Introducão À História Do Direito
Introducão À História Do Direito
Introducão À História Do Direito
Dados de Catalogao:
FIALHO, Magnus Galeno Felga. Introduo histria do Direito. 1 Ed. Iguatu Ce: 2014.
127 p. (Apostilado) (1962)
1)Direito na histria Geral; 2)Direito Romano; 3)Direito no Brasil; 4)Histria do Brasil e
Geral aplicada.
SUMRIO
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da origem da terra, deve ser explicado pela Providncia Divina. Assim, fatos aparentemente
ruins so designos de Deus e da sua santa providncia para alcanarem um fim destinado por
Ele.
Para Agostinho, a histria no circular, mas linear. Isto quer dizer que ele pensava o
incio da histria humana como o Gnesis e acreditava que o final desta histria estava
determinado pela segunda vinda de Cristo descrita na Bblia, no livro do Apocalipse. No centro
desta viso da histria estava a razo de tudo: Cristo, seu nascimento e a formao de seu
povo (A Cidade de Deus). As intempries continuariam at o fim, mas debaixo do controle de
Deus. Agostinho no tinha a viso de uma dinmica crescente e grandiosa. Para ele, a cidade
de Deus no construo humana de suas obras e realizaes, mas da interveno divina
para salvar e proteger seus fiis.
Essa viso Agostiniana dominou a Idade Mdia Ocidental, influenciou o
protestantismo calvinista e diversos historiadores importantes. No sculo XVII, Jacques
Bossuet, na obra "Discurso Sobre a Histria Universal", afirma que toda a Histria foi escrita
pela mo de Deus, E no sculo XIX, o historiador italiano Csare Cantu produziu uma "Histria
Universal" de profundo engajamento providencialista. Neste contexto as leis para os homens
provinham da revelao Bblica, portanto, como no passado grego romana, ligadas a religio.
Somente no final do sculo XVIII at o sculo XXI, que as cincias sociais e humanas
ganharam seus mtodos, distintos das cincias naturais e puderam aspirar na comunidade
cientfica da poca o lugar efetivo de Cincia. Quem iniciou essa mudana foi Giambattista
Vico.2 Que era Filsofo e historiador de Roma e de seu direito. Sua obra principal e que
interessa ao assunto da Filosofia da Histria e das Cincias Sociais e Humanas, foi publicada
inicialmente em 1725 e se chamava Sienza Nuova (Cincia Nova). De contedo assistemtico,
sua obra s foi aproveitada posteriormente. Ele procurou separar a cincia da natureza desta
Cincia Nova. Entre outras coisas, dizia ele:
Para se conhecer realmente a natureza de qualquer coisa era necessrio t-la
feito. Ao contrrio do mundo dos objetos e dos acontecimentos naturais, que
uma vez que Deus os criou, s ele os conhece, o mundo das naes, ou
histria humana, foi de fato criado pelos homens e , portanto, algo que os
homens podem esperar conhecer. Desta forma fica traada uma linha entre a
histria e a cincia da natureza e inicia-se uma tentativa de caracterizao dos
aspectos distintivos da indagao histrica em contraste com outros ramos de
conhecimento. (GARDINER, 1974, p. 12)
Como reao ao racionalismo iluminista, este grupo com fortes ideais do romantismo
visavam umapregao do direito vivo contra o direito abstrato e inerte; a intuio contra o
raciocnio calculador. (MACEDO, 1982, p. 115) Introduziram na Alemanha essa disciplina
Histria do Direito como um meio de se afastar dos extremos do sculo em questo jurdica:
o direito positivo codificado, quanto o direito natural so expresso da razo e assim produtos
um tanto artificiais. (MACEDO, 1982, p. 115) A busca passa ser enteder os grandes perodos e
saber o que eles mudaram, mas principalmente saber os motivos e contemplar no
desenvolvimento das instituies das normas e leis uma clara reao ao desenvolvimento do
homem no seu contexto histrico.
A Escola historicista passou tambm por fases e divises. Enquanto Savigny se apegava
ao Direito Romano como uma espcie de base perfeita para novas investidas presentes,
alguns acreditavam em estudar mais profundamente as vertentes germanistas do direito
Alemo. Rudolf Von Ihering foi um dos alemes que se afastou do formalismo do direito
Romano estudado na Alemanha e ...posteriormente, inclina-se, (...) para uma jurisprudncia
pragmtica e sociolgica. (MACEDO, 1982, p. 121)
No Brasil a disciplina foi introduzida no final do sculo XIX, vindo a sumir no incio
do sculo XX nas escolas de direito. Volta mais tarde como parte de uma tentativa de estudar a
histria do direito como uma anlise das postulaes perfeitas dos Romanos. Assim, o Corpus
Juris Civilis, por exemplo, vista como uma base intemporal, que serve universalmente para
todos os dias e civilizaes. Tem-se assim uma histria mais preocupada na histria dos
grandes codigos com reveladores da lei e da justia. No entanto, a prpria histria mudou seu
rumo dessa viso positivista de histria, onde s os grandes cdigos e juristas se tornam
importantes.
Novas vises de histria3 podem introduzir novas curiosidades e descobertas neste novo
campo epistemolgico, onde a filosofia da histria do direito conduziria o pensador aos seus
alvos estabelecidos filosoficamente para o estudo. Explicita essa saudvel vocao na histria
o historiador do direiro WOLKMER (2006: p. 12):
Com o intento de recuperao da verdadeira histria, aquela que nem sempre foi
escrita, traduzida e interpretada (a histria dos vencidos e perifricos), que
surgiu a proposta desta sntese de investigaes jurdicas, dentro de um projeto
direcionado para uma Nova Histria, fundada na inquietude e no engajamento
de uma jovem gerao de juristas imbudos pela fora da crtica, da
transgresso, do inconformismo e da postura libertria.
