fortalecer
ou mesmo criar mecanismos para o estabelecimento de relações entre esses
organismos e as bibliotecas comunitárias que surgem na região. É o caso do
município de Guarulhos, Estado de São Paulo, onde a direção da Biblioteca Pública
Central “Monteiro Lobato” criou um programa de capacitação para pessoas que
atuam em bibliotecas comunitárias. Mensalmente são oferecidos cursos que tratam
da formação, organização e preservação de acervos para esse tipo de biblioteca.
90
Esta iniciativa faz parte da política criada pelo Sistema de Bibliotecas da cidade de
Guarulhos, apoiada pela Secretaria Municipal de Cultura.
Outra ação semelhante acontece na cidade de Diadema, também localizada
no Estado de São Paulo, por meio do Projeto Ação Compartilhada, que tem por
objetivo a formação de multiplicadores comunitários voluntários. Nesse caso, a ação
faz parte do programa de governo da Prefeitura, está dentro de uma proposta de
apoio a iniciativas locais e sua implementação fica sob a responsabilidade da
Secretaria Municipal de Educação.
91
14
Informação fornecida pelo Prof. Geraldo Prado, a partir da pesquisa coordenada por ele sobre o
assunto, em abril de 2008.
92
ESTADO QUANTIDADE %
SP 94 26,85
PA 37 10,57
RJ 32 9,14
BA 31 8,85
AM 30 8,57
PE 24 6,85
MG 19 5,42
MA 17 4,85
TO 10 2,85
RR 9 2,57
AP 8 2,28
AC 7 2
RO 6 1,71
MT 5 1,42
AL 4 1,14
RS 4 1,14
DF 3 0,85
CE 3 0,85
SC 2 0,57
GO 1 0,28
RN 1 0,28
SE 1 0,28
ES 1 0,28
PR 1 0,28
MS 0 0
PB 0 0
PI 0 0
Total 350 100
15
Endereço eletrônico: www.zumaluma.com.br
16
Endereço eletrônico: www.bibliotecasolidaria.com.br/
17
Endereço eletrônico: bibliotecasolanotrindade.blogspot.com/
18
Endereço eletrônico: www.geocities.com/mnpbiblio/pg_1.swf
95
CIDADE QUANTIDADE
São Paulo 63
Rio de Janeiro 14
Salvador 16
Fortaleza 1
Belo Horizonte 11
Brasília 3
Curitiba 1
Recife 2
Porto Alegre 2
Belém 1
Guarulhos 3
Total 117
Num lugar em que as mulheres são mortas pelos maridos, agredidas pelos filhos, torturadas
pelas mini-saias, saltos altos e outras “burcas” do Ocidente, escolhi casar e ter crias, e
trabalhar na comunidade. Preta, pobre, favelada, escolho não estar à venda. Nascida na
Rua dos Ossos, escolho formar consciências
(Dinha, Biblioteca Comunitária Livro-Pra-Quê-Te-Quero)
19
Endereço eletrônico: www.orkut.com.br/Main#FullProfile.aspx?uid=10930398526124640172
101
TV Globo, 1 experiência;
Solar Meninos de Luz, 1 experiência.
Vivemos em comunidade, com nossas lendas, mitos e pagés. Nossa história real é de luta
dos povos indígenas em defesa da terra e da preservação da cultura indígena.
(Sérgio da Silva Pereira Macuxi,
membro da comunidade do Barro e da União do Povo Macuxi)
É importante dizer que as escolas naquela região não são iguais àquelas que
conhecemos nas outras regiões do país, são construídas no formato de maloca e
são bilíngües, pois, a partir da luta dos professores indígenas, conseguiram
implementar a língua materna além do ensino da língua portuguesa no currículo
escolar. A escola da comunidade Boca da Mata, por exemplo, que fica na reserva
Raposa Serra do Sol e é formada pelos povos Macuxi, Wapichana, Ingaricó,
Taurepang e Patamona, contemplam em seu currículo o ensino de 4 línguas, o
português, o macuxi, o wapichana e o taurepang.
