2a edio

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designer

Ligia%Fascioni

O design do designer

Ligia Fascioni
E-book publicado em 2014 por Ligia Fascioni
1a Edio, 2007 | 2a Edio, 2014
ISBN: 978-85-915143-4-2 (para formato PDF)
Capa, texto e fotografias: Ligia Fascioni
Contatos e feedbacks so bem-vindos: [email protected]
Sobre a autora: www.ligiafascioni.com
i

Agradecimentos

Agradeo ao meu amor Conrado pelo apoio e carinho.

Agradeo aos meus pais por ter vivido sempre cercada por livros.

Agradeo ao tio Melo e tia Ndia que me ajudaram no comeo e continuam comigo at
hoje.

Agradeo ao Jalson de S, do site Acontecendo Aqui, pela oportunidade.

Agradeo aos leitores do site Acontecendo Aqui, pelas crticas e sugestes.

ii

Para minha me Clotilde

iii

Apresentao para a 1a edio

Os textos que seguem so baseados na

assunto polmico, sedutor e, apesar de

coluna semanal que mantenho no site

estar na moda, ainda muito

Acontecendo Aqui, especializado em

incompreendido.

comunicao e marketing em Santa

Catarina. Na coluna, trato
predominantemente do tema design, seja

Voltado para estudantes, profissionais e

interessados na rea, o livro dividido em

como metfora para as questes do dia-a-

trs partes: O designer, focado na atitude

dia, seja como observao do cotidiano,

profissional; O design, que trata do

seja analisando as atitudes dos

design no dia-a-dia e etc, sobre outros

profissionais de design.

assuntos tratados na coluna.

Engenheira por formao, o design s

entrou em minha vida profissional aps
uma dcada trabalhando com robtica e
empresas de tecnologia. Encantada com o
assunto, com o qual me deparei em um
curso breve de comunicao e
propaganda, estudei-o a ponto de fazer
um doutorado em gesto do design.
Hoje sou consultora de empresas
especializada em identidade corporativa e,
apesar de dar aulas em cursos de
graduao e ps-graduao em design e
proferir palestras sobre o tema, no me
considero uma designer. Sou apenas
algum que observa com olhar crtico e
tenta mostrar novas abordagens para um

iv

Apresentao para a 2a edio

Como os textos originais foram escritos

entre 2005 e 2006, buscou-se revisar as
informaes e fazer atualizaes de
acordo com o aprendizado e experincia
mais recentes da autora.
Moro desde 2011 em Berlim, Alemanha, e
sou scia de uma start-up de tecnologia.
Viajo algumas vezes por ano ao Brasil para
ministrar cursos e palestras.
Se voc gostar de O design do designer,
pode encontrar outros livros e mais textos
em www.ligiafascioni.com.

Sumrio

Captulo 1: O designer
O design do designer

11

O que faz um designer ser um designer

14

Saber que no se sabe

17

Com que roupa?

19

Detalhes to pequenos

22

O estagirio que mora em voc

24

Currculo vazio

26

Feios, sujos e malvados

29

Pode embrulhar para viagem

32

De olhos bem abertos

34

O que voc quer ser quando crescer?

37

Socorro, estou cega!

39

Atitude profissional

42

Sobre ratos e relacionamentos

45

Razo e sensibilidade

47

Publicitrios x designers: quem faz o qu

49

Ver com todos os sentidos

51

Formiga renascentista

53

Mendigos culturais

55

Design de empatia

57

Semi o qu?

59

Captulo 2: O design

vi

O que mesmo design?

63

Design corts

66

O design nosso de cada dia

68

Senhoras e senhores...

70

Direita, volver!

73

Beleza til

76

O nome e a rosa

78

O design do drago

80

Lendo imagens

82

Design invisvel

84

Kitsch mais

86

Todos os nomes

89

A princesa e o design

93

Crise de identidade

95

A identidade pode mudar?

98

possvel ser conservador...

100

Marca e identidade so a mesma coisa?

102

Moda para pegar

104

A importncia da pregnncia

107

Quebra-cabeas

109

111

114

Sobre muros, arte e design

116

120

Objetos de desejo
Design para o futuro

Captulo 3: Etc
IG Nobel

vii

La mala educacin

A porta inoportuna

126

As cores do tdio

129

Neuromarketing

131

Pilotar ou contemplar

134

Quero ser rica

136

138

140

142

145

124

Um novo conceito

Joia rara

Wiki wiki wikipedia

Marketing e galinhagem

Vamos brincar um pouco

Serendipitia

147

149

Camisetas falantes

151

Jurada exconjurada

153

Lgica confusa

Simples assim

155

157

Esse futuro que no chega

160

O papel do papel

163

A sopa e o bauru

165

Filhote de coruja

168

Resolues e revolues

viii

170

1
O designer

Hoje no h mais gavetas trancadas em nenhum lugar do mundo.

Pelo menos no para sempre.

O design do designer

Para comear, vamos aproveitar para

jornalismo. A profisso de designer ainda

esclarecer alguns termos que o pessoal

no regulamentada, at porque bem

anda usando por a. O primeiro deles

recente na histria do pas, se comparada

design, que muita gente tambm diz

s clssicas medicina, engenharia e

designer. claro que voc que est lendo

direito.

esse livro agora uma pessoa esclarecida

e provavelmente domina o ingls (o nosso
latim moderno), mas no custa nada dar

O fato de um sujeito freqentar uma

universidade no garante de maneira

uma relembrada.

alguma que ele seja um profissional

Design e designer no so sinnimos.

diz de um profissional (qualquer um, de

Design se refere ao processo, ao projeto,

qualquer profisso), que ele teve acesso

ao conceito. Designer sempre uma

aos conhecimentos necessrios para

pessoa, justamente aquele profissional

exercer o trabalho. S. Infelizmente. Todos

que faz design. Assim, ao contrrio do que

sabemos que h muitos meios de se obter

a gente v por a, no existe curso de

as notas mnimas para se adquirir um

webdesigner, assim como no existe

diploma e no se pede histrico escolar e

curso de pintor. Existe curso de

nem se conversa com os professores

webdesign, assim como curso de pintura.

antes de contratar algum.

Se a divulgao do servio j tem esse

erro, desconfie; ou o profissional no sabe
direito o que est fazendo ou a escola no

competente e confivel. O que o diploma

Por outro lado, pelo menos h a certeza

que aquela pessoa freqentou uma escola

sabe o que est ensinando.

e ouviu falar de conceitos

Outra pergunta que no quer calar:

atividade. Se voc contrata algum que

designer tem que ter diploma? Essa uma

no fez um curso superior de design, o

polmica que enfrenta o mesmo

risco aumenta bastante, pois significa que

questionamento em outras reas, como o

essa pessoa aprendeu sozinha. Tambm

10

importantssimos para exercer sua

como em qualquer outra profisso, pode

Assim, cuidado. H montes de cursos de

ser que ela d um verdadeiro banho em

designer por a que ensinam voc a

gente com diploma, mas no isso que se

mexer no Coreldraw, Fireworks,

v freqentemente no mercado. mais

Dreamweaver, Flash e outros softwares

comum nos depararmos com pessoas que

que auxiliam o trabalho. Muitos so

fazem cursos que ensinam a usar um

excelentes e voc sai dominando a

determinado software e se auto intitulam

ferramenta, mas isso no transforma voc

designers.

em um designer. Pense bem: s porque

Por isso, ateno: o fato de uma pessoa

saber usar uma ferramenta, no faz dela
um designer. Boa parte dos cursos
superiores de design nem ensina a usar
ferramentas. O mais importante para um
designer so os conceitos e a cultura do
design, a forma de conceber solues
para os problemas, o conhecimento
abrangente das conseqncias de se
colocar mais um produto no mercado, a
preocupao com a qualidade. So quatro
anos onde se estuda histria da arte e do
design, teoria e psicodinmica das cores,
metodologias para o desenvolvimento de

um pedreiro extremamente competente

na construo de uma casa, voc acha
que ele possui condies de projet-la
com segurana, competncia, e dentro de
todas as normas? O trabalho do designer
essencialmente de projeto. Sempre
haver trabalho para pedreiros e
arquitetos, cada um na sua funo, as
duas igualmente importantes. E est cheio
de arquiteto bom que nem sabe fazer uma
mistura bsica para cimento (se bem que
bons profissionais procuram sempre
aprender o mximo possvel sobre os
assuntos relacionados ao seu trabalho).

projetos, ergonomia, semitica, materiais,

Ento, ficou claro? Micreiros (aquelas

elabora-se projetos que sero criticados e

pessoas que sabem usar bem os

avaliados por professores experientes,

programas) e designers podem e devem

enfim, muito cho. No que seja

trabalhar juntos, mas so funes

impossvel de aprender isso tudo sozinho,

diferentes. possvel exercer as duas ao

mas certamente ficaro algumas lacunas

mesmo tempo, desde que a pessoa se

na formao de um autodidata que

qualifique para ambas.

dependero imensamente do esforo

pessoal, do acesso s informaes e das
oportunidades.

11

Ento, como separar o joio do trigo? Ora,

como a gente faz para ir ao dentista, ao

mdico, ao cabeleireiro: pega referncias

com quem j fez algum tipo de trabalho
com ele, olha amostras de trabalhos
anteriores, observa a postura profissional,
pede informaes sobre a sua formao,
verifica a escola onde estudou, v se ele
domina os conceitos bsicos. Nada que
voc j no tenha feito para contratar
outros profissionais. Mas por favor! No
contrate o seu sobrinho ou o vizinho do
seu amigo porque o rapaz tem jeito para
desenho e mexe com computador para
um trabalho de responsabilidade na sua
empresa. Voc contrataria um leigo para
fazer o parto do seu filho? Ou para extrair
um dente?

12

O que faz um designer ser um designer

H alguns dias tive o imenso prazer de

no sabem disso, confundindo as reas de

assistir a uma palestra do Andr Villas-

atuao.

Boas, um jornalista que virou designer, e

dos bons. O Andr j publicou alguns
livros, entre os quais o antolgico O que
e o que nunca foi design grfico. Vou
tentar compartilhar um pouquinho o que

2. O lxico, ou a terminologia: a
linguagem que o profissional usa para
tratar do objeto de seu trabalho.
Fonoaudilogos tm um palavreado todo

aprendi com ele nesse encontro.

prprio, adequado para explicar as

O ttulo da palestra era Delimitao

publicitrios, advogados, engenheiros,

disciplinar, que, segundo o autor, um

idem. Os designers teimam em no usar o

tema essencial para que a gente possa

seu (ele citou como exemplo a famigerada

entender o que que faz um designer ser

logomarca, criada e usada no meio

reconhecido como tal.

publicitrio, mas que acaba sendo usada

Primeiro veio a definio de disciplina: o

ramo de conhecimento com o qual uma

especificidades da profisso. Jornalistas,

tambm por designers, mesmo no se

sustentado tecnicamente(1).

profisso se ocupa. E essa disciplina

Designers deveriam usar as vrias

reconhecida pela sociedade por quatro

denominaes corretas que esto sua

aspectos:

disposio: marca grfica, identidade

1. O objeto: Um mdico, por exemplo, se

visual, etc).

ocupa de tratar da sade de uma pessoa

3. A metodologia: So as etapas, as

sob o enfoque da doena, e todo mundo

tcnicas, os mtodos e os procedimentos

sabe disso. A doena o objeto da

prprios de cada profisso. Por ter muita

medicina. A construo de edifcios o

gente atuando sem formao especfica

objeto da engenharia civil. O projeto de

na rea do design, nem sempre o mtodo

produtos grficos e tridimensionais o

mais adequado utilizado, fazendo com

objeto do designer, mas muitas pessoas

13

que o processo de criao seja muito

No passa pela cabea de ningum

intuitivo, e, portanto, mais identificado

entrevistar um publicitrio para falar sobre

como arte do que como tcnica. Esses

os avanos na pesquisa da AIDS (esse

dias conversei com uma manicure que me

um campo delimitado da medicina e das

explicou que, na sua rea, tcnica uma

profisses do campo da sade).

coisa muito sria e cobrada em todas as

escolas. Na arquitetura, na odontologia, na
fisioterapia tambm assim. Por que ser
que s os designers acham que no
precisam?
4. A tradio fundadora: a histria da
profisso, que legitima os modelos
utilizados atualmente, pois so
referenciados nas experincias passadas.
Esses modelos so selecionados por meio
de uma construo histrica com o intuito
de valorizar e aprimorar o trabalho. Assim,
hoje se faz uma cirurgia plstica utilizando
tcnicas que evoluram ao longo da
histria da profisso. No design, j h
histria suficiente para fundamentar os
atuais modelos. Por que os designers no
explicam isso aos seus clientes?
Pois . O Andr defende que a disciplina
tem que ser delimitada justamente para
haver autonomia de campo. Eu explico: a
disciplina do design deve ser reconhecida
socialmente pelas demais. Assim, para um
assunto relacionado ao design, sempre se
vai consultar um profissional dessa rea, e
no de outra, como acontece atualmente.

14

Mas vira e mexe tem gente dando palpite

sobre design sem ter nada a ver com a
rea.
Pense bem. Quem decide o que arte?
Os profissionais dessa disciplina, desde
artistas a crticos especializados,
passando por professores e curadores.
Quem decide se o projeto de um edifcio
est bem feito? Os engenheiros e seu
Conselho Regional. J no design, qualquer
um sente-se vontade para alterar
completamente um projeto grfico ou de
produto, sem a menor inibio. Isso
quando no oferece esse servio a
terceiros, como muito comum. J vi
vrios escritrios de arquitetura
oferecendo servios de identidade visual
com a maior desenvoltura.
Finalizando, o designer no valorizado
como profissional porque no se
distingue, no se posiciona, no se
diferencia. No deixa claro o objeto do seu
trabalho quando atua em outras reas
(inclusive nas artes) usando o mesmo
ttulo profissional. Voc j viu sair numa

nota de jornal que as jias da coleo

foram criadas pelo mdico fulano de tal?
que o cara no usa o seu ttulo de mdico
para divulgar esse talento paralelo. Pois ,
mas voc cansa de ler que o cenrio da
pea de teatro foi criada pelo designer
fulano de tal, e criar cenrios no so
objeto da disciplina design.
assim que a confuso comea. O
designer tambm no usa os termos
prprios da sua profisso (muitos nem os
conhecem), no deixam claro para seus
clientes a tcnica projetual utilizada (e os
pobres ficam achando que pura
inspirao), no fundamentam a escolha
do mtodo no registro histrico.
No me admira que qualquer um se ache
designer! No me admira que no se
consiga identificar um designer no meio
de uma multido.
Alis, est cheio de designer que nunca
ouviu falar no Andr Villas-Boas e no tem
sequer um livro de referncia na estante. E
no estou falando de micreiros no, estou
falando daqueles com diploma mesmo!
Profissionalismo a palavra-chave para
qualquer um que queira ser respeitado na
rea em que escolheu para ganhar a vida.
E isso implica fazer a lio de casa. No
isso, Andr?
15

(1) A discusso sobre a legitimidade ou no do termo

logomarca longa e polmica. Porm, anos depois de
escrever esse texto, j li vrias defesas bem
fundamentadas que advogam que sim, logomarca existe
e pode ser usada sem que se incorra em erro. Ento fica
a critrio do profissional usar o termo que preferir.
Sempre uso marca grfica porque penso que define
melhor o objeto ao qual estou me referindo e no d
margem a esse tipo de debate, que ainda est longe de
ser esgotado.

Saber que no se sabe

Uma vez um amigo se surpreendeu com o

Ainda bem que o mundo mudou (se bem

fato das minhas aulas estarem disponveis

que algumas poucas pessoas ainda no

em meu site, com transparncias,

perceberam). Hoje as empresas no

bibliografia e tudo mais, para quem

contratam mais quem no sabe trabalhar

quisesse(2). Um professor tambm me

em equipe e tem o nefasto hbito de

perguntou se eu iria colocar o texto

trancar gavetas. Na poca pr-Internet,

completo da minha tese na Internet

talvez at essa pudesse ser uma

(alertou-me de que algum poderia copi-

estratgia vlida de sobrevivncia,

lo).

inclusive muito popular.

Resposta para as duas questes: o mundo

Hoje no h mais gavetas trancadas em

inteiro est na Internet, no h informao

nenhum lugar do mundo. Pelo menos no

que possa se gabar de estar em

para sempre. E as pessoas tm que

segurana. E isso no faz mesmo nenhum

pensar em outra maneira de se fazerem

sentido. Para que esconder e guardar

importantes no seu ambiente de trabalho

informaes? Principalmente, se o

em particular e na vida de uma maneira

objetivo divulg-las, compartilh-las com

geral. Segredos no esto mais seguros e

o mximo de pessoas possvel?

podem ser devassados a qualquer

Houve um tempo em que as pessoas

momento. Ento, o que fazer?

acreditavam que seu talento e valor

Primeiro: reconhecer que a gente no

residiam no que s elas sabiam, naquilo

sabe quase nada do que h para saber.

que guardavam trancado a chave na

Mesmo que eu publique aqui tudo o que

gaveta do escritrio. Tinham a iluso de

sei, ainda assim muito pouco para me

que a seo, o departamento, a empresa,

fazer de importante e garantir minha

o mundo, tudo pararia se ela se recusasse

sobrevivncia profissional em algum lugar.

a abrir a gaveta. A garantia do seu

Tudo o que est aqui tambm est ao

emprego estava l dentro, guardadinha.

mesmo tempo em muitos outros lugares,

16

talvez com uma roupinha diferente. Sabe

est ganhando rios de dinheiro. Ora, a

por qu? Por que so s informaes e a

inteligncia e a competncia independem

gente vive mergulhado nelas, praticamente

de quanto cada um estudou. Tem mais a

afogados. Informao no mais

ver com a sua viso do mundo, com a

diferencial de nada, est ao alcance de

capacidade de criar novas solues para

qualquer um que tenha oportunidade e

velhos problemas, identificar

persistncia para achar o que quer.

oportunidades, gostar de desafios, ir

Segundo: entender que sozinho no se vai

a lugar algum. Se o que a gente sabe
quase nada, ento como fazer alguma
coisa com isso? Ora, o bvio. Juntar com
o pouquinho que mais algum sabe e
voil: pode ser que se crie algo realmente
til e at importante. J que impossvel
para um s dar conta de saber tudo o que
preciso para andar pra frente, s nos
resta montar o quebra-cabeas. Assim,
quanto mais gente inteligente e disposta a
compartilhar informaes ns
conhecermos, maior a probabilidade de
realizar um trabalho legal que faa
diferena.
Terceiro: o importante no tanto o saber
fazer, mas saber o que fazer. Ou seja, no
adianta falar lnguas, ter diplomas, teses,
cursos e outros enfeites curriculares, se
voc no souber o que quer fazer com
tudo isso. Vejo gente que estudou um
monto reclamando que no h emprego,
que ganha mal, e que fulano de tal que
tem apenas o segundo grau incompleto

17

luta. Se a pessoa no sabe o que quer

fazer com tudo o que aprendeu, isso
acaba virando um fardo, um peso para
carregar. Assim, quanto mais se estuda e
aprende, mais elementos se tem para criar
e mudar, o que, sem dvida, uma
vantagem mas vale lembrar que pode
ser mais til um simples canivete para
quem sabe us-lo do que msseis
supersnicos para quem no tem idia do
seu alvo. E que o mundo no tem limites
para quem tem o alvo e os msseis.
(2) Hoje em dia o contedo das aulas no est mais
publicado porque a quantidade e a diversidade
aumentaram de tal maneira que ficou muito complicado
organizar toda a informao no site, alm do que, havia
muito material antigo e desatualizado. Mas me disponho
a fornecer o material a quem solicitar.

Com que roupa?

Dia desses me vi de novo envolvida numa

mos sempre feitas! O profissionalismo

discusso sobre se as pessoas devem ou

que essa mulher transmitia excedia

no ser julgadas pela roupa que vestem e

qualquer expectativa. E quantas mulheres

se a empresa pode recusar ou contratar

riqussimas que voc conhece que

um candidato com base na sua vestimenta

parecem um espantalho de exagero e mau

no dia da entrevista.

gosto?

Esse um assunto recorrente que sempre

Quando um designer grfico, uma pessoa

fao questo de discutir em minhas aulas

essencialmente visual, vai a uma entrevista

em cursos de design. A roupa uma

vestido com peas de roupas

ferramenta de comunicao como outra

desconectadas entre si, d para

qualquer. Roland Barthes, famoso e

desconfiar da sua competncia, da sua

respeitado filsofo que dedicou boa parte

cultura visual. Se ele no tem olho para

de sua vida ao estudo da semitica (o

perceber a dissonncia, o desequilbrio, a

estudo dos signos e seus significados)

disparidade entre as cores, as formas e as

chegou a escrever um livro inteiro sobre o

propores, como que vai dar para

assunto chamado O Sistema da moda.

confiar no trabalho que ele vai fazer? Se

Ele dizia que ningum se veste

ele no se incomoda com o rudo visual,

impunemente. O ato de vestir, em nossa

com o feio, com a falta de sintonia, ento

sociedade, cuidadosamente codificado.

talvez ainda no esteja maduro. As

A roupa diz muito sobre a pessoa. E no

tem nada a ver com o poder aquisitivo.
Uma das pessoas mais elegantes e bem
vestidas que j conheci foi uma faxineira
numa das empresas onde trabalhei. Ela
estava sempre ereta, com o uniforme
impecvel, uma leve maquiagem e as

18

pessoas no so modulares. Elas so

inteiras. Ou tm olho, ou no tm. E
como eu disse antes, no tem nada a ver
com o poder aquisitivo nem com estilo. H
roupas de marca, carssimas, horrorosas.
E camisetas de balaio bem charmosas.

Quando um ator de televiso aparece em

fosse dar uma palestra com uma roupa

um casamento de celebridades vestido

toda rasgada e mascando chicletes de

com um jeans rasgado, de maneira

boca aberta, tudo isso com uma peruca

alguma isso significa que ele no liga para

roxa e uma jaca pendurada no pescoo,

roupas. Ele liga muito, e a tal ponto que

duvido que conseguisse comunicar o que

precisa desesperadamente se diferenciar

quer que fosse a algum, exceto meu

dos outros usando esse recurso. Se ele

egocentrismo e excentricidade.

vestisse um terno como todos os outros

Dificilmente a platia iria se lembrar do

convidados, estaria prestando uma

tema da palestra e conseguiria resumir o

homenagem aos noivos (eu nunca visto

que eu falei, pois o povo ia gastar todo o

terno e odeio gravatas! S mesmo o meu

tempo se distraindo e comentando o meu

grande amigo Fulano capaz de fazer

visual. A no ser, claro, que o figurino se

valer tal sacrifcio), mas sumiria na

encaixasse na mensagem; a seria uma

multido. Como ele se veste de maneira

ferramenta de comunicao de apoio.

inadequada, a mensagem a ser lida

Estou pouco me lixando para o meu
amigo Fulano. O meu jeito de ser e as
minhas opinies so mais importantes que

Se vou visitar um cliente e sei de antemo

que ele formal e conservador, o que
custa tirar os piercings mais visveis? No

tudo!

se trata de fingir ser quem voc no . Se

Como a roupa tem cdigos, com certeza

adequar a linguagem situao. Se voc

h linguagens e vocabulrios especficos

no abre mo de nada, no adianta

para cada ocasio. Se quero ser desejada,

negociar com quem quer que seja. Com

vou a uma festa com um vestido curto e

certeza, numa mesa de bar, depois de 3

sensual. Mas no trabalho, se quero que a

cervejas, com amigos de infncia, voc

mensagem principal seja vejam como sou

no usa o mesmo vocabulrio que numa

competente, no d para usar o mesmo

reunio de diretoria, no ? A sua atitude

vestido. Ele est berrando uma

tambm diferente. No bar voc pode

mensagem diferente.

sentar de maneira relaxada, com as

A roupa e a atitude, se inadequadas,

podem desviar completamente a ateno
do foco principal da comunicao. Se eu

19

voc uma pessoa flexvel, trata-se de

pernas esticadas. Pode at colocar o p

em cima de uma cadeira, dependendo do
lugar. Numa reunio de negcios, jamais.

Ento, qual o problema em adequar a

Ela acha que o seu jeito sensual de ser

atitude, roupa, linguagem cada

mais importante que tudo e quer ser

situao? Isso mostra que voc domina

lembrada por isso. Se estivesse se

bem as ferramentas de comunicao e

candidatando para uma vaga onde sua

tem sensibilidade para verificar o contexto

boa forma fosse um diferencial

e se adaptar. No sai falando alemo num

competitivo, tudo bem. Mas como gerente

encontro onde est todo mundo

de negcios, uma sem noo. No d

conversando em chins.

mesmo para contratar.

A essncia da pessoa no alterada pela

roupa, mas pode ser muito bem traduzida
por ela. E a flexibilidade, a capacidade de
adequao, a empatia, a facilidade de
comunicao, a sensibilidade para
interpretar contextos e o domnio das
linguagens so atributos essenciais
importantssimos para um profissional de
qualquer rea. Mais ainda para algum
que vive de se comunicar.
Assim, quando uma empresa dispensa
uma candidata a gerente de negcios
porque ela foi entrevista com a lingerie
preta e pink aparecendo no profundo
decote, talvez no seja porque os
examinadores so caretas e moralistas,
mas porque ela no tem domnio sobre a
linguagem, no sabe se comunicar. No
possui um atributo essencial que a
capacidade de entender o cliente e falar a
linguagem dele para ser melhor entendida.
O foco da sua comunicao no a
competncia, mas seus atributos fsicos.

20

Detalhes to pequenos

No Brasil do jeitinho, pessoas que se

ferramenta de comunicao, e para fazer

preocupam com detalhes so

isso direito, h que se respeitar as regras e

consideradas neurticas, exigentes,

convenes da lngua. Para mim, um bom

perfeccionistas, enfim, irritantes. E para

profissional deve buscar todas as

no parecer chata, boa parte da

informaes necessrias para exercer bem

populao evita com todo cuidado a

o seu ofcio, incluindo a as coisas que ele

ateno nos detalhes: se o portugus for

no aprendeu na escola mas que deveria

muito correto, pode parecer pedante; se o

ter aprendido. Isso cultura! o que faz a

acabamento for primoroso, porque o

diferena.

sujeito no tem mais o que fazer na vida;

se cuida bem da roupa, s pode ser

A relevncia das informaes tambm

mauricinho ou patricinha.

freqentemente ignorada. Ou que outra

Experimente, como eu, pedir para

palavras bvias como endereo e CEP em

substituir o errado hfen - entre

um espao to exguo como um carto de

expresses que separam idias, pelo

visitas? Ou ser que o designer teme que

correto travesso em uma pea

algum possa confundir o CEP com o

grfica. A moral da senhora sua me vai

nmero de celular?

virar alvo dos piores julgamentos e a sua

sade mental ser levianamente
questionada. Onde j se viu prestar tanta
ateno em tracinhos que ningum mais
v? impressionante como comum
pegar um carto de visitas e ver aquele
festival de hfens mal colocados. A
desculpa mais comum que isso no tem
nada a ver com design grfico. Ora,
design grfico essencialmente uma

21

explicao haveria para algum colocar as

Os erros de portugus, ento, so um

captulo parte. As pessoas erram,
sabendo que esto errando, e ainda dizem
que bobagem se preocupar, afinal, todo
mundo entendeu o que elas disseram.
Penso que em qualquer rea de atividade
profissional um dicionrio e uma gramtica
em cima da mesa de trabalho so
ferramentas fundamentais. Afinal, a nossa

lngua mesmo complicada, e a toda hora

aspectos, inclusive naqueles que os

a gente tem dvidas. Eu erro, todo mundo

concorrentes desprezam?

erra, humano, mas por que no tentar

reduzir esses eventos to chatos? D o
mesmo trabalho fazer uma coisa
caprichada e outra malfeita, onde, no
segundo caso, se perde mais tempo e

Alinhamentos precisos, espaamentos

estudados, cuidado na reviso, smbolos
usados corretamente, nomes de arquivos
coerentes e organizados em pastas com

dinheiro quando tem que fazer de novo.

nomes elucidativos, documentao

Tem gente que se gaba de no se

apresentao cuidadosa, respeito pelo

preocupar com detalhes afirmando que s

tempo e dinheiro alheios, boa educao

se preocupa com o que mais importante.

para tratar as pessoas detalhes nem

Mas o que mais importante? Se um

to pequenos que, certamente, no

engenheiro eletrnico achasse que os

tornam ningum um neurtico obsessivo

componentes menores no tm

mas certamente contribuem para uma

importncia, se um oftalmologista

atuao profissional muito melhor.

acreditasse que 0,5 grau s um detalhe

mnimo, se um piloto de avio
desprezasse os indicadores menores, se
um contador passasse a arredondar todos
os centavos para no dar trabalho, se um
costureiro considerasse que 1 cm em uma
roupa no faz diferena, se um fsico
pensasse que os tomos so pequenos
demais para merecer que algum se
ocupe deles, onde que a gente estaria?
E por que somente designers grficos
deveriam se dar ao luxo de ignorar
detalhes? Ser coincidncia que os lderes
de mercado e os profissionais mais
respeitados sejam justamente os que
primam pela qualidade em todos os

22

atualizada, backups peridicos,

Ah, e para aqueles que esto achando

isso tudo muito careta, que as coisas no
podem ser to certinhas, que um design
grfico despojado e estiloso pode
prescindir desses cuidados, vai aqui o
lembrete da clssica regrinha de ouro: at
para quebrar as regras preciso conheclas muito bem!
Em tempo: O hfen um sinal de ligao, serve para unir
palavras ou nmeros compostos ( um intervalo curto).
J o travesso um sinal de separao e tem o
comprimento aproximado de dois hfens colados. Ele
representa um intervalo mais longo e serve para fazer
justamente o contrrio separar e enfatizar conceitos e
idias. Ah, o nmero do CEP vem sempre antes do nome
da cidade.

O estagirio que mora em voc

Lembro at hoje do meu primeiro estgio.

Fui depois para outro laboratrio (com

Recm-sada do curso de Eletrotcnica da

bolsa), depois outro, e mais outro, at que

Escola Tcnica e estudante do primeiro

estagiei em empresas, que, infelizmente,

ano de Engenharia Eltrica, ainda tinha os

por serem estatais de energia eltrica,

dedos esfolados de descascar fios e dei-

estavam impedidas de contratar quem

me conta de que to cedo no ia v-los de

quer que fosse. O resultado disso? Da

novo.

turma de 38 alunos que se formaram

O curso de Engenharia, pelo menos

naquela poca, usava os dois primeiros
anos apenas para o estudo aprofundado
de clculo e fsica. Portanto, nada de fios,

comigo, acho que apenas uns 5

conseguiram emprego na rea. Eu estava
com a minha carteira assinada como
engenheira 15 dias depois do baile.

motores, circuitos e instrumentos, coisas

Como eu consegui o emprego? Fcil! A

que eu adorava. Mas no desanimei: reuni

minha cara-de-pau j estava muito mais

toda a minha cara-de-pau, escolhi um

azeitada e fui l bater na porta de uma

laboratrio da Engenharia Mecnica cujo

empresa de automao porque eu gostava

nome parecia moderno e desafiador

muito da rea. No conhecia ningum,

(Laboratrio de Hardware do Grupo de

levei apenas o meu currculo e o meu

Comando Numrico) e bati na porta. Pedi

entusiasmo. Fui contratada porque,

para ser apresentada ao professor

mesmo antes de receber o diploma, j

responsvel e me ofereci para estagiar l.

tinha mais de 4 anos de experincia em

Tinha recm-completado 18 anos. O

diversas reas da engenharia eltrica,

professor falou que no tinha bolsa no

inclusive automao.

faz mal, disse eu. Trabalho de graa.

Passei 6 meses muito legais onde aprendi
bastante e tambm tirei muita fotocpia.

Estou contando isso tudo porque no paro

de ler e ouvir coisas a respeito da
dificuldade que as pessoas tm de
conseguir estgios e empregos. Tem muito

23

de sorte, de estar na hora certa e no

se sente explorada s porque tem que

momento certo, mas tambm preciso se

fazer trabalhos chatos, mau sinal.

preparar e fazer as coisas acontecerem.

Encare tudo como uma oportunidade

Jamais fui a uma entrevista (exceto

incrvel de aprender, inclusive ao observar

naquele primeiro laboratrio em que pedi

outros profissionais nos quais voc no

estgio) sem conhecer muito bem o lugar

gostaria de se espelhar. No estgio voc

e a rea de atuao. Naquela poca nem

pode observar de perto o profissional que

havia Internet hoje muito mais fcil se

voc gostaria de ser e principalmente o

preparar. Isso demonstrao de

que voc no gostaria. Cada dia uma

interesse, de proatividade. Assim, j d

aula nova, cada empresa um curso

para saber em que voc pode contribuir e

novo.

dar idias.
Entusiasmo e vontade de aprender so
tudo. Meus colegas de trabalho at hoje
riem porque dizem que mesmo depois de
um doutorado eu ainda carrego uma
estagiria que habita o meu corpo e no
me larga. Tem um curso novo para fazer?
L vou eu. Tem alguma habilidade nova
que algum precisa aprender? Pode
deixar, estudo no fim de semana. Tem que
tirar xerox? Deixa comigo. Digitao de
tabelas chatas? Excelente exerccio de
meditao quando voc est estressado.
Aprender o que me move e, no fundo,
nunca deixei de ser estagiria. Estgio
uma etapa da vida importante, onde a
gente conhece todo o tipo de gente e se
constri como profissional. E se a pessoa

24

E o melhor, sem as provas!

Currculo vazio

No raro eu tenho o prazer de conhecer

salgado. Por que ento dispensar essa

designers promissores e, como talento

alternativa poderosssima e barata?

coisa que me toca e emociona, vou logo

oferecendo indicando para meus amigos e
clientes. So estudantes, ilustradores,
designers recm-formados ou
profissionais experientes que recomendo
sempre que algum me pergunta (e vivem

Vira e mexe converso com algum que

parece ter um potencial muito bom e,
quando peo para ver o seu portflio, ou
mesmo que me d um carto de visitas,
saio de mos abanando, os anis todos

me perguntando).

caindo. Como disse antes, papel custa

Confesso que dou preferncia a gente que

caprichados so, literalmente, o carto de

est comeando ou empresas locais. As

visitas de um designer grfico, convm

agncias poderosas e reconhecidamente

investir).

excelentes tambm so lembradas, claro,

mas elas j so conhecidas, no precisam

caro (se bem que cartes de visitas

Mas e o site? Hospedar uma pgina em

do meu empurrozinho.

um servidor custa uns R$ 25,00/ms e

Minha lista tem poucos nomes por trs

endereo. Um investimento mais do que

motivos principais: no conheo tanta

justificado! Para quem economizar at

gente assim; sou muito seletiva; muita

nisso, faa um blog ou uma pgina

gente boa no tem site (nem ao menos um

profissional no Facebook, de graa!

blog ou uma pgina no Facebook).

mais R$ 30,00/ano pelo registro do

As desculpas so das mais diversas

Este um ponto que no consigo

variedades de tecido roto e maltrapilho: o

compreender: como que um profissional

talentoso ou talentosa ainda est

de design no tem nenhum cantinho na

preparando a pgina na web (que nunca

Internet? Designers grficos e de produto

fica pronta); no sabe programar websites;

sabem quanto custa produzir um portflio

falta tempo; ou ainda estudante, no tem

impressionvel em papel bem

mesmo muita coisa para mostrar.