Tal trabalho no tem essa funo, mas reconhece sua possibilidade e busca no cotidiano
das pessoas uma nova forma de se ver a histria do direito. A funo ajudar o estudante de
direito a ter intrumental histrico para se aventurar em cincias afins, como sociologia do direito
e antropologia, bem como a importantssima filosofia do direito, formando no bacharel um base
segura para fugir das frmulas prontas e das verdades descoladas do povo e da poca que
vive. Repetindo Cristiano Arajo Pinto: Assim, a atividade do historiador do direito envolve
duas dimenses: a cartografia das formas de sociedade (ou, como diria Braudel, a Gramtica
das Civilizaes e a percepo do fenmeno jurdico que brota na coletividade. (ARAJO
PINTO, In, WOLKMER: 2006, p. 27)
Na primeira parte desta obra uma ligao do homem primitivo e suas descobertas do
outro e do direito na viso religiosa. Na segunda parte uma descrio da evoluo do direito na
3 As diversas correntes de histria influenciam o ponto de partida de cada historiador e consequentemente o seu ponto de
chegada. A Escola Francesa dos Anais tem se tornado a mais importante, moderna e instigante, principalmente com a srie de
grandes escritores com Le Goff, Matim Block e outros. Ver: Burke, Peter. A Revoluo Francesa da Historiografia: A Escola dos
Annales (1929-1989), So Paulo: EDUSP, 1992
comungar com a ORDEM, o CORRETO que a natureza oferece ao homem. Seguir o ritmo da
natureza no se expor as eventualidades catastrficas que so anmalas e contrrias a
natureza: um trovo, um raio, um incndio, uma tempestade ou doena que traz a morte. Bulir
na ordem o mau (moralmente falando) o pecado (religiosamente falando) o injusto
(juridicamente falando). Aqui, Pecado crime e crime pecado, pois a ordem biolgica
uma s na mente do homem primitivo e os fios invisveis, porm reais, ligam de maneira
inequvoca o reino animal, vegetal e humano. Contrariar um bulir e atrapalhar o outro. O
homem deve seguir o ritmo uno da natureza. Mircea Eliade escreve:
Um crime um sacrilgio que pode ter consequncias muito graves a todos os
nveis da vida, pelo simples fato de que o sangue vertido envenena a terra. E a
calamidade manifesta-se na esterilidade dos campos, dos animais e dos
homens. No prlogo de dipo-Rei, o sacerdote lamenta-se por causa das
desgraas que caram sobre Tebas: A cidade morre nas sementes frutgeras da
terra, nos rebanhos de bois, nas crianas nos ventres das mes. Um rei sbio,
um reino fundado na justia garantem, pelo contrrio, a fertilidade da terra, dos
animais e das mulheres. (ELIADE:1998, p. 207)
O perodo glacial vai chegando ao fim e o homem comea a ganhar novas propores
de vida sobre a terra. Ele domina a caa com seus novos instrumentos de pedra polida
(Perodo Neoltico). Domestica os animais e passa a fazer uso da agricultura. Todas estas
coisas favorecem o fim do nomadismo e a fundao das primeiras vilas agrcolas. A populao
aumenta e a diviso social do trabalho o meio encontrado para cuidar das diversidades de
reas produtivas na comunidade. Nasce o grupo do caador-guerreiro. Vivem pelas habilidades
fsicas e pelo manuseio de suas armas. Protegem a vila e se destacam dentro do grupo. Outro
grupo o agricultor-pastor. Seu fsico mais frgil o leva para o plantio ou mesmo para cuidar
dos animais domesticados. Outras tarefas acabam sendo passadas para esse numeroso
grupo. Os mais fracos fisicamente, mas com profundas habilidades mentais ou da fala, se
tornamos sacerdotes-inventores. Cuidam das doenas com suas ervas e razes, e suas leituras
dos tempos e da alma humana lhe do profundos poderes na sociedade. Por centenas de
anos, at na revoluo francesa, persistiam os trs grupos (trs estados): O clero; os
nobres e os que trabalhavam.
So mais alguns poucos milhares de anos e surgem as primeiras grandes civilizaes
egpcias e mesopotmicas.5 Assim, quando o homem comea a se organizar em sociedade, o
direito desponta com mais clareza, mas ainda envolto na religio, na ordem universal. Por
muito tempo as sociedades permaneceram com esses fios que ligam a vrias instituies da
sociedade. O mestre hispnico do direito, Pedro Torre explora o gnesis do direito em uma
sociedade montada com a conscincia do homem de seus deveres diante do mundo que o
cerca, da ordem que o envolve e da f que lhe d o substrato da vida. O Clssico texto abaixo
destaca como substrato da vida um contedo tico, conscincia psquica, solidariedade e
carinho.
La idea del Derecho es un producto social; nace de la vida em saciedad, pero no
nace sino cuando los sentimientos del hombre llegan a tener un gran contenido
tico, como consecuencia del perfeccionamiento de los sentimientos psquicos
del hombre. Cuando la vida en sociedad puso al hombre en contacto con sus
semejantes, fue perdiendo el miedo por stos; les fue tomando cario, se
solidariz com sus semejantes en el dolor, en el placer, y fue naciendo en el
5 Por volta dos ano 10.000 antes de Cristo o perodo grafo chamado Neoltico comea a se estabelecer. Em cinco mil anos
aparecem os primeiros sinais de escrita, inicialmente fechadas a um crculo poltico religioso,mas suficiente para aumentar
bastante as informaes sobre o perodo.
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Pode-se tentar resumir o direito no perodo grafo com algumas caractersticas bsicas:
a)Raras regras abstratas: valor aos casos concretos;
b)O costume da regio e de um grupo como a principal fonte do Direito, criando o pluralismo
jurdico onde cada comunidade tinha seu prprio costume;
c)Grande juno entre Direito e religio: Grande temor em relao aos poderes sobrenaturais
(chuvas, raios, troves etc.);
d)Inexistncia de distino entre Direito, religio e moral, e de padres sobre o termo justia:
e)Penas muito rgidas. (perda da vida, afastamento do grupo social ou desprezo pelo
criminoso).
d)Tolerncia poligamia, mas sendo comum apenas Poliginia e no a Poliandria 6.
Um dos grandes escritores e historiadores da cidade, Fustel de Coulanges, em sua obra
clssica A Cidade Antiga, deixa claro que mesmo depois das cavernas, onde o homem j
desenvolve civilizaes complexas e cidades estados, a religio continua a mandar e ser
fios do tecido social. Comenta ele:
Assim, em tempo de paz como em tempo de Guerra, a religio intervinha em
todos os atos. Achava-se presente em toda parte, como que envolvendo o
homem. A alama, o corpo, a vida privada. A vida pblica, os banquetes, as
festas, as assembleias, os tribunais, os combates, toda esfera sob o imprio da
religio da cidade. A religio regalava todas as aes do homem dispunha todos
os instantes de sua vida, fixava todos os seus hbitos. A religio governava a
criatura humana com autoridade to absoluta, que nada lhe escapava.
(COULANGES: 2006, p. 258)
Para os espritos mais avessos a religio, e que detestariam ter que estuda-la em um
curso jurdico, Fustel vai mais longe ao deixar claro que todo sistema legislativo (normas
jurdicas sendo erguidas em uma sociedade j avanada) dependiam da religio e do
espaa sagrado. Diz ele:
Em Roma, antes de se abrir a sesso, era necessrio que os agures
assegurassem que os deuses eram propcios. A assembleia comeava por uma
orao, que o agure pronunciava e o cnsul depois repetia. O mesmo
acontecia com os atenienses: a assembleia sempre se iniciava por um ato
religioso. Os sacerdotes ofereciam sacrifcios; traava-se depois um grande
crculo, espargindo a terra com gua lustral, e era dentro desse crculo sagrado
que os cidados se reunio. Antes que algum orador tomasse a palavra,
pronunciava-se uma prece diante do povo em silncio. Consultavam-se tambm
os auspcios, e, se aparecesse no cu um sinal pouco propcio, a assembleia era
dissolvida imediatamente. A tribuna era lugar sagrado; o orador s podia subir a
mesma com uma coroa, e durante todo o tempo quis o costume que comeasse
o discurso invocando os deuses. O lugar de reunio do senado de Roma era
sempre um templo. Se se realizasse alguma sesso fora do lugar sagrado, as
decises tomadas seriam consideradas nulas, pois os deuses haviam estado
ausentes. (...) Em Roma, como em Atenas, s se administrava justia na cidade
6 Poliandria a poligamia aplicada ao casamento de uma mulher com dois ou mais homens.
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Depois da existncia destes e que se d o surgimento das divindades: Roy Willis (2007: 38)
diz:
Uma imagem alternativa da criao foi o ltus primevo, que se levantou das
guas e se abriu para revelar um deus criana. A primeira divindade era
equipada com vrios poderes divinos, tais como Hu ("dom da palavra
autorizada"), Sia ("percepo") e Heka ("magia").Usando esses poderes, ela
criou ordem a partir do caos. Essa ordem divina era personificada por uma
deusa, Maat, filha do deus-sol. A palavra Maat tambm significava justia,
verdade e harmonia. A ordem divina estava constantemente sob risco de voltar a
se dissolver no caos do qual se formara.