Um caso relatado pelas coordenadoras do programa ilustra bem esta
questão. Quando os integrantes da comunidade de Taquari, no município de Ponte
Alta do Tocantins, souberam que a escola local seria transferida para outra
comunidade, foram para a porta da escola e disseram: “a escola pode ir, mas a
biblioteca é da comunidade”. E assim preservaram o acervo junto à comunidade e
criaram um espaço para ela na casa de um morador local.
Cabe esclarecer que não é regra que as bibliotecas criadas pela Expedição
Vaga Lume fiquem sediadas na escola, a escolha faz parte de uma decisão da
comunidade. Segundo eles, “cada intervenção é planejada e adaptada às condições
da realidade local” (ASSOCIAÇÃO VAGA LUME, 2005). Exemplo disso é a
Biblioteca Vaga Lume da Comunidade Santa Tereza, localizada no município de
Mirinzal no Estado do Maranhão. O projeto, sob a liderança de um morador local,
Carlos Magno Martins Farias, teve seu início num espaço cedido pela escola.
Porém, ao longo do tempo, a comunidade Quilombola de Santa Tereza, formada por
35 famílias, com 99 pessoas, se reuniu e decidiu transferir o acervo para a sala da
casa de um dos moradores locais, a qual ficou reservada somente para uso da
biblioteca. Em visita ao local, uma das coordenadoras do Projeto, Joana Arari,
intrigada com a escolha do local, perguntou ao dono da casa se ele não se
incomodava com o fato das pessoas entrarem e saírem, dia e noite, da sua casa. Ele
respondeu que não e justificou: “eu vivo sozinho e com a biblioteca a casa ficou
muito mais alegre”.
106
Como o Vander dormia por cima dos livros ele era conhecido como o rapaz mais culto do
bairro. E, por osmose, entrou naquele ano na Faculdade de Educação da USP.
(Dinha, Biblioteca Comunitária Livro-Pra-Quê-Te-Quero)
O movimento Força Ativa, que surgiu em 1989, tem como proposta promover
a conscientização cultural, social e política da comunidade local. Assim como o
Poder e Revolução, o Força Ativa é formado por jovens, com participação
equilibrada de homens e mulheres, em sua maioria negros e estudantes, sendo que
muitos são cantores de rap. Em varias falas e letras de músicas eles nos explicam
os motivos que os levam a se envolver nesses movimentos (ANEXO B). Fernanda,
moradora de Cidade Tiradentes, estudante de História na PUC-SP e integrante do
Força Ativa diz o seguinte:
Para você pensar em participação política você tem que ter, no mínimo, condição de pensar,
você tem que ter as suas condições objetivas resolvidas.
(Washington Góes, estudante de Letras da PUC
e ativista do Força Ativa)
decisões são tomadas na esfera central da ONG, ficando para o grupo que coordena
a biblioteca, a responsabilidade pela condução da rotina de trabalho.
Os projetos em que pudemos identificar maior participação da comunidade
são aqueles que são criados e/ou coordenados por lideranças locais, que trabalham
no sentido de resgatar e defender a cultura local, numa crescente valorização do
sentimento de comunidade. São eles:
20
A Boca da Mata é uma comunidade indígena dentre as 63 que existem no município de Pacaraima.
A Expedição Vaga Lume está trabalhando atualmente na constituição de bibliotecas comunitárias
em 4 comunidades indígenas daquela localidade: Boca da Mata, Bananal, Sorocaima II e Santa
Rosa.
21
Galpão destinado à produção de farinha de mandioca, administrado coletivamente.
119
Eu nunca pensei que pudesse ser mediadora de leitura. E hoje sou educadora da biblioteca
e estudante do 3º. ano do ensino médio.
(Hilda Márcia Albino Sebastião, educadora da
Biblioteca Comunitária de Poços de Caldas)
trará uma burocratização para um ambiente que tem uma proposta oposta e nem
sempre está preparado para enfrentar esta nova tarefa.
