Cadernos da Escola de Direito e Relaes Internacionais

MULTICULTURALISMO, DIVERSIDADE CULTURAL E DIREITO COLETIVO NA ORDEM CONTEMPORNEA

RESUMO Diversidade cultural contempla as diferenas culturais existentes entre as pessoas, considerando sua linguagem e tradies, bem como, a sua concepo da moral e da religio. Multiculturalismo ou pluralismo cultural, uma designao que descreve a existncia de muitas culturas numa localidade, cidade ou pas, sem que uma delas predomine, porm separadas geograficamente. Este artigo tem como objetivo demonstrar a importncia do reconhecimento de culturas consideradas diferentes e desconhecidas, buscando a preservao da diversidade cultural, contribuindo para que o patrimnio comum da humanidade seja protegido, em benefcio das presentes e futuras geraes. Quanto metodologia utilizada, optou-se por estudo exploratrio, tendo como finalidade proporcionar maior conhecimento ao tema em estudo. O referencial terico foi construdo a partir de pesquisas bibliogrficas em livros, peridicos e materiais disponveis na Internet. Observa-se que a diversidade cultural no implica em aceitao incondicional dos modos de vida e valores do outro, mas na compreenso que o outro possui em razo da sua histria. PALAVRAS-CHAVE Diversidade Cultural; Multiculturalismo; Direitos Fundamentais.

Eliane de Oliveira, formada em Cincias Contbeis pela UFPR, mestrado em Administrao Estratgica pela PUC-PR e aluna do curso de Direito da PUC-PR. E-mail: [email protected] Maria Luiza de Souza, aluna do curso de Direito da PUC-PR. E-mail: [email protected]

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ABSTRACT Cultural diversity includes cultural differences between people, such as language and traditions, as well as his conception of morality and religion. Multiculturalism or cultural pluralism is a term that describes the existence of many cultures in a town, city or country without one of them predominates, but geographically separated. This article aims to demonstrate the importance of the recognition of cultures considered different and unknown, aiming at the preservation of cultural diversity, which contribute to the common heritage of mankind is protected for the benefit of present and future generations. Considering the methodology used, it was chosen the exploratory study, with the aim to provide greater knowledge to the subject under study. The theoretical framework was constructed from literature searches in books, journals and materials available on the Internet. It is observed that cultural diversity does not imply unconditional acceptance of lifestyles and values of other people, but on the understanding that the other has because of his history. KEYWORDS Diversity, Multiculturalism, Rights.
Sumrio: 1. Introduo; 2. Desenvolvimento do Tema; 2.1. Multiculturalismo; 2.2. Diversidade Cultural; 2.3. Direitos Fundamentais; 3. Concluses; 4. Notas Explicativas; 5. Referncias; 6. Mtodos; 7. Discusses.

INTRODUO Vivemos uma poca de imensas e constantes transformaes no campo do relacionamento humano. Os atos de relacionamento poltico internacional so demonstraes do mais alto grau de grandeza no contexto desta nova situao. Isto demonstrado de forma global pelos atos de terrorismo e de violncia institucionalizada, que se efetua a nvel das empresas transnacionais que impem seus modelos econmicos e sua poltica de manipulao das necessidades e do imaginrio histrico do povo. A situao atual criou um modelo unidimensional da moral nos mais variados sistemas. Esse modelo define-se nos princpios de gerenciamento dos bens pblicos e por uma ideologia que se caracteriza por uma maximizao e quantificao das atividades da vida humana pelas exigncias dos mltiplos planos estratgicos, pela ideologia da qualidade total e pelo processo de globalizao. Os conceitos de globalizao e mundializao1 so utilizados numa perspectiva para enumerar e denunciar vtimas do processo de excluso social. No entanto, a histria da ltima dcada exige muito para ser decifrada e para que se possam costurar todos os detalhes dessa etapa da histria. Ainda continuamos a viver uma poca de agonia das grandes utopias. A utopia e o mito fazem parte essencial do individual e do coletivo humano.

