FORTIN, Sylvie, Auto-Etnografia

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SYLVIE FORTIN

Professora do Departamento de Dana da Universidade de Quebc em


Montreal.
Traduo HELENA MARIA MELLO

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Nmero

PERIDICO DO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARTES CNICAS


INSTITUTO DE ARTES - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

CONTRIBUIES POSSVEIS DA ETNOGRAFIA E DA AUTO-ETNOGRAFIA


PARA A PESQUISA NA PRTICA ARTSTICA

Cena

ISSN 1519-275X

CONTRIBUIES POSSVEIS DA ETNOGRAFIA E DA AUTO-ETNOGRAFIA


PARA A PESQUISA NA PRTICA ARTSTICA
SYLVIE FORTIN
A fim de interrogar as contribuies possveis da etnografia e da auto-etnografia para a
pesquisa na prtica artstica, eu me apoio sobre as minhas experincias de estudo da prtica em
dana, mas tambm sobre os cursos de metodologia que ministrei por cinco vezes com Pierre
Gosselin. Tambm, agradeo intensamente este ltimo pela qualidade do que ele soube partilhar
semanalmente conosco. Acompanhar cerca de cinqenta estudantes na definio de seu projeto de
doutorado me permitiram constatar as necessidades, as resistncias e as lacunas e foi a partir destas
ltimas que eu decidi abordar, no contedo deste captulo, a importncia de acumular os traos do
trabalho de criao, os quais coligados e analisados cuidadosamente ajudaro a teorizao e a
produo da tese.
Teorizao e prtica
O projeto de pesquisa de muitos estudantes inscritos no programa de doutorado em estudos
prticos de artes na Universidade do Quebec em Montreal tem por objetivo uma melhor
compreenso da sua prtica. Os estudos prticos, chamados tambm de estudos de conhecimento
prticos (Elbaz, 1983), conhecimentos em ao (Clandinin, 1985), conhecimentos artesanais
(Leinhardt, 1990), metforas dos praticantes (Munby, 1986), teorias em ao (Schn, 1983),
repousam sobre a premissa de que a prtica artstica ser melhor compreendida se colocada em
relao ao pensamento e ao agir dos praticantes. Certamente, estes ltimos possuem os saberes que
so operacionais, mas implcitos, no exigindo nada a no ser, ser explcitos.
Campo da prtica
Os projetos de aprendizado da prtica artstica, quer se trate do seu ou de um outro artista,
ocupam o studio, o atelier, a aula ou a comunidade. Considerando estes lugares como campos da
prtica artstica, a etnografia e a auto-etnografia podem, desde agora, ser consideradas como
mtodos de pesquisa podendo inspirar a bricolagem metodolgica do pesquisador em prtica
artstica. Por bricolagem metodolgica, o que Monik Bruneau chama de cenrios
metodolgicos, eu entendo a integrao dos elementos vindos dos horizontes mltiplos, o que est
longe de ser um sincretismo efetuado simplesmente por comodidade. Os emprstimos so aqui
pertinentemente integrados a uma finalidade particular que, muitas vezes, pelos pesquisadores em
arte, toma a forma de uma anlise reflexiva da prtica de campo.
Etnografia
Segundo Patton (2002), a etnografia um mtodo de pesquisa que se distingue dos outros
mtodos como a heurstica, a fenomenologia ou a hermenutica, considerando a dimenso