Esta percepção, postura e atitude do grupo nos fez perceber a questão da
problematização discursiva apontada por Habermas (apud FREITAG; ROUANET,
1980). Foi no discurso das lideranças jovens, indígenas e de remanescentes
quilombolas que identificamos menor incidência de obstrução da comunicação. Esse
fato os coloca numa posição privilegiada em relação à ação participativa e ao
mesmo tempo, nos mostra a grande diferença discursiva entre eles e as lideranças
das bibliotecas Criança Esperança, Paulo Coelho, Ler é Preciso de Taquari, ou de
Magé, assim como das bibliotecas Cultura Jovem e Emmanuel.
Esperança, na cidade do Rio de Janeiro. Cabe esclarecer que isto não significa que
projetos como este não se articulem, pelo contrário, possuem uma vasta “carteira”
de patrocinadores externos à comunidade atuando na linha da filantropia
empresarial.
Outra questão presente nessa esfera é que as bibliotecas que surgem de uma
ação individual, ou de um movimento social, ao buscar parceiros e apoiadores
esbarram no fator legal, diferentemente daquelas que já nascem vinculadas ou são
incorporadas por uma organização. É nesse momento que percebem que precisam
se constituir como uma pessoa jurídica, com número no Cadastro Nacional de
Pessoa Jurídica (CNPJ). Exemplos disso são as organizações abaixo relacionadas,
todas criadas com esse fim:
Foi por meio da ONG Projetos Culturais T-Bone, de Brasília, que a Biblioteca
Comunitária T-Bone conseguiu o patrocínio da Embaixada da Espanha para
estender suas ações até os pontos de ônibus da cidade, implantando as chamadas
Paradas Culturais. Além da parceria com a Embaixada, o projeto conta também com
a parceria do Instituto C&A e da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito
Federal (CAESB), os quais contribuem para o desenvolvimento de ações culturais
na biblioteca.
com a Prefeitura da cidade de Embu das Artes e teve seu apogeu. No entanto, um
de seus idealizadores afirma que o grupo de jovens não estava preparado para
assumir as responsabilidades demandadas por esta relação e após uma série de
problemas decorrentes do não cumprimento de prazos e prestação de contas a
parceria foi encerrada. Sinval Pereira dos Santos, um dos responsáveis pelo
movimento de criação da biblioteca, acrescenta ainda que a doação de
computadores feita pelo Banco do Brasil também não ajudou muito. Afinal, eram
computadores velhos, com problemas, que precisavam de recuperação e
manutenção. Como o apoio só previu a doação dos equipamentos, a biblioteca ficou
com mais um problema para resolver.
Bisturi explica que a articulação estabelecida pela Zumaluma é baseada
numa relação de “vizinhança com a comunidade, oferecendo e recebendo o tempo
todo. Trocamos saco de cimento por aulas de informática”.
Não podemos nos esquecer que a condição dos jovens envolvidos nesses
processos é de sobrevivência. Eles não podem dedicar-se exclusivamente a
trabalhos voluntários, precisam conciliar suas atividades na biblioteca com a rotina
diária de trabalho ou de busca de emprego, o que leva em alguns casos à dispersão
do grupo. Esse quadro levou a Biblioteca Comunitária Zumaluma a diminuir suas
atividades e desmobilizar suas lideranças. O projeto que surgiu de uma ação coletiva
cheia de sonho, esperança e garra está fragilizado pelas inúmeras dificuldades
enfrentadas pelo grupo.
É importante ressaltar que o dilema enfrentado pelas lideranças da
Associação Zumaluma é vivido por muitos outros grupos. Kcal Gomes, o “traficante
de livros” da comunidade do Bode em Recife expressa isso na letra de uma de suas
músicas:
que o espaço fique aberto diariamente, o que não ocorria quando contavam
exclusivamente com o trabalho voluntário dos jovens.