Qual teria sido o grande ato de f de Moiss? Recusou ser chamado filho da filha de
Fara. Provvel herdeiro de todo Egito e sua riqueza material. Moiss preferiu uma viso
idealista de f e servio para com seu povo cativo.
2.2)Mesopotmia
Na Mesopotmia ocorreu uma transio mais rpida e eficaz do modelo de
sociedade e direito. Um modelo mais dinmico substituiu o modelo mais arcaico. Trs fatores
histricos importantes contriburam para a mudana e diferenciam a Mesopotmia do Egito: (l)
o surgimento das cidades, sendo que muitas delas autnomas (cidade estado); (2) a
inveno e domnio da escrita e de uma slida base cultural (Os Sumrios formaram essa
base); (3) o advento do comrcio e, numa etapa posterior, da moeda metlica e de
profissionais livres (classe mdia).
A mesopotmia teve sua ocupao mais favorvel e antiga na parte mais baixa 10. Entre
os anos da idade de Bronze de 3100 a 2330 A.C. a Sumria contava com pelo menos 14
centro urbanos tripartites, ou seja, a cidade murada, a periferia e o local dos estrangeiros. So
as cidades chamadas de despticas: Eridu, Badtibira, Sippar, Larak, Shuruppak, Kish, Akshak,
Nippur, Adab, Umma, Lagash, Uruk, Larsa e Ur. (LEVEQUE, 2001) Para preservao da
9 Bastante comum na Europa Medieval e Moderna, o casamento Endogmico assegurava um suporte legal e estratgico para
os reinos europeus, mas a consequncia conhecida: reis loucos e alta mortandade entre os soberanos da Europa.
10 Chamada de Baixa Mesopotmia - regio normalmente designada como Sumria, nas margens do Rio Eufrates, mais
prxima ao Golfo Prsico.
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memria e identidade dos primeiros povos urbanos, que j possuem uma estrutura religiosa,
poltica e econmica mais diferenciada, a simples transmisso oral da cultura comea a se
tomar insuficiente. A Escrita Cuneiforme aparece com uma alto grau de elaborao e possibilita
uma sociedade em confrontos internos (sociais) e em confrontos externos (cidades e povos
que se estabelecem), de deixar gravada sua cultura e automaticamente suas leis que antes
eram orais.
As sociedade que se formam em todo Mesopotmia so relativamente autnomas, e
se acercando delas, um perigoso grupo de povos menos organizados socialmente que
migravam do deserto para a regio. As cidades no se unem com facilidade, e quando o
fazem de maneira temporria ou fragilizada pelos poderes em jogo. (LEVEQUE, 2001) Assim,
os primeiros reinos da regio, com governos dspotas e reis absolutos sero os fracos
Acdios. Surgem depois os reinos do 1 Imprio Babilnio (na regio central da Mesopotmia)
com um pouco mais de vigor e domnio. Na regio norte da Mesopotmia aparecem os
poderosos e militaristas Assrios. Diferentemente dos Egpcios que tiveram uma s monarquia,
na mesopotmia os governos e povos que invadiam e predominavam na regio eram mudados
com muita frequncias. Muitas das cidade Sumrias mantinham certa autonomia diante
dos conquistadores. Alm disso, cada povo tinha sua prpria cultura e deus, apesar de uma
forte dependncia dos primeiros habitantes Os Sumrios.
Ainda de forma recente, as primeiras cidades estado da mesopotmia vinham
produzindo pequenos conjuntos de leis para serem utilizados em seus domnios. Sumrios
divulgavam os chamados formulrios Judiciais, pois pretendiam trazer justia terra. Os
que buscavam a justia nos reis das cidades deveriam apresentar suas queixas, testemunhas
e outros reclames nas portas da cidade ou mais comumente no templo. Ali os sacerdotes juzes
podiam realizar a tarefa. Somente mais tarde essas queixas de um processo judicial passaram
por uma laicizao e mudou para o palcio do governador. Aloiso Gavazzoni (2003, p.
35):
L pela metade do 3 milnio (a.C.) os chefes das cidades-estado j tinham
promulgado uma srie de regulamentaes legais. Depois, com o incrvel
crescimento das complexidades existentes nas relaes entre grandes
comerciantes e grandes proprietrios de terra e ainda com as crescentes
tentaes ameaando a moral pessoal e da famlia, surgiu a necessidade de se
impor uma certa ordem legal. Os reis nacionais devem ter querido estabelecer
um padro de justia para todos os seus assuntos. O conjunto dessas colees
de leis e julgamentos mais ou menos ordenados chamado de cdigo. O mais
antigo desses, chegado at ns, o de Ur-Nammu, fundador da 3 dinastia de
UR. seguido por um cdigo da cidade de Eshaunna, sem nome real
conectado, e um pouco mais tarde pelo de Zipit-Ishto de Isin (1913 1924
a.C.).
Com isso nos livramos da Ideia de que O grande Cdigo de Hamurabi foi o primeiro
cdigo escrito da Mesopotmia e original na sua apario 11. Na verdade ele foi uma grande
compilao desses cdigos Sumrios aplicados s necessidades de Babel e seu Reino. O
Cdigo de Hamurabi foi colocado em uma pedra e deixado exposto para ser visto por todos na
cidade. No alto de Pedra.
O Cdigo foi produzido pelo Rei Hamurabi por volta do ano 1694 a.C., no apogeu do seu
governo no Reino Central da Mesopotmia. Sua capital era a j conhecida cidade de Babel.
11 As primeiras compilaes de Cdigos na Mesopotmia se do principalmente em carter penal, mas na medida que se
aproxima a feitura do Cdigo de Hamurbi a legislao tende a evocar tanto o penal como o civil. O documento de Esnunna j
contempla institutos conexos responsabilidade civil, ao direito de famlia e responsabilizao de donos de animais por
leses corporais seguidas de morte.
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Fica clara a influncia dos Sumrios, que naquele perodo haviam renascido culturalmente na
regio de Babel. O documento legal, gravado em pedra negra, deixava claro a diviso social.
O tratamento dispensado aos homens era de acordo com sua posio social, ...assim, h
um estrato de homens livres, uma camada de homens dotados de personalidade jurdica, mas
com liberdade limitada (pode-se cham-los subalternos) e uma parcela de escravos
(equiparados a um bem mvel). (PINTO. In WOLKMER: 2006, p.25) Possui 282 Artigos, em
3600 linhas, tratando do direito econmico, penal, privado etc. Seu contedo, incompleto por
ser imenso, est logo abaixo e deve ser leitura obrigatria. Fica conhecido por um de seus
Artigos, que mostra o seu teor para restituio, onde diz: olho por olho, dente por dente.
O Cdigo regula o casamento e os dotes, bem como a posio da mulher na sociedade.
monogmico e permite a Adoo. Invade o direito privado ao tentar regular alguns preos e
salrios. O direito penal entra com a pena capital, retaliao e at na mutilao. Fazia-se
contratos de compra e venda (inclusive a crdito), arrendamento (com nfase na
regulamentao das terras cultivveis) e depsito. (PINTO. In WOLKMER: 2006, p.28)
Imprimisse uma grande preocupao com as responsabilidades civis e a nomeao de juzes
de recursos.
O Cdigo de Hamurabi ainda o documento mais elucidativo da antiga mesopotmia.
Foi descoberto pelos franceses, quando vasculhavam antiguidades na Prsia no ano de 1901,
e apesar de ser patrimnio cultural de pases da regio, se encontra no museu do Louvre, em
Paris.