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cultural. Dena Davida, estudante no programa de doutorado de estudos e prticas das artes,
conduziu este tipo de estudo procurando descrever e compreender um acontecimento da nova
dana de sua concepo inicial at um momento determinado das representaes. A partir de suas
observaes e dos diferentes pontos de vista da coreografia, dos intrpretes, dos colaboradores
artsticos, dos espectadores, dos divulgadores e dos membros da administrao da companhia, ela
examina quais significaes so dadas a este fenmeno coreogrfico, sobretudo marginal em
nossa cultura norte americana, do Quebec, Montreal. Tendo reunido mais de 240 pginas de notas
manuscritas recolhidas de suas 135 horas de presena nos estdios dos ensaios ou nos teatros, de
forma que 25 entrevistas individuais, sete entrevistas de grupo e grande quantidade de fatos
artsticos, assim como o material promocional, ela se inscreve totalmente em uma perspectiva
etnogrfica.
Dados etnogrficos
Minha experincia de ensino nos cursos de metodologia me faz acreditar que uma minoria
de estudantes inscritos no programa de Doutorado nos estudos e prticas de artes privilegiaro,
como Dena, as questes de ordem cultural e, por tabela, adotaro um mtodo do tipo etnogrfico.
Claro, sem conduzir os estudos tipicamente etnogrficos, a maior parte deles ter necessidade de
acumular os dados etnogrficos, quer dizer, os dados empricos provenientes de uma presena
sobre o campo, para responder a questo que se impe prtica. A distino entre estudos
etnogrficos e dados etnogrficos importante, e eu no sou a nica a destacar isso.
A exemplo de outros autores (Atkinson et Hammersley, 1994; Thomas, 2003), eu entendia
que a maioria das pesquisas que se inscrevem no paradigma ps-positivista (e o caso da pesquisa
em prtica artstica) possui naturalmente um carter etnogrfico, pois elas so efetuados sobre o
campo, segundo o ponto de vista descritivo dos participantes. Desde agora, ns compreendemos a
importncia dos dados etnogrficos, pois eles sero utilizados em diversos fins. Inspirando-se em
Laplantine (2000), possvel distinguir diferentes tipos de descrio etnogrfica pelos
fundamentos tericos que se encontram em direo destas: a descrio para compreender as
culturas dadas (etnografia), a descrio para compreender a essncia de um fenmeno (a
fenomenologia), a descrio para compreender a experincia vivida (a heurstica) e a descrio
para compreender uma dinmica de conjunto (a sistmica). Os pesquisadores adotando estes
diferentes mtodos tiraro proveitos dos dados etnogrficos sem, portanto, realizar uma
etnografia. A coleta de dados se torna uma operao articulada comum s diferentes bricolagens
metodolgicas dos pesquisadores em prtica artstica.

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Tipos de dados etnogrficos
Por estas razes, convm, mesmo brevemente, discutir os tipos de dados etnogrficos que
so a seleo de documentos, a entrevista e observao participante. Cada tipo de dado oferece
uma grande variao.
A seleo dos diversos documentos sobre o campo da prtica, quer se trate de croquis, de
gravaes em vdeo ou de notas dispersas, ter um lugar mais ou menos significativo no estudo
segundo a questo da pesquisa enunciada em direo coleta dos dados.
Por sua vez, as entrevistas podem adotar uma maneira interativa muito livre e aberta ou
ainda se apoiar sobre um questionrio minuciosamente estruturado e objetivo. Uma entrevista
ocorrida durante um estudo fenomenolgico apresentar, notadamente particularidades diferentes
desta realizada no contexto de um estudo etnogrfico. Por exemplo, Diane Leduc, que conduz um
estudo fenomenolgico para elucidar o sentimento de autenticidade vivido pelos intrpretes em
dana contempornea, deve constantemente voltar s questes concernentes essncia da
experincia vivida. Esta preocupao bem diferente da de Dena Davida que questiona seus
interlocutores a fim de melhor observar como o contexto cultural ajuda a compreender a produo
artstica e vice-versa.
A observao participante, por outro lado, poder variar de uma observao discreta e
passiva a uma participao totalmente engajada para melhor relatar os comportamentos do artista
ou dos artistas selecionados para a pesquisa. Foi o que aconteceu com Monica Dantas que,
seguindo risca o processo criador de trs coregrafos brasileiros, retornou algumas vezes,
inesperadamente, a preencher o papel de repetidora. Fazendo isso, ela foi levada a identificar e
afirmar que tipo lhe fornecer as melhores informaes para responder a sua questo de pesquisa.
Consignao dos dados etnogrficos
Pouco importa o tipo de observao participante que ser adotada, o pesquisador tomar
cuidado de consignar sua vivncia sobre o campo. Seu relatrio de bordo, crnica da ao ou carn
de prtica (diferentes apelaes so utilizadas de maneira quase intercambivel) compreende
evidentemente a descrio dos gestos e palavras dos protagonistas do estudo, mas tambm as
anlises espontneas ou intuies que poderiam surgir no calor da ao. Alm destas notas
descritivas e analticas, ele registrar as notas metodolgicas, quer dizer, as adaptaes que no
deixam nunca de espalhar o percurso de um estudo em arte onde o imprevisvel surge e deve ser
sempre compreendido. Mesmo a questo da pesquisa pode ser modificada e o pesquisador ter a
vantagem de poder retraar a gnese graas as suas notas de campo.
Seleo de documentos, entrevistas e observao participante constituem os tipos de dados
etnogrficos admitidos nos escritos de metodologia, mas eu destaco aqui uma nova tendncia, ao

