Controle Social e Segurança Propõe Temáticas Importantes: Código Logístico
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IESDE
2019
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Apresentação 7
1 Controle social 9
1.1 Controle social: conceitos e evolução histórica 9
1.2 Instituições de controle social 14
1.3 Estado: instituição de controle social 18
1.4 Monopólio da violência legitimada 28
2 Segurança Pública 33
2.1 Concepções de Segurança Pública 33
2.2 Desenho e funcionamento constitucional da Segurança Pública 36
2.3 Avanços institucionais da Segurança Pública no Brasil 38
Gabarito 135
Apresentação
Neste contexto de busca por harmonia social, os seres humanos ao longo dos tempos
estabeleceram códigos e normas para orientar costumes, contudo isso não bastou para que as
comunidades formadas se respeitassem. Surge então a necessidade de estabelecer instituições,
entre elas o próprio Estado, para fazer valer as normas legais.
Veremos que o Estado, como o maior e mais poderoso agente de controle social, em sua
atuação, se vale da violência física legitimada, conceito que o caracteriza e o torna detentor do
monopólio da força. Essa força é delegada aos órgãos de Segurança Pública, que também são alvos
de nosso estudo nesta obra por fazerem parte do controle da sociedade.
Família, religião e escola são igualmente abordadas em sua relação direta no controle social
como instituições que interferem no comportamento das pessoas. Com características próprias,
essas instituições atuam de diversas maneiras e são complementares, cada qual com sua importância.
Nesse sentido, esta obra está estruturada em cinco capítulos, que partem, no Capítulo
1, da definição de controle social, sua evolução histórica e as instituições que o promovem. Em
seguida, no Capítulo 2, apresentamos a Segurança Pública e sua atuação em prol da sociedade. O
terceiro capítulo aborda as Políticas Públicas, mais precisamente aquelas que tangem o universo da
Segurança. O Capítulo 4 apresenta a criminologia, seus conceitos e teorias. E, por fim, o Capítulo
5 encerra trata de polícia e policiamento, com especial destaque à participação da comunidade nas
questões que envolvem a Segurança Pública.
Controle social e segurança propõe temáticas que acrescentam muita informação àqueles
interessados pelo estudo do Estado, de seus órgãos de controle social e da participação da
comunidade no estabelecimento de uma sociedade mais justa e fraterna.
Boa leitura!
1
Controle social
Na vida em sociedade, espera-se que todos colaborem mutuamente para que o convívio,
necessário e obrigatório, seja agradável. Inclusive, as causas primeiras que levaram o ser humano
a se agrupar com pares foram, entre outras, a necessidade de afeto, segurança e troca de valores,
sejam de ordem material, moral ou de vínculo com a comunidade que se estabelecia, a fim de
garantir sua sobrevivência.
Toda forma de organização social, contudo, demanda normas a serem seguidas. Imaginemos,
por exemplo, o convívio em condomínios residenciais. Cada condômino deve obedecer às
regras de boa vizinhança, como retirar o lixo e depositá-lo de maneira adequada; evitar que seus
animais de estimação permaneçam ou sujem áreas comuns; guiar seus veículos pelas garagens em
velocidade compatível; respeitar os horários para barulhos etc. Pode parecer exagero, mas a vida
em comunidade requer, antes, respeito e educação, de modo que a desejada paz social possa ir
se estabelecendo.
Assim, com a necessidade de organização social, tudo começou. O processo civilizatório foi
se instalando e criamos entes, órgãos e ferramentas de controle para administrar as relações nos
seus diferentes contextos. Na busca do equilíbrio entre as necessidades individuais e compartilhadas
surge o controle social, objeto de reflexão deste capítulo.
Conformidade seria a ação orientada para uma norma (ou normas) especial,
compreendida dentro dos limites de comportamento por ela permitido ou
delimitado. Dessa maneira, dois fatores são importantes na conceituação de
conformidade: os limites de comportamento permitido e determinadas normas
que, consciente ou inconscientemente, são partes da motivação da pessoa.
[...]
Por sua vez, o comportamento de desvio é conceituado não apenas como um
comportamento que infringe uma norma por acaso, mas também como um
comportamento que infringe determinada norma para a qual a pessoa está
orientada naquele momento, o comportamento em desvio consiste, pois, em
infração motivada.
Processo que propicia a interiorização das normas sociais, as quais se integram na estrutura
Socialização
da personalidade.
Processo por meio do qual a pessoa se adapta às diversas normas e valores em conflito, e aos
Isolamento diferentes momentos e lugares, de tal maneira que a ação apropriada para uma determinada
ocasião permanece restrita a ela.
Quando conhecido, o controle social pode funcionar através da antecipação, pois a pessoa
Controle social socializada é capaz de prever as consequências de seu comportamento desviado se ferir as
expectativas dos demais.
As normas sociais definem não só as obrigações, como também os direitos. Dessa maneira,
as possíveis sanções para a conformidade dos membros às normas sociais, que protegem
Interesses
certas vantagens desfrutadas por seus membros, as transformam em vantagens legitimadas,
adquiridos
originando a convicção no apoio dado às normas. A expressão interesses adquiridos é, ainda,
desprovida de conotações valorativas quando empregada nesse contexto.
Socialização falha O termo falha é avaliatório e seu emprego representa o ponto de vista dos que aceitam
ou carente as normas em questão.
Cumprimento medíocre Se as sanções são adequadamente fortes, mas sua aplicação é frequente, sendo
das sanções poucas as pessoas encarregadas de sua execução, a validade da norma enfraquece.
Muitas vezes, o alcance ou o limite de uma norma não é claramente definido. Dessa
Alcance indefinido maneira, o comportamento que alguns consideram desviado pode ser defendido pela
da norma pessoa como sendo, na realidade, mais legítimo do que o esperado; teríamos, como
exemplo, o comportamento dos radicais ou fanáticos.
III – A comunidade
Violência ou ameaça de violência física. Legalmente, só ao Estado cabe o uso da força, por
meio de seu ordenamento jurídico e das organizações, tais como: exército, polícia, tribunais,
Constrangimento
penitenciárias. A força é exclusivamente para a proteção da sociedade, governo e castigo
físico
dos desvios. São exemplos de sanções físicas: prisão, residência vigiada, tortura (ilegal),
trabalhos forçados e pena de morte.
Resume-se a perdas econômicas. De modo legítimo, o meio para aplicar tal sanção é o sistema
jurídico, a partir de multas, indenização de prejuízos causados, restituição em caso de apropriação
Sanção econômica
indébita, etc. O Estado, clubes e associações profissionais, no caso de impedimento do exercício
da profissão, trazem como resultado os prejuízos econômicos, entre outros.
Refere-se à relação com deuses e espíritos e com a vida após a morte. Baseia-se na
aceitação, na crença e no poder do líder religioso. Certos comportamentos são considerados
Sanção religiosa agradáveis aos deuses, enquanto outros não. Quando há o desagrado aos deuses, as
sanções podem ser diversas: penitências, excomunhão, perdas dos méritos, ameaça de
condenação eterna, reencarnação em uma forma inferior, e assim por diante.
Nesse contexto, o controle social se mostra presente tanto nas manifestações do Estado
sobre a sociedade quanto nas relações com outras instituições sociais, às quais os indivíduos estão
sujeitos ao longo de suas vidas – família, religião, trabalho.
Ainda, outro viés conferido ao conceito de controle social tem relação com sua aplicação
no campo político. O controle exercido pela sociedade sobre as instituições políticas é a forma de
exercer a democracia participativa.
Para exemplificar, podemos ver, na Constituição Federal Brasileira (BRASIL, 1988), o artigo
74, parágrafo 2º: “Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima
para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da
União”. O artigo 31, parágrafo 3º, também dispõe: “As contas dos municípios ficarão, durante 60
dias, anualmente à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá
questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei”. Ainda, a população interessada pode criar
conselhos para exercer o controle e a fiscalização sobre os serviços públicos prestados pelo ente
estatal, como educação, saúde, infraestrutura ou segurança pública.
Diante desses conceitos, vamos conhecer, na sequência, as principais instituições que se
somam à definição e que podem regular o exercício do controle social sobre o indivíduo.
Ainda, segundo Fichter (apud LAKATOS; MARCONI, 1999, p. 168), instituição social é
conceituada como “uma estrutura relativamente permanente de padrões, papéis e relações que
os indivíduos realizam segundo determinadas formas sancionadas e unificadas, com objetivo
de satisfazer necessidades sociais básicas”. Instituições sociais compõem-se, assim, de grupos
formados por indivíduos que têm interesses comuns e se sujeitam às mesmas regras pré-definidas.
Elas surgem para atender às necessidades dos indivíduos organizados em grupos e, também, para
manter um controle social das atividades de quem nelas está inserido.
Para tanto, as instituições sociais têm características que devem ser observadas no momento
de sua constituição, conforme ensinam Lakatos e Marconi (1999):
• Finalidade, função ou meta: satisfação das necessidades sociais.
• Conteúdo relativamente permanente: padrões, papéis e relações entre indivíduos da
mesma cultura.
Controle social 15
1.2.1 Família
Para Lakatos e Marconi (1999, p. 171), “a família, em geral, é considerada o fundamento
básico e universal das sociedades, por se encontrar em todos os agrupamentos humanos, embora
variem as estruturas e o funcionamento”. É ela o primeiro grupo social em que o indivíduo está
inserido. Desde o nascimento, a família é a primeira organização social a interferir diretamente no
seu comportamento. As regras e ensinamentos sociais, morais e de convivência de uma família já
existiam e se faziam obrigatórias mesmo antes de o indivíduo nascer, de modo que ele deverá se
adequar a esses preceitos.
Devido à sua importância, a família é objeto de proteção pelos Estados em seus ordenamentos
jurídicos. A título de exemplo, podemos citar a Constituição Federal Brasileira (BRASIL, 1988) que,
em seu artigo 226, disciplina: “A família, base das sociedades, tem especial proteção do Estado”.
Nos incisos desse artigo, está disposto o entendimento constitucional sobre a configuração
da entidade familiar, assim como o casamento civil ou religioso que, inclusive, possui efeito
civil segundo a lei; a união estável entre o homem e a mulher; ou, ainda, a comunidade formada
por qualquer dos pais e seus descendentes. No entanto, com a evolução da sociedade, outras
configurações familiares já são permitidas pela jurisprudência e ordenamento infraconstitucional.
Verifica-se que, na família, as funções principais estabelecidas são de reprodução, para
perpetuação da espécie humana; econômica, a fim de assegurar os meios de sobrevivência do
grupo; e educacional, na transmissão de valores e padrões culturais da sociedade em que a criança
está inserida. A família colabora com o conceito e efetividade do controle social, uma vez que o
modo como o exerce é internalizado na consciência do indivíduo e, com isso, passa a moldar sua
16 Controle social e segurança
convicção do que é certo ou errado, normal ou anormal. Por meio de modelos de comportamento
de afeto, amor, lealdade e respeito, a família educa para uma convivência social de qualidade frente
à diversidade.
1.2.2 Religião
A religião, quando seguida por seus cuidadores e familiares, também é uma das primeiras
instituições sociais na qual o indivíduo se insere. Contudo, progressivamente, ele poderá exercer
seu livre-arbítrio e, dessa forma, decidir se irá continuar na mesma religião inculturada, procurar
outra que melhor corresponda à sua fé ou, até mesmo, não seguir religião alguma – nessa última
hipótese, deixa de pertencer a essa instituição social.
Encontrada de muitas formas em todas as épocas e sociedades, a religião está associada a
crenças que dizem respeito ao sobrenatural, à veneração e ao temor a entidades; por isso, exerce
uma forma de controle social sobre os indivíduos também por meio do medo e da culpa, além de
seus ensinamentos e dogmas.
Segundo Lakatos e Marconi (1999, p. 181), “a instituição religiosa seria o meio pelo qual o
homem se ajusta a seu ambiente sobrenatural”, isto é, qualquer coisa em cuja existência acredita.
Organizando-se para corresponder a esse ambiente, sujeita-se aos doutrinamentos da religião que
orienta sua fé.
Nesse mesmo entendimento, Durkheim (apud LAKATOS; MARCONI 1999, p. 181) define
religião como “um sistema unificado de crenças e práticas relativas a coisas sagradas, isto é, a coisas
colocadas à parte e proibidas – crenças e práticas que unem numa comunidade moral única todos
os que as adotam”.
Desse modo, a religião se mostra como um processo de socialização do indivíduo, o qual
interioriza a maneira de pensar, de sentir e agir, isto é, o modelo cultural próprio desse grupo no
qual se integra. Assim, a religião transmite normas, valores e comportamentos necessários para sua
construção e seu bom funcionamento como organismo social.
Na religião, as finalidades são transcendentais, como a salvação, ou gerais, como a busca por
uma vida próspera. As atitudes dos participantes são subjetivas, despertando sentimentos de temor
respeitoso e de reverência em relação ao que é santo. Por meio da religião, procura-se a atuação
do mundo sobrenatural, habitado por seres sensíveis aos desejos e sofrimentos humanos. Atitudes
como a vingança – exercício direto das próprias razões –, entre outras similares, são contrárias à
maioria dos mandamentos das religiões como um todo, de modo a não serem recompensadas.
Portanto, a religião atua como forma de controle social, uma vez que transmite ensinamentos
que orientam os comportamentos, direcionando-os especialmente ao bem-viver social. Tomando
por base atitudes de subordinação, cooperação, temor e obediência, o individuo que da religião
faz parte deve portar-se de modo a dignificar sua vida e repassar a seus iguais os ensinamentos
aprendidos nesse grupo.
Controle social 17
1.2.3 Educação
As instituições sociais educacionais são organizações específicas voltadas para a tarefa
de socializar o indivíduo, transmitindo-lhe conhecimentos, normas, valores, ideias, ideologias,
procedimentos e tradições na formação de sua bagagem cultural.
Conforme Durkheim (apud LAKATOS; MARCONI, 1999, p. 221), a educação:
é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontrem
ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na
criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados
pela sociedade política, em seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança,
particularmente, se destine.
1.2.4 Estado
O Estado é, também, uma instituição social de organização política que exerce o controle
social fixando regras de convivência a seus membros, com base na autoridade superior que lhe
é dada. Essas regras se referem ao caráter exterior da vida social e não aos comportamentos
internalizados pelo indivíduo em sua consciência, os quais ocorrem nas demais instituições sociais
que estudamos – família, religião e educação.
Conforme ensina Azambuja (1969, p. 4),
Todas as demais sociedades têm a organização e a atividade reguladas pelo
Estado, que pode suprimi-las ou favorecê-las. Nenhuma delas tem poder direto
sobre o indivíduo e só conseguem dele o cumprimento das obrigações assumidas
se o Estado as reconhecer, e unicamente esta dispõe legitimamente da força
para tornar efetiva a obediência. Por certo, essas sociedades dispõem de meios
de coação sobre o indivíduo, mas são meios indiretos. Se ele não cumprir as
normas da Igreja a que pertence, fica sujeito a certas consequências de natureza
moral, se dela se retira, pode sofrer com a perda da estima de certas pessoas,
pode sofrer excomunhão e anátemas. Mas nenhuma outra coação efetiva e
direta o atinge. Com o Estado é diferente. Eu não posso furtar às suas decisões
senão a preço de uma penalidade. Não posso em nenhum caso importante me
subtrair a sua jurisdição. Ele é a fonte última das decisões no meio normal da
minha existência, e isso dá à sua vontade uma importância, para mim maior
que a dos outros grupos. O Estado pode decidir esmagar-me de impostos, pode
18 Controle social e segurança
Como bem ensina Azambuja (1969), as regras e normas do Estado alcançam e se sujeitam
a todos os indivíduos que dele fazem parte. Mesmo se sairmos de um Estado para fugir de seu
ordenamento, inevitavelmente entraremos em outro Estado, o qual também terá as suas normas
cogentes. Embora essas normas possam ser diferentes, pois cada povo tem sua própria legislação,
serão inevitavelmente de cumprimento obrigatório.
Desse modo, vamos estudar, a seguir, os elementos essenciais que formam um Estado (sem
os quais ele não existiria), assim como a sua finalidade, seus tipos e sua formação em governos.
Esse estudo se valida na importância do entendimento pleno do tema para que os conceitos não se
confundam com os chamados elementos do Estado que, por sua vez, podem ser confundidos com
o próprio Estado.
O Estado exerce o poder sobre seu território e sobre as pessoas que nele se
encontrem, sejam elas nacionais ou estrangeiras. As leis de cada Estado são
obrigatórias em relação a todos os indivíduos que estão em seu território. Mas
quando se procura definir a natureza jurídica da relação que possa existir entre
o Estado e o território, acumulam-se as divergências dos autores. […] A maioria
dos escritores propende a ver na relação entre Estado e território, não um
domínio, um direito de propriedade, e sim um vínculo de natureza diversa, um
imperium, como diziam os romanos, que se exerce diretamente sobre as pessoas
e, através delas, sobre o território.
