A Arte Japonesa - Capítulo I, II e III

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A Arte |aponesa

CaPtulo

OS PRINCPIOS DA ARTE JAPONESA


Contactos lendrlrios entre a China e o Japo

Diz.sequeoJapofllhojdavelhicedomundo.Seriatalvezmaiscertodizer

mediterrnico andavam
que o Japo ainda dormia quando a sia continental e o mundo

da era crist, os seus


entregues criao das suas grandes culturas clssicas. Antes
e os Chineses acrecom a sia continental eram intermitentes e acidentais,

"ontu"tos

ditavamqueasilhasqueseencontravamaolonge'nomaroriental'deviamser
lenda conta que o primeiro
as P'eng Lai, as Ilhas Eleitas dos Imortais, enquanto uma
um barco carregado de
mandou
C'),
imperador Ch'in, Shih Huang-Ti (221-229 a'
encostas' O resultado
nas
rapazes e raparigas para recolherem o elixir que crescia
desta expedio e de outras anteriores desconhecido'

(A) Sino de Bronze Dotaku,


provvelmente sculo r d. C.
Tquio, Mus. Nacional

Paraosjaponesesdaquelapoca,aChinadeviaigualmenteparecerremotaelen-

dria,sendopoucososvestgiosdoprimeiroseculodaeracristqueindiquemter
pinturas' no as h'
havido qualquer intercmbio cultural directo' E, quanto a

A pintura nos tempos

pr-histricos

$ s0

osvestgiosmaisremotosdaartepictricajaponesaqueatagorasedescobriram

de bronze (a) do perodo


so decoraes em cermica e desenhos em relevo em sinos
que andavam caa (n),
Medio Yayoi (seculo I da nossa era). Pintava-se homens
ruris, alm
iam de barco, batiarp o aoz (c) ou se ocupavam noutros trabalhos

desepintaranimaisepssaros,principalmenteveadoseavesquticas'Aformaeo
tudo o que a china
gnero do desenho tornam estes sinos totalmente diferentes de
com a arte do
produzia naquela altura, ainda que possa haver uma relao remota
minsculas cenas tm
bronze praticada no vale do Yang-Ts, no reino de Ch'u' As
caractersticas essena nitidez do desenho e o cuidado na execuo que viriam a ser

"frk-

(o)

Cena de Caa: desenho de um


relevo em bronze de um sino Dotaku'
provvelmente seculo I d. C.
Tquio, Mus. Nacional

ciais da arte jaPonesa.

hff

Poucoposteriorapocaaqueremontamaspinturasdesepulturas,noperodo
descoberta na regio
dos Tmulos (c. 250-550 d. C.), a maior parte das quais foi
encontradas'
a norte de Kyushu, prximo da Coreia' Das setenta e uma sepulturas
e a Se.
so a de Otsuka (sepultura real), prximo de Fukuoka,
as mais importantes

pulturadaaldeiadeTakehara,quedatamdosculovoudocomeodosculovr.

uma fina camada de


As lajes de pedra que forravam os tmulos eram recobertas.de

drages e os barcos
barro, em que eram pintados homens, cavalos, plantas estilizadas,
e preto,
que transportavam as almas dos mortos. A cores, vermelho, verde, amarelo
afinidade com as pinso fort"s, aplicadas cruamente, mostrando os deenhos certa
turas muito mais requintadas dos tmulos da Coreia desse tempo'

(c)

Descasque do Arroz: desenho de


o relevo em bronze de um sino Dotaku'
orovvelrnente sculo r d'C.

Taquio, Mu* Nacional

99

O perodo Asuka (552{45)

(l)

Vista Geral do Mosteiro de


Horyu-Ji, sculo vtt
Nara, Japo

O despertar do Japo para a cultura da sia continental ocorreu de um modo


dramtico e sbito. Os missionrios budistas do reino Paekche da Coreia devem ter
atingido o Japo antes do final do sculo v, embora a meno do primeiro que ali
chegou se refira a 538, quando o senhor $e Paekche enviou ao imperador Kimmei
um presente de sutras, uma imagem de Buda e um estandarte. A princpio, verificou-se
grande reaco contra a nova religio, e um pagode que fora erguido em 585 foi destrudo pela faco anti-estrangeira. Mas logo em 588 chegou da Coreia um grupo de
monges arquitectos, acompanhados por um pintor, e, pouco depois, foi erguido
o femplo Shitenno-Ji, onde actualmente se situa Osaka, sendo este o mais antigo
templo budista do Japo, de que ainda existem os alicerces. Em 610, um pintor vindo
do reino de Koguryo, na Coreia, trouxe para o Japo as tcnicas da preparao de tintas.
No tempo da imperatriz Suiko (593-628), o budismo propagou-se rpidamente,
e o regente Shotoku Taishi (592-622), inspirado, sem dvida, no exemplo do grande
monarca budista indiano Asoka, estabeleceu mais de quarenta fundaes religiosas
na capital do Japo, em Asuka, na regio de Nara e em redor dela. Destas, Horyu-Ji
(l), Daian-Ji e Horin-Ji so as mais conhecidas. Embora os principais arquitectos,
escultores e pintores que neles trabalharam fosem muito certamente coreanos, tiveram
por ajudantes japoneses, os quais pueram no trabalho no s o desejo de aprender,
mas ainda o alto nivel de execuo que se tornou peculiar ao Japo. Logo de princpio, a regio de Nara foi o ponto de irradiao do budismo no Japo, nunca deixando de o ser, e desde ento tornou-se ponto de peregrinao para os amadores da
arte budista. Dos templos T'ang chineses muito poucos foram poupados pela perseguio de 845, e os que se encontram na Coreia so ainda em menor nmero.
Os templos de Nara ainda se encoritram de p, tendo .Sido uma verdadeira escola
de arquitectura, escultura e, ainda h bem pouco tempo, de pintura, (o. perodo de
maior esplendor na hisria da arte budista do Extremo Oriente.
Desta prieira fase, apenas se salvaram duas relquias da pintura budista no
Japo, sendo uma delas o tapete que descreve o paraso de Miroku (Maitreya), executado pelas damas da corte en 622, para assegurr o repouso da alma de Shotoku
Taishi.

(B) O Tigre

Jataka: do Relicrio
de Tamamushi, provvelmente 650-675
Nara, Japo, Horyu-Ji

100

A mais irnportante relquia do gnero d pintura de Asuka o Relicrio de Tama-

mushi, assim chamado por os seus painis estarem enquadrados por barras de bronze
dourado, todas rendilhadas, postas por cima das aas iridescentes de um escaravelho,
conhecido por insecto-jia (tanwmushi/. O relicrio (c), que tem a forma de um templo
em miniatura colocado sobre uma base elevada, foi executado provvelmente de
65O a 675. As portas-painis tm pintadas figuras dos guardies celestes, as portas
Iaterais so ornamentadas com bodhisattvas e na parte de trs v-se a pintura estilizada do Bico de Abutre. Os quato painis da base mostram a montanha sagrada
Meru, adoradores diante de uma relquia de Buda e duas histrias tiradas de jatakas (n).
A execuo das pinturas de uma linha ntida e fluente, em laca amarela, vermelha
e verde, sobre um fundo preto. A tecnica aproxima-se da pintura a leo ocidental,
e o estilo, que se pode designar por sino-coreano, tem um efeito decorativo em superfcie e encanta pelo
ter agradado imenso ag gosto japons da poca.

Ittqr;t
-.{

,-

O perodo Nara (710-794)


Em 645, o imperador Kotoku promulgou uma srie de decretos tendentes a reorganizar o reino segundo a imagem da china dos T'airg, que se aproximava ento do
znite em poder e prestgio na sia ocidental. A coreia j no servia de guia ao Japo,
pelo que o governo e a organizao social, as artes, a maneira de vestir, a etiqueta
e a prpria lngua deviam ser decalcados o mais aproximadamente possvel pelos da
china. A nova capital, criada no ano 710, em Nara, era uma cpia da cidade T'ang
chamada ch'ang An. os anos que formaram o perodo Nara, desde 710 at mudana da capital para Quioto, em 794, marcam o cume desta vaga de influncia
chinesa, sendo por vezes designadg por perodo Tempyo, embora este perodo, para
sermos mais exactos, se estenda apenas de 729 a 748. outras vagas de arte e cultura
chinesa derramaram-se pelas costas do Japo, mas nunca com o vigor das que trou-

xeram a brilhante civilizao da Dinastia T'ang.

As pinturas murais no Kondo de Horyu-Ji

um decreto de 701 criou um centro de pintura, dependente do Ministrio dos


Assuntos Internos, que inclua quatro mestres pintores, sessenta pintores, oficiais e
ajudantes, sendo provvelmente pintores pertencentes a este departamento que se
encarregaram da decorao da maior parte dos edifcios religiosos e palcios erguidos
em Nara e em seu redor durante os seculos vrr e v[r. As suas obras deveriam englobar,

(c)

Relicrio de Tamamushi,
provvelmente 650-675

Nara, fapdo, Horyu-Ji

sem dvida, a grande srie de pinturas murais no Kondo (palcio Dourado) de


Horyu-Ji, em Nara (o).
No se conhece a data certa destas pinturas, embora muitos conhecedores lhes
atribuam o perodo de 680 a 710. Decoram as paredes interiores do palcio e destinavam-se a edificar os devotos que faziam uma circum-ambulao em redor dos cones
no estrado central. Quatro grandes painis, cada um com mais de trs metros de altura
por vinte e quinze centmetros de largura, representam os quatro parasos que, segundo
as doutrinas espalhadas ento pelo Japo, se encontram para alm das fronteiras do

Na

parede ocidental, encontra-se o Paraiso de shakyamuni, na parede


o de Yakushi, o Buda que cura, e na de noroeste o de Miroku (Maitreya),
enquanto na parede oriental se encontra o de Amida (Amitabha) (r), cujo culto
era o mais propagado. Entre eles h oito painis verticais, cada um deles com um

mundo.

nordeste,

(D) Vista Ioterior do


seco \.It

Kond,

Nara, fapo, Horyu-ti

o Paraso um arranjo puramente formal, com a divindade que preside


num trono de ltus, no centro, sob um dossel de flores, ladeada de bodhisattvas e
bodhisattva.

aclitos (p. 205). com nobreza calma e austera, pertencem a um mundo intemporal
muito remoto em relao s vises extremamente humanas de um pintor religioso
do ocidente, como, por exemplo, Fra Angelico. Foram desenhados em argamassa
seca, com uma pincelada maravilhosamente fluente e subtil, e um sombreado muito
leve d a sensao de solidez plstica; a cor comedida, mas o pigmento foi amontoado numa sobreposio rica na representao das flores e das jias. Alguns conhecedores descobriram nestes paineis a influncia da pintura budista da sia Central,
mas' no entanto, so essencialmente chineses pelo estilo, se bem que mais belos que
qualquer pintura budista daquela poca que ainda exista na china. Aps mil e duzentos anos de conservao, foram, em grande parte, deitrudos num incndio em 194g.

