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Sociedade dos meninos gênios
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E-book665 páginas9 horas

Sociedade dos meninos gênios

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Sobre este e-book

Quando Violet vê o seu sonho de fazer parte da Universidade de Illyria ir por água abaixo só porque é uma menina, decide quebrar as regras.
Assim, deixando de lado o comportamento esperado de uma jovem do século 18, assume a identidade de seu irmão gêmeo, Ashton, e se inscreve na escola que só aceita alunos geniais. Ela só não imaginava que manter o seu segredo fosse o menor dos problemas.
Prepare-se para viajar pela Inglaterra vitoriana em um steampunk brilhante e divertido, cheio de segredos, onde ser diferente é o que importa.
Uma história que vai fazer você rever suas opiniões sobre muitas coisas.
"A bem-humorada estreia de Rosen dá um toque de Steampunk no modo de vida rígido do período vitoriano, ao mesmo tempo em que, sorrateiramente, critica os preconceitos de gênero de todos os gêneros... Robôs desativados, mecanismos misteriosos, criaturas estranhas, chantagem e uma série de personagens vívidos se somam a uma grande dose de divertimento." - Publishers Weekly.
Sobre o autor
LEV AC ROSEN cresceu em Manhattan. Frequentou o Oberlin College e obteve mestrado em Redação Criativa no Sarah Lawrence College. Seu trabalho tem recebido destaque na revista Esopus e em vários blogs internacionais. Continua morando em Manhattan, onde leciona escrita criativa.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de fev. de 2014
ISBN9788581634241
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    Sociedade dos meninos gênios - Lev Ac Rosen

    Sumário

    Capa

    Sumário

    Folha de Rosto

    Folha de Créditos

    Dedicatória

    Nota do autor

    Epígrafe

    PRÓLOGO

    Capítulo 1

    Capítulo 2

    Capítulo 3

    Capítulo 4

    Capítulo 5

    Capítulo 6

    Capítulo 7

    Capítulo 8

    Capítulo 9

    Capítulo 10

    Capítulo 11

    Capítulo 12

    Capítulo 13

    Capítulo 14

    Capítulo 15

    Capítulo 16

    Capítulo 17

    Capítulo 18

    Capítulo 19

    Capítulo 20

    Capítulo 21

    Capítulo 22

    Capítulo 23

    Capítulo 24

    Capítulo 25

    Capítulo 26

    Capítulo 27

    Capítulo 28

    Capítulo 29

    Capítulo 30

    Capítulo 31

    Capítulo 32

    Capítulo 33

    Capítulo 34

    Capítulo 35

    Capítulo 36

    Capítulo 37

    Capítulo 38

    Capítulo 39

    Capítulo 40

    Capítulo 41

    Capítulo 42

    Capítulo 43

    AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

    Tradução

    Henrique Monteiro

    © 2011 by Lev Rosen

    Copyright © 2014 Editora Novo Conceito

    Título original: All men of genius

    Todos os direitos reservados.

    Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

    Versão digital - 2014

    Produção Editorial

    Equipe Novo Conceito

    Este livro segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Rosen, Lev AC.

    Sociedade dos meninos gênios / Lev AC. Rosen; tradução Henrique Monteiro. -- Ribeirão Preto, SP : Novo Conceito Editora, 2014.

    Título original: All men of genius.

    ISBN 978-85-8163-424-1

    1. Ficção norte-americana I. Título.

    13-07969 | CDD-813

    Rua Dr. Hugo Fortes, 1885 — Parque Industrial Lagoinha

    14095-260 — Ribeirão Preto — SP

    www.editoranovoconceito.com.br

    Shakespeare, gêmeos e ciência maluca?

    Sem dúvida, é para Lauren.

    Nota do autor

    Este romance é uma obra de ficção. Muito embora possa conter personagens incrivelmente semelhantes a personalidades históricas, cujos nomes por acaso também coincidem, de maneira nenhuma deve ser lido como uma narrativa histórica de verdade e, mais do que isso, não deve ser usado para fins educativos.

    Ao mesmo tempo, qualquer uma ou todas as reproduções científicas, ou sugestões a esse respeito, ou o modo como tudo no mundo funciona, nos planos físico, químico, biológico, astronômico ou atômico, não devem ser analisados com muita precisão, pois tenho certeza de que esta jamais seria encontrada.

    Além disso, não recomendo a imitação do comportamento de nenhum dos personagens daqui. Todos são completamente malucos.

    A verdade é que não faço a menor ideia do que estou falando.

    A não ser sobre o amor. Todos sabemos um pouco sobre isso. Ou absolutamente nada. Seja como for, estamos todos em pé de igualdade.

    Concordo plenamente com a afirmação

    do dr. Nordau de que todos os homens geniais

    são insanos, mas o dr. Nordau se esquece de que

    todos os de juízo perfeito são idiotas.

    Oscar Wilde

    PRÓLOGO

    Os dois homens estavam sentados em silêncio no interior da carruagem. O calor era sufocante, mas as janelas não foram abertas e a carruagem não se movia. O homem mais jovem mexeu os pés com ansiedade e arriscou erguer o olhar. Sentia o suor escorrer pelo pescoço.

    — Foi muita bondade sua, senhor, o que fez pelo meu filho.

    — Não foi nada demais — disse o homem mais velho. Tinha as mãos fechadas sobre o nó da bengala e olhava na direção da janela da carruagem, embora as cortinas continuassem fechadas. — Foi só uma coisa para distraí-lo, e à sua esposa, enquanto afasto você deles por um tempo. Faz anos que não uso aquela chave. Era a minha cópia de segurança, para o caso de me esquecer das outras. — Ele baixou os olhos para o largo anel de bronze no dedo e o girou. O homem mais jovem olhou para a própria mão, adornada com um anel semelhante. — Aquelas fechaduras foram trocadas tantas vezes que não sei mais se a chave ainda tem alguma serventia.

    — De qualquer modo, o menino vai ter com o que brincar, senhor, estou certo disso.

    O homem mais velho suspirou.

    — Ele é um menino inteligente. Se as coisas… Está tudo acabado, Volio. Bonne voltou para a ilha dele e desapareceu. Canterville está morto, provavelmente pelas mãos de Rastail. Há anos não temos notícias de Voukil. E Knox… — O homem mais velho ergueu os olhos outra vez para a janela fechada. — Tive eu mesmo de matar Knox ontem à noite.

    — Senhor? — Volio ofegou.