Característica Definição
Originária Por nascer com o Estado e por ser um atributo inseparável deste.
No seu desempenho, o Estado não só ordena, mas também dispõe de meios para
Coativa
fazer cumprir suas ordens coativamente.
Vontade comandante Superior a todas as demais vontades que se encontrem no território submetido a ela.
Por fim, o titular da soberania é o povo, elemento subjetivo do conceito de Estado. Somente
o elemento humano é capaz de vontade e ação. Porém, esse poder é exercido pelo Estado, que é a
expressão jurídica do povo.
A busca pelo bem comum ou pelo interesse público é a finalidade de todo e qualquer
Estado, uma vez que são criados para favorecer ao seu povo a realização de uma vida melhor ou
seu aperfeiçoamento físico, moral e intelectual. Não se trata de um bem individual ou da realização
de aspirações pessoais, mas sim do bem público de todos os sujeitos que compõem o Estado, sem
beneficiar ninguém em particular.
22 Controle social e segurança
Para a realização do bem público, o Estado deverá criar condições para que o indivíduo
viva em harmonia e solidariedade com os demais, desenvolvendo suas aptidões físicas, morais e
intelectuais. Assim, segurança e progresso seriam o fim do bem público, de modo que o “Estado
terá, portanto, como objetivo satisfazer a necessidade de segurança protegendo os direitos dos
associados; satisfazer a necessidades de progresso auxiliando os cidadãos a se aperfeiçoarem”
(AZAMBUJA, 1969, p. 127).
Nesse contexto, vale conhecer a dupla função do Estado, descrita na figura a seguir.
Figura 2 – Dupla finalidade do Estado
Estado
Finalidade Definição
Direito de manter seu próprio governo, elaborar suas próprias leis e administrar os
negócios públicos sem interferência de outros Estados; manter a ordem interna e a
Garantir a soberania
segurança externa, a integridade territorial e o poder de decisão. Ao Estado, em virtude de
sua autoridade e poder supremo, cabe o monopólio legítimo da força.
Estado diferencia-se das demais instituições por ser o único que se encontra investido de
poder coercitivo, proibindo uma série de atos ou obrigando os cidadãos a agirem de uma
ou de outra maneira, por meio das leis ou da força física. A coerção tem como objetivo
Manter a ordem propiciar um ambiente de ordem, preservando os direitos individuais ou coletivos. As
leis estabelecem, portanto, o que deve ou não ser feito, além do que pode ser feito, e
prescrevem as punições por sua violação. O Estado é, pois, a instituição autorizada a
decretar, impor, administrar e interpretar as leis na sociedade moderna.
Promover o bem-estar Seria o mesmo conceito de bem público. Sua promoção pelo Estado ocorre por meio da
social realização da segurança e do progresso.
Dessa forma, vimos que a finalidade do Estado está na garantia e promoção do bem comum.
Para realizar esse intento, ele deve usar de sua autoridade e poder soberano dentro de uma ordem
jurídica predeterminada pelos indivíduos que o compõem.
O governo é visto, então, como a forma com a qual se exerce o poder ou a autoridade em um
Estado, influenciando diretamente na vida dos indivíduos que o compõem. As formas de governo
são, na prática, modalidades de organização do poder político do Estado.
Nos Estados Modernos, as formas de governo mais comuns são a monarquia e a república,
as quais explicamos a seguir:
• Monarquia: forma de governo em que o poder está centralizado em um indivíduo, sendo
este a mais elevada representação da vontade jurídica do Estado, independente de outras
vontades. Há a figura do rei/soberano, que herda o poder e o mantém até a morte. Diz-se a
24 Controle social e segurança
monarquia como sistema político em que o cargo de chefe do Poder Executivo é vitalício,
hereditário e irresponsável.
• República: sistema político em que o cargo de chefe do Poder Executivo é temporário,
eletivo e responsável. Ainda, nesse sistema, há a existência dos três poderes constitucionais,
o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, que exercem funções independentes e harmônicas
entre si.
Em relação às formas de governo podemos encontrar, ainda, a sua divisão em modalidades
de organização do poder político, destacadas no quadro a seguir:
Quadro 6 – Modalidades de organização do poder político
Quanto à origem do
Juridicamente, o poder não pertence ao povo, que não tem o
poder
direito de dirigi-lo. Os governantes não são representantes do
Governos de povo; governam por direito próprio, são autocratas. Como exemplo,
dominação citamos o governo exercido por uma entidade sobrenatural, como
nas teocracias; ou, ainda, o governo exercido por um indivíduo
que o teria conquistado, adquirido ou recebido de uma divindade.
Como vimos, o poder, quando dito político, organiza-se de acordo com a origem, sendo
exercido por governos democráticos ou de dominação, governos de fato ou de direito e governos
absolutos ou constitucionais.
Controle social 25
Com base nessas informações, percebemos que o poder pode ser uno, exercido
completamente por um governo central, ou pode ser dividido em entes, denominados Estados,
que detêm autonomia interna, mas, mesmo assim, são sujeitos à soberania do ente central – no
caso do Brasil, a União.
Poder Judiciário, por meio dos tribunais judiciais. No Brasil, temos o Supremo Tribunal
Federal, o Superior Tribunal de Justiça, os tribunais especializados de acordo com a
Judiciária matéria que lhe é afeta, chamados de Tribunais Superiores, e os tribunais de justiça nos
estados membros. Sua função corresponde a plicar o direito aos casos concretos, a fim
de dirimir conflitos de interesses.
Vimos, então, que na concepção de Estado o governo é a forma de exercício do poder e que
esse poder, para uma melhor organização jurídica de sua manifestação, é dividido entre os órgãos
que compõem esse mesmo governo e que exercem as funções legislativa, executiva e jurisdicional.
Controle social 27
Assim, de modo sucinto, o Estado Democrático de Direito configura-se pelo poder exercido
pelo povo e para o povo, em que o Estado, assim como seu povo, se sujeita aos imperativos das
leis. Contudo, a ele é permitido fazer somente aquilo que a lei permite expressamente, enquanto ao
povo é permitido fazer aquilo que a lei não proíbe, partindo-se do entendimento sobre o princípio
da autonomia da vontade.
28 Controle social e segurança
1 Max Weber nasceu em Erfurt, Turíngia, Alemanha, em 21 de abril de 1864. Estudou Direito, História, Economia e
Filosofia. Serviu o exército por um ano. Aprendeu espanhol e italiano. Foi advogado, mas se dedicou posteriormente
à carreira acadêmica. Entre seus escritos está a obra A Ética Protestante e o Espírito Capitalista (1905). Seus trabalhos
foram fundamentais para a Sociologia.
Controle social 29
Concordamos com o autor que não podemos admitir que outro grupo político, que não seja
o Estado, use de força. É admitido, então, que apenas o Estado, em nome de seu povo, se consolida
como o único a ter o “direito” de usar da violência, quando legitimada.
Nessa senda, vamos somando a nosso entendimento que política, como vimos, é a liderança
e a influência sobre a liderança do Estado, conceitos que se relacionam à ideia de poder. Portanto,
quem exerce a política, exerce influência, decisão e poder.
Assim, o Estado estabelece uma relação de dominação, fundada na violência física
considerada legítima; Weber (2011) conclui que o Estado só pode existir se os dominados se
submeterem à autoridade.
Para que haja a legitimidade da autoridade, Weber (2011) nos apresenta três fundamentos,
explorados no quadro a seguir:
Quadro 8 – Fundamentos que legitimam a autoridade
Fundamento Definição
A autoridade do “passado eterno”, dos costumes santificados pela validez
Poder tradicional imemorial e pelo hábito, enraizado dos homens, de respeitá-los. O patriarca, ou
o senhor das terras, é um exemplo.
Torna-se dispensável dizer que a obediência pode ocorrer por várias motivações, entre elas
o medo – seja de forças “mágicas” ou das autoridades que exercem a política –, a influência e a
esperança de recompensa. Weber (2011, p. 69), sobre isso, afirma: “Seja como for, cada vez que se
propõe interrogação acerca dos fundamentos que ‘legitimam’ a obediência, encontram-se, sempre
e sem qualquer contestação, essas três formas, ‘puras’ que acabamos de indicar”.
A questão que ainda se mantém relevante, nesse contexto, é: como o Estado exerce essa
violência legítima a que estamos nos referindo até agora? A resposta soa simples: por meio de seus
órgãos de segurança pública, legitimados pelo Estado para tal mister.
Desse modo, nunca vamos admitir que o transgressor use a força, pois o entendimento
será de que o marginal o estará fazendo de maneira ilegal, por óbvio, e também sem a aceitação
(legitimação social), ocorrendo a intimidação do indivíduo por meio da força ilegítima – aí teremos
a violência pura, e não força.
30 Controle social e segurança
Por outro lado, o cidadão reconhece no policial a legalidade e a legitimidade para fazer
cumprir a legislação dentro dos seus limites. Isso porque o policial pode e deve usar a força
proporcional para conter qualquer ameaça à Ordem Pública, assim como à segurança individual e
coletiva dos cidadãos.
Com base nessa reflexão inicial podemos verificar que o Estado, detentor do monopólio,
por meio da força física legitimada, como preferimos chamar, é responsável inclusive pelo processo
civilizatório. No próximo capítulo, vamos abordar os órgãos, que, mais do que autorizados pelo
Estado, são obrigados por ofício a fazer uso da força física legítima para salvaguardar vidas.
Considerações finais
Com base no que estudamos, podemos perceber que todas as atividades humanas estão
condicionadas a certo controle, caracterizado pela presença de alguma instituição que nos molda
e direciona. Família, religião, escola e a mais poderosa instituição, o Estado, fazem parte de nosso
cotidiano. Mesmo que possamos nos imaginar livres do controle social, vamos concluir que isso
é impossível. Ao sairmos de um Estado, estaremos sujeitos às normas de outro. Quanto às demais
instituições, podemos também deixá-las e buscar outras, mas vamos ter de nos adaptar de qualquer
modo; inclusive, estaremos sujeitos às regras da natureza, se o isolamento for a escolha.
Assim, verificamos que somos guiados a nos subordinar, de alguma maneira, se quisermos
fazer parte de uma sociedade. No processo civilizatório, e para este também, transferimos parte de
nossos direitos e de nossa força ao Estado, detentor de força e, se necessário, de violência, para fazer
valer a vontade da coletividade.
Nossa força transferida ao ente estatal pode e será usada para garantir direitos e impor vontades,
desde que legitimada pela maioria dos cidadãos por intermédio dos órgãos constitucionalmente
previstos, conforme veremos nos próximos capítulos.
Atividades
1. Defina as expressões:
a) Conformidade.
b) Desvio.
3. De acordo com Lakatos e Marconi (1999), quais são as características das instituições sociais
que devem ser observadas no momento de sua constituição?
4. O ponto central da Max Weber, em A política como vocação (2011), refere-se ao monopólio
do uso da violência legítima. Discorra sobre esse monopólio.
6. No Estado Moderno, quais são as duas formas de governo mais comuns? Defina-as.
Referências
AZAMBUJA, D. Teoria Geral do Estado. 5. ed. Porto Alegre: Globo, 1969.
BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 out. 2019.
COELHO, I. M. Fundamentos do Estado de Direito. In: MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G.
Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
DALLARI, D. de A. Elementos de teoria geral do Estado. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1981.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. de A. Sociologia geral. 7. ed. São Paulo: Atlas, 1999.
MAQUIAVEL, N. O príncipe: com notas de Napoleão Bonaparte. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1997.
MARQUES, V. B. dos R. Controle social: entenda este conceito fundamental da Sociologia. Blog do ENEM.
Disponível em: https://blogdoenem.com.br/controle-social-sociologia/. Acesso em: 22 out. 2019.
MONTESQUIEU, C-L. de S. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.
WEBER, M. Ciência e política: duas vocações. 18. ed. São Paulo: Cultrix, 2011.
2
Segurança Pública
As informações que acessamos por meios formais ou informais de comunicação têm grande
influência sobre nossas percepções. Por essa razão, opiniões a respeito da Segurança Pública podem
não corresponder à realidade devido à disposição de informações sensacionalistas ou tendenciosas
para o consumo imediato, especialmente em canais não oficiais como as redes sociais.
Neste capítulo, apresentamos dados de cunho histórico, legislativo e outros que envolvem a
Segurança Pública de modo geral. Objetiva-se, com isso, favorecer uma interpretação adequada da
relação entre a Segurança Pública e o comportamento humano.
Assim, fica o convite para você continuar conosco nessa jornada, que apenas começa nesta
obra, mas não tem fim.
1 Para saber mais a respeito da história da Marinha do Brasil, sugere-se a seguinte leitura: BRASIL. Ministério da
Defesa. Marinha do Brasil. História naval. Disponível em: https://www.marinha.mil.br/content/historia-naval. Acesso
em: 18 out. 2019.
2 Para saber mais a respeito da história do Exército Brasileiro, sugere-se a seguinte leitura: BRASIL. Portal Brasileiro
de Dados Abertos. Exército Brasileiro – EB. Disponível em: http://dados.gov.br/organization/about/exercito-brasileiro-
eb. Acesso em: 18 out. 2019.
3 Para saber mais a respeito da história da Força Aérea Brasileira, sugere-se a seguinte leitura: ELIAS, J. Homenagem.
In: BRASIL. Ministério da Aeronáutica. Disponível em: http://www.fab.mil.br/ministerio/. Acesso em: 18 out. 2019.
Segurança Pública 35
4 Vale lembrar que, à época, a Capital/Distrito Federal do Brasil era a cidade do Rio de Janeiro.
36 Controle social e segurança
• Corpos de Bombeiros Militares: são militares dos estados, do Distrito Federal e dos
territórios (BRASIL, 1988). Os Bombeiros Militares basicamente são compostos pelos
seguintes cargos: soldado, cabo, sargento, subtenente, aspirante a oficial, tenente, capitão,
major, tenente-coronel e coronel. Além das atribuições definidas em lei, é incumbida a
eles “a execução de atividades de defesa civil” (BRASIL, 1988).
• Guardas Municipais: a criação de Guardas Municipais é uma faculdade dos municípios,
conforme a Lei n. 13.022, de 8 de agosto de 2014 (BRASIL, 2014), que institui o Estatuto
Geral das Guardas Municipais. Segundo o artigo 9º desse Estatuto, “a guarda municipal é
formada por servidores públicos integrantes de carreira única e plano de cargos e salários,
conforme disposto em lei municipal”. No tocante ao seu objetivo, consta-se: “proteção de
seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei” (BRASIL, 1988).
Os órgãos de Segurança Pública apresentados até então são os mais conhecidos, por isso
a relevância de se conhecer também seus objetivos segundo o que nos apresenta a Constituição
Federal (BRASIL, 1988). Na próxima seção, vamos compreender melhor seu funcionamento após
o advento da Lei n. 13.675, de 11 de junho de 2018 (BRASIL, 2018a).
Porém, o Presidente da República pode consultar, nos casos de assuntos que se relacionem à
soberania nacional e à defesa do Brasil, na condição de Estado Democrático, o Conselho de Defesa
Nacional, assim como descreve o artigo 91 da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Ainda, é relevante apontar que a tomada de decisão do Comandante Supremo das Forças
Armadas é de tamanha importância que fazem parte do Conselho de Defesa Nacional como
membros natos:
• Vice-presidente da República.
• Presidente da Câmara dos Deputados.
• Presidente do Senado Federal.
• Ministro da Justiça.
• Ministro de Estado da Defesa.
• Ministro das Relações Exteriores.
• Ministro do Planejamento.
• Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
Ainda de acordo com a mesma legislação, se necessário o emprego das Forças Armadas
nos casos específicos, ele ocorrerá de maneira episódica e por tempo limitado, com caráter de
prevenção e repressão necessários para a garantia da lei e da ordem. Nesses casos específicos,
o controle operacional dos órgãos de segurança pública necessários ao
desenvolvimento das ações [será transferido] para a autoridade encarregada das
operações, a qual deverá constituir um centro de coordenação de operações,
composto por representantes dos órgãos públicos sob seu controle operacional
ou com interesses afins. (BRASIL, 1999)
Vimos, portanto, a Constituição Federal (BRASIL, 1988) no que tange às Forças Armadas,
bem como a Lei Complementar n. 97 (BRASIL, 1999), que trata da aplicação delas especificamente
na Segurança Pública. Construímos, assim, alguns conceitos relevantes para interpretar o caput do
artigo 144, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que nos remete não apenas à ideia de que o
Estado tem o dever de cuidar das questões relacionadas à Segurança Pública, mas salienta que ela
é responsabilidade de todos – o que inclui a nós, cidadãos.
Basicamente vimos, até então, as responsabilidades do Presidente da República como
Comandante Supremo (BRASIL, 1988) e do Conselho de Defesa Nacional (BRASIL, 1988), que
pode ser consultado “nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado
democrático”. Destacamos também, na Constituição Federal (BRASIL, 1988), a destinação das Três
Forças Nacionais e, na Lei Complementar n. 97 (BRASIL, 1999), em que se constata a atuação legal
das Forças Armadas na Segurança Pública, que assume o controle das Forças de Segurança Pública
em casos específicos e esporádicos.