(r) NNtrr{o

Paraso de Amida
(pormenor): pintura mural, c. Z)
Naru, tapo, Iloryu-Ji

101

Outras pinturas budistas do perodo Nara

(,r)

ANNMo

Mandara de Hokke-Do (pormenor),


sculo vrrr
Boston, Mus.

of Fine rts

euase nada resta dos numerosos estandartes que decoravam 65 lernplos budistas
do perodo Nara, mas alguns fragmentos do.Paldso de mida, tecido em tapearia
de seda, encontram-se no Taima Dera, templo situado a sul de Nara. O mais importante dos estandartes ainda existentes o chamado mandara Hokke-Do (Diagrama
Mstico da Pregao), que mostra Shakyamuni fazendo a sua pregao sobre o Bico
do Abutre. Conservou-se no Hokke-Do de Todai-Ji, o grande templo de Nara, at
ao fim do sculo xx, e faz actualmente parte dos tesouros do Museum of Fine Arts
de Boston. Embora danificado, enegrecido e muito retocado, as imagens da divindade e dos seus aclitos sobressaem, com um brilho que no parece terreno, de um
fundo de montanhas cobertas de rvores (a.). Por ele se pode fazer um estudo do estilo
T'ang da paisagem, e o facto de a mandara estar pintada sobre linhagem grosseira'
em vez de seda, leva concluso de que foi executado no Japo, e no na China.
Os bens dos mosteiros budistas de Nara eram devidos, enl grande parte, generosa
proteco da corte, proteco que no podia deixar de ter influncia na arte budista.
Um documento surpreendente desta influncia pode ver-se num pequeno estandarte
que se conserva em Yakushi-Ji (n), o qual representa Kichijo-Ten (Mahashri), deusa
da abundncia e encarnao da beleza, cuja adorao foi imposta pela imperatriz por
um decreto de 767. A graciosa f,gura, envolta em vestes difanas e panejamentos
ondeantes realados a ouro, tem um ar absolutamente terreno, de que emana no S
a espiritualidade budista, mas muito mais o tipo opulento da beleza feminina criada
na China por Chang Hsuan e Chu Fang, pintores da corte T'ang (p' 158)'

0s rolos de IngakYo
Por falta de documntos histricos, no h possibilidade de saber ao certo por
quem ou onde foram executadas pinturas como a Kichiio-Ten. evidente, por outro

lado, que os manuscritos da Escritura das Causas e Efeitos, o! Ingakyo, foram copiados no Japo de um original chins. Quatro verses, que se encontram em coleces
japonesas, foram pintadas em meados do seculo vIII, com uma quinta verso provvelmente meio sculo mais tarde, e deles existm tambm fragmentos em vrios
museus ocidentais. O Ingakyo conta a histria da vida e as vidas anteriores de Buda.
A ilustrao encontra-se acima do texto, e l-se, como em todas as escrituras do
Extremo Oriente; da direita para a esquerda (p. 206). Embora os factos tenham
ocorrido na ndia do seculo YI a. C., esto representados, do mesmo modo que nas
pinturas de Tunhuang, segundo o estilo da China de T'ang. So notveis pelo seu
encanto ingnuo e pela sua limpidez.
Pinuras do rec'rio de Shoso-In

(r)

ANNrMo

Estandarte Kichijo-Jen, seclo vm


Naro, fapo, Yakushi-Ji

toz

Construdo em756,o relicrio do grande templo deTodai-Ji abriga uma das maiores
e mais antigas coleces de artes e ofcios do mundo. Por morte do imperador Shomu,
ocorrida naquele ano, a piedosa imperatriz ofereceu os tesouros da borte ao templo,
sendo colocados num enorme amazm constl'udo em madeira, o Shoso-In (o), onde
pernaneceram em perfeitas condi@es, embora alguns objecto tenham desaparecido

e outros fossem acrescentados. Entre os dez mil objectos, h exemplos de qualidade


superior da arte decorativa do estilo T'ang que nem sequer se manteve na prpria
China. O inventrio primitivo indicava cem biombos)), mas destes s existe um
nico exemplar pintado (c). Cada um dos seus seis painis representa uma bela senhora, gorda, segundo a moda da poca, de p ou sentada debaixo de uma rvore.
Este assunto, vulgar na arte T'ang, surgiu j no final, vindo do Prximo Oriente,
e um dos muitos exemplos da influncia da sia Ocidental na arte de Shoso-In.
Outra relquia preciosa de Shoso-In (p. 2a$ um grande quadrado de linhagem
em que foi livremente desenhado a tinta um bodhisattva, com uma pincelada enrgica
semelhante que tornara famoso o mestre Wu Tao-Tzu da corte T'ang, na qual
a linha harmoniosa d a sensao de uma forma slida que se aproxima da de algumas
esculturas desse perodo. Compare-se, por exemplo, esta figura com o modelado voluptuoso do Buda das cavernas do Norte da China, em T'ien Lung-Shan (p. 285).

.
3;

(c) ANNn'{o Senhora sob Uma Arvore

(pormenor): painel de biombo, sculo vttt


Nara, apo, Toda-J, Relicrio de Shoso-In

(D)

Relicrio de Shoso-In, constrdo em 756


Nara, lapo, Todai-Ji

O perodo Heian (794-f185)


No final do sculo vrrr, os mosteiros tinham acumulado tantas riquezas e tanto
poder que se tornou indispensvel, se o Estado no queria ser governado pelos monges,
mudar a administrao para um lugar afastado de Nara cuja distncia oferecesse
segurana. Por isso, foi inaugurada em 794, em Quioto, ou Heian, como ento era
chamada, uma nova capital. O ltimo perodo de Heian, de 901 a 1185, frequentemente designado por Fujiwara, nome da poderosa famlia que governou o Japo
na qualidade.de regentes de uma sucesso de imperadores incapazes ou que se tinham
visto obrigados a abdicar. Na bela Heian, Cidade da Paz e da Tranquilidade>>, cercada por colinas arborizadas, os.palcios que se iam estendendo com os seus telhados

103

"d
semelhantes a asas de pssaros e os seus jardins cheios de lagos formavam um mundo
parte. Ali, belos prncipes e mulheres maravilhosas viviam rJespreocupados em
meio do luxo, tendo acsso a todos os pr?eres intelectuais e dos sentidos. A poesia

e a escrita, os piqueniques e o perfume do incenso, a moda e as intrigas proliferavam


na atmosfera aquecida de uma estufa, que, corn o tempo, se ia tornando cada yez

mais rarefeita e artificial. Os homens encorajavam a cincia e a literatura do continente e pnsavam que lhes advinha maior dignidade ao escreverem em chins, enquanto as mulheres, menos cultas e com menos inibies, escreviam na prpria lngua

e penetravam num mundo novo de sentimentos inteiramente de essncia japonesa,


donde devia mais tarde nascer uma pintura de tradio nativa, que se chamou
Yamato-E, ou arte de Yamato, isto , do Japo. para colher uma impresso ntima
da cultura dessa corte, nada melhor que Ier as primorosas tradues de Arthur Waley
de duas obras escritas por senhoras da corte daquele perodo, O Livro de Cabeceira,
de Sei Shonagon (.q.), e o romance O Conto de Genji.
(n) Atribudo princesa Srrnrro
Pormenor de ilustrao do <<Liwo
de Cabeceira, por Sei Shonagon,
sculo :v
Kanagawa, Japo, Col. Asano

Budismo esotrico: as ma[daras


Embora o budismo tivesse a sua maior expanso durante o perodo Nara, um
nmero muitssimo maior de pinturas religiosas da era Heian existem ainda. Isso
deve-se principalmente popularidade de duas seitas esotricas, Tendai e shingon,

que vieram da china no princpio do seculo xx. A seita Tendai (em chins, T,ien
T'ai) foi estabelecida no monte Hiei, em 805, pelo sacerdote saicho, chamado Dengyo Daishi, que ensinava um sistema que englobava tudo, com base no texto de
Lotus sutra. A seita shigon (em chins, chen yen) foi introduzida no Japo, trs
anos mais tard, por Kukay, que se chamava Kobo Daishi. Shingon afirmava que
cada ser uma manifestao da sabedoria divina, que deificada pelo Buda primordial, Dai Nichi-Nyorai (Maha Vairochana).
Ambas as seitas afirmavam que s os sacerdotes podiam interceder junto da divindade e ambas possuam rituais complicados, cujas frmulas apenas eram conhecidas

dos sacerdotes. Da o nome de esotricas. os servios eram executados, com a


ajuda de imagens, de pinturas e das mandaras (diagramas msticos), que serviam
para ilustrar os aspectos exteriores da doufrina.

(a) A

Mandara Taizo-Kai,

sculo vnr
Nara, lapo, Kojma-Dera

com efeito, as doutrinas de shingon s podiam ser representadas por mandaras,


que eram de dois tipos bsicos: o Taizo-Kai (Mundo da Rao), que era designado
pela mandara matriz do mundo material, representando Dai Nichi-Nyorai sentado
numa aurola circular rodeado pela corte celestial (e), ou o Kongo-Kai (Mundo da
sabedoria), a mandara superior do mundo espiritual, com a forma de um quadrado
dividido em oove seces, contendo cada uma das manifestaes de Buda. se bem que,
primeira vista, essas mandaras paream demasiado rituais para chamar a ateno
como obras de arte, as mais belas apresentam, na forma, o aspecto de jias,.assim como
nas linhas e na cor.

As formas enveis de Buda


Para o adorador wlgar, que desejava riquezas, posio e herdeiros, a metafsica
budista era incompreensvel. Queria acima de tudo segurana e sentia-se vibrar na

to4

contemplao de divindades de aspecto terrvel, os Cinco Reis Esclarecidos (Myo-O).


Pintados com meticulosa realidade, armados at aos dentes e aureolados de chamas,
os Myo-O esplendiam nas paredes do templo, ameaando de destruio no s os
inimigos da f, mas tambm os daqueles que lhes prestavam culto. A divindade era
invocada numa cerimnia meia-noite, e, ao surgir de entre o fumo do incenso,
luz oscilante das velas, devia formar um espectculo aterrador.
Na mais antiga pintura existente de um dos Myo-O, o Fudo Amarelo, conservado
no mosteiro de Tendai, em Mii-Dera, no lago Biiva, a postura rigidamente de frente.
Representaes posteriores, tais como as do conjunto de cinco datado de 1127, no
To-Ji, em Quioto, e o Myo-O Sentado Num Touro, em Boston (c), apresentam um movimento lateral que vai aumentando, para culminar no Ftdo a Correr, do sculo xru.
Um aspecto especialmente feroz apresentado na p.245. Desenhado a tinta com uma
linha vigorosa e mostrando Fudo em glria numa praia de rochas, era invocado no
fim do sculo xru como protector contra a ameaadora invaso mongol.