25

Ok. Como Jack, o estripador, vamos por

fazer uma parceria com algum que

partes (nossa, essa muito velha!):

entenda do ramo. Use a cabea como

1. Coisas que nunca ficam prontas. Isso

me lembra aquelas pessoas que tm o

quiser, mas garanta o seu lote no

ciberespao.

projeto todo na cabea, s falta

3. No tem tempo. Olha, confesso que

escrever. Ora, ento a pessoa no tem

tenho um pouco de preconceito (est

nada. Enquanto no tiver alguma coisa

bem, muito preconceito, bastante

escrita, um trabalho comeado, no se

mesmo) contra livros de auto-ajuda, mas

tem nada. preciso que o promissor ou

esses dias recebi uma mensagem pela

promissora estipulem metas e prazos que

Internet atribuda ao Roberto Shinyashik

eles mesmos possam cumprir. uma

que cabe muito bem aqui. Ele diz que o

questo de estabelecer prioridades. A

sucesso no feito durante o expediente.

idia considerar-se a si mesmo como um

Tambm acho. Ou o sujeito investe suas

cliente. Sinceramente, aquela histria de

horas vagas em alguma coisa, ou vai ser

casa de ferreiro, espeto de pau no me

mais um a reclamar da vida em geral e do

convence. Ou ento, o ferreiro no to

capitalismo em particular. Calcule o tempo

bom.

que voc perde assistindo Big Brother,

2. No sabe construir um website. No

sabe, ento aprenda! E rpido, que o
mundo continua girando enquanto voc
pensa. No precisa ser nada sofisticado.
Todo bom designer sabe que mais
importante que recursos tecnolgicos
pirotcnicos, o que faz diferena o

jogando conversa fora no Twitter, jogando

Tetris, compartilhando piadas velhas no
Facebook e veja quanta coisa d para
inventar nessas horas. Ou voc acha que
as pessoas realmente inovadoras passam
o domingo vendo o Fausto?
4. Sou estudante, no tenho muitos

conceito. A preocupao com a

trabalhos feitos. Sinceramente, para

usabilidade deve ser constante, mas nada

mim, essa a pior desculpa de todas.

que um template chinfrim no resolva,

Uma verdadeira declarao de

principalmente quando se beato da

preguia, descaso e desinteresse.

religio menos mais. Enquanto faz

Gente, a cidade, o bairro, a rua, o seu

isso, trate de providenciar pelo menos um

prdio, esto cheios de organizaes

blog ou fan page bem legal. Outra idia

sem fins lucrativos precisando

26

desesperadamente de um designer,
mas no tm como pagar. Escolas
pblicas, creches, associaes
comunitrias, asilos, centros
acadmicos, seu primo que tem uma
oficina, sua tia que costura para fora! O
que no falta material para praticar.
Por que voc no aproveita para
mostrar como o design pode colaborar
para mudar o mundo? s identificar o
problema e propor uma soluo original
e criativa para resolv-lo. Depois v
atrs de quem pode ajudar a coloc-la
em prtica. Isso sem falar nas centenas
de concursos que podem muito bem
vitaminar um currculo magrinho.
s querer e deixar de vadiagem.
Parem de inventar desculpas e vo se
mexer, pessoas talentosas!

27

Feios, sujos e malvados

Uma coincidncia me incomoda. Por

superior aos demais mortais. Seu lado Mr.

quase toda parte que eu vou, converso,

Hide, porm, inconformado, no entende

leio, sempre a mesma ladainha: o cliente

como que as pessoas no

s quer saber de preo. O cliente no tem

compreendem conceitos to simples. S

cultura. O cliente um quadrpede mal-

podem ser burras, ignorantes, mal

intencionado. O cliente um verme

intencionadas ou essas trs coisas juntas.

maligno.

tudo claro, bvio! Muito fcil de entender

Problema nmero um: a ignorncia do

malfadado cliente. impressionante como
um profissional (design, propaganda,
marketing e mais uma carrada de outras
reas afins) passa quatro ou cinco anos

a diferena entre voc e aquele outro

profissional que tem um portflio bonito
mas nem a metade da sua competncia.
O seu trabalho integrado, o dele no.
Qualquer anta cega pode ver!

estudando numa faculdade, investindo

Problema nmero dois: a malignidade do

tempo, livros, suor e pestanas para

cliente. Como que voc, um profissional

aprender conceitos como semitica,

tico e respeitado, pode estar merc

comunicao integrada, marketing de

desse monte de pilantras sinistros que

relacionamento e outras coisinhas assim

andam a pelo mercado? Eles s querem

bsicas, e saia de l com a sndrome do

prejudicar voc. Barganham o preo para

Dr. Jekyll e Mr. Hide(3).

depois esfolar aos poucos, devagar mas

Estranho? Ora, que outro nome voc daria

para esse comportamento to paradoxal:
Dr. Jekyll acha que aprendeu bastante,
domina conhecimentos que pouca gente
teve acesso, reuniu um cabedal de
conhecimento impressionante. Um
verdadeiro doutor, dramaticamente

28

com firmeza. Voc s quer fazer o seu

trabalho direito e cobrar o preo justo. Se
o cliente no fosse do mal, veria isso com
clareza. O fato de que quando voc quer
contratar um profissional tambm querer
um precinho camarada no tem nada a
ver, claro.

Problema nmero trs: a falta de pacincia

compartilhar conhecimento devia ser lei.

do cliente. Ele quer tudo para ontem,

Bsico, justo, indispensvel. Mas,

como se fosse o nico ser do universo

infelizmente, esquecvel.

digno da sua ateno. Ser que no

bvio que voc tem trs trabalhos para
entregar amanh e que essa mudana no

Para a maldade dele, muita calma na

negociao. Ser que ele tinha idia do

estava prevista?

que estava comprando, com aquele monte

Problema nmero quatro: a falta de amor

houve um)? Esse problema no poderia

na relao. Puxa, voc um cara to legal!

diminuir se as propostas, o contrato, a

Voc quer tanto trabalhar com aquele

apresentao e a conversa, de uma

cliente. Ser que ele no nota os seus

maneira geral, tudo isso fosse mais

olhares sedutores (no aquele de galinha,

didtico? Pense em voc contratando um

mas o que promete amor eterno, pois

encanador sem entender lhufas de

voc quer um compromisso srio)?

encanamento. Dois caras, aparentemente

Pois . Vamos parar por aqui porque j

temos problemas demais. Se a gente
consegue atacar esses a, quem sabe no
seja necessrio economizar para comprar
aquela passagem s de ida para
Bangladesh.
Para a ignorncia do cliente, o antdoto
simples. Voc se deu conta de que,
durante o tempo que voc estava
estudando para saber tudo isso, o cliente
estava fazendo e aprendendo outras
coisas? Que muitos dos termos que voc
usa ele no faz a menor idia do que
significam? E que esse seu ar de doutor
especialista no o ajuda em nada a
superar a vergonha e perguntar? Pois ,

29

de nomes esquisitos no contrato (se que

iguaizinhos oferecem oramentos

diferentes. Voc no tem como avaliar a
competncia deles por pura ignorncia,
no tem idia dos equipamentos e do
tempo que vai levar pois a explicao de
ambos foi muito complicada. Vai dizer que
no fica com o mais barato?
Para a pressa, pare e pense. Como que
voc poderia contribuir para que o cliente
pudesse planejar suas necessidades com
uma antecedncia vivel? Ser que voc
tambm no desorganizado e sem
planejamento? Ora, vamos l. Seja
sincero. Voc tem pelo menos uma
agenda de trabalho e um plano de ao
atualizados? Sabe aquela histria do roto
e do remendado

A ltima e mais importante: o amor da

relao. Se voc realmente quer
conquistar o cliente, no bastam os
galanteios. Lembre-se da receita bsica:
plantinha, regar todos os dias, fazer o
outro feliz, surpresas, encantamento, bl,
bl, blVoc est fazendo a sua parte?
(3) Dr. Jekyll e Mr. Hide so facetas diferentes do mesmo
personagem do livro O mdico e o monstro do
escocs Robert Louis Stevenson, publicado
originalmente em 1886. Nessa histria clssica, Dr. Jekill
um mdico que descobre uma poo que separa seu
lado bom do lado mau. Assim, de tempos em tempos, ele
encarna o lado sinistro de sua personalidade, o Mr. Hide.
Vale a pena ler a histria toda.

30

Pode embrulhar para viagem

Toda vez que se fala em design de

disso tudo, terem valor para quem os

embalagens, surge a questo: mas isso

compra. As tcnicas de convencimento e

design grfico ou design de produto? Na

persuaso precisam ser mais sofisticadas.

verdade, as duas coisas. O designer de

A que entra o design de embalagens!

embalagem precisa dominar as tcnicas

do design grfico para elaborar rtulos e
tambm do design de produtos para
pensar o invlucro propriamente dito.
Como se isso fosse pouca coisa, o
profissional tambm tem que conhecer a
fundo todos os materiais e processos
industriais disponveis. Definitivamente,
design de embalagens no para
amadores. O ideal que um profissional
de marketing e um publicitrio tambm
faam parte da equipe que vai fazer um
simples biscoitinho provocar furor nas
prateleiras.
Mas olha s que interessante: estudos
apontam para uma tendncia que no
beneficia os biscoitinhos e margarinas da
vida. A nata da lucratividade no vai mais
estar em vender coisinhas fsicas
basicamente, a grana vai para as mos de
quem oferecer servios. Claro que eles
precisam ser originais, suprir demandas
que ningum imaginou antes, e, alm

31

Como assim? Servios no so invisveis,

intangveis, incheirveis e intocveis?
Ento como que a gente embrulha isso?
Bem, vamos pensar juntos. Uma
embalagem serve basicamente para
proteger, conservar e transportar o
produto. Menos basicamente, serve
tambm para comunicar o que esse objeto
tem de to especial, para informar o seu
contedo, posicionar a empresa que o
fabrica (e vende) e para seduzir o
comprador. A embalagem, nesse caso,
tambm carrega uma marca que garante a
procedncia e a qualidade do que tem l
dentro. Mas ento, como que a gente vai
fazer isso com um servio?
O servio um produto intangvel, mas
no precisa ser completamente invisvel.
Em geral, alguma coisa fsica entregue:
seja uma carta, um manual, um relatrio,
um cronograma, um plano de ao, um
projeto, at mesmo apenas uma resposta

para uma pergunta, enfim, uma

um bom designer para criar um ambiente

informao importante para algum que

ou elaborar um site. Faa o melhor que

est pagando por ela. E j que

puder. Lapide seu portugus, burile seu

importante, precisa tambm parec-lo. A

estilo, capriche na reviso. Os perfumes

folha de papel onde essa jia est escrita

mais caros tm sempre embalagens

precisa estar sua altura, assim como a

lindssimas, j que um lquido desbotado

pasta, o envelope, a qualidade da

dificilmente conseguiria despertar tantas

impresso, a encadernao e tudo o mais.

fantasias. Duvido que os fabricantes de

Tambm linguagem, a conciso, a

cosmticos franceses tivessem coragem

correo gramatical, a diagramao; se

de cobrar aqueles absurdos se as

voc for ver, tudo embalagem. So

embalagens fossem de plstico

coisas que valorizam e posicionam o

descartvel.

contedo, que o protegem, que trazem

aquela marca que garante a procedncia e
a qualidade. Se nada fsico for entregue,
convm tambm caprichar: contatos
telefnicos realmente eficazes, sites bem
projetados e com design atraente,
ambientes de atendimento que funcionam.
Ningum, a no ser um especialista muito
experiente, sabe reconhecer um diamante
se ele no estiver bem lapidado e numa
caixa de veludo. Com os servios, a
mesma coisa. Como nem todos os
clientes sabem reconhecer um verdadeiro
tesouro primeira vista, ento convm dar
uma ajudinha. Mas claro, lembre-se que
no funciona embalar porcarias em caixas
de marfim.
Assim, no economize em papelaria e
cartes de visita. No dispense a ajuda de

32

Pense bem: Big Mac. Coca-cola. Voc

realmente acha que a embalagem no faz
mesmo diferena?
Ento, fica a dica: no enrole o seu
tesouro em jornal. O cliente pode pensar
que apenas peixe.

De olhos bem abertos

Algumas pessoas se lamentam de no ter

Primeiro passo: alimentar o olho. Toda vez

bom gosto, de no saber combinar roupas

que me deparo com algum que quero ser

ou objetos, de se atrapalhar com cores, de

quando crescer, como esses fotgrafos

no jeito para tirar fotos sensacionais.

geniais ou designers brilhantes, penso por

Esse povo sempre pinta as paredes de

onde seus olhos devem ter andado antes

bege ou areia (bem clarinho), compra

de chegar ao ponto de fazer uma imagem

sofs com a estampa escolhida pela

virar poesia. Olhos bem alimentados de

fbrica (surpresa!) e junta tudo o que acha

coisas belas com certeza ajudam. Se a

bonito num mesmo lugar, sem se

pessoa v muitas coisas belas, acaba

preocupar se as coisas conversam entre

absorvendo o valor esttico delas. Alis,

si.

voc sabia que a palavra esttica deriva

Outras parecem j ter nascido com os

olhos treinados, observando e avaliando
cada detalhe, com um projeto pronto para
tirar da manga e fazer o mundo ficar mais
lindo ao menor sinal. So mestres em usar
as cores, criar sensaes, combinar
formas. Verdadeiros colrios.
Eu me coloco em algum lugar entre os
dois grupos e tenho a ambio nada
modesta de um dia fazer parte do
segundo. Se voc tambm compartilha
desse devaneio, vamos trocar aqui
algumas idias sobre como fazer para
tentar chegar l, no Olimpo dos diretores
de arte inatos.

33

do grego aisthesis, e significa o que

sensvel ou o que se relaciona com a
sensibilidade? Os filsofos dizem que o
deleite ao se observar o belo no se
compara a nenhum outro: um prazer do
esprito, uma atitude contemplativa e
desinteressada.
Como fazer ento para desfrutar desses
momentos de fruio da beleza? Bom, eu
freqento galerias e exposies de arte
sempre que posso, mesmo que no tenha
ainda condies de comprar nada do que
est exposto. Visitar museus, folhear
revistas, manusear livros (pode ser na
livraria mesmo), ver filmes, navegar pela
Internet atrs de coisas bonitas para se

ver, tudo vale. Com o tempo, a fome de

instalada. Estavam l vivas, balanando ao

beleza se torna um imperativo, voc no

vento sem nenhum pudor. Foi como se

consegue mais ficar sem. Mas no se

uma lufada de ar fresco me atingisse de

preocupe, tem beleza onde a gente menos

surpresa, pelo inesperado da situao.

imagina e quem est com fome enxerga

Uma coisa boa, como acompanhar uma

melhor onde est o alimento.

folha seca danando ao vento. Quem

Segundo passo: educar o olho. Depois de

conviver assim de maneira to ntima com
o belo, vendo-o com tanta freqncia, a
gente aprende a identific-lo mesmo
quando ele est bem escondido. Essa

montou essa instalao to intrigante nem

pensou nisso quando o fez, e penso que
poucas pessoas pararam para admir-la.
E voc? Quantas surpresas boas j deixou
escapar?

parte mais difcil, ainda estou no

Terceiro passo: desenvolver senso crtico.

comeo, mas muito gratificante.

Quando a gente se acostuma com o belo,

Voc v a foto na pgina seguinte? Eu

estava caminhando pelo Estreito, um
bairro comercial na regio continental de
Florianpolis, sem nenhum encanto
especial em matria de beleza, quando
olho para cima e vejo isso: um prdio
cinzento, decadente e mal-humorado,
cercado por uma macarronada de fios
eltricos rebeldes.
Olhando melhor, d para identificar quatro
objetos coloridos no vo da construo:
uma sacola de supermercado (amarela),
uma camiseta pendurada no varal
(vermelha), um toldo (azul) e um lenol
(branco). As cores primrias belamente
destacadas na paisagem, como que se
recusando a fazer parte da depresso

34

quando entende a harmonia e as

propores, chega a se incomodar com o
feio. Quase di ver uma vitrine com roupas
que, sob o pretexto de parecer
sofisticadas, perdem o equilbrio,
transformando quem as veste em figuras
grotescas. Objetos de decorao
misturados sem nenhum critrio, nenhuma
luz. Uma coisa feia quando no se sente
prazer em olh-la, quando ela parece
inadequada, desinteressante. E como o
belo um conceito subjetivo, particular e
muito ntimo, s vezes o feio para voc
parece lindo para outra pessoa. Acho que
essa a graa do mundo.

35

O quer voc quer ser quando crescer?

O mundo j foi mais simples. Ao ser

morte. Mas se hoje nem os casamentos

perguntada sobre o que queria ser quando

so mais assim, o que dir as profisses?

crescer, uma criana, quando eu ainda era

uma, em geral respondia os previsveis:
professora, jogador de futebol, mdico,
engenheiro, advogado, atriz (naquela
poca no existia ainda a verso atrizmodelo-apresentadora). Eu, ecltica desde
que nasci, j quis ser piloto de helicptero
(cheguei razoavelmente perto ao fazer
software para um rob areo),
paleontologista (o mximo que quase
ningum sabia o que era isso e eu
aproveitava para dissertar sobre o assunto
no auge dos meus 9 anos), agente secreto
(binica, claro) e reprter. Acabei

Eu no tive crise para escolher engenharia

porque sempre quis saber como as coisas
funcionavam, adorava fsica, e a
matemtica me divertia. Nunca achei que
estava abrindo mo das outras escolhas.
Hoje vejo estudantes e profissionais
esboando uma angstia mal contida em
relao ao mercado de trabalho.
Lamentam que no h empregos, e, os
que existem, pagam muito mal, em
desacordo com o que foi investido para se
qualificar. Pena, n?

trabalhando como engenheira por mais de

Mas pena por qu? Ser que no temos a

11 anos e agora sou consultora de

um problema de abordagem? A pessoa

empresas, escrevo livros, dou palestras e

estuda design e sai da faculdade crente

aulas tambm. Mesmo assim, ainda no

que lhe espera um emprego de designer.

sei o que vou ser quando eu crescer. E

Estudantes de publicidade e propaganda

voc?

sonham com o dia em que atendero

As pessoas geralmente ficam confusas na

poca de fazer o vestibular, como se
fossem se casar e tivessem que escolher
bem o noivo com quem vivero at a

36

grandes contas em agncias famosas. O

sujeito se esfalfa para fazer medicina e
pega o canudo ansioso para fazer o qu?
Ora, ser mdico

As pessoas tm que se conscientizar que

da escola, que tm sede de saber mais,

a coisa mais importante que se aprende

que combinam de maneira inusitada os

na escola a APRENDER! E quem sabe

saberes que conseguiram reunir, so as

aprender, faz qualquer coisa. E o melhor

que inventaro as profisses daqui pra

de tudo, INVENTA profisses! Qual era

frente.

mesmo a criana que queria ser

blogueira? E analista de redes sociais? E
produtora de contedo para web? E
consultora de inovao? E monitora de
cursos de ensino distncia? E
programadora de jogos virtuais? E
personal stylist? Claro que nenhuma! Boa
parte dessas profisses no existia h 10
anos!
Como essas, as profisses que mais
remuneraro e gratificaro nos prximos
10 anos, ainda no foram inventadas;
esto quietinhas em algum canto,
esperando por algum criativo e perspicaz
que as descubra. E quem estudou, quem
tem acesso informao, quem aprendeu
a aprender, tem muito mais chances de
faz-las desabrochar.
Engenheiros que escrevam poemas,
escritores que pintem paredes,
professores de educao fsica que
saibam falar chins, psiclogos que lutem
karat, mdicos que dancem flamenco,
administradores que pratiquem capoeira,
advogados que fotografem moda.
Pessoas que no se limitaram s paredes

37

Penso que voc tem todas as ferramentas

para tentar. Por que no experimenta?

Socorro, estou cega!

O juramento que os engenheiros fazem no

problema dela. Que ponha seus geniais

dia da sua formatura fala em no se

executivos a pensar e invente uma

deixar cegar pelo brilho excessivo da

maneira de convencer o internauta de que

tecnologia. Na poca em que fiz o

ele vai ser beneficiado com a alugao

juramento, nem sabia que a tecnologia

que preencher um cadastro. E nem

tinha brilho, quanto mais excessivo,

precisa nada de original ou criativo, basta

inclusive com condies de cegar algum.

oferecer um brinde ou propor um sorteio.

Passados tantos anos, tudo fica claro

O que no pode colocar um gorila

quando navego pela Internet. Tem muita

desses na porta da loja, que s deixa voc

gente cega pelo tal brilho, e nem

ver a vitrine. Para entrar no recinto, s

engenheira . Talvez seja por isso mesmo,

preenchendo o tal cadastro.

a pessoa no teve que jurar coisa alguma

e se sente livre para abusar.

Tem tambm aqueles sites que exigem

Pelo menos, a nica explicao que

computador para visualiz-lo melhor (no

encontro para uma loja de mveis que

o mximo da presuno?), que instale

exige que eu preencha um cadastro virtual

um plug-in que voc no est interessado

para ter acesso ao seu catlogo completo

ou permita que cookies metidos fiquem

na Internet. Gente, o que isso? Onde

xeretando a sua mquina.

que ns estamos? O que que essa gente

entende por marketing? O interesse que o
cliente tenha acesso ao portflio da loja,
portanto, pela lgica, ela deveria, se no
provocar sedutoramente o encontro, pelo
menos facilitar ao mximo o contato.
Se a loja precisa (ou quer) ter informaes
dos potenciais clientes ou interessados,

38

que voc mude a resoluo do seu

Tudo isso para voc apenas descobrir o

telefone da loja.
Coerncia e profissionalismo para qu?
No incomum o e-mail de contato para a
loja ser [email protected] ou
[email protected], sem contar as
verses [email protected]. Se
eles tm um domnio, por que no o usam

para todas as comunicaes profissionais

disposio. Com Flash, o impossvel no

da empresa?

existe. Isso significa que voc pode ter

Outro lembrete: o mundo no se resume a

Windows. Uso um Mac e tenho muitas
dificuldades quando, vira e mexe, vou
fazer a reserva em um hotel e depois de

uma espetaculosa e criativa pgina de

abertura sem nenhuma informao til,
mas que mostra como voc inovador,
talentoso e irritante!

me irritar preenchendo o tal cadastro, a

Os sites criados em Flash so lindos,

coisa simplesmente trava porque no

fofos, originais, mas s. A maioria

compatvel com o meu navegador. Ligo

como loiras burras. Muito engraadinhos,

para l reclamando e a mocinha diz que

mas voc pena para obter as informaes

eles testaram e no acharam nada, o

que precisa. Quando vejo um site assim

problema deve ser meu mesmo, claro.

lembro logo de uma frase que ouvi uma

Uma me sugeriu candidamente que eu

vez de um sbio pedreiro (que no

trocasse de computador. mole?

entendia nada de programao): moa,

Isso sem contar que os tais sites, como

est se tornando moda, geralmente so
construdos em Flash. Sim, admito um
certo preconceito, mas ODEIO sites em
Flash (se eu tivesse pacincia e tempo

para quem s tem martelo, tudo prego!.

Ou seja: se uma cara faz um curso de
Flash, quer usar essa ferramenta em todos
os lugares e usar todas as suas
potencialidades. E d no que a gente v.

sobrando, criaria uma comunidade com o

A culpa no da ferramenta, o poder cega

objetivo de falar mal dessa praga). Quando

mesmo. preciso um webdesigner muito

vejo aquele smbolo que diz que voc vai

racional e comedido para resistir s

esperar eternos segundos cada vez que

tentaes e realmente projetar um site

ousar clicar em um opo, j desisto.

pensando nos interesses do usurio. E

Nada contra a ferramenta, que muito

poderosa e permite animao e
interatividade como nenhuma outra. Todas
aquelas micagens que voc sempre
sonhou, mas que na prtica no servem
para muita coisa, esto l, sua

39

com muito talento persuasivo para

convencer o cliente de que os visitantes
podem no achar legal que os botes
fiquem pulando e trocando de lugar o
tempo todo, apesar disso ser possvel de
se fazer, sim. Que ter login e senha muito
chique, mas as pessoas no querem ter

que decorar mais uma combinao por

motivo to ftil e irrelevante. Que ningum
gosta de preencher cadastros, a no ser
que ganhe alguma coisa com isso (alguma
coisa de verdade, no apenas o direito
de entrar na loja). Que ningum tem tempo
de ficar esperando uma tela ser
lentamente construda na sua frente para
depois descobrir que aquilo no tinha
funcionalidade nenhuma, foi s tempo
desperdiado mesmo. Que usabilidade a
coisa mais importante na web! Que beleza
ftil enjoa.
Fica aqui uma sugesto para o juramento
dos designers (e dos administradores,
publicitrios, jornalistas e mais tantos
outros profissionais). Incluam, por favor, a
tal clusula sobre o brilho da tecnologia.
Pode at no resolver, mas penso que mal
no faz

40

Atitude profissional

Ao longo de minha vida profissional,

uma semana podem ajud-lo? Currculos

aprendi algumas coisas que me valeram

no devem ter mais de duas pginas e

muito, mas penso que poderia ter

servem para resumir o que voc tem de

economizado constrangimentos se algum

melhor, no para encher lingia e testar a

tivesse me dito antes as coisas que eu

pacincia de quem quer contrat-lo. Outra

listo a seguir:

coisa importante saber ingls. No fique

1. importante ser lembrado, mas pelos

fora do mundo!

motivos certos. Como que as pessoas

3. No basta ser, tem que tambm parecer.

que convivem com voc hoje (chefes,

Se voc anda com uma roupa super-sexy

colegas e professores) vo lembr-lo

que passa o tempo todo insinuando

daqui a alguns anos? Aquele que sempre

vejam como sou gostosa, como quer

colava na prova? Aquele que nunca tinha

que algum preste ateno na sua

opinio? Aquele que fazia corpo mole? Ou

competncia? Se anda com a barba por

aquele que sempre tinha um monte de

fazer e o cabelo desgrenhado, como quer

ideias? Pense nisso. O que voc est

ter chance de representar a empresa em

fazendo para colaborar com seu bigrafo?

um congresso? Pense bem: mascar

2. Quem no se comunica, se trumbica.

Est bem, a nossa lngua complicada e
so regras demais, quase ningum se
lembra delas. Mas quem l bastante erra
menos. Alm disso, preciso no perder

chiclete de boca aberta ao telefone

transmite a imagem profissional que voc
quer? Fazer fofocas sobre os colegas
ajudam a aumentar a sua credibilidade?
4. importante no competir. Seno,

de vista o foco da comunicao. Para que

como que todo mundo vai ganhar?

serve um currculo? No para mostrar as

Competio uma palavra j to

suas qualificaes e motivar algum a

distorcida que a gente deveria evit-la.

entrevist-lo? Ento em que que o seu

Competir significa pedir com, pedir

CPF e o curso de francs que durou s

junto, ou seja ter mais algum ao lado

41

que tambm quer atingir o mesmo

voc tem que ler tudo sobre o assunto

objetivo, o que no um mal de jeito

( o mnimo), mas precisa tambm ter

nenhum. Uma boa e justa competio

cultura geral. Todo mundo,

nos torna melhores, mas ser

principalmente os sortudos que

competitivo no significa passar a perna

puderam fazer um curso superior, tem a

nos outros como a palavra

obrigao de saber pelo menos um

interpretada hoje em dia. Que tal troc-

pouquinho de poltica, economia,

la por cooperao? Ningum faz nada

literatura e noes gerais sobre tudo

sozinho, ningum to bom assim.

que acontece no planeta. Como dizia o

Faa a sua rede de contatos e inclua os

meu av, aprender no ocupa espao, e

colegas nas suas idias. Algum j

se a gente considerar que mesmo os

disse (com razo) que um mais um

maiores gnios usam menos de 10 %

sempre mais que dois.

da capacidade do crebro, d para

5. As coisas no caem do cu, faa-as

acontecerem. Muita gente coloca no
currculo que proativo. Na maioria dos
casos, apenas uma palavra vazia.
Quem proativo no diz, mostra.
Proatividade e currculos vazios so
mutuamente exclusivos. Para ter
experincia no preciso que uma
empresa lhe d uma chance.

se voc estuda publicidade mas

apaixonado por lutas de sum, com
certeza esses conhecimento
combinados vo lhe trazer um
diferencial importante. No tenha medo
de ser curioso. No existe
conhecimento intil.
7. No lute contra o tempo, voc vai

Experincia como voluntrio tambm

perder. essencial saber se organizar e

conta, e muito. At construir e gerenciar

dar conta de tudo o que se promete.

um blog sobre uma rea de seu

Cada um tem um jeito, trate logo de

interesse vale. Quem quer faz, em vez

descobrir o seu. Nada mais

de ficar choramingando sobre a

inconveniente do que ouvir aquela

crueldade do mercado malvado.

conversa mole de que no l porque

6. A curiosidade move o mundo. No

porque voc estuda administrao que
s vai aprender sobre isso. claro que

42

aprender vontade. E no se preocupe

no tem tempo. Ento s os

desocupados lem? No acho penso
que os organizados sempre encontram
tempo para fazer o que lhes interessa.

8. Informao no diferencial. Se voc

acha que informao poder, sinto lhe

so do que apaixonados por aquilo que

comunicar, mas voc est

escolheram fazer.

desatualizado. Na era Google, todo

mundo pode ter acesso a tudo, basta
saber procurar. O que vai faz-lo ser
diferente no o que voc guarda
trancado na gaveta. o que voc sabe
fazer com aquilo que aprendeu. A
recombinao original de
conhecimentos que conta, que cria,
que transforma. Pense nisso.
9. Voc vale pela sua raridade. O mundo
no precisa de administradores,
publicitrios, designers, engenheiros e
advogados iguais aos que j existem.
As suas caractersticas especiais, a sua
capacidade de recombinar o que
aprendeu, a sua abordagem nica de
fazer ou pensar uma coisa que tornam
voc diferente e nico. Se voc se limita
a aprender apenas o que lhe ensinam, a
fazer apenas o que lhe pedem, a
cumprir apenas as suas obrigaes,
ms notcias. No tem espao para
voc no mercado.
10.Sem teso, no h soluo. A vida vale
mais a pena quando a gente se diverte,
quando ama o que faz. Se voc no
est gostando do curso, do trabalho, da
sua histria, mude enquanto tempo!

43

Os melhores em cada rea nada mais

Sobre ratos e relacionamentos

H alguns anos, quando prestava uma

outra iguaria, vai um parmeso mesmo,

consultoria para uma empresa, lembro-me

mas, segundo esses estudiosos, as

de ter ouvido uma confisso de minha

ratoeiras (pelo menos as inglesas) seriam

cliente, dona de uma pequena loja de

muito mais eficientes se funcionassem

departamentos. Ela queria saber se eu

com pedacinhos de doce.

conhecia algum que a auxiliasse a pensar

algumas estratgias para aumentar as
vendas. Fiquei surpresa, pois ela j estava
bem assessorada (pela pessoa, inclusive,
que me indicou o trabalho). Ento
testemunhei o desabafo. Sim, o consultor
de vendas era bom, criativo, competente,
mas ela no estava gostando porque ele
era muito espaoso. Sempre se convidava
para tomar caf, forava uma relao
informal, era um simulacro de amigo-deinfncia. Ela ficava sem jeito e no sabia
mais o que fazer. Queria um profissional,
no um amigo.
Essa histria me veio lembrana quando
li, h alguns dias, que cientistas britnicos
descobriram que os camundongos no
gostam de queijo. Ao contrrio do mito
popular, os ratinhos apreciam mais o
sabor adocicado presente nos gros e nas
frutas. Para o paladar deles, o queijo tem
cheiro e gosto fortes demais. Na falta de

44

Ento, de onde veio essa histria de que

ratos adoram queijos? Quem inventou
essa falcia? No consegui descobrir
nenhum indcio. Mas talvez tenha vindo do
mesmo lugar de onde saiu a lenda de que
clientes gostam de relacionamentos. Na
verdade, isso no lenda, verdade. O
problema no essa afirmativa; o
problema a pessoa deduzir que
relacionamentos implicam sempre em
intimidade.
Vou falar por mim: prefiro ser apenas bem
atendida e no fico de maneira nenhuma
ofendida se o dono da padaria da esquina,
que uma simpatia, no me oferecer um
desconto no ms do meu aniversrio.
claro, ele no sabe a data. Voc acredita
que ele nunca me pediu para preencher
um cadastro?
Estou farta de lojas que querem saber o
meu endereo de e-mail para me entupir

de promoes que supostamente me

, acho mesmo que as referncias nessa

interessam; que me enviam cartes de

rea deveriam se espelhar mais nos

felicitaes como se fossem da minha

cientistas britnicos e menos nos ratos.

famlia; que me ligam para dizer que

chegou a nova coleo de sapatos que
so a minha cara. S quero lojas
confortveis, atendentes educadas e um
caixa eficiente e rpido. pedir demais?
S que a maioria das redes com
programas de relacionamento peca
justamente no feijo-com-arroz. No af de
descobrir suas preferncias (Camembert?
Roquefort? Brie? Provolone?) acabam
fazendo voc passar fome.
Meus relacionamentos, escolho eu.
Obviamente no estou advogando contra
o marketing de relacionamento, at
porque essa a principal chave de
diferenciao, principalmente nos
servios. S penso que as pessoas/
empresas deviam ser mais cuidadosas em
perceber o grau de intimidade que a
relao deve ter. No acho justo ser
coagida a me relacionar com uma loja (ao
preo de um longo cadastro obrigatrio,
verdadeira ratoeira) se s quero o bsico:
competncia, gentileza, educao,
eficincia. Itens que seguramente
dispensam seus dados pessoais mais
particulares.

45

Razo e sensibilidade

Ministrei recentemente uma disciplina

absurdamente de indivduo para indivduo.

sobre design e percepo em um curso de

Um cidado pode olhar um quadro e

ps-graduao em Design e Inovao e

ach-lo sublime; a mesma obra pode ser

tive a oportunidade e o prazer de me

considerada horrorosa de de mau gosto

embrenhar por esse tema apaixonante.

pelo vizinho ao lado. Tem quem adore

Afinal, se a gente pensar bem, o designer

quiabo e tem quem odeie camaro. Vai

nada mais do que um manipulador das

entender Alm disso, voc pode muito

percepes humanas; um profissional que

bem interpretar imagens e sons de

vive de provocar impresses, emoes,

maneira equivocada a propaganda

sensaes, reaes.

costuma enganar os seus sentidos

A coisa j comea com um dado

interessante: a palavra percepo vem do
grego aiesthesis e tem a mesmssima
origem da palavra esttica. Ou seja: tanto
a percepo como a esttica tm a ver

propositadamente nos filmes e peas

grficas para causar surpresa e despertar
interesse. Esse decididamente um
mundo onde as coisas quase nunca so o
que parecem ser.

com os sentidos, com a sensibilidade,

Por essas e outras que o velho Plato

com a capacidade de perceber.

dizia que o mundo das idias, aquele onde

Assim, perceber dar algum significado

quilo que os nossos sensores (olhos,
ouvidos, nariz, lngua e pele) conseguem
captar e entregar ao nosso crebro.
Engraado que cada pessoa pode
receber os mesmos estmulos e perceblos de maneira completamente diferente.
Isso acontece porque a interpretao
acontece no crebro, cujo contedo varia

46

s existem os conceitos, muito mais

perfeito, j que no se pode confiar nos
sentidos. E a margem de erro grande
mesmo: alm da variao de
interpretaes provocadas pela
diversidade de crebros (leia-se histrias,
vidas, culturas, experincias, crenas, etc),
ainda pode acontecer dos prprios
sensores no funcionarem muito bem: o
ser vivente pode ser daltnico, mope,

estar com o nariz entupido, ter queimado

Isso sem falar nas pessoas sinestsicas,

a lngua, calar luvas grossas e ainda ser

aquelas que conseguem associar

meio surdo.

imediatamente dois sentidos distintos

Todo designer sabe, mas no custa a

gente lembrar os fatores externos e
internos que fazem a gente perceber algo.
Os fatores externos so: a intensidade do
estmulo (voc imediatamente presta
ateno num som alto, num sabor forte,
numa imagem gigante); o contraste (voc
logo percebe algum vestido de vermelho
numa multido de uniforme cinza); o
movimento (aqueles gifs animados na tela
do seu computador puxam o seu olho e
no deixam voc se concentrar em mais
nada) e a incongruncia (so coisas
bizarras, que a gente no espera, como
um carro em forma de elefante ou algum
com uma jaca lils pendurada no
pescoo).
Os fatores internos so aqueles pessoais,
que dependem do indivduo que est
recebendo e captando os estmulos. Eles
so a motivao (se voc acabou de levar
um fora do seu grande amor, nem mesmo
o Cirque du Soleil vai seduzir os seus
sentidos) e a experincia ( a diferena de
sensaes entre o primeiro e o milsimo
beijo que voc ganha de algum).