Essa possível intervenção das Forças Armadas também as torna auxiliares da Segurança
Pública, assim como verificamos no texto constitucional que as Polícias Militares e os Corpos de
Bombeiros Militares são forças auxiliares e reserva do Exército (BRASIL, 1988).
Nessa via de mão dupla temos a reciprocidade de auxílio em prol da defesa do Estado
Democrático de Direito em todas as suas esferas, bem como o controle social com base nos
emprego dos “instrumentos”, órgãos das Forças, ou seja, como a legislação nomeia os profissionais
que, delegados pelo Estado, detêm o direito/dever de agir em nome da supremacia do Brasil, da
Ordem Pública e, principalmente, na defesa da cidadania.
O referido estudo orienta a pensar em não haver como abordar satisfatoriamente todos os
elementos que envolvem a Segurança Pública, nosso tema principal, devido à escassez de recursos,
entre eles: humanos, de tempo e informações.
Muitos desses elementos, em que pese não terem, aparentemente, relação direta com a
Segurança Pública, impactam nos níveis de segurança do cidadão. O ideal, segundo o estudo, é
delimitar o tema para, assim, substancialmente avançar, com foco na estrutura básica dos órgãos
de Segurança Pública do Brasil.
O estudo também nos traz a notícia de que é possível pontuar medidas na área das políticas
públicas de segurança que contribuam com o sistema de modo racional quando colocadas a
favor de outras. Argumenta, sobre isso, que muitas dessas soluções supostamente deveriam ser
constitucionalizadas para terem maior respaldo (BRASIL, 2018b).
Além disso, assuntos considerados imprescindíveis dispõem de pontos que sugerem o
mesmo direcionamento que outros, tornando-os idênticos. Pode-se inclusive presumir que essa
temática tem relação com a “legislação penal e processual penal, que se reflete potencialmente na
temática da segurança” (BRASIL, 2018b, p. 25).
Tendo em vista a relevância dessa reflexão, e tudo o que nos leva a crer que o assunto
Segurança Pública é um tema verdadeiramente multidisciplinar, em coerência com a afirmativa
dos pesquisadores de que há nele pontos de convergência e encontro, optamos por trazer a essa
seção o que consideramos adequado em relação aos avanços institucionais: Intervenção Federal;
Estado de Defesa e Estado de Sítio; Força Nacional de Segurança Pública; Operações de Garantia
da Lei e da Ordem (GLO); e Sistema Único de Segurança Pública (Lei n. 13.675/2018).
Há ainda as competências que são repartidas entre União, Estados, Distrito Federal e
Municípios. São competências comuns relacionadas à matéria e às competências legislativas:
Como no Estado Federal há mais de uma ordem jurídica incidente sobre um
mesmo território e sobre as mesmas pessoas, impõe-se a adoção de mecanismo
que favoreça a eficácia da ação estatal, evitando conflitos e desperdício de
esforço e recursos. A repartição de competências entre as esferas do federalismo
é o instrumento concebido para este fim. (BRANCO, 2009, p. 849)
Extraímos dessa leitura que a União não tem livre-arbítrio para intervir nos entes federados
estaduais e no Distrito Federal. Deve sempre ocorrer a motivação ideal para uma interferência, e as
exceções, para se realizarem, devem ser taxativas e normatizadas.
A solicitação ou a requisição devem ser dirigidas ao Presidente da República, uma vez que
somente a ele cabe a competência privativa de decretar a Intervenção Federal (BRASIL, 1988), pois
ele é o Chefe do Governo, da União, a qual intervirá ou não nos Estados-membros. Isso ocorre
porque, segundo Moraes (2012, p. 334), a Intervenção Federal ou Estadual “é, pois, ato do Chefe do
Poder Executivo”. Conforme ressalta Lenza (2015, p. 570, grifos nossos):
Na hipótese de solicitação pelo Executivo ou Legislativo, o Presidente da
República não estará obrigado a intervir, possuindo discricionariedade para
convencer-se da conveniência e oportunidade. Por outro lado, havendo a
requisição do Judiciário, […] o Presidente da República estará vinculado e
deverá decretar a intervenção federal, sob pena de responsabilidade.
São formas de o Estado regular, por meio de sua força, determinadas situações que
estão por afetar instituições democráticas que devem ser protegidas, exercendo, portanto, um
controle social.
A defesa das instituições democráticas caracteriza-se como o equilíbrio da
ordem constitucional, não havendo preponderância de um grupo sobre outro,
mas, em realidade, o equilíbrio entre os grupos de poder. Se a competição entre
grupos sociais extrapola os limites constitucionais, teremos o que a doutrina
denomina situação de crise. (LENZA, 2015, p. 1085)
Para controlar essa situação de anormalidade tem-se o sistema constitucional das crises,
compreendido como “um conjunto de normas constitucionais que, informadas pelos princípios
da necessidade e da temporariedade, têm por objeto as situações de crises e por finalidade a
manutenção ou o restabelecimento da normalidade constitucional” (MORAES, 2012, p. 839).
Ainda, Silva (2000, p. 739) observa que esse sistema fixa
normas que visam à estabilização e à defesa da Constituição contra processos
violentos de mudança ou perturbação da ordem constitucional, mas também
à defesa do Estado quando a situação crítica derive de guerra externa. Então, a
legalidade normal é substituída por uma legalidade extraordinária, que define e
rege o estado de exceção.
• Medidas coercitivas:
• Restrições aos direitos de:
a. Reunião, ainda que exercida no seio das associações.
b. Sigilo de correspondência.
c. Sigilo de comunicação telegráfica e telefônica.
• Ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade
pública, respondendo à União pelos danos e custos decorrentes.
• Situações reguladas especificamente na vigência do Estado de Defesa:
I - a prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida,
será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará, se
não for legal, facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade
policial;
II - a comunicação será acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado
físico e mental do detido no momento de sua autuação;
III - a prisão ou detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias,
salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário;
IV - é vedada a incomunicabilidade do preso. (BRASIL, 1988, art. 136, § 3º)
Ambos os pontos debatidos pela Lei são de suma importância, contudo, a seguir, nos
aprofundaremos no SUSP com maior intensidade.
Considerações finais
Este capítulo buscou instigar à pesquisa e à construção de mais conhecimento. O objetivo foi
mostrar algo de importante e necessária aprendizagem para que a sociedade prospere.
Nosso tema central, controle social, não pode prescindir do tema paralelo que o acompanha,
Segurança Pública. E não há como conhecer o conceito de segurança sem visitar teoricamente os
órgãos que o compõem enquanto sistema e sem saber de onde são oriundos, bem como qual é o
horizonte que estão buscando.
Sugere-se a visita ao site do Mistério da Justiça e Segurança Pública para encontrar mais
informações sobre a atuação da Força Nacional de Segurança Pública.
Atividades
1. Discorra sobre as três Forças Armadas: quais são, a quem se subordinam e qual a sua
destinação constitucionalmente prevista.
2. Disserte a respeito dos órgãos de Segurança Pública elencados no artigo 144 da Constituição
Federal (BRASIL, 1988): quais são eles e quais são as suas competências.
Referências
BRANCO, P.G.G. Organização do Estado. In: MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Curso de
direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
BRASIL. Decreto n. 641, de 26 de junho de 1852. Coleção das Leis do Brasil, Poder Legislativo, Brasília,
DF, 31 dez. 1852. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dpl/DPL641-1852.
htm. Acesso em: 18 out. 2019.
BRASIL. Decreto-Lei n. 18.323, de 24 de julho de 1928. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília,
DF, 15 ago. 1928. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-18323-
24-julho-1928-516789-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 18 out. 2019.
BRASIL. Decreto-Lei n. 2.961, de 20 de janeiro de 1941. Coleção das Leis do Brasil, Poder Executivo, Brasília,
DF, 25 jan. 1941a. Disponível em: http://planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1937-1946/Del2961.htm.
Acesso em: 18 out. 2019.
BRASIL. Decreto-Lei n. 3.302, de 22 de maio de 1941. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF,
22 maio 1941b. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-3302-
22-maio-1941-413224-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 18 out. 2019.
54 Controle social e segurança
BRASIL. Decreto-Lei n. 6.378, de 28 de março de 1944. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília,
DF, 06 abr. 1944. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-6378-
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BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União. Poder Legislativo, Brasília, DF, 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 ago. 2019.
BRASIL. Lei Complementar n. 97, de 9 de junho de 1999. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jun. 1999.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp97.htm. Acesso em: 21 out. 2019.
BRASIL. Decreto n. 3.897, de 24 de agosto de 2001. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF,
27 ago. 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/d3897.htm. Acesso em: 22
out. 2019.
BRASIL. Lei n. 13.022, de 8 de agosto de 2014. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 11
ago. 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13022.htm. Acesso
em: 21 out. 2019.
BRASIL. Lei n. 13.675, de 11 de junho de 2018. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF,
12 jun. 2018a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13675.htm.
Acesso em: 21 out. 2019.
BRASIL. Segurança Pública: prioridade nacional. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara,
2018b. (Série estudos estratégicos; n. 10 e-book). Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/
bdcamara/36679. Acesso em: 21 out. 2019.
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BRASIL. Decreto n. 5.289, de 29 de novembro de 2004. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília,
DF, 30 nov. 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/
D5289.htm. Acesso em: 22 out. 2019.
HIPÓLITO, M. M.; TASCA, J. E. Superando o mito do espantalho: uma polícia orientada para a resolução dos
problemas de segurança pública. Florianópolis: Insular, 2012.
LENZA, P. Direito constitucional esquematizado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, G. G. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2009.
MORAES, A. de. Direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
SILVA, J. A. da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.
3
Política e planos de segurança
Na definição clássica, encontrada na obra Política, de Aristóteles, que remonta aos gregos
antigos do século IV a.C., “política é derivado do adjetivo originado de polis (politikós), que significa
tudo que se refere à cidade e, consequentemente, o que é urbano, civil, público e até mesmo sociável
e social” (apud BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 954). Ainda, pode-se considerar
56 Controle social e segurança
política algo que “é habitualmente empregado para indicar atividade ou conjunto de atividades que
têm de algum modo, como termo de referência, a polis, isto é, o Estado” (BOBBIO, 2000, p. 160).
Ditas atividades ou conjunto de atividades do Estado se referem a atos como comandar
ou proibir algo; ao exercício de sua soberania sobre determinado território; à função de legislar,
impondo normas válidas a todos; à arrecadação e distribuição de recursos de um setor para outro
da sociedade; ao atendimento aos anseios da sociedade na perseguição e realização do bem comum.
Nesse contexto, ao Estado como entidade, formada por um aparato social, jurídico e administrativo,
cabe o exercício, o planejamento e a aplicabilidade do poder político. Isso se dá por meio de sua
vontade, que é concretizada em leis, as quais determinam a conduta social.
Por fim, complementando o conceito de política, há os ensinamentos de Augusto (1989,
p. 106, grifos do original), que assim dispõe:
O termo política refere-se a “um conjunto de objetivos que enformam
determinado programa de ação governamental e condicionam sua execução”
(FERREIRA, 1986). Implica, desta forma, a ideia de orientação unitária quanto
aos fins a serem atingidos. Também supõe uma certa hierarquia entre as
diversas dimensões empíricas a serem presumivelmente atingidas, pelo menos
a nível dos benefícios que adviriam de sua implementação. A direção para a
qual aponta e os objetivos que orientam a referida política manifestar-se-iam,
de forma clara, no interior dos projetos e atividades que a constituem. Além
disso, denotaria um conjunto articulado de decisões de governo, visando fins
previamente estabelecidos a serem atingidos através de práticas globalmente
programadas e encadeadas de forma coerente. Clareza de propósitos, hierarquia
quanto aos fins, e programas definidos no sentido de atingi-los, qualificariam as
políticas governamentais em geral.
O conceito de política, como vimos, se mostra de maneira ampla e configurada pelo poder.
Este é compreendido como meio de afetar e controlar a vida em sociedade, sendo uma ação
desempenhada pelo Estado como sua vontade consumada por meio de leis válidas e visando ao
bem comum.
Para melhor interpretar a função do Estado, consideremos a definição de Dias e Matos
(2012, p. 7):
O Estado é responsável pela ordem, pela justiça e pelo bem comum da sociedade.
Para tanto, deve legislar (criar e manter em dia uma ordem jurídica eficaz);
administrar (prover, através de diversos mecanismos legais e executando
os serviços públicos, as necessidades da comunidade) e julgar (resolver
pacificamente, de acordo com a lei, os conflitos de interesses que possam surgir
e decidir qual é a norma aplicável em caso de dúvida).
No entanto, para executar suas funções e políticas que atendam às diversas demandas da
sociedade e objetivem o bem comum, o Estado precisa de recursos que, por diversas vezes, são
limitados. Assim, “as funções estatais em todos os níveis (federal, estadual, municipal), para serem
exercidas, necessitam de um mínimo de planejamento, com a adoção de critérios de racionalidade
para que as metas e objetivos sejam alcançados de forma eficiente, ou seja, obter resultados com
recursos limitados” (DIAS; MATOS, 2012, p. 7).
Política e planos de segurança 57
Como vimos, o público ultrapassa a esfera do que é privado, configurando situações que
são do interesse e afetam a vida da sociedade como um todo. Como é relativo ao nosso estudo,
somamos aos exemplos citados a Segurança Pública, pois só o Estado tem o poder de aplicar sanções
coercitivas, se necessário, com o uso da força. Essa atividade, portanto, vai além do particular; afeta
e interessa diretamente toda a sociedade, constituindo-se um assunto público.
Nesse sentido, cabe ao Estado, como principal gestor dos recursos públicos e garantidor da
ordem e segurança, o dever de atender e resolver os problemas na esfera pública, além de levar
adiante o processo de planejamento, elaboração, implementação e avaliação das políticas que sejam
necessárias ao cumprimento – de modo coordenado e permanente – dessas funções públicas que a
sociedade lhe delegou (DIAS; MATOS, 2012).
Assim, podemos definir Políticas Públicas como uma função essencial do governo que,
por intermédio de um conjunto de princípios, critérios e linhas de ação, garantem e permitem a
gestão do Estado na solução dos problemas nacionais. O Estado, como instituição detentora do
poder legal, exerce sua atividade nos diversos campos de sua atuação por intermédio de Políticas
Públicas, buscando sanar os conflitos e estabilizar a sociedade pela ação da autoridade, no processo
de construção de uma ordem que permita a pacífica convivência entre pessoas diferentes, com
interesses particulares e que buscam sua felicidade.
Nesse mesmo sentido, Dias e Matos (2012 p. 12) conceituam Políticas Públicas como
ações empreendidas pelos governos que deveriam estabelecer condições de
equidade no convívio social, tendo por objetivo das condições para que todos
possam atingir uma melhoria da qualidade de vida compatível com a dignidade
humana. Nesta definição está implícito que os governos têm por objetivo
garantir que sejam atingidos os fins para os quais foi criado o Estado, ou seja,
58 Controle social e segurança
Ainda, contribuindo para uma melhor definição e entendimento sobre Políticas Públicas,
Procopiuck (2013, p. 139) afirma:
O conceito de políticas públicas – a exemplo de conceito de estratégia, programas
e de planos – provê diretrizes gerais ao invés de instruções detalhadas para a
ação envolvendo interesses coletivos articulados na esfera pública. A função
específica de uma política pública é prover orientações normativas, guiadas por
valores e por finalidades, para a elaboração de estratégias, programas e planos
que procuram adequar meios para atingir determinados fins.
Assim, podemos concluir que Políticas Públicas são ações do governo resultantes da atividade
política, que visam à gestão dos problemas e das demandas coletivas por meio da utilização de
metodologias que identificam as prioridades, racionalizando a aplicação de investimentos e
utilizando o planejamento como forma de se atingir objetivos e metas predefinidos. São, portanto,
aquilo que o governo pretende ou não fazer, e têm um aspecto coercitivo oficializado quando
impostas aos cidadãos que as aceitam como legítimas.
Ainda, é possível perceber que as Políticas Públicas se adaptam e modernizam, pois
as políticas variam de acordo com o grau de diversificação da economia, com
a natureza do regime social, com a visão que os governantes têm do papel do
Estado no conjunto da sociedade e com o nível de atuação dos diferentes grupos
sociais, como partidos, sindicatos, associações de classe e outras formas de
organização social. (DIAS, 2012, p. 14)
Desse modo, o processo de formação das Políticas Públicas tem se desenvolvido ao longo do
tempo e em diferentes contextos da sociedade. Assim, elas se mostram como um agrupamento de
resoluções que especificam e designam dispositivos do ordenamento jurídico. Esses irão definir as
condutas dos diversos atores, que, em face de um problema social concreto, atuam para instituir o
processo de elaboração e concretização das Políticas Públicas (PROCOPIUCK, 2013).