    — Veneno no chá. Pareceu um ataque cardíaco. Ele estava decidido a pôr em prática aquele maldito plano. Não havia nada certo naquela ideia; nenhum de nós concordou com o plano. Ele teria fracassado, e esse fracasso seria espetacular. Colocaria a rainha e sua guarda contra nós todos, contra todos os cientistas e contra Illyria. Eu não suportaria uma situação dessas.

    — Eu… compreendo — disse Volio, olhando para o chão.

    — Pouco importa se compreende ou não — disse o homem mais velho. — Está tudo terminando. Agora, só restaram alguns de nós e, de qualquer forma, estou praticamente acabado. Terei partido em um ano ou dois…

    — Senhor, não…

    A ferocidade do homem mais velho aflorou com violência.

    — Não me interrompa! — Ele bateu com a bengala no chão. Por um instante, o ar na carruagem pareceu se agitar.

    — Terei partido em um ano ou dois e depois meu filho vai dirigir Illyria. Ele não sabe nada a nosso respeito. E quero que continue assim. Quando eu for, nossa Sociedade irá comigo. Você pode tentar juntar os pedaços que restarem. Ensine a seus filhos, se eles forem fortes o bastante. — O homem mais velho tossiu e depois olhou para as mãos. — O meu não é. Mas guarde o segredo. Nossos objetivos… são bons objetivos, justos e certos. — Ele olhou para Volio. — Mas devem ficar em segredo. Nossa Sociedade fracassou. Por ora, pelo menos. Quem sabe, no futuro, alguém a recupere.

    Volio inclinou a cabeça concordando.

    — Isso é tudo o que vim dizer. Agora saia.

    Agradecido, Volio saiu da carruagem para o ar fresco e tépido. Enxugou o suor da testa com um lenço e virou-se para apreciar o veículo. Era um coche grande de bronze, totalmente fechado, com cortinas pretas e vidros esfumaçados. Na traseira, exibia o símbolo de Illyria: um escudo com uma roda de engrenagem dentro.

    A carruagem era um projeto do homem mais velho. Dispensava cavalos, requerendo apenas um condutor à frente, para carregar o carvão na caldeira com a pá e manobrar a direção para orientar as manobras. Ele inclinou a cabeça uma vez para o carvoeiro, que começou a trabalhar com a pá e depois conduziu a carruagem, sem cavalos para longe dali, em meio a baforadas de vapor e rangidos metálicos. Volio suspirou e voltou para dentro de casa para comemorar o aniversário do filho.

    Dentro do coche, o homem com a bengala recostou-se no assento forrado de veludo. Embora fizesse calor, ele era velho e seus ossos estavam sempre frios. O coche avançava com suavidade e rapidez de volta a Londres, onde parou na frente da Faculdade de Illyria. Ele se apoiou na bengala enquanto descia sem pressa da carruagem, depois disso, em vez de optar por passar pela porta da frente, virou para o jardim, onde abriu uma portinhola disfarçada na parede do prédio. Era uma porta secreta, que ele próprio instalara, para que suas idas e vindas passassem despercebidas. Do lado de dentro, a porta se confundia com a parede, de pedra maciça, com alguns entalhes ornamentais de rodas de engrenagem e o rosto de grandes inventores. No entanto, um simples empurrão no nariz da gárgula com o semblante de Robert Barron fazia com que os tijolos se abrissem.

    Ele desceu com cuidado os degraus sombrios que conduziam ao interior. Acabou chegando ao porão, que recendia a substâncias químicas, metal e água. Sem o auxílio de uma lanterna, seguiu pelos corredores sinuosos até chegar a uma espaçosa estação ferroviária subterrânea, com um trenzinho parado à espera na plataforma. Ele projetara tudo — a estação, o trem, o porão labiríntico, a própria faculdade. Mas agora estava morrendo e não restava ninguém que conhecesse tudo tão bem quanto ele próprio. Em vez de facilitar as coisas, entretanto, convertera seu conhecimento em um quebra-cabeça, tendo destinado a cada pessoa apenas uma das suas peças. A imagem montada, ele sabia, era demais para qualquer um manipular sem que se sentisse um deus. E o tempo desses deuses criados pelo homem chegara ao fim. Na superfície, na própria faculdade, seu filho assumiria a direção quando ele partisse, mas ali embaixo, aquele trem… ele esperava que o filho nunca precisasse saber disso.

    Era um trabalho árduo para um homem idoso, mas ele trabalhou sem pressa para deixar o trem inoperante. Travou os freios para que não se movesse e escondeu as travas das rodas. Demorou horas até terminar e, no final, estava cansado e sujo, coberto de suor e de graxa, como se exibisse uma pintura de guerra. Ninguém seria capaz de entrar na torre agora, nem mesmo os integrantes da Sociedade. Aquela parte dele estava trancada e segura.

    Voltou à entrada do porão e tomou o elevador, que o levou de volta à faculdade. O elevador ficava em um canto, fora da vista do resto da faculdade, mas mesmo assim saiu com cuidado, para não ser visto por ninguém. Caminhou devagar pelos corredores cor de bronze. Já era tarde da noite e não queria tirar ninguém da cama.

    — Algernon? — uma voz o chamou no instante em que se encaminhava para seus aposentos. — Algernon, você está imundo. — A mulher que se adiantara era mais nova do que ele, mas não jovem. Exibia mechas grisalhas no cabelo escuro.

    — Ada — ele disse.

    — O que andou fazendo? Onde estava? Você perdeu o jantar. Ernest e Cecily ficaram preocupados, então inventei uma história sobre você estar trabalhando em algum projeto no seu laboratório…

    — Acho — disse Algernon —, acho que preciso de um banho.

    — Bem, é claro que precisa. Está coberto de sujeira e cheirando a óleo. O que andou fazendo?

    — Agora não importa — Algernon disse. — Apenas me deixe em paz enquanto tomo um banho.

    — Certo — disse Ada, cruzando os braços. — Vou acompanhá-lo até seus aposentos. Mas, depois que estiver limpo, acho bom me contar tudo o que andou fazendo.

    — Não lhe devo nenhuma explicação, mulher — ele disse, com rispidez.

    — Não, acho que não deve mesmo. O problema é todo seu. Então você consegue chegar sozinho até seus aposentos.

    Ela se afastou pelo corredor, batendo os pés com raiva. Ele quase a chamou de volta, mas desistiu. Em vez disso, prosseguiu devagar até seus aposentos e, ali chegando, foi ao seu banheiro privativo. Estava quase acabado.