47

(gente para quem uma msica pode ser

azul e uma esfera pode ter cheiro de flor).
E ainda no custa lembrar de sentidos que
nem to distintos so, como o olfato e o
paladar, praticamente irmos siameses
(tente sentir o gosto de alguma coisa
quando est tendo um acesso de rinite).
O designer tem que trabalhar muito bem
com essas armas poderosas, pois o
produto deve conversar e se entender
com quem vai us-lo. Essa linguagem
tcita, ntima, prxima, quase secreta, que
serve de instrumento de interao entre
uma pessoa e uma imagem (que pode ser
um cenrio, um objeto, uma mensagem,
em meio fsico ou virtual), precisa ser
conhecida e dominada por quem quer
dela se servir para ser excelente no que
faz. E as coisas esto ficando cada vez
mais complicadas, minha gente. Acabei de
saber que a Nokia est desenvolvendo um
telefone celular com capacidade de captar
e gravar aromas. Sentir cheiro de pinho
no vero e de bronzeador no inverno, j
pensou?
E isso que ningum aqui falou no sexto
sentido

Publicitrios e designers: quem faz o qu

Agora resolvi me arriscar de vez e tocar

regulamentado. Qualquer pessoa pode se

num assunto que eu estava evitando,

auto-intitular designer, inclusive algum

confesso, por puro medo. que sei que

formado em publicidade e propaganda. O

boa parte dos meus leitores formada por

inverso no costuma ocorrer, apesar dos

publicitrios. No sei como vo receber

publicitrios tambm no estarem livres

isso. Mas vou dar minha cara a tapa e seja

dos curiosos de planto.

o que Deus quiser. Quem sabe algum me

faz mudar de idia? Ou no?

O fato que so reas complementares,

que de vez em quando recebo pelo meu

diferentes. A publicidade e a propaganda

site (www.ligiafascioni.com) pedidos de

tratam de despertar desejos e emoes.

ajuda de estudantes que precisam fazer

Trabalham com o ldico, com a seduo.

trabalhos de aula. Por acaso recebi um

As campanhas so, por natureza, fugazes.

que queria saber como eu via a questo

dos publicitrios fazendo logomarcas, se
isso no era tarefa para designers. Vamos

mas com abordagens completamente

O design, por sua vez, trabalha com o lado

racional, com a semitica, a ergonomia,

l, ento.

com mtodos sistemticos de resoluo

Bom, penso que h conflitos

mais permanente. So formaes e rotinas

absolutamente dispensveis entre o

de trabalho com objetivos e meios bem

design e a publicidade, mas que ocorrem

distintos.

(imagino eu) por causa da mais absoluta

falta de comunicao entre essas reas
(que deveriam estar entre as mais

de problemas. Seus projetos tm carter

Por isso, acredito que o mercado s tem a

perder quando agncias publicitrias

comunicativas, pelo senso comum).

desenvolvem marcas grficas e sistemas

Naturalmente, h bons e maus

tarefa para designers, que trabalham

profissionais em todas as profisses, e o

com solues grficas de longo prazo e

design sofre bastante porque no

precisam traduzir a identidade da empresa

48

de identidade visual para empresas. Essa

considerando seus conhecimentos de

Isso no quer dizer, em nenhum momento,

semitica, teoria das cores, tipografia, e

que um publicitrio no possa criar boas

ainda um bom embasamento terico e

marcas grficas ou que um designer no

prtico bem especfico para realizar a

tenha talento algum para criar anncios.

tarefa.

No estou falando de talentos individuais,

J os publicitrios podem e devem usar

por favor. Tem gente que nem designer e

essas marcas grficas em suas criaes,

nem publicitrio e faz coisas geniais.

trabalhar para consolid-las e grav-las na

Mas no desse povo que estamos

mente das pessoas. S eles tm o talento

tratando. Essa uma abordagem bem

e a formao adequados para fazer a

genrica sobre formao profissional, que

conexo entre essas marcas e as

fique bem claro.

emoes que elas precisam comunicar.

So eles os responsveis por provocar
sentimentos quando aquele smbolo

Para mim, a soluo que os designers e

publicitrios trabalhem mais juntos. Por

grfico aparece.

que vivem s rusgas? Por que as agncias

No tem um melhor que o outro, nem pior.

designers teimam em criar textos e

Como j se disse, so trabalhos

slogans equivocados para folders e

igualmente importantes e

cartazes? Por que no so menos

complementares. Publicitrios no

competitivos e mais cooperativos? Ser

recebem a formao especializada e

que os egos envolvidos no admitem que

imprescindvel para criar marcas grficas.

as reas de conhecimento so muito

J designers no possuem qualificao

diferentes e que um pode aprender muito

formal para criar textos de peas

com o outro?

publicitrias, no se exercitaram o
suficiente nas tcnicas necessrias e no
tm muita informao sobre como
despertar desejos de compra. Podem at
fazer anncios lindos, mas ningum
garante que v funcionar.

49

insistem em criar marquinhas e os

Penso que s os publicitrios e os

designers tm as respostas, mas tero
que ach-las juntos.
E todo mundo vai ganhar quando isso
acontecer.

Ver com todos os sentidos

Todas as pessoas, tm, de alguma

de arte, uma festa para os olhos. Esse

maneira, pelo menos um dos sentidos

grupo se diverte e se ocupa s olhando:

mais aguado do que os outros. Tem

coisas, pessoas, lugares, tudo.

gente com o olfato de um co perdigueiro,

Alimentam-se de ver.

de tanto que consegue perceber cheiros

diferentes.

Mas no sejamos pragmticos: h ainda

H os especialistas em paladar (se bem

pessoal esotrico que percebe se voc

que muito difcil separar o que cheiro e

est bem ou no s de sentir as suas

o que gosto percebemos poucas

vibraes.

sensaes gustativas as variaes so

dadas mesmo pelos cheiros). a turma
dos entendidos em vinhos e dos bons

os especialistas no sexto sentido, aquele

E eis onde se quer chegar com esses

sentidos todos: o design, como a maioria

cozinheiros.

das reas de conhecimento, foca

No se pode esquecer dos msicos, que,

prescindir dos demais (incluindo o sexto

com certeza percebem desafinos com

a intuio sempre ter os seu lugar em

mais acuidade que a mdia dos mortais.

qualquer trabalho).

So os auditivos em seu elemento.

principalmente um sentido, mas no pode

O design , basicamente, a materializao

Graas sensibilidade ttil, pode-se

de uma idia. E no h materializaes

contar com massagistas capazes de

unissensoriais, mesmo que um dos

detectar ns de tenso nas nossas costas

sentidos se destaque muito alm dos

sem muito esforo. Abenoados sejam

demais. Um designer grfico pode muito

esses profissionais do bem-estar.

bem argumentar que seu trabalho

E ainda h as pessoas essencialmente

visuais (grupo no qual me incluo), que
observam o mundo como uma exposio

50

puramente visual. Ser? Vejamos: quando

se projeta uma revista ou um folheto, no
se pode ignorar que o papel a ser
impresso tem uma textura, a ser sentida

pelo tato. Tem um cheiro tambm (eu

combinao de cores era de doer. O

adoro cheiro de papel!). Quando

contrrio tambm acontece: peas lindas

manuseado, ele faz barulho, mesmo que

que machucam, cheiram mal.

aparentemente imperceptvel.

Os webdesigners devem estar pensando:

claro que as pessoas no comem papel

estou fora dessa. No mesmo. preciso

e a nossa capacidade intuitiva ainda

levar em considerao no apenas as

pouco desenvolvida para nos

cores e a disposio grfica dos

comunicarmos dessa maneira, mas o que

elementos em uma pgina h muito que

se quer defender aqui o seguinte: veja

se considerar na ergonomia, no lado em

alm do bvio! Veja com todos os

que os botes so apresentados que

sentidos! No despreze a importncia do

devem considerar os dedos das mos

cheiro do papel numa pea grfica. No

entre outras coisas. Isso sem falar dos

ignore a textura da folha de uma revista

sons e da msica que alguns aplicativos

impressa (j vi gente deixar de assinar

requerem. E h pesquisas indicando a

revista porque o papel era excessivamente

possibilidade de se fazer sites com

fino). Mas conheo designers grficos to

cheiros!

pouco tteis que no conseguem perceber

que um lado da folha comum de papel
sulfite geralmente mais liso do que o

Todas as aplicaes do design, desde a

moda at o ambiente, devem considerar

outro.

nossos seis sentidos. Se somos to

No design de produtos a coisa se torna

sofisticados, seria empobrecer muito um

ainda mais crtica. O tato, o olfato, a viso,

projeto fazer uso de apenas um deles s

o paladar, a audio e a intuio devem

porque ele vai aparecer mais.

andar grudadssimos. Mesmo que um dos

sentidos se destaque mais em um projeto,
um risco grande demais desconsiderar

complexos, to cheios de sensores

O bom designer considera todas as

sutilezas e complexidades da relao com

os outros.

o usurio. Ento fica aqui o recado: no

Eu mesma j tive o prazer de sentar em

audio, de paladar e de intuio

cadeiras confortabilssimas, macias e

tambm).

cheirosas, mas s de olho fechado. A

51

perca isso de vista (e de olfato, de tato, de

Formiga renascentista

Especializao coisa para formigas.

importantssimas). Especializao

Estava folheando uma revista em um caf

essencial, bitolao que o problema!

quando me deparei com essa bomba. A

Voc pode (e deve) ser especialista em

frase me fez pensar. Como assim?

alguma coisa, fazer algo melhor que todo

Lembrai, leitores, sou portadora de um

mundo, estudar a fundo algum assunto

ttulo de doutorado strictu sensu. Quer

para fazer o conhecimento andar para

mais especialista que isso?

frente. No complexo planeta que a gente

Era uma entrevista com o cartunista

Aroeira, que dissertava sobre seus
mltiplos talentos (alm de excelente
chargista, o moo tambm toca saxofone
em uma banda). Ele defendia a tese de

vive, esse o nico jeito de fazer

diferena. O problema que a histria
no acaba a. que voc tem que ser
especialista em pelo menos uma coisa,
mas tambm muito bom em vrias outras.

que as formigas tm capacidade para

O Aroeira chamou isso de perfil

aprender e fazer somente uma coisa

renascentista (eu adorei a metfora, no

durante toda a vida, que carregar

perfeita?). S para lembrar: no perodo do

comida para dentro do formigueiro. So

Renascimento, as pessoas militavam em

excelentes no que fazem, porm muito

reas diversas com a maior desenvoltura e

limitadas.

sem preconceito. Rabelais, em 1532,

Para ele, o ser humano no precisa ser

assim. Tive que ler a entrevista toda para
entender o raciocnio, que para mim fez
todo o sentido. Olha s: ele no queria
dizer que uma pessoa no possa se
especializar e todo mundo deva ser
generalista (assim, nunca descobriro a
cura para o cncer, entre outras coisas

52

coloca a seguinte frase na boca de seu

personagem Pantagruel: Todas as
disciplinas so agora ressuscitadas, as
lnguas estabelecidas (...) Eu vejo que os
ladres de rua, os carrascos, os
empregados do estbulo hoje em dia so
mais eruditos do que os doutores e
pregadores do meu tempo.

O cone do Renascimento que resume o

esprito da poca Leonardo da Vinci,
que, como todos sabem, foi o mximo em
tudo o que se meteu a fazer: arquitetou,
engenheirou, inventou, esculpiu, pintou,
enfim, s faltou mesmo bordar. claro que
o Leonardo um fenmeno genial, mas a
idia mostrar que a atuao em vrias
reas era corriqueira na vida das pessoas
naquela poca elas ainda no sofriam da
febre da especializao exclusiva.
Adorei a idia do Aroeira. Especializao
sim, desde que o sujeito no vire formiga.
Sejamos todos profissionais
renascentistas!
NOTA: Para quem achou o tema interessante, tem uma
coluna mais recente falando do assunto. Veja aqui.

53

Mendigos culturais

Dia desses fiquei chocada na sala de aula.

um emprestado na biblioteca, mesmo que

No devia, mas fiquei. A tarefa era projetar

s para fazer o trabalho.

uma capa, e os alunos deveriam trazer um

livro encapado com a pea grfica para
que se pudesse ter uma noo de como
ficaria. No vou comentar a pobreza de
cultura visual. Vamos pular essa parte, por

Sinceramente, nessas horas bate um

desespero e d vontade de chorar. Como
um universitrio no tem nenhum livro
em casa? Como vivem os pais desse

ora.

cidado, aptos a pagar uma mensalidade

Um aluno apareceu com uma agenda

mnimos, mas incapazes de ler um

encapada. Como era um modelo de couro

primrio paulo coelho que seja. Pelo

estofado, a pea ficou cheia de emendas

menos um dicionrio, Deus! Essa

e remendos, numa lamentvel

progressista famlia no vive no interior do

apresentao para algum que faz um

serto nordestino, o pai certamente no

curso to predominantemente visual.

cortador de cana. Provavelmente eles

Perguntei porque ele no tinha usado um

livro em vez da agenda. A resposta foi
taxativa, dita sem nenhum pudor ou
constrangimento: porque na minha casa

correspondente a quase 3 salrios

assinam TV a cabo e cada membro porta

seu celular ltimo modelo. Assim, no
deve ser porque os livros no Brasil so
muito caros, como reza a lenda.

no tinha nenhum livro, s um monte de

Uma pesquisa realizada pelo CIEE (Centro

agendas. Gente, esse menino faz parte da

de Integrao Empresa-Escola)(5) na regio

parcela privilegiadssima da sociedade

metropolitana de So Paulo, revelou,

brasileira que tem acesso ao ensino

pasmem, que pelo menos 20% dos

superior. E mora num lugar onde no

universitrios no lem livros. Voc pensa

existe um nico volume impresso! Sua

que essa notcia ruim? Prepare-se para

intimidade com os livros era to pouca

uma pior: dos que disseram que lem, a

que nem ocorreu ao futuro designer pegar

Bblia foi citada como o livro mais

54

influente. Duvido que eles leiam realmente

dignos da Idade das Trevas (no por

a Bblia, pois a linguagem muito

acaso, uma poca em que ningum lia).

sofisticada e de difcil compreenso para

No limite, faz com que jovens de boa

no iniciados. Acredito que ela foi citada

famlia roubem e espanquem pessoas

s porque o livro mais conhecido, o

que consideram inferiores. H alguns

primeiro que vem mente de quem no

anos, um ndio foi morto por jovens e

quer passar vergonha. E o segundo livro

promissores estudantes que tiveram a

mais influente? Voc no vai acreditar,

desfaatez de se justificarem dizendo que

mas ningum menos que O Pequeno

achavam se tratar de um mendigo. A

Prncipe, de Saint-Exupry. Sim, aquele

vtima dessa semana uma empregada

mesmo das misses!

domstica, alegadamente confundida com

Gente, como que nossos rapazes e

uma prostituta.

moas vo desenvolver o senso crtico

Sinceramente, dispenso a convivncia

com essas referncias bibliogrficas?

com essa nobreza intelectual; se tiver que

Como vo se tornar cidados completos,

escolher, opto sem titubear por mendigos

com capacidade para se indignar com

e prostitutas. Mendigos tm muitas

injustias? Como vo adquirir cultura para

histrias interessantes e, convm lembrar,

se tornarem pessoas mais ricas e

pelo menos a Bruna Surfistinha escreveu

interessantes? Como a histria do

um livro.

pensamento vai evoluir, com to poucos

pensantes?
Desse povo, 96% usam freqentemente a
Internet. Agora j deu para entender
porque essa galera gosta de usar aquela
lngua esquisita para se comunicar nos
chats e sites de relacionamento;
simplesmente porque desconhecem os
rudimentos do portugus.
Essa falta de cultura, de pai e de me, tem
provocado comportamentos medievais

55

(5) Dados de 2007, referncia aqui. Em 2012 o ndice de

analfabetismo funcional chegou a 38% entre os
universitrios (fonte aqui).

Design de empatia

Sempre acreditei e tentei seguir a mxima

para ser confrontado, minutos depois,

trate os outros como gostaria de ser

justamente com uma figura que acha isso

tratado. Continuo achando uma boa

um horror em forma de coisinha.

referncia, mas algumas experincias me

mostraram que ela no pode ser levada ao

As referncias estticas, funcionais e

p da letra. Nem na vida, nem no design.

culturais so muito diferentes entre os

E que, s vezes, a gente faz coisas

complicada toa. E poucos objetos so

achando que a pessoa vai achar muito

to geniais e universais como a roda; a

legal (pelo menos ns, se estivssemos no

esmagadora maioria est mesmo sujeita

lugar dela, adoraramos), mas acaba

ao contexto e histria dos usurios.

sendo um fiasco. No, no porque a

pessoa tem esprito de porco ou m
vontade. porque somos diferentes
mesmo, isso faz parte (e a graa) da
natureza humana.
Para desenvolver um novo produto (seja
ele um servio, um objeto ou uma pea
grfica), preciso tentar se colocar no
lugar de quem vai us-lo. A tentao de
fazer o que a gente acha mais legal (ou o
que gostaramos que algum fizesse por
ns) enorme, mas a armadilha pode ser
fatal. Quantas vezes j vi gente dizendo:
como que algum pode no gostar
dessa coisinha linda?, pensando que
descobriu a prpria ltus das mil ptalas,

56

grupos humanos. Semitica no to

E a que entra a parte mais difcil: tentar

sentir como o usurio, estar literalmente
na pele dele. Mas como saber o que o
vivente sente e pensa sem ajuda da
telepatia ou outro recurso paranormal?
Aqui que entra a palavrinha mgica:
empatia. Quer dizer nada mais do que a
capacidade de se colocar no lugar do
outro. Tem gente que nasceu com essa
faculdade bem desenvolvida a galera
que gosta de lidar com pessoas. Algumas
tm essa habilidade to destacada que
acabam virando atores e atrizes. Quer
desafio maior do que emprestar o seu
corpo, da maneira mais desprendida

possvel, para sentir as dores e emoes

incluir no currculo acadmico de design

de outra pessoa, que s vezes nem real ?

um curso de teatro.

Para aquele povo sem nenhum talento

De minha parte, no vejo a hora das aulas

especial, penso que fica muito mais difcil

comearem!

quando voc no se identifica com seu

pblico.
Poderia at ser relativamente fcil para
mim imaginar como se sente uma mulher
de classe mdia ao comprar um carro. Por
outro lado, seria muito mais complicado
imaginar o que passa pela cabea de um
adolescente viciado em crack ou uma
dona de casa de subrbio americano.
Grandes empresas, como a Procter &
Gamble chegam a contratar gente para
morar por um tempo na casa de seus
potenciais clientes e observar seus
hbitos. Os atores se utilizam do que eles
chamam de laboratrio do personagem
para tentar vivenciar uma realidade to
diferente.
A questo, no final das contas, essa: o
desenvolvimento de um produto de design
pressupe sutilezas sofisticadas, detalhes
que s a verdadeira empatia capaz de
apontar.
Por essas e outras que fico me
perguntando se no seria uma boa idia

57

Semi o qu?

Um dos aspectos mais importantes do

grego semeion, que significa signo, e a

trabalho do designer o seu

cincia que estuda os signos (no, no

conhecimento em semitica. Ok, mas

tem nada a ver com horscopo!). Signo,

quantos deles sabem bem o que essa

para a filosofia, tudo aquilo que significa

palavrinha capciosa significa?

alguma coisa. Assim, aquele cheirinho de

Uma das mais conceituadas

pesquisadoras na rea, Lcia Santaella,

caf feito na hora um signo tanto quanto

a marca grfica de uma empresa.

autora de dezenas de livros sobre o

O signo, essa coisinha cheia de

assunto, j se deparou com questes

armadilhas perigosas, pode ser analisado

curiosas; j perguntaram a ela se seria o

de 3 pontos de vista (segundo Charles

estudo dos smios ou uma especialidade

Pierce, uma das principais referncias;

da oftalmologia, acredita?

mas h quem discorde, como, de resto,

Bom, j vou adiantando que o assunto

tudo na filosofia):

bem complicado. Para se ter uma idia,

1. O signo em si mesmo, ou seja, a sua

tem a ver com fenomenologia, a rea da

capacidade de significar. Por exemplo, o

filosofia que estuda o modo como ns

quanto o desenho de uma flor

compreendemos tudo o que

reconhecvel como a representao de

apresentado nossa mente, desde uma

uma flor.

imagem, um som, at conceitos mais

abstratos e emoes complexas.
Fenmeno, que vem do latim phaneron,
tudo aquilo que nossa mente consegue
perceber. Nada a ver com o prosaico
Ronaldinho. Sentiu o drama?
Pois , e onde que a semitica entra
nessa histria? Bem, a palavra deriva do
58

2. A referncia quilo que ele indica ou

representa. Por exemplo, a relao entre o
desenho e a flor. A flor a idia; o
desenho uma forma de comunic-la.
3. Os efeitos que o signo produz em quem
est sendo impactado por ele. Por

exemplo, a sensao que a pessoa tem

representa um pas, que smbolos grficos

quando v o desenho da flor.

representam sons em uma palavra. Esses

Parece que o nmero 3 mgico na

semitica, pois tudo se desdobra em trs

signos s so entendidos por quem

conhece as convenes.

partes e vai ficando cada vez mais

Est vendo como tem gente chutando por

complicado: trs elementos formais que

a e usando smbolo, cone e signo como

regem os fenmenos, trs teorias

sinnimos? A semitica extensa e

Peircianas do signo, trs tipos de relao

complexa, e fico preocupada com a forma

que o signo pode ter com objeto que ele

displicente com que os jovens estudantes

representa, trs tipos de propriedades dos

de design a tratam. Com que critrio se

signos, sem falar na lgica tridrica do

vai escolher entre um cone, um ndice ou

signo.

um smbolo para representar uma idia? O

Ento, para no me alongar muito, s vou

descrever os trs tipos de signos:
1. cones: so signos que mantm uma
relao de analogia com o objeto
representado. Ex: desenhos figurativos,
fotos, filmes, imitaes, caricaturas, etc
2. ndices: so signos que mantm
relaes causais com os objetos ou idias
que eles representam. Ex: fumaa para
indicar fogo, talheres para indicar
restaurante, sorrisos para indicar alegria,
lgrimas para indicar tristeza, etc

impacto da escolha do tipo de signo tem

implicaes diretas na forma como ele
ser interpretado e as relaes que ter
com seus receptores.
A teoria da comunicao nos diz que as
pessoas interpretam os signos de acordo
com o repertrio delas. O repertrio o
conjunto de informaes que essas
pessoas j conhecem e inclui a histria, a
cultura, as crenas e as vivncias de cada
um. Se o designer escolhe signos que
esto fora do repertrio, provvel que
essas pessoas no o compreendam ou se
sintam desconfortveis com ele. Se o

3. Smbolos: so signos cujos significados

designer usa apenas signos comuns ao

so derivados de convenes. Ex: foi

repertrio de todos, cai na mesmisse e no

convencionado que um tringulo na pista

lugar-comum. Uma verdadeira sinuca; a

significa carro com problemas; que uma

que os brilhantes aparecem e se

pomba representa a paz; que a bandeira

destacam.

59

A semitica uma rea de conhecimento

essencial para ajudar o designer a usar as
ferramentas mais adequadas a cada
situao. o que faz o seu trabalho ser
mais conseqente, planejado, eficaz.
Para mim, um designer que no entende
nada de semitica no passa de um
semidesigner.

60

2
O design

Obras de arte no precisam ser

entendidas; mas objetos de design
que no possam ser entendidos
so apenas mau design.

O que mesmo design?

Vou contar uma coisa: design uma

primitivas? lgico que o resultado ficou

palavra com um significado to complexo

abaixo da crtica e todo mundo detestou.

e polmico, que em todo congresso ou

Mas era preciso fabricar e vender

seminrio acadmico h sempre pelo

produtos. Ento, vrios grupos de artistas

menos um artigo discorrendo sobre o

e intelectuais se reuniram para tentar

assunto. Em portugus, no se conseguiu

elaborar um conceito que se permitisse

chegar a um termo que o traduzisse

conceber produtos que j fossem

corretamente, ento resolveu-se usar o

pensados, desde a idia inicial, para

original em ingls mesmo. Por isso, no

serem produzidos em escala. Alm disso,

caia na tentao simplista de traduzir

a relao entre as pessoas e os objetos

design como projeto ou desenho.

mudou radicalmente, assim como as

Esse popular e polmico termo (no sentido

em que usamos hoje) foi criado na poca

relaes de consumo; tudo precisou ser

repensado.

da revoluo industrial. Fazendo um

Nessa poca de grande efervescncia

resumo bem grosseiro, pode-se dizer que,

cultural (final do sculo XIX e incio do

com a possibilidade de se fabricar

sculo XX) surgiram vrios movimentos,

produtos em escala, a primeira idia foi

como o Arts and Crafts, o Art Nouveau, o

tentar reproduzir a esttica conhecida at

Art Deco e o Werkbund, alm, claro, da

ento, aquela dos produtos elaborados e

mais famosa escola de design do mundo,

produzidos caprichosamente por artesos

a Bauhaus.

talentosos.

Esse novo jeito de conceber produtos

Mas veja bem: se com toda as mquinas e

pensando na fabricao em escala foi que

tecnologias que dispomos hoje j difcil

deu origem que hoje conhecemos como

reproduzir industrialmente uma cadeira

design.

estilo Lus XV, imagine s naquela poca,

com aquelas mquinas toscas e

62

H vrias e diferentes definies para o

termo, mas a que mais me parece

logicamente fundamentada (para mim, que

certeza existem, mas o trip no se

fique claro) aquela que diz que o design

sustenta s com isso, falta um perna: o

sustenta-se sobre um trip: um bom

projeto. As cabeas, os cabelos e as

projeto, que possibilite a produo em

pessoas so diferentes, no d para

escala; um conceito que explique porque

produzir isso em srie. Alis, o grande

o objeto feito dessa maneira e no de

diferencial de um bom cabeleireiro

infinitas outras possveis, com suas

justamente ele encontrar a soluo que

funes e porqus; e a preocupao

melhor convm a voc e a mais ningum.

esttica (seno no vende)(6).

por isso que de se estranhar que muita

Assim, fica fcil a gente entender melhor a

gente use o termo design para se referir ao

idia e utilizar o termo de uma maneira

estilo e personalizao do servio. E

que faa sentido. Quando algum diz que

design o contrrio do que

faz fashion design, est dizendo certo (de

personalizado. Design uma soluo

acordo com o conceito que vimos, mas,

concebida para se produzir em massa

como disse antes, isso est longe de ser

(pelo menos o conceito original nasceu

consenso). A moda exige que se faa o

dessa premissa). Assim, arranjos florais

projeto de uma coleo com os moldes e

personalizados no so flower design e

desenhos de roupas que permitam que

tatuagens no so body design.

elas sejam produzidas em escala depois;

tem o conceito, que explica porque que
tais materiais, tecidos e aviamentos foram
escolhidos em detrimento de outros; e,
claro, a preocupao esttica (esta ltima,
alis, um conceito cada vez mais flexvel
que merece uma reflexo parte).

Mas voc deve estar pensando: mas a

marca grfica da minha empresa
personalizada, eu no a comprei em um
catlogo. Certssimo: a soluo
especfica para a empresa, mas o manual
de identidade visual o projeto que vai
permitir que a marca seja reproduzida em

J um cabelereiro que diz que faz hair

massa por a, da papelaria ao outdoor, do

design est usando o termo de maneira

uniforme frota de veculos, sem ser

que no se encaixa nessa definio que

distorcida e sem perder o contexto. Isso

usamos. Ou algum j viu um projeto de

fruto de um projeto, que deve ter um

cabelo para ser produzido em srie? O

conceito (que traduz a identidade da

conceito e a preocupao esttica com

empresa) e uma preocupao esttica

63

(ningum quer uma marca feia). Um site na

Internet, por sua vez, tambm se enquadra
no conceito, pois precisa de um projeto
que permita que ele seja reproduzido em
escala (a mesma tela aparece em milhares
de outros computadores igualzinha), um
conceito e uma preocupao esttica. Por
isso, existe o que se conhece por
webdesign.
Mas, ateno, se voc encontrar por a
uma loja de design personalizado, no
fique dando aquela risadinha de deboche.
As pessoas usam os termos de maneira
inadequada porque quem aprendeu o que
a palavra significa no compartilha o seu
conhecimento com todo mundo.
Compartilhe o que voc aprendeu. Todo
mundo s tem a ganhar, incluindo
cabeleireiros, floristas, tatuadores,
estilistas, programadores, e, quem diria,
at os designers.

(6) A definio de design baseada no trip projeto,

conceito e esttica foi cunhada durante um trabalho de
equipe para uma das disciplinas do meu curso de
doutorado. Dentre as vrias que estudamos e mediante
profunda anlise, foi a que julgamos mais adequada. Por
isso voc no vai v-la em lugar nenhum outro lugar, e a
definio est longe de ser consenso.

64

Design corts

O mundo est cada vez mais lotado de

um bom dia, perguntaram-me se eu havia

gente. Falta gua, comida, educao,

dormido bem. De quantos eventos voc j

cultura e justia para a maior parte dos

participou onde algum da organizao

viventes, e se as pessoas continuarem a

olha nos seus olhos e pergunta como

se reproduzir com essa desenvoltura, a

passou a noite? Ou melhor, qual foi a

tendncia s piorar. Mas penso que, a

ltima pessoa com quem voc conversou

despeito dessas mazelas todas, as coisas

que lhe fez essa pergunta?

que mais fazem falta mesmo so a

gentileza, a delicadeza e a sensibilidade.

Pode-se dizer que essas cortesias vm da

Imagino que esses traos de civilidade

polidez. Mas j presenciei uma senhora

podem ser incutidos na formao, mas

bastante humilde dar lugar no nibus a

algumas almas os assimilam com mais

uma grvida em estado adiantado quando

naturalidade do que outras. Pessoalmente,

viu que todos os jovens presentes

invejo e admiro aquelas pessoas que

passaram a interessar-se obsessivamente

nunca se envolvem em barracos, que

pela paisagem ou iniciaram uma

tm total domnio sobre o volume da sua

meditao profunda de olhos fechados.

voz, que usam com freqncia as

Outras sutilezas, como abrir a porta do

palavrinhas mgicas (por favor, obrigado,

passageiro antes da do motorista ao dar

desculpe, com licena), que genuinamente

carona para algum (independente do

se preocupam com o bem-estar de quem

sexo), permanecer atento quando uma

est junto e no diferenciam o tratamento

pessoa est revelando algo pessoal (e

de acordo com a faixa de renda ou cultura

depois no comentar com outros), sempre

do interlocutor.

responder a e-mails, cumprir as

Lembro-me de uma vez em que estive em

um seminrio na Inglaterra, quando o
Chairman e sua esposa, ao me desejarem

65

cultura, e os ingleses so famosos pela

promessas feitas, ser pontual, levar flores

quando voc vai jantar na casa de um
amigo, deixar a passagem livre em lugares
de trfego (de pessoas ou carros), elogiar

com sinceridade algum que est

foco o bem-estar do usurio, o design

merecendo, preocupar-se com o conforto

uma contribuio no apenas luxuosa,

de quem trabalha com (ou para) voc.

mas necessria.

De tudo isso, pode-se concluir que a arte

Mas conforto e ateno so apenas o

da gentileza se resume em fazer o possvel

bsico em uma era onde o consumidor

para tornar a vida do outro mais fcil,

deve usufruir de experincias sensoriais

agradvel e confortvel em detrimento do

gratificantes quando em contato com a

seu prprio umbigo. s vezes, isso d

marca, s mesmo o bom design pode

algum trabalho, mas a maioria do gestos

ajudar.

no configura nenhum sacrifcio, ainda

mais se o outro em questo tambm for
adepto da prtica. E o que que o design
tem a ver com esse papo?
O bom design leva em considerao o
conforto, o bem-estar, a facilidade de uso,
a sensibilidade e as limitaes do usurio.
O bom design to nobre e atencioso que
at com a natureza ele se preocupa, j
que todo projeto deve levar tambm em
considerao o ciclo de vida e o descarte
do produto.
Na prestao de servios, o design entra
nas interfaces de comunicao com as
pessoas, tornando o entendimento claro e
economizando o precioso tempo do
cliente. A diagramao e estrutura dos
documentos e manuais, a ambientao
dos locais, a organizao das
informaes, tudo deve colaborar para
tornar a vida das pessoas mais fcil. Se o

66

Quem me conhece sabe que estou muito

longe ainda de ser uma dama, mas o bom
design um gentleman desde o bero

O design nosso de cada dia

Voc j se deparou com uma porta que

emocional: porque adoramos (ou odiamos)

no conseguiu abrir (mesmo estando

os objetos do dia-a-dia. Ele um

destrancada) e depois descobriu que ela

engenheiro eletricista encantado pelo

funcionava ao contrrio do que voc

design (no estou s!) que se especializou

estava imaginando? Ou j teve dificuldade

em cincia cognitiva e usabilidade. O

em lidar com uma caixa, uma embalagem,

sujeito uma das referncias mundiais no

uma vasilha que fizeram com que voc se

desenvolvimento de novos produtos com

sentisse a mais estpida das criaturas

design centrado no usurio (a maioria

viventes?

mesmo centrado no fabricante!).

Essas pegadinhas so to freqentes e

Donald consegue provar que se voc no

deixam as pessoas to chateadas que j

consegue descobrir se uma porta para

se fez muita pesquisa a respeito (por

empurrar ou puxar, se voc no consegue

incrvel que parea). Alguns fabricantes

saber qual das torneiras do chuveiro do

insistem em tornar a vida de seus clientes

hotel a de gua quente, se sempre

um verdadeiro inferno, derrubando a auto-

aperta por engano o boto limpar em

estima dos usurios desavisados a nveis

vez de confirmar quando preenche um

abissais. O sujeito no consegue operar

formulrio na web, a culpa de quem

uma secretria eletrnica e fica se

bolou essas armadilhas, e no sua!

achando um ignorante medieval. Boas

notcias: no culpa sua se voc no
consegue desligar alarme do seu telefone

H vrios sites especializados no assunto.

Um dos mais legais o baddesigns (que,

celular isso se chama mau design.

por sinal, tem um design de chorar...rsrs)

H anos o americano Donald Norman vem

objetos que irritam pela ambigidade com

estudando com afinco o assunto, a ponto

que comunicam seu modo de operao.

de publicar os interessantssimos O
design do dia-a-dia* e Design

67

onde os leitores colaboram apresentando

Um dos exemplos o de um sujeito

aborrecidssimo com os desenhos dos

botes do painel de um Cadillac que ele

no Brasil tenha que escolher de uma vez

alugou e no conseguiu entender lhufas

s candidatos para nada menos que 5

dos pictogramas. Um desabafo desses,

cargos diferentes em dois poderes

alm de fazer com que nos sintamos

distintos!

menos ss na impotncia de operar um

cortador de grama, tambm pode alertar
alguns fabricantes mais sensveis.
Essa conversa toda me faz lembrar das
eleies que vm a. Segundo o IBGE, a
nossa populao constituda de 18.3%
de analfabetos funcionais (27.8 milhes) e
mais 8.7% de analfabetos absolutos(7). E
olha que o IBGE considera analfabetos
funcionais apenas aquelas pessoas acima
de 15 anos que tm 4 anos ou menos de
estudo. Temo que o nmero de cidados
margem do debate seja muito maior, pois
estudar 5 ou 6 anos deixa a pessoa fora
da estatstica, mas bem dentro do grupo
que tem limitaes para decodificar uma
idia escrita. Sem contar que tem uma
galera no ensino superior(?) que poderia

3. Pessoas semi-analfabetas tenham que

eleger representantes cujos cdigos de
votao tenham at 5 dgitos!
4. Eleitores tenham que escolher
Senadores, Deputados Estaduais e
Federais sem ao menos entender a
diferena de atribuies e
responsabilidades entre esses cargos
(voc sabe?).
, se essa eleio est morna, xxa ou
confusa, se as pessoas no definiram
ainda seus candidatos, no me
surpreende. Com um mau design desses
no sistema eleitoral, a nica coisa mesmo
que se consegue eleger a corrupo
como o valor nmero um desse pas.

entrar na classificao como analfabetos

Mas se voc est lendo essa coluna (e

universitrios!

entendendo), ento deve estar fora da

Partindo da idia do bom design, ou do

design centrado no usurio, penso ser
inadmissvel que:
1. O voto seja obrigatrio num universo de
usurios com esse perfil.

estatstica. E deve fazer parte daquela

parcela mnima com condies de
influenciar o design (ele no nasce do
alm).
Faa ento a sua parte!
(7) Dados de 2012, referncia aqui.

2. A pessoa que mal consegue ler e

entender a estrutura do poder constitudo
68

Senhoras e senhores...

Hoje em dia todo mundo precisa fazer

Powerpoint devem ser concebidas para

apresentaes e, mais ainda, assistir a um

ajudar a comunicar uma idia, para

monto delas. No sou uma especialista

reforar conceitos-chave de maneira mais

no assunto e as minhas esto longe de ser

didtica, enfim, para informar aos mais

referncias, mas sempre que posso leio

distrados sobre o assunto est sendo

alguma coisa a respeito para maltratar

tratado na hora. E mais: que as

menos de quem est condenado a me

apresentaes so para ajudar a platia a

ouvir.

compreender melhor o que est sendo

Pena que nem todo mundo pensa assim.