(c)

ANNrMo

Myo-O Sentado Num Touro, sculo xrr


Boston, Mus. of Fine rts

(o) Vista do Pavilho

Fnix,

construdo em 1053
Uji, Japo, Byodo-In

Pintura da seita Amida


Nem as tortuosas metafsicas das seitas esotricas, nem as terriveis vises dos
Reis Esclarecidos, proporcionavam grande conforto aos honens e s mulheres na hora
da morte. Esse conforto era procurado na adorao de Amida (Amitabha), o Buda
que preside ao Paraso ocidental e ao cuidado e proteco do qual passam as almas
de todos aqueles que lhe invocam o nome. O seu culto, designado no Japo por Jodo,
propagou-se, a partir de 985, no monte Koya, pelo monge Genshin, que ensinava
um caminho paa a salvao obtido nicamente pela f. O mais famoso"santurio amidista que existe, o Pavilho Fnix do Byodo-In, em Uji (o), foi construido em 1053.

elegncia dos seus pavilhes, que se reflectem na gua, e o esplendor das pinturas
que cobrem as paredes e as portas, so expresso perfeita do requinte feminino da arte
religiosa dos Fujiwara. O arranjo decorativo destas pinturas trata principalmente dos

nove aspectos de Amida Raigo (literalmente, Amida Que D as Boas-Vindas), que


representam a divindade a descer no meio de nuvens, entre uma multido de deuses
e anjos, a receber a alma do crente e' a levla para o Paraso. Outra forma, algo
posterior, pintada numa tela e colocada diante da pessoa prestes a morrer, apresentava

105

Amida Yamagoshi (Amida Atravessando as Montanhas) surgindo. como um enorme


Sol poente acima do horizonte (e).
Estas representaes de Raigo e outras primeiras composies, tais como a maravilhosa viso da descida de Amida guardada em Daein-In, no monte Koya (p. 213),
so simtricas, de acordo com o costume dos Parasos chineses, apesar de Raigo ser
de inveno puramente japonesa. Mas, com o tempo, surgiu o Rripido Raigo, na qual
o exrcito celeste Se precipita, vindo do cu, em direco imagem do morto, no
canto inferior, direita. o Raigo Rpido, tal como o Fudo que corre, exprimem de
modo dramtico o desejo premente de conforto e de ploteco que se apoderava
dos homens e das mulheres durante os anos de agitao que anunciaram a queda

do regime Fujiwara.
Duas obras-primas da pintura budista Fuiiwara

() ANr.'nro Amida

Yamagoshi,

sculo xtII
Quioto, Japo, Zenrin-li

A atraco da arte budista Fujiwara era frequentemente mais para os olhos e para
os.sentidos que para o esprito. De mesmo modo que a literatura da poca, exprime
sentimentos de grande delicadeza numa linguagem extremamente requintada, mas
raramente sonda as profundidades da experincia religiosa. O exemplo mximo deste
esteticismo emocional o grande painel de seda do nirvana de Buda, datado de 1086

e guarado no monte Koya, composio demasiado rica em pormenor para ser

sati-

fatriamente reproduzida a cores.

Pelo contrrio, o Shaka Nyorai, do Jingo-Ji, em Quioto (p.207), foi escolhido


como igualmente tpico da poca. Shakyamuni aqui representado a pregal de um
trono elevado, vestido de roupas de rico colorido realado pelo emprego de kirikane,
uma teia de folha de ouro recortada e aplicada sobre a cor de base. O desenho
delicado e o modelado sugerido por um sombreado levemente perceptvel. At a faixa
de luz que irradia da aurola de Shakyamuni ornamentada com flores de ouro caracterstica extravagncia Fujiwara. 0 efeito total deste estandarte mais o de uma
jia faiscante que o de um cone religioso.

Retratos religiosos

No Japo antigo, a pintura, no sentido ocidental, era desconhecida, e os (etratos


que foram importados da China, como, por exempld, o famoSo conjunto dos cinco
estandartes doS patriarcas da seita Shingon, pelo pintor Li Chen, represenaavam mais
que a mera parecena dos indivduos, pois eram tentativas para exprimir o poder
espiritual dos grandes chefes religiosos em profunda meditao ou entregues a viva
discusso teolgica. A influncia de modelos chineses visvel no retrato cheio de vida
do professor de Kobo Daishi, o sa@rdote Gonzo, que morreu em 827, retrato que
foi executado por um artista japons (p. 208). Embora a pintura que hoje se possui
seja uma cpia do sculo xI, reproduz o estilo original do sculo Ix com bastante
fidelidade.

Nos etratos do final do perodo Fujiwara, esta intensidade .de sentimento foi
substituda pela mesma combinao de esplendor decorativo e de vazio espiritual que
caracterizavam o Shaka Nyorai (p. 207). Mais impressionantes entre as obras finais
do siulo xr so as pinturas dos Dezasseis Rakan (santos budistas) de Raigo-Ji,

'

(B).

ANNIMo

Um dos Dezasseis Rakan: da srie dos


Estandartes Raigo-Ji, sculo xr
Tquio, Mus. Nacional

r06

actualnente no Museu Nacional de Tquio. Os seus rostos no so caricaturais,


nem esto deformados, como em muitas verses chinesas, mas sim tratados de um
modo naturalista, e cada figura est colocada numa paisagem maravilhosa, que mostra
como o pintor japons j comeava a utilizar o estilo decorativo T'ang para as suas
necessidades instintivas (n).

Captulo

II

YAMATO.E
Descobrimento do Japo pelos aistas iaponeses

Em 894, Sugawara No Michizane, erudito proeminente e conselheiro dos negcios estrangeiros, foi encarregado de chefiar outra misso cultural China. Ento,
dirigiu um pedido ao rei, no apenas para que o dispensasse, mas para que deixasse
definitivamente de mandar embaixadas. A viagem era perigosa, fazia ele notar, e a
China mostrava-se agitada. De facto, a queda da Dinastia T'ang estava iminente
e parecia que nada havia a ganhar com a continuao de mais contactos. Alm disso,
o Japo, que durante trs sculos fora discpulo da China, comeava flnalmente a ter
a noo da sua prpria identidade cultural. Do que ele precisava no era j mais da
civilizao chinesa, mas de tepo para digerir o que aprendera e oportunidade para
se servir disso a seu modo. E durante os trs sculos seguintes o Japo vai ficar isolado
nesse perodo que tomar corpo uma arte verdadeiramenle
nacional. Ser chamada Yamato-E, ou, literalmente, Arte de Yamato, a rea do
cento de Honshu, em redor de Quioto e Nara, que os Japoneses consideram o centro
da sua civilizao.
Assim como, durante o perodo Nara, a paixo dos Japoneses pela novidade

do continente, sendo

e pelo que era actual fizera que as pessoas pretendessem ser o mais chinesas possvel,
fazia agora que as coisas chinesas e os gneros de pintura e de escrita chineses se
encontrassem repentinamente postos de lado. Como se viu no ltimo capitulo, foram
a fico e os dirios escritos pelas damas da corte, na sua prpria lngua, que irimeiro
abriram o caminho a uma nova liberdade de expresso. Os poetas seguiram este exemplo,
descrevendo a beleza da terra de Yamato como Se a vissem pela primeira vez, con19,

at certo ponto, de facto sucedia, e. vrios poemas recolhidos no Kokinshu, uma


antologia de 922, exaltavam temas que viriam a ser considerados como tipicamente
japoneses-quedas de gua, ameixeiras em flor e as para sempre popularizadas cerejeiras floridas, para os Japoneses smbolo da pungente impermanncia das coisas belas.

escola de Kose

quadro que se possui de uma cena puramente japonesa, Folhas Ver'


melhas Deslizando pelo Rio Tatsuta, foi pintado entre 866 e 876, um biombo com cena
da vida diria japonesa foi pintado em 905 e, entre 868 e 872, Kose No Knaoka,
director do centro de pintura, executou para Michizane uma vista do jardim imperial,
do qual era o encarregado. Os seus netos Kintada e Kinmochi continuaram a tradio, pelo que a escola de Kose, como ficou a ser chamada, considerada como

(c)

ANNIMo

Michizane no Exlio (pormenor):

do Rolo Kitano
c. 1219

Tenjin-Engi,

Quioto, Japo, Santudrio de Kitano

I(osE No KANAoKA

O primeiro

)sl
to1

(a) ANNnro Paisagem (pormenor):


dos rolos de suspenso de Amida
Raigo, fins do seculo >a
Wakayama, Japo, Monte Koya,
Daien-In

o mago da tradio acional. Nessa altura, o velho centro de pintura fechou, e na


nova escola de pintura os artistas passaram a gozar de maior considerao junto da
corte. Esra importante mudana, que correspoDdia, em certo sentido, elevao dos
pintores da corte da china ao nvel de uma academia imperial sob a Dinastia sung,
contribuiu para o carcter aristocrtico dos trabalhos da escola de Kose.
Durante o sculo rx, os temas e estilos chineses na pintura eram ainda predominntes, mas,'num concurso de pintura descrito no conto de Genji, o trabalho
chins recusado por estar fora de moda, sendo uma cena japonesa, pintada segundo
um novo mtodo nativo, que recebe o prmio. Pode notar-se o aparecimentos deste
novo estilo num conjunto de painis que contam a vida de Shotoku Taishi e se encontram actualmente no .Museu da casa Imperial. No entanto, sofreram tantos restauros que pouco mais resta que o desenho original. As paisagens das vinhetas,
na parte inferior de vrias pinturas de Raigo, fornecem uma prova mais aceitvel

e apresentam alguns contrastes interessantes. A que se encontra no canto inferior


esquerdo da grande pintura Amida Raigo, no monte Koya (p. 213), foi grandemente
executada maneira T'ang (l), rnas, quando se consideram as composies de Raigo

Uji, depara-se-nos algo totalmente diferente.


Aqui, o estilo T'ang foi simplificado, a escala das colinas foi reduzida e sugerida
por largas aguadas, o pormenor desapareceu, as rvores so estilizadas, a cor
refrescante, simples e alegre, enquanto a pincelada, que forma a base da pintura
chinesa da paisagem, foi suprimida por completo.
com o tempo, os pintores da escola de Kose iniciaram novas convenes, que se
tornaram caracteristicas do novo estilo, nomeadamente a faixa de puvens e a casa
nas portas do Pavilho Fnix, em

com o telhado levado pelo vento)). As nuvens, dispostas em largas camadas horizontais,
tinham por fim escurecer o horizonte, pr a cena em primeiro plano e esconder partes
indesejveis, alm de, quando executadas a ouro, acrescentar um efeito deorativo.
A casa sem telhado permite-nos ter uma viso para dentro dos quartos e observar

o drama

(s) ANNtr!o O poeta po Chu-I


rrma P4is4gem .(pormenor):

do Biombo To-Ji, fins do seculo x


Quioto, apo, Kyoo Gokoku-Ji

humano u a comdia que ali se desenrolava.