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menos aparente no meio da dana: a de considerar as reaes somticas do pesquisador como um
tipo de dado etnogrfico (Frosch, 1999). A corporeidade do pesquisador, suas sensaes e suas
emoes sobre o campo, so reconhecidas como fontes de informao ao mesmo ttulo que o pode
ser uma fotografia de uma obra em curso. Para evitar certos obstculos, eu estimo, entretanto, que
as reaes corporais devem ser relevadas pelo que elas so: uma fonte de informao parcial que,
combinadas a outros tipos de dados, facilitaro a construo da reflexo do pesquisador.
A anlise dos dados etnogrficos
Qualquer que seja o tipo de dados etnogrficos privilegiados, estes sero apreendidos
como um material, uma matria primeira que ser tratada em anlise para capturar a arte no
estado vivo para retomar o ttulo de um livro de Shusterman (1992). Assim como os dados
etnogrficos so religados, em direo s diversas metodologias, elas se prestaro, em conjunto, a
diferentes formas de anlise: teorizao ancorada, a reduo fenomenolgica, anlise de contedo,
anlise sistmica, etc. Eu no me prenderei ao contexto desta comunicao, nem ao que precede,
nem ao que segue a coleta de dados, desejando me concentrar sobre esta etapa especifica. De fato,
negligenciar a coleta de dados equivale a colocar em perigo uma parte do projeto doutoral. Eu me
explico.
A dupla exigncia da pesquisa criativa
Pierre Gosselin (ver Gosselin e Laurier, 2004) nos lembra que o estudante em prtica
artstica enfrenta um duplo desafio: de um lado, aquele da produo de uma obra artstica que
chama interpretao polissmica e, de outro lado, aquele de uma produo textual oferecida s
interpretaes mais convergentes. O artista que tem o hbito de selecionar e de manipular os
materiais para produzir a obra artstica est convidado a reconhecer nos dados etnogrficos dos
materiais que o apoiaro na fabricao de sua produo discursiva. Os dados etnogrficos so de
alguma maneira os materiais sobre os quais se encontra a escrita da tese.
Aqui, eu me permito pegar a idia de Bachelard segundo a qual a matria faz chegar idia.
esta a orientao que traz Carole Baillargeon, uma artista que trabalha a partir dos materiais
txteis. Ela se posiciona em relao importncia da materialidade nas etapas de criao artstica
salientando que a matria , s vezes, complemento da idia e contribui para construir o
pensamento da criao.
A relevncia dos materiais etnogrficos a servio da tese
Da mesma maneira que os materiais, quer sejam txteis, sonoros, plsticos, gestuais ou