    1

    Opai de Violet e Ashton estava de partida para a América, para ajudar a definir o marco a partir do qual as horas seriam contadas. Violet sentiu-se na obrigação de chamar o irmão e trazê-lo até a porta para se despedir, mas ele não lhe deu a mínima atenção. Em vez disso, continuou distraído no piano, tocando. Se tivesse mais sorte, ela pensou, o irmão gêmeo teria herdado do pai aquela obsessão pelo tempo, ainda que fosse para encontrar algum sentido para ele enquanto estudasse piano.

    — Ashton! — ela gritou. Ele a ignorou. — Ashton! — ela gritou mais alto. Estava parada à altura do ombro dele. Ele podia ouvi-la com clareza, mas fingia que não.

    — Se a música for o alimento do amor, continue tocando! — Ashton gritou acima da música turbulenta. Depois tentou cantar os mesmos versos em sintonia com a música… mas pensar neles como em sintonia com a música implicaria que a música tivesse uma melodia.

    Impaciente, Violet deu-lhe um tapa no ombro com alguma força.

    Ashton finalmente parou de tocar e virou-se para fitar a irmã.

    — Acho que toco piano até que bem. Talvez não tenha tanta técnica…

    — Não só técnica… — disse Violet, sorrindo.

    — Se eu estivesse conversando com alguém prestes a me fazer um grande favor… na verdade, prestes a me ajudar em um plano nada convencional… acho que talvez seria mais gentil.

    Violet semicerrou os olhos. Precisava da ajuda dele, então forçou um sorriso falso de simpatia.

    — Qualquer um pode tocar quase bem, irmãozinho — disse ela com doçura. — Mas você toca com um sentimento verdadeiro.

    — Obrigado — disse Ashton, com um sorriso largo. — Seus elogios são muito importantes para mim.

    — O papai está de partida e devemos nos despedir.

    — Ah! — disse Ashton, e fechou o piano.

    Ele se levantou, pegou Violet pelo braço e caminhou ao seu lado em direção à porta. Os dois formavam um par tão encantador quanto poderia ser qualquer casal de ingleses de dezessete anos e educação refinada. Violet era uma adorável espécime do belo sexo, de cabelo castanho-escuro, que sempre parecia exibir uma aparência de quem acabara de ser soprada pela brisa. Era formosa, com as bochechas rosadas e, embora fosse um pouco alta, tinha uma compleição femininamente elegante. Seu rosto ovalado e o queixo altivo insinuavam uma grande inteligência, evidente também no brilho dos olhos cinza-claros e na curva enérgica dos lábios bem arqueados. Ela raramente se preocupava demais com a aparência e, assim, tinha uma espécie de beleza descuidada que não ficaria deslocada em um romance gótico do tipo que abominava. Ashton, também de pele clara e cabelo castanho, tinha uma aparência um pouco mais afetada — vestia-se com tanto esmero quanto Violet era descuidada. Trazia sempre uma bengala e usava paletós exóticos, feitos com exclusividade por um alfaiate londrino.

    O pai deles, o dr. Joseph Cornwall Adams, era um dos astrônomos mais importantes do país e Violet e Ashton cresceram escalando a escadaria em espiral da torre que levava ao observatório no alto da mansão, onde se maravilhavam com os mais diversos equipamentos de movimentação e ajuste de lentes que registravam as imagens do firmamento noturno. No entanto, desde pequenos, cada um deles adquiria conhecimentos diferentes com a experiência. Ashton concentrara-se no lado romântico das estrelas e do céu noturno e, enquanto se desenvolvia, aplicara as energias à poesia e às artes, ao passo que Violet seguira observando os instrumentos de bronze usados pelo pai e decidira que seria a próxima a projetar tais equipamentos. Aos oito anos de idade, no porão da mansão, montara sozinha um laboratório onde aprendera como autodidata os Grandes Princípios das Ciências: naturais, químicas e, especialmente, mecânicas. Negar seu gênio seria negar a verdade, pois ela era verdadeiramente talentosa. Desde que o laboratório ficara pronto, conseguira produzir muitas invenções maravilhosas, para o divertimento do irmão e o desgosto da sra. Wilks, a governanta da casa.

    Ashton e Violet foram à saleta de recepção na entrada e ficaram observando enquanto os criados carregavam o coche com a bagagem do pai sob a chuva. Violet quase não conseguia manter a calma, de tanto que ansiava pela viagem do pai. Não que quisesse vê-lo partir — na verdade, já sentia sua falta, e a ausência dele a entristecia —, mas passara as últimas semanas orquestrando um plano importante, que a ajudaria a concretizar seus sonhos e não poderia ter início enquanto o pai continuasse por perto.

    — Crianças, saiam da porta — disse a sra. Wilks atrás deles. — Está um pouco frio e vocês podem pegar um resfriado.

    Ela continuou sorrindo para eles até que se afastaram da entrada. Era sua governanta desde que nasceram e, antes disso, havia sido criada e amiga de sua mãe. Batizara os gêmeos depois da morte dela no parto e os criara como uma verdadeira mãe adotiva. Embora sentisse um profundo amor por eles, esse afeto também lhe acarretava uma preocupação inesgotável. Em razão disso, os gêmeos a consideravam mais como uma tia solteirona, que os amava quase a ponto de sufocar, obcecada por sua segurança, que preferia tê-los envoltos em muitos cobertores e presos à cama, onde nada de mau nunca lhes aconteceria e onde pudesse empanturrá-los com sua devoção, e possivelmente também com alguma sopa caseira de ervilhas.

    Depois que o coche acabou de ser carregado lá fora, os três voltaram-se para a escada, como se esperassem que o sr. Adams aparecesse com um floreio, desejasse um até logo a todos, saísse com elegância pela porta da rua e entrasse no veículo, dirigindo-o ele próprio. Se isso acontecesse de verdade, porém, todos não teriam desfalecido chocados, muito embora o sr. Adams não fosse dado a floreios. Um instante depois, ele desceu com cuidado a escada, trazendo uma volumosa maleta em uma das mãos e segurando um maço de papéis soltos na outra. Ele os lia enquanto caminhava, confiando nos pés para encontrar o degrau seguinte.

    — Papai, tome cuidado — disse Violet.

    — Ah, Violet, Ashton, senhora Wilks — ele disse, como se estivesse surpreso por encontrá-los ali à sua espera.

    — O coche está pronto, senhor — disse a sra. Wilks. — Se não partir logo, perderá o dirigível.

    — Ah, bem, tenho tempo de me despedir, não tenho? — o sr. Adams perguntou.

    A sra. Wilks concordou com a cabeça.

