Das Farças Das Obras Varias
Das Farças Das Obras Varias
Das Farças Das Obras Varias
http://books.google.com
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LISBOA.
ESCRIPTORIO da BIBLIOTHECA PORTUGEZA
-,
S.
DE
GIL VIGENTE.
TOMO III.
LISBOA.
ESCRIPTOBIO DA BlBLIOTHECA PoilTUGUEZA,
1.'V-:.H^
fT\ U K A
Lelaud Siuuford, Jr.'
DE
GIL VIGENTE.
LIVRO IV.
DAS FABCAS.
FA.S&A
DE
que sua moradia era muito fraca, continuamente era namorado. Tracta-sc aqui de huns
amores seus. Foi representada na mui nobre e
sempre leal cidade de Lisboa ao muito excellenie e nobre Rei D. Manuel primeiro deste
nome, nos Pacos da Ribeira, era do Senhor
de 1505.
(Vem Aparico e Ordonho, moos d?esporas,
a buscar farelos, e diz logo)
FARA3.
Pentear e jejuar,
Todo o dia sem comer,
Cantar e sempre tanger,
Suspirar e bocejar :
Sempre anda fallando so,
Faz huas trovas to frias,
To sem graa, to vazias,
CWhe cousa pera haver d.
E presume d'embicado ,
Que com isto raivo eu.
Tres annos ha que sam seu,
E nunca lhe vi cruzado :
Mas segundo ns gastamos,
Hum tosto nos dura hum mez.
Ord. Cuerpo de San! que comeis?
Apah. Nem de po no nos fartamos.
Ord.
Yelcaballo?
Apar.
Est na pelle,
Que lhe fura ja a ossada :
No comemos quasi nada
Eu e o cavallo, nem elle.
E se o visses brazonar,
E fingir mais d'esforado ;
E todo o dia aturado
Se lhe vai em se gabar.
St'outro dia, alli n'hum beco,
Dero-lhe tantas pancadas,
Tantas, tantas, que a osadas!...
Ord. Y con qu?
Apar.
Chum arrocho scco.
Ord. Hi hi hi hi hl hi hi.
^1
10
Apar.
Ord.
Apar.
Ord.
r a Re asApar.
11
12
FARAS.
13
(A parte.)
Apar.
Aires
Apar.
Ord.
Aires
Apar.
Aires
li
F ARAS.
13
16
FARAS.
17
"
13
FARAS.
Ma carreira e ma portella,
Mao cortijo e mao sumio,
Maos lobos e maos lagartos,
Nunca de pao sejo fartos ;
Mao criado e mao servio,
Ma montanha, ma companha,
Ma jornada, ma pousada,
Ma achada, ma entrada,
Ma aranha, ma faanha,
Ma escrena, ma doena,
Ma doairo, ma fadairo,
Mao -vigairo, ma trintairo,
Ma demanda, ma sentena,
Mao amigo e mao abrigo,
Mao vinho e mao vizinho,
Mao meirinho e mao caminho,
Mao trigo e mao castigo ;
Ira de monte e de fonte,
Ira de serpe e de drago,
P'rigo de dia aziago
Em rio de monte a monte,
Ma morte, ma corte, ma sorte,
Ma dado, ma fado, ma prado,
Mao criado, mao mandado,
Mao conforto te conforte.
Rgo s dores de Deos
Glue ma cahida lhe caia,
E ma sahida lhe saia,
Trama lhe venha dos ceos.
Jesu ! que escuro que faz !
Oh martyr San Sadorninho !
i9
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FARAS.
21
22
FARAS.
Es tu moa ou bacharel?
No aprendeste tu assi
O verbo d'ai)ima Christe,
Que tantas vezes Ouviste.
Isarel Isso no he pera mi
Velha E pois que?
Isarel
Eu vo-lo direi.
Ir a miude ao espelho,
E poer de branco e vermelho,
E outras cousas que sei :
Pentear, curar de mi
E poer a ceja em direito ;
E morder por meu proveito
Estes beicinhos assi.
Ensinar-me a passear,
Pcra quando for casada ;
No digo que fui criada
Em cima d,algum tear :
Saber sentir hum recado,
Responder em improviso
E saber fingir hum riso
Falso e bem dissimulado.
Velha E o lavrar, Isabel?
IiABELFaz a moa mui mal feita,
Corcovada e contrafeita,
De feio de meio annel ;
E faz muito mao caro,
E mao costume de olhar.
VelhaHu ! pois jeita-te ao fiar
Estopa, linho ou algodo,
Ou tecer, se vem mo.
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24
rARM
CHAMADA
AUTO DA INDIA.
FIGURAS.
AMA.
MOA.
CASTELHANO.
LEMOS.
MARIDO.
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FAKAS.
Dormirei, dormirei,
Boas novas acharei,
San Joo no ermo estava,
E a passarinha cantava.
Deos me cumpra o qu'eu sonhei.
Cantando vem ella e leda.
Moa. Dae-me alviaras, Senhora,
Ja vai l de foz em fora.
Ama. Dou-te huma touca de seda.
Moa. Ou quando elle vier,
Dae-me do que vos trouxer.
Ama. Alli muitieram !
Agora ha de tornar ca?
Que chegada e que prazer !
Moa.
Virtuosa est minha ama !
Do triste delle hei d.
Ama. E que falias tu l so?
Moa. Fallo ca co'esta cama.
Ama. E essa cama, bem, que ha?
Mostra-m'essa roca ca :
Siquer fiarei hum fio.
Leixou-me aquelle fastio
Sem ceitil.
Moa.
Alli, eram!
Todas ficassem assi.
Leixou-lhe pera tres annos
Trigo, azeite, mel e pannos.
Ama. Mao pezar veja eu de ti !
Tu cuidas que no ^entendo?
Moa. &ue entendeis? ando dizendo
Que quem assi fica sem nada,
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28
Ama.
Cast.
Ama.
Cast.
Ama.
Cast.
FAR AS.
Ama.
Cast.
Ama.
Cast.
Ama.
Cast.
29
30
FARAS.
Ama.
Cast.
Ama.
Cast.
31
32
FARAS.
33
Lemos Subirei ?
Ama.
Suba quem he.
Lemos
Vosso captivo, senhora.
Ama. Jesu ! tamanha mesura !
Sou a rainha por ventura?
Lemos Mas sois minha imperadora.
Ama. Que foi do vosso passear,
Com luar e sem luar,
Toda a noite nesta rua?
Lemos Achei-vos sempre to crua,
Glue vos no pude aturar.
Mas agora como estais?
Ama. Foi-se lndia meu marido,
E depois homem nascido
No veio onde vs cuidais;
E por vida de Constana,
Que se no fosse a lembrana.-..
Moa. Dizei j a essa mentira.
(A parte.)
Ama. Que eu vos no consentira
Entrar em tanta privana.
Lemos
Pois agora estais singela,
Que lei me dais vs, senhora?
Ama. Digo que venhais embora.
Lemos Quem tira quella janella ?
Ama. Meninos que ando brincando,
E tiro de quando em quando.
Lemos Que dizeis, senhora minha ?
Ama. Mettei-vos nessa cozinha,
Que m'esto alli chamando.
Cast.
Abrame, vuesa merced,
Que estoy aqui la vergiienza :
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FARAS.
Moa. Dais-me hum cinquinho, no mais?
Lemos Toma ahi mais dous reaes.
Vae e vem muito improviso.
Quem vos anojou, meu bem,
Bem anojado me tem.
Ama . Vs cantais em vosso siso ?
Lemos Deixae-me cantar, senhora.
Ama. A vizinhana que dir,
Se meu marido aqui no'st,
E vos ouvirem cantar?
> Que rezo lhe posso' eu dar,
Que no seja muito ma ?
Cast.
Reniego de Marinilla :
Esto es burla, 6 es burleta ?
Quereis que me haga trombeta,
Que me oiga toda la villa ?
Ama. Entrae-vos alli, senhor,
Que ouo o corregedor ;
Temo tanto esta devassa :
Entrae vs ness'outra casa,
Que sinto grande rumor.
(Chega janella.)
Fallae vs passo, micer.
Cast. Pesar ora de San Pablo,
Esto es burla 6 es diablo ?
Ama. Eu posso vos mais fazer?
Cast. Y aun en eso est ahora
La vida de Juan de Zamora ?
Son noches de Navid,
- Quiere amanecer ya,
Que no tardar media hora.
35
35
Ama.
Meu irmo cuidei que s'ia.
Cast. Ah seora, ireivos vos.
brame, cuerpo de Dios!
\ma. Tornareis ca outro dia.
Cast. Asosiega, corazon,
Adormintate, leon,
No eches- la casa en tierra,
Ni hagas tan cruda guerra,
Que mueras como Sanson.
Esta burla es de verdad,
Por los huesos de Medea,
Sino que arrastrado sea
Maana por la ciudad ;
Por la sangre soberana
De la batalla trojana,.
Y j uro la casa santa
Ama. Pera qu'he essa jura tanta ?
Cast. Y aun vos estais ufana?
Quiero destruir el mundo,
Quemar a casa, es la verdad,
Despues quemar la ciudad ;
Seora, en esto me fundo.
Despues si Dios me dijere,
Cuando alla con l me viere,
Que por sola una muger...
Bien sabr que responder,
Cuando eo veniere.
Ama.
Isso so rebolarias.
Cast. Same Dios testigo,
Que vos vereis lo que digo,
Antes que pasen tres dias.
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Ama. Ma viagem faas tu
Caminho de Calecu,
Praza Virgem consagrada.
Lemos Que he isso?
No he nada.
Ama.
Lemos As viva Bercebu.
I-vos embora, senhor,
Ama.
Glue isto quer amanhecer.
Tudo est a vosso prazer,
Com muito dobrado amor.
Oh que mezuras tamanhas !
Moca- GUiantas artes, quantas manhas,
Glue sabe fazer minha ama !
Hum na rua, outro na cama !
Ama. Oue falias? que t'arreganhas ?
Ando dizendo entre mi,
Moca
Que agora vai em dous aunou
Glue eu fui lavar os pannos
Alem do cho d'Alcami.;
E logo partio a armada
Domingo de madrugada.
No pode muito tardar
Nova se ha de tornar
Noss'amo pera a pousada.
Ama. Asinha.
Tres anuos ha
Moa
Que partio Tristo da Cunha.
Ama. Cant'eu anno e meio punha.
Moa Mas tres e mais havera.
Ama. \'ae tu comprar de comer.
Tens muito pera fazer,
2
38
/
No tardes.
Moa.
No senhora ;
Eu virei logo nessora,
Se m'eu l no detiver.
(Sahe.J
Ama.
Mas que graa, que seria,
Se este negro meu marido
Tornasse a Lisboa vivo
Pera minha companhia I
Mas isto no pode Ser ;
Qu'elle havia de morrer
Somente de ver o mar.
Gluero fiar e cantar,
Segura de o nunca ver.
Moa.
Ai senhora! venho morta:
Noss'amo he hoje aqui.
Ama. Ma nova venha por ti
Perra excommungada torta.
Moa. A Garoa, em que elle ia,
Vem com mui grande alegria ',
Per Rastello entra agra.
Por vida minha, senhora,
Que no fallo zombaria.
E vi pessoa que o vio
Gordo, que he para espantar.
Ama. Pois, casa, se t'eu caiar,
Mate-me quem me pario.
Quebra-me aquellas tigela
E tres ou quatro panellas,
Que no ache que comer.
Q.ue chegada e que prazer !
Fecha-me aquellas janellas j
FARAS.
Deita essa carne a esses, ,gatos.;
Desfaze toda essa cama.
Moa. De mercs est mjnhVina.;
Desfeitos esto os tratos.
Ama. Porque no matas o fogo ?
Moa. Raivar, que este he outro jogo.
Ama. Perra, ca delia, tinhosa,
Que rosmejas, aleivosa?
Moa. Digo que o- matarei logo.
Ama.
No sei pera que he. vivei;,
Mar. Oul..
Ama.
Alli ma ora, este. he,
Quem he?
Mas.
Homem de- p*
Ama. Gracioso se quer fazer,
Subi, subi pera cima.
Moa. He noss^mo : como rima,!
Ama. Teu amo! Jgsu. ', Jesu!
Alviaras pedirs- tu.Mar. Abraaeme, minha prima.
Ama.
Jesu ! to negro e tostado!
Nos vos quejo, no vos quero.
Mar. E eu a vs si, porque espero
Serdes mulher de-,recado.
Ama. Moa, tu que estas olhando,?
Vai muito asinha saltando,
Faze fogo e vae por vinho,
E amolado d'hum.cabritinho,
Emquanto estamos faltando.
Ora como vos foi l ?
Mar. Muita fortuna passei.
39
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FARAS.
Ama.
Mar.
Ama.
Mar.
Ama.
41
42'
CHAMADA
AU11) M FMA.
i
FIQVRAS.
K.1M1.
JOANNE.
- OASTELHANO.
FRANCEZ.
TE.
ITALIANO.
FORTALEZA.
44
pasas .
46
Fama.
FARaS.
Tenho sabido
Que hc mais o arruido :
E no digo mais agora.
Francez, i-vos muito embora,
Que isto he tempo perdido.
Fhan.
Por mon oy, gentil pastora,
Que yo veo dende Enves,
Y nopuedo parler mes.
Quedos con Diu aora.
Oh ! forte xosa!. .