É importante esclarecer que os jovens relutam em usar o termo voluntariado
por compreenderem que suas ações são resultado de um engajamento na luta
contra a exclusão e pela ampliação de acesso à leitura. Não querem que suas ações
sejam confundidas com práticas filantrópicas.
Em 2005, as duas bibliotecas foram contempladas com o Prêmio Unicsul de
Intervenção Social, oferecido pela Universidade Cruzeiro do Sul, que lhes garantiu
recursos financeiros no valor de R$ 10.000,00, divididos entre as 2 bibliotecas
comunitárias e uma terceira do bairro de Sapopemba. E, no mesmo ano, a Biblioteca
Comunitária Solano Trindade foi contemplada no Programa VAI da Secretaria
Municipal de Cultura de São Paulo. Segundo Weber, o grande diferencial desse
programa é o fato de não haver necessidade de o grupo ter uma razão social, basta
os currículos individuais e o histórico do grupo.
Apesar deste trabalho não estar focado no espaço, acervo, público e serviços,
decidimos acrescentar alguns dados sobre esses aspectos, que puderam ser
observados durante a pesquisa, pois acreditamos que eles ajudarão o leitor a formar
um quadro mais completo das características das bibliotecas comunitárias.
A Biblioteca Solidária, por ter como idealizador e gestor um bibliotecário,
segue todos os parâmetros organizacionais da Biblioteconomia e desempenha todas
as funções de uma biblioteca pública no distrito de São Francisco Xavier, assim
como a Biblioteca Paulo Freire, na Maré. Em relação aos acervos, as duas
bibliotecas contam com acervos, ricos, diversificados, tratados e disponibilizados em
catálogos informatizados de acesso local.
Destacamos a seguir alguns aspectos das experiências analisadas que nos
chamaram a atenção ou por sua peculiaridade ou pelo impacto causado na
comunidade.
134
Cabe lembrar que o Prof. Aziz Ab’Saber (2005a; b; c) em função da sua larga
experiência no estímulo à criação de bibliotecas comunitárias escreveu 3 textos
sobre o assunto com o intuito de orientar o desenvolvimento desse tipo de
experiência.
A Biblioteca Comunitária Tobias Barreto, tão referendada pela mídia como um
exemplo a ser seguido, não passa de um depósito obscuro de livros. O espaço não
possui nenhuma prerrogativa que lhe confira as características básicas de uma
biblioteca, ou seja, seu acervo não apresenta uma mínima organização com vistas à
recuperação, não está disposto de maneira que seja possível o seu acesso e mais, o
135
determinada e muito inteligente, porém não tem referencial cultural para identificar
diferenças desse tipo, o que lhe trás angústia e preocupação com a possibilidade de
errar em seu trabalho. Por outro lado, nesse momento, será que faz diferença a
origem do texto escolhido? Para nós, esse exemplo evidência a necessidade de
adequação do modelo proposto pelo Programa Ler é Preciso.
Mais de uma vez a biblioteca foi citada pelos entrevistados como sendo a sua
segunda casa. Na Vila Livieiro, Dinha faz questão de reforçar que a biblioteca fica no
lugar mais bonito da comunidade: “a Maloca é cercada por grama e lá as crianças
podem se reunir para brincar, jogar bola e empinar pipa”. São essas crianças que
são convidadas a participar de atividades na biblioteca “pelo que elas gostam.”
Se você gosta de Axé, venha aqui com o seu grupo oferecer uma oficina de Axé.
Eu não preciso gostar, mas se você gosta e precisa de um espaço, venha!
Vamos conversar.
(Dinha, Biblioteca Comunitária Livro-Pra-Quê-Te-Quero)
22
Endereço eletrônico: http://malocapraquetequero.blogspot.com/2007/08/maloca-e-suas-estrias.html
140
como um fator inibidor para ampliar o uso da biblioteca. Esse é um grande problema
para as lideranças, pois nem todas conseguem desenvolver estratégias para
enfrentá-lo.