    — Está empolgado, papai? — perguntou Violet, dando-lhe um abraço. — A América deve ser maravilhosa.

    — Na verdade, estou bastante empolgado. Não só por ver a América, mas também com a conferência. Todas as grandes inteligências no campo da astronomia e da cartografia estarão presentes. Parece que um grande número desses luminares considera que o lugar adequado para situar o Primeiro Meridiano fica em Greenwich. Rá! — E então ele deu uma risadinha; um tipo de risada agradável e animada, adequada a um homem da sua idade e temperamento. — É uma boa coisa termos um meridiano mundial, é claro, mas foi um engano colocar o da Inglaterra em Greenwich. Eu, certamente, espero que possamos consertar isso, colocando-o em qualquer outro lugar do mundo. — Ele sorriu, o que fez com que as rugas ao redor de seus olhos se estreitassem em sulcos profundos.

    Violet sorriu também, pois a satisfação do pai a deixava igualmente contente. Ele era um homem baixo, na casa dos cinquenta anos, exibindo um bigode comprido, grisalho e espesso. Seus ombros estavam sempre atirados um pouco demais para trás e seu queixo, sempre um pouco elevado demais, talvez preso a essa postura por ficar todo o tempo olhando pelo telescópio. Suas roupas costumavam ser gastas e folgadas demais, mas ele sabia como se vestir bem se tivesse um encontro com alguém fora de casa. Seus olhos, antes cinza-escuros como os dos filhos, haviam se suavizado e esmaecido com o passar do tempo, como nuvens se dissipando. Ele pestanejava talvez com mais regularidade do que o normal e às vezes precisava se forçar a sorrir porque, na verdade, embora amasse os filhos, sentia com frequência uma certa tristeza pela perda da mãe deles, a quem amava mais do que as estrelas.

    — Vai me trazer uma ponta de flecha? — perguntou Ashton, abraçando o pai junto com a irmã.

    — Também quero uma! — disse Violet.

    — O quê? Ah, bem, sim, vou ver se encontro.

    — Você vai passar um ano inteiro por lá. A conferência não vai tomar tanto tempo, não é? — Violet indagou.

    — Bem, a conferência nem mesmo vai começar antes de outubro de 1884. Mas acontecerão diversas outras conferências secundárias antes disso e alguns ridículos encontros sociais entre os astrônomos… — O sr. Adams pareceu distante, como se temesse se relacionar com os seus pares.

    — Então poderá conhecer tudo! E nos trazer as pontas de flechas — disse Ashton, satisfeito.

    — Verei o que posso fazer. Agora vocês, crianças, prometam que vão se comportar e obedecer à senhora Wilks. — O pai sorriu e os filhos retribuíram-lhe o sorriso.

    Eles precisavam que ele se sentisse à vontade e confiante, tendo em vista o que planejavam fazer em seguida. Por sorte, ele estava à vontade e confiante, e tinha a cabeça tão tomada pelo firmamento noturno que não conseguia perceber os pequenos ardis que os filhos às vezes lhe preparavam.

    — Na verdade, papai, Ashton e eu decidimos passar a temporada em Londres.

    — Bem, nesse caso a senhora Wilks irá com vocês.

    — Ah não, pai. A senhora Wilks precisa ficar aqui para cuidar da casa. Conseguirei por lá uma criada mais adaptada à vida na cidade. Uma que conheça os cortes de cabelo mais modernos e entenda de vestidos, de chapéus e tudo o mais.

    — Chapéus? — o pai perguntou.

    — Sei alguma coisa sobre chapéus — disse a sra. Wilks.

    — Ouvi dizer que andam muito na moda. Da última vez que Ashton foi à cidade, trouxe-me uma cartola com um fita verde e véu branco. Disse que todas as mulheres estavam usando cartolas iguais àquela.

    Ashton concordou com ela com um movimento de cabeça.

    — É mesmo? — disse o pai. — Bem… nem havia reparado.

    — A senhora Wilks também não sabe nada a esse respeito. Assim, é fácil entender por que vou precisar de uma nova criada de quarto.

    — Eu sei alguma coisa sobre chapéus — disse a sra. Wilks, cruzando os braços.

    — Acho que sim — disse o sr. Adams, levando um dedo ao queixo.

    — Essa me parece uma decisão apressada — disse a sra. Wilks, franzindo a testa. — Quem sabe possamos discutir o assunto com mais calma por correspondência. As crianças e eu lhe mandaremos uma carta explicando por que elas querem passar a temporada na cidade…

    — Eu quero passar a temporada na cidade para me preparar para debutar no fim do ano — disse Violet, batendo os cílios.

    — Debutar? — Os olhos do sr. Adams brilharam de felicidade.

    Finalmente, a filha começava a se comportar como uma garota de verdade, pensando em se casar e lhe dar netos, pelos quais secretamente ansiava, porque adorava o cheirinho de talco dos bebês, e como estenderiam os bracinhos para alcançar seus instrumentos astronômicos, porque as estrelas ainda seriam uma novidade para eles. Vinha insinuando o assunto ao longo dos anos, com receio de sugeri-lo abertamente, caso ela se sentisse ofendida. Mas agora ela decidira por si mesma e ele já conseguia se imaginar embalando os netinhos. Nesse momento, faria qualquer coisa pela filha. Ele pestanejou e plantou-lhe um beijo na testa.

    — Se forem esses os seus planos, querida, então deveria colocá-los em prática. Senhora Wilks, a senhora deve ficar aqui para cuidar da casa. Quando fevereiro chegar, Violet encontrará uma criada de quarto na cidade e Ashton deverá se encarregar da às vezes difícil tarefa de zelar pela reputação de sua irmã. Isso não parece maravilhoso? A senhora poderá descansar um pouco do trabalho que lhe dão.

    — Não sei, não, senhor… — disse a sra. Wilks, levantando a mão para se interromper, como se não quisesse que a conversa tomasse outro rumo.

    — Ah, não se preocupe tanto, senhora Wilks. Prometo ser muito boa — disse Violet, baixando os olhos. Precisaria estar na cidade muito antes de fevereiro, mas Ashton tinha um plano quanto a isso. — Prometo escrever-lhe todos os domingos, para que saiba que estamos sãos e salvos. Assim, fique tranquila aqui e descanse. Pense em como a temporada em Londres é agitada e como isso lhe daria nos nervos.

    — Meus nervos estão muito bem, acho — disse a sra. Wilks.

    — Não se preocupe, senhora Wilks — disse o sr. Adams, dando-lhe um tapinha no ombro. — Eles vão se sair muito bem.

