Duna Capitulo1

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OutrOs ttulOs de ficO

publicadOs pela aleph


Isaac Asimov
Fundao Fundao e Imprio Segunda Fundao O Fim da Eternidade Os Prprios Deuses

Anthony Burgess
Laranja Mecnica

Edgar Rice Burroughs


Uma Princesa de Marte

Arthur C. Clarke
O Fim da Infncia

Philip K. Dick
O Homem do Castelo Alto Os Trs Estigmas de Palmer Eldritch Ubik
valis

William Gibson
Reconhecimento de Padres Neuromancer Count Zero Mona Lisa Overdrive

Ursula K. Le Guin
A Mo Esquerda da Escurido

Kim Newman Anno Dracula Neal Stephenson


Nevasca (Snow Crash)

Traduo Maria do Carmo Zanini

Copyright Frank Herbert, 1965 Copyright Editora Aleph, 2010 (edio em lngua portuguesa para o Brasil)

TTULO ORIGINAL: CAPA: ILUSTRAO DE CAPA: MAPA: COPIDESQUE: REVISO: PROJETO GRFICO E EDITORAO: COORDENAO EDITORIAL:

Dune Luiza Franco Libra Design RS2 Comunicao Marcos Fernando de Barros Lima Luciane Helena Gomide RS2 Comunicao Dbora Dutra Vieira Marcos Fernando de Barros Lima DIREO EDITORIAL: Adriano Fromer Piazzi

Todos os direitos reservados. Proibida a reproduo, no todo ou em parte, atravs de quaisquer meios. Publicado mediante acordo com Herbert Properties LLC., representado por Trident Media Group LLC. EDITORA ALEPH LTDA. Rua Dr. Luiz Migliano, 1110 Cj. 301 05711-900 So Paulo SP Brasil Tel.: [55 11] 3743-3202 Fax: [55 11] 3743-3263 www.editoraaleph.com.br

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Herbert, Frank Duna / Frank Herbert, traduo Maria do Carmo Zanini. - So Paulo : Aleph, 2010. Ttulo original: Dune. ISBN 978-85-7657-101-8 1. Fico cientfica norte-americana I. Ttulo.

10-08552

CDD-813.0876

ndices para catlogo sistemtico: 1. Fico cientfica : Literatura norte-americana 813.0876

Sumrio

Livro Primeiro Duna Livro Segundo MuadDib Livro Terceiro O Profeta Apndices

7 209 373 499

s pessoas cuja labuta ultrapassa as ideias e invade o domnio do "real": aos eclogos das terras ridas, onde quer que estejam, no importa a poca, fica dedicada esta tentativa de profecia, com humildade e admirao.

livro primeiro

duna

no incio que se deve tomar, com mxima delicadeza, o cuidado de dar s coisas

sua devida proporo. Disso toda irm Bene Gesserit sabe. Portanto, para comear a estudar a vida de MuadDib, tome o cuidado de primeiro situ-lo em sua poca: nascido no quinquagsimo stimo ano do imperador padix Shaddam iv. E tome o cuidado mais que especial de colocar MuadDib em seu devido lugar: o planeta Arrakis. No se deixe enganar pelo fato de que ele nasceu em Caladan e ali viveu seus primeiros quinze anos. Arrakis, o planeta conhecido como Duna, ser sempre o lugar dele.

