DUBOIS - Um Efeito Cinema Na Arte Contemporânea
DUBOIS - Um Efeito Cinema Na Arte Contemporânea
DUBOIS - Um Efeito Cinema Na Arte Contemporânea
registro
na arte
contemporan.ea
oRGANIZA<:;AO Luiz Claudio da Costa
TExT o s Andre Parente ... Daniela Mattos ... Helio Fervenza
Jose da Costa ... Katia Maciel ... Luiz Claudio da Costa
Philippe Dubois .. . Raymond Bell our ... Rena to Rodrigues da Silva
Roberto Conduru ... Sheila Cabo Geraldo ... Stella Senra
Copyright 2009, dos autores
IMAGEM DA CAPA
Leila Danziger. Para Paul Celan, fotografla digital, 2007
CAPA, PROJETO GRAFICO E PREPARAy6.0
Contra capa
. ')
OISPOSmVOS DE REGISTRO NA ARTE CONTEMPORANEA
Luiz Claudio da Costa(org.)
Rio de Janeiro: Contra capa Uvrarta I FAPERJ, 2009.
256 p.; II. cor; 16 x 23 em
ISBN: 9788577400591
l
l. Arte Contempor3nea. 2. Imagem. 3. Registro.
4. seculos XX e XXX. 1. Titulo. II. Lulz Claudio da Costa.
A deste livro tomou-se possfvel
ao apoio da carlos Chagas Alho de
Amparo a Pesqulsa do Estado do Rio de Janeiro.
2009
Todos OS direitos desta reservados a
Contra capa Livraria
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20230261 1 RiO de Janeiro I RJ
Tel (55 21) 2508.9517 1 Fax (55 21) 3435.5128
www.contracapa.com.br
I
J
UM "EFEITO CINEMA" NA ARTE CONTEMPORANEAl
Philippe Dubois
Cinema, arte contemporanea
Que a arte contemporanea internacional, em todos os niveis e de todos os modos,
seja atualmente "invadida" por isso que chamo de efeito cinema e aig<;> inegavel,
incomodo, "na moda" Tao irritante quanto intrigante. Toda a atualidade artis
tica e testemunha disso. Urn simples exemplo encarna o fenomeno de modo
sintomatico: o Centro Pompidou programou para abril de 2006 dois eventos
importantes e significativos, dos quais se pode verificar uma postura quase
simetrica: de um lado, a Le mouvement des images. Art, cinema, cuja
e cuja curadoria sao do historiador da arte Philippe-Alain Michaud.
A pretende revisitar obras de do Musee National d'Art
Moderne, a luz dos "pensamentos do cinema"; seu foco e simultaneamente real
e virtual, literal e metaf6rico, visto que "reflete" o cinema como materia, forma,
dispositivo e ideia. Ele se por trabalhar esta questao: como e em que se
pode dizer que "o cinema" (com todas as as pas necessarias) in forma, alimenta,
influencia, trabalha, inspira, irriga (rna is ou menos sub-repticiamente) as obras
(pinturas, esculturas, fotografia, arquitetura, performances, videos)
de u rna serie de artistas plasticos do seculo XX (de Henri Matisse a Pablo Picasso;
de Barnet Newman a Frank Stella; de Bustamante a Robert Longo; de Chris
Burden a Wolfgang Laib etc.), que a priori nao se situariam "do lado do cinema"
1
Do original: "Un 'effet cinema' dans l'art contemporain" (2oo6). de Michelle
Nicie.
179
Questao apai.xonante, aberta, audaciosa, que se organiza em torno de quatro
configura<yoes estruturantes, definidas como quatro "componentes do cinema"
o desenrolar das imagens,
2
a proje<yao, a narrativa e a montagem -, e que scm
duvida revel a por completo esse "efeito cinema" de que falo. A pr6pria
e acompanhada de uma retrospectiva de filmes experimentais, antigos e recente'
que tambem fazem parte das cole<yoes do museu e foram programados (en
sala) tematicamente segundo as mesmas configurac;:oes. Simultaneamente (oil
quase), scm que saibamos se e urn acaso da programac;:ao ou algo deliberado.