    — Se é o senhor quem diz. — A sra. Wilks parecia mais ansiosa do que o normal. Ela começou a enrolar uma mecha do cabelo castanho no dedo.

    — E sei que eles saberão cuidar um do outro. Vão fazer isso, não vão? Uma garota com a beleza da sua irmã deve chamar a atenção de todos os velhacos de Londres. Você deve cuidar sempre muito bem para que ela fique protegida.

    — Vou cuidar bem dela, papai — disse Ashton. Violet deu-lhe uma risadinha quase imperceptível ao ouvir isso. — Na verdade, estava pensando que, para familiarizá-la melhor com as atividades da temporada, poderíamos ir para Londres já em outubro, para a baixa temporada.

    — Baixa temporada? — perguntou a sra. Wilks.

    — Sim — disse Ashton. — É o período que antecede a temporada propriamente dita… a baixa temporada é frequentada por banqueiros, funcionários públicos e alguns representantes de famílias abastadas que não têm propriedades fora da cidade. E mais importante, artistas, poetas, pintores, intelectuais e assim por diante. Sempre acontecem audições e pequenas exposições.

    — Será que isso é conveniente? — perguntou a sra. Wilks. — Duvido que haja muitas damas entre os intelectuais.

    — Ora, alguns banqueiros têm esposa, e as esposas das famílias abastadas e dos funcionários públicos também estarão presentes. Além do mais, senhora Wilks, a senhora fala como se os poetas não tivessem esposa, ou mesmo que as poetisas não pudessem ser damas.

    — Uma poetisa dificilmente é uma dama — disse a sra. Wilks.

    — Pois considero uma ideia esplêndida — interrompeu o sr. Adams. — Será um bom exemplo de como se comportam as damas em sociedade, mesmo as da baixa sociedade. Não queremos vocês falando apenas sobre molas e alavancas durante a temporada, não é mesmo, querida? — disse ele, os olhos faiscantes.

    — É claro que não, papai — disse Violet, com suavidade.

    — Muito bem. Vocês partem em outubro. Mas, Ashton, cuide para que as artes que a sua irmã conheça sejam todas… decentes.

    — É claro, papai — disse Ashton, sorrindo de lado para a sra. Wilks, que tinha a testa franzida.

    — Faça uma ótima viagem, papai — disse Violet. — E, se puder se lembrar, tome nota do sistema operacional do dirigível… que é movido a vapor, estou certa, mas o mecanismo de direção se baseia em molas ou usa tanques de ar comprimido? E se for assim, quantos? E onde eles se localizam na nave?

    — Tentarei me lembrar de descobrir isso tudo — disse o sr. Adams, suspirando. — Agora, venham acenar para mim enquanto estiver partindo.

    Os três saíram da casa em meio à chuva, que diminuíra consideravelmente. A carruagem permanecia à espera, carregada com a bagagem do sr. Adams e puxada por dois fortes corcéis negros. Violet pensou, não pela primeira vez, como seria conveniente se o pai comprasse um dos novos coches movidos a vapor, que não requeriam cavalos e andavam com rapidez, mas até o momento ele negara todos esses seus pedidos.

    O sr. Adams entrou na carruagem antes que ficasse completamente encharcado. Com um último olhar na direção dos filhos, fechou a janela. O cocheiro partiu, conduzindo o coche para fora do pátio e em direção à estrada. Violet e Ashton continuaram do lado de fora, Ashton ainda acenando com o lenço, até não conseguirem mais ver a carruagem.

    A sra. Wilks ficou parada à porta, o lábio inferior um pouco trêmulo.

    — Quer dizer que vão para Londres, não é? — ela perguntou, arregalando os olhos, como se já antevisse os perigos que os aguardavam.

    — Sim, senhora Wilks, mas só quando começar a temporada, em outubro. Assim, a senhora nos terá por todo o verão! — disse Ashton com um sorriso, então inclinou-se para a frente, beijou-lhe a bochecha e correu para dentro, para treinar os movimentos na harpa, para a qual insistia que estava desenvolvendo um verdadeiro talento.

    Violet tentou passar sorrateira pela assustada sra. Wilks, mas ela a segurou pelo braço.

    — Você vai ser uma jovem dama boa e comportada, não vai? — perguntou a governanta, pousando a outra mão no braço de Violet. — Seu pai é um homem bom, mas ele não percebe como a cidade pode ser perigosa para uma jovem como você. Não vai fazer nada que possa envergonhá-lo, vai? — Ela ergueu os olhos para Violet, com uma expressão suplicante, o queixo ligeiramente trêmulo.

    — Sou sempre uma boa filha — disse Violet, com um sorriso inocente.

    Isso não enganou a sra. Wilks, que havia muito aprendera que a travessura era algo nato no espírito de Violet. Ela sabia que Violet tinha um bom coração, mas também que era voluntariosa e independente, e nem um pouco comum. Amava Violet à sua maneira, mas também temia que um dia a natureza determinada da garota a colocasse no tipo de encrenca da qual a sra. Wilks fosse incapaz de tirá-la. Assim, fitou Violet um pouco mais demoradamente, esperando transferir-lhe pelo contato visual parte da sua própria natureza reservada, até que Violet sorriu de novo, reverente, e deixou a sala, encaminhando-se para seu quarto.

    A propriedade, nas imediações de Londres, chamava-se Messaline e era uma daquelas mansões tradicionais e espaçosas ocupadas pelos cavalheiros cientistas da época. Embora originariamente decorada em tons naturais que combinavam com o gosto da finada sra. Adams, nos últimos anos Ashton encarregara-se de fazer algumas modernizações na decoração, criando contrastes vivos de marfim e hera, marrom e dourado.

    Embora não se cansasse de tentar dar seu toque próprio ao quarto de Violet, ela insistia para que permanecesse intocado pelas reformas do irmão. Era um quarto sem aqueles montes de bonecas e almofadas que costumavam enfeitar os aposentos das jovens damas da época. A única indicação de que era de fato o quarto de Violet eram os numerosos livros empilhados sobre a penteadeira, textos de Babbage e de Ada Byron, John Snow e, é claro, do duque Algernon de Illyria, a grande inteligência científica da época. Todos os seus livros, desde o primeiro, A Mecânica da Biologia, publicado em 1840, até o último, Transplantes de Órgãos Vivos para Aprimorar as Criaturas de Deus, publicado alguns anos depois da sua morte, forravam as prateleiras das estantes em que outra garota teria guardado seus pós e o material de costura. Diversos cadernos de anotações volumosos e gastos empilhavam-se sobre a escrivaninha, com as páginas desgastadas e saindo das capas de couro envelhecido.