excerto do Manual de MuadDib, da princesa Irulan Na semana anterior partida para Arrakis, quando a agitao dos ltimos preparativos chegara a um furor quase insuportvel, uma velha veio visitar a me do menino, Paul. Era uma noite quente no Castelo Caladan, e as pedras antigas que serviam de lar famlia Atreides havia vinte e seis geraes exalavam aquela sensao de suor resfriado que costumavam adquirir pouco antes do tempo virar. Fizeram a velha entrar pela porta lateral, que ficava no fim da passagem abobadada perto do quarto de Paul, e deram-lhe a oportunidade de espiar o jovem, deitado em sua cama. meia-luz de uma luminria suspensa que pairava perto do cho, o menino, acordado, viu uma volumosa forma feminina parada porta, um passo frente de sua me. A velha era a sombra de uma bruxa: os cabelos eram um emaranhado de teias de aranha a cobrir-lhe as feies obscuras, e os olhos cintilavam feito joias. Ele no pequeno para a idade, Jssica? perguntou a velha. Sua voz chiava e arranhava como um baliset desafinado. A me de Paul respondeu, com seu suave contralto: fato conhecido que os Atreides comeam a crescer tarde, Vossa Reverncia. Foi o que ouvi, foi o que ouvi chiou a velha. Mas ele j tem 15 anos. Sim, Vossa Reverncia. Est acordado e nos ouve disse a velha. O tratantezinho dissimulado ela riu disfaradamente. Mas a realeza precisa ser dissimulada. E se ele for realmente o Kwisatz Haderach... bem... Nas sombras de sua cama, Paul tinha os olhos semicerrados. Dois globos ovalados, pssaro-brilhantes os olhos da velha pareceram crescer e refulgir ao fitar os dele. Durma bem, seu tratantezinho dissimulado disse a velha. Amanh voc precisar de todas a suas faculdades para enfrentar meu gom jabbar.

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E ela se foi, empurrando a me dele para fora do quarto e fechando a porta com uma batida firme. Paul ficou deitado, em viglia, perguntando-se: O que um gom jabbar? Em meio a toda a confuso daquele perodo de mudana, a velha foi a coisa mais estranha que ele j tinha visto. Vossa Reverncia. E a maneira como a mulher se dirigira me dele, Jssica, como se ela fosse uma criada comum, e no o que era de fato: uma Bene Gesserit, a concubina de um duque e a me do herdeiro ducal. Ser o gom jabbar alguma coisa de Arrakis que eu tenho de conhecer antes de ir para l?, ele se perguntou. Com a boca, ele deu forma s estranhas palavras da mulher: gom jabbar... Kwisatz Haderach... Ele tivera de aprender tantas coisas. Arrakis era um lugar to diferente de Caladan, que as novas informaes deixaram Paul tonto. Arrakis. Duna. Planeta Deserto. Thufir Hawat, o Mestre dos Assassinos de seu pai, explicara tudo: seus inimigos mortais, os Harkonnen, ficaram em Arrakis oitenta anos, dominando o planeta em regime semifeudal, contratados pela Companhia choam para minerar a especiaria geritrica, o mlange. Agora os Harkonnen estavam de partida e seriam substitudos pela Casa dos Atreides, com poderes feudais plenos uma aparente vitria para o duque Leto. Contudo, dissera Hawat, sob as aparncias se escondia o mais mortal dos perigos, pois o duque Leto era popular entre as Casas Maiores do Landsraad. O homem popular incita a inveja dos poderosos dissera Hawat. Arrakis. Duna. Planeta Deserto. Paul adormeceu e sonhou com uma caverna arrakina, onde se viu completamente cercado por pessoas em silncio, luz fraca dos luciglobos. Havia ali algo de solene, era como uma catedral, e ele ouvia um som fraco: o pinga-pinga-pinga de gua. Ainda imerso no sonho, Paul sabia que se lembraria dele ao acordar. Ele sempre se lembrava dos sonhos premonitrios. O sonho desvaneceu. Paul despertou e viu-se em sua cama quente, pensando... pensando. O mundo do Castelo Caladan, sem brinquedos nem companheiros da mesma idade, talvez no merecesse sua tristeza quando chegasse a hora de se despedir. O dr. Yueh, seu professor, dera a entender que o sistema de classes faufreluches no era seguido risca em Arrakis. O planeta abrigava um povo que vivia na orla do deserto, sem caid nem bashar que o governasse: um povo arisco chamado fremen, sem registro nos censos da Rgate Imperial. Arrakis. Duna. Planeta Deserto. Paul percebeu que estava tenso e decidiu praticar uma das lies mentecorporais que sua me lhe ensinara. Acionou as respostas com trs inspiraes rpidas: mergulhou na percepo flutuante... focalizar a conscincia... dilatao da aorta... evitar o mecanismo desfocado da conscincia... estar consciente por escolha prpria... o sangue enriquecido a