Com base nessas premissas, vamos compreender características, tipos e competências
das esferas de governo das Políticas Públicas. Vimos que as Políticas Públicas se constituem em
um conjunto de diretrizes que delineiam a ação governamental, de modo que são instrumentos
de concretização dos direitos dispostos na Constituição de um país, de um Estado-membro ou
mesmo nas leis orgânicas municipais. Não estão disciplinadas nesses ordenamentos, mas são meios
de efetivação dos direitos por eles assegurados.
Nesse contexto é válido destacar a opinião de Bucci (2006, p. 252), de que
as políticas são instrumentos de ação dos governos […]. A função de governar
– o uso do poder coativo do Estado a serviço da coesão social – é o núcleo da
ideia de política pública, redirecionando o eixo de organização do governo da
lei para as políticas. As políticas são uma evolução em relação à ideia de lei em
sentido formal […]
Política e planos de segurança 59
As Políticas Públicas, nesse sentido, superam a ideia de uma lei geral e abstrata para inserir
na legislação um conceito de programa de ação concreta, com metas ou finalidades coletivas,
geralmente envolvendo melhorias em alguma característica econômica, política ou social
da sociedade.
De acordo com Dias e Matos (2012, p. 16), citando estudos do Banco Internacional de
Desenvolvimento (BID, 2007), são características ou aspectos-chave das Políticas Públicas as
apresentadas na sequência.
Quadro 1 – Características das Políticas Públicas
Características Descrição
As políticas são estáveis ao tempo, embora possam sofrer alterações que tendem
a responder a mudanças nas condições econômicas ou ao fracasso de políticas
Estabilidade anteriores, não a mudanças políticas. Essas mudanças devem ser gradativas,
aproveitando as realizações de administrações anteriores, e alcançadas por meio
de consenso.
Avaliar em que medida as políticas são compatíveis com outras políticas afins
e resultam de ações bem coordenadas entre os atores que participam de sua
Coerência e coordenação
formulação e implementação. A falta de comunicação adequada e cooperação
podem levar à fragmentação da formulação de políticas.
Uma política pode ser muito bem projetada, passar pelo processo de aprovação sem
Qualidade da implementação alterações e, ainda assim, ser completamente ineficaz se não for bem implementada
e da aplicação efetiva e aplicada. A qualidade da implementação está associada à capacitação do corpo
técnico (ou burocracia).
Para entendermos como o governo decide alocar recursos em dadas atividades e não em outras,
temos de conhecer os tipos e a natureza das Políticas Públicas. Vamos, para tanto, nos pautar nos
ensinamentos de Dias e Matos (2012, p. 17), que apresentam os tipos das Políticas Públicas:
1. Política social: saúde, educação, habitação, previdência social.
2. Política macroeconômica: fiscal, monetária, cambial, industrial.
3. Política administrativa: democracia, descentralização, participação social.
4. Polícia específica ou setorial: meio ambiente, cultura, agrária, direitos
humanos etc.
Já quanto à natureza, ainda conforme Dias e Matos (2012), as Políticas Públicas são agrupadas
do seguinte modo:
1. Arenas decisórias ou arenas de poder: arenas são tipos específicos de relações (ou
discussões) políticas definidas para cada Política Pública. Cada tipo de Política Pública
pressupõe uma rede de atores, bem como arenas, estruturas de decisões e contextos
institucionais diferentes. Essas arenas são divididas de acordo com as coalizões ou a
oposição ao objeto da política em jogo. O quadro a seguir apresenta essas divisões.
Quadro 2 – Tipos de arenas decisórias ou de poder
Tipos de arenas
Descrição
decisórias ou de poder
São financiadas pelo conjunto da sociedade, e os benefícios são distribuídos
atendendo as necessidades individualizadas, ou seja, o governo distribui recursos
Distributivas a uns, sem que isso afete outros grupos ou indivíduos. São normalmente utilizadas
para estimular setores e atividades já existentes, como é o caso da concessão de
subsídios, ou, ainda, isenções tarifárias, incentivos ou renúncias fiscais.
São aquelas que estabelecem regras sob as quais outras Políticas Públicas são
selecionadas. Definem competências, jurisdições, regras da disputa política e da
Constitutivas ou políticas
elaboração de Políticas Públicas. São exemplos as regras do sistema político-eleitoral,
estruturadoras
a distribuição de competências entre os Poderes e as esferas, regras das relações
intergovernamentais e regras da participação da sociedade civil em decisões públicas.
Fonte: Adaptado de Dias; Matos, 2012, p. 18.
Finalidades Conceito
Visam minimizar ou impedir a ocorrência de problemas sociais graves. Todos
contribuem para seu financiamento indireto por meio do sistema tributário. São
Preventivas ou passivas
exemplos: políticas de emprego, salário, saúde pública, saneamento, educação e
nutrição.
3. Alcance de suas ações: o alcance das Políticas Públicas em relação a quem se destinam
dividem-se em dois tipos, como é possível observar no quadro a seguir.
Quadro 4 – Alcance das Políticas Públicas
Esses são os tipos e a natureza que direcionam o planejamento e a execução das Políticas
Públicas aplicadas a determinadas ações que necessitam da intervenção estatal para que sejam
garantidas à sociedade.
No decorrer de nosso estudo, algumas vezes falamos da presença de atores envolvidos na
elaboração das Políticas Públicas. Agora, vamos ver quem são esses atores e qual a ssua importância.
Os atores referidos são indivíduos, grupos, organizações, movimentos e partidos que têm
o papel fundamental de influenciar, de algum modo, as políticas governamentais no seu processo
de construção, na sua implantação ou em seus desdobramentos. Além de defender seus interesses
próprios ou dos grupos que representam,
suas práticas são diversas, podendo empregar diversos meios para defender
seus interesses: a pressão pura e simples através do lobby; a greve; mobilizações;
participação nas reuniões etc., de tal modo que as políticas públicas constituem
o resultado das ações tomadas por esses vários atores que influenciam o processo
de formulação das políticas públicas. (DIAS; MATOS, 2012, p. 40)
62 Controle social e segurança
Há diversas formas de se classificar esses atores. Vejamos no quadro a seguir algumas delas.
Quadro 5 – Classificação dos atores das Políticas Públicas
Dessa maneira, considerando o que estudamos até então, podemos identificar vários atores
nesse cenário que influenciam a formação e elaboração de uma Política Pública. A seguir, contudo,
veremos que existem alguns atores que podem ser ditos como principais, por quase sempre estarem
envolvidos nesse processo e nas diversas esferas de governo em que se articula o Estado. São eles:
Quadro 6 – Principais atores das Políticas Públicas
Equipes de governo Pessoas nomeadas para integrar equipes que assessoram os políticos.
Sindicatos e associações
Organizações sindicais e de representação profissional.
profissionais
(Continua)
Política e planos de segurança 63
Conjunto de indivíduos que procuram defender seus interesses junto aos órgãos de
Grupos de pressão
governo.
Vimos, portanto, que os atores que influenciam o processo de formulação das Políticas
Públicas têm interesses a serem defendidos e concretizados, por isso cumprem o seu papel
exercendo pressão sobre o poder público para verem suas demandas atendidas. Isso é importante
porque demonstra a necessidade e urgência de atendimento ou não do planejamento de Políticas
Públicas para dada atividade.
Com essa prévia compreensão, prosseguimos ao estudo do processo de elaboração das
Políticas Públicas. Segundo Dias e Matos (2012, p. 60),
O processo de formulação de políticas públicas pode ser entendido como
uma sucessão de negociações entre os atores políticos que interagem em
arenas formais (como o Legislativo ou o ministério) e informais (“a rua”, onde
os movimentos sociais e outros atores mobilizam-se). […] O importante é
que, nesse processo, as necessidades e objetivos sejam previamente definidos
de maneira democrática, pela utilização dos mais diversos mecanismos de
participação social.
É por meio da elaboração e implementação das Políticas Públicas que o Estado, no exercício
de suas funções públicas, passa a atender concretamente às demandas sociais e a solucionar
problemas que afetam a coletividade.
Para enriquecermos a interpretação desse assunto, na figura a seguir faremos uso dos
ensinamentos de Procopiuck (2013).
Figura 1 – Processo de elaboração das Políticas Públicas
Fases Características
Desenvolvimento de regras, estruturas de regulação e linhas gerais para a execução das decisões.
Mudança nas decisões para se ajustarem às restrições operacionais.
Implementação Transformação das decisões em termos operacionais.
Elaboração de um programa com objetivos e padrões de desempenho, incluindo cronogramas de
operações.
Determinação dos custos, das consequências e dos benefícios decorrentes das ações adotadas na
política.
Conclusão
Comparação entre o que foi necessário e o que foi requisitado.
Especificação dos problemas detectados no momento da conclusão.
• 2000: o Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP) teve como objetivo articular ações
de repressão e prevenção da criminalidade no país.
Para isso, o PNSP (BRASIL, 2000) era composto por 15 compromissos, sendo eles:
1. Combate ao narcotráfico e ao crime organizado.
2. Desarmamento e controle de armas.
3. Repressão ao roubo de cargas e melhoria da segurança nas estradas.
4. Implantação do subsistema de inteligência de Segurança Pública.
5. Ampliação do programa de proteção a testemunhas e vítimas de crime.
6. Mídia x violência: regulamentação.
7. Redução da violência urbana.
8. Inibição de gangues e combate à desordem social.
9. Eliminação de chacinas e execuções sumárias.
10. Combate à violência rural.
11. Intensificação das Ações do Programa Nacional de Direitos Humanos.
12. Capacitação profissional e reaparelhamento das polícias.
13. Aperfeiçoamento do sistema penitenciário.
14. Aperfeiçoamento legislativo.
15. Implantação do Sistema Nacional de Segurança Pública.
O Plano Nacional de Segurança Pública proposto para o ano 2000 teve esses 15 compromissos
divididos em 124 ações, sendo todos relacionados ao crime organizado, ao controle de armas, à
capacitação profissional e ao reaparelhamento das polícias.
Na busca por resultados audaciosos, esse Plano não obteve sucesso. Os recursos foram
pulverizados e, dessa forma, enfraquecidos.
• 2003: apresentou-se o que foi denominado “embrião do Sistema Único de Segurança
Pública”, com o objetivo de definir competências e articular as ações policiais integrando
outras instituições. O sistema foi aprovado legislativamente somente em 2018.
• 2004: como destaque, trouxe a criação da Força Nacional de Segurança Pública que,
conforme já estudamos, inspirou-se nas Forças de Paz das Nações Unidas. Seu objetivo
era atender às necessidades emergenciais dos estados e do Distrito Federal, por meio do
reforço de profissionais de Segurança Pública, com vistas a contribuir para a restauração
da ordem pública e a preservação da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
• 2007: o destaque está para o Programa Nacional de Segurança com Cidadania
(PRONASCI), que financiou ações das polícias e de algumas guardas municipais, com
o intuito de promover ganhos financeiros e agilidade nas ações de Segurança Pública.
Mesmo com bom alcance, perdeu oportunidades de debate coletivo em relação ao tema
Segurança Pública, o que enfraqueceu o Plano do ponto de vista de ganhos sociais.
66 Controle social e segurança
• 2012: o país conhece o Plano Brasil Mais Seguro, que faz a previsão de ações para o
aumento da sensação de segurança, controle de armas, combate a grupos de extermínio e
enfrentamento à impunidade. Volta-se ao propósito principal de reduzir a criminalidade
violenta no país.
• 2017: o Plano Nacional para Redução de Homicídios propõe ações focadas nas áreas com
maior concentração de homicídios, além da busca pela integração das Políticas Públicas,
participação social e articulação com entes federados. Destaca o objetivo de reduzir
homicídios.
• Ainda em 2017, apresentou-se o Plano Nacional de Segurança Pública com a finalidade
de reduzir os homicídios e feminicídios, combater a violência contra a mulher, melhorar
o sistema penitenciário e o combate à criminalidade organizada de maneira integrada.
Isso em coordenação com programas e planos de outros órgãos, otimizando recursos e
afastando redundâncias.
Ambos, PNSPDS e SUSP, são instrumentos do Estado que visam mudar um panorama que
surgiu no Brasil após décadas de insucessos, criando um passivo enorme na área da Segurança
Pública. Foram problemas que se avolumaram em todas as áreas sociais, de modo que o país viu
surgir a dificuldade dos entes federados em enfrentar as crises de segurança com o aumento da
violência, o surgimento do crime organizado e a potencialização da sensação de insegurança.
Política e planos de segurança 67
Ainda, pode-se acrescentar que em nosso país as “extensas fronteiras com 10 países incluem
quatro produtores mundiais de drogas, que têm no Brasil o segundo mercado consumidor mundial.
O crime organizado tornou-se assim um flagelo insuportável para toda a sociedade” (BRASIL,
2018a, p. 7).
É nesse contexto que o SUSP e a PNSPDS buscam desenvolver a governança necessária, com
padronização de dados e integração dos órgãos de Segurança Pública divididos em integrantes
operacionais e estratégicos. Isso ocorre com respaldo do Conselho Nacional de Segurança Pública,
um colegiado com competência para debater e validar uma política nacional que, esperamos, seja
eficiente e eficaz, lembrando o histórico de tentativas cujos erros e acertos somaram esforços para
que novas políticas e Planos se estabeleçam.
Não podemos deixar de enfatizar que essa Lei remete à Constituição Federal (BRASIL, 1988,
grifos nossos), especificamente à primeira parte do artigo 144: “A Segurança Pública, dever do
Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio”.
De modo complementar, observemos o que diz a Lei n. 13.675/2018 (BRASIL, 2018b,
grifos nossos), em seu artigo 2º: “A segurança pública é dever do Estado e responsabilidade de
todos, compreendendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no âmbito das
competências e atribuições legais de cada um”.
O que devemos entender por “responsabilidade de todos”, constante da Constituição Federal
(BRASIL, 1988), portanto, é clarificado no artigo 2º da Lei n. 13.675/2018 (BRASIL, 2018b), que
especifica a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no âmbito de suas competências
e atribuições legais. Demonstra-se, assim, a necessidade estratégica de envolver todos os entes em
prol da Segurança Pública.
Contudo, em que pese tratar a Lei dos entes federados, temos de lembrar que a cada um de
nós, cidadãos, também cabe parcela dessa responsabilidade constitucionalmente prevista.
(Continua)
Política e planos de segurança 69
Simplicidade
Informalidade
XIV Economia No serviço prestado à sociedade.
procedimental
Celeridade
Fortalecimento das ações de prevenção e resolução pacífica de conflitos, priorizando políticas de redução
III
da letalidade violenta, com ênfase para os grupos vulneráveis.
Atuação integrada entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios em ações de Segurança
IV Pública e políticas transversais para a preservação da vida, do meio ambiente e da dignidade da pessoa
humana.
Coordenação, cooperação e colaboração dos órgãos e instituições de Segurança Pública nas fases de
V planejamento, execução, monitoramento e avaliação das ações, respeitando-se as respectivas atribuições
legais e promovendo-se a racionalização de meios com base nas melhores práticas.
IX Atuação com base em pesquisas, estudos e diagnósticos em áreas de interesse da Segurança Pública.
(Continua)
70 Controle social e segurança
XII Ênfase nas ações de policiamento de proximidade, com foco na resolução de problemas.
XVII Fomento de Políticas Públicas voltadas à reinserção social dos egressos do sistema prisional.
XVIII (VETADO)
XXIV (VETADO)
Celebração de termo de parceria e protocolos com agências de vigilância privada, respeitada a lei de
XXVI
licitações.
Apoiar as ações de manutenção da ordem pública e da incolumidade das pessoas, do patrimônio, do meio
II
ambiente e de bens e direitos.
Estimular e apoiar a realização de ações de prevenção à violência e à criminalidade, com prioridade para
IV
aquelas relacionadas à letalidade da população jovem negra, das mulheres e de outros grupos vulneráveis.
Incentivar e ampliar as ações de prevenção, controle e fiscalização para a repressão aos crimes
VIII
transfronteiriços.
XIV (VETADO)
Promover uma relação colaborativa entre os órgãos de segurança pública e os integrantes do sistema
XIX judiciário para a construção das estratégias e o desenvolvimento das ações necessárias ao alcance das
metas estabelecidas.
Estimular a criação de mecanismos de proteção dos agentes públicos que compõem o sistema nacional de
XXI
Segurança Pública e de seus familiares.
Fortalecer as ações de fiscalização de armas de fogo e munições, com vistas à redução da violência
XXV
armada.
E no que tange aos objetivos, compreendemos sua relevância conforme explicita a Lei n.
13.675/2018: “Os objetivos estabelecidos direcionarão a formulação do Plano Nacional de
Segurança Pública e Defesa Social, documento que estabelecerá as estratégias, as metas, os
indicadores e as ações para o alcance desses objetivos” (BRASIL, 2018b, grifos nossos).