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Neste contexto, o multiculturalismo tornou-se uma temtica fundamental no processo da democracia de muitos pases e desenvolveu-se com a evoluo dos direitos humanos da ltima gerao, quando neles se introduz o debate sobre o direito das minorias e dos grupos tnicos marginalizados em grandes reas culturais. Esses direitos passam a ser explicitados amplamente a partir do direito diferena e com o direito ao reconhecimento da identidade tnica. Os novos movimentos sociais, surgidos durante a dcada de 60 (na Amrica Latina a partir da interrupo dos canais tradicionais de participao pela ditadura, e nos pases de capitalismo desenvolvido do Ocidente, em funo da crise do Welfare State e dos movimentos culturais contestadores, como o dos estudantes), demarcam a afirmao de uma identidade no espao pblico que no mais se d nos espaos tradicionais (partidos polticos, sindicatos, Estado), mas sim no espao do cotidiano2: no bairro, na rua, no campo. Os sujeitos participantes desses movimentos no mais so vistos apenas como sujeitos participantes do processo produtivo, ou integrantes da classe social, mas sim como sujeitos que se definem por uma identidade que no guarda relao direta e necessria com este papel produtivo (mulheres, ambientalistas, negros, ndios, moradores, aposentados). A afirmao desta identidade refletiu-se, inclusive, na prpria forma de organizao e atuao, muito diferente da estrutura hierrquica e institucional dos partidos e dos sindicatos, pois estimulava relaes comunitrias e horizontais entre os que participavam nesses movimentos3. Globalizao, polticas neoliberais, segurana global, estas so realidades que esto acentuando a excluso, em suas diferentes formas e manifestaes. No entanto, no afetam igualmente a todos os grupos sociais e culturais, nem a todos os pases e, dentro de cada pas, s diferentes regies e pessoas. So os considerados diferentes, aqueles que por suas caractersticas sociais e/ou tnicas, por serem portadores de necessidades especiais, por no se adequarem a uma sociedade cada vez mais marcada pela competitividade e pela lgica do mercado, os perdedores, os descartveis, que vm cada dia negado o seu direito a ter direitos (HANNA ARENDT, 1989). O que se percebe que as demandas multiculturais vm proporcionar uma crescente ampliao nos direitos constitucionais na maioria dos pases ocidentais. Entretanto, no bastam somente as lutas pelo reconhecimento serem traduzidas em termos normativos constitucionais, mas tambm em termos de aes polticas no campo institucional mediante a realizao de polticas pblicas que buscam afirmar e administrar as diferenas culturais, e identitrias utilizando estratgias que contemplem componentes lingusticos, sociais, econmicos, educativos, entre outros. Percebe-se que a democracia contempornea, diante do j mencionado fato do multiculturalismo, tem utilizado o Direito como meio de integrao social, de pacificao de conflitos, de efetivao das muitas reivindicaes por demandas ticoculturais, de respeito s diferenas, do reconhecimento das identidades etc., ocorrendo assim um deslocamento do eixo poltico para o jurdico. A centralidade do Direito quando relacionada s pautas multiculturais vista no somente com um mecanismo de regulao social, mas tambm de simetrizao das 123 Cadernos da Escola de Direito e Relaes Internacionais, Curitiba, 15: 121-139 vol.1
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relaes interpessoais, apontando para seu potencial transformador do contexto social. Como explica Semprini, os multiculturalistas no ignoram a real dimenso da independncia entre jurdico e poltico e efetiva equidade da justia, denotando, porm, que o direito cumpre um papel ativo, pois ele viabiliza a coalizao entre as esferas privada e pblica, melhor dizendo, o Direito chamado a formalizar e a regulamentar a incapacidade da esfera privada de acomodar-se mudana sociocultural. Entretanto, de destacar que as polticas de reconhecimento, sendo em termos normativos constitucionais ou em termos de polticas pblicas apresentam certos dilemas. As demandas particulares que transformam direitos em diferenas culturais, muitas vezes podem sobrecarregar o Estado com uma presso social cuja legitimidade ele no tenha os instrumentos polticos para aferir. Neste contexto, a compreenso dos direitos humanos suscita enfrentar desafios diante da crescente globalizao e do choque de civilizaes, tais como: a crise do universalismo frente ao choque de civilizaes, a tentativa de imposio das culturas, a ineficcia do Direito Internacional e o fortalecimento dos localismos. No basta saber os significados de Direitos Humanos e as definies de globalizao, deve-se entender os direitos humanos a partir de uma contextualizao intercultural na defesa de um universalismo de mesclas aliado a uma nova racionalidade de resistncia. E vislumbrar uma poltica de direitos humanos dentro de uma tica global frente a diversidade e fragmentao cultural, sendo que a tarefa hoje da sociedade mundial centra-se em obter um multiculturalismo progressista de direitos humanos. Logo, sair de modelos dogmticos estanques e partir para uma releitura dos direitos humanos via uma proposta de multiculturalismo ou cosmopolitismo que leve a uma verdadeira cultura de paz. Verifica-se desta forma, que atravs dos sculos da histria da humanidade, as minorias tm sido eliminadas, assimiladas ou discriminadas, constituindo uma clara afronta ao princpio da dignidade humana. Esta uma situao que tem ficado muito mais patente como consequncia da era da Globalizao, quando o mundo parece no ter mais fronteiras nem para o trnsito das pessoas e nem para a divulgao dessas violaes. Nesse contexto, que surge com mais fora a Teoria do Multiculturalismo e Diversidade Social, visando justamente contribuir na construo das bases tericas que permitiro o pleno reconhecimento, a proteo e a promoo dos direitos fundamentais dos grupos minoritrios. Este trabalho acadmico tem como objetivo verificar a importncia do reconhecimento de culturas ditas diferentes, visando preservao da diversidade cultural, garantido assim, a proteo do patrimnio comum da humanidade para as geraes vindouras. Para atingir o referido objetivo, foram estudos e apresentados os seguintes pontos: a questo da identidade e do reconhecimento da diferena; a questo do universalismo e da homogeneizao cultural; o patrimnio cultural e a diversidade cultural; os processos de globalizao e a proteo dos direitos humanos. Quanto aos aspectos metodolgicos, foi adotado o estudo exploratrio, tendo como finalidade proporcionar maior conhecimento ao tema em estudo. Desta forma, o ponto de partida iniciou-se em anlises de conceitos e teorias visando estabelecer argumentos e conexes conclusivas para elucidao do tema proposto. 124 Cadernos da Escola de Direito e Relaes Internacionais, Curitiba, 15: 121-139 vol.1
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DESENVOLVIMENTO

Neste captulo sero abordados os temas multiculturalismo, diversidade social, direitos fundamentais na concepo de autores com destaque reconhecido neste campo de estudo.