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inundar as regies de sobrecarga... no se obtm alimento-segurana-liberdade somente por instinto... a conscincia animal no vai alm do imediato nem penetra a ideia de que suas vtimas podem ser extintas... o animal destri e no produz... os prazeres animalescos no se afastam dos nveis sensuais e fogem aos perceptuais... o ser humano exige uma rede de contextos para enxergar seu universo... a conscincia focalizada por escolha prpria, isso que d forma rede... a integridade do corpo segue o fluxo de sangue-nervos de acordo com a percepo mais profunda das necessidades da clula... todas as coisas/clulas/criaturas so impermanentes... lutam por uma permanncia-fluncia interior... E a lio se repetiu vez aps vez na percepo flutuante de Paul. Quando a luz amarelada da aurora tocou o parapeito da janela de Paul, ele a sentiu atravs das plpebras fechadas, abriu-as, escutando o alvoroo reavivado do castelo, e viu as familiares vigas decoradas do teto de seu quarto. A porta que dava para o vestbulo se abriu e sua me espiou dentro do quarto, com os cabelos cor de bronze velho presos no alto da cabea por uma fita negra, a face oval despojada de emoo e os olhos verdes fixos e solenes. J est acordado ela disse. Dormiu bem? Sim. Ele a estudou em toda a sua altura, viu um vestgio de tenso nos ombros quando ela se ps a escolher roupas para ele, tirando-as das prateleiras do closet. Outra pessoa no teria notado a tenso, mas ela o treinara na Doutrina Bene Gesserit, nas mincias da observao. Ela se virou, com um palet quase formal nas mos. O traje ostentava o gavio vermelho, o timbre dos Atreides, no bolso de cima. Vista-se rpido ela disse. A Reverenda Madre est esperando. Sonhei com ela uma vez comentou Paul. Quem ela? Ela foi minha professora na escola da ordem Bene Gesserit. Agora ela a Proclamadora da Verdade do imperador. E Paul... ela hesitou. Fale-lhe de seus sonhos. Farei isso. Foi por causa dela que ganhamos Arrakis? Ns no ganhamos Arrakis Jssica sacudiu o p de um par de calas e pendurou-o com o palet sobre o toucador ao lado da cama. No faa a Reverenda Madre esperar. Paul sentou-se sobre a cama e abraou os joelhos. O que um gom jabbar? Mais uma vez, o treinamento que ela mesma lhe dera exps sua hesitao quase invisvel, um ato falho que ele interpretou como medo. Jssica foi at a janela, abriu as cortinas e olhou na direo do monte Syubi, atrs dos pomares s margens do rio. Voc saber ... o que o gom jabbar daqui a pouco ela disse. Ele ouviu o medo na voz dela e ficou admirado. Jssica falou, sem se virar: A Reverenda Madre est esperando em minha sala de estar. Por favor, apresse-se.

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*** A Reverenda Madre Gaius Helen Mohiam, sentada numa cadeira atapetada, observou me e filho se aproximarem. De um lado e de outro, as janelas se abriam para o rio que fazia uma curva acentuada para o sul e para as terras cultivadas da propriedade dos Atreides, mas a Reverenda Madre ignorava a vista. A idade lhe pesava naquela manh, e ela estava muito mal-humorada. Culpava a viagem pelo espao e a sociedade com a abominvel Guilda Espacial e seus mtodos sigilosos. Mas a misso exigia a ateno pessoal de uma Bene Gesserit dotada de Viso. Nem mesmo a Proclamadora da Verdade do imperador padix poderia fugir responsabilidade quando o dever chamava. Maldita Jssica, pensou a Reverenda Madre. Se ao menos tivesse nos dado uma menina, como lhe mandaram fazer. Jssica se deteve a trs passos da cadeira e fez uma pequena mesura, um gesto delicado da mo esquerda a mover o vinco da saia. Paul a cumprimentou com a reverncia breve que seu instrutor de dana lhe ensinara a mesma usada quando no se sabia ao certo a posio hierrquica da outra pessoa. A Reverenda Madre no deixou de perceber as sutilezas do cumprimento de Paul e disse: Ele cauteloso, Jssica. Jssica levou a mo ao ombro de Paul e a contraiu. Por um instante, o medo se fez sentir na pulsao de sua palma. Controlou-se logo em seguida. Assim lhe ensinaram, Vossa Reverncia. Do que ela tem medo?, Paul se perguntou. A velha estudou Paul num relance gestltico: o rosto oval, como o de Jssica, mas de ossatura forte... os cabelos: negro-negrssimos como os do duque, mas as sobrancelhas eram as do av materno, que no se podia nomear, assim como o nariz fino e desdenhoso; a forma dos olhos verdes e confrontadores: igual do antigo duque, o av paterno que havia morrido. Aquele homem, sim, sabia apreciar a fora da bravura... mesmo na morte, pensou a Reverenda Madre. Ensinar uma coisa ela disse , o ingrediente fundamental outra. Veremos. Os olhos cansados lanaram um olhar duro para Jssica. Saia. V praticar a meditao da paz. Jssica soltou o ombro de Paul. Vossa Reverncia, eu... Jssica, voc sabe que tem de ser feito. Paul ergueu os olhos e fitou a me, confuso. Jssica se empertigou. Sim... claro. Paul voltou a olhar para a Reverenda Madre. A boa educao e o bvio temor que sua me nutria pela velha pediam cautela. Mesmo assim, ele sentia uma apreenso zangada diante do medo que sua me irradiava.