TEXTO 1: O CDIGO DE HAMURABI (PARTES)
IV - LOCAES E REGIMEN GERAL DOS FUNDOS RSTICOS, MTUO, LOCAO DE
CASAS, DAO EM PAGAMENTO
42 - Se algum tomou um campo para cultivar e no campo no fez crescer trigo, ele dever
ser convencido que fez trabalhos no campo e dever fornecer ao proprietrio do campo
quanto trigo exista no do vizinho.
43 - Se ele no cultiva o campo e o deixa em abandono, dever dar ao proprietrio do
campo quanto trigo haja no campo vizinho e dever cavar e destorroar o campo, que ele
deixou ficar inculto e restitu-lo ao proprietrio.
44 - Se algum se obriga a por em cultura, dentro de trs anos, um campo que jaz inculto,
mas preguioso e no cultiva o campo, dever no quarto ano cavar, destorroar e cultivar o
campo inculto e restitu-lo ao proprietrio e por cada dez gan pagar dez gur de trigo.
45 - Se algum d seu campo a cultivar mediante uma renda e recebe a renda do seu
campo, mas sobrevem uma tempestade e destri a safra, o dano recai sobre o cultivador.
46 - Se ele no recebe a renda do seu campo, mas o d pela tera ou quarta parte, o trigo
que est no campo dever ser dividido segundo as partes entre o cultivador e o proprietrio.
47 - Se o cultivador, porque no primeiro ano no plantou a sua estncia, deu a cultivar o
campo, o proprietrio no dever culp-lo; o seu campo foi cultivado e, pela colheita, ele
receber o trigo segundo o seu contrato.
48 - Se algum tem um dbito a juros, e uma tempestade devasta o seu campo ou destri a
colheita, ou por falta d'gua no cresce o trigo no campo, ele no dever nesse ano dar trigo
ao credor, dever modificar sua tbua de contrato e no pagar juros por esse ano.
49 - Se algum toma dinheiro a um negociante e lhe concede um terreno cultivvel de trigo
ou de ssamo, incumbindo-o de cultivar o campo, colher o trigo ou o ssamo que a
crescerem e tom-los para si, se em seguida o cultivador semeia no campo trigo ou ssamo,
por ocasio da colheita o proprietrio do campo dever receber o trigo ou o ssamo que
esto no campo e dar ao negociante trigo pelo dinheiro que do negociante recebeu, pelos
juros e moradia do cultivador.
50 - Se ele d um campo cultivvel (de trigo) ou um campo cultivvel de ssamo, o
proprietrio do campo dever receber o trigo ou o ssamo que esto no campo e restituir ao
negociante o dinheiro com os juros.
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51 - Se no tem dinheiro para entregar, dever dar ao negociante trigo ou ssamo pela
importncia do dinheiro, que recebeu do negociante e os juros conforme a taxa real.
52 - Se o cultivador no semeou no campo trigo ou ssamo, o seu contrato no fica
invalidado.
53 - Se algum preguioso no ter em boa ordem o prprio dique e no o tem em
consequncia se produz uma fenda no mesmo dique e os campos da aldeia so inundados
d'gua, aquele, em cujo dique se produziu a fenda, dever ressarcir o trigo que ele fez
perder.
54 - Se ele no pode ressarcir o trigo, dever ser vendido por dinheiro juntamente com os
seus bens e os agricultores de quem o trigo foi destrudo, dividiro entre si.
55 - Se algum abre o seu reservatrio d'gua para irrigar, mas negligente e a gua
inunda o campo de seu vizinho, ele dever restituir o trigo conforme o produzido pelo
vizinho.
56 - Se algum deixa passar a gua e a gua inunda as culturas do vizinho, ele dever
pagar-lhe por cada dez gan dez gur de trigo.
57 - Se um pastor no pede licena ao proprietrio do campo para fazer pastar a erva s
ovelhas e sem o consentimento dele faz pastarem as ovelhas no campo, o proprietrio
dever ceifar os seus campos e o pastor que sem licena do proprietrio fez pastarem as
ovelhas no campo, dever pagar por junto ao proprietrio vinte gur de trigo por cada dez
gan.
58 - Se depois que as ovelhas tiverem deixado o campo da aldeia e ocupado o recinto geral
porta da cidade, um pastor deixa ainda as ovelhas no campo e as faz pastarem no campo,
este pastor dever conservar o campo em que faz pastar e por ocasio da colheita dever
responder ao proprietrio do campo, por cada dez gan sessenta gur.
59 - Se algum, sem cincia do proprietrio do horto, corta lenha no horto alheio, dever
pagar uma meia mina.
60 - Se algum entrega a um hortelo um campo para plant-lo em horto e este o planta e
o cultiva por quatro anos, no quinto, proprietrio e hortelo devero dividir entre si e o
proprietrio do horto tomar a sua parte.
61 - Se o hortelo no leva a termo a plantao do campo e deixa uma parte inculta, deverse- consignar esta no seu quinho.
62 - Se ele no reduz a horto o campo que lhe foi confiado, se campo de espigas, o
hortelo dever pagar ao proprietrio o produto do campo pelos anos em que ele fica inculto
na medida da herdade do vizinho, plantar o campo cultivvel e restitu-lo ao proprietrio.
63 - Se ele transforma uma terra inculta num campo cultivado e o restitui ao proprietrio, ele
dever pagar em cada ano dez gur de trigo por cada dez gan.
64 - Se algum d o horto a lavrar a um hortelo pelo tempo que tem em aluguel o horto,
dever dar ao proprietrio duas partes do produto do horto e conservar para si a tera parte.
65 - Se o hortelo no lavra o horto e o produto diminui, o hortelo dever calcular o
produto pela parte do fundo vizinho.
LACUNAS DE CINCO COLUNAS; CALCULAM EM 35 PARGRAFOS
V - RELAES ENTRE COMERCIANTES E COMISSIONRIOS
100 - Com os juros do dinheiro na medida da soma recebida, dever entregar uma
obrigao por escrito e pagar o negociante no dia do vencimento.
101 - Se no lugar onde foi no fechou negcio o comissionrio, dever deixar intato o
dinheiro que recebeu e restitu-lo ao negociante.
102 - Se um negociante emprestou dinheiro a um comissionrio para suas empresas e ele,
no lugar para onde se conduz, sofre um dano, dever indenizar o capital ao negociante.
103 - Se, durante a viagem, o inimigo lhe leva alguma coisa do que ele conduz consigo, o
comissionrio dever jurar em nome de Deus e ir livre.
104 - Se um negociante confia a um comissionrio, para venda, trigo, l, azeite, ou outras
mercadorias, o comissionrio dever fazer uma escritura da importncia e reembolsar o
negociante. Ele dever ento receber a quitao do dinheiro que d ao mercador.
105 - Se o comissionrio negligente e no retira a quitao da soma que ele deu ao
negociante, no poder receber a soma que no quitada.
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106 - Se o comissionrio toma dinheiro ao negociante e tem questo com o seu negociante,
este dever perante Deus e os ancios convencer o comissionrio do dinheiro levado e este
dever dar trs vezes o dinheiro que recebeu.
107 - Se o negociante engana o comissionrio pois que este restituiu tudo que o negociante
lhe dera, mas, o negociante contesta o que o comissionrio lhe restituiu, o comissionrio
diante de Deus e dos ancios dever convencer o negociante e este, por ter negado ao
comissionrio o que recebeu, dever dar seis vezes tanto.