1.1

Multiculturalismo

Por comparao com outras Cincias Sociais e Humanas, como por exemplo, a Antropologia, a reflexo filosfica contempornea sobre a multiculturalidade pecou por tardia. No entanto, conheceu um enorme incremento a partir do final dos anos 70 do sculo XX. Comeo por inserir-se no debate entre individuais liberalistas, por um lado, e comunistas, por outro. Desta forma, os precursores do multiculturalismo foram professores doutores afro-americanos docentes universitrios na rea dos Estudos Sociais que, por meio de suas obras, levantaram questes sociais, polticas e culturais de interesse para os afro descendentes. Estes estudiosos tinham como objetivo preparar as populaes segregadas para exigir igualdade de direitos, estimulando a autoestima desses grupos e apoiando o debate intelectual sobre questes relativas discriminao e excluso social. Um trabalho realizado a partir de argumentos cientficos. Embora desde o final dos anos 80 algumas universidades brasileiras venham realizando abordagem curricular numa perspectiva multiculturalista, nos anos 90 que ocorre um crescimento da produo acadmica, visando ao aprofundamento da temtica. Gonalves e Silva (1998) destacam que o multiculturalismo uma estratgia poltica de reconhecimento e representao da diversidade cultural, no podendo ser concebido dissociado dos contextos das lutas dos grupos culturalmente oprimidos. Segundo o esquema de Peter McLaren (1997) existem quatro vertentes: conservadora ou empresarial, humanista liberal, liberal de esquerda, crtica e de resistncia. Neste trabalho destacamos a vertente crtica e de resistncia. Nossa proposta de trabalho, apoiando-se em McLaren (1997) defende o multiculturalismo crtico, para quem as diferenas no tm um fim em si, mas situam-se num contexto de lutas por mudana social, contrapondo-se ao iderio neoliberal e globalizao econmica e cultural vigente, como expresses legtimas do modelo capitalista opressor. Segundo MacLaren (1997), podem-se distinguir vrias modalidades de posies multiculturais: o multiculturalismo conservador, o multiculturalismo liberal e liberal de esquerda, e o multiculturalismo crtico ou de resistncia. O multiculturalismo conservador pretende a construo de uma cultura comum, unitria e nacional, entendendo a diversidade cultural, rcica ou sexual como devendo ser assimilada cultura tradicional, geralmente definida por padres patriarcais, brancos, euroamericanos. 125 Cadernos da Escola de Direito e Relaes Internacionais, Curitiba, 15: 121-139 vol.1
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Tal como este, o multiculturalismo liberal visa polticas de assimilao, e embora presuma que vivemos numa cultura igualitria em termos de raa ou sexo, aponta as desigualdades de oportunidades educativas nos sistemas capitalistas. O multiculturalismo liberal de esquerda encontra-se mais atento aos modos de operar do poder e do privilgio e sublinham as diferenas culturais ditadas por classe, raa e sexualidade; enquanto que o multiculturalismo crtico ou de resistncia, no satisfeito em apenas desestabilizar os sentidos dominantes na sociedade, visa transformar as prprias condies sociais e histricas que naturalizam os sentidos culturais. Para ele no existe uma humanidade comum, mas apenas identidades definidas pelos contextos de poder, de discurso ou de cultura. De acordo com Taylor (1997), todas as sociedade esto se tornar-se cada vez mais multiculturais e, ao mesmo tempo, mais permeveis 5. Tudo isso induz questo da imposio de algumas culturas sobre as outras. E considera-se que, neste aspecto, as sociedade liberais do Ocidente so extremamente culpadas, em parte devido ao passado colonial, em parte devido marginalizao de segmentos de sua populao oriundos de outras culturas. O multiculturalismo surge como um desafio pra as democracias liberais, fortemente apoiadas em ideais de igualdade e reciprocidade. Contudo, evidenciam-se dvidas quanto s respostas corretas para questes relacionadas etnia, raa, religio, sexualidade, ou qualquer outro gnero ou rea vinculada identificao cultural. Multiculturalismo ou pluralismo cultural um termo que descreve a existncia de muitas culturas numa localidade, cidade ou pais, sem que uma delas predomine, porm separadas geograficamente. Em contraponto ao Multiculturalismo, possvel constatar a existncia de outras polticas culturais seguidas, como por exemplo: O monoculturalismo vigente na maioria dos pases do mundo e ligada intimamente ao nacionalismo que pretende a assimilao dos imigrantes e da sua cultura nos pases de acolhimento. O Melting Pot, como o caso dos Estados Unidos e do Brasil, onde as diversas culturas esto misturadas sem a interveno do Estado. O multiculturalismo implica reivindicaes e conquistas das chamadas minorias, tais como, negros, ndios, mulheres, homossexuais, entre outras. A doutrina multiculturalista d nfase ideia de que as culturas minoritrias so discriminadas, sendo vistas como movimentos particulares, mas elas devem merecer reconhecimento pblico. Para se consolidarem, essas culturas singulares devem ser amparadas e protegidas pela lei. O Multiculturalismo ope-se ao que ele julga ser uma forma de etnocentrismo (viso de mundo da sociedade branca dominante que se toma por mais importante que as demais). A poltica multiculturalista visa resistir homogeneidade cultural, principalmente quando esta homogeneidade considerada nica e legtima, submetendo outras culturas a particularismos e dependncia. Sociedades pluriculturais coexistiram em todas as pocas, e hoje, estima-se que apenas 10 a 15% dos pases sejam etnicamente homogneos. importante destacar que adversidade cultural e tnica muitas vezes vista como uma ameaa para a identidade da nao. Em alguns lugares o multiculturalismo provoca 126 Cadernos da Escola de Direito e Relaes Internacionais, Curitiba, 15: 121-139 vol.1
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desprezo e indiferena, como ocorre no Canad entre habitantes de lngua francesa e os de lngua inglesa. Mas tambm pode ser vista como fator de enriquecimento e abertura de novas e diversas possibilidades, como confirmam o socilogo Michel Wieviorka e o historiador Serge Gruzinski, ao demonstrarem que o hibridismo e a maleabilidade das culturas so fatores positivos de inovao. Charles Taylor, autor de multiculturalismo, Diferena e Democracia acredita que toda a poltica identitria no deveria ultrapassar a liberdade individual. Indivduos, no seu entender, so nicos e no poderiam ser categorizados. Taylor definiu a democracia como a nica alternativa no poltica para alcanar o reconhecimento do outro, ou seja, a diversidade. A complexidade do multiculturalismo est vinculada necessidade de articulao entre as lutas pela afirmao do direito diferena e os processos de globalizao, que tendem a aumentar as desigualdades sociais e excluir em alto grau de intensidade aqueles que se encontram margem da sociedade. Por meio da expanso e dominao da cultura ocidental, possvel verificar que as culturas no ocidentais ou diferentes so enxergadas como culturas primitivas e atrasadas. Segundo Kretzmann (2007), a partir desta dominao/excluso e da no conformao diante das crescentes desigualdades e opresses que marcam as culturas dominadas, as lutas e reivindicaes acerca da afirmao da identidade e do reconhecimento das diferenas, em um mundo formado p um mosaico de culturas, so fundamentais para a proteo e preservao da diversidade cultural. Diante da crise da modernidade e de seu projeto universalista1, que se mostrou falho e inadequado, imergiram inmeras reivindicaes de diversos povos e culturas. O ideal de justia no significa somente a busca pela igualdade, mas o respeito diferena, identidade e a superao de um monoculturalismo ocidental, dominante e opressor, responsvel pela atual situao de degradao ambiental e cultural. J na viso de Touraine (1997), o temo multiculturalismo entendido como um nacionalismo agressivo. No entanto, o referido autor esclarece que no h nada mais distante do multiculturalismo que a fragmentao de mundo em espaos culturais que idealizam a homogeneidade e a pureza e onde um poder comunitrio toma o lugar da unidade de uma cultura. Desta forma, o multicultarismo no nem uma fragmentao sem limites do espao cultural, nem um melting pot cultural mundial: procura combinar a diversidade das experincias culturais com a produo e a difuso de massa dos bens culturais.