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Paul... Jssica inspirou profundamente. O teste ao qual voc est prestes a se submeter... importante para mim. Teste? ele a encarou. No se esquea de que filho de um duque Jssica disse. Ela deu meia-volta e saiu pomposamente da sala, ao som seco e rumorejante de sua saia. A porta se fechou com firmeza to logo ela saiu. Contendo a raiva, Paul encarou a velha. assim que se dispensa lady Jssica, como se ela fosse uma criada? Um sorriso perturbou os cantos da boca velha e enrugada. Lady Jssica foi minha criada na escola, rapaz, durante catorze anos. Inclinou a cabea. E era muito boa. Agora, venha aqui! A ordem o atingiu como uma chicotada. Paul se viu obedecendo sem pensar. Est usando a Voz comigo, ele pensou. Deteve-se a um gesto da mulher, bem perto de seus joelhos. Est vendo isto? ela perguntou. Das pregas de suas vestes ela retirou um cubo de metal verde com cerca de quinze centmetros de lado. Ela o girou, e Paul viu que um dos lados do cubo estava aberto era negro e estranhamente assustador. A luz no penetrava aquele negror escancarado. Insira a mo direita na caixa ela disse. O medo tomou Paul de assalto. Ele comeou a recuar, mas a velha disse: assim que obedece a sua me? Ele fitou os olhos pssaro-brilhantes. Lentamente, sentindo a compulso e incapaz de inibi-la, Paul introduziu a mo na caixa. Sentiu primeiro uma frialdade, como se o negror se fechasse em volta de sua mo, depois o contato oleoso do metal em seus dedos e um formigamento, como se sua mo estivesse dormente. A fisionomia da velha foi tomada por uma expresso de predador. Ela tirou sua mo direita da caixa e a deixou pairar perto do pescoo de Paul. Ele viu um brilho metlico e comeou a se virar na direo... Pare! ela gritou. Est usando a Voz de novo! Ele voltou a fitar o rosto da mulher. Seguro contra seu pescoo o gom jabbar ela disse. O gom jabbar, o inimigo desptico. uma agulha com uma gota de veneno na ponta. A-ah! No se afaste, ou ento provar o veneno. Paul tentou engolir em seco. No conseguia desviar os olhos daquele rosto velho e enrugado, dos olhos cintilantes, das gengivas lvidas em volta de dentes argnteos, que refulgiam quando ela falava. O filho de um duque precisa conhecer os venenos ela disse. Assim so os tempos em que vivemos, hein? Musky, para envenenar a bebida. Aumas, para envenenar a comida. Os de efeito rpido, os de efeito lento e os intermedirios. Apresento-lhe um novo: o gom jabbar. S mata animais.