Todavia, a mudana para o novo estiio no se verificou de um dia para o outro,
pois ainda havia artistas capazes de trabalhar antiga maneira chinesa ou de fazer
uma combinao dos dois estilos. Ainda existe, por exemplo, descrio de uma
pintura do fim do sculo x, que era <<chinesa>> na faixa central acima da gua e
Yamato-E na parte que ficava por baixo. A famosa paisagem do biombo To-Ji, em
Quioto (n), um exemplo interessante da fuso dos dois estilos, ou melhor, de um
estdio intermdio para um puro estilo Yamato-E..o assunto, provvelmente o poeta
Po Chu-I no meio de uma paisagem a receber uma visita diante da sua casa, chins,
iomo o so o estilo da pincelada e da estrutura bsica da cena, mas o colorido suave
e plano, a simplificao, das formas e a reduo da paisagem a propores humanas

so puramente japoneses;
Os rolos narrativos

As manses do imperador e da nobreza. Fujiwara eram providas de biombos


(byobu) e de portas de correr (usuma), com uma cobertura de papel, que ofereciam
superfcies ideais para uma decorao do novo estilo. Mas eram frgeis e inflamveis,
108

e a paisagem do biombo To-Ji j mencionado quase o ltimo exemplo que ficou


daquele periodo. Por outro lado, cem conjuntos de rolos (e-maki ou e-makimono),
datados do sculo xrr ao sculo xrv, encontram-se em templos ou em coleces
particulares. nestes rolos que se pode estudar o desenvolvimento e a maravilhosa
variedade da Yamato-E

O erudito japons Akiyama Terukazu dividiu-os nos seguintes grupos:

1. Rolos de assuntos profano, de carcter puramente artstico. Neles eto


includas novelas ilustradas, escritas principalmente por damas da corte, histrias populares e narrativas histricas, ilustres de poemas e retratos de
poetas clebres e ilustraes de novelas militares.
2. Rolos de assuntos profanos, com um fim utilitrio, geralmente decorativo. Entre eles h quadros de cerimnias da corte, de campanhas e feitos
militares.
3. Rolos.edificantes, de natureza religiosa, que se iniciam com os rolos
Ingakao apresentados no captulo anterior e compreendem as ilustraes
paa sutros (escrituras) e para as vidas dos grandes monges e chefes religiosos, alm de rolos moralizadores que descrevem os sofrimentos humanos
e os horrores do Inferno. So na maioria budistas, mas h alguns de assuntos
Shinto entre os ltimos.
4. Rolos satricos e caricaturais, alguns dos quais podem ter um fim edificante e de advertncia.
Os rolos de Genji
Um dos mais primitivos e mais belos trabalhos ainda existentes, pertencentes ao
primeiro grupo, a srie de rolos que ilustram o conto de Genji, dos quais existem
apenas pinturas de quatro de um grupo de dez rolos originais, que ilustravam dezanove
episdios,. do romance (c). Alm de cada desenho em si, h o texto, escrito numa

letra cursiva de muita graa e elegncia. A data exacta destes rolos no conhecida,
embora tenha sido sugerida a hiptese de terem sido pintados para com eles presentear o imperador ou a imperatriz durante a primeira metade do sculo xrr, podendo tambm tratar-se, muito provvelmente, do conjunto que se sabe ter sido
encomendado pelo imperador em 1119. Qualquer que seja a sua origem, mostra
a Yamato-E no e_splendor da sua juventude, embora ainda buscasse inspirao no
mundo feminino e imaginrio da corte Fujiwara.

(c) ANNruo O Conto de Genji


(pormenor): de um rolo, provvelmente
sculo xrr
Quioto, lapdo, Fundado Reimeikai

109

O pormenor presentado na p. 223 representa uma cena do fim do livro, em


que as damas de servio esto de vela pela noite fora, enquanto para lm da cena,
direita, o neto de Genji, Niu, brinca com a sua nova consorte. Olhando de cima
para dentro da sala, o pintor tira proveito das grandes verticais do painel, ficando
em contraste a firmeza das suas linhas e ngulos com as ondeantes curvas dos volumes das roupas das raparigas. As ricas e brilhantes cores minerais, maravilhosamente atenuadas pelo tempo, surgem em maior riqueza devido ao contraste com os
cabelos negros da rapariga, caracterstica muitas vezes descrita com amor na literatura
da
(a)

Atribudo a

FUJTWARA

NonuzaNe

Um dos Trinta e Seis Poetas


(pormenor): rolo, sculo xtr
W'ashington, Freer Gall. of rt

FUJIWARA NOBUZANE

-)}

xf"
&.

4A

poca.

Chama-se esta tcnica tsukuri-e (pintura de make-up). Aqui, a composio foi


primeiro delineada a preto, sendo as cores minerais aplicadas depois em vrias camadas espessas, aps o que os principais contornos foram de novo marcados a tinta.
Os rostos eram desenhados numa especie de estenografia designada por hiki-me kagi-hana (olhos em linha recta e narizes em linha curva), que deixa transparecer poucas
indicaes sobre o carcter, as emoes ou, at, sobre o sexo. Supe-se que esta conveno foi criada pelas damas da corte, as quais queriam ilustrar os seus romances
favoritos, mas no tinham muita habilidade para desenhar faces. Mas esta ausncia
de traos deflnidos apresentava as suas vantagens, pois no causava embaraos aos
aristocratas que procuravam identiflcar-se com as principais personagens representadas, permitindo, alm disso, criar uma atmosfera de irrealidade para estas histrias
romnticas.

O Rolo dos Trinta e Seis


Algo desta irrealidade

Poetas

se conservou na

pintura da corte ainda aps

a queda

do regime

Fujiwara, nomeadamente no Rolo dos Trinta e Seis Poetas, provvelmente pintado

por Fujiwara Nobuzane (1176-1265). Os trinta e seis poetas eram homens e mulheres

da era Fujiwara, clebres pelos seus poemas em lngua nativa (a), e os retratos deles
popularizaram-se tanto na poca que receberam o nome especial de kasen-e (retratos
dos poetas imortais). Os <<retratos destes rolos no tm, evidentemente, semelhanas
com os poetas, visto qu estes j tinham morrido h muito quando a pintura foi
feita, mas procuraram ir alm da tcnica convencional hikme kagi-hana e do uma
sugesto dos traos e do carcter de cada um deles. O retrato da poetisa Ko Ogimi
apresentado na p. 212. A opulenta extravagncia do seu vestido e as cores suaves
e quentes eram habituais na arte da corte Fujiwara, mas os ngulos acentuados e os
contrastes dramticos, obtidos pela riqueza da tinta preta, so a expresso de um
gosto mais viril da poca Kamakura, que se seguiu'.

Histrias ilustradas de monges e mosteiros

(r) ANNlt{o

Gnio Descendo do

Cu Numa Nuvem (pormenor):


do Rolo Myoren, fios do seculo
Nara, Japo, Cho-Go Sonchi-li

110

ru

Os rolos de Genji so o exemplo mximo do estilo abstracto e decorativo da arte


da corte Fujiwara. Todavia, nem todas as narrativas dos rolos dos trs sculos que
se seguem foram inspiradas em ideias da corte e nem todos se servem de convenes
pictricas como a hikme kagi-hana. Os rolos que ilustram as vidas dos sacerdotes
clebres possuem o mesmo gnero de realismo que se verificava nos retratos estudados
no captulo anterior, e um excelente exemplo deste gnero o conjunto de trs rolos

(c) ANNnro
de histrias acerca do monte Shiji que servem de ilustrao a lendas do monge
Myoren, que ali restaurou um templo em princpios do seculo x. Um dos rolos conta
a histria da sua mgica tigela de arroz, que andava de um lado para o outro a
recolher comida para o seu proprietrio, e o que aconteceu ao rico fazendeiro que
no cumpriu devidamente as Suas obrigaes de protector; o segundo. o relato de
como Mygren conseguiu curar o imperador, embora se enontrasse a grande diStncia, sendo o terceiro o relato do encontro milagroso com a sua velha irm.
O contraste do tratamento entre estes e os rolos de Genji notvel, pois, se os

Gisho Num Barco


Irvado por Um Drago (pormenor):
.

das L,endas da Seita Kegon, sculo xtII


Quioto, .apo, Koza

ltimos fazem pensar em lances de um grande fllme de aco, o conjunto de Myoren


apresenta-se como o prprio filme. Os rolos de Genji foram feitos de peas separadas, compostas a cor, mas a aco das histrias de Myoren prolonga-se atraVs de
uma paisagem ininterrupta, sendo o sentido do movimento intensificado por uma
magistral linha a tinta executada maneira chinesa (s) e a cor apenas usada para

aumentar o realismo. As figuras so desenhadas com um humor irnico, quase


caricatural. No entanto, evidente, atravs da familiaridade que o artista patenteia,
no segundo rolo, com os aposentos interiores do palcio, que devia tratar-se de
algum profissionalmente ligado corte.
Outros manuscritos budistas. dos sculos xrr e xlII mostram o xito com que
a pintura chinesa a tinta da Dinastia Sung se misturou Yamato-E, j a tornarse
adulta. Muitos dos rolos so chineses pela tcnica, sendo produzidos por artistas
ligados ao Kozan-Ji, prximo de Quioto, e contam a histria, em parte vrdadeira,
em parte lendria, de Gisho (c) e Gerigyo, chefes coreanos da seita Kegon.
outro grupo de rolos de maior importncia, chamados Biografia Pictrica de
Ippen Shonin, refere-se vida de uma figura proeminente do movimento popular
Nembutsu que pregava a salvao pela crena em Amida. Das trs verses que ainda
existem, a melhor o conjunto de doze rolos pintados sobre seda e uma parte que
se encontra actualmente no Kangiko-Ji, em Quioto, e a outra no Museu Nacional
de Tquio. Uma inscrio diz-nos que foram acabados em 1209, dez anos depois
da morte de Ippen, e os caracteres foram escritos pelo Sacerdote Shokai, sendo a

pinturas executadas por Hogen En-I (p).


Um estudo deste rolo faz pensar que Hogen En-I tenha acompanhado de facto
Ippen durante os quinze anos em que percorreu o Japo em todos o sentidos, corno
monge mendicante, pois este o assunto neles tratado. Quando Ippen atravessa um

HocEN EN-I

4r

(D)

HocEN

EN-r A Vida de

(pormenor): rolo, 1299

Ippen

Qrtioto, .Iapo, Kangiko:li

n1

cenrio de montanhas, quintas, aldeias e cidades populosas, o artista apresenta um


panorama maravilhoso, vivo e exacto do Japo durante as quatro etaes (p. 20g).
o facto de os rolos estarem pintados sobre seda, o que representava sempre um luxo
no Japo, faz pensar que tenham sido encomendados por algum de categoria ele_
vada. O estilo principalmente notvel por ter fundido com xito os elementos
nativos e chineses, mostrando, por um lado, o sentido de vida e de carcter e uma
noo do efeito decorativo, que so puramente japoneses, por outro, um lirismo
e comedimento na pintura da Natureza e um domnio da intensidade pictrica nitidamente inspirados na pintura paisagstica sung. Mas nunca mais, na histria do
Japo, a arte voltou a atinglr um equilbrio to perfeito entre as duas tradies.
Os rolos animali5ficeg
'No sculo XIII, a procura, ocasionada pelos cultos esotricos Shingon e Tendai,
de
reproduo das imagens, deu origem a uma classe de sacerdotes pintores, altamente

treinados para executarem em poucos minutos um cone convincente com trao


a tinta, tal como o Fudo meaador, i analisado (p. 105, reproduzido na p. 245).
racl imaginar um destes pintores, com mais originalidade e talvez um pouco mais

(A) ANN&,ro

Macaco Adorando

Uma R (pormenor):
rolos animalsticos, sculo xlr
Quioto, apo, Kozan-Ii

(s)

ANNn\.o

R Atirando ao Cho Uma Lebre:


(pormenor): rolos animalsticos,
sculo :<rr
Quioto, Iapo, Kozan-Ji

irreverente que os colegas, de quando em quando soltando as rdeas ao seu talento


para a comdia e para a stira, como meio de escape ocupao mecnica dos
cones, que constitua a ocupao principal. E foi talvez algum impulso desse gnero
que originou os clebres rolos animalsticos pintados no Kozan-Ji, em
euioto, onde
permaneceram'at agora.

Os dois primeiros pergaminhos e parte do terceiro, que se cr datarem do sculo xrr,

mostram animais em atitudes humanas: a brincar (n), a provocar-se uns aos outros,
discutindo e executando cerimnias budistas. A maior parte do terceiro e todo o quarto,
que datam do perodo Kamakura e foram executados por um pintor de talento inferior,
representam vrias actividades humanas, jogos e divertimentos. A ilustrao (a) mostra
um pormenor do primeiro rolo, em que uma missa budista est a ser reaLizad,a por
macacos e coelhos diante de uma r, sentada maneira de Buda. Estas cenas cheias
de vida e engraadas no so acompanhadas por qualquer texto, tendo-se discutido
muito o seu sentido. Alguns eruditos sugerem que um monge das instalaes de Kozan-Ji,
da seita shingon, os desenhou para satirizar o comportamento dos monges do templo
rival de Tendai, nas vizinhanas de Enryaku-Ji, mas; qualquer que tenha sido a inteno do artista, evidente que no se tratava meramente de um talento impetuoso,
mas de um artista que dominava a linha a tinta chinesa. Todavia, como estes rolos
mostram, o artista jpons servia-se agora da linha de um modo puramente japons,
porque, enquanto a linha chinesa essencialmente caligrfica, a do pintor japons,
que, no ntimo, um realista, serve de base descritiva forma que est a desenhar.