1.2

Diversidade Cultural

A diversidade cultural vem, gradualmente, merecendo a ateno de muitos estudiosos e ampliando sua visibilidade na sociedade civil. De acordo com MR (2005), como em todo processo dialtico, torna-se complexo identificar onde a questo se origina e se consolida, se parte da sociedade civil para a academia, ou vice-versa. Porm, as investigaes acadmicas e as publicaes de artigos e reportagens em revistas e jornais nos apontam a percepo das Amricas para as suas faces multiculturais e os inegveis conflitos gerados ou assumidos em face de tal fato. 127 Cadernos da Escola de Direito e Relaes Internacionais, Curitiba, 15: 121-139 vol.1
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Esse fenmeno, descrito ora como uma nova preocupao social ora como tendncia, veio se construindo dentro da histria poltico-social do ocidente durante longos anos Apresenta-se como novo, pois fez-se mais percebido recentemente. Porm, embora aparentemente novo, encontra-se em relatos e descries cujas faces disfaram as marcas de antigos problemas. A diversidade cultural no nova. O que deve nos levar a refletir a razo pela qual essa questo vem merecendo ateno cada vez maior de estudiosos. Cultura (do latim cultura, cultivar o solo, cuidar) um termo com vrias acepes, em diferentes nveis de profundidade e diferente especificidade. So prticas e aes sociais que seguem um padro determinado no espao/tempo. Se refere a crenas, comportamentos, valores, instituies, regras morais que permeiam e preenchem a sociedade. Explica e d sentido a cosmologia social, a identidade prpria de um grupo humano em um territrio e num determinado perodo. O conceito antropolgico de cultura passa necessariamente pelo dilema da unidade biolgica e a grande diversidade cultural da espcie humana. Consiste em uma preocupao com a diversidade de modos de comportamento existentes entre os diferentes povos. Quanto diversidade, esta se encontra ligada aos conceitos de pluralidade, multiplicidade, diferentes ngulos de viso ou de abordagem, heterogeneidade e variedade. Tambm, pode ser encontrada na comunho de contrrios, na interseco de diferenas, ou ainda, na tolerncia mtua. a pluralidade cultural que faz do mundo um lugar rico. No entanto, segundo Valente (1999), aceitar as diferenas e enriquecer-se com elas continua a ser um problema que hoje ningum sabe resolver porque supe o reconhecimento da alteridade. Levar em conta a pluralidade cultural no mbito da educao implica pensar formas de reconhecer, valorizar e incorporar as identidades plurais em polticas e prticas curriculares. A diversidade cultural engloba as diferenas culturais que existem entre as pessoas, como a linguagem, danas, vestimenta e tradies, bem como a forma como as sociedades organizam-se conforme a sua concepo de moral e de religio, a forma como eles interagem com o ambiente, etc. O termo diversidade diz respeito variedade e convivncia de ideias, caractersticas ou elementos diferentes entre si, em determinado assunto, situao ou ambiente. Neste contexto, a ideia de diversidade est ligada aos conceitos de pluralidade, multiplicidade, diferentes ngulos de viso ou de abordagem, heterogeneidade e variedade. E, muitas vezes, tambm, pode ser encontrada na comunho de contrrios, na interseco de diferenas, ou ainda, na tolerncia mtua. A diversidade cultural complicada de quantificar, mas uma boa indicao pensar em uma contagem do nmero de lnguas faladas em uma regio ou no mundo como um todo. Ao estudarem questes culturais, Sardar & Van Loon (1997) ressaltam a importncia da compreenso sobre o que cultura e o fato de que esta vem sendo, de tempos em tempos, redefinida, na tentativa de melhor espelhar a sociedade a que se prope espelhar. Para que possamos perceber as mudanas, os mencionados autores 128 Cadernos da Escola de Direito e Relaes Internacionais, Curitiba, 15: 121-139 vol.1
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apresentam conceituaes sobre cultura que representam a sociedade desde a segunda metade do sculo XIX at os mais modernos tempos. Mr (2005) infere que a cultura deva congregar conhecimento, crena, arte, moral, leis como reguladores de padres a serem seguidos por aqueles que desejam ser membros da sociedade (Tyler); que a cultura deva levar o homem a compreender que integrao cultural requer aprendizagem de comportamentos segundo padres; que a cultura deva ser entendida dentro das relaes de poder produzidas pelas estruturas familiares e institucionais; que a cultura deva ser vista como uma construo da qual todos participamos, logo temos responsabilidade sobre as histrias que construmos, ou deixamos construir, e sobre as que reconstrumos. O que vem caracterizando as ltimas dcadas, no entanto, vem a ser o fato de que a variedade, a diversidade, a divergncia, a pluralidade de crenas, pensamentos, comportamentos e valores tornaram-se socialmente visveis. Como resultado, no panorama cultural, vemos, por exemplo, maior acesso variedade de filmes do ocidente e do oriente, embora boa parte restrita aos grandes centros. Segundo Lvy (1999), no que tange a pensamentos, comportamentos, crenas e valores, tem havido abertura para a aceitao de novos padres de beleza, de trabalho, de relacionamentos assim como maior possibilidade de questionamentos sobre modelos de casamento, modelos de sucesso, sobre as expectativas e desejos fabricados. Inegavelmente, a tecnologia provocou o desenvolvimento de processos mentais menos lineares. Compreende-se que as pessoas no veem, nem interpretam o mesmo fato da mesma maneira e torna-se menos difcil conviver com esta possibilidade. Logo, a maneira de participao e integrao na cultura passou a ser vista como variada, diversa, divergente, plural. Barker (1999) analisa o conflito da diversidade no mundo moderno sob a tica da comunicao. Aponta a televiso e a globalizao desta como dois fenmenos distintos que vieram a causar o denominado conflito. Os avanos tecnolgicos da primeira e a expanso da segunda culminaram por revelar diferenas, antes desconhecidas, pouco conhecidas ou imaginadas; como resultado, exacerbou-se o desejo de controle sobre estas diferenas. O referido autor ainda destaca que as distncias geogrficas que separavam as culturas foram encurtadas pela televiso, pelo rdio e pelos shoppings centers nos centros cosmopolitanos. E interessante notar que o autor no menciona o advento da Internet na disseminao das informaes culturais, pois sua pesquisa focaliza as influncias da telenovela e seriados de TV na construo de identidade do jovem europeu. Desta forma, torna-se possvel atualmente ter conhecimento sobre as culturas de lugares longnquos, saborear pratos exticos ou tpicos de culturas especficas, conhecer particularidades antes nem imaginadas. No passado, as culturas ficavam encerradas em seus territrios e as faces dos povos que a construam pareciam estar mais distintas. Consequentemente, as identidades se preservavam mais, na medida em que se misturavam ou se influenciavam menos. A televiso teria despertado novos interesses,