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O orgulho venceu o medo de Paul. Ousa sugerir que o filho de um duque um animal? ele indagou. Digamos que estou sugerindo que voc talvez seja humano ela retrucou. Calma! Um aviso: no tente se desvencilhar. Sou velha, mas minha mo capaz de enfiar esta agulha em seu pescoo antes de voc escapar. Quem voc? ele sussurrou. Como foi que convenceu minha me a me deixar a ss com voc? Foi enviada pelos Harkonnen? Os Harkonnen? Valha-me, no! Agora, fique quieto. Um dedo seco tocou-lhe o pescoo e ele conteve o impulso involuntrio de saltar para longe. timo ela disse. Voc passou no primeiro teste. Agora, eis como ser o resto: se remover a mo da caixa, voc morrer. Essa a nica regra. Mantenha a mo dentro da caixa e voc viver. Retire-a e morrer. Paul inspirou fundo, para refrear o tremor. Se eu gritar, os criados cairo sobre voc em questo de segundos, e voc morrer. Os criados no conseguiro passar por sua me, que est de guarda do outro lado daquela porta. Pode contar com isso. Sua me sobreviveu ao teste. Agora sua vez. Sinta-se honrado. Raramente submetemos as crianas do sexo masculino a esta prova. A curiosidade reduziu o medo de Paul a um nvel controlvel. Ele ouvira a verdade na voz da anci, no havia como negar. Se sua me estava de guarda l fora... se era realmente um teste... E o que quer que fosse, ele sabia que estava enredado, era prisioneiro daquela mo em seu pescoo: o gom jabbar. Ele se lembrou da resposta da Litania contra o Medo, extrada do rito das Bene Gesserit, que sua me havia lhe ensinado. No terei medo. O medo mata a mente. O medo a pequena morte que leva aniquilao total. Enfrentarei meu medo. Permitirei que passe por cima e atravs de mim. E, quando tiver passado, voltarei o olho interior para ver seu rastro. Onde o medo no estiver mais, nada haver. Somente eu restarei. Ele sentiu a calma voltar e disse: Vamos logo com isso, velha. Velha! ela ralhou. Voc tem coragem, isso inegvel. Bem, veremos, meu senhor. Ela se inclinou na direo dele e abaixou a voz, reduzindo-a quase a um sussurro. Voc sentir dor nessa mo dentro da caixa. Dor. Mas! Se retir-la, tocarei seu pescoo com meu gom jabbar... e a morte ser to rpida quanto o machado do carrasco. Se remover a mo, o gom jabbar tomar sua vida. Entendeu? O que h na caixa? Dor. Ele sentiu o formigamento na mo aumentar e apertou os lbios. Como que isto pode ser um teste?, ele se perguntou. O formigamento se transformou em coceira. A velha disse: J ouviu falar de animais que roem a pata para escapar de uma armadilha? o tipo

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de truque que um animal usaria. Um ser humano ficaria preso, resistiria dor e fingiria estar morto, para que pudesse matar o caador e acabar com essa ameaa a sua espcie. A coceira transformou-se na mais leve ardncia. Por que est fazendo isto? ele indagou. Para determinar se voc humano. Fique quieto. Paul cerrou o punho da mo esquerda quando a sensao de ardncia na outra mo aumentou. Ela crescia aos poucos: calor, e mais calor... e mais calor. Sentiu as unhas da mo livre perfurarem-lhe a palma. Tentou flexionar os dedos da mo que queimava, mas no conseguiu mov-los. Est queimando ele murmurou. Silncio! A dor latejante subiu-lhe pelo brao. O suor brotou de sua testa. Cada fibra de seu corpo gritava para que ele removesse a mo daquele fosso ardente... mas... o gom jabbar. Sem virar a cabea, ele tentou mover os olhos para ver aquela agulha terrvel que pairava perto de seu pescoo. Percebeu que ofegava, tentou acalmar a respirao e no conseguiu. Dor! Seu mundo se esvaziou de todo, a no ser por aquela mo imersa em agonia, e o rosto envelhecido, a poucos centmetros de distncia, perscrutando-o. Seus lbios estavam to secos que ele teve dificuldade para separ-los. Como queima! Como queima! Em sua mente, sentiu a pele da mo torturada encaracolar e enegrecer, e a carne crestada cair at restar somente ossos carbonizados. E ento cessou! Como se tivessem desligado um interruptor, a dor cessou. Paul sentiu o brao direito estremecer, sentiu o suor banhar seu corpo. J basta murmurou a velha. Kull wahad! At hoje, nenhuma criana do sexo feminino teve de aguentar tanto tempo. Acho que eu queria ver voc fracassar. Ela se reclinou, retirando o gom jabbar do pescoo dele. Tire a mo da caixa, jovem humano, e d uma olhada nela. Ele resistiu a um calafrio dolorido, fitou o vazio sem luz onde sua mo parecia continuar por vontade prpria. A lembrana da dor inibia-lhe todos os movimentos. A razo lhe dizia que veria sair daquela caixa um coto enegrecido. Vamos! ela gritou. Ele tirou a mo da caixa e a observou, atnito. Nenhuma marca. Nenhum sinal de agonia na pele. Ergueu a mo, girou-a, flexionou os dedos. Dor por induo nervosa ela disse. No podemos sair por a mutilando possveis seres humanos. Mas h quem daria uma boa soma pelo segredo desta caixa. Ela devolveu o cubo s pregas de suas vestes. Mas a dor... ele disse.