o mesmo Centro Georges Pompidou apresenta outra exposi<yao que encen.1 11
pr6prio fracasso, isto e, que se revela ainda mais decepcionante porter sido muitu
aguardada, tirando dai mesmo sua forc;:a; uma dupla exposi<yao (no sentido du
que sc cxpoc c do que se arrisca) inicialmente concebida e elaborada por Je,tn
Luc Godard, com a colabora<yao de Dominique Pa'ini e, mais tarde, malograd,,
apenas por Godard, que transformou o fracasso em gesto exibicionista. I ' '
exposiyao deveria sc chamar Collage(s) de Frallce. Archeologie du cinema, d'apr.
fean-Luc Godard (em referencia/reven!ncia ao velho sonho de Godard de '' 1
admitido no College de France), mas ela acabou se chamando Voyage(s) m llfCI/
1
' '
fean-Luc Godard, 1946-2006. A Ia recherche d'un theoreme perdu. Da arqueoloyt
como cren<ya (em algo, talvez uma hist6ria) a utopia como consciencia da pl td 1
(ela pr6pria imaginada como teorema), a exposi<yao descreve o trajeto de 11111
especie de melancolia do cinema pela arte. lnscrevcndo-se no prolonganwutu
cenografico de Histoire(s) du cinema, trata-se de uma "exposi<yao de cim',l\11
construida como uma ampla instala<yao, imaginada e inacabada, e que so11lt '
sua falta de acabamento num colapso do antes e do depois, criando urn imp., '
sobre a exposic;:ao como objeto no presente, reenviada a urn vasto cante1111 .I
obras cacofonico, repleto de seus pr6prios vestigios, de fragmentos disp1 ''
de seus materiais e de seus pensamentos, de extratos de textos, de imagen' .I
sons (cinema, pintura, literatura, musica), apresentados de todas as m.ttH 11
possiveis (reprodu<yoes multiplas, pe<yas abandonadas, telas pequenas Olllllllll ll
pequenas em todas as posi<yoes possiveis, inclusive apagadas, e princip<lluu llt
maquetes, maquetes em serie, e mesmo en abyme, remetendo a pr6pn.1 ,. 11
1
si<yao, como espa<yo a ser habitado, como utopia arqueol6gica, como "pl'.l 1 II
possivel, e ja despedac;:ada antes de existir, s6 existindo, na verdade, ness,,
2 N. doT. No original:"defilement". Seguimos a de MateusAraujo Silv.t dn to 1111 I
Thierry Kuntzel usado em Dubois (t987-2003). Na do Diciomfno ll'clfloo
1
r 1 r/1
de cinema, de jacques Au monte Michel Marie, prcfcre-se a expressao "tramwr r ,., ol" 11h11
(Au mont & Marie, 2001).
tllo
0 conjunto organiza uma especie de colagem de ruh1as, tendo como base uma
visao simultaneamente poetica, metaffsica e geopolitica do cinema, atravessada
por suas inumeraveis rela<yoes com a arte. igualmente uma exposi<yao acom-
panhada de uma retrospectiva (integral e na sala) de filmes de (sobre e como)
autor. Em suma, duas grandes exposi<yoes, praticamente simultaneas, no mes-
mo importantc Iugar simb6lico da arte, e que se entendem como o verso e o
reverso de uma mesma problematica folhetinesca, a das relac;:oes, complexas e
quase opostas, entre cinema e arte contemporanea. De forma esquematica: de
urn !ado, o cinema na arte; do outro, a arte no cinema. A arte como cinema e
o cinema como arte. Em outras palavras, o cinema vfRGULA arte contempo-
ranea. A virgula aqui eo essencial, pois faz uma ponte entre "cinema" e "arte
contemporanea': dei.xando a conexao entre os dois p6los aberta em todos os
sentidos possiveis.
Reafirmo-o, e isto nao e novidade, pois remonta, ao menos, ao inicio
dos anos 1990: o mundo da arte contemporanea se encontra cada vez mais
marcado por essa presenya insistente do que se poderia chamar de urn "efeito
cinema", igualmente profundo e superficial, com frequencia monumental, e
mesmo fetichista, eventualmente poetico, por vezes inteligente, senao sensivel.
Urn "efeito cinema", de todo modo, extremamente diversificado e multiforme.
E que opera em todos os niveis: nos pianos institucional, artistico e te6rico
(ou critico). Gostaria de, nessa apresenta<yao inicial do quadro, situar as coisas,
c nao analisar urn aspecto em particular ou me aprofundar nessa ou naquela
,fbnarche (de museu, exposi<yao, artista ou obra). Pretendo apenas discutir tal
"l'fcito cinema" em sua justa medida: de uma parte, propor algumas reflexoes
sobre as razoes e os interesses, hist6ricos e esteticos, que parecem estar nele
implicados; de outra, apresentar uma perspectiva panoramica e conceitual,
indicando algumas linhas mestras do fenomeno. Urn texto introdut6rio e, de
11lgum modo, de posicionamento.