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ao tornar conhecida uma determinada realidade, e possibilitado a entrada dos olhares de quaisquer interessados sobre as novidades. Torna-se importante destacar a diferena e entre pluralismo cultural e multiculturalismo. Segundo DAdesky (2005), o pleno reconhecimento da igualdade e cidadania associado ao tratamento igual de grupos ticos que possuem uma cultura diferenciada a base para uma poltica multicultural e no de pluralismo cultural. O referido autor destaca que o pluralismo cultural no compreende necessariamente a poltica de tratamento em p de igualdade das diferentes culturas que se encontram num dado territrio geogrfico, considerando que o multiculturalismo possui a tendncia de reconhecer a igualdade de valor intrnseco de cada cultura. Por outro lado, reafirmando um conceito descrito por Derrida (1974) como contaminao de que no h fronteiras entre os pensamentos; a comunicao entre ideias necessariamente envolve contaminao as identidades, antes vistas de modo mais claro e definidor de seus respectivos rostos, passam a contaminar e ser contaminadas dentro do que veio a ser chamado de cultura globalizada. Segundo Barker (1999), se por um lado esta globalizao cultural via televiso permitiu abrir as cortinas para espetculos nunca antes assistidos, provocou uma crise na questo da identidade cultural, crise essa que vem sendo reforada pela manipulao de poder e superioridade de algumas culturas sobre outras. possvel que Barker esteja conferindo muito poder disseminao da comunicao televisiva, esquecendo-se de que muito antes do advento deste meio, as identidades culturais j sofriam reciprocamente as contaminaes e crises por conta dos projetos colonialistas. Santos (2000) refere-se s interferncias de identidade e desterritorializao causadas pelo comrcio e conquistas praticados por diversas civilizaes. Compara a diferena entre os fluxos lingusticos comandados pela Gr-Bretanha e Estados Unidos, fatos histrica e socialmente conhecidos. Menciona que os britnicos buscavam conquistar regies e zonas de diversos continentes em seu projeto de colonizao; os americanos revelaram uma estratgia distinta, na qual se percebe um fluxo mais localizado e preciso, que se impe a um mundo artificializado, onde, ento, j no se faz necessria a presena de um colonizador. Em uma primeira concluso, tendemos a achar que a questo cultura remete imediatamente questo identidade. Por decorrncia, quando se fala em diversidade cultural comum que a correlao seja feita pelos termos raa, identidade e diferena, direcionando-se para a noo de multiculturalismo. Sardar e Van Loon criticam esta noo por entenderem que esta vem sendo interpretada, na maioria das vezes, como uma convivncia pluralista harmnica. Ou uma condio natural da existncia humana. Assim, anulam-se a carga poltico-social e os decorrentes entraves inerentes a esse pluralismo. Acrescentam os autores, ainda, que os conflitos culturais relativos identidade referem-se, frequentemente, a raas e etnias, e, ao serem compreendidos dessa maneira, velam outros elementos das construes de identidade, como classes sociais, religies, gneros, sexualidade. importante considerar que o multiculturalismo constitui a resposta poltica realidade da diversidade cultural. No se pode separar de um contexto democrtico, mas 130 Cadernos da Escola de Direito e Relaes Internacionais, Curitiba, 15: 121-139 vol.1
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o multiculturalismo favorvel aos intercmbios culturais e ao prprio desenvolvimento das capacidades criadoras que alimentam a vida pblica. nesse ponto que as polticas culturais, enquanto assegurem a livre circulao das ideias e das obras, devem criar tambm as condies favorveis para a produo e a difuso de bens culturais da sociedade e servios culturais bastante abrangentes, por meio das indstrias culturais que disponham de meios de comunicaes para desenvolver-se nos planos local e mundial. DAkesky (2005) argumenta a favor de um multiculturalismo democrtico como poltica capaz de reconhecer as singularidades de cada cultura, sem a pretenso de se identificar uma cultura como universal e ampliando o dilogo e o respeito entre as diversas formas de manifestao e identificao cultural. Sendo assim, tornam-se essenciais o respeito e a promoo de grupos culturais depreciados discriminados, por meio de polticas multiculturais que venham a aliar os princpios constitucionais da dignidade, cidadania e igualdade ao reconhecimento da diversidade cultural.