Oh pastora tan preciosa !
Humble diable que me porte !
Oh le Franpis que es tan forte
Y la Fama no le possa J
Yo ma mora oy braman.
Fama. Mando-v.os eu ora bramar?
Fkan. Cor de Diu, no s que far :
Le gens tous que diran ?
Fama. Joanne!
Joan. O diabo que t'esgane.
Fama. Alevanta-te. ,
.
Joan.
No me quero erguer.
Fama. No es farto de jazer? ,,. ,
Oh ! zna morte que ('apanhe.
Joan.
Filha da cornuda aoutada !
Fama. Vae s patas.
Joaji.
Pate, pate.
Ma raposa que .as mate;. _,
Fama. Dar-t-'ljej. tamanha punhada !
Tens mioJo JJu is. Eu sonhava que era tolo,
47
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F ARAS.
49
H0
Cmeae de navegai.,
62
F ARCAS.
Ital.
53
>4
OBRAS SE GH VICENTE.
Al foco eterno
Delia flamme del inferno,
Far partito col mio :
Tu lo sa, Domine mio,
Que mi mal es sempiterno.
(Encontrasse o Italiano com o Fra/ncez.)
Fran.
Diu vu garde, bon ami.
Ital. No vale, parole, Micero,
Ni ou pur la vita quiero.
Fran. Y que xosa fue essa ansi?
Ital. Aro en foco,
Y plango in hoc loco,
Y el alma se me va.
Fran. Que diable fue esse all?
Ital. Modici acerba invoco.
Fran.
Vus topes la Fama acora,
La famosa Portuguesa?
No la pude far Franceza.
Ital. Oh Dio ! que linde pastora
Para Romani !
Yo con ella ho farto afani ;
Qu'a la fe l' astuta vera,
Ni por pace ni por guerra,
No estima le Italiani.
Fran. Por le cor de Diu sacro
Que ella si burla di Franca,
E fit tembler toto istato.
Ital. Oh. el naio amare,
Mi dulce ochi, colore
Candida come le sole,
Per le vivo rcsplandore.
* ARAS.
55
56
FARAS.
Fama. Oh Jesu ! vs fallais tanto,
Que j estou enfastiada.
Olnae, Caslelho de bem,
Dizeis verdade, bem sabemos ;
Mas ha mister mais extremos
Pera me levar ninguem.
Cast. Oh sonora,
Qu extremos quereis ahora?
Fama. Leixae-me vs a mi dizer.
Cast. Plceme, yo quiero ver.
Fama. Ora ouvi-me na boa ora.
Cast.
Decid, que bien os oir,
Mi preciosa enamorada.
Fama.NSo quereis que diga nada?
Cast. Qu ! no os responder?
Por Veneza !
Hable vuestra gentileza,
Cuerpo de Dios consagrado,
Yo quiero estar callado ;
Mostradme vuestra grandeza.
Fama. I-vos por aqui Turquia,
E por Babilonia toda,
E vereis se anda cm voda,
Com pezar de Alexandria.
E vos dir
Damasco quantos lhe d
De combates Portugal,
Com victoria to real,
Que nunca se perder.
Chegareis a Jer'salem,
O qual vereis ameaado,
S7
58
E o Mourjsmo irado,
Com pezar do nosso bem :
E os desertos
Achareis todos cubertqs
D'artelharia e camelos
Em soccorro dos castellos,
Que ja Portugal tem certos.
Sabei em Africa a maior
Flor dos Mouros em batalha,
Se se tornro de palha,
Quando foi na d'Azsmor.
E, sem combate,
A trinta leguas do resgate,
Comprando cada mez a vida ;
E a atrevida Almedina
E Ceita se tornou parte.
Tributarios e captivos
Elles com os seus logares,
Com camelos dez mil pares,
Porque os deitassem vivos.
Pois Mar.rocos,
Que sempre fez dez mil biocos
At destruir- ^espanha,
Sabei se se torpou aranha,
Quando vio o demo em. soccos.
Bem : e he razo que me ya
Donde ha cousas to honradas,
To devotas, to soadas?
O lavor vos contar.
I-vos embora.
Cast. Qued;' Dios, seoifl;
rarcas.
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60
FARAS.
61
O VELHO DA IORTA,
FIGURAS.
HUM VELHO.
HUMA. MOA.
HUM PARVO,
Criado do Velho. mulher do ia.no.
BRANCA GIL.
CAIDE.
HUMA MOCINHA.
HUM AL
BELEGUINS.
FHAS.
63
&i
FAKAS.
63
FARAS.
M'a tirais..
Porque minh'hora d'agora
Val vinte aimos dos passados ;
Que os moos namorados
A mocidade os escora.
Mas hum velho,
Em idade de conselho,
De menina namorado
Oh mimValma e meu espelho !
Moa. Oh miolo de coelho
Mal assado.
Velho Quanto for mais avisado
Quem d'mor vive penando,
Tera menos siso amando,
Porque he mais namorado.
Em concruso,
One amor no quer rezo,
Nem contracto, nem cautela,
Nem preito, nem condio,
Mas penar de corao
Sem querel] a.
Moa.
Hulos esses namorados?
Desinada he a terra delles :
Olho mao se metteo nelles:
Namorados de cruzados,
Isso si.
Velho Senhora, eis-me eu aqui,
Oue no sei seno amar.
Oh meu rosto d'alfeni !
&u'cra forte ponto vos vi
Neste pomar.!
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68
Moa.
Que velho to sem socgo l
Velho Que garridice me viste ?
Moa. Mas dizei, que me sentiste,
Remelado, necio, cego ?
V elho Mas de todo
Por mui namorado modo
Me tendes minha senhora
Ia cego de todo em todo.
Moa. Bem est quando tal lodo
Se namora.
Velho Quanto mais eslais avessa,
Mais certo vos quero bem.
Moa. O vosso hortelo no vem?
Quero-me ir, que estou de pressa.
Velho Oh fermosa,
Toda .minha horta he vossa.
Moa. No quero tanta franqueza.
Velho No per me serdes piedosa ;
Porque quanto mais graciosa,
Soes crueza.
Cortae tudo sem partido;
Senhora, se sois servida,
Seja a horta destruida,
Pois seu dono he destrudo.
Moa. Mana minha,
Achastes vs a daninha,
Porque no posso esperar.
Colherei algua cousinha,
Somente por ir asinha
E no tardar.
CoDiei, rosa, dessas rosai,
FARAS.
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FARAS.
Que fazeis vs ca t noute ?
Velho Vae-te dahi, no t'aeoute.
Oh ! dou demo a chaona
Sem saber.
Parvo Diz que fosseis vs comer,
E que no moreis aqui.
Velho No quero comer nem beber.
Parvo Pois que haveis ca de fazer?
Velho Vae-te d'hi.
Parvo
Dono, veio l meu tio,
Estava minha dona ento ella
Foi-se-lhe o lume pela panella,
Seno acert-lo acaro.
Velho Oh Senhora,
Como sei que estais agora
Sem saber minha saudade !
Oh senhora matadora,
Meu corao vos adora
De vontade.
Parvo
Raivou tanto rosmear
Oh pezar ora da vida !
Est a panella cozida,
Minha dona quer jentar :
No quereis ?
Velho No hei de comer, que me pis,
Nem quero comer bocado.
Parvo E se vs, dono, morreis?
Ento depois no foliareis,
Seno fmado.
Ento na terra nego jazer,
Ento finar dono estendido*
71
72
FARAS.
73
74
FAIMJAS .
(Canta.)
Volvido nos han volvido,
Volvido nos han
Por una vecina mala
Meu amor tolheu-me a falia,
Volvido nos han.
(Vem Branca Gil, alcoviteira, e diz:)
Bran.
Mantenha Deos vossa mere.
VEiHoBof, vs venhais embora.
Ah sancta Maria senhora,
Como logo Deos prov !
Bran. Si aosadas.
Eu venho por mesturadas,
E muito depressa ainda.
Velho Mesturadas mesandadas,
Que as fara bem guisadas
Vo9sa vinda.
O caso he : Sobre meus dias,
Em tempo contra rezo,
Veio Amor sobre teno,
E fez de mi outro Maneias,
To penado,
Que de muito namorado
Creio que me culpareis
Porque tomei tal cuidado ;
E do velho destampado
Zombareis.
Bran.
Mas antes, senhor, agora
Na velhice anda o amor ;
O de idade d'amador
De ventura se namora ;
73
76
E na corte
Nenhum mancebo de sorte
No ama como sohia.
Tudo vai em zombaria ;
Nunca morrem desta morte
Nenhum dia.
E folgo ora de ver
\'ossa merc namorado;
Que o homem bem criado
At morte o ha de ser
Por direito ;
No per modo contrafeito,
Mas firme, sem ir atraz,
Que a todo o homem perfeito
Mandou Deos no seu preceito :
Amars.
Velho Isso he o demo que eu brado,
Branca Gil, e no me val,
Que no daria bum real
Por homem desnamorado.
Porm, amiga,
Se nesta minha fadiga
Vs no sois medianeira,
No sei que maneira siga,
Nem que faa nem que diga,
Nem que queira.
BrAN.
Ando agora to ditosa,
Louvores Virgem Maria,
Que acabo mais do que qu'ria,
Pola minha vida e vossa.
D'antemo
FARAS .
77
73
OBRAS DE 11 VICENTE.
r arcas.
Outro Mor de Santiago ;
Soccorrei-lhc muito a pique,
Antes que o demo repique
Com tal pago.
Glorioso San Dom Martinho,
Apostolo e Evangelista,
Tomae este feito revista,
Porque leva mao caminho,
E dae-lhe esprito.
O sancto Baro d' Alvito,
Seraphim do Deos Cupido,
Consolae o velho affKto ;
Porque inda que contrito,
Vai perdido.
Todos sanctos marteirados,
Soccorrei ao marteirado,
Que morre de namorado,
Pois morreis de namorados.
Polo livrar
As Virgens quero chamar,
Que lhe queiro soceorrer,
Ajudar e consolar,
Que est ja pera acabar
De, morrer.
O sancta Dona Maria
Anriques, to preciosa,
Queirais-lhe ser piedosa
Por vossa sancta alegria.
E vossa vista,
Glue todo o mundo conquista,
Esforce seu corao,
79
80
FA11AS.
Quasi morto.
Sancta Dona Beatriz
Da Silva, que sois aquella
Mais estrella que donzella,
Como todo o mundo diz ;
E vs sentida
Sancta Dona Margarida
De Sousa, lhe soccorr,
Se lhe puderdes dar vida ;
Porque est ja de partida,
Sem porque.
Sancta Dona Violante
De Lima, de grande estima,
Mui subida, muito acima
D'estimar nenhum galante ;
Peo-vos eu,
E a Dona Isabel d' Abreu,
Que hajais delle piedade
Co siso que Deos vos deu,
Que no moura de sandeu
Em tal idade.
O sancta Dona Maria
D'Ataide, fresca rosa,
Nascida em hora ditosa,
(Auando Jupiter se ria ;
E se ajudar
Sancta Dona Anna, sem par,
D'Ea, bem-aventurada,
Podei-lo resuscitar,
Que sua vida vejo estar
Desesperada.
81
BS
OBRAS DE IL VICENTE.
PASAS.
83
84
*-ARCAS.
Sa
86
FARAS.
Velho Quem ?
Moa.
Branca Gil.
Velho
Como ?
Moa. Com cent,aoutes no lombo,
E hua carocha por capella.
E ter mo ;
Leva to bom corao,
Como se fosse em folia.
Oh que grandes que lh'os do !
Velho E o triste do prego
Porque dizia?
Moa.
Por mui grande alcoviteira,
E pera sempre degradada.
Vai to desavergonhada,
Como ia a feiticeira.
E quando estava
Hua moa que casava
Na rua pera ir casar,
E a coitada que chegava,
A folia comeava
De cantar :
Hua moa io fcrmosa,
Que vivia alli S...
Velho Oh coitado ! a minha he.
Moa. Agora ma ora he voisa,
Vossa he a treva.
Mas ella o noivo a leva :
Vai to leda e to contente,
Huns cabellos como Eva.
Osadas que no se lhe atreve
Toda a gente.
ST
SS
FlRi
CHAMADA
DIABO.
DOUS
FRADES.
TRS FADAS.
ha feiti
por usar
mostrand, quo
90
De mimosa.
Ai que farei d'empachada !
Oh vergonhosa de mi,
Como vou abrasiada,
Amara, corrida e torvada !
Mas pressa me traz aqui,
Onde nao vejo logar,
Emque homem queira mijar,
Nem ouso espirrar somente,
Por alguem nao se soltar
Antre gente.
( Chega a ElRei e Rainha, e diz :)
Senhores, embora estedes :
Com saude, com prazer
Muitos annos vos logredes.
Os ramos que florecedes,
Deos os queira engrandecer,
Assi como vos queredes.
(Ao Principe e Infantes.)
Oh que joias esmaltadas.
Oh que boninas dos ceos,
Oh que rosas perfumadas !
(As Damas.)
Jesu ! que sanctas douradas !
Bom prazer veja eu de vos
E boas fadas.
Eu eam Genefara Pereira,
Une moro alli Pedreira,
Vezinha de Joo de Tara,
Solteira, ja velha amara,
Sem marido e sem nobreea ;
FABA.9.
irarcas.