VI - REGULAMENTO DAS TABERNAS (TABERNEIROS PREPOSTOS, POLCIA, PENAS
E TARIFAS)
108 - Se uma taberneira no aceita trigo por preo das bebidas a peso, mas toma dinheiro
e o preo da bebida menor do que o do trigo, dever ser convencida disto e lanada
ngua.
109 - Se na casa de uma taberneira se renem conjurados e esses conjurados no so
detidos e levados Corte, a taberneira dever ser morta.
110 - Se uma irm de Deus, que no habita com as crianas (mulher consagrada que no
se pode casar) abre uma taberna ou entra em uma taberna para beber, esta mulher dever
ser queimada.
111 - Se uma taberneira fornece sessenta j de bebida usakami dever receber ao tempo
da colheita cinquenta ka de trigo.
VII - OBRIGAES (CONTRATOS DE TRANSPORTE, MTUO)
PROCESSO EXECUTIVO E SERVIDO POR DVIDAS
112 - Se algum est em viagem e confia a um outro prata, ouro, pedras preciosas ou
outros bens mveis e os faz transportar por ele e este no conduz ao lugar do destino tudo
que deve transportar, mas se apropria deles, dever-se- convencer esse homem que ele
no entregou o que devia transportar e ele dever dar ao proprietrio da expedio cinco
vezes o que recebeu.
113 - Se algum tem para com um outro um crdito de gros ou dinheiro e, sem cincia do
proprietrio, tira gros do armazm ou do celeiro, ele dever ser convencido em juzo de ter
tirado sem cincia do proprietrio gros do armazm ou do celeiro e dever restituir os
gros que tiver tirado e tudo que ele de qualquer modo deu, perdido para ele.
114 - Se algum no tem que exigir gros e dinheiro de um outro e fez a execuo, dever
pagar-lhe um tero de mina por cada execuo.
115 - Se algum tem para com outro um crdito de gros ou dinheiro e faz a execuo, e o
detido na casa de deteno morre de morte natural, no h lugar a pena.
116 - Se o detido na casa de deteno morre de pancadas ou maus tratamentos, o protetor
do prisioneiro dever convencer o seu negociante perante o tribunal; se ele era um nascido
livre, se dever matar o filho do negociante, se era um escravo, dever pagar o negociante
um tero de mina e perder tudo que deu.
117 - Se algum tem um dbito vencido e vende por dinheiro a mulher, o filho e a filha, ou
lhe concedem descontar com trabalho o dbito, aqueles devero trabalhar trs anos na casa
do comprador ou do senhor, no quarto ano este dever libert-los.
118 - Se ele concede um escravo ou escrava para trabalhar pelo dbito e o negociante os
concede por sua vez, os vende por dinheiro, no h lugar para oposio.
119 - Se algum tem um dbito vencido, e vende por dinheiro a sua escrava que lhe tem
dado filhos, o senhor da escrava dever restituir o dinheiro que o negociante pagou e
resgatar a sua escrava.
VIII - CONTRATOS DE DEPSITO
120 - Se algum deposita o seu trigo na casa de outro e no monte de trigo se produz um
dano ou o proprietrio da casa abre o celeiro e subtrai o trigo ou nega, enfim, que na sua
casa tenha sido depositado o trigo, o dono do trigo dever perante Deus reclamar o seu trigo
e o proprietrio da casa dever restituir o trigo que tomou, sem diminuio, ao seu dono.
121 - Se algum deposita o trigo na casa de outro, dever dar-lhe, como aluguel do
armazm, cinco ka de trigo por cada gur de trigo ao ano.
122 - Se algum d em depsito a outro prata, ouro ou outros objetos, dever mostrar a
uma testemunha tudo o que d, fechar o seu contrato e em seguida consignar em depsito.
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2.3)Hebreus
Completando o que ficou conhecido como o Crescente Frtil, temos a civilizao mais
importante da parte central desse crescente: Os hebreus. Chamados s vezes de Judeus ou
Israelitas, pode-se considerar como sinnimos para efeitos deste estudo. 12 Habitaram as
montanhas e vales ao redor do Rio Jordo. Outros grupos (Cananeus, Filisteus etc) de
menor importncia tambm viveram ali, mas pouco ou nada deixaram de importante. O que
destaca entre os Hebreus o monotesmo tico que desenvolveram e uma legislao muito
interessante baseada na unicidade de sua divindade. Alm dos motivos levantados, foram os
judeus que legaram boa parte da cultura religiosa e jurdica do cristianismo, tornando-os
importantes para a formao e evoluo do direito ocidental, bem como a presena macia de
Judeus em todas as grandes naes crists e muulmanas do perodo medieval at nosso
dias.
Os hebreus eram pastores nmades. Semitas, migraram com diversos grupos semitas da
regio da Arbia e chegaram Mesopotmia. Parece no terem tido dificuldades de viverem
nas fronteiras da Mesopotmia, pois sua atividade no usava das frteis terras de agricultura.
Em um dado momento da histria, por volta do ano 1800 A.C., um desses ricos semitas teria
sado de Ur da Caldia (onde moravam) buscando novas reas de criao de suas ovelhas.
Possivelmente o grande crescimento do rebanho indisps as duas atividades (pastoreio e
agricultura), obrigando ento Abro a pensar em uma nova habitao na parte central da
Palestina. Aquela era uma rea de boa gua, mas de terra pouco frtil, apesar disto seria mais
que suficiente para o pouco exigente rebanho de cabritos. Ali existiam pequenas cidades
canaanitas, sem grande expresso militar ou agrcola, que dificilmente criariam problemas com
homem to rico e de tantos agregados como Abrao vinha se tornando. Assim comea a
presena dos judeus na regio de Cana.
Importante citar a figura do agora Abrao, pois se torna figura de f para o mundo
monotesta. Ele afirmava ter recebido um chamado desse Deus nico para ser-lhe um povo
especial:
Abrao teve papel significativo para as trs maiores religies monotestas, o
Judasmo, o Cristianismo e o Islamismo. Esse personagem aparece em todas,
tendo um papel de fundamental importncia, que resultaram na base do
12 O nome Israel derivado da mudana do nome Jac, ficando no decorrer da histria associado com o Reino do Norte,
chamado de Samaria ou Israel. O Reino do Sul se denominou Jud ou Judeus, por ter sido esta tribo a formadora do Reino do
Sul no Cisma de Roboo e Jeroboo. Na poca de Cristo os nomes eram usados como sinnimos.
21
O povo judeu viveu perodos distintos na sua vida poltica, social e religiosa. No seu
incio com Abrao at a volta de um longo cativeiro no Egito (+-1290 A.C) o povo vivia de forma
nmade, cercado por um firme sistema patriarcal. Trouxeram na cultura uma clara influncia
dos Sumrios, e trataram logo no fim deste perodo patriarcal de compilarem uma legislao
escrita: Os dez Mandamentos. Essa regra moral e comportamental seguida por diversas
outras leis, todas elas de inspirao religiosa, mas tratando de questes sanitrias
(principalmente na longa peregrinao de 40 anos no deserto), civis e administrativas.
Uma das principais caractersticas deste povo , alm do monotesmo tico, uma
formao teocracia. A base de tudo provm de uma revelao divina (os livros do Pentateuco e
no futuro o Antigo Testamento como um todo), depois de escrita se torna a base
comportamental e jurdica de um povo. Posteriormente ao perodo dos patriarca, de volta a
palestina, o povo se organizara por cerca de 300 anos em tribos descentralizadas, regidas
por um juiz religioso que julgava as questes maiores e conduziam o povo como corpo de
guerra.