1.3

Direitos Fundamentais

A Declarao dos Direitos do Homem no fim do sculo XVIII significava que, desde ento, o homem seria a fonte de lei. Destinava-se, tambm, a ser uma proteo muito necessria numa era em que os indivduos j no estavam a salvo nos Estados em que haviam nascido. Tais direitos independiam da ordem poltica e seriam garantidos pelo sistema de valores sociais, espirituais e religiosos. No se invocava nenhuma autoridade para estabelec-los; o prprio homem seria a sua origem e seu objetivo ltimo (ARENDT, 1989). Os direitos fundamentais podem ser definidos como normas constitucionais de carter principiolgico, que traduzem a concepo de dignidade humana de cada sociedade e objetivam legitimar o poder jurdico-estatal. Da definio pode-se inferir que os direitos fundamentais so normas positivas do mais alto nvel hierrquico, visto a sua funo de preservar a dignidade de todo ser humano, tarefa que deve ser o centro e fim de toda atividade pblica. No contexto atual, as discusses acerca dos Direitos Humanos surgem, como uma das questes mais tormentosas para os juristas, que se veem s voltas com um tema que assumiu enorme grau de importncia junto comunidade internacional, mas que, ao mesmo tempo, ainda no atingiu uma unidade de pensamento que permita a sua organizao de forma a assegurar sua proteo universal. A declarao dos direitos humanos referia-se a um ser humano abstrato (universalizado), dentro de determinada civilizao. Como a humanidade, desde a Revoluo Francesa, era concebida margem de uma famlia de naes, tornou-se gradualmente evidente que o povo, e no o indivduo, representava a imagem do homem. Supunha-se que os direitos humanos independiam dos direitos nacionais. Os Direitos do Homem foram conceituados como inalienveis, pois se pensava que eram independentes dos governos. Contudo, no momento em que os seres humanos deixavam de ter um governo prprio, nenhuma instituio ou autoridade lhes protegia. 131 Cadernos da Escola de Direito e Relaes Internacionais, Curitiba, 15: 121-139 vol.1
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Aps a Segunda Guerra Mundial, cenrio em que foi construda a Declarao de Direitos Humanos, representantes das mais diversas culturas passaram a discutir o contedo desta declarao. Assim, era necessrio que se chegasse a um bom termo, a uma declarao que fosse aceitvel a diversas religies, ideologias, culturas. Conforme nos afirma Nader (1999) mesmo com todos os seus esforos, houve enormes desacordos e vazios. No havia representantes das populaes indgenas do mundo, dos povos islmicos do chamado Terceiro Mundo, e a representao das mulheres era pouco expressiva. Apesar disto, no foram sacrificados princpios bsicos em prol da unanimidade, e chegou-se a um consenso, mesmo que ainda hoje hajam questes mal resolvidas, como a que diz respeito ao que se sobrepe, se Direitos Individuais ou Coletivos, ou ainda, a questo do equilbrio entre soberania nacional e os Direitos Humanos internacionais, ou ainda a questo dos Direitos Humanos como parte de um movimento hegemnico ocidental e predominantemente americano. possvel verificar que a diversidade de tratamento dispensada ao tema gera uma curiosa situao, de acordo com Barreto (1997), os direitos humanos encontram-se neste final de sculo em situao paradoxal: de um lado, proclama-se em diversos textos legais um nmero crescente de direitos civis, polticos, sociais, econmicos e culturais, que constituem, na histria do direito, a afirmao mais acabada da crena do homem na sua prpria dignidade; de outro lado, esses mesmos direitos, transformam-se em ideais utpicos, na medida em que so sistematicamente desrespeitados por grupos sociais e governos. Dentro desse contexto, revela-se como de fundamental importncia para a busca de um conjunto de direitos humanos universais a tentativa de se estabelecer, pelo menos, um conjunto mnimo de garantias, capazes de assegurar a dignidade da pessoa humana, embora a prpria noo de dignidade humana nos parea problemtica para a soluo deste impasse, na medida em que cada pas e, dentro de cada um desses pases, cada cultura por eles abrigada, apresentar a sua prpria concepo de dignidade humana, designao que varia consideravelmente entre diversas naes. Tal pretenso, contudo, frequentemente encontra obstculo na questo do multiculturalismo, que pode funcionar como verdadeira barreira consagrao de uma teoria dos direitos humanos de carter transcendental, na medida em que as tradies culturais dos diferentes pases do mundo podem impedir a ideia de um valor ou conjunto de valores universais que superam a regulao interna destes vrios povos. Outro problema apontado por Barreto (1997) se refere impreciso conceitual de que se reveste a expresso direitos humanos, a qual se refere a situaes soc iais, polticas e culturais que se diferenciam, significando muitas vezes manifestaes emotivas face violncia e injustia; na verdade, a multiplicidade dos usos da expresso demonstra, antes de tudo, a falta de fundamentos comuns que possam contribuir para universalizar o seu significado e, em consequncia a sua prtica. Percebe-se que a tentativa de estabelecer um conjunto de direitos humanos de carter universal no pode se desviar do enfrentamento com o multiculturalismo. Assim como salienta Apel (1997), o problema que envolve a concepo de uma unificao 132 Cadernos da Escola de Direito e Relaes Internacionais, Curitiba, 15: 121-139 vol.1
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poltica entre os diferentes pases do mundo justamente saber se a ideia de uma sociedade multicultural pode contrapor ameaa de um choque de culturas. A resistncia ao estabelecimento de uma sociedade multicultural reside no temor da coletividade em torno de uma possvel perda de sua identidade cultural, temor este que, a nosso sentir, deve ser afastado de imediato, na medida em que a intercambialidade de culturas no deve ser vista como a busca da imposio das tradies e comportamentos de uma cultura dominante a culturas menores, mas na possibilidade de troca de experincias entre os diversos pases a fim de que, a partir disso, determinada comunidade passe a adotar como suas as tradies de outra, desde que convenientes ao convvio daquela localidade. Neste contexto, Apel (1997) declara que no existe mais no mundo atual qualquer possibilidade de evitar a constituio jurdico-moral de uma sociedade multicultural, ou de substitu-la por sociedades nacionais ou ideolgicas, por tradies de valores herdados. A prpria Constituio do Brasil, ao afirmar em seu artigo 5 que no haver distines de qualquer natureza no tratamento dos indivduos d provas de que o Brasil um pas multicultural. Dessa forma, a existncia de uma sociedade multicultural nos aparece como uma realidade inegvel, no cabendo mais indagaes acerca da possibilidade ou no de sua existncia, mas, apenas, a busca de uma compatibilizao entre as diferenas culturais, histricas, sociais, econmicas e ideolgicas existentes entre os pases que a compem. O que se visa a complementaridade das culturas, e no a sua oposio. Uma vez verificada a impossibilidade atual de se conceber uma sociedade afastada da noo do multiculturalismo, os critrios acima apontados pelo filsofo alemo nos parecem fundamentais na busca do estabelecimento de princpios mnimos a partir dos quais ser possvel se atingir uma concepo de direitos humanos bsicos. Uma noo fundamental que deve nortear toda a ideia dos direitos humanos encontra-se na reciprocidade, segundo a qual a existncia de direitos fundamentais pressupe, tambm, a existncia de deveres fundamentais, mecanismo que servir de contrapeso no exerccio de tais direitos, na medida em que, a partir dessa ideia, ser possvel uma relativizao da teoria dos direitos humanos sempre que a sua aplicao tiver o condo de violar a dignidade da pessoa humana, a liberdade ou a prpria convivncia social. Segundo Fernandez (1991), inegvel que uma teoria dos direitos humanos que se pretenda aplicvel a toda a humanidade deve deitar fundamentos em uma unidade conceitual, o que, conforme visto, at o momento parece muito distante de acontecer. Uma das barreiras que se impem a tal objetivo consiste justamente nas diversidades culturais verificveis entre as comunidades dos diversos pases do mundo, que, temerosas com uma possvel perda de identidade cultural, ideolgica e tradicional, oferecem resistncia a qualquer elemento externo, preservando-se em suas origens, mas, ao mesmo tempo, isolando-se umas das outras, impedindo, assim, qualquer avano em seu desenvolvimento.

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Diante deste contexto, verifica-se que uma teoria universal dos direitos humanos deveria partir, inicialmente, da consagrao de garantias individuais mnimas, que, uma vez asseguradas, ainda que atendidas as particularidades de cada povo, serviriam de fundamento necessrio para que se alcance, pelo menos, a possibilidade de incio de um amplo debate acerca dos meios necessrios para o atendimento das exigncias inerentes ao princpio da dignidade humana, ainda que tais exigncias no possam ser esgotadas e enumeradas. Com base nesta abordagem, a prpria Constituio da Repblica Federativa do Brasil estabelece, em seu artigo 5, uma srie de valores que poderiam servir de orientao s polticas governamentais de todos os pases no que se refere ao respeito pessoa humana, tais como a vedao tortura ou tratamento degradvel, a liberdade de pensamento, liberdade de ofcio ou profisso, acesso informao, o direito de propriedade, dentre outros. As referidas categorias de direitos, por mais diversificadas que possam ser as realidades culturais dos pases do mundo, funda-se naquilo que deve ser o ponto de apoio fundamental daquilo que se constata como uma realidade inafastvel: o homem o mesmo em qualquer lugar do globo terrestre. Torna-se relevante destacar a ideia de uma teoria dos direitos humanos a partir de garantias mnimas individuais parece-nos justificvel, j que, a partir dela, respeitandose as individualidades culturais de cada pas, seria possvel a construo de uma unidade de pensamento em torno de uma concepo bsica do que venham a ser tais direitos, possibilitando-se, dessa forma, a ideia kantiana de se estabelecer uma comunidade pacfica perptua de todos os povos da Terra, estabelecendo-se relaes mesmo entre aqueles no amigos. Sendo assim, no se compreenderiam uma sociedade e uma ordem jurdica em que o respeito da dignidade e da autonomia da pessoa fosse procurado apenas nas relaes com o Estado e deixasse de o ser nas relaes das pessoas entre si. No basta, pois, limitar o poder poltico; preciso tambm assegurar o respeito das liberdades de cada pessoa pelas demais pessoas.