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outros, so inseparveis da qualidade de uma obra artstica, os materiais etnogrficos so
inseparveis da qualidade da tese. Os dados etnogrficos fornecem as chaves do mundo
representado ou vivido pelo artista. Elas no fazem como as imagens e os smbolos dados e
experimentar fora da tomada de contato com a produo artstica, mas pela consignao dos
detalhes da prtica as quais, relatadas e examinadas minuciosamente desencadeiam o jogo da
viso interior e confirmam ao leitor uma compreenso baseada sobre a experincia de pesquisador
em presena ntima com a coisa a ser compreendida.
A construo dos saberes no estudo da prtica necessita observar o que feito, escutar
atentamente o que dito e passar a uma escrita a partir dos modos perceptivos. Ora este
empreendimento que caracteriza a etnografia de fato extremamente problemtico porque supe a
capacidade de representar e de falar da experincia do outro. Realmente, apoiado em que base se
pode falar da experincia do outro? Com que direito podemos nos apropriar da palavra do outro?
O questionamento da palavra, chamada crise de representao (Marcus e Fisher, 1986), explica
em parte a passagem da etnografia extica etnografia local e mais tarde auto-etnografia.
A crise de representao
Em reao etnografia extica e aos seus fundamentos realistas so desenvolvidos o
exame das culturas locais e os estudos auto-reflexivos. A viso de uma descrio pura e neutra
independente das percepes individuais das pesquisadoras e pesquisadores surgiu da afirmao
de uma descrio, colocando no primeiro plano a palavra subjetiva. necessrio admitir que,
atravs da escolha de uma questo de pesquisa, o peso das palavras utilizadas nas descries, o
trajeto de um pensamento se constri: o do pesquisador, trabalhando sempre a partir de um partido
escolhido mais ou menos reconhecido. O pesquisador que participa de um projeto de um artista,
que observa durante um longo perodo de tempo, que escuta e o questiona, no produz uma
descrio da realidade, mas principalmente uma construo: a construo de seu reencontro com o
projeto de criao. Toda descrio , de fato, uma interpretao no sentido de que a seleo de
informaes e atribuio de significaes a partir de uma memria e de um imaginrio individual e
coletivo. A crise da representao, longe de ver a descrio como um simples exerccio de
transcrio e de adequao entre as palavras e a realidade, impe firmemente a presena e a
subjetividade do pesquisador at fazer deste o objeto central nos estudos auto-etnogrficos. De
fato, se a pessoa que conduz a investigao indissocivel da produo de pesquisa, por que,
ento, no observar o observador? Por que no olhar a si mesmo e escrever a partir de sua prpria
experincia?

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Auto-etnografia
Ns vemos como esta postura epistemolgica pode ser conveniente a um grande nmero
de praticantes pesquisadores que garantem sua unidade investigando sua prpria prtica artstica.
A auto-etnografia (prxima da autobiografia, dos relatrios sobre si, das histrias de vida, dos
relatos anedticos) se caracteriza por uma escrita do eu que permite o ir e vir entre a experincia
pessoal e as dimenses culturais a fim de colocar em ressonncia a parte interior e mais sensvel de
si. Lembraremos aqui da experincia vivida por ric Le Coguiec, da passagem do eu para o
ns na obra, e do ns ao eu na redao da tese.
No podemos falar a no ser de ns o leitmotiv daqueles que adotam o gnero autoetnogrfico, que se quer menos subentendido por um projeto de objetividade, que procurar a
verdade do que aconteceu, do que por um projeto evocativo. Ellis et Bochner (2000) demoram,
alis, para distinguir o desejo de evocao daquele que representa.
No turbilho da crise da representao, os dois autores questionam nosso relato do real.
Introduzindo o que o subjetivismo sempre fez desaparecer a axiologia do pesquisador , eles
introduzem imediatamente a noo de responsabilidade. Destacando uma pesquisa que no tem
por objetivo a representao dos fatos, mas principalmente a evocao e a comunicao de uma
nova conscincia da experincia, eles definem o carter de resistncia e de empowerment que pode
oferecer uma narratividade se afirmando sobre a base da experincia sensvel e singular. Sua
crtica da etnografia tradicional, em que o pesquisador fazia papel de autoridade em um tom que,
por vezes, parecia perpetuar ou justificar uma atitude colonialista, acompanhada por uma
conscincia dos limites de auto-etnografia. De fato, a adeso a uma perspectiva candidata a
existncia de realidades mltiplas co-construdas instala-se a exposio de vozes individuais, mas
no coloca para tanto ao abrigo da crtica, j que a estrita contemplao da experincia individual
favorece a manuteno do statu quo.
Auto-etnografia e alteridade
Vem da a cautela de alguns (Bertaux, 1980) contra um possvel narcismo lembrando que a
histria pessoal deve se tornar o trampolim para uma compreenso maior. O praticante
pesquisador que se volta sobre ele mesmo no pode ficar l. Seu discurso deve derivar em direo a
outros. A este olhar, Jean Lancri nos indica que o elemento biogrfico deve adquirir um estatuto de
ordem terica.
O trabalho de France Pepin, engajado a compreender sua prpria prtica coreogrfica,
pode ilustrar este ponto. Ele pega um carn de prtica, onde registra os dados auto-etnogrficos,
para servir no somente para a compreenso de seu processo criador, mas tambm para obter uma
reflexo mais vasta que poder contribuir com os conhecimentos gerais sobre a auto potica.