O perodo Kamakura (IIS5-I392)

desenvolvimento dos rolos narrativos, que atingiram o apogeu na segunda metade

do sculo xrrr, um exemplo flagrante da maneira como a aite pode reflcetir os acontecimentos nos meios polticos e soiais. Durante o sculo xrr, a corte Fujiwara e a
nobreza embrenhavam-se cada vez mais no mundo imaginrio vvidamente descrito
112

I
i

nos rolos Genji, enquanto, do outro lado das paredes dos seus palcios, poderosas
foras destruidoras estavam em aco. Assim, perante o declnio do poder do imperador Fujiwara, cada vez mais aumentava o poder dos senhores feudais, embora
aquele tivesse tentado submetlos com a oferta de terrs, o que apenas contribuiu
para intensificar a luta entre as famlias rivais.
Em meados do seculo xu, dois cls, o Taira e o Minamoto, abriram caminho
para a supremacia, desencadeando uma guerra civil que durante trinta anos revolveu
o Japo numa luta de ferocidade inigualvel. euioto foi abandonada, o grande
Todai-Ji, em Nara, ioi destrudo, e os campos foram devastados pelos exrcitos que
faziam a sua pilhagem. Cerca de 1185, cs Minamoto, depois de vrias contrariedades,
emergiram triunfantes sobre os Taira, estabelecendo a su capital em Kamakura, ao
sul de Tquio, to longe quanto possvel da enervante influncia da corte Fujiwara.
o xgum (literalmente, general brbaro dominador) Minamoto No yoritomo organizou os seus servidores numa grande disciplina administrativa, conhecida como
bagu-fu, ou quartis militares, e muitos homens astutos, fugindo atmosfera sufo_
cante de Quioto, foram oferecer os seus prstimos a Kamakura, onde entretanto os
samurai (literalmente, aqueles que servem) haviam formado uma nova lite que imps

(c)

Trs Samurai: do fitme japons

<<os sete samurai>r, 1954


Fotografa cedida pela ssocao

Nacional de Turismo do lapo

a si mesma um rgido afastamento tanto das massas, como da aristocracia da corte,


que desprezavam, sobrepondo-lhes um ideal espartano de lealdade pessoal e auto-

disciplina (c).
A literatura pica deste periodo, tal como o Heike Monogatari, ou Hiskjria de
Heike, que descreve a ascenso e a queda do cl Taira, est cheia de feitos de cora-

gem, pertincia e lealdade, tlpicamente homricos. de pouca importncia para


os
seus admiradores que a lealdade fosse, por vezes, efeito de cobia e bravura, manchada pela mais revoltante crueldade, mas tambm um facto digno de interesse
que as guerras de Taira, principalmente as atrocidades cometidas ao longo delas,
inspirassem aos artistas japoneses alguns dos seus mais brilhantes trabalhos.

0s rolos de guerras
um

Contudo, nem todos os rolos narram os acontecimentos das guerras de Taira.

dos primeiros ilustra a histria de Ban Dainagon, ou Tomo No Dainagon, o erudito


conselheiro do sculo D< que, para prejudicar o seu rival Minamoto Nobu, Ianou

fogo ao prtico imperial, culpando disso Minamoto. Mas acaba por descobrir-se
a verdade, e Tomo expulso. os trs pergaminhos, que fazem agora parte da coleco
sakai, em Tquio, foram pintados na segunda metade do sculo xrr e mostram o fogo
no prtico, o pnico que se estabelece atrs dele e a confuso na ru. o realismo
destes quadros est atenuado pelos traos muito delicados e pela cor.
Os trs rolos que ainda existem de um conjunto ilustrativo do Heiji Monogatari,
pintados de uma forma menos subtil, mas talvez mais atraente, datpm provvelmente
de trs perodos diferentes do seculo xlu. Este livro descreve os acontecimentos do
Inverno de 1159-60, quando os Taira esmagaram temporriamente os Minamoto.
o Heiji Monogatari e outras novelas militares deste perodo, tais como o Hogen
Monogatati e .o Heike Monogaari, esto escritos num estilo directo, muito diferente
do estilo cheio de subtileza que caracterizava o estilo literrio da corte dos Fujiwara.

ll3

Da mesma maneira, tambm o realismo frio dos quadros inspirados nestes livros apresenta um contraste notvel em relao s abstraces umptuosas dos rolos Genji.
Nas pp. 214-215 e em (A) e (n), pode ver-se pormenores dos primeiros rolos do
Heiji Monogatari, agora expostos em Boston, no Museum of Fine Arts. O romance
descreve a constituio das foras de Taira e Minamoto e conta como um tirano,
o nobre Fujiwara No Nobuyori, desvastou o palcio do velho imperador antes de
destruir o seu rival, o ministro Shinzei. O texto escrito no rolo exposto em Boston
relata como Nobuyori se apressou a pr o imperador em segurana, pois a sua pessoa
era sagrada: <<Depois deu uma ordem e os soldados bloquearam o palcio em todas
as quatro fachadas e deitaramlhe fogo. Aqueles que tentavam escapar eram fuzilados ou espancados at morte. Muitos saltaram para dentro dos poos, na esperana de poderem salvar-se. As aias e as criadas, saindo a correr e a gritar, caam
e eram espezinhadas pelos cavalos e pelos homens. Foi mais que horrvel. Ningum
sabe quantas pessoas perderam a vida.
Este terrvel espectculo est reproduzido to vividamente que parece ser possvel ouvir o crepitar das chamas, o barulho dos cascos dos cavalos, os gritos das
mulheres em pnico. Com um domnio extraordinrio, o pintor conseguiu criar, conjuntamente com as chamas e o fumo, a desordem catica no ptio e as linhas estticas
e duras dos edifcios do palcio, numa beleza visual que transcende os horrores da prpria cena. Na complexidade do desenho, a riqueza das cores e do contedo e as variaes do ritmo e do tempo fazem que o quadro possa ser comparado aos vrios
andamentos de um sinfonia dramtica.
Da carnificina mostrada nos rolos de guerras, passamos queles que representam
outras calamidades, reais ou imaginrias, que ocuparam as massas naqueles anos turbuler-rtos. A mistura de stira e compaixo que muitas vezes encontramos na arte budista
japonesa pode ser perfeitamente observada numa srie de rolos ilustrando os tormentos
do corpo e do esprito a que os homens esto sujeitos. Estes, os Rolos das Doenas,

foram pintados cerca do ano 12O0, e mostram, num leve esboo feito com um trao
a tinta e uma pintura ligeira, grande variedade dos padecimentos do homem (c), desde

(A) ANNnio O Incndio do Palcio'Sapjo (pormenor)


do Rolo Heiji Monogatari, meados do culo xtt
Boston, Mu* of Fine lrts

(s) ANlqnr.ro Cavaleiro: do lnc.ndio

do Palcio Sanjo, Rolo Heiji Monogatari,


meados do sculo xur

Boston, Mus.

of Fine rts

tt4

um nariz negro hereditrio at s alucinaes. So notveis no tanto pelo estilo,


que, embora vivo, relativamente indistinto, como pelo conhecimento que demonstram acerca do modo de viver das classes pobres, assunto que no focado nos rolos
clssicos e aristocrticos deste perodo, alm de mostrarem ainda como a arte budista
deste tempo de ansiedade transmite os temores e sofrimentos do povo, mbora a maneira como ests aflies so retratadas se assemelhe muitas vezes caricatura.
Aliados de perto a estes rolos,.embora muito mais horrendos no contedo, so
aqueles que mostram o Inferno budista e o Reino dos Fantasmas Famintos, dois
dos seis mundos nos quais,. de acordo com a crena budista, os seres sensveis
podem reencarnar, e de que smente os reencarnados no Paraso podem salvar-se.
Da srie, existem cinco rolos, dos quais trs so originais de fins do sculo xrr,
sendo os outros dois apenas cpias. Os mais notveis so os que estiveram primitivamente na Coleco Hara e se encontram agora ao cuidado da Comisso para a Proteco da Propriedade Cultural, em Tquio. Pintados com a flnalidade de assustar as
pessoas simples durante o seu curto trajecto terreno, mostram os tormentos horrveis
que esperam o pecador no outro mundo. Os horrores sinistros do Inferno so mostrados atravs de um contraste dramtico entre a atmosfera lgubre e a cor rica e
luminosa das figuras dos demnios e das vtimas. A mais arrepiante de todas o
Galo Gigante (o), que despedaa os culpados de crueldade para os outros. As penas
terminam em chamas e do bico sai uma lingua de fogo. A grandeza e o temor do
tema inspiraram os artistas destes Rolos do Inferno a um dos mais extraordinrios
acontecimentos da histria da pintura ja.ponesa, e nestes, como noutros rolos, o fogo,
quer seja o fogo eterno do Inferno ou o dos incendirios Minamoto das ruas de
Quioto, parece ser um smbolo do estado japons nos sculos xrr e xrrr,
um alvio passar desses horrores pata a grande srie de rolos do sculo xrrr,
o Kitano Tenjin-Engi (literalmente, rolo da Histria do Ser Celeste de Kitano). Conta
a histria de Sugawara No Michizane (845-903), o erudito conselheiro imperial mencionado no princpio deste subcaptulo que foi exilado para Kyushu por instigao
do invejoso Fujiwara, vindo a morrer abandonado no seu posto solitrio. Entretanto
vrias calamidades caram sobre a corte, pelo que lhe foi levantado o exlio a titulo
pstumo e a sua memria reabilitada, a fim de que o seu esprito tivesse paz, alm
de ser erigido um templo que lhe era dedicado no distrito de Kitano, perto de Quioto.
O culto de Michizane foi muito popular durante o periodo Kamakura, existindo
ainda dez rolos antigos que ilustram a sua histria. Destes, o mais antigo e o melhor,
ainda conservado no santurio de Kitano, data de 1219, ou pouco mais tarde
(p. 116, n), e relata a sua carreira poltica, o seu desterro, as ltimas palavrasdoseu
profeta,.o monge Nichizo, a inaugurao do templo dedicado a Miehizane e os milagres l ocorridos. A estampa da p. 210 mostra um pormenor do rolo, no qual
o ministro exilado contempla uma tnica que lhe foi mandada pelo imperador. Qs_
rolos, no seu todo, mostram um notvel balano entre as histrias dramticas e o
paganismo, o realismo e a decorao abstracta. As caras so de homens reais e muitos-pormenores so tirados directamente da Natureza e da vida das ruas. Alm disso, este
realismo est mesclado de um brilhante uso da arquitectura e da paisagem, com tons
negros provenientes de carros, armas ou touros, o que faz que cada pergaminho seja
uma unidade pictrica completa.

(c)

ANNrMo O Homem dos

Dentes Soltos: dos Rolos


das Doenas, c. lZ(N
Tquio, Col. Arihiko Sekido

(o) ANNn'{o O Inferno do Galo

Gigante (pormenor): dos Rolos do


Inferno, sculo xrr
Tquio, Comisso para a Proteco
da Propriedade Cultural

il5

() ANrqrvo

O Fantasma de Michizane Lana Fogo s Portas da Cidade (irormenor):

do Rolo Kitano Tenjin-Engi, c.