No perodo de destaque de Israel se implanta a monarquia na figura de trs reis iniciais
(Saul, Davi e Salomo). Neste perodo ocorre uma organizao de um estado, centrado na
cidade Jerusalm que havia sido tomada dos jebuseus. Ponto estratgico, passa-se acobrana
de impostos, formao de uma corte, de um exrcito regular, palcio e finalmente a ideia de
uma grande templo. O auge do reis ocorreu com as vitrias e expanso das fronteiras com
Davi e a construo do templo com Salamo e sua riqueza.
Aps a morte de Salomo, os outros reis governam em um perodo de Cisma e diviso
do Reino em dois (Jud e Samaria). A decadncia militar, religiosa e moral vai se acentuando.
Atacados por exrcito Assrio, e posteriormente Babilnico os dois reinos sero levados
cativos para a Mesopotmia. Os judeus voltam para Jerusalm com a subida ao poder dos
poderosos cavaleiros Persas. Apesar de conselheiros dos persas e por eles bem tratados. o
povo judeu j no possui liberdade poltica. Sero dominados por vrios povos que vo se
alternar no domnio da regio. Uma profunda dispora no primeiro sculo da era crist por
parte do Romanos, dispersa de vez os judeus de Cana e os obriga a se instalarem em
reinos diversos por cerca de 1600 anos. No entanto, suas leis e cultura so estabelecidas.
Fazem que mesmo espalhados pelo mundo os judeus mantenha sua viso de mundo e suas
leis prprias. Alm disso, um forte sistema de educao baseado na leitura da Lei nas
Sinagogas13, especializam os judeus na administrao, comrcio, levando-os a exercer
importantes papis por onde se estabelecem.
Base de toda a estrutura societria, a famlia judaica tem suas peculiaridades e, para o
povo judeu, no podia ser diferente. Tudo se concentrava na pessoa do patriarca (sistema
patriarcal). A defesa da famlia tambm recebia tratamento detalhado no Talmude.
O Direito Penal j era retratado na historicidade do povo judeu, sendo que o seu Direito
tem uma lei penal das mais antigas da histria da humanidade. Ela estudada em trs
perodos, a saber: 1)a Lei divina: retratada pelo episdio de Ado quando advertido pelo
Criador para que no comesse do fruto da rvore proibida, mesmo assim ele no ouve a Deus
e dela come. A infringncia a esta lei divina acarretou como consequncia uma pena. A pena
em referncia a morte, visto que Ado e Eva foram criados imortais. Tecnicamente, temos
aqui o primeiro crime cometido pelo homens desde que habitam o planeta terra. Afirmamos que
13A sinagoga nasceram no cativeiro babilnico, se tornando substituto para o templo destrudo de Salomo. No perodo de
500 anos (400 A.C at 100 A.C) ele domina a religiosidade em dos israelitas, tanto para educao, rezas e canto. Quando
Israel volta a ter templos e sacrifcios, as Sinagogas continuam incorporadas a vida comunitria. Em algumas cidades os seus
lderes julgavam questes religiosas e questes judiciais permitidas pelos dominadores.
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para o povo hebreu o crime tinha muita relao com aes religiosas e estas se fossem
cometidas poderiam levar at a morte. 2) A segunda fase do direito hebraico chamada de Lei
Natural, chamada assim, pois, aps o dilvio no havia outra autoridade seno a de No em
forma de patriarcado.3) A terceira fase chamada de Lei Escrita, remonta o perodo de Moiss,
conduzindo o povo Terra prometida, depois da escravido do Egito.
No que se refere a Lei escrita, o direito criminal dos Hebreus evolui, aps a legislao
mosaica com o Talmud. A pena de Talio, que se limita reao ofensa a um mal idntico ao
praticado (olho por olho, dente por dente), constituiu uma evoluo das primeiras sanes
existentes, frutos da vingana defensiva, sendo substituda pela multa, priso e imposio de
flagelos fsicos.
Os crimes e os delitos eram agrupados em cinco categorias, a saber:
a)atentados contra o prximo, distinguindo com clareza os atos dolosos e culposos; (muito
antes de Drcon na Grcia Antiga)
b)leses corporais graves e leves;
c)atentado moral e aos bons costumes;
d)danos propriedade alheia;
e)roubo e a legtima defesa inclusive a da propriedade com as naturais agravantes e
atenuantes.
Veja a proteo dada ao que mata involuntariamente (Deut 4; 19):
41 Ento Moiss separou trs cidades alm do Jordo, para o nascente, 42 para
que se refugiasse ali o homicida que involuntariamente tivesse matado o seu
prximo a quem dantes no tivesse dio algum; para que, refugiando-se numa
destas cidades, vivesse. (...) 3 preparar-lhe-s caminhos, e partirs em trs os
termos da tua terra, que o Senhor teu Deus te dar em herana; isto ser para
que todo homicida se acolha nessas cidades. 4 Este, pois o caso no tocante
ao homicida que se acolher ali para que viva: aquele que involuntariamente
matar o seu prximo, a quem dantes no odiava; 5 como, por exemplo, aquele
que entrar com o seu prximo no bosque para cortar lenha e, pondo fora na sua
mo com o machado para cortar a rvore, o ferro saltar do cabo e ferir o seu
prximo de sorte que venha a morrer; o tal se acolher a uma dessas cidades, e
viver; 6 para que o vingador do sangue no persiga o homicida, enquanto
estiver abrasado o seu corao, e o alcance, por ser comprido o caminho, e lhe
tire a vida, no havendo nele culpa de morte, pois que dantes no odiava o seu
prximo. 7 Pelo que eu te deu esta ordem: Trs cidades designars para ti. 8 E,
se o Senhor teu Deus dilatar os teus termos, como jurou a teus pais, e te der
toda a terra que prometeu dar a teus pais 9 (quando guardares, para o
cumprires, todo este mandamento que eu hoje te ordeno, de amar o Senhor teu
Deus e de andar sempre nos seus caminhos), ento acrescentars a estas trs,
mais trs cidades; 10 para que no se derrame sangue inocente no meio da tua
terra, que o Senhor teu Deus te d por herana, e no haja sangue sobre ti.
Os crimes mais graves eram aqueles praticados contra Deus. Desde o Cdigo da
Aliana isso j ocorria. Normalmente a pena para quem cometesse uma dessas OFENSAS a
Deus era a morte. Alis foi por esta pena que JESUS foi condenado, tendo os seus
acusadores invocado, habilmente, os dois crimes de Jesus; um contra a lei judaica que o
punia com morte por se afirmar filho de Deus (heresia).
O Direito Civil hebreu tem trs tratados, do Talmude, B. Kamma, B. Metzia e B. Batha,
e se ocupam exaustivamente das aes de perdas e danos. J havia a punio civil para o
homem que desejasse manter relao sexual com a mulher contra a sua vontade, o estupro j
tinha previso para o Direito Hebreu. J se previa certa indenizao para a mulher estuprada.