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A coleta dos dados sobre seu processo criador permite ver a parte visvel de sua prtica
efetivamente, mas, tambm, ver a parte invisvel, as intuies, os pensamentos, os valores, as
emoes que afloram na prtica artstica e que nascem do relato simples aos gestos.
Dados auto-etnogrficos
Atravs deste exemplo, podemos ver que eu defendo ainda a idia de que, sem fazer os
estudos auto-etnogrficos propriamente ditos, quer dizer, os estudos que so uma forte dimenso
cultural, a grande maioria dos estudantes do programa do doutorado nos estudos e prticas das
artes empreende uma coleta de informaes sobre seu prprio caminho artstico e o fazendo
coletando dados auto-etnogrficos. Estes so recolhidos, antes misturados, em um carn de prtica
para, em seguida, serem retomados a fim de encontrar sua singularidade e uma significao mais
completa sem, entretanto, pesquisar uma ilusria universalidade. De fato, a auto-etnografia, ns
vimos, se liga bem perspectiva ps-colonialista que rejeita as meta-narraes, os meta-temas,
independentemente das condies de possibilidade de assumir a palavra. Os dados autoetnogrficos, definidos como as expresses da experincia pessoal, aspiram a ultrapassar a
aventura propriamente individual do sujeito.
Validade dos dados auto-etnogrficos
Evidentemente, os dados auto-etnogrficos no escapam s exigncias de rigor que so
impostas por toda pesquisa universitria. Sophia Burns questiona o sentimento de validade da
palavra do artista que, seguidamente no passado, prefere colocar a palavra do outro (filsofo,
historiador, socilogo) para falar de sua prpria prtica. O estabelecimento de padres de
qualidade pelos estudos auto-etnogrficos um tema de verdadeira preocupao j que ns
assistimos hoje ao surgimento de todos os tipos de etnografias no tradicionais, os quais
Richardson (2000) denominava Creative Analytical Practice Etnography. Os modelos
desenvolvidos se inserem em uma tentativa de difuso dos saberes pelas formas de escrita
evocativas em que a narrao no tem por objetivo relatar os fatos, mas se torna principalmente um
ato de comunicao para atingir o outro. O que faz alguns dizerem que a auto-etnografia, em razo
de suas exigncias literrias, no convm a todo mundo.
As novas prticas de escrita preconizam muitas vezes formas mistas de escrita incluindo a
narrao, o romance e mesmo a poesia. Ns criamos, assim, uma divergncia do ponto de vista dos
pesquisadores sobre o que deveria ser considerado dados da pesquisa, e qual explicao eles
deveriam dar da transformao desta narrativa em outras formas literrias. Assim,
compreenderemos que o tema de uma amplitude colossal. Eu abordei rapidamente porque ele
pode inspirar os praticantes pesquisadores que querem construir uma tese, refletindo o carter