1219

Quioto, Japo, Santurio de Kitano

O Rolo dos Dez Touros

Furrwane TaeNosu

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tu

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Famosos

A estampa da p. 216 mostra uma pintura de um touro negro que poderia ser um
pormenor aumentado da siie Kitano Tenjin-Engi, mas que, na realidade, uma das
seces que restam do Rolo dos Dez Touros Famosos, pintado cerca de 1300. Os
outros dois fragmentos ainda existentes esto em Cleveland e em Tquio. O artista
concentrou-se no essencial, e os touros so mostrados em silhueta, sendo o seu slido
volume sugerido atravs de amplos contornos e uma misteriosa <<sombra negativa e
a sua vitalidade atravs de uma delicadeza de linhas, mostrando os olhos uma expresso
atemorizada. O poder contido e disciplinado das suas formas uma expresso viva
dos ideais estticos do periodo Kamakura.
O retrato Kamakura
Encontramos uma expresso cada vez mais pertita,dos ideais Kamakura no
retrato do grande militar Minamoto No Yoritomo (p.2ll), que um trabalho de
Fujiwara Takanobu (1142-1205), chefe do servio de construes da capital e que foi
um pintor de retiatos renovador. um dos cinco retratos que se conhecem do ex-imperador Go-Shinakawa e dos seus ministros, pintados por Fujiwara Tokanobu para o
palcio imperial, construido em 1188, estando actualmente no Jingo-Ji, em Quioto.
A finalidade do retrato de Minamoto no foi smente a flgurao dos ideais da classe
samurai, mas tambm a criao da presena viva do homem para que depois de morto
possa continuar a transmitir inspirao e fora aos seus continuadores. Assim, nesta
pintura, a disciplina de ferro exercida por Minamoto em relao ao seu temperamento
ardoroso perfeitamente posta prova pelo poder do pintor para controlar a silhueta

angular e os contrastes dramticos de trao e tom.

tecnica perfeita e

o trao firme

so como a lmina da espada de um samurai (p. 118, a).

(n) ANNnao O Padre

Jugen:

escultura em madeira, scrrlo xrn


Nara, lapo, Todai-J

116

Aos olhos da aristocracia Kamakura, o ralismo no retrato estava limitado aos


monges pintores (s) e s classes baixas, e muitos aristocratas devem ter ficado impressionados perante os retratos de Fujiwara Takanobu, que foram o ponto de partida

revolucionrio dos heris idealizados do passado a que estavam habituados. H


uma forte linha romntica no temperamento japons que d colorido ao seu panorama
religioso, e j vimos isso nas interpretaes de Fujiwara de Shakyamuni e o Amida
Raigo. Agora ela aparece-nos de novo no encantador ((retrato)) do grande fundador
da seita Shingon, Kobo Daishi em criana (c e p. 289). De acordo com a lenda,
o apaz teve um sonho no qual se viu sentado num ltus de oito ptalas, discutindo
a doutrina budista com vrias divindades. O artista representou-o como uma viso
de tocante beleza, sabedoria e inocncia,.com todos os pormenores do cabelo, das
mos e da tnica florida delineados com grande amor e preciso, por meio de tinta
dourada e prateada. O sentimento que esta pintura evoca tpico do romantismo religioso de Fujiwara, mas a tcnica, a importncia da silhueta, as formas angulares das
tnicas, o tratamento do cabelo negro-azeviche, tudo isto mostra como est perto, no
retrato, de Minamoto No Yoritomo, embora possa ter sido pintado muito antes do fim
do seculo xtIr.

(c) AxNnro Kobo Daishi em

Criana (pormenor),
fins do sculo xrrl
Mikage, Japo, Col. N. Murayama

Duplo Shinto e pintura paisagstica


A criao de um estilo nacional na pintura, o Yamato-E, foi um aspecto da maturao da cultura japonesa que se verificou aps a primeira grande onda de influncia
chinesa. Durante o perodo Heian, a antiga religio japonesa, Shinto, ou Caminho
dos Deuses, teve de render-se, tal como sucedeu com o taosmo durante as Seis Dinastias da China, ante o poder e o prestgio do budismo. Mas agora, tal como outras antigas
instituies japonesas, tornara-se suficientmente forte para enfrentar o budismo no
seu prprio campo. Esta reconciliao teve inmeras formas diferentes, de acordo
com o perodo e com as doutrinas das diferentes seitas budistas com as quais estava
aliado. A fuso com Shingon, por exemplo, deu origem ao nascimento do Duplo
Shinto, em que os espiritos de Shinto eram vistos como manifestaes de Budas e
bodhisattvas, enquanto Amaterasu, a antiga deusa do Sol, se tornava uma encamao
de Dai Nichi-Nyorai, a suprema divindade da seita Shingon. Desta sntese, foi possvel
para Shinto, que at ento no tivera qualquer arte religiosa prpria, fornecer pintores
com inspirao e assuntos.
O Rolo Kitano Tenjin-Engi, em especial as ltimas seces, que esto relacionadas
com a pintura do templo de Michizane e os milagres ali ocorridos, pode ser olhado
como exemplo desta nova arte do Duplo Shinto. Mas talvez ainda mais tpicas so
as pinturas de templos, montanhas e quedas de gua famosas pela sua beleza e pelas
suas antigas associaes com Shinto (p). A primeira e a melhor destas paisagens o rolo
que se encontra no Museu Nezu, representando a queda de gua Nachi, em Kumano,
onde no sculo xrr foi o centro do culto Duplo Shinto (p. zail. O rolo, pintado pouco
depois de 1300, mostra. a cascata como um grande lenol de gua descendo verticalmente at s rochas, no sop de uma falsia. Embora exista um templo entre as rvores,
nenhuma figura humana enira no pavoroso espectculo, no h qualquer poeta vagabundo como esperaramos encontrar num trabalho chins com semelhante tema e
fcil imaginar o Iocal visitado pelo seu poderoso gnio local, Hiryu Gongen. O grande
disco cor de laranja do Sol iluminando o topo da falsia foi interpretado como smbolo
de Dai Nichi-Nyorai, numa unio mstica com o esprito da queda de gua. Assim,

(o) ANNuo

Mandara das Trs


Montanhas de Kumano,
sculo xIu
Tquio, Mus. Naconal

tt7

no qual esto simbolizadas tanto


a pintura mais que uma paisagem
- um ntandara,
as foras csmicas como as foras naturais, embora estas aqui no tomem a forma
usual de divindades, mas de montanhas, da gua e do Sol. Na pintura de paisagens
chinesas encontramos imptcito o mesmo simbolismo, ms no to explcito. Nesta
poca, foram feitas no Japo inmeras pinturas de templos e de lugares famosos e olhados
como mandai,a.r, mas nunca conseguiram aproximar-se da grandiosidade do rolo do

Museu Nezu.

Captulo

III

PINTURA A TINTA MONOCROMTICA

xogunato Ashikaga (1392-f573)

O problema que todos os governos japoneses enfrentaram at aos nossos

dias

consistiu no facto de no haver algum suficientemente forte que controlasse os grandes


cls e os chefes regionais por mais que um perodo limitado e o que os mantinha no poder
era menos a sua prpria autoridade do que a constante rivalidade entre os seus adversrios, Durante a ltima metade do seculo XIII, as sedues da vida da corte de Quioto
comearam a ter influncia nas regras militares de Kamakura, enfraquecendo a sua flrmeza no Japo, at que, em 1336, a poderosa famlia Ashikaga apresentou um candi-

dato rival a imperador, o qual tentou fazer renascer o poder da casa imperial. Ento
seguiu-se uma longa luta, amarga e sem sentido, pela sucesso, um perodo conhecido
por Namboku-Cho (perodo das cortes de Norte e Sul), durante as quais os xguns
Ashikaga de Quioto ganharam fora, para flnalmente, em 1392, serem capazes de
derrubar o regime rival. A era de 1392 a 1573, durante a qual a famlia Ashikaga
governou como regente, geralmente chamada o perodo Ashikaga, sendo tambm
conhecida por periodo Muromachi, do nome do distrito de Quioto onde estava situado
o palcio do xgum.
Na sua nsia de pder e na sua alegria por o terem conquistado, os xguns Ashikaga
precisaram de grandes somas de dinheiro, tendo-o adquirido, em parte, pelo que tiraram
aos seus adversrios, e, por outro lado, fazendo renascer o comrcio com a China,
o qual estava suspenso devido s invases monglicas do fim do sculo xItr. Cerca
de 1400, constituiu-se uni departamento do governo para controlar este comrcio, mas
a sua orientao, at no que se refere ao equipamento da frota, foi entregue aos grandes
mosteiros de Quioto, principalmente aos da seita Zen.
Renovados os ynculos culturais com a China

(.ql ANNtrlo

Forjando Uma
Espada de Samurai: do Rolo
dos Artfices, sculo xvt
Tquo, Mus. de Okakura Shukokan

118

Por intermdio do Zen, comeou-se a discutir a pintura chinesa dos fins dos perodos
T'ang e Sung do Sul, e a sua influncia na pinturajaponesa iria ser grande e duradoura.
O Zen foi introduzido rio Japo, no sculo xII, por dois monges, Min An-Eisai e Dogen,
e o seu empenho pela autodisciplina e aco rpida, a sua austeridade e simplicidade,
imediatamente atingiram uma massa responsvel da lite militar de Kamakura. Aos
seus olhos, havia nisto duas virtudes adicionais: era a verdadeira anttese do ascetismo
de Fujiwara e, acima de tudo, era algo novo. Durante o sculo XIII, os monges viajaram

pela China e estudaram a doutrina, e no seu regresso fundaram os mosteiros Zen, sendo
notveis os mosteiros de Enkaju-Ji e Kencho-Ji, em Kamakura, e Tenrnr-Ji, em Quioto.
A se juntavam nobres e samurai, no apenas para estudarem a doutrina Zen, mas'para
se embeberem da requintada atmosfera que se respirava nestes mosteiros. Mas o Zen era
smente um dos aspectos culturais Sung do Sul, e era a cultura Sung no seu todo que
as camadas mais elevadas da sociedade japonesa ento quiseram

adquirir, to vidamente

como os seus antepassados se haviam moldado na de T'ang.


Um dos primeiros, e certamente um dos mais poderosos patronos da cultura
Sung, foi o xgum Yoshimitsu, que reinou de 1367 a 1395. No Pavilho Dourado
de Quioto (n), para onde se retirou, levou a vida de um monge, esteta e patrono das artes.
Yoshimitsu gostava de ser transportado numa liteira chinesa, vestindo um trajo chins,

e assim foi imitado pelos nobres da corte no apoio s modas da China.