E nesse contexto entendemos que a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social
se desdobra em um documento que apresenta estratégias, metas e indicadores para que os objetivos
sejam alcançados de maneira satisfatória, denominado Plano Nacional de Segurança Pública
e Defesa Social. Assim, passo a passo no cumprimento desses objetivos, vai se estabelecendo e
determinando responsabilidades para que ocorra o planejado em relação à Segurança Pública.
Política e planos de segurança 73
Importante dizer que temos, também, a União a instituir o Plano Nacional de Segurança
Pública e Defesa Social, que será seguido e desdobrado nos demais entes da federação.
I Promover a melhoria da qualidade da gestão das políticas sobre Segurança Pública e Defesa Social.
Assegurar a produção de conhecimento no tema, a definição de metas e a avaliação dos resultados das
III
políticas de Segurança Pública e Defesa Social.
IV Priorizar ações preventivas e fiscalizatórias de segurança interna nas divisas, fronteiras, portos e aeroportos.
Adotar estratégias de articulação entre órgãos públicos, entidades privadas, corporações policiais e
I organismos internacionais, a fim de implantar parcerias para a execução de políticas de Segurança Pública
e Defesa Social.
Realizar a integração de programas, ações, atividades e projetos dos órgãos e entidades públicas e
II privadas nas áreas de saúde, planejamento familiar, educação, trabalho, assistência social, previdência
social, cultura, desporto e lazer, visando à prevenção da criminalidade e à prevenção de desastres.
Desenvolver programas, ações, atividades e projetos articulados com os estabelecimentos de ensino, com
IV
a sociedade e com a família para a prevenção da criminalidade e a prevenção de desastres.
Incentivar a inclusão das disciplinas de prevenção da violência e de prevenção de desastres nos conteúdos
V
curriculares dos diversos níveis de ensino.
Ampliar as alternativas de inserção econômica e social dos egressos do sistema prisional, promovendo
VI
programas que priorizem a melhoria de sua escolarização e a qualificação profissional.
Garantir a efetividade dos programas, ações, atividades e projetos das políticas de Segurança Pública e
VII
Defesa Social.
VIII Promover o monitoramento e a avaliação das políticas de Segurança Pública e Defesa Social.
(Continua)
74 Controle social e segurança
Fomentar a criação de grupos de estudos formados por agentes públicos dos órgãos integrantes do
IX SUSP, professores e pesquisadores, para a produção de conhecimento e reflexão sobre o fenômeno da
criminalidade, com o apoio e a coordenação dos órgãos públicos de cada unidade da Federação.
Fomentar estudos de planejamento urbano para que medidas de prevenção da criminalidade façam parte
XII do plano diretor das cidades, de forma a estimular, entre outras ações, o reforço na iluminação pública e a
verificação de pessoas e de famílias em situação de risco social e criminal.
V Apoiar e promover o sistema de saúde para os profissionais de Segurança Pública e Defesa Social.
VI Apoiar e promover o sistema habitacional para os profissionais de Segurança Pública e Defesa Social.
Vamos relembrar a seguir quais são os integrantes do Sistema Único de Segurança Pública
(SUSP), de acordo com o artigo 9º da Lei n. 13.675/2018 (BRASIL, 2018b).
• Os estratégicos: União, Estados, Distrito Federal e Municípios, por intermédio dos
respectivos Poderes Executivos, Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social dos três
entes federados.
• Os operacionais: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícias civis, polícias militares,
corpos de bombeiros militares, guardas municipais, órgãos do sistema penitenciário,
institutos oficiais e criminalística, medicina legal e identificação, Secretaria Nacional de
Segurança Pública (Senasp), Secretarias Estaduais de Segurança Pública ou congêneres,
Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec), Secretaria Nacional de Política
Sobre Drogas (Senad), agentes de trânsito, guarda portuária.
Considerando que aos integrantes do SUSP cabe anualmente fixar as metas de excelência, e que
isso ocorrerá dentro da competência deles, temos que a especificidade de cada meta a ser alcançada
será primorosa, no sentido de deter conhecimento e tecnicidade às ações a serem tomadas.
Ainda com atenção à leitura do Quadro 12, podemos constatar que a intenção primeira do
legislador é promover a educação gerencial, técnica e operacional em cooperação com as unidades
Política e planos de segurança 75
da Federação. Por isso vemos educação aparecer entre as metas mais de uma vez, bem como a
preocupação com a valorização e a saúde dos profissionais de Segurança Pública.
Todas essas metas de excelência, desde que sejam cumpridas, fazem alavancar um trabalho
de base em que certamente se edificará a Segurança Pública sob uma nova perspectiva, mais técnica
e profissional. Para que ocorra o desejado no sentido de alcance das metas, conforme prevê a Lei n.
13.675/2018 (BRASIL, 2018b), fica instituído o Sistema Nacional de Acompanhamento e Avaliação
das Políticas de Segurança Pública e Defesa Social (Sinaped).
Ao final de cada avaliação do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, será
elaborado um relatório com o histórico e a caracterização do trabalho. É importante destacar que
a avaliação deverá contar com a participação de representantes dos Poderes Legislativo, Executivo
e Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos Conselhos de Segurança Pública
e Defesa Social.
A cada cinco anos, então, deverão acontecer conferências em que serão debatidas as diretrizes
dos Planos de cada ente federado e da União, no que tange à Segurança Pública e Defesa Social.
Esses representantes serão eleitos pelas entidades e organizações envolvidas com políticas
de Segurança Pública, em processo aberto e definido pelos Conselhos. Com duração de dois
anos e possibilidade de uma recondução, cada conselheiro terá um suplente que o representará
em suas ausências.
78 Controle social e segurança
Da sabedoria dessa Lei (BRASIL, 2018b), retiramos que os entes da União terão dois anos,
a contar da publicação do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, para elaborar
e implantar seus próprios planos. Caso isso não ocorra, a responsabilização será no sentido de
não poderem receber recursos da União para os respectivos programas e ações de segurança e
defesa social.
O não recebimento desses recursos, eventualmente oriundos de má gestão, certamente seria
prejudicial a todo o sistema de segurança, pois enquanto um ente da União estiver enfraquecido no
combate ao crime e à violência, estaremos fadados a perder ainda mais espaço para a organização
do crime e a banalização da violência.
E notoriamente, em caso de má gestão e não recebimento de verbas previstas, o principal
prejudicado sempre será o cidadão. Por isso é importante que o cidadão esteja atento às Políticas
Públicas que nascem nos palanques em período de campanha e àquelas que se estabelecem no
cotidiano do poder.
É para que haja a participação da sociedade de maneira ativa nas questões de Segurança
Pública que o legislador estipulou, no artigo 22, parágrafo 6º, que “O poder público deverá dar
ampla divulgação ao conteúdo das Políticas e dos Planos de segurança pública e defesa social”
(BRASIL, 2018b).
Considerações finais
A conceituação de Políticas Públicas é importante para compreender sua aplicação no
cotidiano dos cidadãos. Estudar esse tema e associá-lo à Segurança Pública, sabendo que há planos
de segurança e outros tantos desdobramentos que nascem com base no planejamento adequado
por parte dos gestores públicos, é primordial, inclusive, para que o cidadão exerça sua cidadania e
reivindique seus direitos.
Neste capítulo, evidenciamos a contribuição dos autores citados, bem como a legislação que
buscamos aprofundar, em cada passo na construção de uma sociedade melhor.
• CICLOS de Políticas Públicas: O que é? Entrevista Leonardo Secchi Parte 2. 2018. 1 vídeo
(9min54s). Publicado pelo canal Politize! Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=N8phb0UN2WY. Acesso em: 1 nov. 2019.
Política e planos de segurança 79
As Políticas Públicas seguem ciclos. Sobre eles, convidamos você a assistir ao vídeo de
Leonardo Secchi, que levará a muitas reflexões do tema, de seus atores e suas influências.
• SEGURANÇA PÚBLICA (parte 1): o papel do Governo Estadual. 2018. 1 vídeo (44 min.).
Publicado pelo canal Instituto Millenium. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=RzPgLuLNsYw. Acesso em: 1 nov. 2019.
Para ampliar seus conhecimentos, sugere-se assistir ao vídeo da doutora Tânia Pinc,
que remeterá a outros tão bons quanto esse e que discutirá a temática das políticas de
Segurança Pública em âmbito nacional.
Atividades
1. Sobre os Planos Nacionais de Segurança Pública, o que se pode afirmar em relação às suas
contribuições para a Segurança Pública de maneira efetiva?
2. Estudamos que a Lei n. 13.675, de 2018, em seu artigo 2º, aborda a questão de que a Segurança
Pública é “responsabilidade de todos”, esclarecendo quem são os atores responsáveis por ela.
Disserte acerca desse ponto.
3. Analisamos neste capítulo que os órgãos integrantes do SUSP passaram a ter status de órgãos
de Segurança Pública com o advento da Lei nº 13.675, de 2018 (BRASIL, 2018b). Por isso
devem atuar de maneira conjunta, coordenada, sistêmica e integrada. Explique o que
significa cada um desses termos.
Referências
AUGUSTO, M. H. O. Políticas públicas, políticas sociais e políticas de saúde: algumas questões para reflexão
e debate. Tempo Social, São Paulo, v. 1, n. 2, jul./dez. 1989, p. 105-119. Disponível em: http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20701989000200105. Acesso em: 29 out. 2019.
BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. 11. ed. Brasília, DF: Editora
Universidade de Brasília, 1998. v. 1.
BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 31 out. 2019.
BRASIL. Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP). Brasília, DF, 2000. Disponível em: http://www.
observatoriodeseguranca.org/files/PNSP%202000.pdf. Acesso em: 6 nov. 2019.
BRASIL. Plano e Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social: SUSP – Sistema Único de Segurança
Pública 2018-2028. Brasília, DF: Secretaria de Segurança Pública; Ministério da Segurança Pública, 2018a.
Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-seguranca/seguranca-publica/plano-e-politica-nacional-de-
seguranca-publica-e-defesa-social.pdf. Acesso em: 30 out. 2019.
80 Controle social e segurança
BRASIL. Lei n. 13.675, de 11 de junho de 2018. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF,
12 jun. 2018b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13675.htm.
Acesso em: 31 out. 2019.
DIAS, R.; MATOS, F. Políticas Públicas: princípios, propósitos e processos. São Paulo: Atlas, 2012.
Neste capítulo, você é convidado a conhecer os conceitos que envolvem a criminologia. Tendo
em vista a gama de informações que permeia a disciplina e seu amplo conteúdo, pela criminologia
você pode até mesmo se apaixonar.
Vamos apresentar as questões da Justiça e as várias formas que dizem respeito à sua
compreensão, inclusive pela ótica da solução e prevenção de problemas, como uma medida
alternativa ao tradicional sistema punitivo.
Ainda em relação aos atos infracionais praticados por adolescentes, vamos conhecer a Justiça
Restaurativa, que pode ser considerada o meio mais apropriado para a aplicação das disposições do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tanto na prevenção à conduta criminosa quanto na
aplicação das medidas socioeducativas e na sua ressocialização.
• Delinquente
Há quatro linhas conceituais a serem consideradas a respeito das perspectivas do crime no
que concerne ao criminoso.
A primeira delas acreditava que o criminoso era um pecador por opção, ou seja, que, fazendo
uso do seu livre-arbítrio, ele optava por pecar, por cometer um crime.
Alinhada ao que entendiam os estudiosos, a segunda compreendia o infrator como
prisioneiro de uma espécie de determinismo biológico (patologia) ou de um determinismo social.
Nesse raciocínio, acreditava-se que o criminoso “era um escravo de sua carga hereditária: um
animal selvagem e perigoso, que tinha uma regressão atávica e que, em muitas oportunidades,
havia nascido criminoso” (SHECAIRA, 2013, p. 46).
Denominada visão correcionalista, a terceira linha conceitual não teve grande importância
no Brasil. Entendia-se que o criminoso era “um ser inferior, deficiente e incapaz de dirigir por si
mesmo – livremente – sua vida, cuja débil vontade requere uma eficaz e desinteressada intervenção
tutelar do Estado” (SHECAIRA, 2013, p. 47).
Por fim, a quarta vertente refere-se ao marxismo, que, conforme Shecaira (2013), considera
o criminoso uma vítima do sistema econômico e atribui à sociedade a culpa pelo determinismo
social que o levou à criminalidade.
• Vítima
Com Shecaira (2013) aprendemos que o estudo criminológico promoveu o resgate do papel
da vítima. Segundo ele, a maioria dos autores aceita a seguinte divisão de períodos para o estudo
da vítima no processo do direito penal:
1. A idade de ouro da vítima: desde os primórdios da civilização até o fim da Alta Idade
Média, no qual a vítima poderia buscar sua defesa pelas próprias faculdades.
2. A neutralização do poder da vítima: quando a vítima deixa de ter poder de ação contra
o fato delituoso e os poderes públicos assumem esse papel.
3. A revalorização do papel da vítima: na qual se busca destacar o papel da vítima no
processo penal.
• Controle social
Desde que foi introduzido na sociologia o conceito de monopólio da força legítima, de Max
Weber, a sociedade necessitou criar mecanismos de controle social, que orientaram a conduta das
pessoas de acordo com os interesses sociais. Nesse contexto, “podemos definir o controle social
como o conjunto de mecanismos e sanções sociais que pretendem submeter o indivíduo aos moldes
e normas comunitários” (SHECAIRA, 2013, p. 53).
Assim, temos o controle social informal e formal, conforme Shecaira (2013) orienta a seguir.
1. Controle social informal está diretamente ligado à sociedade civil – família, escola,
profissão, opinião pública, grupos de pressão, clubes de serviço etc.
2. Controle social formal envolve a atuação política do Estado – Polícia, Justiça, Exército,
Ministério Público, Administração Penitenciária etc.
Prisão e política penitenciária 83
Ao considerar que esses conceitos (delito, delinquente, vítima e controle social) estão
presentes no estudo da criminologia, cabe agora apresentar e destacar a definição dessa área. Ainda
de acordo com Shecaira (2013, p. 41), a criminologia é
uma ciência empírica e interdisciplinar que se ocupa do estudo do crime, da
pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e
que trata de subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a gênese,
dinâmica e variáveis principais do crime – contemplado este como problema
individual e como problema social –, assim como sobre os programas de
prevenção eficaz do mesmo e técnicas de intervenção positiva no homem
delinquente.
Com base nessa definição, somos remetidos à atualidade, que busca “explicações para as
causas do delito, dedica-se atenciosamente aos modelos de controle social e a maneira como as
instituições de controle social agem em seu mister, e como interagem com o criminoso. Também
parte do métier da criminologia a política criminal” (ESTEFAM; RIOS GONÇALVES, 2016, grifos
do original).
Para Shecaira (2013), a criminologia divide-se em duas vertentes: a criminologia do consenso
e a criminologia de conflito. Vamos conhecê-las a seguir.
Com a maciça migração que chegou a Chicago no início do século XX, “essa faceta
cosmopolita concorreu para uma desordem provocada pela diminuição dos mecanismos de
controle social” (BREUNIG; SOUZA, 2018, p. 96, grifo nosso). Com a falta do necessário controle
social, os problemas se agravaram e surgiu, então, a desorganização social, marcada por aspectos de
desolação e decadência urbana; uma desordem percebida que aos poucos dá início à criminalidade.
e anomia, em tradução livre). Para essa teoria, duas estruturas sociais são determinantes: as metas
culturais e os meios institucionais para alcançá-las.
[As metas culturais] dizem respeito aos interesses próprios, culturalmente
definidos e valorizados pelo corpo social; são as referências para a aspiração
das pessoas. [...] [Os meios sociais] são os modos aceitáveis, legítimos de se
conquistarem esses objetivos. O comportamento criminoso nasce da dissociação
entre as metas culturais e os meios institucionais, ou seja, busca-se obter as
metas sem o respeito dos meios legítimos para tanto. (VERAS, 2016, p. 67)
Para melhor interpretar essa teoria, é válido destacar que o “termo anomia (ou ausência
de normas) foi consagrado por Durkheim como uma falta de limite ou regras sociais, causada
por mudanças repentinas na sociedade, que deixam as pessoas sem parâmetros para se orientar”
(VERAS, 2016, p. 97).
A essa informação relativa à cultura do ambiente em que está inserido e que, para a teoria em
pauta, determina o comportamento delinquente, podemos ainda acrescentar que, segundo Cohen
(apud SHECAIRA, 2013), a subcultura delinquencial caracteriza-se por três fatores, são eles:
1. Não utilitarismo da ação: o ato infracional não é motivado por necessidade, mas por
puro prazer, buscando o reconhecimento do grupo. Alimentos são furtados, contudo
não necessariamente para saciar a fome; as roupas furtadas, da mesma forma, talvez
nunca sejam usadas.