    Violet atirou-se na cama e puxou uma pasta de debaixo do travesseiro. Desamarrou as fitas que a mantinham fechada e tirou de dentro alguns papéis para examiná-los uma vez mais. Eram os documentos do requerimento para frequentar a Faculdade de Illyria, onde, se seu plano fosse bem-sucedido, passaria o ano seguinte. No momento, Illyria era a melhor faculdade de ciências do mundo. Enquanto muitas escolas da época exigiam cartas de referência e extratos bancários, Illyria só admitia alunos mediante a prova de seu gênio científico e oferecia-lhes uma educação toda gratuita. Só não admitia mulheres. Violet considerava essa restrição muito decepcionante, uma vez que algumas outras faculdades comparáveis a Illyria, a exemplo de Cambridge, haviam começado a admitir em seus cursos estudantes do sexo feminino, ainda que não lhes fosse concedido um diploma. Violet não tinha a menor dúvida de que se equiparava a qualquer candidato do sexo masculino da época. A limitação parecia tão absurda e injusta que a única solução evidente era se candidatar com o nome do irmão, na intenção de se fazer passar por ele e atravessar o ano com a aparência masculina.

    Ela foi tirada de seus devaneios pela chegada repentina do irmão.

    — E assim, irmãzinha, foi dada a largada — disse ele, em um tom dramático.

    — Sim. Você tem certeza de que não seria melhor deixar de lado o fingimento depois da entrevista? — Violet perguntou, continuando uma conversa do dia anterior.

    Esse era o plano dela antes de Ashton convencê-la de que teria de interpretar o personagem durante o ano inteiro. A versão dele com certeza parecia mais audaciosa do que a dela, e ela gostava de ser audaciosa. Entretanto, ainda sentia muito medo de atrair a desonra para a família e para o nome de seu pai, e vestir-se como um travesti poderia sujeitá-la a um grande vexame.

    Ashton respondeu-lhe com um sorriso espirituoso.

    — Você, com certeza, não envergonharia mais a família do que eu, com o que estou planejando fazer — ele disse.

    Ela deu uma risada e abraçou o irmão com força. Correria um risco, mas as recompensas valeriam o esforço.

    — Vai ser um bom ano, hein? — disse Violet.

    — Estou certo de que sim.

    Ashton planejava passar o ano na casa da família na cidade, livre para fazer o que bem entendesse enquanto Violet escrevia cartas à sra. Wilks, tranquilizando-a de seu constante bom comportamento. Era o preço que cobrara da irmã pela cooperação no plano.

    — Não deixe que a senhora Wilks a pegue olhando essa papelada — disse ele, fazendo um gesto na direção da pasta com os documentos sobre a cama.

    Violet concordou e se debruçou sobre a cama, olhando-os mais uma vez antes de guardá-los.

    Ashton, vendo-a novamente absorta nos papéis, riu e saiu.

    A inscrição requeria, é claro, um nome e endereço, além de um histórico escolar — Violet escrevera: Professores particulares, pois, entre o pai e os livros, achava-se bem instruída nas ciências e, graças à sra. Wilks, sabia um pouquinho de francês. Também era necessário incluir um ensaio sobre a condição das ciências modernas, com planos detalhados e fórmulas de algumas invenções científicas, como a de um autômato mecânico automático, ou projetos químicos para a invisibilidade, ou talvez um exemplo de uma cirurgia com resultado satisfatório na criação de um pássaro de duas cabeças — ou, no caso de Violet, um carrinho de bebê mais interessante. Todos os candidatos que passassem pela primeira avalição deveriam apresentar o projeto finalizado durante a entrevista, mas Violet terminara seu carrinho de bebê havia algum tempo antes, como um favor para a sra. Henderson, irmã da sra. Wilks e uma babá que às vezes visitava a mansão. Violet ainda estava insegura quanto à aceitação do seu ensaio, sobre o desenvolvimento em um futuro próximo de uma eteronave mecânica, que penetraria o firmamento e visitaria planetas distantes. No entanto, considerava-o bem argumentado, pois informara-se sobre os diversos tipos de eteronaves movidas a vapor nos últimos anos e analisara meticulosamente seus diversos mecanismos. Assim, imersa nessas profundas suposições, lambeu o dedo e tornou a folhear o ensaio, só para confirmar.

    Depois de terminar de reler todo o requerimento e ainda considerá-lo digno da sua aprovação, Violet desceu até o porão para trabalhar em suas máquinas diabólicas. Não fora fácil criar um laboratório no porão destinado a abrigar uma adega. Entretanto, desde pequena Violet sabia que não seria capaz de alcançar a grandeza científica em seu quarto, e com empenho orientara os criados quanto à limpeza e à reforma do porão. A adega ainda existia, é claro — na verdade, era tudo o que alguém que descesse ao porão notaria a princípio. Mas ali também havia outra porta, aliás bem grossa, com pesadas dobradiças de bronze. Pela fresta embaixo dela seria possível ver luzes piscando às vezes, como era comum acontecer quando se olhasse sob a porta de um laboratório científico.

    Por dentro, o laboratório era mais aconchegante do que se poderia esperar. Viam-se diversas velas dispostas pelo local, e o fogo luzia alegremente, aceso em uma grande salamandra de bronze encostada contra uma parede. Uma mesa ampla ocupava a maior parte do espaço do salão e estava coberta de livros, documentos, esboços, anotações e várias peças de equipamentos mecânicos e lascas de metal. Algumas ferramentas espalhavam-se ao redor e perto de uma grande poltrona marrom ao lado do fogo, na qual Violet lia quando as mãos se cansavam de trabalhar com os metais. Todo o aposento cheirava a pedra quente e metal aquecido, madeira e papel, e Violet o adorava.

    No momento, ela estava trabalhando em um brinquedo. Normalmente, não se incomodaria com esse tipo de coisa, mas queria estar preparada para a entrevista em Illyria, para demonstrar que era capaz de criar não só grandes obras de um gênio mecânico mas também as afetações mais simples de um cientista brincalhão, como dançarinos mecânicos e coisas parecidas, que causariam uma impressão mais descontraída entre a nobreza. Desenvolvera os princípios básicos e criara os componentes essenciais: uma grande pata-mãe mecânica e diversos patinhos roliços, que a seguiriam pelo caminho sem que nada os ligasse à mãe, graças às peças magnéticas que a pata-mãe deixava pelo caminho enquanto avançava ao impulso de suas molas. Entretanto, por ser um brinquedo, ela precisava ornamentá-lo, e também planejava passar o resto do dia fazendo um cuidadoso trabalho em metal e fixando os vidrilhos coloridos que tirara de um traje bordado que a sra. Wilks lhe dera quando criança. A pata-mãe estava praticamente pronta, com olhos verdes luzidios e as penas cuidadosamente gravadas, e até mesmo com um bico dourado. Mas os patinhos davam mais trabalho e continuavam inacabados.