A forma encontrada pela Biblioteca dos Garis de estimular a leitura foi por
meio dos cursos de alfabetização, já mencionados acima. Já aquelas bibliotecas que
contam com jovens rappers em seus grupos, lançam mão da rima e da música para
atrair novos usuários. O pessoal do Força Ativa de Cidade Tiradentes, assim como o
pessoal da Zumaluma, começa esse trabalho nas escolas da região. Organizam
palestras que terminam sempre com um rap que valoriza a leitura e o acesso à
informação. Em Heliópolis, veiculava na radio comunitária a seguinte musica feita
por um dos monitores da biblioteca:
comunidade e se colocam abertos para aprender. O que não querem e deixam bem
claro é que “pessoas com ar de soberba venham apontar erros”, ou ainda, “se
coloquem de maneira impositiva perante o grupo” é o que diz Bisturi da Biblioteca
Zumaluma.
Uma nova política cultural precisa começar como cultura política nova,
cuja viga mestra é a idéia e a prática da participação.
Marilena Chaui
brasileira. Cabe lembrar que os grupos com maior poder aquisitivo têm outras
formas de cobrir esse déficit, seu poder de compra lhe dá acesso à leitura e aos
“bens” informacionais ofertados pelo mercado. Suas crianças e jovens freqüentam
instituições de ensino privado que possuem bibliotecas escolares ricas em acervo e
conduzidas por profissionais que desenvolvem serviços direcionados às
necessidades de seus usuários. O fato de termos grupos com disparidades tão
grandes em relação ao acesso à informação, à leitura e ao livro evidencia que o
princípio da isonomia, no qual todos têm direitos iguais perante a lei, previsto na
Constituição Brasileira, não está sendo respeitado.
Apesar de reconhecermos o mérito de muitas das experiências capitaneadas
pelo Terceiro Setor, conforme apontamos na seção anterior, ao analisar aquelas
criadas a partir dos Programas Expedição Vaga Lume, Programa Ler é Preciso,
Projeto Casulo e Espaço Criança Esperança, não podemos ignorar os riscos que
esse modelo carrega. Para nós, o maior deles é a valorização do “discurso neoliberal
que preconiza a iniciativa individual e privada contra a ineficiência burocrática do
Estado e a politização dos conflitos”, apontado primeiramente por Paoli (2005, p.
386) em sua análise sobre empresas e responsabilidade social.
Da forma como se apresentam, a partir das experiências analisadas, os dois
caminhos não nos parecem suficientemente firmes para que estas bibliotecas
tenham condições de superar as adversidades do dia-a-dia e criar raízes fortes para
se estabelecer como entidades autônomas no processo de emancipação social e
democratização da informação e da leitura.
Considerando os resultados obtidos nesta pesquisa, podemos afirmar que a
hipótese inicial, de que estas bibliotecas são pólos irradiadores de cultural e saber
local é verdadeira, especialmente naqueles casos em que um grupo local, formado
por cidadãos críticos e conscientes de sua situação econômica, social e cultural,
torna o projeto de criação desses espaços efetivamente públicos. O projeto
biblioteca passa a ser um desafio para enfrentar a carência de serviço público na
área de educação e cultura na sua comunidade. Somente nesses casos, se
apoiadas pelo poder público local, poderão transformar-se em espaços estratégicos
para a implantação de políticas de integração social e cultural.
É preciso valorizar e aproveitar as iniciativas que contam com a participação
ativa dos cidadãos, melhorando as suas condições, articulando-as com as instâncias
147
uma agência desse porte pode oferecer e deve colocar a disposição da Câmara
Setorial responsável pela formulação das políticas públicas para a área, em grande
parte vem do monitoramento e avaliação dos projetos implementados por ela.
Entendemos que tudo isto faz parte de um processo cíclico que é realimentado
continuamente, é a “rede de informação sobre a informação”, como afirma Gonzales
de Gomes (1999, p. 26).