Pxa, se isso parte do seu trabalho,
custa aprender direito como se faz? Nas
ltimas semanas assisti a vrias
apresentaes que me deram dor de
cabea, irritao e at nuseas. uma

dito, no para servir de muleta para

apresentadores despreparados. Se voc
est nervoso e no sabe o que vai falar,
no puna as pobres pessoas que vo lhe
assistir com textos de 20 linhas, elas no
tm culpa.

falta de respeito to grande com quem

H apresentaes que mais parecem

est assistindo que fico pensando sobre o

aqueles exames oftalmolgicos com

que passava na cabea da pessoa quando

testes para ver se voc enxerga bem. As

montou o espetculo.

letras so minsculas e o apresentador

H um tipo de apresentao que

considero o pior: aquele onde o orador
despeja pginas e pginas de texto de um
roteiro que s servem para demonstrar
quo pouco ele se preparou para o
evento.
Algumas pessoas simplesmente se
esquecem de que as apresentaes no
69

tem a cara de pau de se desculpar

dizendo que tinha muito texto ou a tabela
era muito grande. E a platia com isso? Se
a pessoa no tem capacidade de sntese,
devia pedir ajuda ou se preparar mais.
No por coincidncia, imagino, esses so
os shows mais recheados de erros de
portugus e de digitao. Se o palestrante

no teve nem o cuidado de resumir os

algo importante, pode escrever fichas para

principais pontos, por que exigir dele uma

se orientar. Pode distribuir material

banal reviso?

impresso para preencher as lacunas sobre

O cmulo dos cmulos, na minha opinio,

quando o apresentador desembesta a
ler tudo o que ele escreveu lenta e
pausadamente, como se todos os
ouvintes fossem analfabetos. Alguns, mais
sensveis, quando percebem o mal-estar
geral e o desinteresse generalizado,
passam a ignorar a montanha de texto e
saem falando sobre outro assunto,
provocando a sndrome do filme com

as informaes que no foram detalhadas.

Pode combinar perguntas com colegas.
Pode ainda se preparar mais, ensaiando
em casa. Enfim, h muitas maneiras de
tornar uma apresentao interessante sem
fazer a platia sofrer. S que d um
trabalho! Quanto mais legal e
aparentemente simples uma
apresentao, mais horas de preparao
ela consumiu, pode ter certeza!

legenda: voc tenta ler o que est escrito

O ideal que os slides tenham figuras que

e prestar ateno no que a pessoa est

reforcem a idia tratada e apenas algumas

falando ao mesmo tempo, mas

palavras-chave. Ah, e ateno para uma

impossvel. Algumas vtimas optam por

coisa absurdamente bvia, mas que muita

prestar ateno no apresentador,

gente no se toca: para que colocar uma

ignorando solenemente o recurso visual, o

tabela com nmeros pequenininhos, se

que caracteriza um desperdcio (projetores

ningum vai conseguir ler mesmo? Qual

e laptops custam caro). Outras, mais

o objetivo nesse caso? Mostrar que voc

ortodoxas, preferem apenas tentar ler e

teve preguia de consolidar os dados?As

passam a achar que a voz do

tabelas devem trazer apenas as

apresentador perturba a sua

informaes que possam ser entendidas e

concentrao. E ficam com muita raiva

visualizadas naquele momento. Assim,

quando se passa para o prximo quadro

mais trabalho: nada de pegar o que j est

sem que se tenha acabado de ler o

pronto no relatrio e simplesmente colar.

anterior.

Filmes? So muito bem-vindos, desde que

Ento, para que esse sofrimento todo? Se

testados antes, exaustivamente, incluindo

o apresentador est inseguro sobre o que

o som. Ento, nem pensar em chegar 5

vai falar ou tem medo de se esquecer de

minutos antes. Apresentaes com filmes

70

exigem mais de meia hora de ajustes para

evitar fiascos. constrangedor
testemunhar a luta entre o palestrante e o
equipamento em tempo real.
Ah, e ser que letras esvoaantes e efeitos
especiais contribuem mesmo para o
contedo que est sendo tratado ou so
s mais um moderno mecanismo de
tortura chinesa para fazer a platia suar
sem sentir calor?
Outra questo o tempo. Planejar bem
antes evita que o comeo seja lento e o
final desande em desabalada carreira. Ou
ento, que os ouvintes olhem mais para
seus relgios do que para a tela.
Uma boa apresentao d trabalho, mas
tambm prazer. E ns, da platia,
agradecemos em coro a considerao.

71

Direita, volver!

Essa preveno contra livros de auto-

mais importante era ter msculos e

ajuda ainda vai me fazer perder muita

persistncia diante da adversidade. Gente

coisa boa. O que me salva que vivo

com esse perfil era imprescindvel nas

cercada por pessoas inteligentes e bem

linhas de montagem, e estava no topo da

menos preconceituosas que eu. que dia

valorizao (brutamontes incansveis

desses um aluno da ps-graduo (um

inspiraram personagens hericos e

profissional experiente que tem muito mais

inesquecveis, cones do ser humano

a me ensinar do que eu a ele) me

ideal). Com o advento da Era da

apresentou um livro daqueles que voc

Informao, onde os computadores

fica pensando: como que vivi at hoje

entraram em cena, bom mesmo era o

sem ler isso?

sujeito que pensava de maneira

Trata-se de A revoluo do lado direito do

crebro, de Daniel H. Pink. Custei um
pouco para ach-lo (nossas livrarias so
prdigas em Brunas Surfistinhas e em
Paulos Coelhos, mas muito econmicas
na variedade de ttulos), mas valeu a pena.
Com esse nome chinfrim, afundado l na
seo de auto-ajuda, eu jamais teria o
prazer de l-lo sem a interveno do
Jorge.
O autor apresenta, de maneira simples e
didtica (porm, muito bem
fundamentada), as fases da nossa
valorizao como profissionais na histria
da economia recente. Na Era Industrial, o

72

estruturada, era fera em lgica e

matemtica. Enfim, uma espcie
predominantemente racional. Eram (alguns
ainda o so) olhados sempre com
respeito, pois faziam parte da elite dos
inteligentes. Pink argumenta que essa
classe, representada principalmente pelo
povo da tecnologia, est sendo
substituda por profissionais mais baratos,
oriundos principalmente da sia (ndia,
Tailndia e China, na dianteira). Europeus e
americanos que estavam na crista da
onda viram sua praia repentinamente ser
tomada por intrusos e esto tomando um
caldo atrs do outro. Os salrios caram e
a competncia subiu.

O autor conclui que estamos entrando

O lado esquerdo seqencial. O direito,

agora na Era Conceitual onde preciso

simultneo. Todo mundo precisa dos dois

substituir a capacidade de anlise pela de

para viver (e sobreviver), mas o lado direito

sntese. Integrar, em vez de modularizar.

andou meio esquecido e desvalorizado

Dar mais espao para o emocional e o

por uns tempos. Agora ele volta a ser

artstico. Fazer as coisas de uma maneira

lembrado e vitaminado para contribuir

diferente da lgica e convencional, ou,

mais.

simplesmente, desenvolver a capacidade

de cativar e emocionar.

Como bem lembra Pink, a excelncia se

Ele usa a metfora dos dois lados do

superpoderosos viram amigos e

crebro (lembrando que apenas uma

transpem a barreira que os separa.

metfora, pois usamos o crebro todo em

Nenhum mais importante que o outro.

qualquer atividade diria, como j

Mas para quem desenvolveu muito s um

demonstraram experimentos de

lado, convm dar uma ateno agora para

ressonncia magntica).

o outro tambm, seno no vai conseguir

Usando a analogia, o lado esquerdo

produz quando os dois lados

se adaptar aos novos tempos.

analtico e ocupa-se com a razo, com a

Um conceito que o autor utiliza muito bem

estrutura, com a modularizao das

para demonstrar a revoluo do lado

informaes. com esse lado que a gente

direito a crescente popularizao do

aprende a ler e escrever, a formar

design, onde antes s se via tecnologia.

palavras, a atribuir significados aos

nmeros, a encadear seqncias lgicas,

Ele demonstrou isso com uma abordagem

a analisar criticamente um problema.

to original que me surpreendeu pela

O lado direito ocupa-se da sntese e trata

Imagine o projeto de uma torradeira. Do

da emoo, do subjetivo, do contextual.

ponto de vista racional e tcnico, ela tem

Esse o lado que reconhece um rosto

que funcionar direito ( a utilidade do

(sem se preocupar com as partes), que

objeto). Mas projetada por um designer,

interpreta e entende piadas e frases de

ele tambm vai cuidar de lhe prover um

duplo sentido, que sintetiza informaes,

conceito, que deve traduzir um

que conecta, que cria e inova.

significado.

73

simplicidade e pela sntese do problema.

Agora pense no uso da torradeira. Em

est muito magrinho. Agora que estou

mdia, ela utilizada apenas 15 minutos

empenhada em atingir o equilbrio, at j

por dia (em 1% do tempo do tempo ela

tomei um providncia concreta: esta

essencialmente funo). Nos outros 1.425

semana, pela primeira vez na vida vou

minutos (99% do tempo) ela simplesmente

sentar em uma sala de aula para fazer um

no usada. , portanto, apenas

curso de histria da arte. Uhuu!!

significado. Ento, por que no dar mais

ateno ao aspecto conceitual ao se
conceber um objeto? Por que no
construir torradeiras lindas, que tragam
prazer aos olhos, ao tato?
De novo, ressalte-se que a funo
(utilidade, razo) continua sendo
indispensvel (ningum gosta de loiras
burras), mas o significado (a forma, a
mensagem, a emoo, a esttica) precisa
ser melhor tratado.
No faz todo o sentido? Pois , tenho que
confessar que o raciocnio lgicoanaltico-seqencial me encanta, e
desconfio que ele que permite que eu
consiga fazer tantas tarefas
simultaneamente de forma organizada e
estruturada. Como passei a maior parte da
minha vida entre nmeros, programas e
funes, estou com o lado esquerdo
praticamente inchado. Mas agora tenho
que dar de comer para o lado direito.
Minhas incurses pelas reas do design e
das artes plsticas serviram para
desenferruj-lo um pouco, mas ele ainda

74

Beleza til

H muito tempo o belo tem sido

sobre a vida de um catador de papel que

relacionado ao ftil. Mas ser que ele

me visitava todo sbado. Alm disso, toda

realmente no til? Provocar um sorriso

vez que passo pela frente, tem algum

de algum que anda triste, por acaso j

rindo ao ver as figuras. As crianas

no justifica o empenho?

adoram.

H alguns anos participei de um projeto

So pequenas contribuies para tornar o

muito original dos lojistas do bairro da

mundo, seno mais belo, pelo menos mais

Trindade, em Florianpolis, onde moro.

surpreendente, interessante, colorido. E

Cansados da poluio visual e a sujeira

olha que no preciso dinheiro e nenhum

que os cartazes colados nos muros

talento especial para fazer diferena:

provocavam, a associao resolveu se

apenas um bom olho, um pouco de boa

organizar e cadastrar artistas interessados

vontade e bastante sensibilidade. Quer

em pint-los.

ver?

O meu muro abriga um ponto de nibus e

Esses dias vi uma reportagem onde eram

eu desenhei uma fila de pessoas em

entrevistados moradores de uma favela no

tamanho natural, conversando em

Rio de Janeiro, quando ao lado da

manezs (dialeto tpico dos nativos da

senhora que estava sendo filmada pude

Ilha de Santa Catarina) enquanto esperam.

ver uma fileira de vasos floridos feitos de

Levei quase quatro meses para conclui-lo,

latas velhas pintadas com restos de tinta.

pois s podia fazer esse trabalho nos

Lindssimos e coloridos, um blsamo

finais de semana, mas valeu a pena.

naquele lugar cinza e feio. Depois disso,

Conheci um monte de gente, ouvi histrias

como algum pode mostrar sacadas

inacreditveis, tive que negociar com um

peladas, eventualmente adornadas

menino de oito anos a troca do desenho

horrorosamente por varaizinhos chinfrins?

de uma cobra por uma galinha e uma

Seria uma anomalia gentica, pessoas que

borboleta e pude aprender coisas incrveis

75

nascem completamente desprovidas de

qualquer senso esttico?
Tem outros exemplos. Semana passada
me chamou ateno uma gari que varria a
rua toda maquiada e produzida. Linda,
linda! Impossvel olh-la sem admir-la. Vi
tambm na TV um aposentado que se
dedicava a plantar rvores em locais
pblicos e terrenos baldios. Ele fazia o
mundo literalmente florir volta dele.
Essas pessoas so sensveis, importam-se
com os outros. Basta lembrar que a
palavra esttica, em grego, significa o que
sensvel ou o que se relaciona com a
sensibilidade.
Designers so pessoas que supostamente
tm um senso esttico mais apurado que
a mdia, pois optaram por fazer um
trabalho que, entre outras coisas, tambm
contribui para tornar o mundo justamente
mais surpreendente, funcional,
interessante e colorido.
Mas, exceto quando nos deparamos com
trabalhos claramente profissionais e
evidentemente remunerados, onde est a
sensibilidade? Onde esto os designers
quando andamos pelas ruas, pelos
prdios, pelas favelas, pelas escolas,
pelos espaos pblicos? Onde esto, que
no os vejo?
76

O nome e a rosa

Que h num simples nome? O que

rea do crebro correspondente

chamamos rosa, sob uma outra

simplesmente no reagiu. O rtulo ar

designao teria igual perfume. Essa fala

puro tambm no conseguiu fazer com

de Julieta, imortalizada nos versos de

que as pessoas sentissem o mesmo

Shakespeare, talvez devesse ser

prazer que o correto provocou.

reavaliada nos dias de hoje.

Isso acontece, segundo o estudo, porque

que uma pesquisa realizada na

as pessoas imaginam o cheiro antes de

Universidade de Oxford, na Gr-Bretanha,

senti-lo, influenciadas pela informao

concluiu que a percepo das pessoas em

semntica contida no nome.

relao a um cheiro pode variar

dependendo do nome que se d a ele.

Para ser bem sincera, esse resultado no

Os pesquisadores observaram os

bsicas de semitica nos mostram que

resultados da ressonncia magntica dos

nossas percepes so afetadas por um

crebros dos voluntrios enquanto

conjunto muito grande de fatores e as

testavam alguns perfumes e descobriram

nossas relaes com cheiros no se

coisas bem interessantes. Eles colocaram

limitam apenas s reaes qumicas

um frasco com essncia de queijo

desencadeadas pela coisa cheirada.

cheddar com trs rtulos diferentes:

Cheiros contm lembranas, inclusive

cheddar, ar puro e odores corporais.

visuais, de histrias bem complexas e

Quando o rtulo estava correto, foi ativada

me surpreendeu nem um pouco. Noes

pessoais, diferentes para cada pessoa.

a regio do crebro que interpreta cheiros

Ento, quem trabalha com comunicao,

agradveis. Os voluntrios gostaram da

marketing, bebida, comida, eventos,

experincia. A mesma amostra, s que

enfim, tudo o que afeta a percepo das

rotulada com cheiros corporais,

pessoas, tem que tomar muito cuidado

provocou reaes diferentes nas pessoas,

com o nome que escolhe para seus

que j no acharam o cheiro to bom. A

produtos.

77

Eu ousaria dizer que a embalagem, o

projeto grfico, a ambientao e todo o
contexto tm influncias tambm nada
desprezveis. Convm prestar um
pouquinho mais de ateno nesses
detalhes que podem fazer toda a diferena
entre uma pessoa gostar ou no de um
produto. O que antes era s um palpite,
uma desconfiana, agora est
cientificamente provado.
Uma rosa uma rosa, uma rosa. Mas e o
seu perfume? um perfume? s
perfume?

78

O design do drago

Quando estava escrevendo a minha tese,

Departamento de Design Industrial da Shih

lembro de ter lido um artigo de um filsofo

Chien University, de Taipei, Taiwan.

alemo contemporneo, Wolfgang Welsch,

onde ele dizia que (..) assim como o
sculo XX foi o sculo da arte, o sculo
XXI ser o sculo do design. Fiquei
impressionada com a frase desse
estudioso da esttica, e cheguei mesmo a
trocar com ele alguns e-mails a respeito. E
cada vez mais me conveno de que esse

A primeira informao impactante foi que

o nmero de cursos superiores de design
na China cresceu assombrosos 2000%
desde 1980 (hoje so cerca de 400
escolas). O drago j se deu conta de que
esse um requisito imprescindvel para
continuar no mercado, mesmo porque o

senhor est pleno de razo.

trabalho escravo praticado l no deve se

Passei toda a semana passada no 7o

selvagem que seja o capitalismo, as

Congresso Brasileiro de Pesquisa e

conscincias dos consumidores comeam

Desenvolvimento em Design(8), que

a incomodar (que o diga a Nike, cujas

aconteceu em Curitiba. Fui apresentar um

aes se desvalorizaram em 50% quando

artigo e saber em que p est o estado-

descobriu-se que a empresa utilizava

da-arte do design nesse pas. Conheci

mo-de-obra infantil, em 1995).

muita gente, revi colegas, assisti a

palestras, conferncias e apresentaes.
Alguns dos maiores autores do design
estiveram l, como o alemo Bernhard
Brdek. Trabalhos inditos foram
lanados, pesquisas criativas foram
apresentadas, mas o que mais me
impressionou mesmo foi a apresentao
da professora Wan-Ru Chou, do

79

sustentar por muito mais tempo. Por mais

A simptica Wan-Ru Chou (e, cabe

ressaltar, com um ingls competentssimo)
mostrou como os chineses fazem a lio
de casa. Todo mundo sabe que o design
um curso multidisciplinar, mas a coisa aqui
sempre fica s no discurso. L, eles levam
a prtica a srio: h festas regulares em
prdios especialmente construdos, onde
estudantes de design, engenharia,

arquitetura, moda e comunicao se

. A China no est a para brincadeira.

renem em baladas performticas onde

Tudo indica que o pas do futuro o deles,

todo mundo mostra seus talentos menos

no o nosso. Pois, como diz o conhecido

ortodoxos. Rolam concursos de trajes e a

consultor americano Rodney Fish,

decorao toda temtica.

somente uma empresa pode ser a mais

E a criatividade vai ainda mais alm em

um concurso de artefatos mveis.
assim: cada aluno (ou equipe) precisa
construir um prottipo de uma geringona
que consiga transportar uma pessoa por
um circuito de 10 metros de comprimento
que inclui uma discreta inclinao. A
engenhoca pode ser movida a qualquer
tipo de propulso, desde mos nervosas
at discos excntricos. Como o objetivo
desenvolver a criatividade, no h
preocupao com a viabilidade tcnica ou
de produo em escala. Basta que o
percurso de 10 metros seja concludo
(mesmo que com sobressaltos; houve at
prottipos que se desintegraram devido
ao esforo). Divertido, integrador, original,
poderoso. Cuidado com a China. Eles
sempre foram bons alunos.
Mostrou-se tambm outras prticas de dar
inveja em qualquer estudante brasileiro:
intercmbio com universidades do mundo
inteiro; workshops com designersreferncia em suas reas; laboratrios
equipadssimos.

80

barata. As outras tero que usar o design.

(8) O Congresso ao qual me refiro aconteceu em 2006.

Lendo imagens

Assim como adoro ler palavras, adoro ler

superlativa, indescritvel. Era como se

imagens, e me agrada descobrir as

fosse outro quadro, mas igualmente

histrias explcita ou secretamente

deslumbrante.

entrelaadas em todos os tipos de obras

de arte. Esse trecho de Alberto Manguel,
na introduo do seu livro Lendo
imagens foi o que me decidiu por lev-lo
para casa, h alguns anos. Sou viciada na
palavra impressa a um ponto perigoso
para as minhas finanas, mas, como ele,
tambm preciso das imagens. Identificada
a alma gmea, corri para ler as palavras

Essa diferena acontece, segundo a

Sandra Ramalho e Oliveira, autora de
Imagem tambm se l, porque a imagem
fotogrfica que reproduz a obra
geralmente a distorce, no mnimo, em trs
de seus elementos constitutivos:
dimenso, cor e textura. Quem j viu a
Guernica ao vivo, em toda a sua

dele. E valeu a cada centavo.

grandeza (inclusive dimensional) percebe

Livros me comovem mais que filmes;

impacto semelhante ao contemplar o

sonho, viajo, soluo ou me deixo enlevar

Abaporu, da Tarsila do Amaral. J tinha

com folhas de papel na mo da mesma

visto vrias reprodues, mas nada me

maneira que muita gente faz no escuro do

preparou para aquela exuberncia.

cinema. Mas imagens e obras de arte no

ficam atrs. Nunca me esquecerei da
sensao que me causou ao ver As
papoulas de Claude Monet, quando, pradolescente, folheava um dicionrio
enciclopdico. Era uma reproduo
pequena num cantinho da pgina, mas foi
difcil desviar o olhar fiquei como que
hipnotizada. Muitos anos, depois, vendo o
original, no Museu dOrsay, e emoo foi

81

bem a diferena. Recentemente sofri

uma pena termos to poucos e pobres

museus no Brasil (em Santa Catarina, a
situao ainda pior). Para um povo
funcionalmente analfabeto como o nosso,
com to pouco acesso s palavras
impressas, as imagens, penso, seriam
uma forma de comunicao mais
acessvel e que ajudariam a desenvolver o

gosto pela cultura e o senso esttico

De toda forma, penso que essa seria uma

(voltemos Idade Mdia?).

maneira barata de trazer arte para o povo,

H alguns anos, um grupo de empresrios

com sensibilidade idealizou o projeto Arte
no Muro aqui no bairro da Trindade e foi
uma experincia muito rica. Tive a
oportunidade de participar pintando um
muro de 14 metros e deu para ver, ao
longo dos trs meses que levei para
concluir a obra, como as pessoas gostam
de interagir. O muro apoiava um ponto de
nibus e eu desenhei personagens
fictcios conversando em manezs
esperando na fila. Todo mundo que
passava dava palpites sobre quem devia
ser retratado. O resultado que l
coabitam torcedores do Ava e do

j que o trabalho foi voluntrio e tenho

certeza de que o que no falta nesse pas
so artistas querendo pintar muros (eu
queria muito pintar outros). O nico
investimento a tinta e a preparao do
muro (reboco e fundo branco). As cidades
ficariam mais bonitas, os artistas teriam
mais oportunidades, os cidados se
sentiriam mais respeitados, os turistas
ficariam mais encantados e muitos
talentos poderiam ser revelados (e o
digam osgmeos, da Vila Madalena).
Essa iniciativa j foi realizada com sucesso
em vrios lugares do mundo, inclusive no
Brasil.

Figueirense, estudantes das escolas

Assim, aproveitando que tempo de

prximas, senhorinhas do Ncleo da

eleio, para os 4 ou 5 polticos honestos

Terceira Idade, policiais, pescadores e

que ainda h (quero crer que eles existam),

mais um monte de ilhus do bairro da

fica aqui uma idia boa, barata e bonita.

Trindade.
Hoje, infelizmente, a obra est suja por
conta de uma obra oficial (foram
instaladas grades na parte superior que,
quando pintadas com spray, encobriram a
cabea e a fala de alguns personagens
uma tremenda falta de noo). As outras
obras tambm esto pouco conservadas,
mas ainda assim, mantm-se instigantes e
belas.

82

Design invisvel

A minha me me deu hoje a notcia de que

tenha visto. O fsico aposta mesmo na

o futuro est chegando. No, no h

Mulher Invisvel do Quarteto Fantstico,

nenhuma nova grvida na famlia. que

que desvia a luz usando um campo de

aquele futuro que a fico cientfica nos

fora. Sabe-se que a gente s enxerga

prometeu ainda no havia chegado para

porque consegue interpretar no nosso

mim (apesar da Internet). E, na minha

crebro o efeito que a luz sofre ao refletir

opinio, s chegar quando tivermos um

em um objeto. Nossa retina capta essas

bom sistema de teletransporte

informaes e assim vemos o mundo. Se

disposio e pudermos nos tornar

no h luz, no vemos nada. A proposta

invisveis. Segundo a reportagem que ela

do Dr. Leonard que o objeto que se

me enviou, essa segunda condio ser

pretende invisvel desvie a luz, impedindo-

em breve satisfeita. Pelo menos o que

a de refletir nele. Sem reflexo, as nossas

nos assegura um certo Dr. Ulf Leonard, um

retinas no podero perceber o objeto, e

fsico terico escocs

no o vero. Incrvel, mas os primeiros

surpreendentemente bem informado sobre

testes j esto sendo feitos para desviar

o mundo das animaes e histrias em

ondas eletromagnticas. Para desviar a

quadrinhos, veja s.

luz, s mais um pulo. No mesmo

O Dr. Leonard nos explica que h vrios

inspirador?

meios conhecidos de se tornar invisvel:

Esse avano da cincia lembrou-me do

usando uma capa mgica, como Harry

conceito de design invisvel, usado

Potter e tomando uma substncia

principalmente na rea grfica para

qumica, como o homem invisvel de H. G.

descrever a transparncia que o design

Wells, so algumas lembradas. Ele no

deve ter para comunicar a funo da pea.

falou daquele carro forrado de minsculos

assim: o design grfico se utiliza de

espelhos que o James Bond usa, mas

vrios recursos para comunicar desde

esse poderia se equivaler a uma capa, e

as cores, as formas, as ilustraes, o tipo

pode ser que o ocupado Doutor no o

de letra, os tamanhos e propores, os

83

contrastes, enfim, a composio toda

invisvel, paradoxalmente, puro apelo

deve contribuir para que a informao

visual. E a luz tem tudo a ver com isso.

chegue ao destinatrio sem que ele se d

conta disso. como um conluio, uma
armao. tudo meticulosamente

Sei no. Talvez a melhor coisa seja fazer

justamente o contrrio. Tornar o design

projetado para induzir o efeito desejado.

mais visvel, fazer com que as pessoas

Assim, alm da mensagem do texto em si,

o mau design. Provocar olhares menos

h uma srie de sensaes e reaes

distrados, percepes mais aguadas,

subliminares que o design grfico provoca,

sensibilidades menos asininas, sentidos

para o bem ou para o mal. por isso que

mais crticos, experincias menos

um ensaio parece muito diferente lido na

insossas, conscincias mais visveis.

tela do computador e j diagramado, no

papel. A composio grfica
necessariamente diferente nos dois casos.
por isso tambm que voc adora ler
uma revista e detesta outra. Que adora
folhear um jornal e se entedia com outro.
Alm dos textos e da linha editorial, o
design tambm tem um peso grande para
auferir simpatias e antipatias. O design
editorial tem muitos mistrios, e como
toda caixa de ferramenta completa, cheio
de fascnio e possibilidades de desastre
quando usado por mos inbeis. Como
pouca gente se d conta do peso que
esses recursos tm na mensagem final,
muitos o chamam de design invisvel.
Mas como ser que o design poderia se
aproveitar dessa nova tcnica de desviar a
luz? O design grfico, apesar de s vezes

84

percebam mais a diferena entre o bom e

Design grfico, pelos poderes da forma e

da cor, APAREA!

Kitsch mais

Dizem que a palavra kitsch nasceu na

O fenmeno ocupou pensadores por anos,

Alemanha, em Munique, para designar

desde o famoso Abraham Moles, que

trabalhos artsticos apressados e mal

chegou a escrever um ensaio a respeito,

feitos, prprios da cultura de massa. H,

at o respeitadssimo Umberto Eco. Se

porm, quem diga que o termo veio da

hoje decidi escrever a respeito, porque

ustria, onde as pessoas (as chiques,

me sinto afogada num mundo

claro) usavam-no como uma gria para

descontroladamente kitsch.

designar objetos de mau gosto. O fato

que a expresso data da Revoluo
Industrial, entre os sculos XIX e XX, onde
os bens de consumo comearam a ser
fabricados em escala industrial (e,
obviamente, mal feitos, a julgar pela

Basicamente, o kitsch a materializao

da falta de estilo, normalmente associada
ao brega e ao mau gosto. Ele est em
todas as reas do mundo civilizado, das
artes aos meios de comunicao. E est

tecnologia disponvel naquele tempo).

longe de se restringir a objetos baratos e

Somente nessa poca plebeus puderam

que o tornam facilmente identificvel.

ter acesso a coisinhas que antes s os

Preste ateno:

nobres e burgueses ricos podiam

colecionar. claro que a qualidade e o
acabamento dos mimos eram discutveis,
mas, para quem antes no tinha nada, foi
uma festa. Data da o incio do
consumismo desenfreado, um furor que
culminou no que hoje se observa em
lojinhas de R$ 1,99 (no, por acaso,
verdadeiros templos do kitsch).

populares. O kitsch tem alguns princpios

1. Princpio da inadequao: quando se

observa no objeto um desvio da sua forma
em relao sua funo bsica. Um
apontador em forma de torre Eiel, um
bom exemplo. A forma da torre em nada
contribui para que o apontador funcione
melhor.
2. Princpio da acumulao: a
compulso pelo preenchimento do vazio
com texturas e adornos. o exagero em

85

seu elemento, o horror limpeza visual.

diamantes, pinturas que imitam material

Ex: a tpica perua coberta de jias e

envelhecido, acrlico que imita vidro),

roupas de etiqueta com estampas

dimenses exageradas (miniaturas de

chamativas; folhetos cheios de fotos e

monumentos, insetos gigantes).

informaes que no interessam,

presentes apenas para preencher e

a invaso de objetos inteis e feios na

aproveitar o espao.

casa, na rua, no escritrio, na Internet, na

3. Princpio da percepo sinestsica: so

televiso na sua vida!

as mltiplas relaes sensorais

provocadas por um nico objeto (ex: carta
perfumada, caixinha de msica com

bolsa, no carro, no banheiro, na

O fato que chegamos a tal ponto que o

mundo inteiro virou uma colossal

bailarina, websites com msica de fundo).

exposio kitsch. Quer ver o princpio da

4. Princpio da mediocridade: modismos,

tentar comprar um telefone celular que s

grande aceitao pela massa, baixo nvel

funcione como telefone. Ele

cultural da comunicao, uso do grotesco

necessariamente tem que ter outras 453

(ex: decorao de natal com neve em um

funes que voc no precisa ou no

pas tropical, chaveiros de time de futebol,

quer. E isso vale para todas as maravilhas

bundas e peitos femininos evidenciados

tecnolgicas disponveis no mercado, de

em campanhas de cerveja).

relgios a carros; de liqidificadores a

H outras caractersticas marcantes: as

acumulao em sua melhor forma? s

aparelhos de DVD.

linhas so sempre curvas e complexas; as

Quer comer? V em qualquer restaurante:

superficies so exaustivamente adornadas

so 32 tipos de saladas e 47 pratos

(atulhamento total, no h espaos

quentes no buf, sem contar as

vazios); as cores so sempre vivas e

sobremesas.

contrastantes, normalmente em tons

degrads e com efeitos especiais (o prdo-sol em ilustraes um cone kitsch);
os materiais imitam outros materiais
(frmicas que imitam madeira, plsticos
que imitam metal, pedras que imitam

86

Quer comprar um biscoito? s escolher

entre os que tm 7 vitaminas (8 sabores) e
os que so duplamente recheados (12
personagens de desenhos e 15
embalagens diferentes).

Nem uma simples manteiga d para

se travestem de modelos ticos e o povo

comprar mais com tranqilidade: so

consome com entusiasmo, mesmo que a

tantos elementos, verses, componentes

imitao seja tosca e claramente

(funcionais ou no), que voc precisa de

falsificada.

um curso de nutrio para conseguir ter

um mnimo de base para avaliao.

Por que as pessoas gostam tanto de ser

Socooorrrro!!!!!

enganadas, ludibriadas, atulhadas de

A tecnologia tambm deu asas ao

pseudo-cultura?

princpio da sinestesia, onde qualquer

coisinha que funcione a baterias toca
msica, joga em rede, acessa e-mails,
mostra fotos, passa filmes e pisca, tudo
ao mesmo tempo agora. de dar dor de

informaes inteis, mergulhadas em

Talvez a resposta esteja na frase de Milan

Kundera, em seu livro A insustentvel
leveza do ser: Nenhum de ns sobrehumano a ponto de poder escapar

cabea.

completamente ao kitsch. Por maior que

As dimenses nunca levam a ergonomia

parte da condio humana.

em considerao: ou o seu dedo muito

grande para o teclado do telefone ou a
televiso gigantesca para o tamanho da
sua sala. As geladeiras podem at
substituir os guarda-roupas no
armazenamento de amantes, de to
grandes que so. E, claro, para cozinhas
cada vez mais minsculas e famlias idem.
Tem tambm a desmedida imitao de
materiais (aparelhos de som de puro
plstico, todos com cara de ao
escovado; oops, minto, os mais modernos
agoram tambm simulam madeiras
nobres). Sobre isso, chegamos ao suprasumo da sofisticao: h at polticos que

87

seja o nosso desprezo por ele, o kitsch faz

Todos os nomes

Nomear empresas um desafio que no

era genial do ponto de vista criativo e

raro supera a capacidade e o bom senso

poderia at ganhar prmios: o boto da

dos seus gestores. No toa que h

cala lembrava um comprimido e o slogan

verdadeiras corporaes internacionais

era: seu corpo pede. Com certeza, essa

especialistas em branding, como a Landor

empresa nunca poder participar de

e a Interbrand, que cobram verdadeiras

qualquer evento que contenha campanhas

fortunas para escolher um bom nome.

anti-drogas ou seja em prol de uma vida

Como a maioria das empresas no tem

saudvel. Em poca de Olimpadas ou

cacife para tanto, no custa evitar

jogos Pan-Americanos, ento, melhor nem

algumas prticas que podem atrapalhar (e

aparecer. Arriscado demais, voc no

muito) o sucesso do negcio:

acha?

Usar nomes associados a valores

Delirar com invenes gramaticais: Bom,

negativos: Qualquer que seja a identidade

antes de comear, que fique bem claro

da empresa, no possvel que seus

que o tal do apstrofo s (s) no existe na

gestores considerem que coisas ruins

lngua portuguesa (nem mesmo como

possam traduzi-la com competncia. Isso

plural de siglas, como podem pensar

parece lgico, mas vejamos alguns casos

alguns) e, em ingls, indica possessivo.

reais: j vi uma loja de roupas chamada

Assim, o CHARLES RESTAURANT,

XANTAGEM (assim, com x mesmo). O que

traduzido, nada mais do que o nosso

ser que isso tem a ver com a identidade

popular RESTAURANTE DO CARLOS.

da empresa? Na dvida, melhor no

Para quem acha que tem pouco glamour,

fazer confidncias atendente

tudo bem, mas cuidado para no se

H um outro caso mais conhecido, o de

uma famosa marca de jeans chamada
DOPPING, cujo pblico de interesse
formado por jovens. A campanha que eu vi

88

empolgar demais. O MCDONALDS no

tem nada depois do s porque uma
marca to conhecida que j se tornou
sinnimo de restaurante fast food, ento
eles podem dispensar o resto. Mas e o

que significa SKYNAS? A tal de Skyna

Tem tambm o caso da farmcia chamada

dona de qu? E EMPORIUS? (agora

FAMILYFARM, cujo slogan a farmcia

pegaram pesado, tem at um toque de

da famlia. A o problema que o nome

latim). E a loja de bijouteiras FASCYNIUS?

foi s meio traduzido e provocou um

Ser que pertence ao mesmo

equvoco: farm, como voc deve saber,

conglomerado do MOTIS CLASSYS e

fazenda em ingls, e no farmcia, como

DELYRIUS e da papelaria TREKUS?

queriam crer os donos do

Sinceramente, no sei

estabelecimento. H muitos outros casos

Produzir erros grosseiros de traduo:

comum a tentao de usar nomes
estrangeiros para dar uma suposta
sofisticao ao nome, mas muita calma
nessa hora. O que a lngua escolhida tem
a ver com a identidade da empresa? E

de traduo pela metade ou erradas, pois

algumas pessoas acreditam que retirandose a ltima vogal da palavra ela se traduz
automaticamente para o ingls. Ou ser
que voc nunca encontrou por a nenhuma
LANCHONET ou SELF-SERVE?

mais ainda: ser que a traduo est

Escolher nomes impronunciveis ou

correta? Convm cuidar desses dois

pejorativos em outras lnguas: Vamos

aspectos. H casos de nomes

combinar que dar mancadas na escolha

estrangeiros que se justificam

de nomes no privilgio de empresas de

perfeitamente e tm tudo a ver com a

fundo de quintal. Grandes multinacionais

empresa em questo, mas se a pizzaria

tambm tm os seus dias de vexame,

de sua famlia, que toda brasileira e de

principalmente quando atuam em vrios

ascendncia italiana, por que usar uma

pases com lnguas e culturas muito

palavra que em snscrito quer dizer

diferentes. Um dos casos mais notrios foi

felicidade para dar nome ao lugar? Como

o da PEPSI, que chegou a investir fortunas

a lngua, nesse caso, no tem nada a ver

para lanar no Brasil (e imediatamente

com a identidade e nem a cultura da

recolher) o refrigerante JOSTA, que j

empresa, fica-se refm da pessoa que deu

existe em outros lugares do mundo. Tem

essa informao. J pensou se vocs

gente que at hoje pergunta quando que

recebem algum fluente no idioma e

eles vo lanar a JERDA.

descobrem que aquilo era na verdade um

palavro?