O oitavo xgum, Yoshimasa, que reinou de 1449 a 1474, tentou s como este
elegante e luxuoso patrono, embora com menos autoridade e menos recursos, e no
seu tempo, como disse o historiador Sir George Sansom, a esttica Muromachi atingiu
e viveu grande florescncia, deixando tombar as suas ptalas florescentes uma a uma,
medida que se aproximava o fim do sculo xv. O reinado de Yoshimasa curiosamente semelhante ao do imperador Hui Tsung, da Dinastia Sung (v. p. 58), cuja paixo
pelas artes igualmente o conduziu a perigos para os quais o seu pas se arrastava. Para
Hui Tsung, o fim foram as invases trtaras de 1125; para Yoshimasa, a guerra de
Onin, que durou de 1467 a 1477 e reduziu Quioto a cinzas.
Seria de esperar que as pinturas trazidas para o Japo para enriquecer as grandes
coleces de Yoshimitsu e Yoshimasa fossem no estilo contemporneo Ming, mas
tal no acontece. Os monges Zen, que foram os principais coleccionaldores destas
pinturas, no estavam absolutamente nada interessados nas obras letradas dos Yuan
e dos Ming. Assim, como os seus contactos eram mantidos atravs dos mosteiros Zen,
apenas pensavam em pinturas em tinta monocromtica dos mestres chineses Zen,
tais como Mu Ch'i e Liang K'ai, no tendo pana eles qualquer importncia que este
estilo de pintura estivesse j ultrapassado na China. Criou-se ento entre a aristocracia
e a'ilite militar do Japo um gosto pelas pinturas a tinta monocromtica. Posteriores
expedies mandadas pelos xguns para aquisio de pinturas trouxeram paisagens
seculares do mesmo estilo, da autoria de Ma Yuan, Ma Lin e Hsia Kuei, sendo esta
a explicao de muitas das melhores obras existentes de pintores da academia Sung
do Sul estarem a ser hoje encontradas no Japo.

(s) O

Pavilho Dourado

Kinkal:u-Ji,

1397

Quoto, fapo

Zen e a arte

O povo japons encontrou no Zet um ensino perfeitamente adequado s suas


aspiraes, e a doutrina Zen de que a esncia de Buda pode ser encontrada em todas
as coisas tocou estes homens que viviam muito ligados Natureza. Alm disso, o seu
desmentido da utilidade da leitura e da metafisica estava de acordo com a sua maneira

de pensar sem especulao, enquanto a sua preferncia pelo quietismo.e pela autodisciplina estava de acordo com o carcter nacional. Contemplar tranquilamente uma
queda de gua, uma flor ou uma rocha era limpar o esprito de todas as impurezas e
aproximar-se mais da natureza divina. Meditar sobre uma pintura focando um assunto

(c)

Jardim de Uma Residncia,princpios do sculo xvrr


Quioto, fapo, Daisen-In, Datoku-i

119

semelhante acabou por ter a mesma finalidade. A pintura inspirada to Zeft tornou-se
ela prpria objecto de meditao, quase de venerao, e, colocada no toko-no-mo,

um amplo recanto num dos lados da sala principal de uma casa ou de um templo,
a pintura tomou um carcter de cone religioso, perfeito em si mesmo e isolado do
espectador, pedindo-lhe a mxima concentrao.
Este ascetismo, esta absoro consciente na beleza natural e naquelas coisas
humanas que parecem encarn-la, levou ao desenvolvimento dessa instituio japonesa nica, a cerimnia do ch (a e p. 273), na qual qualquer gesto, qualquer palavra
dita ou qualquer objecto usado se justifica pela sua beleza, pela sua simplicidade e pela
sua naturalidade. Um dos paradoxos da cultura japonesa a cerimnia do ch, que

(l)
do

Utensos para a Cerimnia


Ch

Fotografa cedida pela ssociao


Nacional de Turismo do Japdo

Cno DrNso

J L

1L
\

levou venerao do naturalismo a um tal ponto que perdeu a espontaneidade e se


transformou em culto. No entanto, apesar disso, os estetas da cerimnia do ch estimularam arquitectos, artifices e desenhadores de jardins (p. 119, c) criao de muito
do que, ao longo dos tempos, tem sido belo no Japo.
O pintor, inspirado pelos ideais Zen, procurou, atravs da sua escolha do assunto,
aliar em todas as coisas da Natureza a unidade visual com aespiritual. Anfase do Zen
em relao disciplina e ao autodominio e a sua desconfiana e a sua dvida em
relao ao apelo sexual levaram-no a banir a cor das suas pinturas e a expressar-se
simplesmente num trao de tinta e aguarela, um tecnica chamada suiboku-ga (em
chins, shui-mo hua). S quisesse sugerir a chama repentina, irracional, da iluminao
que vem aos adeptos do Zen, pintava em haboku-ga (em chins, p'o rtto-hua), ou tinta em
salpicos, como a pintura reproduzida na p.260. Mas a pintura Zenn.o erasmente
uma questo de tcnica, e qualquer pintura que, pelo seu tema e tratamento do mesmo,
ajudasse a limpar a mente e a levasse ao conhecimento das coisas eternas, poderia
dizer-se que encarnava os ideais do Znn.

Retraos do 7*n
Antes de referir a pintura a tinta, deveria mencionar-se uma pintura Znn que,
com a mesma flnalidade, usa uma tecnica completamente diferente. Um princpio
essencial da doutrina Zen diz que a iluminao se obtm por intuio directa, ajudada

por um estmulo que passa, como uma corrente electrica, do mestre ao discpulo. Depois
de alguns anos de estudo, com intimidaes e humilhao, o aluno devia, como graduao, receber um retrato do seu mestre, o qual lhe servia de diploma, certiflcando que
obtivera aproveitamento e lhe dava o direito de usa. o matrio do seu professor. Estes
retratos, chamados chin-zo, eram feitos com um cuidado reverente, e os melhores de
entre eles so estudos profundos no s da aparncia fsica do mestre, mas tambm
do seu carcter, discernimento e dignidade. O maior expoente deste tipo de retratos
pintados foi Cho Densu (1352-1431), pintor profissional Iigado a Tofuku-Ji, que ainda
hoje guarda a sua obra-prima, o retrato do <<mestre nacional>) do ensino Zen, Sho-

-lchi (s).
Mestres da pintura a tinta

(s)

CHo DENSU Retrato do Mestre

Sho-Ichi (pormenor)

Quioto, Japo, Tofuku-Ji

120

Um dos primeiros pintores japoneses da nova tcnica a tinta, suiboku-ga, foi


Moku-An, que viajou pela China em meados do sculo xIv, instalando-se no moteiro

prximo de Hangchow onde viveu Mu Ch'i (v. p. 62). Criou um estilo to prximo
do de Mu Ch'i (p. 176), estendendo-se at ao uso dos seus sinetes, que as suas obras
so difceis de distinguir. Moku-An e outros pioneiros japoneses da pintura a tinta
restringiram-se aos assuntos relacionados com o Zen, mas, no princpio do sculo xv,
essa pintura passou a incluir paisagens no estilo da academia Sung do Sul.

Um domnio completo do suiboku-ga foi adquirida por Tensho Shubun (c), pintor,
escultor e administrador do Sokoku-Ji, em Quioto, o.qual desenvolveu a sua,actividade
entre 1425 e 1450. O seu professor foi Josetsu, acerca de quem pouco se conhece.
Em 1423, Shubun acompanhou uma misso budista Coreia, e, como director do departamento de pintura, foi o primeiro a ser oficialmente reconhecido como praticante do
novo estilo chins. No h dvida de que foi uma escolha feliz para este posto, pela
perfeio e preciso do seu trabalho com o pincel e pela sua grande viso, tendo constitudo um padro que todos os seus continuadores na pintura a tinta se esforaram
por imitar. No h acerteza de que exista algum trabalho saido das suas mos, mas a
paisagem, to cheia de sensibilidade, Lendo Num Ermitrio Num Bosque de Bambus
(p. 246), tem-lhe sido sempre atribuda, devendo estar muito prxima do seu esiilo.

Sesshu

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e os seus coutinuadores

O aluno mais famoso de Shubun foi Sesshu Toyo (1420-1506). Depois de ter
feito a sua aprendizagem com Shubun no Sokoku-Ji, Sesshu foi para a China em 1468, ali
entrando logo em contacto com pintores da escola Che, discpulos de Tai Chin (v. p. 76),
que deram nova vida pintura a tinta da tradio acadmica Sung do Sul. Sesshu
tambm visitou Pequim, onde foi alvo de muitas honrarias e teve oportunidade
de ver e copiar pinturas feitas pelos prprios mestres Sung. Isto desapontou-o ao ponto
de referir o fraco nvel da pintura que encontrou, mas o ano que passou na China
no foi perdido, pois a influncia do estilo de pintura da escola Che libertou-o do
estilo demasiadamente perfeito do seu mestre Shubun e fez caft por terra os ltimos
ideais. Alm disso, das composies de pssaros e flores Ming adquiriu o poder de
as desenhar em grande escala, o que mais tarde passou a usar nas suas pinturas de
biombos.
Sesshu

(c) tribudo a TpNsno

SnusuN

Pavilho dos Trs Mritos (pormenor)


rolo de suspenso, sculo xv
Tquio, Fundtto Seikado

pintou uma paisagem maneira de Kao K'o-Kung, mas parece que ignorou

completamente os trabalhos dos ltimos mestres do Sul, como Shen Chu e Wen Cheng-Ming, que foram quase seus contemporneos. Isto pode surpreender, mas tambm

certo que Sesshu no vira os trabalhos deles na China, porque os letrados Ming
formavam uma sociedade paite, na qual nenhum estranho, e muito menos um pintor
.profissional japons, podia ser admitido.
Quando regressou ao Japo, em 1469, Sesshu foi primeiramente para Kyushu.
Ento, depois de viajar trs anos pelo Japo, fixou-se no seu templo, o Unkoku-An, em
Honshu do Sul, onde permaneceu at morrr. A sua influncia espalhou-se rpidamente
pelos seus colegas pintores e cedo ele adquiriu grande reputao.
Ao contrrio de Shubun, que,continuou toda a sua vida a pintar maneira chinesa, Sesshu tinha por esta altura absorvido completamente a tcnica e os princpios
do suiboku-ga e fora berh sucedido ao transform-lo, pelo poder claro da sua perso-

TrNsno

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SHUBTTN

Josersu

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Srssrru Tovo

121

nalidade artstica, num estilo japons. Foi tambm um intrprete perfeito do haboku-ga
(pintura de salpicos de tinta) e de retratos no estilo Zen e mestre calgrafo (a).
A maior pintura de Sesshu foi um grande rolo executado erh 1486, o qual descreve
uma paisagem em transio atravs das estaes da Primavera ao Inverno (n e p. 263).

A estampa da p. 217 mostra uma outra cena de Inverno, uma das duas pinturas que
restam de um conjunto das quatro estaes, agora no Museu Nacional de Tquio.
Nesta pintura e na sua companheira, Outono, Sesshu mostra grande capacidade no trabalho a pincel, o que nos aproxima mais de Fan K'uan (p. 162) que de qualquer outro
pintor japons. A firme angularidade da linha e os tons muito frios da tinta so altamente

i1ry

(n)

SrssHu.