3
' Remeto, para analises ou reflexoes adicionais, aos numerosos artigos (em
particular, em Omnibus e Art Press), catalogos (em todos os sentidos) e livros que abordarn
esse assunto, entre os quais inicialmente destaco estas quatro obras de referenda: BeUour
( 1990), Pa'ini (2001), Parfait (2001) e Cassagnau (2006). Alem disso, o Centre de Recherches
em du Cinema e des Images (CRECI ), da Universidade Paris 111 - Nova Sorbonne,
trabalha sobre cinema e arte contemporanea ha dois anos, sob a minha e a de jacques
Aumont, com uma equipe de aproxidamente 25 pessoas. Em sequencia a urna Springschool
rlali1ada na Universidade de Udine, na ltalia, em de 2006, a primeira publicac;ao dos
I rabalhos do CRllCI pode ser encontrada no numcro 10 da revista Cinema & Cie, intitulada
'' ( et arls visuels contemporains" e publicada em outubro de 2006.
. ...
Cinema de exposic;ao? Outro cinema? Pas-cinema? Terceiro cinema?
Uma questao de territ6rio, de identidade, de legitimac;ao, de poder,
de ganho e de perda
A prindpio, no plano institucional (ou socioinstitucional), sobre o qual nJo
insistirei muito, e evidente que a plenitude invasiva, quando nao a
do fenomeno, levanta questoes tanto para o cinema quanta para a arte. Quest6<.''
de lugares (respectivos). Quest6es que compreendo como quest6es nao tanto "d.1
moda" (na moda) quanta do "meio artistico" Urn a vez que, ha dez a nos, ja nao
existem praticamente grandes bienais (Veneza, Documenta ou outras); muscus
(de todos os tamanhos, do Centro Georges Pompidou ao Musee d'Art Moderrw
ct d'Art Contemporaine da pequena cidade belga de Liege); centros de arlt''
(como Villa Arson, em Nice, Le Frcsnoy, em Tourcoing, e Le Consortium, em
Dijon); e galerias de arte (mais ou menos "na moda") que nao incluam em su.1
de maneira sistematica, ou obras implicando, de tllll
modo ou de outro, "o cinema", e evidente a de interesses exteriores.'
obras e aos procedimentos. Parece-me que se trata de interesses de territ6rim
(logo, de cartografia das artes e de geoestrategia institucional), ou seja, interesst''
tanto de identidade (do cinema e da arte) quanta de reciproca t,
justa por isso, de poder simb6lico.
Expor obras implicando, de urn modo ou de outro, "o As aspas, aq111
sao particularmente circunstanciais, em virtude de as identidades se tornarc111
incertas e as misturas, habituais, semeando a duvida e a acerca d.1
questao da "natureza" dos fen6menos que acompanhamos. Urn dos pontm
centrais do problema e este: 0 que vemos nas (ainda) e "cinem,,"l
Foi o cinema que "migrou" (Pa'ini, 2001), como se diz, abandonando suas sal."
escuras por outras mais luminosas de museu - por que, com que prop6sit o'
Ou o cinema foi renegado, deturpado, transformado, metamorfoseado- em qtu
1
Haveria urn "para alem" ou urn "depois" do cinema, como se este nao existi"'
mais? A crftica, alias, sempre pronta a reagir ou a dramatizar, inventou diver'"
palavras para isso: por exemplo, Jean-Christophe Royoux, em seus textos " "
revistas Omnibus (1997) e Art Press (2000), foi o primeiro, creio, a usar a expl t''
sao "cinema de essa f6rmula foi retomada durante algum tcmpn
por varios outros criticos ou de Regis Durand a Pa1 f,111
da Art Press a Art Forum, da Bienal de Veneza a Documenta de Kassel, ate \1 I
abandonada - ,bern como ainda se fala disso- jornalisticamente- com o l CIIIII '
"p6s-cinema" (como se fala, estupidamente, de p6s-doutorado!), misturando ''
fenomeno (fim do cinema em sala = fim do cinema em pelicula!) com aq11dt