CONCLUSES

Diversidade Cultural engloba as diferenas culturais que existem entre as pessoas, como a linguagem, vestimenta e tradies, bem como a forma como sociedades organizam-se, a sua concepo da moral e da religio, a forma como eles interagem com o ambiente. Por outro lado, multiculturalismo (ou pluralismo cultural) um termo que descreve a existncia de muitas culturas numa localidade, cidade ou pas, sem que uma delas predomine, porm separadas geograficamente e at convivialmente no que se convencionou chamar de mosaico cultural. Para se viver democraticamente em uma sociedade plural preciso respeitar os diferentes grupos e culturas que a constituem. A convivncia entre grupos diferenciados nos planos social e cultural muitas vezes marcada pelo preconceito e pela discriminao. 134 Cadernos da Escola de Direito e Relaes Internacionais, Curitiba, 15: 121-139 vol.1
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Porm, muito ainda h para ser feito com o objetivo de efetivao destes direitos se concretize e passe realmente a representar um avano na proteo dos grupos excludos, por meio de polticas pblicas eficientes, que visem modelos de desenvolvimento diferenciado, com vistas preservao cultura e ambiental. A observao da diferena dos mitos, das moedas, do comrcio, das artes, das lnguas, das cincias, da religio, das raas e dos ideais existentes no cenrio mundial, responsvel pelo mundo ser considerado diverso. Com o advento da globalizao, este diverso pode ser experimentado atravs de trocas culturais, facilitada pelas redes de comunicao, pelo transporte rpido e pela tecnologia avanada, ampliando a curiosidade de um indivduo perceber o outro. A diversidade cultural uma fonte de dinamismo social e econmico que pode enriquecer a vida humana no Sculo XXI, suscitando a criatividade e fomentando a inovao. Reconhecemos e respeitamos a importncia da diversidade na expresso lingustica e criadora. A experincia demonstra que a diversidade pode despertar a curiosidade, engendrar a iniciativa e aportar uma contribuio til nas comunidades que buscam melhorar suas economias. A diversidade pode tambm desempenhar um papel positivo no reforo da liberdade, mesmo daqueles que no se encontram diretamente envolvidos. Por exemplo, uma sociedade culturalmente diversificada pode trazer benefcios a terceiros sob a forma de ampla variedade de experincias que esto, por essa razo, em condies de gozar. Para exemplificar, plausvel argumentar-se que a rica tradio da msica afroamericana no s tem ajudado a reforar a liberdade cultural e o amor prprio dos afro-americanos, como tambm tem aumentado as opes culturais de todas as pessoas (afro-americanas ou no) e enriquecido a paisagem cultural dos Estados Unidos e mesmo do mundo. Uma das grandes metas a serem atingidas a equidade, independentemente das diferenas tnicas, sexuais, religiosas etc. Desenvolvimento cultural: compreenso das culturas, conscincia da discriminao, capacidade de interagir com diferentes culturas. Como visto ao longo da presente exposio, o uso exagerado da expresso direitos humanos contribuiu para uma enorme insubsistncia conceitual, afastando a teoria da unidade desejada e indispensvel para o seu reconhecimento e aplicao universal. A isso, some-se o problema do multiculturalismo, que, em nome da preservao da unidade cultural e tradicional de um determinado povo, muitas vezes impede a uniformizao de ideais em torno dos princpios capazes de assegurar o respeito e o tratamento digno aos indivduos ao redor do planeta. A sobrevivncia do multiculturalismo num mundo em que o Estado reconhece, protege e pretende transformar todos os direitos em individuais, quase impossvel. De fato, a construo do Estado contemporneo e de seu Direito foi marcada pelo individualismo jurdico ou pela transformao de todo titular de direito em um indivduo. Assim foi feito com as empresas, sociedades e com o prprio Estado; criouse a fico de que cada um deles era pessoa, chamada de jurdica ou moral, individual. Assim tambm foi feito com os povos diferenciados, criando a fico de que cada povo indgena seria uma individualidade com direitos protegidos. Isto transformava os direitos essencialmente coletivos dos povos em direitos individuais. 135 Cadernos da Escola de Direito e Relaes Internacionais, Curitiba, 15: 121-139 vol.1
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Temos o problema dos Direitos Humanos como parte de um discurso ocidental, ou at mesmo de um discurso ocidental hegemnico. As perspectivas de avano dos Direitos Humanos esto ligadas s possibilidades de reconstruo cultural que dependem de um processo aberto de comunicao livre de interferncia dogmtica. Qualquer anlise de prticas culturais deve ser conduzida da perspectiva tanto dos de dentro como dos de fora. Verifica-se que cada indivduo faz parte do silncio hegemnico quanto a temas politicamente incorretos dos Direitos Humanos. Privilegiar preocupaes ocidentais de Direitos Humanos etnocntrico. necessrio que os acadmicos e ativistas de Direitos Humanos no usem a cultura como escudo para prticas que violam Direitos Humanos, mas estes ltimos tambm no podem ser usados como uma arma de imperialismo moral para oprimir outras comunidades e modos de vida. O multiculturalismo, pois, ressalta a dificuldade para se efetivar uma ordem internacional para os Direitos Humanos, porque para alguns Estados mais importante a liberdade, e, para outros, a igualdade. Em alguns importa a propriedade privada, e, em outros, a propriedade coletiva. Mas assim como existem problemas interculturais entre os Estados, tal como lembramos a existncia de um modo de pensar do Ocidente e outro do Oriente, existem tambm pluralismos e diversidades culturais no interior dos Estados-nao. O Brasil so vrios brasis, ou no? E essas so discusses que recm se iniciam em nosso pas.