2. Malícia da conduta: é o prazer em fazer o que é proibido, em desconcertar o próximo; é o
fazer-se diferente dos seres comuns. Maltratar crianças e adultos que não fazem parte da
gangue ou defecar na mesa do professor são exemplos que o autor aponta.
3. Negativismo: trata-se de contrariar as regras sociais sem ter aparentemente qualquer regra
própria do grupo. Os padrões se estabelecem de acordo com a subcultura dominante
exatamente por serem contrárias às normas sociais.
Extraímos também do texto de Shecaira (2013) que desigualdades sociais e a distinção entre
grupos sociais levam adolescentes a cometerem delitos. Aqueles que são desfavorecidos econômica
e socialmente, e não possuem mecanismos para seu crescimento, são levados, por vezes, a buscar
86 Controle social e segurança
o caminho da ilicitude. Assim, o conflito de classes é notório, visto que as classes abastadas não
entendem os motivos que levaram os indivíduos nessas condições à prática de um delito.
o desenvolvimento de diferentes culturas em sociedades diferenciadas pode
impedir um perfeito sistema de comunicações entre grupos distintos. Tal
mecanismo, se não “corrigido” mediante um sistema de interação entre grupos,
pode fazer com que haja um distanciamento cultural com grande diversidade
de consequências. A partir desse contexto, analisa as relações de parentesco e
as relações existentes entre jovens e suas respectivas famílias, diferenciado as
famílias de baixa renda e as famílias de classe média. Estas diferenças penetram
nas camadas mais profundas da determinação das atitudes dos jovens, de
tal forma que são acentuadas as disparidades entre as classes médias e as
menos favorecidas. Em um sistema de competitividade absoluta, fundado na
meritocracia e na busca de um sistema de valores que privilegia a ascensão social,
surgem conflitos que tornam inacessível a alguns o atingimento de determinados
bens, fazendo com que se tenha um fator cumulativo de afastamento das classes,
criando um conflito entre elas. (SHECAIRA, 2013, p. 225)
As premissas dessa teoria referem-se à integração social com seus elementos, os quais, como
um organismo vivo, se relacionam mutuamente com o objetivo de consenso.
1 “Contudo, a teoria do etiquetamento continuou confinada aos limites de uma perspectiva ‘microsociológica’”
(GIORGI, 2006 apud ABREU, 2018, p. 109).
88 Controle social e segurança
Toda
Toda sociedade
sociedade exibe
está, a cada
A mudança social a cada momento
momento, sujeita
é ubíqua. divergência e conflito,
a processos de
e o conflito social é
mudança.
ubíquo: onipresente; ubíquo.
está em toda parte
ao mesmo tempo.
Todo Toda
elemento em uma sociedade é
sociedade contribui apoiada na coerção
de certa forma para de alguns de seus
sua desintegração e membros por
mudança. outros.
Esse estudo introdutório à criminologia nos oferece a base para que possamos entender a
justiça e como ela se molda, no que se refere ao crime e à busca de seu combate social.
A seguir, apresentaremos as noções sobre a justiça e como ela se faz restaurativa para a
sociedade à medida que busca soluções para os problemas relativos ao crime e ao seu contexto, que
se desdobra quando as regras sociais são violadas.
Público e Polícia. Esse sistema conecta o delito ao delinquente, deixando de lado a importante
participação da comunidade em relação à prevenção de delitos e, principalmente, não atendendo
às reais necessidades da vítima.
Tello (2008, p. 199) nos ensina que há modelos distintos de atenção ao crime, conforme
vemos no quadro a seguir.
Quadro 1 – Modelos de resposta ao crime
Modelo Descrição
Clássico O Estado e o delinquente são os protagonistas. Esse modelo é centrado, fundamentalmente, na
pena ou sanção que deve ser intimidatória e proporcional ao dano; a vítima e a comunidade ficam
excluídas.
Ressocializador O Estado e o delinquente são os principais atores. Esse modelo reconhece o delito como um evento
multifatorial, foca o ser humano e pondera a readaptação social. A comunidade e a vítima seguem
excluídas.
Neoclássico Centra-se em planos de ação contra a delinquência e articula a todos os fatores do sistema de
Segurança Pública, ministérios públicos, juízes e policiais, com a criação de um sistema nacional
de segurança. Envolve a comunidade por meio da participação cidadã para a prevenção do delito.
Integrador Advoga pela desjudicialização apoiada em um direito de intervenção mínima, em que o sistema
carcerário está reservado para os indivíduos que, verdadeiramente, têm perturbado com sua
conduta valores superiores e/ou cujo comportamento representa um perigo social. Para tanto,
potencializa o desenvolvimento de métodos alternativos de resolução de conflitos, de acordo com
a convicção de que são as partes envolvidas no conflito as que devem comprometer-se com sua
solução. Nesse modelos, a vítima e a comunidade tornam-se protagonistas do drama penal, porém
o agressor não fica de fora desse sistema.
Fonte: Adaptado de Tello, 2008, p. 199-200.
Nesse sentido, observamos que é no modelo de resposta ao crime integrador que se fala
em métodos alternativos de resolução de conflitos, nos quais se incluem a comunidade e a vítima,
principais afetadas pelos efeitos da criminalidade, oportunizando ao agressor responsabilizar-se por
sua conduta causadora do dano. Desse modo, cria a oportunidade de utilizar a mediação comunitária
e os processos restaurativos, em casos penais, como formas de atenção e prevenção aos delitos.
Assim, conforme De Vitto (apud OLIVEIRA, 2008, p. 174):
O modelo integrado se apresenta como o mais ambicioso plano de reação ao
delito. […], pretende conciliar os interesses e as expectativas de todas as partes
envolvidas no problema criminal, por meio da pacificação da relação social
conflituosa que o originou. […] pugna pela restauração de todas as relações
abaladas, o que inclui, mas não se limita, à reparação dos danos causados à
vítima e à comunidade, a partir de uma postura positiva do infrator.
Vemos aqui a inclusão do importante papel da família do infrator na resolução dos conflitos
criminais por ele praticados. As decisões deixam de ser algo relegado somente às instituições da
justiça, tornando-se mais inclusivas ao envolver todos aqueles prejudicados pelo ato infracional.
Em 1976, ocorreu no Canadá a primeira experiência contemporânea utilizando-se das
práticas restaurativas. O caso envolvia dois acusados de vandalismo que se encontraram com
suas vítimas e estabeleceram pactos de restituição (PRUDENTE, 2008). Nesse país, as referidas
práticas são consideradas um meio alternativo que não pertence aos modelos tradicionais da
Justiça Criminal. Assim,
a questão criminal é analisada sob o aspecto das relações humanas, e não
mais apenas sobre o fato praticado, como preconiza o conceito de fato típico,
antijurídico e culpável. Como solução ao conflito, é necessário o envolvimento
de um processo de restauração das relações humanas e sociais abaladas com o
transcorrer do conflito. (GONÇALVES, 2009, p. 195)
O Brasil está entre os diversos países que vêm adotando a Justiça Restaurativa. Mais adiante
estudaremos como ocorre a sua aplicação, agora vamos conceituá-la.
Terminologia Conceito
Significa qualquer programa que use processos restaurativos e objetive atingir
Programa de justiça restaurativa
resultados restaurativos.
Por fim, vê-se a Justiça Restaurativa como um processo no qual todas as partes envolvidas
e interessadas se juntam para resolver coletivamente o conflito criminal gerado e tratar de suas
implicações futuras.
Vemos que o princípio da legalidade “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, 1988) deve ser obedecido na aplicação da Justiça
Restaurativa, por seu viés de submissão e respeito à lei, e atuação dentro do que essa preceitua. Só
por meio de espécies normativas, que sigam o devido processo legislativo para sua criação, é que se
pode criar obrigações aos indivíduos, uma vez que representam a vontade da sociedade expressa
por seus representantes eleitos. Do contrário, ocorreriam sob o amparo da nulidade do processo
restaurativo, tornando-se afronta ao ordenamento jurídico e, portanto, não merecendo prosperar.
Agora, passaremos ao estudo dos princípios da Justiça Restaurativa.
Prisão e política penitenciária 95
Princípio Descrição
O crime ou as ofensas causam dano a uma pessoa em particular, desde logo,
também, à comunidade, porque rompe com as relações; não é simplesmente uma
O crime causa danos às pessoas ofensa ao Estado como ente abstrato e uma violação da lei: é um dano que se
e às comunidades. há causado a uma pessoa e que causa dor, perda entre outros sentimentos; este
enfoque e relação ao dano começa com uma preocupação central pelos papéis e
necessidades das vítimas.
Dessa forma, conjugando os princípios vistos tanto na Resolução n. 2002/12 quanto esses
agora estudados, concluímos que a Justiça Restaurativa, como novo modelo de justiça, visa
promover a paz social e a comunicação não violenta entre as partes, além de proporcionar ao
agressor a oportunidade de se desculpar com a vítima, reparando seus danos e traumas. Nesse
sentido, Alves (2019) colabora ao afirmar:
De acordo com a filosofia da justiça restaurativa, as necessidades das vítimas e o
restabelecimento da paz social são finalidades básicas, atentando-se para o fato
de dar uma adequada resposta ao crime, castigando o responsável pela conduta
ilícita, fazendo-o reconhecer o sofrimento da vítima e, consequentemente,
reparar o dano.
A seguir, vamos estudar as características que diferenciam cada uma das modalidades da
Justiça Criminal Tradicional (Retributiva) e da Justiça Criminal Restaurativa.
exclusão da Justiça Tradicional, mas de um meio alternativo para a resolução de crimes e infrações
penais, principalmente em casos nos quais o propósito não é manter o agressor preso e, sim, utilizar
um meio eficaz de garantir que a conduta lesiva cesse.
Começamos com uma reflexão proposta por Pinto (2008, p. 192), que nos dá um
entendimento inicial e rápido sobre a perspectiva de cada um dos referidos modelos de justiça:
“A justiça convencional diz: você fez isso e tem que ser castigado! A justiça restaurativa pergunta: o
que você pode fazer agora para restaurar isso?”. Já podemos observar a distinção na aplicação dos
verbos; uma diz, afirma, cobra, impõe; a outra pergunta, conversa, dialoga, ouve.
Vamos à conceituação dos elementos de diferenciação das modalidades de justiça:
Quadro 4 – Elementos de diferenciação entre Justiça Retributiva e Justiça Restaurativa
Valores
• Culpabilidade Individual voltada para o passado • Responsabilidade pela restauração em uma dimensão social,
– estigmatização. compartilhada coletivamente e voltada para o futuro.
• Dissuasão. • Persuasão.
Procedimentos
Resultados
• Tutela penal de bens e interesses, com a • Resulta na responsabilização espontânea por parte do
punição do infrator e proteção da sociedade. infrator.
• Praticamente nenhuma assistência psicológica, • Recebe assistência, afeto, restituição de perdas materiais e
social econômica ou jurídica do Estado. reparação.
• Comunica-se com o sistema por advogado. • Interage com a vítima e com a comunidade.
• É desestimulado e até mesmo inibido a dialogar • Tem a oportunidade de desculpar-se ao sensibilizar-se com
com a vítima. o trauma da vítima.
• Não é efetivamente responsabilizado, mas • É inteirado das consequências do fato para a vítima e
punido pelo fato. comunidade.
Ainda nesse contexto, Zehr (apud PANZARINI, 2017) apresenta três perguntas que ajudam
a entender as diferentes perspectivas desses modelos de justiça. São elas:
Figura 4 – Perguntas diferenciadoras dos modelos de justiça
E foi assim que, a partir de junho de 2005, foram implementados projetos de Justiça
Restaurativa em São Caetano do Sul (SP), o qual direcionou seu trabalho a crianças e adolescentes
nas escolas; em Porto Alegre (RS), que também se voltou a crianças e adolescentes, porém
cumprindo medidas socioeducativas; e na cidade do Núcleo Bandeirante (DF), onde o trabalho
envolvia a comunidade e ocorria vinculado ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal – TJDFT, no
Juizado Especial, de modo que os casos atendidos pelo projeto eram encaminhados por um juiz
de direito.
Observa-se, assim, que cada projeto se direcionou a uma área diferente, demonstrando que
a Justiça Restaurativa pode ser aplicada em diversos âmbitos. Esses foram
projetos-piloto, os quais representaram as primeiras tentativas de inserção da
proposta de justiça restaurativa no Brasil, que visavam verificar a aplicabilidade
e adequação desse modelo alternativo, bem como fazer testes e ajustes desse
tipo de justiça à realidade nacional. Apesar de abordarem públicos diferentes,
os projetos partem de um ponto-comum, que é a busca de uma nova forma de
se fazer justiça no país, dada a ineficácia das medidas tradicionais de justiça,
que atinge a ambos os públicos. E é justamente essa busca que vem alimentando
a ideia de justiça restaurativa no contexto brasileiro e expandindo-a e
consolidando-a. (ORTEGAL, 2008, p. 127)
Em 2012, o Congresso Nacional editou a Lei n. 12.594, que instituiu o Sistema Nacional
de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e, assim, seguiu os passos do “caso zero”. A Justiça
Restaurativa então se instalou definitivamente como um modelo de resolução para os conflitos
juvenis, visto que a referida lei estabelece ser princípio da execução da medida socioeducativa
a “prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às
necessidades das vítimas” (BRASIL, 2012).
Nesse contexto de reconhecimento e aplicabilidade da Justiça Restaurativa, o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), em 31 de maio de 2016, publicou a Resolução n. 225, que institui
a Política Pública Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário, a qual “tem
por objetivo a consolidação da identidade e da qualidade da Justiça Restaurativa definidas na
normativa, a fim de que não seja desvirtuada ou banalizada” (CNJ, 2019).
Em 17 de agosto de 2016, por sua vez, a Portaria CNJ n. 91/2016, em cumprimento ao disposto
no artigo 27 da Resolução CNJ n. 225/2016, instituiu o Comitê Gestor da Justiça Restaurativa, cuja
composição foi atualizada pela Portaria CNJ n. 137, de 31 de outubro de 2018. A instituição desse
Comitê objetiva efetivar a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário,
rumo à consolidação da identidade e qualidade dessa forma de resolução de conflitos.
Nos dias 17 e 18 de junho de 2019, o CNJ realizou, por intermédio do referido Comitê, o
1º Seminário sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa2. O evento visava o intercâmbio de
experiências e ideias entre os Comitês Regionais de todo o Brasil, de modo a gerar a melhoria na
quantidade e qualidade dos dados que compõem a Política Nacional de Justiça Restaurativa.
Esses são, enfim, os marcos históricos e jurídicos que dão respaldo à aplicação da Justiça
Restaurativa no Brasil. Agora, vamos observar alguns institutos do Direito positivado brasileiro
que dão abertura para a aplicação do modelo restaurativo, uma vez que incorporam o modelo
consensual como forma de reação estatal ao delito. Essa situação é importante visto que o Direito
positivado brasileiro apresenta um sistema jurídico mais restritivo, em virtude do princípio da
indisponibilidade da ação penal pública. Nota-se diferença em relação aos países onde surgiu a
Justiça Restaurativa, em que o sistema jurídico é mais receptivo à derivação de casos para o modelo
restaurativo, devido, principalmente, a discricionariedade do promotor em processar ou não,
segundo o princípio da oportunidade (PINTO, 2010). Vejamos quais são esses institutos.
2 Saiba mais em: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). 1º Seminário sobre a Política Nacional de Justiça
Restaurativa. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/agendas/1o-seminario-sobre-a-politica-nacional-de-justica-
restaurativa/. Acesso em: 18 nov. 2019.
Prisão e política penitenciária 101
(BRASIL, 2003) • No artigo 94 prevê-se a aplicação do procedimento da Lei n.º 9.099/1995 (BRASIL,
1995) para os crimes contra idosos cuja pena privativa de liberdade não ultrapasse
quatro anos.
Fonte: Elaborado pelo autor com base nas legislações nacionais citadas.
3 Sursis processual é o mesmo que suspensão condicional do processo, “um dos mecanismos à disposição das partes
[...], uma forma alternativa de solução para questões penais. A suspensão possibilita a extinção da punibilidade e não
gera antecedentes criminais. Segundo a legislação, o sursis processual é admitido nos crimes cuja pena mínima seja
igual ou inferior a um ano – delitos de baixa gravidade e periculosidade, portanto” (STJ, 2019). Esse dispositivo está
disposto no artigo 89 da Lei n. 9.099/1995.
4 “A palavra remissão é tida pela norma culta como sinônimo de clemência, perdão. Como instituto jurídico menorista,
a remissão vem especificadamente prevista no Capítulo V do Título II da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA), nos artigos 126 a 128, e pode ser entendida como forma de paralisar ou encerrar a apuração de
ato infracional sem que haja uma sentença de mérito absolutória ou condenatória. Através da remissão, portanto,
suspende‑se ou interrompe-se o iter da persecução do ato delitivo praticado pelo adolescente” (ALVES, 2008, p. 268,
grifos do original).