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liminar, misto, descontnuo ou fragmentrio de sua prtica de criao. Conservemos aqui a
amplitude de aproximaes metodolgicas que marca a conjuntura atual dos estudos do tipo
deauto-etnografia.
Bricolagem etnogrfica e auto-etnogrfica
Alis, os estudos etnogrficos e auto-etnogrficos podem muito bem ser o objeto de uma
bricolagem metodolgica para servir o artista desejoso, por sua vez, de uma teorizao de sua
prpria prtica e a de outros artistas. , por exemplo, o caso de Julie Forgues, quem deseja
compreender a fotografia de grande formato, examinando sua prpria prtica, assim como aquela
das fotografias de alguns fotgrafos de renome do mercado.
Eu aproveito a ocasio para definir que, mesmo quando o pesquisador efetua uma coleta de
dados sobre a prtica de outros artistas, a partir de sua posio de artista que ele o faz, e isto pinta o
processo da coleta e da anlise. Assim, talvez, isto nos permitir, em alguns anos, fazer um balano
dos estudos realizados pelos artistas, com outros artistas, para melhor compreender os processos
colocados na obra da pesquisa em prtica artstica.
Os dados a servio dos processos cognitivos da pesquisa criativa
Jean Lancri e Pierre Gosselin destacam pertinentemente que o trabalho de criao artstica
e o da pesquisa terica tm uma ligao com processos cognitivos diferentes. O trabalho da criao
artstica far intervir de maneira vantajosa os processos subjetivos experimentais enquanto que o
trabalho de pesquisa solicitaria, de maneira vantajosa, os processos objetivos conceituais.
possvel, ento, vislumbrar que o corpo de estudos, que se edifica progressivamente a partir da
abertura do programa em estudos e prticas das artes, nos permitir eventualmente esclarecer o
jogo destes processos? Para isso, necessrio admitir que a racionalidade como o imaginrio, o
conceitual como o sensvel, a razo como o sonho (para citar os dados de Jean Lancri) podem e
devem ser objeto de uma preocupao concreta de informaes. Os dados sobre estes diferentes
processos podem ser recolhidos por meios, ao mesmo tempo, sensveis e rigorosos.
Potencial dos dados de campo para os mtodos prprios para as artes
Por hora, os meios no so ainda claramente balizados. Muitos j foram mencionados, a
pesquisa na prtica artstica recente. Longe de me achar indisposta para o clima de abertura e de
incerteza que caracteriza a emergncia desta forma de pesquisa, eu sou daquelas que acham o
estado atual estimulante. A pesquisa em prtica artstica d lugar a inovao e a bricolagem
metodolgica.

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Entretanto, eu compartilho da opinio daqueles que acreditam que os fundamentos se
impem para assegurar a qualidade das aes da pesquisa e, por mim, a noo de campo um
deles. Os dados etnogrficos e auto-etnogrficos me aparecem como os materiais privilegiados
para o estudo da prtica artstica. Os dados de campo levam a se deslocar do ponto de articulao
entre um mtodo em questo e uma forma de anlise avaliada, assim que, da diversidade de suas
utilizaes, emerge, pouco a pouco, uma aproximao unificante, ultrapassando as tradies
existentes da pesquisa. Eu encorajo assim o desenvolvimento possvel de mtodos de pesquisa
adaptados s necessidades da prtica artstica. Estas me parecem que sero calcadas sobre o
modelo de criao que os artistas conhecem bem. Neste sentido, estabelecer uma analogia entre a
manipulao criativa dos materiais da produo artstica e a manipulao no menos criativa dos
materiais da produo textual me parece uma pista fecunda para conduzir a obra e a tese que, longe
de se opor, convergem e se completam. Os dados de campo, como qualquer outro material
emprico, oferecem ao artista pesquisador o prazer de um ato de criao colocado sobre eles. Sem
isso, eles continuaro mudos.

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NOTAS:
Mestranda do Programa de Ps-Graduao de Artes Cnicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Os trabalhos de muitos estudantes no programa de doutorado em estudos e prticas das artes na Universidade do
Qubec, em Montreal, so mencionados neste texto. Trata-se de Carole Baillangeon, Sophia L. Burns, Dena
Davida, Mnica Dantas, Diane Leduc, ric le Coguiec, Julie Borgues e France Pepin.

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