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Fala ainda o livro sobre o pobreza e o dever para com os pobres, e o dever de pagar em
dia o trabalhador, Deuteronmio, captulo 24:
14 No oprimirs o trabalhador pobre e necessitado, seja ele de teus irmos, ou
seja dos estrangeiros que esto na tua terra e dentro das tuas portas. 15 No
mesmo dia lhe pagars o seu salrio, e isso antes que o sol se ponha; porquanto
pobre e est contando com isso; para que no clame contra ti ao Senhor, e
haja em ti pecado. 18 Lembrar-te-s de que foste escravo no Egito, e de que o
Senhor teu Deus te resgatou dali; por isso eu te dou este mandamento para o
cumprires. 19 Quando no teu campo fizeres a tua sega e esqueceres um molho
no campo, no voltars para tom-lo; para o estrangeiro para o rfo, e para a
viva ser, para que o Senhor teu Deus te abenoe em todas as obras das tuas
mos. 20 Quando bateres a tua oliveira, no voltars para colher o fruto dos
ramos; para o estrangeiro, para o rfo, e para a viva ser. 21 Quando
vindimares a tua vinha, no voltars para rebusc-la; para o estrangeiro, para o
rfo, e para a viva ser.
Os filhos no poderiam ser punidos pelos pais (Deut. 21): 16 No se faro morrer os
pais pelos filhos, nem os filhos pelos pais; cada qual morrer pelo seu prprio pecado. O rei
no est acima da lei, mas deve submeter-se a ela. A justia administrada pelo povo.
O estatuto do estrangeiro diferenciava em direitos e deveres o residente e o visitante.
(Deut 10):
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17 Pois o Senhor vosso Deus, o Deus dos deuses, e o Senhor dos senhores, o
Deus grande, poderoso e terrvel, que no faz acepo de pessoas, nem recebe
peitas; 18 que faz justia ao rfo e viva, e ama o estrangeiro, dando-lhe po
e roupa. 19 Pelo que amareis o estrangeiro, pois fostes estrangeiros na terra do
Egito.
Dita o livro, que estabelecers juzes e magistrados em todas as cidades que Jeov,
teu Deus, de acordo com as tribos, e eles julgaro o povo com justia. No ters considerao
pelas pessoas e nem recebers quaisquer presentes, pois os presentes cegam os olho
perspicazes e corrompem as palavras dos justos. O livro retrata claramente um preceito contra
a corrupo dos magistrados que deveriam manter-se distante dos presentes e das ddivas
das pessoas.
Como sempre acontece, o Talmude acrescentou outros preceitos que os doutores
judeus foram inserindo no conjunto de leis de Israel.
Agora vejamos o Cdigo (constituio) de Israel, feito por Moiss, calcado nos DEZ
MANDAMENTOS: 1)Repetiu como lei espiritual e material as proibies: No matar; No
furtar; No dar falso testemunho. 2)Estabeleceu prazo para o cumprimento de um trabalho
escravo, estipulando a liberdade aps seis anos de servios escravos. 3)Mandou que se desse
uma importncia ao alforriado em dinheiro ou em bens (roupas, alimentos, gado, etc.).
4)Regulamentou pesos e medidas. 5)Determinou o divrcio em casos especiais. 6)Condenou o
adultrio. 7) Condenou a usura. 8)Consagrou a inviolabilidade do domiclio.
3)O DIREITO NA GRCIA E EM ROMA
O estudo do direito na Grcia e em Roma pode ser feito dentro de uma unidade nica. Assim
como os povos do crescente frtil mantinham princpios e desenvolvimento semelhante, Grcia
e Roma tambm possuem alguns itens comuns.
Inicialmente pode-se falar em uma cultura (religio, poltica, direito etc) indo-europeia.
Os povos originrios de gregos e romanos so grupos que comearam a migrar para a Europa
por volta do ano 2000 A.C. So caadores e guerreiros, e vo se instalando em meio aos
povos nativos. Dominam a regio e os seus povos acabam compondo camadas inferiores nas
sociedades que nascem dominadas pelos Indo-europeus. Os povos Helenos encontram
habitando a pennsula helnica os denominados Pelgios. No ser diferente com os latinos
que vo para a denominada pennsula itlica. Na Grcia e na Itlia vo predominar pequenos
grupos humanos, baseados na fase inicial, nas famlias ou genes. O Surgimento das Polis ou
da prpria Roma um longo passo adiante.
A geografia em que esses povos sero forjados muito semelhante. reas de
agricultura em vales frteis e montanhas altas ao redor. Como unificador tem-se a presena de
um grande mar, o Mediterrneo, convidando sempre para as viagens e expanses. A
mentalidade mais comercial pela presena da via martima e a prpria geografia limita uma
total independncia de produtos em uma s regio. Esse modo de produo usar o escravo e
ser em muito diferente do modo de produo asitico.
3.1)Direito na Grcia
Os helenos invadiram em grupos pequenos aquilo que hoje denominamos de Balcs 14.
O tempo tambm foi longo. Por volta do ano 2000 A.C.., os Aqueus entram na regio do sul,
14 Balcas ou Blcs o nome histrico para designar a regio sudoeste da Europa. O termo turco e significa montanha. Sua
rea imensa, sendo que o extremo sul tende a afinar com altas cadeias de montanhas, vales profundos e muitas ilhas ao
redor.
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3.1.2)Instituies Jurdicas:
a.1)Jurisdio: A fora da lei escrita aumenta o poder do estado, que se impem sobre
a justia particular para mediar os conflitos de interesses. Os juzes estatais so rbitros
pblicos que examinam as pretenses e resolvem os conflitos impondo uma jurisdio.
Existem tambm rbitros privados, da escolha das pessoas que assim desejarem.
a.2)Tipos de Ao: Os gregos no estabeleciam diferena clara entre direito privado e
pblico, civil e penal. A diferena entre essas reas se dava no direito processual, ou seja, dois
tipos e formas de ao so requeridos ao apresenta-las no tribunal: a ao pblica e a ao
privada. A ao pblica (graph) podia ser iniciada por qualquer cidado que se considerasse
prejudicado pelo Estado, por exemplo, por ao corrupta de funcionrio pblico. A ao
privada (dik). era um debate judicirio entre dois ou mais litigantes, reivindicando um direito
ou contestando uma ao, e somente as partes envolvidas podiam dar incio ao.
Exemplos: assassinato, perjrio, propriedade, assalto ou ao envolvendo violncia. No havia
promotor, ento era o cidado que devia entrar com aes pblicas contra governantes ou
outros cidados, como exemplo: contra oficial que se recusa a prestar contas; contra oficial por
aceitar suborno ; contra estrangeiro pretendendo ser cidado; contra o que props um decreto
ilegal; por registrar falsamente algum como devedor do Estado. Em certo perodo o estado
passa a recompensar quem abre tais processos, concedendo percentuais das aes pagos ao
acusador. Nascem os Sicofantas.
a.3)Tribunais: Os clssicos tribunais da Grcia primavam por serem isentos na
administrao da justia. Eram formados por um jri composto de cidados comuns, cujo
nmero chegava a vrias centenas em um s caso (chamavam-se dikastas). O principal era o
Heliaia. At os magistrados eram escolhidos anualmente do meio do povo. No havia juiz: um
magistrado (Chamavam-se Heliasta e alguns falam em 6 mil) presidia o julgamento, mas no
interferia no processo. Os litigantes dirigiam-se diretamente aos jurados. No tribunal do
Arepogo julgavam somente crimes de sangue. Assim Atenas possua tribunais organizados
em: Justia Criminal, o Arepago era o mais antigo tribunal de Atenas e, teria sido institudo
pela deusa Atena para o julgamento de Orestes. O tribunal dos Efetas tinha 4 tribunais
especiais: o Pritaneu, o Paldio, o Delfnio e o Fretis. Estes tribunais julgavam os casos de
homicdio involuntrio ou desculpveis (como legtima defesa, por exemplo), conforme a
diferenciao estabelecida desde os tempos de Drcon. A justia civil era para pequenas
causas e era por rbitros. Os tribunais martimos.