Gonalo da Silva a mi,
E diz-me.que he fora de si
Pola Francisca da Guerra;
Queres que seja eu to perra
Que o no encommende 6 demo,
Que o livre do extremo
Em que he posto seu esprito?
E se vier Gaspar de Brito
Por Catherina Limo,
No irei no meu cabro
Enfeitiar a limeira ?
E assi desta maneira
Se vier o Marichal
Por Guimar do Ataude
Buscar a minha saude,
He por fora por-me a risco.
E se me rogar Dom Francisco
Que lhe enfeitice a Benim,
S'eu no for muito ruim,
Mal lhe posso negar cousa.
E l o Martim de Sousa,
ttue morre pola Primentel,
No lh' hei de ser infiel.
Assi que as taes feitiarias
So, Senhor, obras mui pias,
E no ha mais na verdade.
Saiba Vossa Magestade
Quem he Genebra Pereira,
Que sempre quiz ser solteira,
Por mais estado de graa.
Agora no sei que faa
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FAIAs.
De beios to preciosos
Dae ora prazer
A quem vos bem quer,
E dae boas fadas
Nas encruzilhadas.
Este caminho vai pera l,
Essoutro atravessa ca;
Vs no meio, alguidar,
Que aqui cruz no ha de estar.
Embora esteis, encruzilhada.
Perequi entrou, pereli sbio.
Bem venhades, dona honrada.
Vai a estrada pola estrada.
Benta he a gata que pario
Gato negro, negro he o gato.
Bode negro anda no mato,
Negro he o corvo e negro he o pez,
Negro he o rei do enxadrez,
Negra he a vira do sapato,
Negro he o saco qu'eu desato.
Isto he fersura de sapo,
Que est neste guardanapo.
Eis aqui mama de porca,
Barbas de bode furtado,
Fel de morto excommungado,
Seixinhos do p da forca :
Bolo de trigo alqueivado
Com dous ratos no meu lar,
Per minha mo sameado,
Colhido, modo, amassado,
Nas costas do alguidar.
Achegade-vos a mim :
Que papades, meu ch'rubim?
Escumas de demoninhado.
Quem vo-las deu ?
Dei-vo-las eu.
Fel de morto, meu conforto,
Bolo cornudo, vs sabedes tudo,
Bico de pgo, aza de morcego,
Bafo de drago, tudo vos trago.
Eu no juro nem esconjuro,
Mas gallo negro suro
Cantou no meu monturo.
E ditas as santas palavras,
Ei-lo Demo vai, ei-lo Demo vem
Co'as bragas dependuradas.
(Vem hum Diabo chamado da Feiticeira, o
qual lhe falla em lngua picareta, desta ma
neira :) ,
Diaro
O dame, jordene
Vu seae la bien trovee.
Tu es fause te humeyne,
Sou ye vous esposee.
Fsit. Que linguagem he essa tal?
Hui, e elle falia aravia !
Olhade o nabo de Turquia !
Fallade aram Portugal.
Diaro
Tu has fet bian de mal
Avec un frayre jacopim.
Feit. Ma pezar vej'eu de ti :
Dize, ma trama te naa,
Que dizes que no ^entendo*i\
FARAS.
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FARAS.
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Aquestas contemplaciones
Eran siempre mis liciones ;
Y en esto gast mis aos,
Predicando con sermones
La grandeza de mis daos.
Con lgrimas dolorosas,
Dentro de mi oratorio
Contemplando en las fermosas,
Al cabo de ciertas prosas
Decia este vitatorio :
Al santo templo de Amor,
Donde las almas perdemos,
Venid todos y adoremos.
Venid de gana muy leda
A la triste devocion,
Donde mata la pasion
Y siempre la vida queda
Para mas luenga prision :
Y pues tal perdicion
Por ganancia la tenemos,
Venid todos y adoremos.
Adoramos y exalzamos
A aquellas que nos mataron :
Opera manuum suarum
Son los suspiros que damos
ln hac vita lachrymarum :
A las que mal nos trataron,
Pues por diosas las tenemos,
Venid todos y adoremos.
Prima, tercia, sexta y nona
Retaba de aquesta suerte;
FARA5.
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FAHA.S.
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FARAS.
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F AR CAS.
(Diz s Fadas.)
Como vos vai nesse mar
To profundo e espaoso?
(Respondem as Sereas cantando.)
Nosso mar be fortunoso,
Nosso viver lacrimoso,
Eo chegar rigoroso
Ao cabo desta jornada :
Qual de ns vem mais cansada
Nesta cansada jornada ?
Feit.
No podedes vs fallar,
Que respondedes cantando ?
Fadas Ns partimos caminhando
Com lagrimas suspirando,
Sem saber como nem quando
u Far fim nossa jornada.
(Anal de ns vem mais cansada
Nesta cansada jornada ? n
Diaro Melior cante le quien
Y le hoyssos de vill.
Feit. CalHe, corvo de No,
'
'Que no sabes que cousa he
. Cantar mal nem cantar bem.
Minhas flores da ribeira,
Descano desta alma minha,
Rainhas da vida marinha,
Honrade ora esta romeira,
Fadae de linda maneira
Este estrado de bos fados,
Glue Deos lh'os dara dobrado.
Praza a elle que assim vir.
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FARAS,
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3.a Fada.
As novas que temos nas ondas do mar
So que na terra ha pouca verdade ;
E pois de verdades ha ma novidade,
Por novidades as haveis de tomar.
Ora he pera ver :
Tome Vossa Alteza qualquer que quizer,
Que todo he verdade as sortes que so,
Tomae desses sete planetas que hi vo
A que vos vier.
(Aqui dero as sortes primeiramente a clllei.)
Jupiter.
Este planeta escolhido
Escolheo, porque he profundo,
O mais alto bem do mundo.
Sol. (A Rainha.)
Muitos bens deu Deos na terra,
Porm se este no viera,
Nunca nos amanhecra.
Cupido. (Ao Prncipe.)
Este Deos he muito amado
E adorado,
Porque tem dominao
Sobre toda a creao.
Lua. (A Iffanle D, Isabel.)
Esta Senhora Diana
Tem do Ceo sua feitura
E do sol a fermosura.
Venus. (A Iffanle D. Beairiz.)
A este planeta so
1 10
FARAS.
Hl
li 1
Coro.
Os saltos deste galante
No o podero salvar
D'hum mal que tem de passar.
Carneiro.
Este se hum amor o cobre,
D'hi a pouco se trosquia,
E logo outro novo cria.
Porco. espim.
Destes ha poucos na terra ;
Deve ser mui estimado
Da fortuna, e namorado
Sem ter guerra.
Usso.
Este animal tem ventura
E dita, porque he soffrido ;
Ca soffrer he gran partido
Se atura.
Lontra.
Este nunca se contenta,
Nem contente se vei,
Porque quer o que hi no ha.
Gato.
Este animal he caseiro,
E no quer bem a Cupido :
Tem amor a ser marido
Com dinheiro.
Lieo.
Este mui forte animal
Nunca sabe que he temor,
Mas teme-se do amor
FARCAS.
E no (Tal.
Olicornio.
Esta rez he mui esquiva ;
Caa-se c'hua donzella,
E no per outra cautela
Se cativa.
- Dromedrio.
Este traz grandes carretos
E requere seu proveito,
Porm no pede direito,
Cavallo.
Este animal furioso
Se namora sem concrto,
Pois no ama em logar certo.
Galgo.
Este animal delicado
No sei porque cansa a vida
Tras quem tem certa guarida.
Lebrel.
Este tem em pouco a vida,
E he bem que a d barata,
Pois quer ferir a quem mata.
Bugio.
Este animal comprehende
Quanto se pode cuidar;
Porm o seu no fallar
Encobre e soffre o qu'entende.
Touro.
Este, no sendo culpado.
He ferido,
E quanto mais, mais ardido.
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Coelho.
Este cativo animal
He to vivo namorado,
Que ha de morrer a cajado.
Raposo.
Deste se devem guardar,
Que se finge manco e torto,
E s vezes se faz morto,
Por caar.
Alifante.
Aqueste so animal
Tem veias no corao,
Onde lagrimas esto.
Ona.
Este ligeiro animal,
Se de tres saltos no caa,
Improviso leixa a caa,
Azemula.
A vida deste animal
He de noite em meijoada
E pela manhan palhada.
Sendeiro gallego.
Este he bom servidor ;
Parece mui bem sellado,
Mas melhor he albardado.
Jiafeiro.
Este he falso e fagueiro,
Sorrateiro ;
Q.uando virdes este co,
Levae sempre hum pao na mo.
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Doninha.
Este no he bem furo
Nem gineta nem esquio :
He hum bichinho vadio.
(Sories dvs Damas per aves.)
FalcSo.
Esta ave tem crueldade
Sem piedade ;
E quem na quizer tomar
Tem muito- que suspirar.
Gara .
- Esta 'ave he temerosa
E fermosa,
E no se toma por manha
Nem cahe seno por faanha.
Melroa.
Esta ave he namorada
Declarada
E faz seu ninho de praa,
E tudo com muita graa.
JRousinol.
Esta ave tem seus amores
Co'as flores
Dous mezes, n inais, no anno;
Porm ama sem engano.
guia.
Esta vence o sol co'a vista,
E cega toda rel
Ctue com ella tem mais f.
Gavio.
Esta ave he mui ligeira
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E lisongeira;
Desama logo por nada :
He fermosa e alterada
Em gran maneira,
Estorninho.
Esta ave he de condio,
Que se pe em grande altura,
E confia na ventura
Com razo,
Pomba.
Esta ave parece sancta,
Porque he dissimulada,
Mas no certo he refalsada.
Rola.
Esta deseja casar,
Mas quer bem to escolhido,
Que temo que ha de ficar
Sem marido.
Pavo.
Esta ave ha to namorada
Da fermosura que tem,
Que sei certo que a ninguem
Tem em nada.
Fenix.
Esta parceira no tem,
Se faz vida em forte mata,
E no na mata ninguem,
Ella se mata.
Cirne.
Esta ave segue hum extremo,
Que canta contra a razo,
FARAS.
Pga.
Esta ave nunca socega,
He galante e muito oufana ;
Mas a hora que no engana
No he pega.
Adem.
Esta se tem por real;
He to brava e to esquiva,
Que no quer ver cousa viva.
Alvela.
Esta avesinha fermosa
Faz que aguarda,
Mas, pardeos, mui bem se guarda.
Francelho.
Esta ave sempre peneira
E nunca deita farinha :
Tal sois vs, senhora minha.
Andorinha.
Esta ave bem assombrada
He confiada :
Seus amores vo e vem,
Nenha certeza tem.
Calhandra.
Esta nunca tem tristeza ;
Sobe-se no ar cada hora,
E canta porque outrem chora.
Oja.
Esta ave segue hum temor ;
Traz a rel assombrada,
Porque cada hora he mudada.
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Gaivoid.
Esta so ave s'enfuna
Na fortuna ;
No teme mar nem tormenta,
Nasceo frra e vive isenta.
Perdiz,
Esta ave muito prezada
He avisada ;
E se a enganar alguem,
Juro a Deos que caa bem.
Grou.
Esta ave sempre vigia,
Nunca dorme assocegada,
Porque sonha noite e dia
Em ser casada.
Minhoto.
Esta ave diz-nos que vio,
Mas no pode ver mais bem
Que a dama que ora o tem.
H acabadas de dar assi estas sortes, seforo todos com sua musica, e se acabou a dita
fara.
VAZ.
ME DE INE7. PEREIRA.
PRO MARGUES. LATO,
DO
ESCUDEIRO.
LUZIA.
EER-
ERMITO,
Isez.
120
rxnAs.
Me.
si;:....
Me.
Ixez.
Me.
Inez.
Me.
Inez.
Me.
121
\1%
OU kA 5 DE GIL VICEHTZ.
Inez.
&uero-m,ora alevantar;
Folgo mais de fallar nisso,
Assi me d Deos o paraso,
Mil vezes que no lavrar i
Isto no sei que me faz.
Aqui vem Lianor Vaz.
E ella vem-se beBzendo.
(Entra Leonor Vaz.)
Jesu a que m'eu encommendoy
Gluaiita cousa que se faz !
Lianor Vaz, que foi isso?
Venho eu, mana, amarella ?
Mais ruiva que hua panella.
No sei como tenho siso.
Jesu Jesu ! que farei ?
No sei se me va a ElRei,
Se me va ao Cardial.
Como ! e tamanho he o mal?
Tamanho ? eu t'0 direi.
Vinha agora pereli
O redor da minha vinha,
E hum elerigo, mana minha,.
Pardeos, lanou mo de mi ^
No me podia valer,
Diz que havia de saber
Se era femea, se macho.
Hui ! seria algum muchachoy
Que brincava por prazer.
Si, mochao sobejava.
Era hum zote tamanhouo '
Eu andava no retouo,
Me.
Inez.
Leon.
Me.
Leon.
Me.
Leon.
ME.
Leon.
Me.
1*eo*.
FAuas.
To rouca que no fallaya,
Quando o vi pegar comigo,
&ue m'achei naquelle p'rigq,
,-_-_^ Assolverei, no assolvers
Jesus! homem, qu'has comtigo?
Irman, eu te assolverei
Co breviairo de Braga.
Que breviairo, ou que praga ?
Que no quero : aqui d'elRei !
Quando vio revolta a voda,
Foi e esfarrapou-me toda
O cabeo da camisa.
