A Etnografia Da Música Segundo Seeger - Acácio
A Etnografia Da Música Segundo Seeger - Acácio
A Etnografia Da Música Segundo Seeger - Acácio
| A T C. P
abrangendo, principalmente, o cenrio norteamericano at a dcada de 1980. Pretendo destacar, neste artigo, dois pontos fundamentais
no artigo: a clareza do problema epistemolgico e o ensejo de uma abordagem integradora.
Logo de incio se pode ver como o autor
v a abrangncia de uma simples performance
musical. Pedindo que usemos a imaginao, ele
logo mostra que ela envolve os msicos e o pblico, sendo que a msica age causando vrios
possveis efeitos e experincias. A descrio desta performance na sua amplitude seria a base
para a etnografia da msica. Ao final do artigo,
na seo sub-intitulada Faa Voc Mesmo, a
riqueza do pragmatismo do autor se revela claramente. Aqui tambm a imaginao do leitor
conclamada para observar um show de reggae a
partir da mesa de um bar. Dali se pode levantar
uma quantidade grande de observaes e questes. Se o mbito da pesquisa sai da mesa do bar
para outras mesas, o etngrafo alcana uma nova
e complexa teia de fatos, incluindo as categorias
nativas. E dali para a constatao dos universos
onde estas categorias funcionam e onde no. O
valor heurstico deste exerccio grande, com
certeza qualquer estudante de etnomusicologia
sair enriquecido com esta leitura.
A etnografia no pode deixar de lado os msicos e outros agentes que fazem parte do fato
social a ser descrito. Toda esta investigao, a experincia de campo, as observaes, os questionamentos, as entrevistas, as categorias nativas,
tudo o que se pode perceber que est envolvido
na performance musical constitui a etnografia
da msica. Um lado da questo epistemolgica
est revelado: a complexidade do objeto (performance musical) e a amplido de questes que se
pode fazer a respeito dele. O outro lado aparece
em forma de anedota, ao final do artigo: uma
descrio de uma performance musical, mesmo
rica e detalhada, constitui apenas uma perspectiva possvel, j que quem a produz um sujeito
que, sendo limitado por sua natureza, somente
pode produzir a sua prpria viso do objeto, decorrente de seu recorte terico.
Anthony Seeger gosta de usar, em suas conferncias, a metfora do corte de uma banana:
para se descrever uma banana pode-se cortla de vrias formas, seja transversalmente, de
comprido, ou em fatias, mas a banana descrita
ser sempre diferente (Seeger, 2003). Ou seja,
o objeto depende do olhar, o resultado depende do recorte. Por mais realista que se tente
ser, as decises tomadas e aspectos subjetivos
estaro sempre agindo. Devido a esta limitao profundamente humana, mesmo que o
jovem etngrafo do show de reggae tenha lido
o artigo de Seeger e tratado de observar os diversos ngulos da performance, ocorrer que
sua etnografia portar uma descrio datada e
marcada por sua subjetividade e tambm pela
rea de seu curso e, no menos influente, pelo
seu orientador. Toda esta parcialidade no tem
que ser ocultada, ao contrrio, sua riqueza se
encontra no fato dela ser revelada, isto eleva o
valor da etnografia. A limitao de cada perspectiva o gancho para tratar do outro ponto
que destaquei: a abordagem integradora.
Se a msica um sistema de comunicao, como define o autor, sendo que a comunicao humana atinge um espectro imenso
de fenmenos, somente uma abordagem com
mltiplas perspectivas poderia dar conta de
compreender a msica. Isto o famoso musiclogo Charles Seeger, av de Anthony, j
apregoava em meados do sculo passado, e sua
sinopse revela um esquema ainda hoje interessante. A vastido de assuntos que concernem
a msica tal que cada orientao particular
somente pode revelar um aspecto da totalidade, um corte da banana. As perspectivas tm
diferenas e divergncias profundas quanto ao
mtodo e s camadas especficas que querem
observar, porm h um fator integrador inerente a todas estas disciplinas: a compreenso
da msica em sua totalidade. Nesse sentido,
A E M A S |
todos os campos do esquema de Charles Seeger aparecem inseridos em uma grande rea
que tem este objetivo: a musicologia. Musicologia no pode ser sinnimo de apenas uma
perspectiva, como os musiclogos histricos
se acostumaram a tratar no sculo XX. Alm
disso, o prefixo etno passou a ser incmodo, pois qualquer olhar musicolgico carrega
o ethnos do autor e do objeto. Ao invs de se
separarem e se entregarem s lutas dos campos de saber, disputando prestgio acadmico,
legitimidade e recursos, ao invs de insistirem na sua particularidade e defenderem seus
pontos de vista, as musicologias deveriam se
visitar, se convidar, se incluir em um projeto
musicolgico maior: a compreenso global da
msica. Cada orientao uma orientao e
produz um resultado particular, cada banana
depende do olhar que lhe corta. Os resultados
so legtimos ao seu modo, e somente uma
ampliao do escopo destes olhares, somente
um trabalho conjunto pode revelar o objeto
em suas vrias faces. A perspectiva dos Seeger,
tanto de Charles quanto de Anthony, integradora neste sentido.
Pode-se dizer que, apesar da idade, o artigo tem seu valor preservado. A necessidade
de atualizao uma realidade em quaisquer
artigos que, como este, procuram fazer um
apanhado de questes tericas e metodolgicas, uma sntese sobre temas to importantes
para algumas reas da academia. A crescente
produtividade em pesquisas e publicaes s
mostra que o tempo transcorrido tem cada
vez mais fome de novidade, e que as solues para os dilemas e questes fundamentais
da antropologia e da musicologia ainda no
autor
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Recebida em 01/12/2008
Aceita para publicao em 15/12/2008
cadernos de campo, So Paulo, n. 17, p. 233-235, 2008