102 Controle social e segurança
Em consequência, vemos que as disposições constitucionais trazem um rol não taxativo dos
direitos que devem ser reconhecidos às crianças e aos adolescentes, e que validam o princípio da
proteção integral. Vejamos o que nos diz o artigo 227 (BRASIL, 1988):
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente
e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.
Crianças e adolescentes, portanto, são inimputáveis e isentos das penas aplicadas pelo
Código Penal. Contudo, o ECA disciplina para crianças (até 12 anos incompletos) que venham
a praticar ato infracional o seu encaminhamento ao Conselho Tutelar e a sujeição a medidas de
proteção dispostas em seu artigo 101 (BRASIL, 1990). No caso de adolescentes (de 12 a 18 anos
incompletos) em conflito com a lei, objeto de nosso estudo nesta seção, a responsabilização de
maneira pedagógica e retributiva é efetivada via medidas socioeducativas, por meio do devido
processo legal5 com contraditório6 e ampla defesa7. Essas medidas socioeducativas estão assim
disciplinadas no ECA (BRASIL, 1990):
5 Devido processo legal é um princípio trazido expressamente da Constituição Federal (BRASIL, 1988, art. 5º): ninguém
será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Referido princípio tem por escopo a proteção
do indivíduo contra eventuais arbitrariedades perpetradas pelo Estado, na condução dos processos contra aquele. [...] a
Constituição Federal pretendeu deixar claro que somente por meio da atividade jurisdicional, exercida com exclusividade
pelo Estado, é que o indivíduo poderá perder sua liberdade ou seus bens, não sendo possível sofrer tais gravames
por meio de atos praticados por outrem, inclusive pela própria Administração, sem a intervenção do Poder Judiciário”
(DANTAS, 2010, p. 123).
6 Contraditório trata-se do “direito que tem o indivíduo de tomar conhecimento e contraditar tudo o que é levado
pela parte adversa ao processo. O contraditório assegura, também, a igualdade das partes no processo, pois equipara,
no feito, o direito da acusação com o direito da defesa” (PAULO; ALEXANDRINO. 2012, p. 76). Na Constituição Federal
(BRASIL, 1988) consta: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados
o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
7 Ampla defesa trata-se do direito que é dado ao indivíduo de trazer ao processo, administrativo ou judicial, todos
os elementos de prova licitamente obtidos para provar a verdade, ou até mesmo de omitir-se ou calar-se, se assim
entender, para evitar sua autoincriminação” (PAULO; ALEXANDRINO. 2012, p. 75). Na Constituição Federal (1988, art. 5º)
consta: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório
e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Prisão e política penitenciária 105
Ocorre que se mostra como um grande desafio para a justiça aplicada à idade infantojuvenil a
efetividade das medidas socioeducativas na ressocialização e na reeducação de menores envolvidos
em condutas ilícitas, uma vez que se deve buscar a reintegração da criança e do adolescente na
família, comunidade e sociedade, e ainda conter ações de caráter pedagógico e inclusivo. Esses são
objetivos que não têm sido alcançados devido a adversidades, como a falta de compreensão do
sentido social e educacional das referidas medidas, à má qualidade da formação dos profissionais
envolvidos com esse público, à escassa e frágil infraestrutura das instituições de cumprimento das
medidas (BARROS; NOCRATO; TASSIGNY, 2007, p. 15), entre outras. Assim, segundo Cerqueira
(2018, p. 6):
No que tange aos atos infracionais, ainda se observa a predominância prática
do viés punitivo sob o pedagógico, bem como a mera transposição, com rasas
adaptações, do raciocínio jurídico aplicado aos imputáveis para os adolescentes
em conflito com a lei. […]. Na seara infantojuvenil, quando o adolescente alcança
o sistema de prevenção terciária, as chances de êxito de sua recuperação são
drasticamente reduzidas pela deficiência do sistema, que privilegia a punição e
o controle coercitivo em detrimento da tomada de consciência e da verdadeira
formação moral e ética do indivíduo em desenvolvimento. Neste cenário, a
vítima e a sociedade têm a falsa impressão de impunidade e o adolescente tem
sua liberdade restringida sem a oferta de condições de formação, o que viola
frontalmente a Doutrina da Proteção Integral.
Dessa forma, essas situações têm levado à ineficácia das medidas socioeducativas impostas
tanto no atendimento quanto na recuperação de adolescentes em conflito com a lei, levando à não
redução da violência e dos índices de reincidência criminal, bem como contribuindo para sua
estigmatização e exclusão social, culminando, portanto, na violação dos Direito Humanos.
Nesse contexto, surge a ideia da aplicação da Justiça Restaurativa como forma de
promover a responsabilidade do adolescente em conflito com a lei pela restauração no âmbito
social, além de focar também as necessidades da vítima para reparar ou minimizar os danos por
ela sofridos, bem como a própria comunidade envolvida. No ECA, já se encontra a disposição
106 Controle social e segurança
sobre o ressarcimento dos prejuízos materiais e morais da vítima do ato infracional: “Em se
tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for
o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra
forma, compense o prejuízo da vítima” (BRASIL, 1990, art. 116).
Portanto, observa-se que
A Justiça Restaurativa propõe um novo olhar para o conflito, com novas formas
e propostas de resolução [...]. Cada caso é um caso e deve ser analisado, estudo
e experimentado com o objetivo de desenvolver e construir na sociedade outros
sentidos e olhares. Que a sociedade possa responsabilizar e sentir-se responsável
pelo outro tendo a consciência de que pode, um dia, estar no lugar do outro. Neste
sentido, o que se pretende com a aplicação da Justiça Restaurativa não é abolir
o ECA, ao contrário, o que se pretende é aplicá-lo efetivamente à luz da Justiça
Restaurativa. Ou seja, a Justiça Restaurativa, através do processo dialogado entre
as partes envolvidas, dos acordos restauradores, da responsabilização do Estado
e da sociedade, vem ao encontro da Proteção Integral preconizada no ECA,
especialmente porque propõe um tratamento baseado no reconhecimento da
dignidade humana. (PINTO, 2015, p. 7)
A justiça restaurativa se aplica aos casos resguardados pelo ECA por intermédio de diferentes
técnicas metodológicas, como: processo vítima-ofensor, conferência familiar, círculo restaurativo
e processo circular. Em cada caso, com base em uma análise cuidadosa, “deverá ser adotado o
procedimento mais adequado ao contexto social e às circunstâncias do conflito, respeitando-se
sempre os princípios que norteiam a Justiça Restaurativa” (CERQUEIRA, 2018, p. 8). As técnicas
podem ser mescladas e implicam encontros entre vítima, infrator e comunidade.
O processo vítima-infrator, quando indicado, trabalha com as partes em separado e,
quando consentido, acontece em um encontro que promove diálogo entre elas. É organizado e
conduzido por um facilitador habilitado, que orienta o processo de maneira harmônica.
Nas conferências familiares amplia-se a participação dos envolvidos, incluindo familiares
ou outras pessoas significativamente envolvidas. Por sua vez, nas abordagens circulares há a
Prisão e política penitenciária 107
possibilidade de realizar o encontro entre vítima e infrator, mas não imediatamente, pois primeiro
há uma preparação das partes. O círculo restaurativo e o pós-círculo ocorrem posteriormente a
essas metodologias. Em cada fase todas as partes envolvidas são chamadas a participar (GOMIDE;
SANTOS, 2014).
Quando falamos em círculos restaurativos nos referimos a conversas em uma reunião em
formato de círculo, para resolver de modo não violento os conflitos, permitindo a participação de
todos os envolvidos, direta ou indiretamente, neles, com o objetivo de reparar danos e restaurar a
segurança e dignidade (PIEDADE; SILVA, 2015). Ainda, segundo Pranis (2010) citado por Piedade
e Silva (2015),
“os círculos restaurativos superam outras ferramentas mediativas para
transformação de conflitos. Pois, o fazem com o objetivo de dar suporte às
partes, construindo espaços para suas demandas pessoais”, isto é, os círculos
restaurativos objetivam ir além do acordo, preocupam-se também em construir
um ambiente onde todos possam expressar suas necessidades.
Com isso, vemos que o foco dos círculos restaurativos é, realmente, a participação de
todos os envolvidos no conflito, o que reafirma o objetivo da Justiça Restaurativa de promover
a participação de vítima, de quem cometeu a infração e da comunidade na tomada de decisões
quando ocorre um delito.
Além disso, nesses encontros, o formato espacial do círculo é utilizado por simbolizar
liderança partilhada, igualdade, conexão e inclusão, além de promover foco, responsabilidade e
participação de todos (PRANIS apud TJPR, 2019). Nesse contexto, convém salientar que os círculos
restaurativos têm propósitos distintos, apresentando diversas modalidades. A seguir, explicamos as
modalidades mais usadas.
Figura 6 – Modalidades de círculos restaurativos
Objetiva promover o diálogo, essencial para o Objetiva reunir pessoas empenhadas e efetivamente
entendimento, pois compreender é colocar-se no lugar do capazes de oferecer apoio àqueles que cometeram o
outro para entender toda a situação e seus arredores. crime, para que não voltem a delinquir.
Assim, podemos ver que as modalidades de círculos restaurativos são aplicadas de acordo
com a necessidade gerada pelo conflito, de modo a visar à sua solução, evitando transformá-lo em
um processo judicial. Busca, portanto, a reparação dos danos, responsabilização de quem cometeu
a infração e restauração dos vínculos comunitários.
No que se refere aos círculos restaurativos, ainda, observa-se que sua aplicação é constituída
por etapas, e que, segundo Piedade e Silva (2015), “cada etapa é orientada à formulação de perguntas
que devem ser feitas oral ou verbalmente numa linguagem clara e acessível. É imprescindível a
participação do facilitador para orientar o processo”. A seguir, vemos as referidas etapas.
Quadro 6 – Etapas dos círculos restaurativos
Etapas Descrição
Nesta primeira etapa do processo, o facilitador prepara as pessoas para o
círculo, tendo definido quem serão os participantes, o local, a data e o horário
do círculo. É nesta etapa que o facilitador explica a cada participante o
Pré-círculo passo a passo, especificando quais procedimentos serão adotados e que a
modalidade circular não é um processo judicializado. Isso implica dizer que
é nesta etapa que vítima e ofensor serão convidados para o encontro, e o
facilitador elaborará um resumo sobre eles.
Instituto Descrição
“Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o
representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão
do processo, atendendo às circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem
como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.
Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária
importará na suspensão ou extinção do processo.
Remissão Art. 127. A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da
responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente
a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de
semiliberdade e a internação.
Art. 128. A medida aplicada por força da remissão poderá ser revista judicialmente, a qualquer
tempo, mediante pedido expresso do adolescente ou de seu representante legal, ou do
Ministério Público.”
“Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao
adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
Medidas V - inserção em regime de semiliberdade;
socioeducativas VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as
circunstâncias e a gravidade da infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento
individual e especializado, em local adequado às suas condições.”
“Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente
poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção
da família, da criança e do adolescente;
Medidas protetivas
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou
ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a
alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional;
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX - colocação em família substituta.”
(Continua)
Prisão e política penitenciária 111
Instituto Descrição
“Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
I - encaminhamento a serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e
promoção da família;
II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a
alcoólatras e toxicômanos;
III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
Medidas
pertinentes V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e aproveitamento
aos pais ou escolar;
responsável VI - obrigação de encaminhar a criança ou o adolescente a tratamento especializado;
VII - advertência;
VIII - perda da guarda;
IX - destituição da tutela;
X - suspensão ou destituição do poder familiar.
Parágrafo único. Na aplicação das medidas previstas nos incisos IX e X deste artigo,
observar‑se-á o disposto nos arts. 23 e 24.”
Fonte: Brasil, 1990.
Considerações finais
Ao encerrar este capítulo, você está capacitado a continuar seus estudos com as ferramentas
básicas para aprofundar conceitos no campo da criminologia e da Justiça Restaurativa. Essas áreas,
amplas e instigantes, investigam as partes envolvidas no delito, desde o delinquente e a vítima até o
controle social e o meio em que todos estão inseridos.
112 Controle social e segurança
Atividades
1. Segundo Shecaira (2013) quais são os objetos de estudo da criminologia?
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5
Prevenção do crime e policiamento comunitário
Neste capítulo, somos convidados a explorar os conceitos de polícia por meio dos estudos
de autores que se debruçaram sobre o tema. Vamos entender, também, que “fazer policiamento” é
uma atividade que engloba várias ações.
Entenderemos, ainda, que a participação da comunidade nas ações de Polícia Comunitária,
que se configura como uma filosofia moderna de atuação dos órgãos policiais em parceria com a
comunidade, selando um verdadeiro pacto em prol da segurança e contra a violência, é um convite
constante a todos nós.
Por fim, vamos visitar alguns escritos sobre Políticas Públicas e sua avaliação, e, também,
refletir sobre o tema Segurança Pública e como as políticas a ela relacionadas estão sendo tratadas
na Lei n. 13.675/2018.
Quando não ocorrem violações ao patrimônio, seja ele público ou privado, e quando as
elites sociais não são perturbadas, a polícia é esquecida, restando o descaso em relação ao assunto
(KARPINSKI, 2013). Nesse sentido, é válida a estrutura proposta por Bayley (apud KARPINSKI,
2013, p. 22), ao elencar quatro fatores que levam esse tema a ser pouco discutido:
a. A polícia raramente desempenha papel importante nos grandes eventos
históricos. Suas atividades são rotineiras demais.
b. Policiamento não é uma atividade glamorosa, de alto prestígio. Os trabalhos
são conduzidos por pessoas comuns, é difícil associar pessoas interessantes
ao serviço policial.
c. O policiamento é repugnante moralmente. A coerção, controle e opressão
são necessários, mas não são agradáveis.
d. Aqueles que se propõem a estudar a polícia devem estar dispostos a
enfrentar problemas práticos, como a dificuldade de acesso a dados e à
própria instituição.
118 Controle social e segurança
Podemos também acrescentar que a polícia é entendida de acordo com o contexto social
em que está inserida, de modo que, apesar de ter a mesma essência, ela tem suas características
de acordo com cada localidade e cultura. Há pontos convergentes em nosso país, no entanto, que
levam todos os órgãos policiais a aceitarem uma definição consensual para polícia, a saber: “é uma
instituição pública, legitimada através do governo para em nome da coletividade manter a ordem
pública e, em casos de desarmonia social, usar a força necessária para reconduzir à tranquilidade
pública” (KARPINSKI, 2013, p. 22). Nesse sentido, ainda, Bayley (2002, p. 229) define polícia como
“o grupo de pessoas autorizadas por um grupo para regular as relações interpessoais dentro de uma
comunidade, através da aplicação da força física”.
Contudo, o conceito de polícia está de fato ligado às definições de cidadania e direitos humanos.
Há, sim, a necessidade de certa fusão entre esses elementos, o que torna necessário aos policiais
e demais profissionais de segurança pública saberem e serem lembrados disso a todo momento.
Coerente com essa perspectiva, por fim, Karpinski (2013, p. 23) afirma que polícia é “como uma
instituição pública legitimada, prestadora de serviços em prol da cidadania, da defesa e valorização
dos direitos humanos dos quais não pode se dissociar, sob pena de não ser mais desejada”.
Se partirmos para uma análise da própria palavra polícia, descobriremos que sua origem
provém do grego, politeia, que, à época, “servia para designar a totalidade das atividades estatais na
organização da pólis” (BEZNOS apud HIPÓLITO; TASCA, 2012, p. 74). Em seu significado amplo,
segundo Hipólito e Tasca (2012), a palavra polícia tem três acepções1:
1ª Conjunto de normas impostas pela autoridade pública aos cidadãos.
2ª Conjunto de atos de execução dos regulamentos assim feitos, bem como das leis.
3ª Forças públicas encarregadas da execução das leis e regulamentos, isto é, agentes
públicos cuja atividade resulta na ordem pública.
Certamente, a acepção que mais se aproxima da definição corriqueira de polícia, e a que é
melhor compreendida no cotidiano, é a terceira, devido ao fato de envolver agentes públicos. Já as
duas acepções anteriores, ao abordarem normas e regulamentos, mantêm maior afinidade com a
linguagem jurídica. Outro conceito pode ser colhido na definição que lhe atribuem Lazzarini et al.
(1999, p. 12), segundo a qual polícia
é um vocábulo que designa o conjunto de instituições, fundadas pelo Estado,
para que, segundo as prescrições legais e regulamentares estabelecidas, exerçam
vigilância para que se mantenham a ordem pública, a moralidade, a saúde
pública e se assegure o bem-estar coletivo, garantindo-se a propriedade e outros
direitos individuais.
Ainda, corroborando com essa interpretação, Valla (2012, p. 8) leciona:
Assim, numa primeira tentativa, tem-se o vocábulo polícia como sinônimo
de regras de polícia, isto é, o conjunto de normas impostas pela autoridade
pública aos cidadãos, seja no conjunto da vida normal diária, seja no exercício
de atividade específica. Como efeito, no sentido mais amplo do termo, toda
1 Entende-se por acepções o sentido da palavra e como ela é empregada. Então, nessas acepções apresentadas,
temos três sentidos de emprego da palavra polícia, segundo Hipólito e Tasca (2012).