    Ela sentou-se à mesa e olhou para a fileira de patinhos desmontados. Tinham o corpinho moldado em latão em um formato básico, apoiados sobre robustas rodas de latão. A cabeça da pata-mãe girava para trás e para a frente enquanto ela andava, graças a um mecanismo de engrenagens simples, mas os patinhos eram pequenos demais para conter esse tipo de recurso. Violet arregalou os olhos quando se deu conta de que poderia dar-lhes asas delicadas que batessem de leve quando caminhassem. No mesmo instante, ela abriu um grande bloco de rascunho, onde desenhou a estrutura básica das asas. Poderia até mesmo fazê-las de penas de verdade, com articulações simples feitas de latão.

    Tocou o sino que pendia junto à porta do laboratório e, logo em seguida, um dos criados mais jovens apareceu. Violet desconfiava que só lhe enviavam os criados que tinham algum tipo de problema com a sra. Wilks, sendo aquilo uma espécie de punição. Esse era um menino apenas alguns anos mais jovem do que ela própria e que provavelmente trabalhava nas cozinhas. Violet fitou-o por um instante. Ele segurava as mãos trêmulas unidas e tinha os joelhos dobrados, como se estivesse se preparando para correr.

    — Preciso de penas — disse Violet, olhando para seus patinhos de metal. — Pelo menos umas quatro dúzias delas. Para até depois de amanhã. Penas fortes, não do tipo felpudo. De preferência de pato, mas, desde que pareçam ser de pato, não importa.

    O nervoso menino criado assentiu e deixou o laboratório rapidamente. Violet alimentou o fogo da salamandra e foi para junto das suas ferramentas para começar a formar as articulações de bronze das asas.

    Pouca coisa a satisfazia mais do que a sensação de metal na mão. Gostava de conceber novas invenções, sim, mas o que mais lhe dava prazer realmente era montá-las e sentir cada engrenagem e mola encaixar-se no lugar, sentir seus projetos ganharem vida e funcionar nas suas mãos. Tinha uma daquelas mentes raras que eram capazes de diferenciar, entre uma dúzia de molas aparentemente idênticas, a que era mais forte, a que tinha a maior flexibilidade, da que poderia se quebrar. Só de olhar para uma invenção inferior, era capaz de dizer o que havia de errado e como poderia ser reparada. Trabalhou por mais algumas horas elaborando três pares de belas estruturas de asas e anexando-as a cada patinho. Testando cada pato, ela o rolou para a frente e para trás, feliz de ver os esqueletos das asinhas baterem para cima e para baixo como se estivessem tentando alçar voo.

    O relógio na parede, que marcara o tempo com precisão desde que Violet o projetara e fizera com as próprias mãos aos nove anos de idade, soou sete horas, e ela rapidamente subiu as escadas e lavou as mãos antes de ir para a sala de jantar. A sra. Wilks servia o jantar pontualmente e ficava nervosa se alguém se atrasasse. Violet e Ashton tomaram sua sopa com uma satisfação contida enquanto a sra. Wilks permanecia sentada na outra ponta da mesa, tricotando com — Violet tinha certeza — agulhas compridas além da conta.

    — Ashton — disse Violet, quando estava prestes a terminar sua sopa —, estou pensando em ir à cidade amanhã e queria saber se você poderia me acompanhar. Fui poucas vezes lá e nunca morei naquela casa, então achei que seria melhor fazer uma boa inspeção nela para ver o que precisaremos levar daqui de casa.

    Violet tentara parecer o mais casual possível. Na verdade, só precisava de uma desculpa para ir a Londres sem a sra. Wilks e entregar o requerimento pessoalmente. Queria dar uma olhada na imponente Faculdade de Illyria e, embora duvidasse que a deixassem passar pelo portão, esperava ao menos olhar para dentro quando o abrissem para receber os documentos.

    — Eu vou com você — disse a sra. Wilks, sem erguer os olhos do tricô.

    Ela não era uma mulher tola. Com certeza havia algo a mais por trás daquele plano de viagem, e esses planos sempre davam problemas. E os problemas era o que ela mais temia.

    — Ah, não, senhora Wilks — disse Violet, com jeitinho —, eu não poderia pedir-lhe uma coisa dessas. A senhora já tem muito o que fazer aqui. Além disso, estava esperando que fosse à costureira pedir amostras de várias cores de tecidos. Vou precisar de vestidos novos, aliás. Pelo menos de seis, eu diria: três para a noite e três para o dia. Ou será que talvez eu precise de mais? Sou tão despreparada para essas coisas. Nem mesmo sei quais cores ficam melhor em mim e é por isso que esperava que me trouxesse algumas amostras, para experimentá-las junto ao meu rosto no espelho e decidir se combinam com a minha pele.

    Ashton tragou depressa a sopa, tentando abafar o riso.

    — Podemos passar por uma costureira em Londres, então — rebateu a sra. Wilks. — Tenho certeza de que encontraremos uma abundância de tecidos em todos os estilos mais recentes.

    — Ah, não seja boba — respondeu Violet. — Os vestidos de Londres são muito mais caros e, desde que eu era criança, encomendamos meus vestidos à senhora Capshaw. Seria cruel procurar outra costureira agora, quando os vestidos finalmente serão vistos por pessoas de fora da família. Se se sentir incomodada de ir à senhora Capshaw sozinha, senhora Wilks, então poderemos ir nós duas depois de amanhã.

    — Eu não me sinto incomodada de ir à senhora Capshaw sozinha — disse a sra. Wilks, piscando rapidamente. Podia sentir Violet tentando manipulá-la. A exemplo de muitas outras coisas, isso a deixava ansiosa. — Por que você e eu não vamos a Londres amanhã e depois à senhora Capshaw no dia seguinte?

    — Ah, senhora Wilks — Ashton disse, sorrindo. — Eu não suportaria afastá-la de seus deveres daqui. Acompanharei com prazer minha irmã à cidade amanhã. Estava esperando mesmo para comprar um novo pacote de cigarros.