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Ora, a dor ela desdenhou. O ser humano capaz de dominar qualquer nervo do corpo. Paul sentiu a mo esquerda dolorida, abriu-a, olhou para as quatro marcas de sangue onde as unhas haviam perfurado sua palma. Deixou a mo cair ao lado do corpo, olhou para a velha. Voc j fez isso com minha me? J peneirou areia? ela perguntou. A cutilada tangencial da pergunta arremessou sua mente num estado mais elevado de percepo. Peneirar areia. Ele assentiu. Ns, Bene Gesserit, peneiramos as pessoas procura de seres humanos. Ele ergueu a mo direita, tentando evocar a lembrana da dor. E tudo se resume a isto: dor? Observei voc enquanto sentia dor, rapaz. A dor somente o eixo do teste. Sua me lhe falou de nossos mtodos de observao. Vejo em voc as marcas dos ensinamentos dela. Nosso teste feito de crise e observao. Ele ouviu a confirmao na voz dela e disse: verdade! Ela o encarou. Ele pressente a verdade! Seria ele o tal? Seria realmente ele? Conteve seu entusiasmo, lembrando a si mesma: A esperana turva a observao. Voc sabe quando as pessoas acreditam no que dizem ela disse. Sei. Ele tinha na voz os harmnicos da habilidade confirmada pela repetio. Ela os ouviu e disse: Talvez voc seja o Kwisatz Haderach. Sente-se, irmozinho, aqui a meus ps. Prefiro ficar de p. Sua me j se sentou a meus ps. No sou minha me. Voc nos odeia um pouco, no? Ela olhou para a porta e chamou: Jssica! A porta se escancarou e ali estava Jssica, olhando com frieza para dentro do aposento. O gelo derreteu quando ela viu Paul. Ela esboou um sorriso tmido. Jssica, voc deixou alguma vez de me odiar? a velha perguntou. Eu a amo e odeio ao mesmo tempo Jssica respondeu. dio, pelas dores que nunca esquecerei. Amor, por... Atenha-se ao essencial disse a velha, mas havia cortesia em sua voz. Pode entrar agora, mas fique em silncio. Feche a porta e cuide para que ningum nos interrompa. Jssica entrou, fechou a porta e nela se recostou. Meu filho vive, pensou. Meu filho vive e ... humano. Eu sabia que era... mas... ele vive. Agora posso continuar vivendo. A porta contra suas costas dava-lhe a sensao de solidez e realidade. Tudo no recinto parecia, a seus sentidos, imediato e urgente.