MSe. Assi me fez dessa guisa
Outro, no tempo da poda.
Eu cuidei que era jogo,
E elle... dae-o vs ao fogo!
Tomou-me tamanho riso,
Riso em torjo meu siso,
E elle leixou-me logo.
Leon. Si, agora, eram,
Tambem eu me ria ca
Das cousas que me dizia :
ChamaY4-me luz do dja :
Nunca teu olho ver,.
Se estivera de- maneira
Sem ser rouca, brad^r'eu ;
Mas logo m'o demo. djeu
Catarro e peftoguejpa,
Cocegas e cor de rjr,
E cojca p^ra. fugjj,
E fraea per,a v$n#!r :
124
Me.
Leon.
Me.
Leon.
Me.
Leon.
FARAS.
Me.
Eeon.
Me.
Lzon.
Inez.
Lieon.
Inez.
Leon.
Trama te d na garganta !
Como ! isto assi se faz ?
Isto no releva nada.
Tu no ves que se u casada ?
Deras-lhe ma ora boa
E mordra-lo na c'roa.
Assi fora excommurigada.
No lhe dera hum empuxo,
Porque sou to maviosa,
Que he cousa maravilhosa;
E esta he a concruso.
Leixemos isto. Eu venho
Com grande amor que vos tenho,
Porque diz o exemplo antigo
Que a amiga e o amigo
Mais aquenta que bom lenho.
Inez Pereira he concertade
Pera casar com alguem ?
Atgora com ninguem
No he ella embaraada.
Eu vos trago um casamento,
Em nome do Anjo bento :
Filha, no sei se vos praz.
E quando, Lianor Vaz?
Eu vos trago aviamento.
Porm no hei de casar
Seno com home'avisado :
Ainda que pobre pellado,
Seja discreto em faliar.
Eu vos trago hum bom marido,
Rico, honrado, conhecido :
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126
Inez.
Leon.
Inez.
Leon .
Me.
Inez.
Leon.
rarcas.
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(Prosegue na leitura.)
Nem cantar presente mi,
Pois Deos sabe a rebentinha
Que me fizestes ento.
Ora, Inez, que hajais beno
De vosso pae e a minha,
Que venha isto a concruso.
Viste to paivo villo?
Eu nunca tal cousa vi
Nem tanto fora de mo.
IEon.
Quereis casar a prazer
No tempo cTagora, Inez?
Antes casa, emque te pz,
Que no he tempo tPescolher.
Sempre eu ouvi dizer,
Ou seja sapo ou sapinho,
Ou marido ou maridinho,
Tenha o que houver mister,
Este he o certo caminho.
M.v;.
Pardeos, amiga, essa he ella;
Mata o cavallo de sella,
E b he o asno que me leva.
IiEOM. Filha, no cho do Couse,
Quem no puder andar choute.
Mais quero eu quem m'adore,
Que quem faa com que chore.
Cham-lo-.hei, Inez?
Inez.
Si,
Venha e veja-me a mi,
Quero ver, quando me vir,
Se perder o presumir
Inez .
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FARAS.
129
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Pero.
Inez.
Pero.
Inez.
Pero.
Inez.
Pero.
Inez.
Pero.
FARCAS,
131
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MXe.
Inez.
MXe.
Inez.
Me.
Inez.
FARAS.
133
134
FARAS.
135
136
FARAS.
137
J38
FARAS.
Esc. Q-ue venhais ca.
Moo .
Pera que ?
Esc. Porque faas o que eu mando.
Moo. Logo vou.
O diabo me tomou
Sair-me de Jam Montez
Por servir hum tavans,
Mor doudo que Deos criou.
Esc.
Fui despedir hum rapaz,
Por tomar este ladro,
Que valia Perpinho.
Moo ! .
Moo.
Que vos praz?
Esc. A viola.
Moo. Oh como ficar tola,
Se no fosse casar ante
Co mais safeo bargante .
Glue come po e cebola.
Ei-la aqui bem temperada ;
No tendes que temperar.
Esc. Faria bera de t'a quebrar
Na cabea bem migada.
Moo. E se ella he emprestada,
Quem na havia de pagar?
Meu amo, eu quero-me ir.
Esc. E quando queres partir?
Moo. Logo quero comear.
Determino de partir
Ante que venha o Inverno,
Porque vs no dais govrno
Pera vos ninguem servir.
139
140
FARAS.
141
142
' FAR.AS.
143
144
FARAS.
Esc.
Inez.
Esc.
Inez.
Esc.
Inez.
Esc.
145
1 li,
FARAS.
147
148
FARAS.
149
150
F ARAS.
1S1
132
TARAS.
Me meti en su santo templo
Ermitao en pobre ermita,
Abastada de infinita
Tristeza en que contemplo.
Adonde reso mis horas
Y mis dias y mis aos,
Mis servicios y mis daos,
Donde t, mi alma, lloras
Dolor de tantos engaos.
Y acabando
lias horas, todas llorando,
Tomo las cuentas una y una,
Con que tomo la fortuna
Cuenta del mal en que ando,
Sin esperar paga alguna.
Y ans sin esperanza
De cobrar lo merecido,
Sirvo all mi Dios Cupido
Con tanto amor sin mudanza,
Que soy su santo escogido.
O seores,
Los que bien os va de amores.
Dad limosna al sin holgura,
Que habita en sierra escura,
Uno de los amadores
Que tuvo menos ventura.
Y rogar al Dios de m,
En que mis sentidos traigo,
Que recibais mejor pago
De lo que yo recebi
En esta vida que hago.
153
l'
Inez.
Pero.
Inez.
K uii.
Inez.
Y resar,
Con gran devocion y fe,
Que Dios os libre de engao,
Que eso me hizo ermitaflo,
Y para siempre ser,
Pues para siempre es mi dano.
Olhae ca, marido amigo,
Eu tenho por devao
Dar esmola a hum ermito,
E no vades vs comigo.
I-vos embora, mulher,
No tenho l que fazer.
Tomae a esmola, padre, l,
Pois que Deos vos trouxe aqui.
Sea por amor de mi
Vuesa buena carid.
Deo gracias, mi senora,
La limosna mata el pecado,
Y vos teneis buen cuidado
De ser de mi matadora.
Debeis saber,
Para merced me hacer,
6lue por vos soy ermitafib,
Y aun mas os desengano
Que esperanza de os ver
Me hizo vestir tal pano.
Jesus, Jesus, manas minhas!
Sois vs aquelle que hum dia
Em casa de minha tia
Me mandastes camarinhas ;
E quando aprendia a lavrar
FARJAS.
Erm.
Inez.
Erm.
Inez.
Erm.
Inez.
.
Pero.
Inez.
Pero.
Inez.
Pero.
Inez.
Pero.
Inez.
loii
156
Pero.
Inez.
Pero.
Inez.
Pero.
Inez.
Pero.
Inez.
Pero.
Tnez.
Pero.
Inez.
Descalsae-vos.
Assi ha de ser?
E "pois como?
E levar-me-heis no hombro,
No me corte a madre o frio.
(Pe-se s coslas do marido.)
Assi.
Ides vossa vontade?
Como estar no paraso.
Muito folgo eu com isso.
Esperade ora, esperade ;
Olhae que lousas aquellas,
Pera poer as talhas- nellas .
Guereis que as leve?
Sim : hua aqui, e outra aqui.
Oh como folgo com cilas !
Cantemos.
Se vs quereis.
E vs me respondereis
A tudo quanto eu cantar :
Pois assi se fazem as cousas.
(Crnla.)
Marido cuco me levades
' E mais duas lousas.
Pois assi se fazem as cousas.
Bem sabedes vs, marido,
Quanto vos quero ;
Sempre fostes percebido
" Pera cervo :
Agora vos tomou o dema
t.- Com duas lousas.
FARAS.
Furo. Pois assi sc fazem as cousas.
Inez. Bem sabedes vos, marido,
Quanto vos amo,
.>Sempre festes percebido
Pera gamo.
it Carregado ides, noss'amo,
Com duas kiusas.
Pero. Pois assi se fazem as cousas.
assi vo e acaba a dita Fara.
157
O JUIZ DA BEIRA.
FIGURAS.
PURO
MARaiES.
PORTEIRO.
VASCO AFFONSO.
RO.
AUJiA DIAS.
ESCUDEIRO.
PREGUIOSO.
MOO
FERREIRO.
SAPATEI
DO ESCUDEIRO.
BAIXADOR.
AMADOR.
BRIGOSO.
IARAS.
E hei de dizer o meu
Coma qualquer criatura.
Pero Marques sam da Beira
E juiz mexericado ;
Dero-me l hum Julgado
Por cajo de Inez Pereira,
Com que embora sam casado.
Passou-se ca hum mandado,
Nega por me dar canceira,
Que logo cm toda maneira
Viesse, e vim emprazado
Bof com fraca esmoleira.
E porque me tem teno
Diogo Lopes de Carvalho,
Por me metter em trabalho,
Diz que no cumpro a Ordenao,
E que pera juiz no valho.
Qu'elle he muito d'apertar
Com juizes de siqueiro.
Ora eu por no ser peeiro,
Vim ca pera m'amostrar
Glue sou eu homem inteiro.
Ora assi que de maneira
Minha hspeda Inez Pereira
(Deos a benza !) sabe ler,
E quanto me faz mister
Pera eu ir pola carreira.
De que eu contente sam,
Soma avouda que assi
L-me ella o caderno alli
Onde s'he a ordenaam
159
160
FARAS.
Ora traga vossa merc
Hum banco e hua esteira,
E hua cortia inteira,
E vossa merc me d
Licena que o requeira.
Ide logo sem tardar.
Port. Quem no vir assi mandar
Cuidar que sabe o que diz :
Tal he elle p'ra juiz
Como eu sou pera pregar.
Pero. Olhae ca, senhor Porteiro.
Port. Senhor Juiz, que me manda?
Pero. Pregoae quem tem demanda,
Que venha aqui a terreiro
E diga em que termos anda.
E venha o banco todavia
Muito bom, muito direito.
Port. Quem quizer hoje este dia
Ver mao pezar de seu feito,
No tarde hua ave-maria.
Tal juiz em tal logar
Parece cousa de riso.
Porm que me d a mi disso
Bem julgar nem mao julgar?
Quem faz juiz hum vaqueiro !
Fero. Senhor Porteiro, l vem
Vasco Affonso e tambem
Joo Domingues, ferreiro.
(Indo o Porteiro buscar o banco, topa
o ferreiro e Vasco Affonso, e dia o)
Fsrr.
Glue andais buscando, Porteiro ?
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VARAS.
Port.
Pero.
Port.
Pero.
163
164
Aquellas hi no ho d'estar :
Ou fora, rua com ellas.
Ferr.
Estae vs ahi, Juiz,
E ns em pe como bons filhos.
Fero. Senhor Porteiro, esses peguilhos
Deitae-os no chafariz.
Port. Levarei, ora estae quedo :
Perdida he a decoada
Na cabea d'asno pegada.
No sois vs pera camara, Pedro.
(Leva o Porteiro as cadeiras e topa com Arma
Dias, que vem audiencia.)
Port.
Venhais embora, Anna Dias,
Em demanda andais ca ?
Anua. Sempre o diabo me d,
Com que tenha negros dias.
Port. He feito crime ou que he?
Anna. No sei s'he crime ou se que:
Minha filha he violada,
E houvero-m'a forada :
Vou-me ao Juiz.
Port.
Esse he ;
Mas tanto val como nada.
Anna.
Querello-me, senhor Juiz,
Do filho de Pero Amado
GUie o achei emburilhado
Com a minha Beatriz.
Pero. E onde?
Anna.
No seu cerrado.
Pero. E que ia ella l catar?
'Anna. Foro ambos a mundar,
rarcas.
Pero.
Anna.
Pero.
Anna.
Pro.
Anna.
Pero.
Anna.
Pero.
Perr.
165
166
Anna.
FAHAS.
167
468
FARAS.
Anna.
Sap.
Anna.
Sap.
Pero.
Sap.
Pero.
Sap.
Anna.
Sap.
Anna.
Pero.
169
170
Sap.
Yo os lo quiero contar,
Que es una arte por s.
Teneis (Dios os guarde amigo)
Vuestra hija muger,
Buena, limpia como el trigo
Que se coge buen placer.
Mrala un cortesano,
Mrala, quirela, desala :
Pues que har
Pera la haber la mano?
Vase una tal como esta,
Y cuntale tal y tal,
Y ella est tan honesta,
Que gurdeos Dios de mal,
Vase la vieja al molino,
Entra muy disimulada,
Muy honesta cobijada,
Como quien sabe el camino.
Tanto escarva, tanto atiza
Por tal arte y por tal modo,
Hace un cielo ceniza
Hasta ponella de lodo.
Y esta es de la manada ;
Que siendo en misa yo,
Ad pocas veces v,
Entr la seora honrada
Y mi hija enga.
Pero. Se lhe ella fora rogar
Pera mondar hum linhar,
A moa embargra o caminho ;
Mas bom he de encaminhar
171
O gato pera o toucinho.
Sap.
Si no fuera esta malvada,
Marina no errara ans.
Asna. Agora me lembra a mi
Onde Marina morava :
Antre os odreiros alli
Me parece que vos vi
Cos odres dependurado.
Sap. Seuor Juez.
Pero.
Eilo.