Toyo

Paisagem a

Tinta Salpicada: rolo de


sculo

(B)

xv

suspenso,

Tquio, Mus. Nacional

SEssHU

Toyo

Paisagem

(pormenor): rolo, 1468


Yamaguchi, .apo,

evocativos da disposio sombria do Inverno, sendo bastante evidente a influncia de


Hsia Kuei. Mas no se trata de uma mera cpia da pintura sung do sul, pois a composio densament compacta, a reduo escala, o desenho e o tom, notvelmente
decorativos
- ainda que sesshu possa conscientemente tJo desejado assim -, alm
das montanhas que formam um pano de fundo e os traos pesados e densos, demonstram as caractersticas essenciais japonesas. Esta diferena torna-se mais clara se com-

pararmos esta pintura com o rolo de Hsia Kuei das pp. 54 e 254.
outros pintores que, como sesshu, estavam profundamente influenciados por
shubun, incluindo Bunsei, Jasoku e sotan, exerceram a sua actividade em euioto
durante os meados e ltimos anos do sculo xv. Embora Sotan tivesse sucedido ao seu
mestre na direco do departamento de pintura, no h a ceteza de terem sido identificadas obras suas. Jasoku e Bunsei foram famosos principalmente devido aos seus
retratos de padres doZen, por exemplo, o ltimo, o magnfico Yuima (o). Numa inscri.o na metade superior da pintura, o abade de Nanzen-Ji explica que um padre
zen, ao transformar a casa dos seus antepassados num mosteiro, encomendou a Bunsei
a sua principal imagem para devoo, o retrato de seu pai cmo Yuima (vimatakirti),
o discpulo de shakyamuni. notvel no s pela sua expresso de grande fora espiritual e intelectual, mas tambm pela mestria com que Bunsei trabalhou duas tcnicas
completamente diferentes do pincel: um trao nervoso no desenho das tnicas, uma
preciso fria na interpretao dos pormenores dos rostos.
um exemplo admirvel da expresso da influncia de sesshu no Japo pode ser
observado atravs da carreira de sesson shukei (c. 1504-d. 1589), que nasceu no longnquo Nordeste do Japo e a flcou toda a sua vida. Sesson dominou uma grande variedade detemas e estilos de tinta (c), ea sua obra maisconhecida talyezumadasmais

Col. Motomichi Mor

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122

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JsoKU

YBuNser

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(c)

SrssoN Srrtxrr Tigre: de


Cleveland, Mus. ol Art

rrru*u,

um biombo de seis painis, sculo xvr

pequenas, uma folha de lbum com um barco de pesca numa tempestade a navegar
apressadamente para o abrigo da m-argem (p. 218). O facto de Sesson ter passado a sua
vida nesta rea remota a estudar a pintura a tinta dos mestres chineses e japoneses
prova que nesta altura os trabalhos daqueles foram muito copiados e passados de

mo em mo, constituindo ainda um outro exemplo da rapidez com que novas ideias
e novos estilos artsticos se tornavam correntes no Japo.

A famlia Ami
Os Japoneses viram sempre com respeito a transmisso de uma arte ou oficio de
pais para fllhos. Se faltasse um filho com o talento necessrio, o pai poderia adoptar
um jovem prometedor para transmitir o nome e a tradio da famlia, e estas linhagens artsticas, como a da famlia Kose, j mencionada, acabaram por tornar-se uma
caracterstica comum na pintura japonesa. Uma das mais famosas a famlia Ami:
No-Ami(1397-1471),seufilho Gei-Ami(1431-85)e seu neto So-Ami,que morreu em 1525.
Foram, por sucesso, pintores e avaliadores de arte oficiais de trs xguns e compilaram ao longo dos anos o catlogo da coleco das pinturas.dos xguns, o Catlogo
da Secretaria de rte dos Xtguns, documento de grande valor para o estudo da pintura chinesa e japonesa a tinta deste perodo. Regista obras * algumas das quais
foram cpias posteriores atribudas a cerca de cento e setenta artistas chineses,
das Seis Dinastias ao perodo Ming. Embora seja'evidente, pelo seu nome, que os
membros da famlia Ami foram amidistas, todos eles pintaram temas Zen. No-Ami
foi um admirador entusistico' de Mu Ch'i, enquanto Gei-Ami tinha um estilo
mais pesado, inspirado em Sesshu.
Dos trs, . o mais talentoso e influente foi So-Ami. Como paisagista, foi notvel
pela sua mestria no estilo do Sul, numa altura em que muitos dos pintores trabalhavam
no estilo do Norte, como Shubun e Sesshu. A sua obra-prima, as portas de correr de
Daisen-In, no Daitoku-Ji, Quioto G,. 222), mostra uma amplitude de viso notvel
num pintor japons. A atmosfera carregada de humidade, os suaves contornos arre-

(o)

BuNsEr Retrato de Yuima Kojr


(pormeoor): rolo de suspenso, 1457
Osaka, apo, Mus. Yamato Bunkakan

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Gu-Avr

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dondados, os traos compridos e livres, os pontos colocados com um toque de pincel,


provm no dos acadmicos Sung do Sul, mas de Kao K'o-Kung, Mi yu-Jen e, pos-

(A) So-AI,rr O Jardim de pedra em


Ryoan-Ji (pormenor), princpios do

sculo xvr

Quioto, Jopo

teriormente, dos primeiros mestres do Sul, Tung Yuan e Chu Jan.


Mas So-Ami no foi smente pintor e crtico. A sua fama aos olhos dos Japoneses
igualmente firme pela sua contribuio em relao ao intrincado ritual da cerimnia
do ch e por ser um servidor das artes e dos perfumes de incenso, arranjo de flores
e. desenho de jardins, tendo em todos estes preceitos deixado uma marca permanente
para o gosto cultivado dos Japoneses. A ele se atribui o famoso jardim de pedras em
Ryoan-Ji, perto de Quioto (l), cujas rochas nuas, subtilmente dispostas num leito
de areia cuidadosamente limpa, sugerem ilhas surgindo do mar. A arte do desenho
de jardins foi inventada na china, mas no Japo, como tantas outras coisas que os Japo-

do continente, foi elaborada e codificada num sistema, ou antes,


numa srie de escolas intimamente ligadas pintura de paisagens e inspiradas no Zen.
neses importaram

escola de Kano

Uma das mais rlotveis linhagens artsticas da"histria da pintura certamente


a da famlia Kano, que ocupou o lugar de pintores principais dos xguns por mais de
duzentos anos a partir do fim do sculo xv, continuando a manter o estilo oflcial>
durante mais de um sculo depois. O quadro que se,segue mostra os principais membros
desta famlia notvel, indicando os nmeros a Iinha principal na sucesso artstica
como aceite no Japo:

Masanobu

2.
3.

Motonobu

Munenobu

(morreu novo)

Yukinobu

Shoei
I

Eitoku

6.

Mitsunobu

Takanobu

7.

Sadanobu

(morreu novo)

Tannyu

Naonobu
I

8.

Yasunobu

(adoptado na linha principal:


actualmente, filho de Takanobu)

124

Tsunenobu

Yasunobu

A acrescentar aos artistas j nomeados, houve, at ao sculo.xrx, pintores de rolos


que foram membros da escola de Kano, ou nela tentaram ser admitidos
como membros.

As figuras principais da geneanologia so: Motonobu, que fundou a escora como


sendo um ramo nacional da pintura a tinta chinesa; Eitoku, que a desenvolveu
at
um colorido brilhante e um estilo decorativo no perodo Momoyama, e Tannyu, que
a fossilizou como estilo oficial da academia Tokugarva.
Quando, no fim do sculo xx,.escolas do ocidente, como a de Ernest Fenolosa,
comearam a estudar a histria da pintura japonesa, a escola de Kano era
ainda considerada a espinha dorsal>> da tradio japonesa. Grande nmero de pinturas
da escola
Kano, especialmente de artistas posteriores, encontram-se em coleces ocidentais,
mas, a partir do perodo de Fenollosa, este critrio sofreu uma modificao
radical,
sabendo-se agora que grande parte da pintura Kano, especialmente
dos ltimos duzentos
anos, amaneirada, oca e repetida. No entanto, no seu primeiro fluxo,
a escola produziu
um grupo de pintores de grande vigor e originalidade.

A posio nica da escola de Kano na histria da pintura japonesa deve-se a vrios


factores. Em primeiro lugar, a famlia tomou uma posio firme como pintores
dos
xguns e dos snhores feudais nas provncias, pelo que a escola teve

a categoria de
academia oficial, categoria que alargou aos ramos regionais. Em segundo
Iugar, apoiou
o tipo exacto do artfice profissional, que, at introduo da pintura literria
chinesa,
no sculo xvrrr' sempre manteve grande prestgio no Japo. Em terceiro lugar,
enquanto
as tcnicas e os temas convencionais eram geralmente chineses, em todos
os outros
aspectos
a nfase em relao ao seu trabalho de artfice, o realismo <<claro e incisivo
e a preciso da forma, a falta de quaisquer normas escolares ou religiosas
- estava
em perfeito acordo com o gosto japons.

,1

MASANoBU

)L
A=
to

fundador da escola foi Kano Masanobu (c. 1443-c.1530), que sucedeu


a Sotan
seu filho Motonobu (1476-1559) que estabeleceu a escola de Kano em bases seguras como
a maneira ortodoxa de

como director do departamento de pintura (r, c), mas foi

(s)

K,cNo MAs,Noau

princpios do sculo xvr


Quioto, lapo, Datoku-Ji

Paisagem

com Um Grou: de um biombo de

seis

painis,

(c)

KANo MAsANoru padre Chins

debaixo de Um Penhasco (pormenor),


princpios do sculo xvr
Tquio, Col. Znshiro Kwyama

t25

fL

com a f,lha de Tosa Mitsupintar a tinta no estilo chins. o casamento de Motonobu


desenvolvimento da escola, pois a
.robo, qu. morreB em 1522, foi um ponto-chave no
era a herdeira-da tradiTosa, que tradicionalmente fornecia pintores corte,

MoroNoBU

escola de

t
'to

oYamato.E,eoprprioMitsunobufoifamosopelosseusrolosvivosecoloridos,
Motonobu e posteriores
ilustrando romances e poemas picos (u). o casamento de
o termo <<familias;
e
Tosa-usando
casamentos entre membros das famflias Kano
pingenealgico-trouxe
mais no seu significado artstico japons que no sentido
turadeKanoasduascoisasquedeinciofaltavamparaformarumverdadeiroestilo
rica
nacional: um tema japons e um uso da cor de uma forma

decorativa' um exemplo

admirveldestaunioobiomboProvadoresemTakao(p.Z2|),pintadopelofilho
MrrsuNoBU

y.
DA.-

lo

um exemplo primitivo da pintura


de Motonobu, Hideyori. tambm importante como
de gnero da escola de Kano'
principalmente notvel pelas
Pintor de grande alcance e produo, Motonobu foi
decorou' numa magnflca profuso'
suas paisagens, pssaros e flores' Com estes motivos

biombos,portasdecorrererolosdesuspenso(e).Asuaencomendamaisimportante,
inclui a decorao completa
executada com a ajuda de outros membros da famlia,
e os conjuntos de portas
do interior do mosteiro fortiflcado de Hongan-Ji, em osaka,

decorreremDaitoku-JieMyoshin-Ji,emQuioto,queforamdesmontadasetor-

das ltimas, reproduzida na p. 280,


nadas a montar como rolos de suspenso. Uma
composio cuidadosamente equimostra as caractersticas essenciais do seu estilo, a
e Hsia Kuei, o uso efectivo da
librada, desenho preciso, derivado do de Ma Yuan
da profundidade a dois planos'
silhueta decorativa, a tonalidade suave e a reduo
decorativo, os ltimos
primeiro plano e ltimo plano. No interesse de um maior efeito
plano (p' 281)' corprimeiro
simples
profundidade a um

pi.rto.", Kano reduziram a

sung, da qual a escola


tando assim um dos ltimos elos com o estilo da academia
de Kano derivou.

KNo MoroNosu A Histria


de Hsiang Yen: biombo, seculo xvl
Tquio, Mus, Naconal

(a)

126

(s)

TosA MrrsuNoBU
Tquio, Mus. Naconal

Seisui-Ji Engr (pormenor): rolo, sco

xvl

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