89

Pessoalmente me lembro da linha de

shampoos e condicionadores da poderosa

Revlon que se chamava Outrageous (algo

voc pendurar uma melancia no pescoo

como exagero, em ingls). A propaganda

e sair por a, tambm vai ficar diferente e

aqui chegou pronta e dublada (como

chamar ateno. Mas ser isso traz algum

tpico nessa marca), onde a moa loira

valor positivo para voc? assim que

mexia os lbios e o som que saa dizia que

voc quer ser lembrado?

o shampoo ultrajes era mesmo muito

bom. No para se sentir ultrajada?
claro que se sabia que pouqussimas
brasileiras pronunciariam corretamente a
palavra no original (algo como autreigious), mas a soluo encontrada, de
aproxim-la do portugus no foi muito

Contradizer o negcio da empresa: O

nome no precisa comunicar
explicitamente os servios e a rea de
atuao, mas tambm no deve
contradizer os valores mais essenciais da
empresa que lhe d o nome em particular

feliz.

e das que atuam no mesmo ramo em

Provocar erros propositais: Est em curso

chamado BAR DO CABELO? No ria, esse

um festival de Ys e Ks, THs e letras

caso real e Cabelo deve ser o apelido do

duplas, a maioria sem respaldo na nossa

dono. Mas isso se choca com a idia de

lngua, assolando as marcas no pas. Para

higiene que qualquer lugar que vende

que escrever casa com k e z? Por que

comida deve ter. H outros casos, como a

MYRANTHE, KREPPERYA, KOYSAS DA

clnica veterinria S CO que tambm

KAZA? E tem a loja que se chama

atende gatos; da academia de yga e

SIMULASSO ( assim mesmo, tenho

meditao chamada EXPLOSION e do

fotos para provar). Se a palavra no tem

MOTEL SANTA MNICA (sem

nenhum significado conhecido e nem se

comentrios).

parece com alguma que tenha, aproveite e

se esbalde. Mas se tem, cuidado. Quando
todo mundo conhece a palavra, sabe
como a grafia correta e a v escrita com
erros, inconscientemente identifica a
dissonncia. E isso est grudado para
sempre no nome. J ouvi um empresrio
dizer que o nome escrito assim para
ficar diferente. Mas pense comigo: se

90

geral. Seno, como conceber um lugar

Mas no desanime com a quantidade de

nos apresentados at aqui. Veja agora
algumas dicas de especialistas que
podem ajudar a construir um nome
adequado para uma empresa (as dicas
podem valer para produtos tambm).

Prefira nomes ser curtos e sonoros: pense

desafio cada vez mais difcil. De qualquer

nos mais famosos NIKE, SONY,

maneira, no custa tentar

ZOOMP, INTEL, COCA-COLA, APPLE,

ITA, CLARO, OI, TIM, VIVO, etc.
evidente que isso nem sempre possvel,
mas, sem dvida, facilita muito a vida de
quem tem que administrar a marca

Escolha um nome pronuncivel em vrias

lnguas: Um dos casos mais famosos o
da FANTA, que teve o nome submetido a
pesquisas no mundo inteiro. H quem

empresa afora.

afirme que FANTA um dos poucos

Lembre que nome e razo social so

das lnguas (os outros nomes universais

coisas diferentes: se a sua empresa se

que me lembro so txi, hotel e caf).

chama Cia Comunicao Empresarial

Lembrando, claro, que isso vale se voc

Ltda., resista ao impulso de registrar o seu

quer exportar (mas hoje em dia, quase

domnio na Internet como

todo mundo quer). Por outro lado, se voc

www.ciacomunicacaoempresarial.com.br

no tem grandes ambies e vai ser feliz

e criar um endereo

como dono da barbearia do bairro, no se

faleconosco@ciacomunicacaoempresarial.

estresse com isso

com.br. Parece bvio, mas no o que se

v por a. Prefira www.cia.com.br. No

nomes que se pronuncia igual na maioria

Pense num nome indito: O mais difcil

mais fcil, curto e legal?

ficou para o final. Na verdade, quase

Pense que o nome no necessariamente

brilhante, entre imediatamente no site do

precisa ter significado: Reza a lenda que o

Instituto Nacional de Propriedade

nome KODAK foi dado pelo criador da

Industrial (www.inpi.gov.br) e veja se o

marca, George Eastman, porque a

nome est registrado no Brasil. Outra

onomatopia do barulho que a mquina

pesquisa importante procurar na Internet

fazia quando fotografava. O bom que

se nenhum internauta criativo j pensou

voc pode escrev-lo como quiser, sem

nele antes.

correr o risco de cometer erros

ortogrficos que podem associar valores
negativos marca. Mas encontrar um
nome que no signifique nada em
nenhuma lngua para lhe dar vida um

91

impossvel! Quando tiver uma idia

Se voc teve essa sorte, corra para

registrar o nome e sucesso!

A princesa e o design

A matemtica, foi, para mim, por muito

que Deus existe! E no dava para duvidar

tempo, apenas um joguinho divertido. A

mesmo.

gente aprendia as regras, aplicava-as nas

equaes e via se tinha acertado. Legal,
mas nada muito sensacional. A
empolgao veio com a fsica, que
explicava o mundo e as coisas. Essa sim,
era fascinante! E, veja s, a fsica usava a
matemtica para se expressar, para se
traduzir. As duas foram fiis companheiras
durante a maior parte da minha vida de
estudante, e, depois, como profissional.
Nunca entendi como que tanta gente se
repugna com essas duas senhoras to
sedutoras
Como no se deixar enlevar pela beleza
de um problema bem resolvido, uma
soluo elegantemente apresentada? A
harmonia e a perfeio da lgebra, a
incrvel simplicidade da trigonometria, as
grandes sacadas da geometria, a
genialidade do clculo integral e
diferencial! Lembro-me bem de alguns
professores da engenharia, que, aps
encher vrias vezes o quadro de equaes
usando todo o alfabeto grego, terminavam
a explicao declarando: eis a prova de

92

H muito no tomo ch com as velhas

amigas, mas continuo lendo sobre o
assunto. E esses dias, deliciando-me com
La matemtica como una de las bellas
artes, de Pablo Amster, deparei-me com
uma histria, contada no livro, que pode
ajudar a entender algumas coisas.
Trata-se de uma srie tcheca de desenhos
animados que conta a saga de uma
princesa que precisa escolher um marido.
Cada episdio mostra um galante
cavaleiro se apresentando dama,
apelando para as mais imaginativas e
magnficas formas de impressionar. Teve
um que at estrelas fez chover. O captulo
sempre termina por mostrar o rosto da
princesa em primeiro plano, sem uma
sombra de emoo e dispensando o
candidato com indiferena. Seria ela uma
mulher insana, eternamente descontente?
Uma deprimida infeliz? Um caso especial
de autismo extremo?
Mas a srie tem um final, e o ltimo
captulo surpreendente: o derradeiro

pretendente se apresenta e, em vez de

equilibrada das cores? No seria a chave

das maravilhas espetaculosas

para a paz?

proporcionadas pelos shows de seus

antecessores, o homem apenas tira de
dentro de sua capa um par de culos de
grau. A princesa os coloca e, subitamente,
passa a sorrir, oferecendo-lhe a mo. Pois
, a pobre era mope, perdeu todos os
espetculos e se rendeu quele que lhe
ofereceu outra abordagem, apesar de
singela. As interpretaes so muitas e
ricas, escolha a sua.
Mas, seguindo a linha de raciocnio do
autor, quem sabe no assim tambm
com a matemtica? Talvez muita gente
no consiga ver a sua beleza porque lhes
faltam os culos corretos. E, lembrando a
Dulce Magalhes, no seu Mensageiro do
vento, as lentes no servem para
consertar os olhos, mas para distorcer o
mundo, de maneira que ele se adapte a
ns, e a gente consiga finalmente
entender o que est vendo.
Quem sabe o design no poderia ser
esses culos? Essa ferramenta que
mostra a harmonia e a beleza matemtica
de uma maneira que nos sensibilize e nos
encante? Que nos chame ateno para a
proporo urea, para a adequao da
forma, para a hierarquia clara das
informaes, para a escolha conciliatria e

93

Foi s uma divagao, claro que as

coisas no so to simples e, pelo que
tenho visto, temos que descobrir tambm
como inventar culos para que as pessoas
possam enxergar melhor o design e seu
valor. De alguma maneira, somos todos
um pouco cegos...

Crise de identidade

Que tal acabar com o tdio na empresa e

caracteres prprios e exclusivos de uma

turbinar os negcios?

pessoa.

Se voc topou o desafio, ento nada

Assim, a identidade de uma pessoa o

melhor para celebrar o seu renascimento

conjunto de caractersticas que torna essa

empresarial do que revolucionar

pessoa especial e nica. Pessoas

completamente sua marca grfica, no

diferentes podem ter vrias caractersticas

acha? A atual muito sem graa, foi o seu

em comum, mas o que torna algum

sobrinho quem fez quando ele ainda era

original e exclusivo, sem igual no mundo,

muito novo, no dominava completamente

justamente a maneira como essas

o Illustrator. Vamos tentar uma soluo

caractersticas se combinam na sua

mais moderna, com mais recursos, mais

formao.

afinada com as tendncias.

J a palavra corporativa est associada

Eis que voc, empresrio antenado, se

empresa, corporao. Resumindo, a

pe a pesquisar na Internet e descobre

identidade corporativa o conjunto de

que isso se chama redesign da

caractersticas que, combinadas, tornam

identidade corporativa. Sofisticado, no

uma empresa nica, especial, inigualvel.

? Contratando uma coisa assim, os

negcios s podem melhorar mesmo. Mas
o que mesmo essa tal de identidade

Partindo desse pressuposto, o que torna

uma empresa realmente especial a sua

corporativa que vai ser redesenhada?

essncia, seus princpios, crenas,

Bom, primeiro vamos desmontar a

sonhos, limitaes. O dom para as artes e

expresso e ver o que cada uma das

o mau-humor matinal. O senso de humor

partes significa. Identidade, segundo o

sofisticado e vulgaridade fora de hora.

dicionrio Aurlio, um substantivo

Tudo conta.

feminino que significa conjunto de

94

manias, defeitos, qualidades, aspiraes,

Mas como fazer o redesign disso tudo?

exteriores de sua identidade mudaram.

Como mudar a essncia de uma empresa

Veja s os gmeos: tm corpos iguais mas

simplesmente refazendo a sua marca

identidades completamente diferentes.

grfica?

Uma empresa tambm assim. Se ela tem

A resposta : no d. A marca grfica no

uma postura conservadora para tomar

e nem faz parte da identidade

decises, no mudando a marca grfica

corporativa.

que ela vai se tornar inovadora. A

Pense numa pessoa: ela tem um nome,

um corpo e usa roupas. O corpo no a
pessoa. O nome no a pessoa. As
roupas no so a pessoa. Todos esses

representao grfica s uma forma de

comunicar quem ela , e pode muito bem
estar dizendo bobagens que nada tm a
ver com a identidade.

elementos so manifestaes da sua

A identidade corporativa o que uma

identidade, mas no so a prpria

empresa , na sua essncia. A marca

identidade. A pessoa pode manifestar

grfica, o nome, o ambiente, o

essa identidade por vrios outros meios

atendimento, os documentos, a

excluindo o corpo, o nome e as roupas.

propaganda, so apenas manifestaes

Por exemplo, se ela escreve uma

fsicas de sua identidade, e, mesmo assim,

autobiografia sob um pseudnimo, uma

nada garante que sejam fiis verdade.

parte dela est l tambm, mas no ela

propriamente dita.

Assim, antes de desenhar ou redesenhar

Se a pessoa (ou empresa) no se conhece

conhecer profundamente. E o designer

bem, pode inclusive de manifestar de

deve tentar traduzir essa essncia usando

maneira a parecer o que no (de

tudo aquilo que aprendeu e mais tudo

propsito ou por engano). Mas isso no

aquilo que devia saber.

muda a sua identidade. Quando a pessoa

muda de roupa, muda de nome ou muda
de corpo (fazendo uma plstica ou
engordando, por exemplo), ela no muda
a sua essncia, no deixa de ser ela
mesma apenas porque as manifestaes

95

uma marca grfica, a empresa precisa se

Por isso que considero um dos maiores

absurdos a prtica corrente no mercado,
onde o designer (e s vezes, nem isso)
centraliza todo o seu trabalho na
equivocada pergunta qual a imagem
que o senhor quer passar na marca de sua

empresa? quando deveria comear o

trabalho questionando quem a sua
empresa?
Desse jeito, nem me admiro que tenha
tanta gente boa por a fazendo redesign
da identidade corporativa...

96

A identidade pode mudar?

J me perguntaram isso um monto de

Mas, ao longo dos anos, isso tudo muda

vezes e, j tendo pensado muito a

muito. s comparar voc com uma foto

respeito, tinha uma resposta que

sua de dez anos atrs. Era muito mais

considerava convincente. Mas esses dias,

cabelo e muito menos quilos, e a roupa,

lendo o excelente Convite filosofia da

que desastre... Mas voc continua sendo

Marilena Chaui, fez-se a luz para mim (

voc, no ? Mesmo bem diferente, ainda

para isso mesmo que serve a filosofia, no

d para reconhecer a mesma pessoa.

?).

Voc tambm era imaturo, inexperiente,

Pois ento. A Marilena, citando os

clssicos com uma elegncia e
simplicidade que poucos conseguem,
explicou-me que todas as coisas tm

volvel. Agora, dois casamentos e trs

filhos depois, est muito mais assertivo.
Mas, que paradoxo, continua sendo a
mesma pessoa!!! Como que se explica?

atributos essenciais e acidentais. Os

So os tais atributos. Essa casca, essa

atributos essenciais so aqueles que,

parte que muda com o tempo, so os

como o prprio nome diz, ajudam a definir

atributos acidentais. Ajudam, mas no so

a essncia da coisa. J os acidentais,

imprescindveis na definio de quem

apesar da nobre tarefa de ajudar a definir

voc. J o seu senso de justia, a sua

a coisa, no contribuem para definir a sua

honestidade, o seu amor pelos animais, a

essncia. Bingo!!!!

sua me mesmo j disse: voc sempre foi

Como que eu no pensei nisso antes?

Na identidade corporativa, a mesma
coisa! H os atributos essenciais e os
acidentais.
Como sempre, gosto de usar pessoas
como analogia. O cabelo, o corpo e a
roupa contribuem para definir a pessoa.
97

assim. Mudou muito pouco. que esses

so os atributos essenciais. So o que
tornam voc especial. Pode ver, no
qualquer lipo ou silicone que mudam uma
identidade!
Em uma empresa tambm. O fato dela
estar passando por dificuldades

financeiras, a sua inexperincia, a

expectativa com o lanamento de um
novo produto, tudo isso apenas
acidental. No ano que vem j vai ser
diferente. Mas se ela essencialmente
conservadora, no vai virar vanguarda
nem em 50 anos. Se ela realmente tica,
no tem governo nem partido que mude
isso. Se ela respeita mesmo o cliente, no
tem plano econmico que consiga
estragar a relao.
Identidade isso a. Atributos essenciais
que mudam quase nada, e atributos
acidentais que vivem causando surpresas.
Se a empresa se concentrar em traduzir os
atributos essenciais em aes e dar
menos importncia aos acidentais, vai dar
tudo certo, pode acreditar.
Valeu, viu, Marilena?

98

 possvel ser conservador e inovador ao

mesmo tempo?

Nos diagnsticos empresariais que tenho

diversidade um elemento fundamental

realizado em busca da identidade

para a inovao, mas a maioria das

corporativa, tenho me deparado com uma

empresas s se sente mesmo confortvel

situao muito desconfortvel. A maioria

em trabalhar com gente muito parecida

das empresas muito mais conservadora

com o dono (a esmagadora maioria de

do que inovadora, mas, ao ver o resultado

pessoas brancas, crists, heterossexuais,

do trabalho, fica desagradavelmente

que estudaram em boas escolas e bem

surpresa. Como assim ela no

comportadas). Experimente propor, por

inovadora? No est na misso da

exemplo, coisas simples e testadas em

empresa? Essa palavra no aparece em

empresas como a do Ricardo Semler,

todos os folders e no site tambm?

como instituir que os postos de trabalho

No ser inovadora hoje em dia

praticamente um crime inafianvel e
chamar uma empresa de conservadora
quase pior do que ofender a me do
diretor presidente.
Todo mundo se acha inovador, mesmo
que no tenha nunca, jamais, em nenhuma
ocasio, quebrado um nico e banal
paradigma da administrao. Inovao
tecnolgica, nem se fala! Usar um monitor
de retina no escritrio pode ser lindo, e ter
equipamentos de ponta para elaborar um
programa de gerenciamento de alguma
coisa pode ser bastante til, mas no d
para chamar de revoluo. Sabe-se que a

99

no so fixos e cada um pode sentar onde

quiser, e agente a gritaria. Ou pense em
algum indo trabalhar de pijama e cabelo
verde. Ou ainda, levando o cachorro junto.
claro que nenhuma dessas prticas
isoladas determina se uma empresa ou
no inovadora, mas os exemplos que dei,
por mais absurdos que paream, so
todos reais. Sim senhor, possvel! E
prticas pouco ortodoxas so bons
indicadores sobre como a empresa lida
com o novo, o diferente. Sempre
pensando igual, com pessoas parecidas e
afins, fica muito difcil inovar radicalmente,
pra valer. O mximo que se consegue so
as chamadas inovaes incrementais.

Quem faz inovao incremental, pode at

confortveis, e, as que tenho encontrado,

se considerar inovador, mas esse no

esto pendendo mais para o lado

um atributo que diferencie a sua empresa

conservador. Assim, pela mtrica que

das outras, j que todo mundo faz isso em

estou propondo, se voc 80%

maior ou menor grau por uma questo de

conservador, tambm, necessariamente,

sobrevivncia.

20% inovador. Pronto, no precisa ficar

Mas como se faz quando as pessoas que

triste.

trabalham na empresa no se sentem bem

S no d para ficar chateado porque

com essas maluquices e os seus clientes

olhou no espelho e no gostou do que viu

tambm? Simples! Basta no sair por a

e, indignado, sair atrs de outro espelho!

clamando que a inovao a sua principal

caracterstica, pois est se vendo que no
. Por incrvel que possa parecer,
conservadorismo no crime, minha
gente.
Imagine uma rgua graduada: numa das
pontas est a 100% de inovao, e na
outra, 100% de conservadorismo. As
empresas todas se encaixam em algum
lugar entre os dois, mas as que esto em
uma das pontas correm riscos maiores.
Quem muito conservador tende ao
suicdio comercial, pois no muda nada
nunca; quem inovador demais est
sempre com o p beira do abismo, pois
muda tudo sempre. E inovao implica
risco. Pode dar certo, mas pode
igualmente no dar.
Cabe encontrar o ponto onde as pessoas
e a cultura da empresa se sintam

100

Marca e identidade corporativa so a mesma

coisa?

Pois , tem muita gente boa que acha que

corporativas no mais sero confundidos

sim. Que o conceito de identidade

com identidade visual.

corporativa j coisa do passado, que

agora o negcio marca corporativa. E
no qualquer zezinho que est dizendo

Eu leio isso tudo e, mesmo respeitando a

autoridade dos declarantes, no posso

isso no!

evitar discordar.

O respeitadssimo John Balmer, um dos

Para mim, citando o prprio John Balmer,

fundadores do International Centre for

Corporate Identity Studies e uma das
maiores autoridades no mundo sobre esse
assunto, explica que o termo marca
corporativa tende a ser cada vez mais
utilizado como alternativa identidade
corporativa, e o uso dos princpios de
gesto de marcas para discutir identidade
corporativa tende a alinhar o discurso para
uma direo mais prxima do marketing.
Outros trs pesquisadores renomados,
Harkins, Coleman e Thomas declaram: O
termo identidade corporativa tornou-se
obsoleto e excludo de muitos de nossos
vocabulrios. (..) Marca a ltima e cada
vez mais utilizada expresso. Uma
vantagem dessa nova abordagem que
os conceitos de identidade e de imagem

101

identidade corporativa o que a empresa

. E isso muito srio, tem implicaes.
Voc no tudo o que gostaria: tem chul,
faz malcriaes, acorda de mau-humor.
Uma empresa tambm. No conheo
nenhuma que seja um cone de idealismo
virtuoso como querem fazer parecer
aqueles apoteticos vdeos institucionais.
E marca, o que ? Ora, os publicitrios o
sabem muito bem: uma entidade
construda para seduzir. No estou
dizendo que a marca seja uma mentira. O
que digo que a marca escolhe as
caractersticas mais legais da identidade
para encantar. Ela filtra, s mostra o lado
bom. E no vejo nenhum problema nisso.
Ningum diz que ronca quando quer
seduzir algum.

Mas para mim a diferena muito clara: a

identidade tudo, a marca s uma parte
(a boa), justamente a que vai ser mostrada
e valorizada.
Pois , ento isso. Respeito, mas
discordo. Tento escrever coisas legais e
teis para consolidar a minha marca
mas a minha identidade no me deixa
largar essa mania em questionar tudo o
que leio, mesmo que sejam os cones da
gesto...

102

Moda para pegar

Fao parte do conselho editorial de uma

o espelho da sociedade. Muitos outros

revista cientfica de moda, e minha funo

pensadores importantes, como Roland

consiste em analisar os artigos que

Barthes e Gerard Lbrun tambm se

chegam, verificar se o assunto relevante,

debruaram sobre a questo com

se o texto est bem estruturado, se as

concluses compatveis. Nesse mundo

referncias esto corretas, essas coisas.

frentico em que a gente vive, onde a

um trabalho muito interessante, pois se

principal necessidade humana comprar,

pode conhecer o estado-da-arte da

a proliferao de fashion weeks no mundo

pesquisa em moda em primeira mo, um

inteiro s vem a atestar a propriedade da

assunto que sempre me apaixonou (uma

afirmao.

ps-graduao em moda est na minha

lista de projetos para a prxima dcada).

Mas o mundo est acabando, e todas as

Recentemente recebi um artigo para

produzir objetos mais durveis, que

analisar (o nome do autor no revelado a

consumam menos energia na sua

fim de garantir uma avaliao imparcial)

produo, que no poluam, que utilizem

que me fez pensar em um paradoxo que

materiais reciclveis ou reutilizados, enfim,

ainda no tinha me dado conta.

que provoquem menos impacto ambiental.

A moda uma rea do design das mais

dinmicas, pois a cada estao, vrias
colees so lanadas. Umberto Eco
atestou a importncia da roupa como
ferramenta de comunicao no livro
Psicologia do Vestir, onde assina o

reas do design esto preocupadas em

E a moda no exceo. De jaquetas

feitas de PET ao algodo orgnico, de
bordadeiras de comunidades de baixa
renda ao reaproveitamento de sobras
txteis, a busca pela conscincia e a gua
limpas incessante.

artigo O hbito fala pelo monge; o

Pois o tal artigo versava sobre a questo

filsofo francs Gilles Lipovetsky afirma,

do design sustentvel na moda. L pelas

em seu Imprio do efmero, que a moda

tantas, foi apresentado um autor, o italiano

103

Carlo Vezzoli, que levantava a seguinte

recursos cuidando de tudo, inclusive de

questo: se a moda to dinmica

pregando botes perdidos e fazendo

justamente para instigar o consumo, como

bainhas. Sei l, mas eu no empresto

que ela pode ser sustentvel? No se

minhas roupas de jeito nenhum. Alm

trata de um paradoxo?

disso, acho que esse italiano nunca foi

verdade. Se a gente pensar bem, as

roupas so objetos com uma durabilidade
altssima. Nada, a no ser a indstria do
consumo, justifica uma pessoa ter um

numa reunio de condomnio. Com

gostos, estilos e tamanhos to diferentes,
quem ficaria responsvel pelas compras?
No gostei no. Vamos para a prxima.

carnezinho da Rener e outro da C&A para

A segunda idia j existe em uma escala

pagar TODOS OS MESES. De moas com

menor. o aluguel de roupas. Ele defende

o guarda-roupa abarrotado estarem

que as pessoas s precisariam ter as

sempre precisando de mais uma cala

roupas de baixo. As outras poderiam ser

skinny ou constatarem que no podem

alugadas por dia de uso. Nossa, no

viver nem mais um segundo sem aquela

parece pouco prtico? Quantas horas a

sandlia de verniz vermelho.

gente gastaria por dia s para se arrumar?

Vezzoli, muito bem intencionado em suas

pesquisas sobre sustentabilidade, props
quatro alternativas de soluo bem
interessantes para a questo da moda que
poderiam minimizar o impacto ambiental
desse fashion descontrol.
A primeira seria um roupeiro comum que
pudesse ser compartilhado por vrias
pessoas. A idia , por exemplo, que um
condomnio residencial tivesse um superguarda-roupa que todos os moradores
pudessem utilizar. Nesse caso, ningum
precisaria ter mquina de lavar roupas em
casa, pois a rouparia otimizaria os

104

Isso se a gente tivesse s um

compromisso, n? E se a roupa que a
gente adorou j foi alugada hoje, ou no
est disponvel porque a tonta da sua
vizinha usou e manchou de vinho? Nem
pensar. Desculpem, mas isso s podia ser
idia de um homem. Totalmente invivel.
S se todo mundo usasse uniforme.
Na terceira idia, o consumidor participaria
do processo de concepo e produo/
customizao da pea, guardando, por
isso uma relao mais emocional e menos
descartvel. Ele cr que, tendo um vnculo
afetivo com as peas, elas seriam menos
descartveis. Sei no, sou muito volvel.

Eu e toda a parte feminina da torcida do

causa nobre e a gente bem poderia

Flamengo. O que adianta ter uma saia

ajudar com idias legais, tipo incentivar as

linda customizada por voc, se a da vitrine

compras em brechs, por exemplo.

mais bonita? E porque ter uma blusa

feita pela sua av excluiria aquela outra
maravilhosa que est na revista? Sim,
esse pode ser um caminho para reduzir o
consumismo desenfreado, mas no parlo completamente.
A quarta e ltima idia sugere que as lojas
poderiam oferecer produtos
personalizados, com servios de
manuteno e restaurao de roupas sob
medida. Certamente essas peas
custariam mais caro e teriam durabilidade
maior, haja vista o vnculo emocional da
personalizao. Mas quem tem dinheiro
para tanto, tem tambm uma capacidade
de acumulao e consumo inesgotvel.
Ou vai dizer que algum usa um
exclusivssimo vestido de alta costura em
trs festas no mesmo ano? Necas. J ouvi
falar de celebridades que mantm um
apartamento inteiro s como closet.
Tambm no valeu.
Sejamos realistas, o italiano at bem
intencionado, mas penso que ele est
longe de achar uma soluo sustentvel
para o sistema da moda. O uso de
materiais alternativos um bom comeo,
mas no resolve tudo. Mas vamos l, a

105

Bem, ideias so sempre bem-vindas,

desde que ningum queira mexer no meu
guarda-roupa, claro...

A importncia da pregnncia

Estava concentrada na funo de

foi o calo. Vou compartilhar aqui o que

espremer meus pobres neurnios contra a

aprendi graas ao meu bom hbito de

caixa craniana em busca de algum

responder todos os e-mails que me

assunto que pudesse servir de tema para

chegam.

essa coluna, quando uma mensagem veio

me salvar. Um jornalista queria me
entrevistar por e-mail sobre a questo da

A pregnncia uma velha conhecida no

design. A idia bsica partiu dos filsofos

pregnncia da forma no webdesign.

Imanuel Kant, Wolfgang von Goethe e

Bem, como meu currculo de domnio

era um ato unitrio. Eles queriam dizer que

pblico e tenho certeza de que nada nele

as pessoas no percebem as coisas aos

leva a crer que eu seja especialista em

pedaos; elas organizam as informaes

webdesign, creio que o moo deva ter tido

de maneira a dar um sentido ao conjunto.

algum bom motivo para pedir a minha

leiga opinio, uma vez que a Internet est
cheia de gente mais qualificada para falar
sobre o assunto (desconfio que essas
pessoas mais qualificadas no tenham o
hbito de responder e-mails; claro que
isso s especulao, mas no consigo

Ernst Mach, que diziam que a percepo

No incio do sculo passado, psiclogos

conterrneos desses senhores investiram
na idia e criaram a psicologia da Gestalt.
Essa palavra alem significa justamente a
integrao das partes em oposio
soma do todo. Sabe aquela histria de

encontrar outra explicao).

que um mais um sempre mais que dois?

A julgar pelo teor das perguntas, o

conhecida aquela que diz que se cada

jornalista certamente fez muito bem a lio

uma das doze notas de uma melodia fosse

de casa. Penei e tive que pesquisar muito

ouvida por uma pessoa diferente, a soma

para no passar vergonha. Com a

das experincias dessa turma no

pregnncia eu j tinha at certa

corresponderia de uma pessoa que

intimidade, mas a aplicao na web que

106

Pois , vai por a a metfora mais

ouvisse a melodia toda. E no que

pois um de seus objetivos serem

mesmo?

percebidas seja qual for o contexto. Se a

E para que serve esse papo todo? Bem, a

teoria da Gestalt busca descobrir por que
algumas formas agradam mais s pessoas
do que outras. Para tanto, determinou-se
dez princpios que regem a percepo
visual: a unidade, a segregao, a
unificao, o fechamento, a continuidade,

marca for um braso cheio de detalhes,

vai ser muito difcil diferenci-la de outros
elementos grficos num mundo to cheio
de informaes como o nosso. Em
marcas, alta pregnncia um dos
requisitos fundamentais, sinal de bom
design.

a proximidade, a semelhana e, voil, a

J na web, importante que as pginas

pregnncia da forma (pensou que eu tinha

tenham um design que favorea a alta

esquecido?).

pregnncia, pois isso favorece a

Pregnncia (do alemo Prgnanz) a

capacidade de perceber e reconhecer
formas. Se a forma complicada, cheia de
voltinhas e detalhes, e ainda estiver no
meio de uma composio cheia de
elementos grficos e imagens, vai ser

usabilidade, que a facilidade com que o

usurio consegue encontrar o que est
procurando. Nos cones, esse fator ainda
mais crtico. Se o desenho no boto for
complicado, ele no ser compreendido e
no cumprir a sua funo.

muito difcil de perceb-la e identific-la.

Mas claro que nem tudo to simples,

Estamos diante, ento, de uma pea com

n, man? Seno, fazer sites seria

baixa pregnncia.

mamo-com-acar. O problema que no

Porm, se a forma for simples, clara, e

ainda por cima, situada sobre um fundo
branco, sem disputar a ateno com
ningum, ento temos uma pea grfica
de alta pregnncia. Bom, voc j percebeu
que a pregnncia pode ser da forma em si
ou do contexto no qual ela est inserida.
Marcas grficas sempre devem ter alta
pregnncia nas suas formas essenciais,
107

design (e no webdesign tambm), to

importante quanto a funo, o
significado. Tem usurio que se sente mais
confortvel, integrado e estimulado em um
ambiente visualmente poludo e cheio de
informaes competindo pela sua
ateno. Do ponto de vista ortodoxo, mau
design. Do ponto de vista contemporneo,
design adequado. E durma-se com uma
pregnncia dessas.

Quebra-cabeas

Ser que as coisas sempre so o que

eleitoral de duas eleies atrs e imitaes

parecem? Ou comumente so cometidas

de Havaianas. claro que a moa uma

injustias em nome das aparncias? Esse

ignorante, pois no se trata mal um cliente

um assunto polmico, mas sou da

porque ele pobre dizem at que so

opinio que a aparncia deve traduzir a

os melhores pagadores. O que eu quero

essncia. Quando isso no acontece,

ressaltar que, se a leitura estava errada e

incompetncia ou m-f de quem parece

o sujeito , na verdade, dono de bilhes, a

ser o que no .

culpa dele mesmo que provocou a

Vejamos: se estou calmamente sentada

em um caf e adentra no recinto um
homem trpego com as vestes em trapos

confuso toda. Quer ser visto e tratado

como milionrio? Vista-se de milionrio
(ou, no caso, fantasie-se).

cheirando a lcool, ningum pode me

Parece-me que o erro geralmente est na

acusar de preconceituosa se achar que o

atitude (todas as pessoas, independente

sujeito um bbado andarilho. O que eu

da aparncia, so merecedoras de

vou fazer com essa leitura outra histria.

respeito e dignidade), dificilmente na

O fato da pessoa ser mendiga e bbada

leitura. Os novos-ricos esnobes, por

no a faz menos humana e nem me

exemplo, so facilmente legveis e

confere o direito a desrespeit-la. Mas o

identificveis em qualquer lngua e

que se quer enfatizar aqui que a leitura

situao. Nem por isso merecem ser

est certa.

ridicularizados (resista bravamente

Vejo muita gente reclamar por ser

tentao).

maltratada em lojas de grife porque entrou

E as empresas? Bem, prestando um

no estabelecimento mal vestida.

pouquinho de ateno, tambm d para

Certamente, a atendente leu indcios de

l-las com certa facilidade. Veja alguns

limitaes financeiras na bermuda

exemplos.

desfiada, a regata com propaganda

108

H sales de beleza cuja decorao e a

feitas de mveis consagrados, pssimo

comunicao visual so um ode ao mau

acabamento, propores erradas e preos

gosto e desarmonia. Ningum pode

incompreensveis. Pseudo-design na sua

dizer que foi enganado se sair de l com

melhor forma. Mais ou menos como os

um cabelo de fazer inveja ao Palhao

restaurantes que se gabam de sua comida

Bozzo. Como algum pode vender beleza

maravilhosa e excelente cozinha, mas tm

sendo desprovido de qualquer senso

um banheiro que d medo de imaginar o

esttico?

resto. Estou lendo errado?

H restaurantes que presenteiam clientes

Uma vez cheguei ao cmulo me deparar

do sexo feminino com originais e criativas

com uma vitrine cuja roupa exposta, alm

rosas vermelhas no Dia Internacional da

de amassada, tinha um boto faltando.