Prevenção do crime e policiamento comunitário 119
Da mesma forma que definir polícia não é tarefa fácil, ou simples, segundo Bayley (2002,
p. 118, grifos do original):
Podem ser usadas três maneiras bem distintas de descrever a atividade policial,
cada uma a partir de diferentes fontes de informação. O trabalho policial pode
se referir, primeiro, ao que a polícia é designada para fazer; segundo, a situações
com as quais ela tem que lidar; terceiro, às ações que ela deve tomar ao lidar com
as situações.
Assim, de acordo com Bayley (2002, p. 118), sob uma perspectiva organizacional, podemos
dizer que os policiais durante a atividade estão: “patrulhando, investigando, controlando o
tráfego, aconselhando e administrando”. Esse autor ensina, ainda, que o “trabalho policial
também é comumente descrito em termos de situações com as quais a polícia se envolve: crimes
em andamento, brigas domésticas, crianças perdidas, acidentes de automóvel, pessoas suspeitas,
supostos arrombamentos, distúrbios públicos e mortes não naturais” (BAYLEY, 2002, p. 119).
Nesses casos, o trabalho da polícia, conforme orienta o autor, é revelado com base naquilo
com a qual lida. Contudo, importa esclarecer que o trabalho policial pode ser descrito também
em termos relacionados à execução das atividades durante uma das possíveis situações elencadas,
podendo desdobrar-se em “prender, relatar, tranquilizar, advertir, prestar primeiros socorros,
aconselhar, mediar, interromper, ameaçar, citar e assim por diante. Nesse caso, o trabalho dos
policiais é o que os policiais fazem nas situações que encontram” (BAYLEY, 2002, p. 119).
Nesse viés, a atividade mais perceptível de polícia que podemos elencar é o policiamento,
que “remete à atividade específica de patrulhamento preventivo, levada a efeito pela presença
visível de policiais uniformizados ou fardados que costumam cobrir áreas geográficas definidas,
atendendo a uma estratégia centralizada” (ROLIM, 2006, p. 21).
Assim, deduzimos de nossos estudos que a polícia, sozinha, não poderá garantir a ordem
pública e a segurança da sociedade. Coerente com essa perspectiva, Dias Neto (BLASIUS, 2008,
p. 23) afirma que “a polícia não pode ser a única voz no coral da segurança”. Por isso, temos a
necessidade premente de que todos os cidadãos participem efetivamente das questões afetas ao
tema Segurança Pública, à luz do que prevê a Constituição Federal (BRASIL, 1988), que, em seu
artigo 144, afirma ser “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”.
Corroborando com o entendimento de participação do cidadão nas decisões de Segurança
Pública, Blasius (2008, p. 23) nos orienta em relação à soma dos conceitos de polícia e de comunidade.
Para ele, “a Polícia Comunitária tornou-se uma necessidade e uma realidade que está enraizada nas
organizações policiais em todo mundo”.
Sobre isso, Trojanowicz e Bucqueroux (apud BLASIUS, 2008, p. 23) enfatizam:
Policiamento comunitário é uma filosofia e uma estratégia organizacional que
proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Baseia-se na
premissa de que tanto a polícia quanto a comunidade devem trabalhar juntas
para identificar, priorizar, e resolver problemas contemporâneos tais como crime,
drogas, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a decadência do
bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade geral da vida na área.
Prevenção do crime e policiamento comunitário 121
Essa filosofia chamada Polícia Comunitária, mas ainda pouco explorada, pode ser
definida como moderna e inovadora, pois ela traz consigo a mensagem constitucional do dever e
envolvimento de todos em prol de um país mais seguro.
Conceitos como crime, medo do crime e os demais anteriormente elencados convidam os
cidadãos a se envolverem e trabalharem junto aos órgãos de Segurança Pública. Imbuída dessa
filosofia, a próxima seção propõe uma reflexão sobre a participação da comunidade no combate
ao crime e à violência.
2 “Político britânico nascido em Bury, conhecido como administrador competente e incorruptível, foi fundador do
Partido Conservador e criador da primeira força policial disciplinada de Londres. De origem rica, estudou em Oxford,
tornou-se membro do Parlamento (1809) e teve seu primeiro cargo executivo quando nomeado secretário da Irlanda
(1812). Depois foi Ministro do Interior (1821-1834), quando promoveu uma ampla reforma do código penal, promulgou a
emancipação da Irlanda (1829), reorganizou e ampliou a polícia londrina. Foi primeiro-ministro (1834-1835, 1841-1846),
onde desenvolveu medidas administrativas de grande repercussão, como a criação do imposto de renda e a abolição das
corn laws, leis que restringiam a importação de milho e outros cereais. Essas duas medidas provocaram forte reação dos
partidos de oposição e a queda de seu gabinete (1846). Decepcionado, renunciou ao cargo, abandonou o Parlamento e
morreu em Londres, poucos anos depois” (BONDARUK; SOUZA, 2012, p. 43, grifos do original).
122 Controle social e segurança
enfatizou: “os policiais são pessoas públicas que são remunerados para dar atenção integral ao
cidadão no interesse do bem-estar da comunidade” (SENASP, 2007, p. 127). Ele, quando ministro,
apresentou um novo conceito para a polícia inglesa, fundado em três objetivos, conforme vemos
em Bondaruk e Souza (2012):
1. Restabelecer a fé do público.
2. Proteger o inocente.
3. Sustentar a lei.
Essa ideia coloca a proteção do cidadão acima do próprio dever de cumprir a lei. E foi com
base nessa convicção que Peel criou os nove princípios que norteiam as corporações policiais no
serviço à comunidade. São eles:
1. O princípio básico pelo qual a polícia deve existir é impedir o crime e a
desordem.
2. A habilidade da polícia de executar seus deveres depende da aprovação
pública das ações policiais.
3. A polícia deve assegurar a voluntária cooperação do público na observância
da lei para poder assegurar e manter o respeito do público.
4. O grau de cooperação do público que pode ser assegurado diminui
proporcionalmente a necessidade do uso de força física.
5. A polícia busca e preserva o favor público, não cativando a opinião pública,
mas constantemente demonstrando o serviço imparcial e absoluto.
6. A polícia usa a força física na necessidade de assegurar o cumprimento da lei
ou restaurar a ordem somente quando o exercício da persuasão, do conselho
e do aviso é insuficiente.
7. A polícia em todos os momentos deve manter um relacionamento com o
público que dê a realidade à tradição histórica de que a polícia é o povo e o
povo é a polícia; a polícia é somente os membros do povo que são pagos para
dar atenção todo o tempo aos deveres que são encarregados a cada cidadão,
nos interesses do bem-estar da comunidade e do próprio ser.
8. A polícia deve sempre dirigir sua ação estritamente para suas funções e
nunca parecer usurpar as funções do judiciário.
9. O teste de eficiência da polícia é a ausência do crime e da desordem, não a
evidência visível da ação policial. (BONDARUK; SOUZA2012, p. 17)
Podemos afirmar, assim, que da parceria entre policiais e demais integrantes da comunidade
surge o Policiamento Comunitário. Este é compreendido como “uma filosofia de patrulhamento
personalizado de serviço completo, onde o mesmo policial trabalha na mesma área, agindo numa
parceria preventiva com os cidadãos, para identificar e resolver problemas” (SENASP, 2007, p. 42).
As diferenças entre o Policiamento Tradicional e o Policiamento Comunitário podem ser
melhor compreendidas quando eles são comparados lado a lado. Vejamos o Quadro 1 a seguir.
Prevenção do crime e policiamento comunitário 123
Menor nível de motivação para o policial Maior nível de motivação para o policial
Para que haja a efetividade das ações na comunidade, é preciso que esta esteja integrada
nas ações em prol do bem comum. Nesse contexto, é válido considerar o que Trojanowicz (apud
SENASP, 2007, p. 95) denominou de os “Seis grandes”: os órgãos que compõem a comunidade.
Vejamos quais são eles:
1. Organização policial.
2. Comunidade.
3. Autoridades constituídas e organismos governamentais.
4. Comunidade de negócios.
5. Instituições comunitárias.
6. Veículos de comunicação.
Com a participação dos “Seis grandes”, o sucesso da Polícia Comunitária na localidade
onde for implementada tem maiores possibilidades de alcançar resultados melhores e duradouros.
Afinal, é a união da comunidade que fundamenta todo o processo.
124 Controle social e segurança
I Diagnóstico do problema
V Estratégia de implementação
Existem basicamente dois modelos de execução das análises ex ante de Políticas Públicas
nos governos: as que são realizadas de forma centralizada em determinados órgãos; e as
que são desenvolvidas pelos próprios órgãos setoriais, com base em diretrizes emanadas
dos órgãos de centro de governo.
Exemplo do primeiro caso é o Chile, onde as análises ex ante são realizadas pelo
Departamento de Assistência Técnica, da Diretoria de Orçamentos (Dipres), vinculado
ao Ministério da Fazenda, e, de forma colaborativa, pelo Ministério de Desenvolvimento
Social, no caso de políticas classificadas como sociais. Nesse país, os ministérios setoriais
submetem propostas de criação, expansão e reformulação de Políticas Públicas, em um
sistema único e por determinado período. Esse processo unificado permite subsidiar as
decisões de priorização do governo conforme a qualidade técnica das propostas, entre
outros critérios.
No segundo caso, um exemplo é o Reino Unido, onde a execução das análises ex ante
cabe aos ministérios setoriais, os quais estão vinculados expressamente às orientações
emanadas do guia publicado pelo Tesouro Britânico, denominado Green Book. Esse livro
vincula a análise ex ante a todas as novas políticas, programas e projetos, incluídas as
políticas orçamentárias e as extraorçamentárias, as políticas sociais e as de infraestrutura
e de capital, as intervenções diretas do Estado e as ações de regulamentação. Nessa análise
vinculativa, há uma combinação de critérios econômicos, financeiros, sociais e ambientais
que devem ser observados pelos ministérios finalísticos.
Para favorecer a clareza dos pontos quando da submissão de proposta que crie, expanda
ou aperfeiçoe Políticas Públicas, foi elaborado um checklist (BRASIL, 2018a), apresentado a
seguir, na Figura 3.
Prevenção do crime e policiamento comunitário 129
(Continua)
130 Controle social e segurança
5.1 O conjunto de cidadãos e cidadãs apoia a política proposta por confiar que
ela é relevante e que as instituições responsáveis irão levá-la a cabo?
5.2 Quais são as razões ou as evidências de que há envolvimento dos
interessados, que levem os agentes internos e externos à política a apoiarem
a sua execução e a estarem alinhados?
5. Estratégia de construção
5.3 Como os envolvidos participam ou se manifestam na elaboração da
de confiança e suporte
proposta?
5.4 A política proposta é uma prioridade das lideranças políticas? Já foram
identificadas as lideranças que podem endossá-la?
5.5 Quais seriam as possíveis oposições ativas para a execução dessa política?
Os processos de avaliação das políticas em execução servem para sua implementação ou seu
aperfeiçoamento, o que se denomina avaliação formativa. Segundo Ala-Harja e Helgason (apud
PESQUISA ENAP, 2001, p. 5), esses processos são geralmente adotados “durante a implementação
de um programa como meio de se adquirir mais conhecimento quanto a um processo de
aprendizagem para o qual se deseja contribuir e tem como propósito apoiar e melhorar a gestão, a
implementação e o desenvolvimento do programa”.
Os processos de avaliação também podem ser voltados para a tomada de decisão sobre sua
adoção ou expansão das políticas, o que se denomina avaliação somativa. As avaliações somativas
são “conduzidas frequentemente quando o programa já está implementado há algum tempo
(avaliação ex post) para o estudo de sua eficácia e o julgamento de seu valor geral e são tipicamente
Prevenção do crime e policiamento comunitário 131
Vemos que o monitoramento é necessário, pois, caso não ocorra, há o risco de uma má
política – ou uma Política Pública mal implementada – trazer prejuízos à sociedade. Com o
monitoramento adequado, pode-se providenciar ajustes e até mesmo a suspensão em relação ao
que não se provar bom.
Figura 4 – Pontos relevantes para a execução da avaliação de Políticas Públicas
A abordagem da avaliação escolhida deve estar alinhada As políticas que apresentarem avaliações ruins, que não
ao ciclo de execução da Política Pública; como exemplo, passam pelo processo de validação da sociedade, incluídas
uma linha de avaliação de impacto só deve ser executada as críticas da comunidade acadêmica, dos pesquisadores e da
se a política já tiver alcançado tempo de execução imprensa, não deverão se prolongar por muito tempo. Esse
suficiente para que haja os resultados e os impactos fato destaca a importância de as avaliações executadas no
esperados, conforme o seu modelo lógico. sistema de avaliação do governo serem claras, transparentes
e públicas, o que fortalecerá a implementação de políticas
públicas efetivas e bem-desenhadas.
2º Execução da avaliação
5º Implementação de melhorias
Considerações finais
Como podemos perceber, a construção do conhecimento perpassa por muitas informações.
Quando essas informações são descontextualizadas, não fazem o menor sentido, mas, quando elas
são organizadas por um processo sistemático, o crescimento é exponencial.
Prevenção do crime e policiamento comunitário 133
Atividades
1. Qual é a diferença entre polícia e policiamento?
Referências
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2002.
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134 Controle social e segurança
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VALLA, W. O. Doutrina de emprego de Polícia Militar e Bombeiro Militar. 3. ed. Curitiba: Associação da Vila
Militar; Publicações Técnicas, 2012.
Gabarito
1 Controle social
1.
4. A obra de Weber, intitulada Ciência e política: duas vocações, no texto “A política como
vocação”, define Estado da seguinte forma: “o Estado não se deixa definir a não ser pelo
específico meio que lhe é peculiar, tal como é peculiar a todo outro agrupamento político,
ou seja, o uso da coação física” (WEBER, 2011, p. 66, grifo do original).
136 Controle social e segurança
A violência não é a única ferramenta de que se vale o Estado, porém é a principal delas. E o
uso dessa força está vinculada ao próprio processo civilizatório. Caso o Estado não estivesse
estabelecido, para Weber, teríamos a anarquia. Alerta o autor, já na sua época, que a relação
entre Estado e violência é íntima, de modo que:
devemos conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humano
que, dentro dos limites de determinado território – a noção de território
corresponde a um dos elementos essenciais do Estado – reivindica o monopólio
do uso legítimo da violência física. (WEBER, 2011, p. 67, grifos do original)
2 Segurança Pública
1. Marinha, Exército e Aeronáutica. Essas Forças Armadas são subordinadas ao Presidente da
República, seu comandante supremo, destinam-se:
• À defesa da pátria.
• À garantia dos Poderes Constitucionais.
• Por iniciativa de qualquer dos Poderes, à garantia da Lei e da Ordem.
2. De acordo com o artigo 144 da Constituição Federal, os órgãos da Segurança Pública são:
Polícia Federal; Polícia Rodoviária Federal; Polícia Ferroviária Federal; Polícias Civis; Polícias
Militares e Corpos de Bombeiros Militares. Ainda, segundo esse artigo constitucional, os
citados órgãos apresentam os seguintes objetivos:
• Polícia Federal:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento
de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e
empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão
Gabarito 137
São os estratégicos:
• União, Estados, Distrito Federal e Municípios, por intermédio dos respectivos Poderes
Executivos.
• Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social dos três entes federados.
• São os operacionais:
• Os constitucionalmente previstos no artigo 144.
• Órgãos do sistema penitenciário.
• Institutos oficiais de criminalística, medicina legal e identificação.
• Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).
• Secretarias estaduais de Segurança Pública ou congêneres.
• Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec).
• Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas (Senad).
• Agentes de trânsito.
• Guarda portuária.
colegiado com competência para debater e validar uma política nacional, que, esperamos, seja
eficiente e eficaz, lembrando o histórico de tentativas cujos erros e acertos somaram esforços
para que novas políticas e Planos se estabeleçam.
3.
2. De acordo com Shecaira (2013), criminologia é uma ciência que se apoia em experiências,
estuda o crime, o criminoso e aqueles que são prejudicados por ele, no caso, a vítima e a
comunidade, levando em consideração quais formas de controle social estão sendo aplicadas
ou não. Para essa ciência, o crime deve ser considerado um problema não apenas individual,
mas da sociedade ou social. Desse modo, não se pode deixar de lado o estudo de como
aplicar técnicas de prevenção contra o crime.
2. É uma filosofia moderna e inovadora, na qual a comunidade deve estar incluída para que
possa auxiliar, dentro de seus limites, o trabalho policial. Esse auxílio se expressa por meio
de opiniões, informações e ações locais em prol da comunidade, como a manutenção de suas
residências, escolas e vizinhança.