Sap.
Buen mandado.
Yo tambien veisme aqui
Con los odres pendurado.
El negro Alonso Lopez
Mal viva si otra vez
Venga a pediros derecho.
No me fuera mas provecho
Dar al diablo el Juez?
Que esta merece, quemada.
Pero. Julgo que se esta dona honrada
Sabe isso to bem fazer,
Se o deixar esquecer,
Seja por isso aoutada.
Assi se cerra a cancella.
Calar, ieram, calar,
E no vir-vos exemplar.
No no sabia seno ella,
E elle vem-no apregoar.
Sap. Pscoa mala d Dios al Juez,
Y mala pscoa ai Portero,
Y negra pscoa ai herrero,
172
FARAS.
Escfc
173
174.
Esc.
FARAS.
Nem se ganha o paraso
Seno com offertas muitas.
Esc.
Emfim, vou eu muito asinha
Empenho hua sella que tinha,
E albardo o meu cavalio,
E foi-me forado aluga-lo
Pera acarretar farinha,
E fiquei desbaratado.
Isto tudo faz fazer
O mao rapaz do Amor.
1'ero. Prosegui vosso lavor,
Fallae no que faz mister.
Esc. Como varreo vassoura,
Que vintem no me ficasse,
Veio-me dizer que a Moura
Pedia que a forrasse.
^ E d'outra nenhua maneira
Fosse cantar gamela,
Ou me fosse rir feira,
Que no tinha nada nella.
E ante d'haver o dinheiro :
Esta Moura ha de morrer,
Tamanho he o bem que vos quer :
Esforae, lindo Escudeiro,
Que nunca podeis perder
Mandava-lhe a pada de po,
As empadas de sardinhas,
Bacios de camarinhas,
A talhada do melo.
E hua manta ^'Alemtejo
Que na minha cama tinha,
175
176
Manta ja usdazinha,
M'a levou com tal despejo
Como s'ella fora minha.
Assi como vo-lo eu rezo
Esta vos he Anna Diz.
Asna. Na forca veja eu o Juiz,
Que he o homem qu'eu mais prezo.
Se taes emboladas fiz :
Lembra-me que faliei eu
A hua filha do Cetem.
Esc. Essa me custa a mi bem
Do alheio e do meu.
Anna. Se vos pagais tanto delia,
Forrarei-la ora ma dia. ^
Esc. No forro minha moradia,
Poderei forrar a ella ?
Senhor Juiz, conhecida
He a bulra. De-me o meu.
Pero. Desde aqui sentenceo eu
A moeda por perdida
Como alma de judeu.
Esc. Assi ha isso de passar?
Juiz, mandae-me pagar.
Pero. S'ella quizer : quereis, Anna Diz?
Anna. Bof no, senhor Juiz.
Pero. No no ha de querer dar.
Anna.
Viva o Juiz minhas flores !
Pero. I-vos embora, Escudeiro,
E nunca peais dinheiro
Glue gastastes per amores.
Esc. Outro caso trago eu.
F ARC AS.
Pzro. Dizei.
Esc.
Digo mais, senhor Juiz,
Este moo, o peccador,
He necio, quer-se ir de mim
Agora que est na fim,
Glue lhe havia d'ir melhor.
Ora pois que se quer ir
Sem pancada, nem arruido,
Muito farto e conhecido,
Dei-lhe agora de vestir,
Torne-me ca o meu vestido.
E mais lanou-me a perder
Ha cama em que jazia
Elle mesmo at meio dia,
Boa e de receber.
Moo.
Cama chamo ea as arcas,
Ou he falla assi mudada ?
Quant'eu na sua pousada
Sempre sei noites de barcas :
E quero calar mais damnos.
Senhor Juiz, ha seis annos
Glue estou co'este Escudeiro,
Ja'gora fora barbeiro,
Se nao forao seus enganos.
Ao tempo que vim par'elle
Estava mais melhorado,
Mas agora, mal peccado,
Mao pezar he feito delle,
E da viola do cavallo,
E da cama e do vestido,
E do meu tempo servido
177
180
FARAS .
1 81
182
FARAS.
No vedes meu afanar,
E (-'lle folgar, n mais?
Pero. Pardeos, bem vos amanhais.
E no he melhor folgar
Que trabalhar por demais ?
Preg. Dizeis muito bem, Juiz ;
Vs sois meu procurador.
Eis ca vem sempre Amador,
E veremos o que diz.
Amad. Quem enfermo for d'amor,
Como eu contino sam,
Faa autos de christo,
Confesse-se, tome o Senhor,
Pois tem a morte na mo.
E pera to prestes partir,
Ande to triste como ando,
Desejando
A pena que est por vir.
luem quizer vida serena
Nunca queira o que eu queria,
Porque das horas do dia
A que me d mais pena
Me traz maior alegria.
E o triste meu cuidado,
Quanto mais desventurado,
Mais ledo, porque se cura
Com tristura
O mal que he desesperado.
Creio que quando nasci
Estava o sol eclipsado,
E o ar todo carregado
183
184
I5.au..
Preg.
Ama.
Peho.
Ama.
Pero.
FARAS.
185
186
FAJKJA3.
187
188
FARAS.
Vamos ver as Cintrans,
Senhores, nossa terra,
Que o melhor est na serra.
As serranas Coimbrans
as da Serra da Estrella,
Por mais que ninguem se vela,
Valem mais qne as cidadans :
So pastoras to louans,
Que a todos fazem guerra
Bem desde o cume da serra.
189
FARA WS CIGAMS.
FIGURAS.
MARTINA,
CASSANDRA,
LUCRECIA, GIRALDA,
FARCAS.
191
Cassandra.
192
Oh seurez caballeroz,
Mi rocin tuerto os alabo,
Porque es calzado nel rabo,
Zambro de los piez trazeroz ;
Tieue el peeho muy hidalgo,
Y cocea al eabalgar.
AuRICIO.
PARCAS.
193
Y os daban en axuar
Una manta y un paramiento
Hilando.
(Cantando e bailando ao som desta cantiga se
forao s Damas, e diz)
Martina.
^ Mantenga sefuraz y rozas y ricaz.
e Grecia sumuz hidalgas por Duz.
Nuestra ventura que fue cuntra nuz,
Vox tierras: estraaz nuz tienen perdidaz.
Dadnos esmula, esmeraldaz polidaz.
<iue Diu vuz defienda dl amor de engao,
due muztra una raueztra y vende otro pao,
Y pone en peligro laz ulmaz y vidaz.
Lucrecia..
Seuraz, queieiz aprender hechizo,
due sepais hacer para tnuchaz cozaz ?
Giralda.
Escuchad aquello, seuras hermozaz,
Por la vida mia qu'ez vuestro servizo.
LlUCRKCIA.
"
194
F ARAS.
Olvide loa mn ftnmiri4.
195
196
FAHA8.
Porque erez desgradecida.
T cazars en Alvito,
Seura, marido rico,
Muchos hijos, muchos bienes,
Mucho luenga vida tienez,
Buen sino. bueno bendito.
Martina.
Mis ojos de azor mudado,
Mustrame la mano, hermana :
O mi seura Sant'Anna,
Qu sino, que suerte, que hado !
Qu ventura tan dichuza,
T seura graciuza.
Ternaz tierras y ganados,
Cuatro hijos mucho honrados,
Mucho oro y mucha coza.
Cassandra.
O mi ave fnix linda,
Mi sibila, mi seura,
Dame ac la mano ahura.
Hermozura de Esmerinda
Tu tienez muchos cuidados,
Y algunos desviados
De tu provecho, alma mia.
Tienez alta fantasia,
Y los mundos son mudados.
Un travesero que tienez,
De dentro dl hallarz
Un espejo en que verz
Muy claro todos tus bienez.
197
198
Luchecia.
Dad ac, garza real,
Gridonia natural,
Dir la buena ventura.
Viva tu gran hermozura,
Que esta mano ez divinal.
Unaz personaz te ayudan
A una coza que quierez ;
Estas son dambas mugerez,
Y otraz doz te desayudan.
Date un poquito vagar,
Glue aun est por comenzar
Lo bueno de tu ventura.
Confia en tu hermuzura,
Que ella te ha de descanzar.
Giralda.
Dad ac, Mayo florido,
Eza mano melibea.
Por bien, seura, te sea
Buen marido, buen marido.
Na Landera cazarz,
Nunca te arrepentirz,
Y irz morar Pombal,
Y dentro en tu naranjal
Un gran tesoro hallarz.
El que ha de ser tu marido
Anda ahora trasquilado,
Mucho honrado, mucho honrado,
En muy bien sifio nacido.
Naciste en buena ventura.
FARCAS,
199
Martina.
Huerta de la hermozura,
Cirne de la mar salada,
Dioz te tenga bien guardada
Y muy segura.
Cassandra.
Sefuraz, con benedicion
Os quedad, puez no dais nada.
Lucrecia.
No vi gente tan honrada
Dar tan poco galardon.
Tornrao-se a ordenar cm ma dama, ecom
eUa se forSo.
PAGEm.
CAPELLO.
OURIVES.
Cap.
FAnAS.
201
Grosa.
Yo me estaba en Coimbra,
Oidivlc bem aaenntna
202
Cap.
FlTl.
Cap.
Eu fora ja do Iffante,
E pudera ser que d'lRei.
A bofe, padre, no sei.
Si, senhor, qu'eu sou d'estante,
Aindaque ca m'empreguei.
Ora pois veja, senhor,
Que he o que nt^ha de dar,
Porque alem do altar
Servia de comprador.
No vo-lo hei de negar :
Fazei-me hua petio
De tudo quanto requereis.
Senhor, no me prolongueis,
Glu'isso no traz concruso,
Nem vejo que a quereis.
Porque me fiz polo vosso
Clericus ti ncgociatores.
Assi vos dei eu favores,
E disso pouco qu'eu posso
Vos fiz mais que outros senhores :
Ora hum clerigo que mais quer
De renda nem d'outro bem,
Que dar-lhe homem de comer,
Que he cada dia hum vintem,
E mais muito a seu prazer?
Ora a honra que se monta
He capello de fuo !
E do vestir no fazeis conta?
Fid.
Cap.
Fid.
Cap.
Fid.
Cap.
FAKAS.
Fid.
Cap.
Fm.
Cap.
203
>
204
FARAS.
Fid.
Cap.
Fid.
Cap.
Fid.
Cap.
Fid.
Cap.
205
20G
Fid.
Cap.
Fid.
Avante.
Sursum corda.
Tendes essa voz to gorda,
Que pareceis alifante
Depois de farto d'aorda.
Cap.
Peor voz tem Simo Vaz,
Thesoureiro e capello
E peor o Adaio,
Oue canta como alcatraz,
E outros que por hi esto.
Quereis que acabe a cantiga,
E vereis onde vou ter.
Fid. Padre, eu hei de ter fadiga,
Mas d'ElRei haveis de ser :
Escusada he mais briga.
Cap.
Sabeis em que est a contenda?
Direis : He meu capello :
E ElRei sabe a vossa renda,
E rir-se-ha se vem mo,
E remetter-m'ha Fazenda.
Fid. Se vs freis entoado.
Cap. Que bem posso eu cantar
Onde do sempre pescado,
E de dous annos salgado,
O peor que ha no mar?
( Vem hum Pagem do Fidalgo, e diz :)
Pag.
Senhor, o orives s'he alli.
Fid. Entre- Querer dinheiro.
Venhais embora cavalleiro :
Cobri a cabea, cobri.
Tendes grande amigo em mi,
FARAS.
207
208
Our.
Fid.
Our.
Fid.
Our.
Fid.
Our.
Fid.
Our.
Fid.
Our.
Fid.
Our.
Fid.
FARA9.
Se parecem Damas l :
Este dia no se va
Em pagars, no pagarei.
E vs tornae outro dia ca.
Se no achardes a mi,
Fallae c'o meu Camareiro,
Porque elle tem o dinheiro,
Que cada anno vem aqui
Da renda do meu celeiro ;
E delle recebereis
O mais certo pagamento.
Our. E pagais-me ahi c'o vento,
Ou com as outras mercs?
Fid. Tomae-lhe vs l o tento.
(Indo-se o CapeUo, vai dizendo :)
Cap.
Estes ho d'ir ao paraso?
No creio eu logo nelle.
Eu lhes mudarei a pelle :
Daqui avante siso, siso,
Juro a Deos que m'abroquele.
(Vem o Pagem com recado e diz :)
Pag.
Senhor, in-Rei s'he no Pao.
Fid. Em que casa?
Pag.
Isto abasta.
Fid. O recado qu'elle d !
Ratinho es de ma casta.
Pag. Abonda, bem sei eu o qu'eu fao.
Fid. Abonda ! olhae o villo.
Damas parecem per hi ?
Pag. Si, senhor, damas vi,
Andavo pelo balco.
209
210
Fid.
Pag.
Fid.
Pag.
Fid.
Pag.
Fid.
Pag.
Fid.
Pag.
Cap.
E quem ero?
Damas mesmas.
Como as chamo ?
No as chamava ninguem.
Ratinhos so abantesmas,
E quem por pagens os tem.
Eu hei de fazer por haver
Hum pagem de toa casta.
Ainda eu hei de crescer :
Castio sam eu que basta,
Se me Deos deixa viver.
Pois o mais o deprenderei,
Como outros como eu per hi.