Mulher e no Dia das Mes, mas no so

Trofu sem noo para o talento

capazes de oferecer um simples

persuasivo desse lojista!

ganchinho para pendurar as suas

preciosas bolsas. assim que eles
valorizam e se preocupam em atender s

Tenho uma coleo de maus exemplos

que conta com um folheto pavoroso, com

necessidades das mulheres? Pura balela.

cores todas lavadas e uma diagramao

E as lojas de mveis que vendem tudo

uma grfica que oferece impresso com

para facilitar a sua vida? Parece que voc

padro de primeiro mundo e servios de

est entrando em um depsito

designer!

atravancado de mveis, bugigangas e

eletrodomsticos. Alguns ainda
completam a balbrdia instalada com
bales e confetes espalhados pelo cho. A
mensagem mais clara que se pode ler :
seja nosso cliente, compre tudo da gente

totalmente equivocada que , pasmem, de

Numa viagem serra gacha tive a

oportunidade de me deparar com uma loja
chamada Expensive (caro, em ingls)
com um enorme cartaz de liqidao na
vitrine oferecendo vestidos a R$ 10,00! Na

e a sua casa ficar assim!

cidade de So Jos h uma escola que

Outro tipo comum a loja que vende

srie (sic). Parece que no faz parte do

design, bom gosto e sofisticao. Voc

currculo o uso da crase.

entra e os produtos so todos cpias mal

109

oferece cursos do berrio a 8a

E o que se pode esperar encontrar dentro

lem!) textos interminveis em

de uma boutique chamada Vcuo? Teria

transparncias; lojas de flores com todas

esse nome sido escolhido por sua

as reas livres cimentadas; intelectuais

adequao ao conceito do negcio ou por

cultssimos que falam a nvel de;

causa de sua sonoridade peculiar?

profissionais de marketing com cartes de

Mistrios insondveis do marketing que

visita toscos; designers que nem carto de

nem Philip Kotler saberia responder.

visita tm; atendentes de livrarias semi-

Dia desses estava pilotando numa rodovia

analfabetos; e por a vai.

quando fiquei atrs de um nibus

A imagem como um quebra-cabeas

invocado e um caminho furioso

que se constri na mente das pessoas. As

pertencentes a um conjunto musical

peas so distribudas pela prpria

chamado terceira dimenso. Fiquei

empresa ou profissional, mesmo que eles

pensando que todo mundo deve ter

no percebam. Por isso, no adianta

aprendido em fsica que a primeira

gastar fortunas em um anncio de pgina

dimenso a largura, a segunda a altura

inteira na Veja se a distribuio de peas

e a terceira, a profundidade. Como uma

que contradizem a genial campanha

banda com uma dzia de integrantes que

publicitria farta e prolfica. No adianta

toca msica regional popular pode ser

usar o melhor terno na palestra se o seu

profunda? Bem, no tenho idia da

portugus di nos ouvidos.

resposta, mas posso dizer que a sensao

de ultrapassar a terceira dimenso foi

Toda criana sabe que peas faltando ou

tima!

sobrando num quebra cabeas devem ser

Os exemplos so infinitos: atendentes de

misturadas, no servem para montar uma

farmcia com cara de doentes;

imagem coerente.

balconistas de cosmticos que parecem

ter sado diretamente da cama sem nem
ao menos pentear os cabelos;
webdesigners que no tm site; agncias
de propaganda completamente
desconhecidas de o seu pblico-alvo;
palestrantes profissionais que escrevem (e

110

de outro jogo. Esto perdidas ou

At o Bob Esponja sabe que o destino

delas o lixo.

Objetos de desejo

Voc j pensou em como o design

influncia do design na sua vida. Talvez

influencia a sua vida e as suas decises?

porque o considerem uma atividade

E no estou falando na praticidade do dia-

artstica neutra e inofensiva, elas no

a-dia, na questo esttica, na poluio

reparam que os objetos de design

ambiental ou no desenvolvimento de

provocam efeitos muito mais duradouros

novos produtos. Refiro-me a questes

do que os produtos efmeros da mdia

mais ntimas, de ordem sentimental e

que o design d formas tangveis e

difceis de explicar. O design traduz o que

permanentes s idias sobre quem somos

as pessoas sentem, pensam e querem, ou

e como devemos nos comportar. No

ele, em si, provoca esses sentimentos,

diablico?

desejos e pensamentos?

Ele cita como exemplo o mobilirio de um

Adrian Forty, professor do University

escritrio desenhado no comeo do

College, em Londres, debruou-se sobre o

sculo XX e outro atual. As diferenas so

tema e nos brindou com o magnfico

gritantes e poucas so as respostas

Objetos de desejo: design e sociedade

convincentes sobre porque isso acontece

desde 1750.

to rapidamente com todos os objetos

A primorosa edio da Cosac Naify ainda

ps-revoluo industrial.

tem um charme a mais: o livro acompanha

Alguns historiadores tentam explicar o

uma folha adesiva com palavras e

fenmeno de mutao construindo

ilustraes para que o leitor possa montar

metforas a partir da biologia, defendendo

a capa, que s vem com um lindo fundo

a tese de que o design passa por estgios

estampado. Adorei!

de evoluo progressiva em busca da

Forty nos lembra que as pessoas

costumam se queixar dos efeitos nocivos

forma perfeita. Meio utpico e fora da

casinha, no parece?

da televiso, do jornalismo e da

Pois Forty tambm acha isso coisa de

propaganda, mas nem se do conta da

gente sem noo. Ele entende que o

111

design contribui para disseminar os mitos

arcaica, as vlvulas e mecanismos se

clssicos, como todas as outras formas de

exibem sem pudor, fazendo tudo parecer

mdia. S que ele mais duradouro e tem

muito complicado e grosseiro, como eram

uma relao mais prxima com as

feitos os primeiros aparelhos. Vendo que

pessoas, afinal, est no ambiente onde

as pessoas no gostariam de colocar

elas vivem e nos objetos que com elas

mostrengos em suas lindas salas, alguns

convivem. Assim, o design tem a

criativos partiram para a supresso, onde

capacidade de moldar mitos numa forma

se tenta esconder o equipamento dentro

slida e tangvel isso faz com que os

do brao de uma poltrona, por exemplo

prprios mitos paream reais.

(sim, isso existiu de verdade, h fotos!).

Um exemplo o neoclassicismo, que

Por ltimo, partiu-se para a abordagem

invadiu as pranchetas junto com a

utpica, onde um rdio mais parece um

revoluo industrial. Tudo o que o

disco voador, de tantas luzes, botes e

progresso trazia de sujeira, injustia social

truques.

e destruio de sonhos idlicos rurais era

contrabalanado pela esttica
neoclssica, da justia, da beleza e da
harmonia. Mito, claro, pois a Grcia no
era nenhum paraso para os escravos e

A abordagem utpica dominou o sculo

XX e nosso sculo ainda est em busca de
uma linguagem prpria, dividido entre o
clean e o kitsch. De qualquer maneira, tem

mulheres.

de tudo nesse caos. Esses dias vi um

Mas criar objetos neoclssicos com

gramofone, mas tocava mp3. Vai entender.

moderna tecnologia talvez d um pouco

de tranqilidade psicolgica a essa gente.
Quem sabe isso tambm explique a
fantstica profuso de imensas casas
vitorianas encaixadinhas em lotes mnimos
nos chiqurrimos condomnios de luxo no

aparelho de som que se passava por um

Uma das passagens mais interessantes,

porm, aquela que derruba o clssico
mito de que a forma segue a funo.
Segundo o autor, a lgica (furada) desse
argumento que todos os objetos com a

litoral, hein?

mesma funo deveriam convergir para a

O autor pega o exemplo de um rdio. O

acontece nem com os mais celebrados

design pode ter abordagens distintas: na

designers.

112

mesma forma, o que, evidentemente, no

A verso original foi publicada em 1986 e,

apesar de ainda ser atual, no mostra o
resultado dessa discusso toda.
Talvez seja graas ao Forty que hoje o
estado-da-arte considera a forma segue
a mensagem como uma traduo mais
apropriada do papel do design no mundo
atual. Sugiro voc colocar esse livro na
sua lista de objetos de desejo.

113

Design para o futuro

Voc certamente j reparou: o mundo est

E agora? Bom, o povo do design tambm

mais quente, mais bagunado, mais sujo,

j notou o tamanho do estrago, e corre

mais seco, e mais preocupado tambm. A

para apagar esse incndio nem to

autodestruio deve se completar em

metafrico assim. Hoje, os projetos j

algumas centenas de anos. E tem uma

contemplam estudos mais aprofundados

notcia ainda pior: boa parte da culpa do

sobre o ciclo de vida do produto e

design!

registra-se at o nascimento da logstica

isso mesmo, a disciplina da minha

paixo tem culpa no cartrio, e muita.
Nascido com a revoluo industrial, o

reversa, que trata do retorno dos

produtos, das embalagens e dos materiais
ao local onde foram produzidos.

design foi concebido para trazer conforto

Outra rea em crescente expanso

e beleza para a plebe, que sempre foi

(inclusive em prestgio e popularidade) o

maioria no mundo. O que antes era

ecodesign. Essa atualssima rea, antes

produzido por talentosos artesos para

relegada aos bicho-grilos e agora

uso exclusivo da nobreza, passou a ser

defendida por cosmopolitas engajados,

comum nas casas da numerosa categoria

preocupa-se em elaborar projetos que

dos sem-braso. E d-lhe bugigangas.

reduzam o impacto ambiental de vrias

Praticamente tudo passou a ser produzido

maneiras: usar materiais no txicos e

em escala industrial a preos

menos poulentes, privilegiando a

sedutoramente acessveis, para deleite

reciclagem; pensar em processos

dos consumistas de planto. A

produtivos que enfatizem a eficincia

conseqncia disso foi a produo de lixo

energtica; elaborar produtos com mais

e desperdcio de energia tambm no

qualidade e que durem mais, gerando

atacado, em dimenses nunca antes

menos lixo; projetar de maneira modular,

vistas neste planetinha cada vez mais azul

onde a parte com problema pode ser

(de icebergs derretidos).

substituda, sem que seja preciso jogar

114

fora o objeto inteiro; e, finalmente, a

escova de dentes. A embalagem pode

reutilizao e o reaproveitamento.

indicar que ela toda feita de materiais

Estamos ainda muito longe de colher os

frutos do ecodesign em uma escala que
faa diferena, mas os designers, mesmo
aqueles mais desligados dos problemas
ambientais, deveriam prestar ateno em
detalhes que no doem nada.
Vejamos: reutilizar melhor que reciclar, j
que usar de novo no implica, na maioria
das vezes, em gasto de energia. Na
reciclagem voc desconstri o objeto para
construir outro depois, o que d um
trabalho danado e gasta muita energia. No
reuso, voc simplesmente tira o rtulo e
usa a embalagem para outra coisa, por
exemplo. Mas ento, por que os
fabricantes teimam em usar essas colas
nojentas? A nova embalagem do Nescaf
uma graa, serve para guardar uma
mirade de coisinhas, mas torna-se
praticamente intil porque a retirada do
rtulo gera cicatrizes horrorosas e
permanentes no vidro. Onde esto os
designers que no vem isso?
Outra prtica infelizmente muito comum
o uso combinado de materiais reciclveis
que necessitam de tratamentos diferentes,
mas que no se desgrudam nem por
decreto. Pegue-se, por exemplo, uma

115

reciclveis, mas, na hora de executar o

processo, no d para separar os dois
materiais do cabo e as cerdas. Como cada
tipo de polmero exige um tratamento
diferente, acaba que a escova vai direto
para o lixo, por melhores que tenham sido
as intenes de quem a projetou. Isso
pseudo-ecodesign, e denota
incompetncia, quando no m-f
mesmo.
isso, gente, o bicho est pegando e vale
a pena pensar a respeito. O mesmo design
que ajudou a destruir agora uma das
armas mais poderosas para a salvao.
s o pessoal do design acordar!

Sobre muros, arte e design

Minha atrao pelo design comeou na

intuito de vender, prover conforto,

arte. Quanto mais lia a respeito dos dois,

funcionalidade e boas sensaes.

mais via autores se engalfinharem na

discusso sobre se um era outro e o outro
era um. Gostei do tema e gastei dzias de
conexes neuronais pensando sobre as
diferenas entre ambos at formular uma
explicao cartesiana (bem a minha cara)
que me deixou satisfeita at ontem
noite, mais exatamente, at s 23h40.
Vejam se no era convincente: segundo
minhas elucubraes, o design filho da
arte (pois alguns de seus pais na Bauhaus
eram artistas, como o fantstico Paul Klee
e o instigante Kandinsky), mas tem
funes e personalidade prprias e
distintas de quem lhe deu luz.
Enquanto a arte uma forma de
expresso, que busca provocar reaes,
sentimentos e emoes (no
necessariamente positivos) e tem
conceitos estticos amplamente elsticos
(o belo na arte est longe de ser um
consenso), o design seu brao
comercial, concebido unicamente com o

As obras de arte podem ser

comercializadas, mas esse no seu
principal objetivo; ou ser que algum leva
para casa aquelas instalaes
esquisitssimas expostas nas bienais de
arte contempornea? J o design, se
ningum comprar, porque est mal feito.
Pode-se considerar um fracasso.
Obras de arte no precisam ser
entendidas; em algumas, justamente, a
graa est no mistrio (vide as
especulaes sobre o sorriso da
Monalisa). Objetos de design que no
possam ser entendidos so apenas mau
design.
Obras de arte podem ser nicas (mas no
necessariamente, como bem nos lembra
Andy Warhol); j o design nasceu para ser
produzido em escala industrial.
Obras de arte nem sempre provocam boas
sensaes; algumas so muito
perturbadoras (lembro-me bem do n que
se formou no meu estmago quando

116

estive frente a frente com O grito do

desmontando toda a minha argumentao

Edward Mnch). Se o design lhe provocar

to estruturadinha...

qualquer coisa diferente de prazer e

satisfao, jogue fora. No cumpriu seu

Antes de investir mais operaes lgicas,

objetivo.

discursivas e mentais nessa questo, dei-

Uma obra de arte no precisa ser racional

tanto esmero na separao? Ser que

que o diga Jackson Pollock. No design,

erigir muros entre a arte e o design

a emoo entra como ingrediente na fase

deixando s janelinhas para os dois

de concepo, mas a razo est presente

interagirem no implica em separar pais e

em todas as etapas do mtodo projetual.

filhos?

Um artista pode ser temperamental, difcil

Penso que mais produtivo seria se ambos

e at louco. Um designer precisa ser

conseguissem preservar suas identidades,

profissional em todas as suas atitudes.

mas mantendo sempre o hbito de

Enfim, procurando bem, daria para gastar

pixels e mais pixels enumerando as
diferenas. Bem, isso at ontem noite,
quando estava tranqilamente sorvendo
as palavras de Story: substncia,
estrutura, estilo e os princpios de roteiro,
de Robert McKee, quando deparei-me
com essa prola: Na vida, experincias
tornam-se significativas quando refletidas
ao longo do tempo. Na arte, elas so
significativas agora, no momento em que
ocorrem.
Puxa, mas se as experincias no forem
significativas na hora em que voc tem
contato com um objeto, ento o design
no faz sentido! Nesse ponto, o design
volta s suas origens e equipara-se arte,
117

me conta de outra coisa. Mas para que

almoarem juntos de vez em quando,

como convm a pais e filhos to ligados.
Em vez de muros, mesas.

3
Etc

O desenvolvimento humano
precisa do inusitado, do
improvvel, do incomum, do
ousado e do ridculo para
acontecer.

IG Nobel

Na semana passada o mundo ficou

A cerimnia acontece em Harvard para

conhecendo os ganhadores do Prmio

uma exclusiva audincia de 1.200 pessoas

Nobel, que, de acordo com o testamento

e a platia tem o tradicional hbito de

de Alfred Nobel, determina a premiao

jogar aviezinhos de papel no palco

das descobertas que mais beneficiaram a

durante o evento. Assim, laureados com o

humanidade. O prmio disputadssimo e

Nobel (sim, aqueles sisudos cientistas

o sonho de consumo declarado de boa

ganhadores dos prmios de fsica, qumica

parte de gente que dedica a vida

e medicina, entre outros) varrem (sim, com

pesquisa cientfica, literatura e poltica.

vassouras mesmo) os aviezinhos no

Mas o que muita gente no sabe que

nessa poca so laureados tambm os
ganhadores do IG Nobel, um trocadilho
bem-humorado do prmio com a palavra
ignbil, ou infame. O IG Nobel
organizado pela Universidade de Harvard
desde 1991. Os trabalhos so analisados

palco. Eles se protegem com chapus

chineses para no serem atingidos pelos
petardos e passam a cerimnia inteira
varrendo. s vezes interrompem a labuta
para entregar algum prmio, pois todos os
IG Nobel so entregues por Nobels
autnticos.

por uma comisso multidisciplinar que

A idia contemplar pesquisas e patentes

inclui atletas, autoridades polticas e

improvveis. Os premiados de cada ano

cientficas, e vrios ganhadores do Prmio

tm os seus artigos publicados em um

Nobel original.

livro com uma linguagem mais acessvel.

O objetivo celebrar o incomum, honrar a

Veja alguns exemplos de ganhadores.

imaginao e despertar o interesse das

Gregg Miller, de Missouri, ganhou o

pessoas pela cincia, medicina e

prmio de medicina por ter inventado e

tecnologia, tudo com muito bom-humor.

patenteado uma prtese artificial de

Nesses tempos de culto inovao, nada

testculos para animais de estimao

mais bem-vindo.

castrados. A prtese vendida em vrios

119

tamanhos nas verses Original (rgida),

premiado por conduzir estudos para

Natural (macia) e Ultra-plus (super-macia).

entender porque as pessoas no gostam

Pesquisadores da Universidade de
Newcastle, na Inglaterra, levaram o prmio

do som de unhas arranhando quadrosnegros.

por submeter gafanhotos a trechos

Em biologia, uma equipe de estudiosos de

escolhidos do filme Guerra nas Estrelas e

vrias universidades espalhadas pelo

monitorar a sua atividade cerebral. O

mundo se uniu para pesquisar os odores

trabalho foi publicado no respeitado

das secrees expelidas por 131 espcies

Journal of Neurophysiology em 1992.

de sapos quando submetidos a situaes

Na rea de economia, Gauri Nanda, do

de stress.

celebrado Massachusetts Institute of

O destaque na rea de dinmica dos

Technology defendeu o uso de sua

fluidos foi para o trabalho desenvolvido

inveno, o despertador que toca e se

por pesquisadores alemes, finlandeses e

esconde repetidamente, como fator para o

hngaros, que estudaram a presso

aumento da produtividade de

produzida por um pingim quando ele

trabalhadores.

produz flatulncias e defeca. Os grficos e

A Universidade de Minnesota levou o

clculos so impressionantes!

prmio de qumica com o inusitado

Dois trabalhos fantsticos premiados na

trabalho investigativo concebido para

categoria medicina em anos anteriores:

responder seguinte pergunta: as

uma equipe da Universidade de Detroit se

pessoas nadam mais rpido na gua ou

concentrou em analisar o efeito da msica

no xarope?

country em suicidas e a University College

Em ornitologia, o prmio foi para Ivan

Schwab e Philip May, da Universidade da
Califrnia, que estudaram os motivos
pelos quais os pica-paus no tm dores
de cabea.
Em acstica, o Dr. Lynn Halpern, da
Harvard Vanguard Medial Associates, foi

120

of London mostrou evidncias cientficas

que os motoristas de txi londrinos
possuem o crebro mais desenvolvido que
a mdia dos moradores de Londres. Essa
prestigiosa universidade contribuiu
tambm com o incrvel estudo sobre a
assimetira escrotal de homens e
esculturas antigas.

Ainda em medicina, merece destaque o

experincia de fazer um sapo levitar com o

trabalho de Peter Barss da McGill

auxlio de magnetos. A Universidade

University que analisou os danos

inglesa de Aston finalmente provou

causados nas pessoas provocados por

cientificamente porque o po sempre cai

quedas de ccos. Ele publicou o artigo no

com a manteiga para baixo. Um utilssimo

famoso The Journal of Trauma.

software que detecta automaticamente

Em qumica, um dos prmios foi para o

estudo de uma universidade japonesa
sobre o motivo pelo qual a esttua de
bronze localizada na cidade de Kanazawa
no atrai pombos.
Estudos de psicologia impressionaram a
comisso julgadora, que premiou o
trabalho realizado na Holanda sobre o
primeiro caso cientificamente comprovado
de necrofilia homossexual praticada por
um pato selvagem. Tem tambm o estudo
da Universidade de Estocolmo que explica
as razes cientficas pelas quais as
galinhas preferem as pessoas bonitas.
Ainda sobre animais, estudiosos
japoneses publicaram no Journal of the
Experimental Analysis of Behavior um
relevante artigo em que relatam um
mtodo para treinar pombos para
diferenciarem uma pintura de Monet de
outra de Picasso.
Em fsica, cabe destacar a experincia
realizada por estudiosos ingleses e
holandeses que descreveram a
121

quando um gato caminha sobre o teclado

do computador tambm foi premiado.
Tambm no se pode ignorar o
originalssimo estudo de Basile Audoly e
Sebastien Neukirch que descobriram
porque quando voc dobra um fio de
espaguete seco ele se quebra em mais de
duas partes.
Matemtica e estatstica so duas grandes
fontes inspiradoras para o IG Nobel: um
indiano publicou no Veterinary Research
Communications, o clculo da rea total
de superfcie ocupada por todos os
elefantes indianos. Nic Svenson e Piers
Barnes desenvolveram uma frmula
matemtica para calcular o nmero de
fotos necessrias que se precisa tirar de
um grupo para garantir que ningum vai
sair de olho fechado.
Mas o artigo de estatstica que mais
provocou curiosidade foi o que descreveu
as relaes mtricas entre o peso, o
comprimento do pnis e o tamanho dos
ps de um homem, realizado por
pesquisadores das Universidades de

Toronto e Alberta, no Canad. Ficou

curioso? Na concluso do trabalho eles
provaram que no h uma relao entre as
medidas, isso no passa de um mito!
Os organizadores do IG Nobel lembram
que os trabalhos premiados tm uma
caracterstica em comum: primeiro as
pessoas no acreditam que algum possa
t-los feito; depois elas riem; ao final,
pensam.
De tudo isso, o que se tira que o
desenvolvimento humano precisa do
inusitado, do improvvel, do incomum, do
ousado e do ridculo para acontecer. E,
mais do que tudo, da capacidade de rir de
si prprio, mesmo que voc seja uma
celebridade ganhadora do Prmio Nobel.
Quer saber mais sobre o IG Nobel? V l:
http://www.improbable.com

122

La mala educacin

Reza a lenda que a cidade de Buenos

seo de filosofia tem o dobro ou o triplo

Aires possui mais livrarias que o Brasil

de ttulos do que a de Auto-Ajuda.

inteiro. No encontrei nenhuma fonte

Emblemtico, no?

confivel que pudesse corroborar essa

informao, mas ningum pode negar que
a oferta de livros na capital portenha ,

H tambm dezenas de teatros, sempre

lotados e com filas, mesmo em dias de

para ser modesta, impressionante.

semana. Os restaurantes e cafs devem

Para quem ainda no teve a oportunidade

cheios. As praas so imensas e

de visitar essa charmosa metrpole, basta

arborizadas. Os cachorros (deve ter um

imaginar uma livraria no lugar de cada

para cada habitante) parecem felizes e

farmcia que a gente encontra aqui.

bem tratados. Quer um txi? Basta

mais ou menos essa a impresso, veja s

estender a mo que aparece um coisa

voc.

de cinema. E ainda so baratos. Primeiro

E no so do tamanho de farmcias. So

ser contados aos milhares e esto sempre

mundo? Longe disso.

enormes, lindas, completas, algumas com

Esse era o ponto aonde eu queria chegar.

cafs, quase sempre com mais de um

Sempre fui da turma que achava que a

andar. Em vez de igreja, transformaram um

soluo para todos os problemas do Brasil

antigo cinema de l em livraria. Ficou

estava na educao e na cultura. Se o

monumental. E o mais incrvel que as

povo tivesse educao de qualidade e

lojas deles, ao contrrio das nossas, no

acesso cultura, certamente no haveria

tm sempre os mesmos livros. claro que

tanta corrupo e as coisas aqui

h um pacote bsico que best-sellers que

funcionariam direito. Finalmente

todo mundo vende, mas tive que percorrer

decolaramos rumo ao futuro promissor,

pelo menos umas 20 livrarias para reunir

cantado em prosa e verso at a exausto.

os 30 livros de design que voltaram na

minha mala. Quer mais? Geralmente a

123

Pois . Mas os argentinos so

comprovadamente mais educados que

ns. Lem mais, publicam mais,

espero, sinceramente, que isso no tenha

freqentam mais teatros e cinemas. E digo

nada a ver com futebol.

isso no apenas baseada na percepo da

capital do tango, mas pelas estatsticas e
as vrias visitas que fiz ao interior do pas
ao longo dos ltimos anos. Em teoria, a
Argentina no devia ter os polticos e
governantes corruptos que tem e nem o
jeitinho bem conhecido nosso para
resolver problemas de maneira pouco
ortodoxa. A economia deveria estar indo
de vento em popa, tudo deveria ser um
sucesso. Eles jamais se deixariam
engambelar nas eleies. A Argentina
seria, afinal, a potncia que ela pensa que
. Posto que seus eleitores so, na sua
maioria, eleitores finos, cultos e elegantes,
o mnimo que se poderia esperar. Pois
. Parece que, nesse caso, a educao e a
cultura no ajudaram muito.
Desencanto. Ento a educao no essa
panacia que eu imaginava. claro que
educao e cultura continuam sendo
importantes, necessrias, essenciais. No
isso. que s educao, j se viu que
no resolve. Ento, como que um pas
desenvolve vergonha na cara?
No sei. Talvez o Brasil e a Argentina
sejam casos particulares. Apanham,
sofrem, mas tm algum gene semvergonha que os impede de aprender. E

124

NOTA: Esse texto foi escrito s vsperas da Copa do

Mundo de 2006.

A porta inoportuna

O prdio onde eu moro, apesar de

bom humor, divertimento (veja a foto na

excelente localizao, antigo e no tem

pgina XX).

elevador. As portas dos apartamentos so

todas diferentes e mostram bem a

Pois eis que num belo dia recebo uma

personalidade de cada morador.

correspondncia do condomnio intimando

Quando me mudei, percebi logo que

prazo mximo de 5 dias porque ela estava

aquela diversidade poderia me ser

fora do padro, sob pena de receber

favorvel, pois adoro diferenas. que eu

multas dirias. Ora, ora. Ento quer dizer

tinha planos mirabolantes para a minha

que o condomnio tinha um padro? Qual

porta que jamais poderiam ser colocados

seria? E ainda me dei ao trabalho de

em prtica em um edifcio novo, com tudo

pensar, na mais pura ingenuidade: mas

padronizado.

como ser que todo mundo vai mudar as

Fiz na minha entrada uma manifestao

de boas vindas aos visitantes e passantes.
A idia era que ningum (nem eu),
conseguisse passar da soleira para dentro

para que eu mudasse a minha porta no

suas portas em apenas 5 dias? E fui bater

na porta da sndica (por sinal, de uma
madeira que eu ainda no tinha visto nas
redondezas).

com a cara amarrada ou mau humor. Para

Bom, gastei um tempo pressionando para

mim, alto astral tudo num lar. Cuidei para

saber qual era o padro, ela

que o tema no ofendesse ningum, no

desconversando. No final, confessou:

fizesse propaganda de partidos polticos,

alguns moradores a obrigaram a tomar

religio ou times de futebol, que no fosse

uma providncia porque a minha porta

agressivo, enfim, que no conseguisse

estava muito diferente. Cada um podia ter

reunir elementos nem mesmo para ofender

a porta que quisesse, o problema era s

o mais ortodoxo dos muulmanos. O

com a minha. Isso mesmo e o pior

objetivo era um s: provocar bem-estar,

ningum a achou feia, nem ofensiva, nem

mesmo de mau gosto. As pessoas apenas

125

estavam incomodadas porque ela era

chega tarde, quem chega cedo, e, veja s,

muito diferente do normal. Creio que elas

at quem pinta portas! Diferenas, que

foram no cerne do problema: eu que no

so o combustvel essencial para o

sou normal.

enriquecimento cultural, em vez de

Se eu tivesse uma porta modelo caixo-

incentivadas, so mal toleradas.

de-defunto; se tivesse pintado de marrom

No gosto das portas dos meus vizinhos.

sujo; se tivesse colocado uma fechadura

Acho-as feias, fnebres, pretensiosas.

imitando cobre antigo; se tivesse

Mas respeito-as. Mais que isso, admiro-as

escolhido um mogno alto brilho; se minha

pela variedade e diversidade. Acredito

porta estivesse imunda, porm deixasse

com todas as foras que gosto no se

entrever a cor original (nada original) que

discute mesmo. Temos referncias

poderia ser bege, gelo ou areia; se

estticas diferentes, mas nada me autoriza

tivessem ripas diagonais assimtricas

a achar que a minha esteja certa. Por isso,

entalhadas para dar um efeito nobre

jamais passou pela minha cabea procurar

nada disso teria acontecido, pois tudo isso

a sndica, uma administradora competente

j est l, convivendo na paz, em plena

com quem tenho excelentes relaes e

desarmonia visual. feio, kitsch, de mau

fazer queixa. Por que ento eles no

gosto. horrvel. Mas normal. As

podem conviver a minha porta, ainda mais

pessoas (normais) j esto acostumadas.

depois de confessarem que nem a

de se pensar o desconforto que a

acharam feia?

diferena causa. E eu que achei a reao

Resumo da pera: apresentei os meus

dos povos muulmanos s charges de

motivos na assemblia geral: se havia um

Maom desmedidas. Tem gente demais

padro, ento todos teriam que segui-lo.

aqui mesmo se incomodando com as

Se no havia, ento a minha porta iria ficar

preferncias sexuais alheias que, em

como estava. Para no ter que conviver

princpio, no deveriam influenciar em

com a diferena, a assemblia decidiu

nada a sua vida; gente se ocupando em

ento que todos iriam pintar suas portas

criticar quem est casado e quem no

de branco-gelo.

est; quem tem filhos e quem no tem;

que tem ou amante de outrem; quem
dorme de dia, quem vive de noite; quem

126

Pois . triste viver em um lugar com

gente to pobre de esprito, to

conservadora, to medrosa, to partidria

do sempre foi assim. O que vale que
essas reunies me deram oportunidade de
conhecer muita gente interessante, aberta
e curiosa. Pena que so minoria, como em
qualquer lugar. J que o objetivo, que era
alegrar mais o mundo, no foi cumprido
(pelo contrrio, as reaes foram
surpreendentemente adversas), optei por
acatar a deciso da maioria e troquei a
minha porta, pois penso que, alm do
mais, no se deve dar prolas a porcos.
Mas se voc tambm no normal e est
a fim de provocar seus vizinhos de uma
maneira bem-humorada, o leilo est
aberto. No a porta que importa. como
voc se comporta...
NOTA: O condomnio aventou a possibilidade de me
processar depois que essa coluna foi publicada no
Portal AcontecendoAqui, na poca do ocorrido, pois
muita gente se sentiu ofendida com o texto (se eles
conseguiram ficar ofendidos com a porta, no h porque
me surpreender). Esse e mais meia dzia de casos do
tipo me fizeram entender, depois de anos, porque Berlim
meu lugar no mundo.

127

As cores do tdio

Deu na Veja dessa semana: apesar da

prata e preto. Computadores de mesa?

indstria automobilstica desenvolver mais

Pode escolher livremente entre o prata e o

de 100 novas cores todos os anos, 75%

preto.

da produo nacional ainda dominada

por carros nas cores prata, preta e cinza(9).
Que depr, n? Nem parece um pas
tropical, colorido, abenoado por Deus e
bonito por natureza

E tem mais variedade. Quer uma TV

dessas bem modernas e inovadoras?
Temos prata ou preta, de acordo com a
sua preferncia. impresso minha ou at
as lojas de tnis tm as vitrines recheadas

No Brasil, o pessoal gosta mesmo de

de modelos nas cores prata ou cinza? E

carro prata. E de eletrodomsticos

no adianta reclamar com os fabricantes.

brancos (os mais inovadores gostam do

Eles dizem que as outras cores no

prata do ao inox). As portas devem ser

vendem, ficam encalhadas.

branco-gelo ou bege bem clarinho, como

as cores das paredes (e ai de quem quiser
fazer diferente!). Telefones celulares? Prata
ou preto, s escolher. As excees (vi
um pink lindo esses dias) gritam de
solido nas vitrines.

Gente, o que isso? Nunca, na histria da

humanidade, foi possvel desenvolver
tantas e variadas tonalidades de cores
para suportes e materiais diferentes. As
variaes chegam aos milhes, os
processos produtivos so mais flexveis,

As mesas e cadeiras devem ser

Henry Ford j se foi h muito tempo. Mas

discretssimas: beges (de madeira), cinzas

o conservadorismo das pessoas continua

ou pretas, fique vontade. Alis, como

inabalvel. Elas acabam, diante de tantas

todo o mobilirio bem comportado dos

possibilidades, rendendo-se s no-cores!

escritrios. Aparelhos de som? Voc vai se

deliciar estudando a variada gama de
pratas e pretos. Vai um laptop a? de se
ficar confuso diante de tantas opes de

128

No fundo, todo mundo sabe que precisa

ser discreto, padronizado e sbrio (incrvel,
mas a gente ainda no conseguiu se livrar
do temido o que os outros vo pensar?).

E o curioso que muita gente usa o prata

vermelho (no tinha amarelo) e, a minha

e o preto para dar um ar de nobreza no

porta, no vou nem comentar.

objeto. S se for nobreza popular.

A inovao no da natureza do ser
humano. Ele quer as coisas como sempre
foram, as situaes j conhecidas, o
mundinho previsvel e confortvel.
Diferenas so vistas com desconfiana e
insegurana. Afinal, para que mexer em
time que est ganhando (ou, em alguns
casos, empatando ou perdendo de
pouco)? Vtimas de um misto entre o pavor
e fascnio, as pessoas diferentes so
discriminadas desde sempre.
Sabe-se que medo do desconhecido
humano e natural. Ento, por que essa
insistncia de que todas as empresas tm
que ser inovadoras? Quem inova muito
no vende, pois o consumidor resiste at
onde pode s novidades, apesar dos
especialistas teimarem no contrrio. As
evidncias so irrefutveis. Uma parcela
muito pequena da humanidade est a
para novas experincias, levando o mundo
para frente. O resto vai a reboque, e ainda
assim depois de espernear bastante.
Eu no fujo regra e reconheo que no
sou nenhuma revolucionria: meu guardaroupa clssico e a geladeira branca.
Mas, s para constar: meu carro

129

(9) Os dados so de 2006, poca em que o texto foi

publicado, mas de l pra c parece que a situao no
mudou muito, pois em 2014 os indicadores ainda
mostram que 80% dos carros vendidos no Brasil so
prata, branco, cinza ou preto (saiba mais aqui).

Neuromarketing

Coisas curiosas acontecem de vez em

descobrir o que se passa na cabea de

quando. Semana passada recebi um e-

um desavisado quando elege uma marca

mail de uma revista solicitando uma

de biscoito entre centenas de outras que

entrevista por telefone para falar sobre o

se oferecem insistentemente nas gndolas

tema neuromarketing. Irremediavelmente

de um supermercado.

atrada pelo perigo, claro que eu disse

que sim (medo!), desde que me fosse
dado algum tempo para descobrir o
significado dessa misteriosa palavra: seria
de comer, de beber ou de vestir? Para
minha surpresa, a jornalista no s no
desistiu de me entrevistar, como me deu

Nas universidades, os pesquisadores

tambm viram a uma promissora fonte de
artigos e teses sem fim. E toca a inventar
maneiras de adivinhar os gostos mais
recnditos e insuspeitados. O que se
sabe, at agora, que o processo de

dois dias.

compra muito mais ligado emoo do

Quem tem o Google como ajudante para

um carro, sua preferncia baseada em

desencavar os grandes e pequenos

cantinhos poderosos da sua mente que

mistrios da humanidade no tem medo

nem voc sabe que existem. S depois do

de nada, por isso o frio na barriga durou

modelo eleito que voc vai procurar

pouco. Foi fcil descobrir do que se

argumentos racionais para justificar a

tratava. Mais difcil foi formar uma opinio

escolha. O Umberto Eco, no seu timo O

minimamente defensvel a respeito do

pndulo de Foucault, bem lembra a teoria

assunto em to pouco tempo.

da sndrome da suspeita, em que o

Vejamos o que eu consegui at agora.