NOTAS EXPLICATIVAS
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Semprini (1999) destaca que o universalismo prega a existncia de valores, julgamentos, escolhas e comportamentos com valor absoluto para os homens. Ele forma h dois sculos o substrato ecolgico da cultura poltica ocidental e s pode ser realizado eliminando-se a diferena e transformando em obrigao universal o que apenas um ponto de vista particular. Este carter de reconfigurao do cotidiano exemplarmente apontado em alguns estudos clssicos como: SCHERER-WARREN, Ilse, KRISCHKE, Paulo (orgs). Uma revoluo no cotidiano? Os novos movimentos sociais na Amrica Latina. So Paulo: Brasiliense, 1987; e SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. Um quadro analtico quanto ao surgimento histrico destes movimentos, bem como suas demandas, formas de organizao e perspectivas at a dcada de 90 encontram-se no segundo captulo do livro: SILVA FILHO, Jos Carlos Moreira da. Filosofia jurdica da alteridade: por uma aproximao entre o pluralismo jurdico e a filosofia da libertao latino-americana. Curitiba: Juru, 1998. p. 128-175. Luiz Edson Fachin descreve, abrangendo do sculo XVIII at o momento atual, quatro momentos para a noo de igualdade: o primeiro revela a dignidade jurdica do princpio e a sua considerao dentro do sistema, o segundo, a partir do reconhecimento j efetivado, contenta-se com a projeo de uma igualdade meramente formal e abstrata, o terceiro, que ainda se revela como algo a ser conquistado, especialmente em pases 136 Cadernos da Escola de Direito e Relaes Internacionais, Curitiba, 15: 121-139 vol.1
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que, como o Brasil, abriga uma intensa desigualdade social, v na igualdade um objetivo a ser alcanado mediante um tratamento desigual para os que so desiguais, especialmente aos que, em virtude desta dessa desigualdade so atingidos concretamente em sua dignidade. O quarto momento seria o do reconhecimento das desigualdades. Afirma FACHIN: O fator decisivo deixa de ser apenas a busca de uma igualdade a todo e qualquer custo, mas o de reconhecer que certas diferenas, em si mesmas, no so necessariamente discriminatrias. (FACHIN, Luiz Edson. Teoria crtica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p.286). A permeabilidade significa que as sociedades esto mais receptivas migrao multicultural: so mais os membros cujo centro se situa noutra parte qualquer, que passam a conhecer uma vida de dispora (TAYLOR, 1997, p. 83).

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MTODOS

Define-se pesquisa exploratria, na qualidade de parte integrante da pesquisa principal, como o estudo preliminar realizado com a finalidade de melhor adequar o instrumento de medida realidade que se pretende conhecer. Em outras palavras, a pesquisa exploratria, ou estudo exploratrio, tem por objetivo conhecer a varivel de estudo tal como se apresenta, seu significado e o contexto onde ela se insere. Pressupese que o comportamento humano melhor compreendido no contexto social onde ocorre (QUEIROZ, 1992). A pesquisa realiza foi de carter exploratrio, realizado por meio de anlise de contedo dos artigos que foram selecionados pela pertinncia do assunto. De modo que a anlise partiu das reflexes gerais acerca da informao e leitura do texto na ntegra.

DISCUSSES

A diversidade cultural e Multiculturalismo vm, gradualmente, merecendo a ateno de muitos estudiosos e ampliando sua visibilidade na sociedade civil. Como em todo processo dialtico, torna-se complexo identificar onde a questo se origina e se consolida, se parte da sociedade civil para a academia, ou vice-versa. Porm, as investigaes acadmicas e as publicaes de artigos e reportagens em e revistas e jornais nos apontam a percepo das Amricas para as suas faces multiculturais e os inegveis conflitos gerados ou assumidos em face de tal fato. Essa ateno e as implicaes dela advinda se concretizam em pesquisas e reflexes, trazidas para o interior deste texto. Esse fenmeno, descrito ora como uma nova preocupao social ora como tendncia, veio se construindo dentro da histria poltico-social do ocidente durante 138 Cadernos da Escola de Direito e Relaes Internacionais, Curitiba, 15: 121-139 vol.1
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longos anos. Apresenta-se como novo, pois fez-se mais percebido recentemente. Porm, embora aparentemente novo, encontra-se em relatos e descries cujas faces disfaram as marcas de antigos problemas. A diversidade cultural no nova. O que deve nos levar a refletir a razo pela qual essa questo vem merecendo ateno cada vez maior de estudiosos. Refletir sobre a questo do multiculturalismo e perceber a importncia da diversidade cultural presente nas sociedades contemporneas um ato de extrema urgncia diante das graves consequncias provenientes dos processos da formao homognea do Estado-nao e da concretizao poltica de uma cidadania nacional fundada nos pressupostos liberais que, em nome da afirmao de uma fictcia igualdade entre os diferentes indivduos acarretou a excluso de vrios segmentos sociais, bem como o no reconhecimento de reivindicaes culturais expostas por vrios grupos coletivos. Dessa forma, a nfase no multiculturalismo enquanto movimento terico oposto questo da homogeneidade se faz necessria. Os direitos humanos atualmente esto envoltos por lutas e tenses que passam pela confrontao entre a alegao de universalidade dos direitos humanos ocidentais e a diversidade cultural diante da conceituao de dignidade humana. Ainda, h o confronto pelas tentativas de compatibilizar direitos das geraes e dos novos direitos pela necessidade de promover a realizao concreta do novo cosmopolitismo, capaz de articular a liberdade com o reconhecimento da diferena, a igualdade com a reduo da desigualdade e da explorao. Da, a terminologia atual choque de civilizaes, devido aos problemas das migraes e da convivncia entre diferentes formas de interpretar o mundo, como tambm pelos confrontos existentes entre as culturas. Do exposto, diante da crescente inter-relao entre os povos e da globalizao, tenta-se uma viso multicultural ou cosmopolita dos direitos humanos, tendo-se que o reconhecimento de um multiculturalismo ou cosmopolitismo imprescindvel para a construo de uma cultura de paz em um mundo globalizado. Em grande parte pelo desenvolvimento da problemtica da identidade e da interculturalidade foi possvel elevar o multiculturalismo ao nvel da discusso acadmica. Este processo ensejou-se com o desenvolvimento da Antropologia e da Educao. As principais reformulaes hermenuticas sobre as fontes dessa problemtica aconteceram nas ltimas dcadas, graas utilizao de uma nova metodologia da pesquisa histrica. Poderiam ser destacadas as inmeras dimenses desafiadoras do uso do mtodo da histria oral, e por outro lado, a introduo do conceito de alteridade na filosofia e na literatura que trata da filosofia hermenutica. Essas categorias so empregadas, principalmente, para fundamentar as diversas formas de reconhecimento da alteridade absoluta do outro.

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