Pois faze-o tu assi,
Porque has de ser d'ElRei,
Moo da Camara ainda.
Boa foi logo ca a vinda.
Assi que at os pastores
Ho de ser d^lRei samica !
Por isso esta terra he rica
De po, porque os lavradores
Fazem os filhos paes.
Cedo no ha de haver vHlos :
Todos d'ElRei, todos d'ElRei.
E tu zombas?
No, mas antes sei
Glue tambem alguns christos
Ho de deixar a costura.
(Torna o Capelluo)
Vossa Merc por ventura
Fallou ja a El Rei em mi ?
FARAS.
Fid.
Cap.
211
212
FAKAS.
213
214
FARAS.
Vasco
215
2ift
FARAS.
217
218
FARCAS.
E os fidalgos de casta
Servem os reis e altos senhores,
De tudo sem presumpo,
To chos, que pouco lhes basta.
E os 'filhos dos lavradores
Pera todos lavro po.
Pag.
Quero ir dizer de vs.
Pebo. Ora ide dizer de mi:;
Que se grave he Deos dos ceos,
Mais graves deoses ha aqui.
(Ao Fidalgo.)
Pag. Senhor, alli vem o fato,
E est porta o almocreve :
Vde quem lhe ha de pagar
Isso tal que se lhe deve.
Fip.
Isto he com que m,eu mato.
Quem te manda procurar?
Attenta tu polo meu,
E arrecada-o muito bem,
E no cures de ninguem.
Pag. Elle he d'apar de Viseu,
E homem que me pertem;
Pois a porta lhe abri eu.
(Entra dentro o almocreve e diz :)
Pero.
Senhor, trouxe a frasearia
Do vossa merc aqui.
Hi esto os mus albardados.
Fid. Essa he a mais nova arabia
D'almocreve que eu vi :
Dou-te vinte mil cruzados.
Pero. Mas pague-me vossa merc
219
F ARAS.
221
222
FARAS.
223
224
O CLERIGO DA BEIRA.
FIGURAS.
HUM CLERIGO. FRANCISCO, Seu Filho. GON
ALO, trilio.
ALMEIDA, DUARTE, MoOS
do Pao.
HIIU NEGRO.
HUM A VELHA.
CEZILIA FEDREANES.
Segue-se outra fara de folgar, que trata
como hum Clcrigo da Seira, vespora do Na
tal, determinou d,ir aos coelhos ; e indo pera
a caa com hum filho seu] rzo as matinas.
Trata-se outro si de hum villo, que indo ven
der Cortc huma lebre e huns capes, c hum
cabaz com fruita, foi roubado, que at o cha
peiro lhe furtro : o qual furto foi descuberto por Cezilia demoninhada, em que dizio
que faltava hum Pedrcanes. Foi representada
ao muito poderoso e christianissimo Rei D.
Joo, o terceiro do nome em Portugal, em
Almeirim, era do Senhor de 1526.
(Entra o Clerigo com seu filho Francisco,
e diz o filho :)
Fran.
t os haveis de celebrar
Missa de festa em pessoa,
E no fazeis a coroa
226
Cjler.
Fran.
Cler.
Fran.
Cler.
Fran.
Cler.
Fran.
Cler.
Fran.
Cler.
9ARCAS.
227
t-S
PARCAS.
j
229
230
F ARAS.
Fran.
Cler.
Fran.
Cler.
Fran.
Cler.
Fran.
Cler.
Fran.
Cler.
Fran.
Cler.
Fran.
Cler.
Fran.
Cler.
, 231
232
F ARAS.
233
'.34'
Alm.
A tormenta da ma vida
Que eu levo neste Pao,
Sabes que conta lhe fao ?
GUie vou n'hua nao perdida,
Rota pelo espinhao.
Dear. Bom dizer he esse, porm
Dae a Deos tal apontar.
Alm. Isso no ser zombar?
Ja me disse no sei quem
Bem do vosso motejar.
Dcar.
Abasta : folguei de ver
Sair-vos Tullio do seio :
Muitos criar o centeio,
Mas poncos de tal saber.
FAUAS.
A lm. Logo vos foro duer
Qu'era eu ratinho, senhor.
Du ar. No sei, vs tomastes cor,
Eu no sei que isso quer ser.
E vejo-vos, mano, morto,
E tendes ar de mirrado.
Alm. Vs estais mais aguado
Que canivete do Porto.
Viva o Conde do Redondo,
GUie lhe furtais quanto tendes ;
Mas da sua graa mendes
Vos acho eu todo mondo.
Duar.
Logo fallais per mondar,
Como homem daquella terra :
Ja vs vereis na serra
Algum gadozinho andar,
No digo eu pera o guardar,
Seno ve-lo-heis pacer,
E pera vosso prazer
Sabereis assobiar.
Alm. ' Per muitas formas zombais,
Formas bem as conheceis ;
Olhae no vos demudeis
Primeiro que m'entendais.
Duar. Assi como bafejais,
Inda me cheirais a nabos.
Alm. Bem parece que a dous cabos
Cozeis tudo o que fallais.
Duar.
Eu vejo vir hum villo,
Hei-o certo de abraaT,
Porque se pde acertar
235
236
Gon.
Alm.
Diiar.
Gon.
Du ar.
Gon.
FABAS.
237
238
FAHAS,
239
2W
FARAS.
24i
242
Goh.
Neo.
Sa pantaro Furunando.
Dize, rogo-te, fallai :
Conhece tu que furtai ?
Porque tu nam bruguntando?
Perguntarei por meu pae.
Cal-te : Deoso cima sai,
Que furtai ere oiai.
Deoso nunca vai dormi,
Sempre abre oio assi
Tamanha tu sapantai.
Guarda mar esso mal,
E senhora Prito santo.
Nunca rir homem branco
Furunando furta real.
No sabe mi essa careira :
Para que ? para eom ?
Muto come muto bebe,
Turo turo sa canseira.
Vira mundo turo canseira :
Senhor grande, canseira;
Home prove, canseira ;
Muiere fermoso, canseira ;
Muiere feio, canseira :,
Negro cativo, canseira;
Senhoro de negro, canseira.
Vai missa, canseira ;
Pregao longo, canseira ;
Crerigo nam tem muiere, canseira ;
Crerigo tem muiere, canseira,
Grande canseira :
Firalgo solto , canseira ;
^1
FARAS.
244
TARAS.
243
246
FASCAS.
2 47
248
F ARCAS.
249
230
251
E dar-ll^hemos, d'alma em fora,
Tudo quanto elle quizer,
Que o leve muito embora.
Velha Pedreanes a hum grou
Achar o rasto no ar,
Pois que m'elle foi achar
Que velha assi como estou,
Hei ainda de casar.
Creio-o-ttVo polo que vejo,
Porque eu sou muito sadia,
E tenho a pelle macia
Como costas de cranguejo
Ou lagosta d'Atouguia.
E tenho minhas arnellas :
. Ponde m'ora aqui a mo,
Mancebo. E haja eu perdo,
Ainda cu como co'ellas
Hua posta de cao.
O bafo, a Deos louvores,
He coma algalia d' Arruda.
Ora eu farei 'outras cores,
Porque hei d'entrar em muda,
Como fazem os aores,
Ento venho meus amores.
Duar.
Pedreanes.
Cezil.
Aqui estou.
Duar. Estae por amor de mi,
E no vos vades daqui ;
Porque minha f vos dou
Que somos vossos emfim.
Cezil. Se quereis levar na mo
252
FARAS.
253
254
FARAS.
.Vszil.
2S5
256
FARAS.
257
FARC4
CHAMADA
AUTO DA LUSITNIA.
FIGURAS.
Introduco.
LEDIA.
ZO.
ME E PAE DE LEDIA .
SAUUNHO.
CORTE-
JACOB.
Fara.
licenceado (no argumento). lisirea.
v LU9ITAHIA.
NUS.
PORTUGAL.
VERECINTA.
D1NATO.
BERZEBU.
MAIO.
FEBRUA.
VE
JUNO.
TODO O MUNDO.
NINGUEM.
M.
FAKAS.
Cort.
LED.
Cort.
Led.
Cort.
Led.
Cort.
Lsd.
Cort.
I..KU.
259
260
FARAS.
Nem que compre nem que venda.
O doce frol antre espinhas,
Crede o amor sem mudana
Que vos tenho e que vos digo.
Led. Assi huas primas minhas
E toda esta vizinhana
Todos tem amor comigo :
Dom Isagaha Barabanel
E Rabi Abram Zacuto,
O Donegal coronel.
E Dona Luna de Cosiel,
E todos me querem muito.
Cort.
Senhora, por piadade
Que entendais minha rezo ;
Entendei minha verdade,
Entendei minha vontade,
E mudareis a teno :
Entendei bem minha dor,
E mil maleitas quartans,
Que por vs me ho de matar.
Led. Assi he meu pae, senhor,
Que tem dores d'almorrans,
Que he coisa d'apiadar.
Foi o anno to chacoso
De doenas da ma ora,
Que creio bem o mal vosso;
Porque Dom Moss Lendroso
No morreo seno agora.
Me. No sei que chanto ha de ser
De hiia filha que criei ;
Que coisa que lhe mandei,
Cort.
261
262
Cort.
Lkd.
Ms.
Lied.
Me.
Cort.
Lrd.
Cort.
Lkd.
Me.
Lrd.
F ARCAS,
Cort.
Me.
Lr.i.
Cort.
Lrd.
Me.
Led.
Me.
!ikd.
Cort.
363
>4.
Ijed.
Cort.
Led.
Cort.
Led.
Me.
Led.
Me.
Led.
Me.
Led.
F ARCAS.
265
266
Me.
Pae.
Lso.
Me.
fjD.
Pae.
Iieo.
FARAS.
Que pareceis assi mal.
Assi o quero fazer.
Que me foste aqui trager?
No he este o meu didal ;
Este he o didal do menino,
Que me tu aqui trazias.
Erga-se.
Me.
He tamanino,
Ja quereis que faa pino
Hum anginho de oito dias ?
Ei-lo vem a criancinha ;
Ergueo-se e os negros medos.
Filho amor, queres do po?
(Entra Saulinho, e diz:)
Saul. D-me o pentem, Ledecina.
Pae. Desenguia-te c^ dedos,
--*
E pentea-te co'a mo.
Me. Lediea, vai janella,
Traze-me a roca e banca,
E o fuso que est co'ella.
Led. Pardeos, me, i vs por ella,
Glue no sois cega nem manca.
Pae. Assentae-vos a fiar,
Saulinho e eu a cozer,
Ledia, guizo o jantar
Como acabar de varrer
E a loia de lavar.
(Canto Pae e Filho cosendo.).
Ai Valena, guai Valena,
De fogo sejas queimada,
Primeiro foste de Moiros
Pae.
267
268
FAttAS.
Em guerra de cutiladas,
E de espadas desnudadas,
Lanadas e encontradas,
E coisas de peleijar,
No nas quero ver cantar,
Nem nas posso ouvir cantadas.
Mk.
Dom Juda, assi tenhais bem,
Que se vira guai espada
Tirada na mo d'alguem,
Desnudada pera dar,
Guaias de Hecer Beacar
E da saude que tem,
Porque logo so finada
Com a affronta que me vem.
Pae.
No ja eu, que de atrevido,
Se estiver n'hua janella,
E a porta toda trancada,
E na praa o arruido,
E eu co'a lana e rodela,
No tenho medo de nada.
E se o nosso Iffante passa,
E elle hoiver de passar
O Lio do oiro bello,
Duque das partes d' alem,
No hei de ficar em casa,
Nem nenhum homem de bem.
Levarei huma gualteira
E hua lana longa, longa,
Bem longa, muito comprida,
Q.ue haja seis lanas nella,
E buscar onde me esconda,
265
270
rABfjAs.
Pab.
271
Glu'inveno faremos ns
N'hum aito bem acorda Jo,
Que tenha ave e pis ?
Que folias ja so frias,
E as pellas, as mais delias,
E os toiros
Mataro hum mata-moiros ;
E a ussa ja no se usa,
E a festa no s'escusa,
Pois andamos nos peloiros.
Para que cumpridamente
Aito novo inventemos,
Vejamos hum excellente
Que presenta Gil Vicente,
E per hi nos regeremos.
Elle o faz em louvor
Do Principe nosso senhor.
Porque no pdde em Alvito,
Logo vir o relator,
Veremos com que primor
Arsrumenta bem seu dito.
372
FARAS.
E(elle namorou-se delia !
Porm ella
Era diabo encantado.
Levou-o a huns arvoredos;
Vai a dama assi a furto
E alevanta os cotovellos,
E levou-o polos cabellos,
E fez-lhe o pescoo curto.
E metteo-o logo essora,
Sem lhe valerem seus gritos,
Aonde a Sibyla mora,
Encantada encantadora,
Ante os malinos espritos.
E alli foi ensinado
Sete annos e mais hum dia,
E da Sibyla informado
Dos segredos que sabia
Do antigo tempo passado.
Em especial
O antigo Portugal,
Lusitania que cousa era,
E o seu original :
E por cousa mui severa
Vo-lo quer representar.
E pera claro cimento
E a obra no ser escura,
Direi em prosa o argumento ;
Porque a cousa que he segura,
Procede do fundamento.
E como sempre isto guardasse
Este mui leal autor,
273
2~ 'i
VARA8.
27J
Lisiit.
276
FARAS.