Desde que as empresas se deram conta
de que havia clientes para conquistar e
concorrentes para superar, so utilizados
criativos e cansativos mtodos para tentar
130

que razo. Quando voc decide comprar

universo conspira a seu favor para provar

qualquer idia, por mais estapafrdia que
seja. Basta procurar bem, que voc vai
encontrar razes indefensveis para ter
escolhido o tal carro, mas a verdade que

foi uma paixo avassaladora, onde a razo

ela leu algum texto ou se apenas o viu, se

no passou nem perto.

algum anncio despertou a sua ateno,

Pois bem. Ento o povo comeou a

pesquisar esses mistrios com os bsicos

etc. Obviamente, so informaes

preciosas para quem est no negcio.

prancheta e questionrio. Mas como j se

No contentes com o super-culos, os

disse, muitos dos motivos que levam uma

pesquisadores colocaram literalmente os

pessoa a comprar no podem ser

neurnios para funcionar e lembraram-se

verbalizados, pois os prprios

do tomgrafo computadorizado. aquele

compradores no sabem direito como o

aparelho sofisticadssimo que consegue

processo funciona nas suas cabeas.

espiar dentro do crebro de uma pessoa,

Psiclogos foram chamados para

dedurando quais as reas esto ativas no

arquitetar as perguntas de maneira que se

momento da pesquisa. Concebido para

conseguisse ir mais fundo no processo e

descobrir tumores e outras anomalias no

esto na luta at hoje.

crebro, a mquina virou estrela de uma

Mas teve gente inconformada que tentou

descobrir jeitos mais eficientes. O
Eyetrack, por exemplo, um estudo
promovido pelo Poynter Institute para
descobrir como os olhos dos
consumidores passeiam pelas pginas de
um jornal. Inicialmente, o estudo foi feito
com jornais impressos; depois, evoluiu
para pginas na Internet e trouxe

nova gerao de profissionais de

marketing. Eu mesma j citei um dos usos
aqui, na coluna O nome e a rosa, sem
saber que se tratava do ps-moderno
neuromarketing. Aos consumidores
testados so apresentados produtos,
embalagens e situaes, e verifica-se
como o crebro deles reage, quais reas
so ativadas e assim por diante.

utilssimas informaes para os

Conforme disse para a entrevistadora, na

desenvolvedores. Funciona assim: um

minha opinio, neuromarketing como

culos especial e muito estiloso

fogo. Poderoso, perigoso, mas muito til.

colocado na pessoa que vai se submeter

E polmico, j que muita gente se assusta

ao teste. Depois ela apresentada a uma

com a possibilidade de se tornar um

pgina na Internet e os culos registram o

brinquedo nas mos de malignas

caminho que os olhos fizeram, quantos

corporaes globais, uma vez que o seu

segundos parou em cada ponto da tela, se

131

crebro estar merc dos caprichos dos

qualificada, especializada e com

executivos de marketing.

conhecimentos multidisciplinares.

Ora, gente, vamos l. Em primeiro lugar, o

De qualquer maneira, sou otimista com

neuromarketing s uma ferramenta,

relao tecnologia. Penso que, se o

como todas as outras. A maioria das

mercado est pesquisando a melhor forma

pesquisas usando esse instrumento deve

de me agradar, de me seduzir, de me

ser exploratria (que apenas indica

conquistar, que v em frente. O prprio

tendncias), pois as estatsticas (chegam

design j foi bastante beneficiado em

mais perto da verdade escolhendo uma

saber as posies mais apropriadas que

amostra representativa) so muito caras, j

os elementos grficos devem ocupar,

que precisam de mais cobaias. A pesquisa

entre outras coisas.

est s comeando e muita coisa tem que

ser inferida por falta de preciso dos
equipamentos ou dificuldade de
interpretao. Alm do que, o aparelho
to desconfortvel que alguma distoro
h de provocar, j que ningum compra
um carro com um trambolho desses na
cabea e um monte de gente olhando e
fazendo anotaes com o olhar crtico.
Aqui no Brasil temos tomgrafos apenas
em hospitais, clnicas ou centros de
pesquisa muito avanados, de forma que
teremos que esperar bastante at que
essas sofisticadas mquinas estejam
disponveis para testar uma nova marca
de margarina. Alm disso, os
procedimentos devem ser muito bem
elaborados, e, mais difcil ainda, os
resultados tm que ser muito bem
interpretados. preciso gente esperta,

132

claro que quem leu os clssicos da

literatura distpica como 1984 (George
Orwell) ou Admirvel Mundo Novo (Aldoux
Huxley), entre outros tantos, sempre vai
ficar com medo dos rumos que isso pode
tomar. Convm mesmo ter um p atras.
Mas como no vejo a menor possibilidade
de que eu e o resto da humanidade
comecemos a tomar nossas decises de
compra apenas considerando a razo, s
nos resta aproveitar, mas com os olhos
bem abertos e os neurnios monitorando
a atividade desses pesquisadores curiosos
e intrometidos.
Afinal, todo mundo tem o direito de ter
seus segredinhos.

Pilotar ou contemplar

Nesse carnaval, tive uma experincia

uma trilha. Voltei aos meus tempos de

diferente. Viajei de moto pilotando pela

criana, quando andava desembestada

primeira vez. No fui muito longe, apenas

com uma bicicleta velha de freio ruim. A

de Florianpolis at Urubici, na serra

percepo era igual, meus dez anos

catarinense, mas j deu para sentir e

estavam ali. Eu era de novo uma moleca

aprender muita coisa.

destemida e empolgada.

Fui com meu marido e mais um amigo, e

Ia conjecturando sobre essa volta no

escolhemos estradas vicinais no

tempo quando dei de cara com uma

asfaltadas, onde tinha menos movimento.

pirambeira radical coberta de areia solta.

Comeamos a viagem de 250 km por So

Se para bicicleta isso j seria uma

Pedro de Alcntara, interior de Santa

temeridade, imagina ento para uma moto

Catarina, uma cidadezinha encantadora

engrenada na terceira marcha. Sabia que

que todo mundo devia visitar um dia. De

no podia frear; tentei reduzir e a roda

l, por uma estrada pouco freqentada e

travou. L fui eu estatelada, de cara no

muito acidentada, seguimos a Angelina,

cho. O amigo que vinha atrs quase

outra prola. Cruzamos a rodovia depois

morreu do corao tentando desviar, mas

de Rancho Queimado e adentramos o

a descida era to ngreme que ele s

interior, por Anitpolis e Santa Rosa de

conseguiu parar quase 1 km depois.

Lima, rumo Serra do Corvo Branco.

O tempo para. Levanto para ver se estou

Para uma ex-garupa como eu, tudo era

inteira. incrvel, aparentemente s tenho

emoo. Buracos, pedras soltas, poeira,

arranhes nas pontas dos dedos, pois

outros carros na estrada. Tive que parar

estava andando com luvas sem dedos por

uma vez para um carro passar, e, sem

causa do calor. Aquela jaqueta pesada e

apoio no terreno irregular, acabei deixando

cheia de partes duras e reforos, quente e

a moto cair; nada demais. Seguimos por

pesada, que meu marido insistiu tanto que

uma estrada em obras que mais parecia

eu usasse, mostrou a que veio. A botina

133

dura e desconfortvel tambm. O

A volta foi pelo asfalto, outra descida

capacete, ento, nem, se fala. E a primeira

cheia de curvas fechadas, igualmente

constatao foi essa: medo se resolve

emocionantes. Mas sou cuidadosa e

com proteo. Numa estrada de terra,

aprendi a lio. Para baixo, se voc est

ningum cai a mais de 30 km/h. Se voc

de moto, todo santo atrapalha

est vestido como deve, no h o que

temer. Segunda constatao: nossa, como
essas mquinas so resistentes. Quebrou
a capa do pisca-pisca (a lmpada ficou
inteira) e a carenagem ficou com uns
arranhes (a moto se arranhou mais que
eu), mas bastou levant-la, arrumar os

Fiquei pensando: j fiz trechos desse

caminho como garupa, e lembro que a
paisagem era linda. Dessa vez, s vi
estrada. Interessante: ou voc tem o
controle, ou desfruta a paisagem. Quem
sabe, com o tempo, eu possa adquirir um

espelhos e sair andando. Impressionante.

equilbrio maior. bom ser garupa, mas

Ainda tinha mais cho, e a serpenteante

piloto.

serra do Corvo Branco. Quem j foi l

pode imaginar quo difcil foi fazer aquelas
curvas fechadas e ngremes de moto,
depois de 8 horas na estrada. Quem no
foi ainda, devia ir. Est perdendo.
Chegamos a Urubici j era noite fechada.
Foi um dos jantares mais gostosos que eu
comi, apesar de no me lembrar direito do
cardpio. Nada como chegar em casa
suja, arranhada, com dores difusas,
manchas roxas variadas e encontrar um
banho maravilhoso, uma comida quente e
uma cama dos sonhos. Exatamente como
quando eu tinha 10 anos. Uma moto , na
verdade, uma mquina do tempo
disfarada.

134

no se pode desprezar a emoo de ser

Dessa vez perdi a paisagem. Mas ganhei

anos de vida. Talvez o segredo da vida
esteja em saber quando pilotar e quando
apenas contemplar.
Nota: Esse texto foi escrito em 2006 e depois dele cruzei
vrias vezes a Cordilheira dos Andes pilotando. Se
algum tiver curiosidade e quiser saber mais sobre
viagens de moto, visite o www.duasmotos.com.

Quero ser rica

Li esses dias no jornal que os jovens (faixa

com seus numerosos guardies

de 14 a 24 anos) trocam de celular a cada

eletrnicos e montanhas de brinquedos

13 meses, e esse tempo tende a baixar(10).

inteligentes, trocados diariamente. E o

A cada dia das mes, natal, dias dos pais,

menino profundamente infeliz. Voc

namorados, pscoa, dia da criana,

pode pensar, como eu enquanto lia, onde

chovem promoes irresistveis. Tudo

que pode estar o problema. No esse

motivo para jogar fora o novo e trocar pelo

justamente o sonho de consumo de um

novssimo. Observando as pessoas

monte de gente (talvez at, em certa

ensandecidas para trocar aparelhos to

medida, eu e voc?).

pouco usados e em excelente estado de

funcionamento fico me lembrando de um
conto de fico cientfica que eu li h
muitos anos e que me impressionou
deveras. O conto, de Frederik Pohl,
chamado O homem que comeu o
mundo conta a surpreendente histria de
um menino que vive em algum lugar no
futuro.

Pois , o problema que ele queria um

quarto pequeno e aconchegante, e no
dormir em um salo temtico. Ele sonhava
dormir abraado todo dia com o mesmo
ursinho de pelcia, mas as verses
mudavam a cada dia e ele precisava
acompanhar as tendncias. Ele chorava
porque queria o colo da me, mas ela
tinha que consumir, e, alm disso, os

No mundo dele, onde a produo no

robs-babs precisavam ser testados. Ele

pode parar de crescer, o consumo

queria brinquedos simples, mas tudo

tambm no pode estabilizar. A famlia do

precisava interagir e desenvolver suas

menino muito pobre e, por isso, os pais

infantis capacidades cognitivas. Ele

so obrigados a passar as noites fora,

ansiava por chorar, mas os procedimentos

consumindo desenfreadamente em bares

para parar choro de criana eram

e afins. Durante o dia, precisam comprar

insuportveis e enfadonhos. Ele queria ser

sem parar em shoppings. O menino mora

rico.

numa casa imensa e se sente solitrio

135

Rico quem no precisa mais comprar.

Rico quem j tem o que necessita, gosta
das coisas que possui e no tem que
servir de cobaia para novos lanamentos.
Rico no sente a obrigao de ter, pode se
preocupar apenas em ser. E o mximo dos
mximos, os meninos ricos podem ficar
com o mesmo ursinho de pelcia at
crescerem e eles mesmos decidirem
quando no o querem mais.
Ser que vai chegar o dia em que s os
muito ricos podero ficar com o mesmo
aparelho celular por mais de 13 meses?

(10) Dados de 2006, quando o texto foi escrito.

NOTA: O conto citado, The man who ate the world,
parte do livro The science fiction weight-loss book,
editado por Isaac Asimov em 1983.

136

Um novo conceito

H expresses que entram na moda por

mundo sabe, no h quem se ache

algum motivo obscuro e se espalham

desprovido desse atributo.

como vrus em tudo quanto tipo de

empreendimento. Uma verdadeira febre
incontrolvel que acomete pequenos e
grandes comerciantes vidos por
acompanhar tendncias e aumentar a
malfadada competitividade (alis, no
gosto essa expresso; competio implica
que um ganhe e outros percam. Por que
no entra na moda o termo

E o que dizer ento de lojas que vendem

arte e design? Essas palavras parecem
ouro puro quem as usa acha que tudo
fica mais charmoso e moderno, mesmo
que seja uma borracharia. Experimente
comprar uma cadeira de escritrio. O que
voc mais vai achar so lojas que vendem
cpias mal feitas de cones do design sem

cooperatividade?).

autorizao e pelo mesmo preo do

Primeiro h aquelas inacreditveis lojas

travestido de arte e design.

que vendem bom gosto, requinte,

sofisticao e qualidade. Voc entra e
pede: me d duas unidades de requinte e
uma de qualidade, por favor. Para
presente. Que tal? Impressionante
constatar que se essas coisas fossem
realmente vendveis, tais lojas seriam o
ltimo lugar para a sua distribuio, tal a
inadequao entre o que est escrito e o

original. Um verdadeiro descaramento

Mas as aberraes gastronmicas, para

mim, so as mais criativas: cafs que s
vendem refrigerantes e cerveja, bistrs a
quilo (???), rotisserias hi-class (no ria,
tenho fotos para provar!) e churrascarias
especializadas em massas que servem
sushis de entrada (!!!). J fui a uma casa
de ch genuinamente rabe que servia

que tem para vender.

coxinhas de galinha. Ante o meu espanto

Alm do que, duvido que algum fosse

do lugar explicou candidamente que

comprar bom gosto, j que, como todo

estava tudo certo, pois toda as coxinhas

137

com a incongruncia do cardpio, a dona

eram feitas por descendentes diretos de

Para mim, novo conceito falta de

rabes.

imaginao, fazer igual a todo mundo, e

Agora, suprema demonstrao de

pior, com o mesmo nome!

surrealismo mesmo ir a um shopping em

E a coisa tomou tal dimenso que invadiu

poca de liquidao. um tal de sale,

todas as reas.

o, que voc se sente em Miami. Ser

que algum ainda se deixa seduzir por
tanta macaquice? Mesmo que o kitsch
esteja na moda, um pouco de
comedimento no faz mal a ningum, n?
Mas a minha expresso preferida, vou
confessar, o novo conceito. Quando
nenhum dos truques lingsticos descritos
anteriormente funciona, o comerciante de
viso apela para o formidvel novo
conceito. O negcio vai mal, os fregueses
andam reclamando muito? No se
desespere. O novo conceito est a para
isso mesmo.
Assim, voc fica sabendo que h um novo
conceito em lojas de CDs (com um
originalssimo caf anexo), um novo
conceito em livraria (eles acham que
vender empadinhas e caf expresso algo
revolucionrio), um novo conceito em
restaurante a quilo (olha que inovador: eles
tm uma seo light) e at um novo
conceito em sapataria (simplesmente o
mximo da ousadia conceitual: os balces
so limpos).

138

Pois sim: a gente foi votar em um novo

conceito de governo e olha s o que
aconteceu!

Joia rara

Sou sensvel arte, mas jias me

a 6 semanas (quanto mais tempo, mais

sensibilizam menos que outras formas de

duro o diamante). A novidade que a

expresso. Apesar de reconhecer que

empresa em questo desenvolveu um

algumas peas deveriam ser apreciadas

processo que consegue separar as

como verdadeiras esculturas, ainda acho

molculas de carbono presentes nas

as bijuterias mais versteis, acessveis e

cinzas de uma pessoa morta que tenha

interessantes. Trocaria sem piscar um belo

sido cremada e transform-las em

colar de diamantes por um quadro que me

diamante.

agradasse, ou por muitos livros legais.

Entendo racionalmente o fascnio que as
pessoas tm por essas peas to
especiais, mas por algum motivo no

Assim como no existem duas pessoas

iguais, tambm no existem dois
diamantes iguais (mesmo os naturais). A

consigo me emocionar.

empresa informa que a colorao e os

Ou no conseguia. Alguma coisa mudou.

composio qumica das cinzas que lhe

Uma empresa sua teve a idia brilhante

(sem trocadilhos) de transformar as cinzas
de uma pessoa morta em diamante
sinttico. que um diamante comum

detalhes da pedra dependem da

deram origem. A lapidao pode ser em
forma de corao, quadrada ou
arredondada (esta ltima mais conhecida
como brilhante).

formado por molculas de carbono

J pensou? Voc andar com a sua av no

submetidas a temperatura e presso

pescoo? Ou um grande amor perdido

altssimas ao longo de milhes de anos. A

numa tragdia virar um lindo anel? Tem

fabricao de diamantes artificiais

coisa mais potica? Eu achei a idia

simplesmente acelera o trabalho da

genial, mas reconheo que preciso se

natureza. H muito tempo as tcnicas j

acostumar aos poucos. A expresso jia

esto dominadas e consegue-se fabricar

de famlia teria agora um sentido mais

um diamante em um tempo que varia de 3

139

literal e romntico. Valor inestimvel

tambm adquiriria um novo sentido.
Em vez de lugares lgubres e
deprimentes, os cemitrios do futuro
seriam maravilhosas joalherias. As pedras
perderiam o valor econmico intrnseco e
passariam a valer mais pela histria das
pessoas que as originaram. Celebridades
poderiam valer mais, mas voc no
trocaria o diamante do seu pai querido por
nada. Seria o triunfo do ser sobre o ter.
Penso que essa uma maneira muito
original de tornar o mundo mais lindo e
esplendoroso. Finalmente as pessoas se
tornariam fisicamente eternas (como os
diamantes).
A tecnologia ainda no est acessvel para
todos e custa caro (de U$ 10 mil a U$ 30
mil), mas vale a pena sonhar. Eu ficaria
muito feliz, se quando morresse, fossem
retirados todos os rgos que pudessem
ser reaproveitados e o resto virasse
diamante. Que lindo se todas as pessoas
pudessem virar jias para contribuir com o
brilho de outras.
Seria justo, porque, afinal, todo mundo
nasceu para brilhar. Por que no brilhar ao
morrer tambm?

140

Wiki wiki wikipedia

Uma das grandes contribuies da fico

despertadas, lixo espalhado, mal-

cientfica para a evoluo da humanidade

entendidos explodem, mentes em crise se

propor formas originais de pensar o

desabafam, mas, principalmente,

futuro. O tema sempre me encantou e

conhecimento compartilhado. Com um

passei muitas horas da minha

custo quase prximo de zero pode-se

adolescncia na agradvel companhia de

conversar com gente do mundo inteiro,

Jlio Verne, Isaac Asimov e Carl Sagan,

achar a sua tribo, jogar tetris com algum

meus preferidos.

no Japo, participar de leiles, visitar os

Mas nunca deixo de me espantar como

nem eles nem os outros praticantes dessa
arte conseguiram prever a internet.
Criaram foguetes, viagens improvveis,
chips, computadores, naves inteligentes,

maiores museus do mundo, criar um blog

ou fotolog. Pela Internet pude conhecer a
minha nova sobrinha Flora, horas depois
que ela nasceu. Ela em So Paulo, eu em
Florianpolis.

teletransportadores, mquinas inslitas,

Neste exato momento, escrevo para

robs e mundos espetaculares, mas nem

pessoas que nem conheo. Elas

chegaram perto de imaginar a revoluo

concordam, discordam, retrucam e a

que a internet provocou em to poucos

gente cresce junto. Tambm neste exato

anos.

momento estou trabalhando num artigo

Por causa dela no h mais possibilidade

de limitar a viso do mundo verso
oficial, pois sempre se ter acesso a
pontos de vista alternativos. Com ela o
globo virou uma rua de bairro e todo

com um professor da Universidade de

Lulea, na Sucia, que conheci enquanto
procurava uma referncia para uma
citao. Experimente achar Lulea no
mapa. No incrvel?

mundo mete a colher em tudo. Pessoas se

As aplicaes so infinitas e, para o bem

conhecem, amizades so ressuscitadas,

ou para o mal, todo dia se descobrem

mentiras se disseminam, paixes so

novas. Eis que ento algum teve a

141

brilhante idia de criar a verso eletrnica

A Wikipedia gratuita e qualquer um pode

da enciclopdia, aquela coleo enorme e

contribuir, revisando livremente os artigos

pesadssima de livros grossos e ilustrados

que j esto publicados ou criando novos.

que tinha a pretenso (at nem to

Basta ler com ateno as instrues e o

absurda para a poca) de reunir e

manual de estilo.

organizar todo o conhecimento humano

em forma de verbetes.

claro que essa liberdade toda tem um

O nome da enciclopdia do sculo XXI

vandalismo. Mas veja s o jeito original

Wikipedia, e, em vez de meia dzia de

que eles inventaram para superar essa

sbios que determinam o que verdade,

dificuldade: em fez de proibir a edio,

temos agora o mundo inteiro contribuindo

que inviabilizaria a idia, os organizadores

e dando palpites. Os verbetes viraram

contam com a ajuda de um gigantesco

artigos e a atualizao em tempo real. O

nmero de colaboradores bem-

morador de So Jos de Jacupe no

intencionados.

precisa mais depender dos

conhecimentos de um doutor qualquer
para garantir a fidelidade na descrio da
sua cidade. Ele mesmo, na qualidade de
especialista no assunto, pode fazer o

preo: a natureza humana no dispensa o

Mesmo que eu escreva um monte de

besteiras em um artigo, logo em seguida
algum voluntrio que estiver passeando
por l vai revisar, consultar e recuperar a

trabalho.

verso original. No fantstico? O

Agora o nome: Wiki wiki no uma

no tem graa estragar uma coisa que se

onomatopia para soluo, como voc

corrige to rapidamente.

deve estar pensando. Quer dizer superrpido em havaiano, e wiki, alm de

significar fim de semana em maori, foi
tambm o nome escolhido para
denominar um tipo especfico de coleo
de documentos em hipertexto e o software
colaborativo que permite a edio coletiva
desses documentos.

142

nmero de vndalos logo diminuiu porque

A verso em portugus tem cerca de 300

mil artigos (dados de dezembro de 2006,
pois esse nmero cresce todo dia) e a
mais popular, em ingls, j tem 1,5
milhes. J pensou se o Jlio Verne
pudesse ver isso?

Depois de descobrir essa maravilha, j fui

l e criei definies para identidade e
imagem corporativas, que ainda no
existiam na verso em portugus. Que tal
voc compartilhar o que voc sabe
tambm? V l: http://www.wikipedia.org

143

Marketing e galinhagem

A revista Veja dessa semana coloca na

A Associao Americana de Marketing

capa a identidade visual de uma

declara que Marketing o processo de

conhecida marca de sabo em p para

planejamento e execuo do conceito, do

anunciar a sua principal matria: o poltico

preo, da comunicao e da distribuio,

artificial. parte do propsito de

de idias, bens ou servios, de modo a

esclarecer alguns aspectos sobre os

criar trocas que satisfaam objetivos

motivos da carestia das propagandas

individuais e organizacionais. Mais um

eleitorais no Brasil, dois pontos me

fora. De novo, s um lado mostrado na

chamaram a ateno: o ttulo o marketing

reportagem obtm o que deseja. O outro

e a corrupo e o fato da equipe de

fica a ver mensales passarem na TV. Isso

reportagem ter usado as palavras

no pode ser chamado de marketing de

marketing e propaganda como sinnimos

jeito nenhum!

o tempo inteiro. E o pior que a

propaganda a que os jornalistas se
referiam era justamente aquela enganosa,

A minha definio no to elegante nem

acadmica, mas l vai: marketing a arte

do mal mesmo.

de seduzir para casar. assim que

Marketing, j diz o guru da matria, Philip

marketing. Todo mundo ri, acha estranho,

Kotler, um processo social e gerencial

mas no decorrer do curso a frase passa a

pelo qual indivduos e grupos obtm o que

fazer sentido.

necessitam e desejam atravs da criao,

oferta e troca de produtos de valor com
outros. Nada a ver com o que a matria
da revista mostrou, no ? Pois nem todos
os grupos em questo obtm o que
necessitam (s um grupelho ganha; a
maior parte s paga), e nem o que se
troca pelo voto tem valor.

144

sempre comeo as minhas aulas de

Vamos por partes: a arte de seduzir.

Quando voc quer seduzir, pesquisa o
mercado, a concorrncia, define quanto
voc est disposto a investir (at onde vai
o seu empenho) e o preo (condies
mnimas para um relacionamento), os
locais onde vai atuar para sensibilizar os

potenciais futuros clientes, as

necessidades e desejos mais secretos do
pblico de interesse. Tendo as
informaes, voc ento bola estratgias e
usa toda a sua inteligncia, charme,
prestgio, rede de contatos, informaes
privilegiadas, corpinho sarado e tudo o
mais que estiver mo para se dar bem.
At mesmo propaganda!
E onde entra o para casar? que no
negcio do marketing, fidelidade uma
coisa muito importante. essencial que o
cliente esteja satisfeito e encantado o
suficiente para no lhe passar pela cabea
a nefasta idia de trocar voc pelo seu
concorrente. A satisfao
importantssima, medida cientificamente
por institutos de opinio srios e
homologados, como, por exemplo, os(as)
melhores amigos(as). Ento, nem pense
em trapacear. Ps-venda tudo no
marketing.
Por isso que quando vejo esses
indivduos mal denominados marketeiros
construrem polticos artificiais, sinto-me
no dever de lembrar: gente, isso no
marketing. Isso apenas galinhagem.

145

Vamos brincar um pouco

No incio deste ano, viajei cerca de 5 mil

mas, afinal, descobre-se que os postos de

quilmetros de moto com o meu marido

gasolina so excelentes lugares para se

pela Patagnia argentina(11). E viajar de

filosofar a dois.

moto uma experincia singular por tudo

o que o ato implica: a falta de molduras
das janelas de um carro, a impossibilidade
de levar muita bagagem ou fazer
comprinhas, a dificuldade de
comunicao com o companheiro durante
a viagem, a completa integrao ao local
que est sendo visitado. Para quem pilota,
h o poder da mquina e o controle, alm
da viso total. Para quem vai junto, h um
capacete na frente e menos vento.
Quem pilota tem que prestar ateno.
Quem vai junto pode se dedicar
totalmente ao exerccio de sentir e olhar
(ou, supremo luxo, at fechar os olhos!).

De vez em quando possvel sair do

transe (ou seria entrar?) e se concentrar s
e unicamente na paisagem. E foi em
algum lugar entre as latitudes 43 e 44 que
vi aquelas nuvens espetaculares. Pareciam
uma cidade fantasma, com detalhes de
castelos e torres. Uma viso. Ento me dei
conta de que fazia muito tempo que no
brincava mais de descobrir formas nas
nuvens. Que fazia muito tempo que no
brincava mais.
Quando ser que ser criativo passou a ser
um dever profissional, exigido nos perfis
de todas as organizaes, a alcanou o
status de coisa sria? Agora a gente

O fato que tantas horas de estradas

criativo por obrigao, no por gosto.

infindveis e a entrega total ao deleite de

Equipes se renem para achar solues

olhar provocam comiches no crebro da

inovadoras para os problemas, exercitar o

gente (pelo menos do meu).

pensamento lateral e raciocinar sob

praticamente impossvel no pensar na

pontos de vista inesperados, e tudo isso

vida e nos rumos que esto se

durante o horrio do expediente, sem

desenhando. As idias borbulham e se

perder a compostura. O fenmeno deve

embaraam pela falta de caneta e papel,

ser reflexo das escolas que estudamos,

146

que separam bem (por um sinal estridente)

a hora da aula (todo mundo srio e
compenetrado) e a hora do recreio (oba,
brinquedo e lanche!). Trouxeram o
brinquedo e o lanche para dentro da
nossa sala de aula, mas no se pode fazer
muito barulho e nem baguna...
Ser por isso que a gente no brinca
mais? Que no presta mais ateno nas
sombras, nas gracinhas dos bichos, no
caminho das formigas? No brinca mais
com a comida, no faz desenhos
coloridos, no constri monstros com
massinha, no monta quebra-cabeas,
no repara mais o formato das nuvens?
Brincando, a criatividade no trabalho seria
mais natural, e acredito que com
exerccio e prtica que se chega
excelncia. Alm disso, a gente iria se
divertir muito mais. E no precisa de moto,
de viagens, nem de cursos.
Est tudo a mesmo: uma janela e um cu
nublado.
(10) O texto foi escrito em 2007.

147

Serendipitia

A primeira vez que li essa palavra foi numa

Mas o que a serendipitia tem a ver com

crnica, no me lembro mais de quem.

essa brincadeira?

Gostei, achei-a charmosa e guardei-a no

caderninho para usar aos domingos.

Serendipitia uma palavra que tem origem

Mas no foi num domingo que me lembrei

Serendip, de Horace Walpole. No conto,

de us-la. Foi numa tera, quando baixei

os tais prncipes do ttulo fazem uma

no computador a foto que voc v na

viagem pelo Ceilo e descobrem um

pgina seguinte.

monte de coisas que no estavam

Ela foi tirada num sbado nublado e

melanclico. Eu estava no Ribeiro da Ilha,
um lugar sossegado e pitoresco,
deixando-me encantar com o show das
gaivotas performticas que l habitam.
Havia um per com umas luminrias que
me lembraram Gustav Klimt e suas curvas
infindveis. Sendo ele o meu pintor
predileto e adorando bichos que voam
(inveja?), resolvi eternizar essa potica
parceria. Tirei vrias fotos, e essa me
surpreendeu, pois to concentrada estava

numa histria chamada Os prncipes de

procurando. A as pessoas comearam a

chamar de serendipitia o fenmeno de
achar solues para um problema quando
se est estudando outro. Alguma coisa
parecida como quando o pesquisador que
estava estudando as microondas
descobriu que o chocolate dele derreteu
no bolso e ento pensou em criar o forno.
Ou quando o pessoal da 3M achou que a
receita de cola no tinha funcionado
direito porque era fraca, e ento nasceu o
post-it.

que no vi a nuvem que se imiscuiu no

Na histria das inovaes, o que mais tem

cenrio.

serendipitia, pode procurar! E toda

Ficou legal, no? Agora est parecendo

que a lmpada um desses aparatos
religiosos que distribuem cheiros, e o
bicho est curtindo a fumacinha
148

agncia de propaganda que se preze tem

um estoque de serendipitias bem
escondida no fundo do armrio para
situaes de emergncia. Gnios criativos

tm verdadeiras criaes dessas coisinhas

poder congelar a imagem para olhar mais

em algum lugar bem escondido.

detidamente depois.

Mas o que eu queria chamar ateno aqui

Assim, vai a dica. No fundo mesmo, acho

que a gente esbarra com solues legais

que serendipitia um nome mais

o tempo todo, s que nem sempre tem

adequado a um fantasminha camarada

olhos para v-las. No reparei na nuvem

que vive cercando a gente. No deixe o

que fez a foto ficar especial porque estava

seu morrer mngua, por pura

prestando ateno em outras coisas. S

desateno.

que nem sempre a gente tem a sorte de

149

Camisetas falantes

Dia desses estava caminhando na rua,

nem a sua utilidade), se bem-humorada,

quando cruzo com um sujeito um pouco

se consumista, se torce para algum time,

acima do peso. Normal, no foi isso que

se f de algum, se tem filhos pequenos

me chamou ateno. que ele usava uma

(Cuidado, Gleydyson a bordo!), se

camiseta onde se lia algo parecido como

trabalha com marketing multinvel (Quer

Eu sou gordo, posso emagrecer. E voc,

emagrecer? Pergunte-me como).

que feio?. Gente! Que coisa mais

agressiva, grosseira! E o passante at
parecia bem simptico, totalmente
desconectado com a mensagem
malcriada. Ser que ele achava que
realmente todas as pessoas que cruzavam
com ele (e liam a frase) eram feias,
daquele tipo que no tem remdio?
Duvido. Nem todo mundo se d conta do
poder da palavra que uma simples regata
carrega.
A roupa uma baita ferramenta de
comunicao, e j faz tempo. Camisetas
com frases transformam seus usurios em
outdoors ambulantes, cumprindo mais ou
menos o mesmo papel que o monte de
adesivos colados nos carros. S pela
camiseta (ou pelo carro), voc pode
descobrir um monte de coisas a respeito
da pessoa. Se ela religiosa (nunca
entendi direito aquela frase Deus fiel e

150

Observe aquele povo que anda com

camisetas e/ou adesivos de vrios pases
e lugares. O que querem dizer? Penso que
so cidados que querem informar aos
transeuntes distrados que eles j
viajaram, que so descolados, estiveram
no estrangeiro e lembraram de voc, que
no foi, mas precisa ficar sabendo do
evento.
Tem tambm a turma das grifes famosas:
do tal Hard Rock Caf, ao Planet
Hollywood, passando por Abercrombie,
Bennetton e Moschino. J vi at uma
Daslu levando o tot para passear. A
mensagem aqui tambm clara: eu sou
fashion, eu posso comprar roupas de grife,
voc no. Mesmo que boa parte das
etiquetas sejam falsificadas...
Mas o mais interessante mesmo so
aquelas camisetas escritas em ingls,

idioma nem sempre dominado por quem

formatar, alm das clssicas Superman e

as veste (pelo menos o que se presume).

Che Guevara, que atire a primeira T-shirt.

J vi uma patricinha, muito linda, saindo

do metr em So Paulo com os seguintes
dizeres estampados em letras garrafais na
sua baby look: Put some fun between my
legs*. Ou ela andou faltando s aulas, ou
tem um senso de humor muito particular,
para no dizer, perigoso...
Tambm me deparei com uma senhora
francamente obesa, caminhando com
muita dificuldade, metida numa camiseta
extra-grande toda estilosa com os dizeres
Designed for best performance**.

E o povo est to empolgado que as

frases j andam freqentando at
calcinhas e cuecas, sem falar em pijamas
e camisolas. E as mensagens so
claramente direcionadas para um nicho de
mercado muito especial, a julgar pelos
veculos escolhidos na divulgao...
Pois . Camisetas so realmente legais,
divertidas e democrticas. Servem para
mostrar ao mundo o que voc pensa, a
qual tribo voc pertence, quais so as
suas opinies e viso do mundo. Mas

E o que dizer da madame toda em branco

antes de vesti-las, convm dar uma lida na

e ouro, com a seguinte mensagem

mensagem, para saber se ela compatvel

impressa em cristais Swarovski I accept

com a sua identidade, e, principalmenter,

Visa***? E meninas adolescentes, ou

se expressar opinies por meio de

mesmo pr-adolescentes vestindo

camisetas e adesivos combina com sua

roupinhas estampadas Sexy

maneira de ser. Pelo que tenho visto, salvo

machine****? Ser que elas se do conta

excees, at que a maioria bem

do significado dessas frases?

coerente com as atitudes. Para o bem ou

para o mal.

Quem j no deu uma risadinha ao se

deparar com um modelo do tipo Seu
namorado no faz direito? Eu fao..., ou
chato ser bonito... mas mais chato
ainda ser feio..., Eu acredito em papai
Noel, Por favor, no me fotografe,
Cada um, cada um, Brasil, o jeito

151

*Traduo livre: Ponha alguma diverso entre as

minhas pernas
**Traduo livre: Projetada para o melhor desempenho
***Traduo livre: Aceito Visa
****Traduo livre: Mquina sexy

Jurada exconjurada

Ano passado entrei no feriado de carnaval

Ora, sou adepta da linha de pensamento

decidida a dormir muito, namorar

colabore com o seu bigrafo. Nem

bastante, dar um jeito no caos que se

precisava ter se empenhado tanto no

instalou na minha rea de servio e

convite, j que era justamente isso que

trabalhar no prximo livro, no

ainda faltava no meu currculo!

necessariamente nessa ordem. Adoro um

samba, mas por ser muito branca e muito
magra, acabo me sentindo uma gringa
desajeitada alm do mais, precisava
muito descansar e colocar a vida em

Para mim permanece sendo um mistrio

como que meu nome foi parar l na
comisso organizadora do carnaval, logo
eu, uma pessoa to pouco carnavalesca.

ordem.

S fiquei um pouco receosa de cometer

Mas eis que em pleno domingo de

escola de samba assunto muito srio

carnaval recebo uma ligao de algum da

para quem est l desfilando. Mas me

prefeitura de Florianpolis fazendo um to

acalmei quando a organizao me

irresistvel quanto inusitado convite para

forneceu dois calhamaos que me fizeram

fazer parte do corpo de jurados do desfile

companhia na tarde de domingo: o

das escolas de samba que aconteceria

Manual do jurado e o Book das escolas

naquele mesmo dia noite. Ah, a pessoa

de samba.

me fez jurar confidencialidade para que a

notcia no vazasse e eu no fosse
assediada por nenhuma das escolas. S
no perguntei se era trote porque no tive
oportunidade: o sujeito passou quase uma
hora num discurso ininterrupto sobre a
mecnica da coisa e sobre como a cidade
agradecia e necessitava da minha
importante participao (??).