    — Você não fuma — disse a sra. Wilks pausadamente, virando a cabeça para Ashton.

    — Não, mas pretendo começar — Ashton respondeu.

    A sra. Wilks suspirou. Contra os dois, o que poderia fazer? Teria jogado os braços para cima, exasperada, mas esses gestos desmedidos na mesa de jantar quase sempre derrubavam coisas.

    — Está bem — disse a sra. Wilks. — Violet, você e eu vamos juntas à senhora Capshaw depois de amanhã e passaremos o dia todo examinando seus modelos e tecidos. Não quero que vá para sua primeira temporada em Londres vestida como uma camponesa.

    — Ah, claro, senhora Wilks — disse Violet, olhando tão gentilmente quanto pôde, a fim de acalmar os nervos da governanta.

    Sua expressão continha também um pouco da alegria que se irradiava em seu íntimo diante da oportunidade de ver Illyria no dia seguinte. Mesmo que precisasse passar um dia sendo espetada pela sra. Capshaw e avaliando tecidos de várias tonalidades de cor-de-rosa que lhe pareciam sempre iguais. Não via a hora de chegar o dia seguinte, e outubro, quando estava quase certa de que ingressaria na vida de estudante da Faculdade de Illyria… e, a propósito, como homem.

    2

    Na manhã seguinte, Violet estava acordada antes que a criada chegasse para chamá-la. A criada, uma jovem de uma casa de fazenda vizinha, ficou surpresa ao encontrar a senhora andando de um lado para outro no quarto de vestir. Violet sempre gostava de dormir e quase nunca entrava no quarto de vestir.

    — Não sei qual vestido combina com a cartola que meu irmão comprou para mim — disse Violet para a criada, com um suspiro.

    A jovem, que não estava acostumada a ver Violet dirigir-lhe a palavra, não tinha certeza se deveria responder, então, em vez disso, foi cuidar de arrumar a cama e acender a lareira.

    — Você sabe qual vestido deve ser usado com uma cartola?

    Agora Violet fizera-lhe uma pergunta direta. A criada sentiu-se como um animal acuado, assustada demais para falar e sem saber como escapar. Apesar de ser nova, já ouvira histórias sobre a srta. Violet Adams e suas invenções sinistras. As criadas mais velhas contavam que tinham ouvido batidas em todas as horas da noite vindas do porão e que Violet fabricara um serviçal todo de bronze, que usava para matar os servos de que não gostasse e também para outras finalidades indignas de uma dama, e só de pensar nisso a criada corou.

    Violet olhava para a criada, segurando a cartola em uma das mãos e batendo o pé.

    — Você sabe qual dos meus vestidos eu deveria usar com isto? — perguntou novamente.

    A criada balançou a cabeça e saiu do aposento rapidamente. Encontrando a sra. Wilks no corredor, puxou-a freneticamente pela manga e disse-lhe que a srta. Adams estava se comportando de uma maneira estranha.

    A sra. Wilks arregalou os olhos de preocupação e seguiu apressada pelo corredor. Entrando com tudo nos aposentos de Violet, encontrou-a segurando a cartola e parecendo confusa, mas ilesa, então deu um profundo suspiro de alívio.

    — Ah, senhora Wilks, graças a Deus! Poderia me dizer qual vestido devo usar com esta cartola que Ashton me deu?

    — Acho que essa cartola seria um pouco quente em agosto, menina. Quem sabe um chapéu de verão não fosse mais adequado?

    — Ah, mas eu queria tanto usar esta cartola, porque Ashton comprou para mim em Londres... A senhora realmente acha que estará muito quente?

    A sra. Wilks sentiu-se confusa diante da aparência compenetrada de Violet. Desde a infância, a jovem não pedia sua opinião sobre nenhum assunto. Sorrindo, estendeu a mão para a cartola. Violet entregou-a e a sra. Wilks esfregou o feltro da cartola entre os dedos. Não lhe restava dúvida de que Violet queria usá-la, de que essa cartola de alguma forma seria um conforto para a jovem, e ela odiava privar Violet de algum conforto.

    — Será um pouco quente, mas este feltro parece fino. Com esta cartola, você deve usar o casaco verde sobre o traje de equitação cinza.

    — Ah, obrigada, senhora Wilks — disse Violet, e voltou ao quarto de vestir. — Onde está o casaco?

    Suspirando novamente, a sra. Wilks ajudou Violet a se vestir, e até mesmo arrumou seu cabelo diante da penteadeira, Violet batia o pé rudemente o tempo todo. No entanto, depois que a sra. Wilks concluiu seu trabalho e elas olharam o reflexo de Violet no espelho, foi um prazer vê-la. Violet raramente se vestia tão bem e, quando o fazia, parecia uma mulher de verdade, sofisticada, e não uma garota grandalhona e desajeitada com olhos bem expressivos.

    Violet pôs a cartola e examinou-se no espelho.

    — Está esplêndido — disse.

    Ela falara sério, pois, embora nunca se preocupasse com a aparência além do mínimo para estar decente e não entendesse nada de tecidos, qualquer dama — na verdade, qualquer pessoa — gostava de se apreciar em um roupa bem confeccionada.

    A sra. Wilks também estava feliz por ver Violet tão crescida e elegante. Talvez ela não decepcionasse o sr. Adams na tentativa de fazer da sua menina uma mulher de quem a sra. Adams se sentisse orgulhosa.

    — Vamos descer para o café, então — disse a sra. Wilks —, tire essa cartola e só a use quando estiver fora de casa.

    Violet obedeceu, animada com o dia.

    O irmão já estava sentado à mesa, tendo se servido de ovos, torradas e rins. Nesse dia, usava um fino terno azul com a camisa branca e uma rosa branca espetada na lapela. Quando a irmã chegou, ele quase não a reconheceu e se levantou, imaginando tratar-se de uma hóspede que o tivesse vindo chamar. Então, olhando intensamente para seu rosto, deu uma risada alegre.

    — Estou parecendo ridícula? — Violet perguntou com ansiedade. — A senhora Wilks por acaso está brincando comigo, vestindo-me como um palhaço?

    — Não, irmã, você está esplêndida, mas para mim é muito estranho vê-la assim elegante.

    — Eu queria usar a cartola que você me deu — disse Violet, sentando-se — e, verdade seja dita, esta roupa até que não é desconfortável. O espartilho está um pouco mais apertado do que deveria, sim, mas deixa minhas costas perfeitamente retas. E a armação das saias não é tão incômoda quanto parece.

    Ashton sorriu e voltou a se sentar.

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