277
Elles te castigaro.
LUSit.Me, a muita reprenso
Busca mui poucos amigos ;
E esta he a coucruso.
Eis ca vem hum caador ;
Generoso representa,
E traz ar de gran senhor.
LisiB. Perto tinhas tu o amor,
Que asinha te elle contenta.
No me tens em nemigalha;
Cambra venha que t'encambre ;
Canta se tu es alambre,
De longe tomas a palha.
Ijiisit.
Os ciumes que em vs se monto
Ja no ho de ser pequenos,
i
E quem porcos acha menos
Em cada mouta lhe ronco.
Sabeis, me, em que me fundo?
Eu sam a filha do Sol,
E se o mundo teve flor,
Eu sam as flores do mundo,
E da presunco maior.
Que som to fantesiosa
E to cheia de grandeza,
Que no prezo ser fermosa,
Nem prezo a quem me preza,
E prezo-me de generosa.
(Chega Portugal e diz :)
Primeiro que va Serra
Solercia, que vou buscar,
Senhora, hei de perguntar
278
FAHAS.
379
280
CVa minha.
O preciosa Diesa honesta
Ramnusia, Deos da ventura
E da bonana.
Converte meu choro em festa,
E minha triste tristura
Em esperana.
E tu Diesa Magesta,
Das viuvas solitarias
Protectora,
A minha pressa te apressa,
Pois sempre te paguei pareas
Atgora.
Diesa Maya, Diesa Juno,
Diesa Palias, Diesa Vesta,
Oh Senhora,
E tu Senhor Deos Neptuno,
E Veuus, que a todos presta,
Valei-m'ora.
E acabae c'o Sol meu pae,
Que me mande hum messageiro,
Que me veja,
E saiba como me vai ;
E pois he pae verdadeiro,
Me proveja.
(Enira Maio, messageiro do Sol, cantando.)
Maio.
Este he Maio, o Maio he este,
Este he o Maio e florecc,
Este he Maio das rosas,
Este he Maio das formosas,
Este he Maio e florece,
FARAS.
Este he Maio das flores,
Este he Maio dos amores,
Este he Maio e florece.
Mui muito m'espanto eu
De mundo to albardeiro,
GUie por eu ser prazenteiro,
Me tem todos por sandeu,
E, por sisudo, Janeiro.
Pois hei de tomar prazer,
E no hei de ser com'este ',
Que o prazer crece o viver :
E quem isto no fizer
No ter vida que preste.
Este he Maio, o Maio he este,
Este he Maio e florece.
Hei de cantar e folgar,
E bailar c'os coraes ;
E por me desenfadar,
Farei os asnos zurrar,
E cantar os rousinoes.
E farei calar as rans
De noite, e cantar os grilos,
E as patas pelas manhans ;
E alimpar as maans,
E florecer os pampillos.
No me hajais por estrangeiro,
Lusitania, descanae,
Glu'eu sam Maio e messageiro
E principal cavalleiro
Da corte de vosso pae.
E manda-vos visitas.,
281
2SJ
ARAS.
283
-2M
Din.
Berz.
Din.
Berz.
Din.
Berz.
Din.
FARAS.
Aborrecer.lhe o sermo,
E ando traz feiticeiros
De todo seu corao.
Berz.
Bentos aquelles e aquellas
Que so tres ave-marias
Os enfado nas capellas,
E folgo de ouvir novellas
Que durem noites e dias.
Diit. Adiante va a mulher
Que no cr seno patranhas,
E reza sempre s aranhas,
E no cr o que ha de crer
E adora as tartaranhas.
Berz.
No se poder cuidar
Mal, que a gente no adore
Louvemos seu descuidar,
Que o mundo quer-se finar,
E no ha hi quem no chore.
Din. No somente quem o crea :
Nem sentem as creaturas
Que ha de morrer sem candea
E espirar s escuras,
Como triste em terra alhea.
Berz.
Os infernos so pasmados
Dos soffrimentos de Deos,
Que lhes creou sete ceos,
Todos sete a elles dotados.
Dm. E elles desacordados
De tanta bem feitoria,
Vo-lhe peccar cada dia
Em todos sete peccados.
285
286
Alleluia, alleluia.
Vamo-nos aos bons bispos.
Berz. Acharemos porcos piscos.
Dix. Oremus.
Berz. Rogo-te, irmo, que acabemos.
Porque nunca acabaremos.
Dm. Acabemos.
Berz. Por darmos alguma conta
Ao Deos rei Lucifer,
Pe-te tu a escrever
Tudo quanto aqui se monta,
E quanto virmos fazer ;
Porque a fim do mundo he perto,
E pera o que nos ho de dar,
Cumpre-nos ter que allegar ;
Pois pera provar o certo,
Escreve quanto passar.
("ftmira Todo o Mundo, homem como rico mer
cador, e faz que anda buscando algua cousa
que se lhe perdeo : e logo apos elle hum ho
mem, vestido comopobre, este se chama Nin
guem, c diz :)
Ning.
Glue andas tu hi buscando?
Todo. Mil cousas ando a buscar:
Delias no posso achar,
Porm ando porfiando,
Por quo bom he porfiar.
Ning. Como has nome, eavalleiro?
Todo. Eu hei nome Todo o Mundo,
E meu tempo todo inteiro
Sempre he buscar dinheiro,
FARAS.
E sempre nisto me fundo.
Ning.
Eu hei nome Mnguem,
E busco a consciencia.
Berz . Esta he boa experiencia :
Dinato, escreve isto bem.
DiN. Que escreverei, companheiro?
Berz. Que Ninguem linsca consciencia,
E Todo o Mundo dinheiro.
Ning.
E agora que buscas l?
Todo. Busco honra muito grande.
Ning. E eu virtude, que Deos mande
Glue tope coVlla ja.
Berz. Outra addio nos acude:
Screve logo hi a fundo,
&ue busca honra Todo o Mundo,
E Ninguem busca virtude.
Ning.
Buscas outro mor bem qu'esse ?
Todo. Busco mais quem me louvasse
Tudo quanto eu.fuesse.
Nisg. E eu quem me reprendesse
Em cada cousa que errasse.
Berz. Escreve mais.
i"v.
Glue tens sabido?
Berz. Gue quer cm extremo grado
Todo o Mundo ser louvado,
E Ninguem ser reprendido.
Ning.
Buscas mais, amigo meu?
Todo. Busco a vida e quem m'a de.
Ning. A vida no sei que he,
A morte conheo eu.
Berz. Escreve la outra sorte.
J(87
288
FARCAS .
Venus
289
90
Ver.
Ferr.
Juno.
Merc.
FARAS.
291
292
FARAS.
293
29*
.
,
295
Porque quieres bodas frias,
Y vivir todos tus dias
Con hombre desnamorado ?
Que este nobre Portugal
Es fundado sobre amor,
Y es marido natural.
Estotro es un bestial,
Una siba sin sabor,
Un caldo de briguigones ;
Y Portugal, si creer me quieres,
Es baron de los barones,
Servidor de las mugeres
Mas que todas las naciones.
Juno.
Lusitania, vuelta, vuelta,
Bien te dice Verecinta ;
Hazlo ans como lo pinta,
Pues Dios quizo que ests suelta ;
Nesotro no gastes tinta ;
Porque ser cosa escura
Lo que se sigue de aqui,
Darte la buena ventura
Tanta gracia e hermosura
Sin quedar casta de ti.
Merc. Isso vde vs e ellas,
Tudo seja a seu servio,
Porque se eu fora castio,
Ja hi houvera mais estrellas.
Se Portugal desejais,
Sendo vs, eu o tomaria.
Lusit. Pois tinha eu em fantesia
Que vos doesse isso mais,
296
296
FAKAS.
299
300
F ARAS.
Cler.
301
302
Se no varrer o caminho.
No torno eu l este mez.
Dou eu ja 6 emo a cigarra
Q.ue assim he espinhada.
Cler. Y la carta desdichada ?
Moo. Rompeo-a de barra a barra :
Ei-la aqui esmigalhada.
Cler. Cbreseme el corazon,
Y la sangre se me hela ;
Y pues no hay quien se duela
De mi triste perdicion,
Moo venga la candela.
Moo. Pera a missa?
Cler.
No: cuitado !
Nel infierno dire misa.
Moco.
Pezar de Branca Denisa !
3
Cler. Ay, ay, ay desamparado !
Trae la candela prisa.
(Entra Brasia Dias e diz :)
Uras. Que he isto, compadre amigo?
Cler. Es la muerte por mas cierto.
Bras. Dormireis descuberto,
E arrefeceo o embigo.
'Moo. Olhae aquelle concrto !
Bras.
No he seno frialdade ;
Fonde-lhe bua telha quente.
Cler. Ay ! que es mortal accidente.
Bras. Hui, compadre, esforade :
Nunca outrem foi doente?
Tomae ora hum suadouro
De bosta de porco velho,
FARCAS.
303
304
FARAS.'
305
306
FARAS.
Y dile que no le pido
Sino que oya mis males,
Y mis quejas criminales
Quiera inclinar su oido,
Por que se vuelvan veniales.
Moo. Mande Deos s'eu l entrar
Que no me corte as orelhas.
E se hi estiverem as velhas?
Cler. No deben ahora ah estar.
Moo. Con gran temor vou, pardelhas.
Bras.
Aqui vem Mestre Fernando.
(Entra Mestre Fernando, e diz:)
M. F. Oul, que he isto? que he isto?
Bras. Venhades com Jesu Christo,
Mestre Fernando amigo :
Quem vos chamou pera isto?
M. F. Porque ! sou de palha eu ?
Bras. Vs sodes surlugio.
M. F. No est ferido ?
Bras.
No.
M. F. Pois que foi ?
Bras.
Mal que lhe deu.
M. F. Eu tambem Fisico sam :
Tanto sei ca como l.
Oul, que he isto? dormis?
Cler. Ay !
M. F.
De que vos sentis?
Mostrae esse brao ca.
Isto procede dos rins,
Ou pulso cordiz sera.
Mijastes no ourinol,
307
308
FARAS.
M. F. Huns poucos de gros torrados.
No sejo muito salgados.
E manhan eu virei ca,
Ainda que ps os dados.
(Vem o Moo:)
Moo.
Diz que boa prol vos faa
Aquessa vossa doena,
E se fra pestilena,
Tivera muito mais graa.
E vdes aqui a sentena.
E depois que sahi fora,
Escutei, e ella dizia
Entre si : Oh que porfia !
Moura, moura na ma ora,
Leixar-m'ha sequer hum dia.
Elle 6 domenus obisco
Sempre c'os olhos em mi,
A offerta, e elle alli !
Parece melro mourisco :
O Demo o elle trouxe aqui.
Daqui podeis vs tomar
O melhor que vos vier.
Cler. De donde el mal tien poder.
(Aue bien se puede ganar
Sino ser cierto el perder?
V, llmame mis amigos,
Con que solia cantar,
Glue cantem quando espirar,
Y tambien sean testigos
Cuan fuerte cosa es amar.
Veran como el alma se va,
30f
310
Buas.
M. A.
Cler.
M. A.
Os tom?
Cler.
Por la maana.
M. A. Mi amor me recordara,
Desde entonces hasta ahora
No hubiera quien me llamara.
Mustrame el pulso ac,
Y veremos que tien lebre.
Aguda teneis la fiebre,
Muy recia y intrinsa est ;
Pero yo le har que quiebre.
Sals bien?
Cler.
Salgo de seso.
M. A. Esta fiebre es sincopal,
Y la enfermedad tal.
FARAS.
311
312
FARAS.
Moo.
Cler.
Moo.
Cler.
Br as.
Torr.
Cler.
Torr.
Cler.
313
314
OBRAS DE 6U VICENTE.
PARCAS.
loco.
!*orr.
loco.
Forr.
ras.
orr.
3i
316
FARAS.
Que amo una doncella
Tan graciosa y tan bella,
Que su gracia me desculpa,
Aunque me muero por ella,
Y, padre, confieso mas,
Que otra cosa no adoro.
Ay de m, que me muero,
Y t, seora quedars
Satisfecha con mi lloro.
Digo mas mi culpa vos,
Glue me pesa ser nacido,
Y con todo mi sentido
Estoy tan fuera de Dios,
Como en este amor metido.
Digo mi culpa, seor,
Que aunque me veo partir,
No me puedo arrepentir,
Porque es tan dulce el dolor,
Que no me amarga el morir.
Padre, no soy quien solia,
Ya os confieso mi pena;
No tengo contricion buena,
Ni tengo el nima mia,
Glue este mal la hizo agena.
Qu har?
Pad.
Qu habeis de hacer ?
La parte hzoos engao?
Cler. No, padre, mas desengao,
Que no quier oir ni ver
La desculpa de mi dao.
Pad.
Ha mucho que os enamor?
317
818
Pad.
Santa Mara!
Eso es penar un da.
Oh ! triste mesquino yo,
Cuan luenga pena es la mia !
Decid vuestra culpa Dios,
Que muy ana os matais.
Ante omnia os congojais :
Decd que no estais en vos,
Pues tan sin tiempo os quejais.
Dos aos, y aun diez y medio,
Dos dias son en amores,
Para merecer favores.
Y l que pide remedio
Es muy flaco en sus dolores.
No leistes de Jaco
Cuanto servio por Raquel ?
Aquel fue amante fiel,
Que juro Dios que afuera yo
Ninguno lleg aquel.