152

injustias por ignorncia, pois sei que

No primeiro volume havia detalhes sobre

quais critrios eu deveria me concentrar
no julgamento (como o meu quesito era
alegoria e adereos, tinha que abstrair
todo o resto, ou seja, no deixar me
influenciar pela fantasia ou a bateria, j
que havia outras pessoas julgando isso).
Era para julgar a originalidade, a

adequao ao enredo, o acabamento e a

O camarote era de uma simplicidade

concepo dos carros e adereos. No

franciscana, com desconfortveis cadeiras

segundo mao de papis havia um

de plstico e salgadinhos requentados.

histrico resumido de cada escola e um

Coca-cola e gua tambm foram servidos.

relatrio orientativo nada resumido sobre o

Bebida alcolica no, pois estvamos a

enredo.

servio do povo florianopolitano! S

Finalmente entendi de onde que os

comentaristas da Globo tiram toda aquela
erudio que vo desenrolando durante o
desfile das escolas do Rio. Est tudo no
tal book. L voc fica sabendo que o
casal de mestre-sala e porta-bandeira ir
demonstrar a fora pujante da produo
de energia atravs das guas, que o
destaque central do carro com o beija-flor
gigante chamado Mstica dos carijs
rodeado pelas ndias do primeiro
encontro e que a sexta ala se chama
Sete raios visveis do sol obviamente
porque representa a luz divina do criador
sob a forma de pedras preciosas.
Reunidos num hotel e secretamente
transportados at a passarela do samba
que tem o inacreditvel nome nego
quirido, l fomos ns, os jurados. Alis,
vale ressaltar que no consegui me decidir
sobre o que era mais extico: se o desfile
ou os meus companheiros de misso. No
se pode dizer que foi uma noite
entediante.

podamos ir ao banheiro qumico

acompanhados de uma fiscal. Telefone
celular, nem pensar. Depois de muitas
delongas e homenagens dispensveis, o
espetculo finalmente comeou.
Desnecessrio detalhar a orgia esttica
que se desenhou, a festa das cores e dos
sons, a empolgao, o gosto duvidoso
convivendo em harmonia com solues
plsticas geniais, o corao batendo junto
com a bateria. E eu tendo que fazer o
supremo sacrifcio de derramar o olhar,
curtir cada detalhe dos carros
alegricos
Valeu o frio (estive beira de uma
hipotermia), valeu o sono, o cansao e o
desconforto. Foi uma noite nica, para
guardar na memria. S no gostei de
uma coisa: jurado no pode se emocionar,
no pode sorrir, no pode sambar, no
pode acenar, no pode dar bandeira, no
pode cair na folia, no pode fazer cara de
feliz, no pode demonstrar que est
gostando. contra as regras.
Descobri que isso no pra mim no. No
sei ser sem me deslumbrar.

153

Lgica confusa

Esse impasse sobre a questo da

formalizao de uma lgica trinria, que

maioridade penal (na aurora dos 18 anos a

admitia um valor entre o verdadeiro e

pessoa passa a ser responsvel por tudo

falso, traduzida como possvel. Mas isso

o que no era at a noite anterior?) me fez

no resolvia tudo, e vieram lgicas

refletir sobre como as coisas poderiam ser

quaternrias, quinturias e outras tais

mais simples se nossos legisladores e

onde nem mesmo sei que rias

juristas conhecessem um pouco mais de

poderiam ser. Estavam os matemticos a

matemtica do que as quatro operaes.

se debater com solues

Estou falando sobre a lgica difusa ou

nebulosa (fuzzy logic, do original em
ingls). A questo a seguinte: desde que
o homem comeou a ensaiar seu
raciocnio lgico, um problema clssico

complicadssimas quando em 1973, veio o

genial professor azerbaijo Lofti Zadeh, da
Universidade de Berkeley (EUA), com uma
soluo realmente revolucionria e
inovadora: a lgica difusa.

rouba o sono dos pensadores uma coisa

Zadeh usou o seu pensamento lateral para

pode ser mais ou menos verdadeira ou

abordar o problema de uma forma que

falsa? Em outras palavras: uma pessoa

ningum tinha pensado antes (pelo menos

pode ser mais ou menos menor de idade?

no com um enunciado de regras to

Muito antes do advento dos nossos

assassinos juvenis contemporneos,
Plato j se ocupava com o problema.
Noites insones fizeram-no contestar
Parmnides em sua lgica binria (sim ou
no) e defender a tese de que deveria
haver uma terceira opo.
Em meados de 1900, o matemtico
polons Lukasiewicz apresentou a
154

simples e claro). No sistema lgico

convencional, ao qual chamamos crisp
(no consigo achar uma traduo
adequada), quando precisamos classificar
uma casa de grande ou pequena, usamos
regras simplrias se ela tem at 100 m2,
pequena. Se tem mais, grande. Mas e
se ela tiver 99 m2? pequena? a mesma
questo do adolescente se ele tiver at
17 anos e 364 dias menor de idade.

Horas depois, ele j maior. Uma coisa

automao e controle industrial,

meio simplista, para no dizer estpida,

principalmente em robtica. As aplicaes

no parece?

vo desde pesquisas em cincias naturais

Com a lgica difusa, a pergunta muda:

no se trata mais de saber se uma pessoa
maior de idade, mas o quanto essa
pessoa pertence ao conjunto dos maiores
de idade. Assim, basta definir a funo
matemtica que vai descrever o conjunto
difuso dos adultos e aplicar a idade atual
do meliante equao para saber o quo
adulto ele .
A definio da funo matemtica um
ponto importante, que se chama
calibrao. O conjunto difuso pode ter
qualquer forma geomtrica que se queira
basta estudar a mais adequada
aplicao em questo. Ento, dependendo
da funo matemtica, poderamos inferir

e sociais, engenharia, medicina, sistemas

de tomada de deciso, computao, at a
construo de eletrodomsticos
inteligentes, como aparelhos de ar
condicionado e mquinas de lavar roupa,
que podem analisar o quo suja est a
roupa para escolher o melhor programa
para lav-la. Em minha tese de doutorado
usei conjuntos difusos para traduzir a
linguagem natural em uma pesquisa sobre
imagem corporativa.
Se a lgica difusa j serviu para tanta
coisa, por que no poderia ser mais uma
ferramenta para nossos legisladores,
designers, jornalistas, publicitrios, e
quem mais topar?

que uma pessoa de 16 anos pertence

Chamam-na de lgica difusa, mas, na

80% ao conjunto dos adultos poderia,

minha opinio ela muito clara. A nossa

ento, receber 80% da pena. J uma

lgica atual que confusa.

criana de 10 anos pertenceria 6%, e por

a vai.
Claro est que isso no resolve a causa,
apenas o efeito, mas j alguma coisa
para comear a prover essa discusso de
p e cabea. A lgica difusa foi uma febre
nos anos 80 e 90 do sculo passado,
sendo amplamente usada em sistemas de

155

Simples assim

Nesse feriado de Pscoa, fui visitar a

tecnologias para o desenvolvimento de

famlia e passei pelo aeroporto de

produtos orientados simplicidade.

Guarulhos (surpreendentemente calmo).

Foi com o movimento baixo que me dei

Estudando a fundo a questo da

conta do rudo visual daquilo tudo.

simplicidade, ele descobriu que, no ramo

Eles indicam que o seu porto de

coisa nova e aprimorada, esse

embarque o de nmero 15, no terminal

aprimorada significa simplesmente

2, setor domstico, asa C. A sinalizao

mais. Indo ainda mais a fundo, Maeda

feita por placas bilnges, densas e

elaborou as Leis da Simplicidade,

confusas. Afinal, se s h um porto

descritas no livro de mesmo nome,

nmero 15 em todo o aeroporto, para que

publicado pela Editora Novo Conceito.

as outras informaes? Esse desperdcio

Vamos a elas:

conceitual me fez lembrar John Maeda.

da tecnologia, quando se desenvolve uma

1. Reduzir: Essa lei determina que se deve

Maeda um cara cheio de talentos.

acabar com a crena de que botes em

Designer grfico, artista e professor de

profuso atraem compradores. A Apple

Media Arts & Sciences do legendrio MIT

est a para provar o contrrio,

(Massachussets Institute of Technology),

conseguindo construir um telefone celular

ele tambm fundou o MIT Simplicity

sem botes! A filosofia por trs do

Consortium no Laboratrio de Mdia. O

conceito que se boas peas podem

consrcio constitudo por dez scios

fazer um grande produto, peas incrveis

corporativos, incluindo a Lego, a Toshiba e

(e poucas), podem transform-lo numa

a Time, e tem a sublime misso de definir

lenda. Mas preciso cuidado e

o valor comercial da simplicidade nas

discernimento para decidir o que fica e o

comunicaes, na assistncia mdica e

que sai. Em design, menos melhor.

nos jogos. Sua equipe projeta e cria

156

2. Organizar: Os seres humanos so

metforas so imbatveis. O fato que

animais organizacionais, que tendem a

tudo aquilo que difcil de usar, tambm

agrupar e categorizar tudo que vem. Se a

difcil de aprender. Quanto mais grosso o

gente faz isso at com pessoas (Fulano

manual de instrues, mais longe do bom

chato, Beltrana bonita, Sicrano

design.

contador), imagina com objetos e

informaes! Assim, tabulaes,
espaamentos, endentaes e
organizao clara das funes e

5. Diferenciar: Uma constatao da vida

ningum quer apenas simplicidade.
Sem o contraponto da complexidade, no

informaes fundamental.

podemos reconhecer o simples quando o

3. Economizar tempo: Maeda diz que

complexidade necessitam uma da outra. O

quando somos obrigados a esperar, a vida

ideal que a complexidade esteja

nos parece desnecessariamente

disponvel e acessvel para quem queira

complexa. E quando acelerar um processo

dela usufruir. o famoso clique aqui para

no for uma opo, tornar a espera mais

saber mais no nvel conceitual.

tolervel pode fazer a diferena. Uma

coisa voc esperar um vo por trs
horas numa sala VIP tomando ch com
torradas e assistindo a um bom filme em
um sof confortvel. Outra ser supliciado
por 35 minutos em p num saguo de
aeroporto lotado, ruidoso, frio e cheio de
gente mal-humorada. O tempo de espera
pode ser menor, mas a percepo
4. Aprender: O conhecimento torna tudo
mais simples e rpido. Assim, o desafio do
bom design reside, de alguma maneira, na
capacidade de instigar um sentido de
familiaridade instantnea do tipo ei, eu j
vi isso antes!, ao mesmo tempo que
surpreende o usurio. Para isso, as

157

vemos. Assim, a simplicidade e a

6. Contextualizar: Aqui, o desafio

descobrir o quanto se tem que focar e o
quanto se tem que generalizar. Localizar
algum no tempo e no espao ajuda a
criar uma sensao de conforto e colabora
para a nossa nsia de organizao.
7. Emocionar: Mais emoes melhor
que menos. Seno, por que depois que as
pessoas so atradas para a simplicidade
de um aparelho, logo correm para comprar
acessrios? Meninas escolhem roupinhas
para as suas Barbies; executivos
compram capas para iPads e celulares.
Ento, d um desconto para a
simplicidade. Talvez os humanos no

sejam to simples. Atingir a clareza no

consiste em subtrair o bvio e acrescentar

difcil; difcil atingir o conforto.

o significativo.

8. Confiar: Aqui so tratadas as questes

Se voc, como eu, tambm se encantou

onde o sistema pode decidir em seu lugar

pelo assunto, acompanhe os estudos de

para tornar a sua vida mais simples. Por

John Maeda em http://

exemplo, voc pode entrar num

www.lawsofsimplicity.com.

restaurante e escolher o prato do dia,

mesmo sem saber do que se trata, pois
confia no cozinheiro. O site de notcias
mostra apenas as novidades do seu
interesse, de acordo com o seu perfil.
Sites de relacionamento podem escolher o
par ideal para voc. O problema que a
confiana pressupe reciprocidade. Essas
escolhas so tanto mais confiveis quanto
mais o sistema conhecer voc. um caso
de privacidade versus conforto.
9. Fracassar: At mesmo o John Maeda
admite algumas coisas nunca podem ser
simples. Para fazer o simples, necessitase do complexo. A rede complexa de
servidores e algoritmos do Google que
fazem com que a sua experincia de
busca seja simples. Neste ponto, ele faz
uma admirvel auto-crtica das suas leis.
Mais o que simplicidade, lucidez
fundamental.
10. A nica: Essa lei pretende substituir
todas as anteriores e de uma
simplicidade aterradora a simplicidade

158

Esse futuro que no chega

Estava um dia desses num aeroporto

nesse aeroporto) ou presa em um

lotado (voo atrasado, pra variar) e me

engarrafamento. Imagino que se a

peguei pensando em como estamos nos

tecnologia estivesse disponvel, o governo

aproximando daqueles cenrios de fico

iria querer implement-la antes da copa

cientfica previstos por alguns sonhadores

(at porque s o que restaria para salvar

vanguardistas. De alguma maneira j

nossa dignidade).

estamos no futuro, dependendo de todo

tipo imaginvel de bugigangas eletrnicas.

No comeo, o negcio seria muito caro.

Bom, para mim no to simples. Para

poderosos tivessem o privilgio de ter um

ser futuro mesmo, ainda est faltando uma

em casa (j estou at vendo Eike

coisa importantssima. Ainda estou

Batista seria o primeiro, seguido de perto

esperando a inveno que vai realmente

pelo Luciano Huck). Existiriam dois tipos

revolucionar tudo (e esse avio que no

diferentes de teletransporte: a banda A,

chega). No, no so as colnias

utilizada para transporte pblico e de

interplanetrias, a televiso hologrfica ou

cargas, e a banda B, com direito

a cura da gripe.

privacidade completa e totalmente prova

o teletransporte. Aquele que tinha na

Nada mais justo ento, que s os

de grampos.

Enterprise, onde o Capito Kirk entrava

Ento viria um poltico brasileiro

dentro, era desintegrado em segundos e

anunciando que todos os pobres teriam

reconstrudo em algum outro lugar do

direito ao vale-teletransporte. Batata. O

espao que desejasse, com tudo

sujeito teria uma eleio garantida e, para

igualzinho, at a mancha de suor no

no decepcionar o eleitorado, trataria logo

uniforme! Tenho sonhado com uma

de organizar a cerimnia de aquisio do

engenhoca dessas toda vez que me vejo

negcio. Bom, ningum precisa ser muito

esperando um vo que nunca chega (ai

esperto para sacar que ele compraria um

meu Deus, no pra de chegar gente

sistema obsoleto pelo triplo do valor de

159

mercado do mais recente lanamento (isso

Varela, e a aventura iria da sede da FIESP,

sem incluir as comisses). As crticas

na Av. Paulista at a praia de

choveriam quando se descobrisse que o

Gericoacoara, no Cear, sem escalas. A

projeto original fora abandonado por

banda Skank iria cantando da ponte

ineficincia, mas a primeira parte j teria

Herclio Luz, em Florianpolis, at a Ilha de

sido construda e no seria bom para a

Caras, no Rio, sem perder uma nica nota.

imagem do pas jogar fora os bilhes de

dlares investidos (ainda faltariam mais
duas etapas j com a inaugurao
marcada, mas sem oramento definido). E

Bom, a revolta armada comearia com o

f-clube da Grazi Massafera, que ficaria
inconsolvel ao ver a sua musa com o

a que comearia o pesadelo.

queixo e a cintura do Zeca Camargo. O

O sistema no seria testado e

sorridente, mas o que ningum

implementado aos poucos, funcionando

conseguiria explicar mesmo seriam o

de forma combinada com o sistema

mega-hair e aquele silicone todo exposto

convencional, pelo menos no incio, como

sem nenhum filtro solar.

seria o lgico. No no Brasil. O processo

todo seria inaugurado de uma vez s em
uma superfesta com telo, fogos, lasers,
artistas de novelas e show da Cludia
Leite. Roberto Carlos seria
teletransportado de mos dadas com a
Anamaria Braga dos estdios da Rede
Globo no Rio de Janeiro para a Praa
Castro Alves em Salvador. Zeca Camargo,
Grazi Massafera e Pedro Bial
desapareceriam todos de branco, de
mos dadas de um Centro de Tradies
Gachas, nas redondezas de Bag, para
reaparecerem, milissegundos depois, em
um show do Michel Tel em Cuiab. Duas
ex-BBBs turbinadas iriam dividir a cabine
com ningum menos que o Dr. Druzio

160

Pedro Bial voltaria mais magrinho e

Est certo que o Dr. Druzio no ficou bem

de shortinho e top, mas situao pior foi a
do Roberto Carlos, com aquele cabelo
loiro espetado e os lbios inflados com
preenchimento. Anamaria, manca, cantaria
sem parar com um vozeiro de tenor Ai
se eu te pego
Caos mesmo seria quando o William
Bonner aparecesse na sua sala, no
intervalo do jornal, pedindo para ir ao
banheiro. E por que a sua namorada
desapareceria justamente quando o
Reinaldo Gianechini estivesse dando uma
entrevista ao vivo na MTV? Ser que ela
mereceria resposta ao SMS enviado de

Piracema do Norte pedindo dinheiro para

Sua sogra, agora com o cabelo da Maria

o bilhete de volta? E aquelas coxas

Gad, no pararia de fazer visitinhas-

grossas circulando pela sala de reunies

surpresa nas horas mais imprprias e o

da diretoria? Ser que j descobriram a

seu chefe que daria para aparecer nos

dona?

seus sonhos para pedir relatrios. O pior

, haveria motivos para preocupao.

Parece o que ministro da Sade teria sido
visto pela ltima vez em Porto de Galinhas
acompanhado da Fernanda Montenegro,
mas bem pode ser mentira. Um ministro
da Sade no teria quadris to redondos e

que nem seu terapeuta poderia mais lhe

ajudar, tendo passado a ltima semana
recolhendo os prprios pedaos
espalhados pelo litoral norte de So Paulo.
Agora s faltava mesmo a orelha direita, j
localizada em Diamantina.

bem fornidos e a Fernanda estava um

A Dilma prometeria tomar providncias

pouco esquisita, com aquele biquni da

assim que achasse todo o ministrio e o

Juliana Paes. Tambm seria difcil explicar

cotovelo esquerdo que ficou perdido da

a quantidade de mos bobas circulando

ltima vez que esteve no Cear. Fontes

pela cidade. Ningum mais estaria seguro.

garantem que estaria fazendo muita falta.

Voc tanto poderia ser surpreendido no

meio da noite na sua cama pela Luana
Piovani de camisola preta, nervosa e
balbuciando desculpas, como por 4
integrantes da tropa de elite armados

O duro que, como os sistemas

convencionais de transporte teriam sido
doados populao carente da Guin
Bissau, teramos que ir levando a vida em

pedindo para ver seus documentos.

meio a esse caos at que os engenheiros

As tarifas promocionais para o transporte

Brasil, para tentar resolver a situao.

de carga acabariam com o seu sossego. O

que fazer com os trs mil pintinhos, que
apareceram no meio da sua sala, sem as
guias e nem o carimbo da Receita
Federal? E o seu vizinho, que precisaria
dividir a rea de servio com um bfalo de
raa e trs leitoas prenhas?

161

alemes chegassem, de jangada, at o

, ainda bem que, finalmente, chamaram

para o embarque, pois o avio chegou.
E o futuro, graas a Deus, ainda no.

O papel do papel

Nessas frias estive no Uruguai e visitei a

pesquisador alemo desenvolveu o

cidade de Fray Bentos, na divisa com a

processo de tratamento e compactao

Argentina, onde se aperta cada vez mais

de carne bovina e criou o extrato de

atualmente um grande n diplomtico.

carne. Ele conseguiu alguns investidores e

Trata-se da construo da maior fbrica

instalou a fbrica no Uruguai, onde

de papel para impresso do mundo s

estavam os bois.

margens do rio Uruguai, da Finlandesa

Botnia, e de outra com a metade da
capacidade, da espanhola Ence. A
Argentina, que s vai ficar com o rio sujo,
terminantemente contra. O Uruguai, que,
alm do rio sujo, vai ficar com os
impostos, empregos e investimentos,
radicalmente a favor. Os argentinos esto
to indignados que chegaram a bloquear
uma das pontes que ligam os dois pases,
mas a construo segue a todo vapor.
Seria uma polmica trivial sobre a
instalao de indstrias poluidoras no
terceiro mundo, no fosse o epicentro da
crise estar em Fray Bentos, essa pitoresca

Veio gente do mundo todo para a

construo e os produtos da fbrica, que
nos ureos tempos chegou a empregar
4.000 pessoas, eram vendidos em toda a
Europa.
Os caras eram muito bons, pois j tinham
programa de fidelidade em 1880 e o
sucesso explodiu durante a guerra, onde o
tal extrato era o sonho de todo soldado
nas trincheiras. At nas obras de Jlio
Verne a iguaria citada como comida de
astronautas na viagem lua. A decadncia
veio no final da segunda guerra, quando o
produto no era mais to fundamental (j

cidadezinha uruguaia.

se podia criar bois na Europa e tambm j

Vamos pelo comeo, ento. Fray Bentos j

continuaram mal por vrios motivos e, em

foi uma marca de procedncia conhecida

1980 a empresa finalmente fechou.

e respeitada entre o final do sculo XIX e

comeo do sculo XX. que em 1865, um

162

haviam inventado a geladeira). O negcios

Visitar as suas instalaes uma aula de

histria, gesto e marketing, no hoje

chamado Museu da Revoluo Industrial,

conseqncias para o entorno. Sem falar

ou simplesmente Anglo.

na monocultura do pinus, que, segundo

D para imaginar o trauma que a cidade

sofreu com o fechamento da fbrica?
Agora, finlandeses e espanhis acenam
com o que poderia ser a ressurreio,
oferecendo-se para instalar as suas
gigantescas fbricas de papel. Quando

alguns, tem potencial de transformar a

regio em um grande deserto. Tudo muito
srio e com graves conseqncias. Uma
questo complexa sob todos os ngulos e
no me sinto preparada para fazer uma
anlise mais aprofundada.

estive l, os cidados uruguaios eram s

Fray Bentos, uma graa, com belos

sorrisos, pois as construes esto

parques e vista para o rio. Mas na

utilizando quase 3 mil pessoas e

verdade, o que eu queria contar que tive

movimentando vrios fornecedores

que passar mais de trs horas na cidade

(inclusive brasileiros). No final, ficaro

esperando o museu abrir e, como no

menos de 300 empregos (quase nada de

havia cinema, mais praas ou outros

mo-de-obra local, j que o trabalho na

museus abertos, fui procurar alguma coisa

fbrica exige qualificao), mas ningum

para ler. Depois de esquadrinhar

quer pensar nisso agora.

meticulosamente todos os

Preocupo-me muito com o meio ambiente

(alis, com o ambiente inteiro!) e j fui PV
de carteirinha. Mas seria hipocrisia de
minha parte simplesmente rejeitar fbricas

estabelecimentos comerciais, pedir

informaes e suplicar, fui informada de
que no h um nico lugar na cidade que
venda material impresso de qualquer tipo.

de papel de impresso. J publiquei vrios

isso mesmo: nada de livrarias,

livros e sou viciada em papis com

quiosques, bancas de jornais ou o que

letrinhas, dos quais sou voraz

seja, nem para remdio. E, afinal, vejam

consumidora.

que ironia: esse justamente o povo que

Diz o Green Peace que possvel fabricar

papel sem aqueles cidos e cloros
cancergenos, mas tudo indica que as
fbricas em questo usaro os mtodos
convencionais mesmo, com srias

163

est brigando para ter a maior fbrica de

papel impresso do mundo!

A sopa e o bauru

Num passeio pela cidade de Canela, na

ser verificado em qualquer livro de

Serra Gacha, meu marido e eu paramos

receitas.

para tomar um lanche em um caf que

parecia bem charmoso. Levei um susto
quando abri o cardpio e, competindo
com a comida, havia uma nota de
esclarecimento que transcrevo aqui:
Ricardo Opptiz, proprietrio do j
afamado Caf Canela e Restaurante, vem
a pblico referir que seus direitos arrolados
vem sofrendo desleal concorrncia de
outros cafs e bistrs que aproveitaram
sua notoriedade e seus nacionalmente
conhecidos produtos Sopa no Po, Massa
no Queijo e Polenta no Queijo para imitlos, desmerecendo assim os genunos
produtos. Assim a presente serve de alerta
a voc consumidor para que procure esses
produtos somente no Caf Canela
Restaurante, pioneiro desde 1997.
Abstraindo os erros de concordncia e
pontuao, pensei com meus zperes que
essa no era l uma maneira muito
simptica de receber os clientes. Alm
disso, servir sopa dentro de um po
italiano uma receita mais velha que a
minha querida e finada av, fato que pode

164

O que o sr. Ricardo sugere, de maneira

nada sutil, que toda vez que me der
vontade de tomar uma sopa no po eu me
dirija imediatamente para a cidade de
Canela (mas s no estabelecimento dele,
bem entendido).
Tudo bem, ele registrou a marca sopa no
po, mas s a marca nominativa, no a
inveno (isso no patentevel). No me
parece que isso tenha ficado
suficientemente claro para o moo, j que,
ao receber a conta, havia anexada uma
folha com a famigerada nota de
esclarecimento novamente, e reproduzida
mais uma vez em um cartazete na sada
do estabelecimento (h uma verso
eletrnica no site, ele incansvel!).
Como no tenho muita pacincia com
gente que tem mania de perseguio, no
consegui me conter e fui at o caixa trocar
umas palavras com o Sr. Ricardo.
Perguntei se ele no se sentia
desconfortvel em colocar no cardpio

pratos como o sanduche bauru, que no

o verdadeiro Bauru e contava como havia

eram de autoria dele.

se dado o fato. Em vez de importunar os

A resposta foi uma qualquer coisa no

convincente, mas j que falamos em
bauru, analisemos a diferena de
abordagem.
O sanduche bauru, talvez o mais copiado
do Brasil, surgiu em 1933, no largo
Paissandu, em So Paulo. Reza a lenda
que um estudante da Faculdade de Direito
do Largo So Francisco, cujo apelido era
Bauru (ele vinha dessa cidade), chegou no
Bar Ponto Chic e pediu um sanduche
gostoso, pois estava com muita fome. E
foi ditando para o seu Carlos, o cozinheiro,
o que ele queria que tivesse dentro do po
francs: queijo derretido, rosbife e umas
rodelas de tomate. O sanduba fez sucesso

clientes com choramingos injustiados, o

estabelecimento tirou proveito da fama e
virou ponto turstico. Quando for a So
Paulo, d uma passada l e coma um
bauru original!
No seria essa uma abordagem mais
inteligente para o Caf Canela, j que ele
no tem franquias, filiais ou qualquer outra
maneira de atender a todos os clientes
famintos por uma sopa no po? Em vez de
passar por antiptico e revoltado (deve ter
brigado com todos os outros
comerciantes da regio, j que esse prato
comum l), poderia ter algumas aulas de
marketing com o seu Odlio Ceccini, dono
do Bar Ponto Chic.

e o povo todo queria um sanduche igual

Esse fato me lembra a histria da Apple e

ao do Bauru, e a ficou o nome.

da Microsoft. A Apple, na sua primeira

A receita original ganhou variaes com

presunto, fatias de pepino, organo e
outros mais, mas nem o Bauru, nem o
cozinheiro e muito menos o seu Odlio,
dono do bar, perderam noites de sono
porque estava todo mundo copiando o
sucesso. Pelo contrrio. Estive no bar h
alguns anos e l, em vez de notas de
esclarecimento, h vrios cartazes e
reportagens dizendo que ali havia nascido

165

encarnao, usou a estratgia sopa no

po e se deu mal. Queria exclusividade,
mas no tinha preo nem estrutura para
tanto. Teve que se reinventar para
sobreviver e hoje v o mundo com outros
olhos. J a Microsoft-IBM usaram a
abordagem bauru. No toa que as
plataformas PC hoje dominam o mercado.

Como ser que voc trata o seu negcio

hoje: como uma sopa no po ou como
um bauru?
NOTA: O site do restaurante foi atualizado e essas notas
no constam mais (o texto foi escrito em 2006). Agora o
Caf Canela realmente enfatiza o que tem de melhor,
sem se preocupar tanto com marcas e autorias.
Parabns aos gestores.

166

Filhote de coruja

Escolhi no ter filhos. Mas calma, antes

Falo isso porque cada vez que lano um

que algum se levante da cadeira, quero

livro, muitas pessoas fazem uma analogia

deixar bem claro: no, no tenho

do evento com o nascimento de um filho.

absolutamente nada contra os atuais e

E fiquei pensando em como essas duas

futuros papais e mames (tenho, acredite,

coisas tm diferenas e semelhanas

casos assim em minha prpria famlia).

interessantes.

Alis, dou graas a Deus que nem toda

gente pense como eu, seno o mundo,
alm de muito chato, j teria se acabado.

Livros e filhos so muito prazerosos de se

conceber. divertido e bom. A gravidez de

Sem dizer que eu nem existiria.

ambos mgica e estimulante, voc se

que me conheo o suficiente para saber

traz-los ao mundo e fazer com que

que no me satisfaria ser uma me mais

tenham uma vida longa, feliz e saudvel.

ou menos, ento, decidi no ser me.

Porque escrever um livro a parte mais

Acredito realmente que a experincia de

fcil. A mais difcil encontrar uma editora

gerar um filho transformadora, mas, o

disposta a public-lo e distribui-lo com

empenho e a dedicao que eu me exigiria

competncia.

so incompatveis com as outras

experincias que escolhi viver. S saberei
se acertei ou no no balano final. Mas
vou arriscar. De qualquer maneira, sempre
desconfio de quem tem muita certeza das
coisas isso significa que sempre h a
remota possibilidade de eu mudar de idia
algum dia (ou no, como diria o paradoxal
Caetano).

sente importante e especial. O problema

Ambos so a prova de sua passagem pelo

mundo, a marca que voc vai deixar, a
diferena que voc vai fazer. Dependendo
do filho ou do livro, voc pode ser
lembrado com carinho ou xingado sem d
por um bom pedao da eternidade. Ou ser
solenemente ignorado pela eternidade
inteira.
Mas no se deve esquecer que, tal qual
para criar bem uma criana, para lanar

167

um livro bom que se tenha a ajuda de

nem para calo de mesa, o autor o nico

um pai. A editora faz as vezes desse

responsvel.

segundo poder e responsvel por dar

forma ao corpo ao volume, distribui-lo e
promov-lo. E o pai, nesses casos, pode
encher o filho de carinho e ajud-lo a
crescer e ser feliz ou pode ignor-lo e
impingir-lhe traumas intransponveis,
impedindo-o de se desenvolver. Quem
saber at que o trabalho seja feito?
Pode-se educar e cuidar de um filho, mas
seu carter j nasce com ele. Isso deve
explicar porque irmos criados da mesma
maneira so to diferentes. Tambm exime
um pouco os pais de alguns
comportamentos inexplicveis dos filhos,
pois, como nos lembra Sartre, o essencial
no aquilo que se fez do homem, mas
aquilo que ele fez daquilo que fizeram
dele Assim, se um filho, por infortnio dos
genitores, virar ladro ou assassino, no
d para simplesmente culpar os pais. Se
ele for um gnio, tambm no. O humano
um ser muito complexo.
J um livro muito simples. Se voc no
gostar, achar chato, pretensioso,
entendiante ou um desperdcio de papel, a
culpa toda de quem o escreveu. Se for
um amontoado de asneiras, se for cheio
de veleidades e absurdos, se no servir

168

Dito isso, fico sempre muito ansiosa antes

de apresentar a minha mais nova cria.
Ento, se algum achar o meu rebento
muito feio, sem sal, inconveniente,
magrinho, mal-educado ou com cara de
joelho, por favor, no me diga nada no.
Corao de me muito sensvel...

Resolues e revolues

Pronto. Passou a festa do velhinho nevado

controlado. Essa histria de deixa a vida

da Coca-Cola. Por mais que eu me

me levar no para mim. Quero o

esforce, no consigo achar uma relao

controle! Todos os botes!

entre a luta insana por uma vaga no

estacionamento do shopping, a overdose
de decorao kitsch com dizeres em
ingls, o sofrimento impingido a
criancinhas que passam horas na fila para
sentar no colo de um desconhecido
vestido de maneira ridcula e inapropriada,
a compulso por comprar qualquer
porcaria e o nascimento de Jesus
sinceramente, meu atrasado esprito no
conseguiu atingir ainda toda essa
elevao espiritual...
Mas agora isso passou e j podemos fazer
os planos para o ano que vem. Como boa
engenheira, adoro listas, planos, metas e
objetivos claros. Do a confortvel
sensao ilusria de que tudo possvel,
basta seguir o programa. claro que
como em qualquer projeto de engenharia,
imprevistos acontecem, surpresas
aparecem e nem tudo sai como nas
planilhas. Mas planejar ajuda muito a
medir progressos e como aprendi na
escola, o que no medido no pode ser

169

Mas isso no quer dizer que eu no goste

de surpresas. Absolutamente. Dedico
profundo respeito e admirao por todas
elas!
Nesse ano que passou consegui cumprir
quase toda a minha lista: doei sangue,
cadastrei-me no banco de medula ssea,
escrevi mais um livro, pintei bastante, fiz
um pouco de ginstica. certo de que
no consegui disciplinar os meus gastos e
outros itens assim, mas h coisas que no
estavam na lista e foram timas. No tinha
previsto escrever uma coluna semanal
num site to popular e conceituado. Estou
adorando. Tambm no pensei que fosse
aprender a pilotar motos na flor dos meus
39 aninhos! Eu recomendo, libertador!
E 2006 promete! Vou casar (pela segunda
vez) e acabar de pagar o meu carro.
Comearei o ano na garupa de uma moto
cruzando a Cordilheira dos Andes rumo ao
deserto de Atacama.

Mas dessa vez decidi fazer uma lista um

objeto de uso pessoal, o problema est

pouco diferente. Quem sabe serve de

resolvido. S coisas espetaculares e

inspirao para voc tambm:

baratas me emocionaro, e essas so

1. Em vez de prometer fazer ginstica trs

raridades.

vezes por semana, vou tentar prestar mais

4. Em vez de prometer que vou trabalhar

ateno nos movimentos do meu corpo,

menos e arrumar mais tempo para mim,

na minha respirao, no que a minha casa

melhor tentar curtir todos os momentos

quer me dizer. Postura, conscincia,

seja o que for que eu estiver fazendo.

pacincia. Eis o que quero.

Desfrutar da companhia das pessoas,

2. Em vez de fazer regime e perder trs

quilos (isso eu nunca fiz mesmo, sou
magra de ruim), minha meta dedicar
ateno integral a tudo o que eu como,
sentindo cada cheiro e cada sabor. S

achar solues legais no trabalho, inventar

mtodos, descobrir funes insuspeitadas
do Google, aprender palavres novos com
estagirios. Assim, o tempo vai ser todo
meu!!!

comer coisas gostosas e desfrutar com

5. Ler mais. Todo mundo quer (ou precisa)

prazer cada pedacinho, bem devagar.

ler mais. Eu tambm. Mas a meta agora

Jamais comer sem sentir o gosto. Deve

no mais, melhor. Quero mesmo

funcionar melhor.

entender melhor o que eu leio.

3. Em vez de comear uma promissora

6. Aprender a dizer no. Bom, isso nem

poupana, vou prestar mais ateno em

vou me arriscar a prometer. Sou como o

tudo o que compro e no destino do meu

Oscar Wilde: Resisto a tudo, menos s

oramento. A meta abrir a carteira

tentaes...

somente em duas situaes: necessidade

justificada ou paixo avassaladora. Isso
reduz drasticamente as opes e,
conseqentemente, os gastos. Sapatos e
bolsas menos que sensacionais no tero
mais lugar no meu armrio! Como meu
dinheiro no capim e eu me recuso a
pagar um salrio mnimo por qualquer

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7. Fazer um trabalho voluntrio uma

coisa que eu sempre quis, mas nunca
consegui. A meta ter uma idia brilhante
e inovadora para colocar isso em prtica.
O que ser que vou inventar?
8. Estudar alguma coisa nova, aprender
mais. Bom, isso fcil. A lista de coisas

que quero aprender d bem para umas 5

encarnaes. Para o prximo ano, dana
do ventre pode ser uma boa pedida.
Tambm quero produzir desenhos
animados em Flash.
9. Fazer uma exposio de pintura. As
idias esto borbulhando, transbordando,
derramando,quase no me deixam dormir.
S tenho pintar tudo e achar o lugar para
pendurar. Bsico.
10. Voltar a estudar ingls. Pois . The
book is on the table. O mundo fica muito
pequenininho quando a gente no fala o
latim moderno fluentemente... quero o
mundo grando. The biggest!
O resto vai ficar em branco. Seno, no
tem graa.
Um ano novo cheio de metas motivadoras
para voc e um monto de surpresas boas
tambm!

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