158
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
conta desta demanda, por meio das escolas e de suas bibliotecas, e se não existem
bibliotecas públicas suficientes para atender a necessidade de auto-formação da
população, a criação da biblioteca comunitária passa a ser o caminho natural
encontrado pelas comunidades locais para apoiar uma das mais importantes
ferramentas de emancipação do homem, a leitura.
Não podemos dizer que as experiências analisadas trabalham com a
informação de acordo com os conceitos biblioteconômicos. Elas cumprem muito
mais a função de sala de leitura do que de biblioteca propriamente dita. O próprio
Devanir Amâncio, um defensor da biblioteca comunitária, reconhece isso. No
entanto, o estudo demonstra que elas têm impactado de maneira profunda
determinados grupos e comunidades, mudando hábitos, comportamentos e agindo
como um espaço transformador, inclusive perturbando a lógica de entendimento da
tradicional tipologia das biblioteca na área da Biblioteconomia. Portanto, cabe a
pergunta aos pesquisadores, professores e alunos dos cursos de Biblioteconomia -
será que não está na hora de reformularmos o paradigma da biblioteca pública?
A partir dos resultados obtidos podemos afirmar que há um espaço aberto na
área de Biblioteconomia que está sendo ocupado pelo protagonismo social.
As bibliotecas públicas de nosso país não contam com recursos apropriados
para desenvolverem suas ações e também não contam com a efetiva participação
da população. Essas instituições públicas, apesar de idealmente serem criadas para
atender a uma comunidade local, agem como espaços de prestação de serviço, sem
nenhum vínculo com as lideranças e agentes locais. Também não estimulam a
articulação com outros agentes públicos de áreas que poderiam ser consideradas
complementares, tais como educadores, agentes sociais ou de saúde. Não
trabalham no sentido de criar mecanismos que garantam o estabelecimento de
processos participativos. São pouquíssimas as associações de amigos da biblioteca
que existem e das poucas existentes, muitas estão desativadas.
Os resultados da pesquisa demonstraram que é principalmente por meio das
Leis de Incentivo que as empresas e o Terceiro Setor estão apoiando os projetos
analisados, ou seja, as ações nesta área estão sendo financiadas com dinheiro
público, porém, sem a participação do Estado. Se esses recursos estivessem sendo
destinados à criação e manutenção de bibliotecas públicas e escolares talvez
tivéssemos outra realidade nacional a ser analisada. As relações entre Estado e as
organizações da sociedade civil, nesses casos, são regidas unicamente por esta lei.
160
REFERÊNCIAS
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Associação Vaga Lume, c2005. Disponível em:
<http://www.expedicaovagalume.org.br/site/nosso_expedicao.asp#> Acesso em: 1
jul. 2008.
ASSOCIAÇÃO VAGA LUME. Iluminando caninhos da Amazônia. São Paulo:
Associação Vaga Lume,[2006?].
BADKE, Todêsca. Biblioteca popular: uma experiência no bairro das Laranjeiras.
Palavra-Chave, São Paulo, n. 4, p. 18-9, maio, 1984.
BALAZINA, Afra. Sem-teto faz biblioteca em prédio invadido. Folha de S. Paulo, São
Paulo, 1 fev. 2006. Cotidiano, Literatura subterrânea, p. C2.
BARATIN, Marc; JACOB, Christian (Dir.). O poder das bibliotecas: a memória dos
livros no Ocidente. 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006.
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167
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
APÊNDICE A
APÊNDICE B
ANEXO A
[...]
[...]
ANEXO B
(ENCONTRO, 2006)
181
ANEXO C
ANEXO D
Faixa 2 - Ego
Vozes: Tito e Akin / Baixo: Renato MC / Programação, Guitarra e Teclado
Refrão
[...]
Procure se organizar
Idéias positivas múltiplas, múltiplas, múltiplas
Para os parceiros e as parceiras, uma vida sexual iniciar
Sem susto, seguro, sem medo
Com camisinha Mem o vírus pegará
Se estiver contaminado não transmitirá
[...]