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Meu filho vive. Paul olhou para a me. Ela disse a verdade. Ele queria ir embora, para refletir sobre aquela experincia, mas sabia que s poderia sair quando fosse dispensado. A velha havia adquirido uma espcie de poder sobre ele. Elas disseram a verdade. Sua me tinha se submetido quele teste. Devia haver nisso um propsito terrvel... a dor e o medo foram terrveis. Paul entendia os propsitos terrveis. Eram irrefreveis. Eram uma necessidade em si mesmos. Paul sentiu-se infectado por um propsito terrvel. No sabia ainda qual. Um dia, rapaz disse a velha , voc tambm talvez tenha de ficar atrs de uma porta como aquela. uma questo de hbito. Paul baixou os olhos e fitou a mo que conhecera a dor, depois voltou a ergu-los, dirigindo-os Reverenda Madre. O som da voz dela era diferente de qualquer outra voz que ele j tivesse ouvido na vida. As palavras lhe saam luminosas. Havia nelas uma agudeza. Sentiu que qualquer pergunta que fizesse a ela produziria uma resposta capaz de al-lo de seu mundo de carne e lev-lo a algo maior. Por que esto procura de seres humanos? ele perguntou. Para libertar vocs. Libertar? Um dia os homens entregaram a prpria razo s mquinas, esperando que isso os libertasse. Mas s se deixaram escravizar por outros homens com mquinas. No criars uma mquina semelhana da mente de um homem citou Paul. o que dizem o Jihad Butleriano e a Bblia Catlica de Orange ela disse. Mas a Bblia C. O. deveria ter dito: No criars uma mquina para imitar a mente humana. J estudou o Mentat a seu servio? Eu estudei com Thufir Hawat. A Grande Rebelio removeu uma muleta ela continuou. Obrigou a mente humana a se desenvolver. As escolas foram fundadas para treinar os talentos humanos. As escolas das Bene Gesserit? Ela assentiu. Temos dois grandes remanescentes dessas escolas antigas: as Bene Gesserit e a Guilda Espacial. A Guilda, ao que nos parece, ressalta a matemtica quase pura. As Bene Gesserit exercem uma outra funo. Poltica ele disse. Kull wahad! exclamou a velha, lanando um olhar duro para Jssica. Nunca contei isso a ele, Vossa Reverncia disse Jssica. A Reverenda Madre voltou sua ateno para Paul. Deduziu isso com pouqussimas pistas ela comentou. Sim, poltica. A escola original das Bene Gesserit era dirigida por pessoas que julgaram necessrio dar continuidade aos interesses humanos. Viram que no poderia haver tal continuidade sem que se separasse a linhagem humana da linhagem animal, para fins reprodutivos.

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De repente, as palavras da velha perderam sua agudeza especial. Paul sentiu-se ofendido naquilo que sua me chamava de instinto de honestidade. No que a Reverenda Madre estivesse mentindo. Ela obviamente acreditava no que dizia. Era algo mais profundo, algo ligado ao propsito terrvel de Paul. Ele disse: Mas minha me me contou que, nas escolas, muitas Bene Gesserit desconhecem seus ancestrais. As linhagens genticas esto em nossos arquivos ela explicou. Sua me sabe que descende de uma Bene Gesserit ou que sua estirpe era aceitvel. Ento por que ela no sabe quem so seus pais? Algumas sabem... Muitas, no. Poderamos querer procri-la com um parente prximo, por exemplo, para fixar uma caracterstica gentica dominante. Temos vrios motivos. Mais uma vez, Paul sentiu ali um crime contra a honestidade e disse: Vocs tm grandes responsabilidades. A Reverenda Madre o fitou, perguntando-se: Ser que ouvi uma crtica na voz dele? Nosso fardo pesado ela disse. Paul percebeu que ia se livrando cada vez mais da comoo do teste. Ele mediu a velha com o olhar e perguntou: Voc disse que talvez eu seja o... Kwisatz Haderach. O que isso, um gom jabbar humano? Paul interveio Jssica. No use esse tom com... Deixe que eu cuido disso, Jssica cortou a velha. Ora, meu rapaz, voc conhece a droga da Proclamadora da Verdade? Vocs a tomam para aprimorar o dom de detectar mentiras ele respondeu. Minha me me contou. Voc j viu o transe da verdade? Ele chacoalhou a cabea. No. A droga perigosa ela disse , mas nos concede a intuio. Agraciada com a ddiva da droga, a Proclamadora da Verdade enxerga muitos lugares de sua memria, a memria de seu corpo. Estudamos inmeras vias do passado... mas somente as vias femininas. A voz dela assumiu um tom tristonho. Mas h um lugar que nenhuma Proclamadora da Verdade enxerga. Ele nos repele e aterroriza. Dizem que um dia vir um homem que encontrar no dom da droga seu olho interior. Ele ver o que no podemos ver: o passado feminino e o masculino. Seu Kwisatz Haderach? Sim, aquele que capaz de estar em muitos lugares ao mesmo tempo: o Kwisatz Haderach. Muitos homens provaram a droga... muitos mesmo, mas nenhum teve xito. Eles tentaram e fracassaram, todos eles? Ah, no. Ela meneou a cabea. Eles tentaram e morreram.

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