Ah cuerpo de Dios ahora 1
Ans se hizo Roma luego ?
Ha quince aos que ardo en fuego
Sin ella decir un hora
Ni, viste all fray Diego.
Vos pensareis que amores
Son como bolifolos entiendo,
Sino ferviendo y comiendo ?
Pues no se cogen las flores
Sino espina sufriendo.
No mereces penitencia
FARAS.
319
320
FARAS.
321
DE
GIL VIGENTE.
LIVRO V.
DAS BUAS VARIAS.
Paraphrase do Psalmo Ii.
Misercrc mei, Deus, secundwm magnam Sfc.
324
OBRAS VARIAS.
Amercea-te de mi,
Deos, segundo a grandeza
Da misericordia e largueza
Que tu es e ella he ti.
E segundo a multitude
De teus amerceamentos,
Destrue minta maldade
Secuta gran piedade
Em meus desfalecimentos.
Miserere mei, Senhor
Deus, cui proprium est ;
Miserere, Redemptor,
O justo amerceador
Desta alma que tu me deste;
Miserere, que tu es,
Todo o al por ti tem ser ;
Miserere, pois que ves
Que sam lanado a travs,
E no me posso valer.
Daqui avante lava a mi
Ab iniquitate mos,
E do mal que consenti
De peccados contra mi,
Lava o que tanto me afea.
Porque certo eu conheo
A minha grave .maldade;,
Bem conheo que pereo,
Ave d, Senhor, te peo
De to grande enfermidade.
Meu peccado he contra mim
Sempre que nunca me leixa.
10
32S
326
ORRAS VARIAS.
327
328
OBRAS VARIAS.
329
330
obras varias.
331
Sermo
Feito christiansima Rainha D. Leonor, e
pregado em Abrantes ao muito nobre liei D.
Manuel, primeiro donome, na noite do nacimenio do IUustrissimo Tffante D. Z/uis. Era
do Senhor de 1506. JE porque alguns foro
em contrrio parecer que se no pregasse ser
mo dJ homem leigo , comecou primeiro dizen
do, antes de entrar no sermo :
Antes de aqueste muy breve sermon,
Placiendo la sacra sciencia divina,
Muy receloso de gente malina,
A mis detractores demando perdon.
Los quales diran con justa razon :
Psose el perro en bragas de acero :
Daran mil razones, diciendo que es yerro
Pasar los limites de mi jurdicion'.
A aquestos respondo, que me den licencia
Aquesta vez sola ser loco por hoy,
Y toda sil vida licencia les doy
tlue pueden ser necios con reverencia.
Y mas le suplico hayan paciencia,
Que esta locura lio pasa de aqui ;
Y yo ge la doy que aqui y all
Lo sean por siempre, que es mas preminencia.
Yo que lo sea esta noche y no mas,
Y quiero qne ellos las noches y dias.
Escuchad, seores, las palabras mias
Si este partido est es compas.
Per signum crucis, oh calla, no mas,
332
OBRAS VARIAS.
333
3*4
OEIiAS VARIAS.
333
335
OBRAS VARIAS.
337
338
Ya no conoce su redentor,
Ya no conoce sus santos consejos,
Ya no conoce ni mozos ni viejos,
Ya no conoce que cosa es mejor.
Ya no conoce quien lo viene ver,
Ya no conoce ni padre ni madre,
Ya no conoce compadre ni comadre,
Ya no conoce pesar ni placer.
Ya no conoce su desconocer,
Ya no conoce hermano ni hermana,
Ya no conoce parienta cercana,
Ya no conoce ni quiere conocer.
Tercera seal.
Otra seal tercera le siento ;
ftue pierde la vista, los ojos quebrados.
No ve los peligros de tantos pecados,
No ve el camino de tanto tormento,
No ve la ceguera de su pensamiento,
Ni ve los barrancos nesta triste estrada ;
Ni ve ad va ni que posada,
Ni siente lo cierto de su perdimiento.
No ve lo que toma ni lo que le dan ;
No ve lo que deja, ni ve lo que lleva ;
No ve quien lo alumbra, ni ve quien lo ciega ;
Ni ve lo que pide ni que le daran :
No ve quien lo llama, ni que afan;
No ve lo que topa, ni de que se guarda;
No ve lo que viene, ni ve lo que tarda ;
No ve lo que es piedra, ni lo que es pan.
OBRAS VARIAS.
339
340
OBRAS VARIAS.
34l
342
OBRAS VARIAS.
33
34
OBRAS VARIAS.
Te d o mundo lio.
Oh quem vio as alegrias
Daquellas naves to bellas,
Bellas e pod'rosas velas,
Agora ha to poucos dias,
Pera ir a Iffanta nellas !
Vai buscar o senhor delias,
Rei que o mundo mandou,
Vers que tal se tornou ;
E verei como te velas
Da vida que o enganou.
Vela-te, vida, na vida,
No sejas morte na morte :
Guia-te per este norte
De to supita partida
D'hum Rei to so e to forte :
Dero.lhe a terra por corte,
Dos eortezos apartado,
E hum lenol por reinado ;
Porque o mundo desta sorte
Desengana o enganado.
Romance ao mesmo assumpto.
Pranto fazem em Lisboa,
Dia de Santa Luzia,
Por ElRei Dom Manuel,
Que se fmou nesse dia. .
Choro Duques, Mestres, Condes,
Cada hum quem mais podia ;
Os fidalgos e donzellas
,
345
346
OBRAS BE MI VICSNTE.
OBRAS VARIAS.
Oh Reina desamparada !
du har sin compaa,
Pues que en esta triste vida
Sola una vida tenia !
Y pues me la llev la muerte,
Pera qu quiero la mia ?
Oh sin ventura casada
Tres aos no mas habia,
Quien tan presto fue viuda,
Triste para que nascia ;
Nia sola en tierra agena,
Hurfana sin alegra !
Se htta vez acordava
Outras sete esmorecia ;
Assi pedia a Deos morte
Como quem pede alegria,
Dizendo : llvenme luego,
Que esta tierra ya no es mia :
Por la mar por donde fuere
Algun peligro vena,
Que me matase mi sola
Salvando la compaa.
O bom Rei em seu acordo
Deste mundo se partia :
Sua morte conhecendo,
Com muita sabedoria,
Per palavras piedosas
Os sacramentos pedia;
Fallando sempre com todos,
Deu sua alma a quem devia.
Morto levo o gran Rei
347
348
OBRAS VARIAS.
349
350
OBRAS VARIAS.
O Bispo cTEvora.
Ca vos fica este Senhor
Pobremente sepultado :
Senhora, seja lembrado
Que em vosso sancto louvor
O achei sempre oecupado,
Hi fica desemparado,
C'o pago que o inundo d,
De terra emparamentado :
Senhora, tende cuidado
Delle l.
O Conde de Tniugal.
Senhora, ns nos partimos
Desconsolados e tristes,
Como quando vos partistes
Donde vosso filho ouvimos
Qufi morto enterrar o vistes.
Peo-vos, pois que o paristes
Deos e homem natural,
Que a esta alma Real
Deis o bem que descubristes
Eternal.
O Conde da Feira.
Imperatriz das alturas,
Sobre os coros enxalada,
Pera sempre alumiada,
Aqui vos fica s escuras
O Rei da gran nomeada.
351
352
OBRAS VARIAS.
O Conde Portalegre.
Virgem que a Deos paristes
Junto com Jerusalem,
No sancto logar de Belem ;
Consolae os choros tristes
Que Lisboa agora tem.
Aqui leixamos seu bem,
Tornado nem bem nem mal :
O Rainha imperial,
Amerceae-vos de quem
Deveis mais que a ninguem
Em Portugal.
Romance.
A acclamao de D. Joo III.
Desanove de Dezembro,
Perto era do Natal,
Na cidade de Lisboa
Mui nobre e sempre leal,
Foi levantado por Rei
Dos reinos de Portugal
O Prncipe Dom Joo,
Prncipe angelical.
Sahio n'hua faca branca,
Parecia de cristal,
Guarnecida de maneira
Que no se vio sua igual.
Opa leva roagante,
Tudo fio d'ouro tal,
353
334
OBRAS BK 1 TICZKTX.
OBRAS VAHIAS.
355
356
OBRAS VARIAS..
357
35S
OBRAS VARIAS.
359
360
OBRAS VARIAS.
3ti
3G2
orras varias.
363
364
OBRAS VARIAS.
365
366
Pera vs ventosidade
Niici toda como estou.
Fui-me Poo do cho,
Fui-me praa dos canos ;
Carpi-vos, manas e manos,
(iue a dezaseis o do.
O velhas amarguradas,
Que antro tres sete canadas
Sohiamos de beber,
Agora, tristes ! remoer
Sete raivas apertadas.
O rua da Mouraria,
Gluera vos fez matar a sde
Pela lei de Mafamede
Com a triste d'agua fria ?
O bebedores irmos,
(lue nos presta ser christos,
Pois nos Dcos tirou o vinho?
O anno triste cainho,
Porque nos fazes pagos?
Os braos trago cansados
De carpir estas queixadas,
As orelhas engelhadas
De me ouvir tantos brados.
Gluero-mMr s taverneiras,
Taverneiros, medideiras,
llue me dem hua Ciinada,
Sobre meu rosto fiada,
A pagar l polas eiras.
OBRAS VARIAS.
367
368
OBRAS VARIAS.
369
870
OBRAS VARIAS.
Fatula.
-
Diz Nabucodonosor
No sideraque e miseraque,
Aquelle que d gran traque
Atravesse-o no salvanor.
E diz mais, quem muito pede,
Mana minha, muito fede.
Sete mil custou a pipa ;
Se quereis fartar a tripa,
Pagae, que a vinte se mede.
Mara Parda.
Raivou tanto sideraque
E tanta zarzagania,
.Vou-me a morrer de sequia
Em cima d'hum almadraque.
E ante de meu finamente,
Ordeno meu testamento
Desta maneira seguinte,
Na triste era de vinte
E dous desde o nacimento.
371
'.Tri.
Testamento.
A minha alma encommendeA. No e a outrem nao,
E meu corpo enterrara
Onde esto sempre bebende-,
Leixo por minha herdeira
E tambem testamenteira,
ltianor Mendes d'Arruda,
O-ue vendeo como sesada,
Por beber, at' peneira.
Item mais mando levar
Por tochas cepas de vinha,
E ha borracha minha
Com que me hajo d'eneensar,
Porque teve malvasia.
Encensem-me assi vazia,
Pois tambem eu assi vou^
E a sde que me matou,
Venha pola cleresia.
Levar-me-ho em hum andesDe dia, s horas certas
Que esto as portas abertas
Das tavenias per hu for.
E irei, pois mais nao pude,
N'hum quarto por ataude,
Que no tivesse agna p
O sovenite a No
Cantem sempre a meude.
Diante irao mui sem pejo
Trinta e seis odres vazios,
OBRAS VARIAS.
373
374
OBRAS VARIAS.
375
Ao glorioso Seixal,
Senhor dos outros Seixaes :
Sete missas me diro
E os caliz enchero,
No me digo missa scca ;
Porque a dor da enchaqueca
Me fez esta devao.
Item mais mando fazer
Hum espaoso esprital,
Que quem vier de Madrigal
Tenha onde se acolher.
E do termo d'Alcobasa
Quem vier dem-lhe em que jaa J
E dos termos de Leirea
Dem-lhe po, vinho e candea,
E cama, tudo de graa.
Os d'Obidos e Santarem,
Se aqui pedirem pousada,
Dem-lhes de tanta pancada
Como de maos vinhos tem.
Homem d'Entre Douro e Minho
No lhe daro po nem vinho ;
E quem de riba d'Avia for
Faz-lhe por meu amor
Como se fosse vizinho.
Assi que por me salvar
Fiz este meu testamento,
Com mais siso e entendimento
Que nunca me sei estar.
Chorae todos meu perigo,
No levo o vinho que digo,
376
OBRAS VARIAS.
377
378
OBRAS VARIAS.
379
330
OBRAS VARIAS.
381
OBRAS VARIAS.
33
384
orras varias.
385
386
OBRAS VARIAS.
387
38$
OBRAS VARIAS.
389
390
OBRAS VARIAS.
39t
392
FIM.
IMDG\.
FARCAS.
PAG.
Fara
Fara
Fara
Fara
Fara
Fara
Fara
Fara
Fara
Fara
Fara
Fara
5
25
43
62
89
119
158
190
200
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OBRAS VARIAS.
Paraphrase do psalmo L
Sermo pregado em Abrantes, no nasci
mento do Infante D. Luis
Trovas moTte d'ElRei D. Manuel
Romance ao mesmo assumpto
Romance acclamao de D. Joo III..
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1 vol.
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ESTO NO PRELO.
2160
1#140 i
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3240
n
1#620 j
120
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2^040
130
S400
2^400 ij
O pagamento das series adiantado.
As entregas so feitas por volumes broxados.
No se vendem avulso seno obras com..pletas o seu custo a razo de 30 ris por
'folha.
Assigna-se no Escriptorio da Administrao
i da Birliotheca Portugueza, Lisboa, rua
Augusta n. 1 10 , e em casa dos seus corres
pondentes em todas as capitaes de Districto.
Toda a correspondencia deve ser dirigida
fraiica de porte, ao Administrador da Biblio.
Itheca Portlgbeza.
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