a.4)Processo: Na Atenas democrtica qualquer um podia entrar com uma questo no
tribunal e no s o parente como antigamente. Os primeiros a estabelecer um processo regular
jurdico foram os gregos. No dia marcado o litigante ia ao tribunal. Os corpo de magistrados e
jurados j estavam escolhidos por sorte. Feita uma apresentao formal das partes litigantes,
cada uma tinha seu tempo igual de discurso, sem interrupes, aonde mostrava suas
evidncias e a justia do seu litgio. Cada um se dirigia diretamente aos jurados, e tinha o
tempo interrompido somente quando os magistrados (que faziam uma pesquisa tcnica da
situao) tinha algo para apresentar, como uma evidncia de suporte ou uma testemunha
trazida pelos litigantes. Aps este discurso havia uma votao secreta e vencia que
conseguisse a maioria dos votos dos jurados. Com o tempo esse discurso vai sendo bem
elaborado e at contratado a um loggrafo. Perito na arte da oratria, retrica e
convencimento. Em raros casos o litigante podia ser representado em sua fala por um parente,
e pouco a pouco ele passa a ser representado por algum de maneira discreta. A figura
clssica e legal do advogado romano e da justia ocidental fica quase desconhecida na justia
popular na Grcia. Sobre esses atidgrafo ou loggrafo (advogados) temos:
Os loggrafos escreviam para seus clientes um discurso que este ltimo deveria
recitar como se fosse sua a autoria. Eles suprimiam sua prpria personalidade e
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geral, ordenando que cada classe cumpra seu dever, sem envolver-se com os demais.A Justia
dar a cada um o que seu e a Prudncia o conhecimento da ao justa. (MACEDO, 1982)
Plato tambm trabalha a justia de maneira metafsica. Contesta os sofistas
(Protgoras)18 ao afirmar que a Justia tem fulgor solar e Deus a medida de todas as coisas.
A Justia natureza das coisas espirituais. Plato no tem um conceito seu de direito.
Plato apresenta uma definio do Estado, de natureza sociolgica, mesmo antes da
prpria criao da Sociologia. O Estado para Plato um macroanthropos (homem grande),
um prolongamento do homem, da sua socialidade. Para Plato o Estado tem funo de natu reza educativa (exige educao gratuita, pblica e obrigatria). Uma antecipao do Estado
moderno. Numa viso genial de Plato o Estado um visto como um meio e no um fim. Na
obra a Repblica, ele descreve um Estado ideal e no Estadista e nas Leis configura-se
um Estado concreto. O Legisladordeve ser dotado de viso filosfica, por isso, o sbio que
deve governar. O Legislador o imitador de Deus, o criador por natureza, por isso tem algo de
divino. O Legislador o que d a norma e a interpreta. (MACEDO, 1982)
Plato defende a superioridade da lei viva sobre a lei escrita, do direito natural sobre o
direito positivo. Os sofistas que defendiam um direito positivo, mas em um Estado governado
por sbios carece de significao todo direito positivo.
Plato condena a escravido e aceita a igualdade de direitos entre o homem e a mulher.
No aceita a propriedade privada, mas a admite como forma de minifndio, combatendo o
latifndio no que se antecipa s reformas agrrias do mundo moderno.
No Poltico, conceitua as formas de Governo (regimes polticos): a)Formas legtimas:
monarquia, aristocracia e democracia; b) Formas ilegtimas: tirania, oligarquia e demagogia
(formas corruptas).
Nota-se, porm, nas Leis, que Plato acrescenta uma nova forma de governo: a forma
mista, mescla de monarquia e democracia, teoria aceita por Aristteles.Finalmente, nas Leis o
Filsofo apresenta modelos de cdigos: penal, processual, trabalhista, constituies, agrrio,
legislao eleitoral, legislao civil, militar. (MACEDO, 1982)
a.2)Aristteles:
A ideia central do pensamento poltico-jurdico de Aristteles tambm a Justia. Ele
expressa essas ideias nos seus livros Poltica e tica Nicomquea. Para o discurso
Aristotlicoa Justia comparada a Vnus, que brilha como astro matutino e vespertino no cu
de Atenas, onde o mesmo observado com brilho e perenidade especial.
O Filsofo mais completo da antiguidade atribui grande valor Justia, que "A virtude
das virtudes". (na sua obra tica Nicomquea) (MACEDO, 1982)
O conceito de Justia dado por Aristteles, atravessou as pocas e se mantm nas
conceituaes medievais, modernas e contemporneas, com Santo Toms, Surez, Grcio,
Leibniz, Kant, Hegel, etc.
Com base na "Phrnesis" (sabedoria prtica) que ele faz toda a arquitetura poltica e
jurdica. A sabedoria prtica diz que para atingir certo fim bom, preciso calcularar bem, nos
assuntos em que devem deliberar, pois ela uma disposio de agir acompanhada de razo
concorrente s coisas boas e ms para o homem. A sabedoria prtica ao mesmo tempo
intuio e cincia cincia das realidades mais elevadas
Aristteles define um conceito do Direito. Para ele o Direito o que pode criar e
conservar, no todo e nas partes, a felicidade da comunidade poltica. um meio de
equilbrio social e cada povo procura sua felicidade a seu modo; da as diversas maneiras de
viver e sua constituio poltica. (MACEDO, 1982)
Distingue um direito legal, baseado em pautas normativas de cada sociedade
18 Protgoras de Abdera ( 480 a 410 A.C) foi o maior Sofista da Grcia Antiga e grande inimigo de Scrates. Dizia que o
homem a medida de todas as coisas, ou seja, as leis, regras, costumes e tudo mais deve ser definido por um conjunto de
pessoas. Essa mxima expressava bem o relativismo de Protgoras e dos Sofista combatidos por Scrates e Plato.
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modo todo magistrado possui um direito de dito que , sem contestao, de ordem
legislativa. Por outro lado, o Cnsul detm poderes de polcia muito extensos; pode, por sua
nica responsabilidade, expulsar de Roma indivduos, recrutar soldados, etc., se o
considerar til para executar a misso que o seu cargo comporta. Nem em matria civil ou
criminal, nem em matria constitucional, existe qualquer cdigo escrito, mas apenas
costumes, que tem fora de lei, embora nunca tenham sido objeto de voto popular. A
constituio romana no nasceu pensada por um homem ou um grupo, mas formou-se de
maneira de um ser vivo que se adapta progressivamente s condies em mutao que o
meio lhe dita, e consegue, deste modo, sobreviver. Durante a monarquia e parte da
Repblica os direito judicirio (civil) e direito constitucional no estavam separados. Rei ou
cnsules possuam certas regras que se aplicavam as pessoas na medida das
necessidades surgidas. Suas respostas s consultas eram um misto de alvitre prprio e de
certos costumes existentes.
Por essa razo o direito precede a lei, e as regras constitucionais no so mais que
um caso particular desse direito, a partir do qual formam lentamente, muito tarde e de
maneira sempre imperfeita. Assim se explica que, ao final do Imprio, os imperadores
legislem em todas as ordens de questes. Fazem-no no como monarca absoluto que se
apoderaram de prerrogativas que misteriosamente pertenciam ao povo, mas como
sucessores dos magistrados republicanos e, mais ainda, dos reis. Quem detm uma parcela
de poder tem por misso fundamental assegurar a manuteno da ordem, essa ordem do
mundo cujo preocupao dominava o esprito do Romano. E, se o direito civil ou criminal
tem por objetivo manter a ordem entre as pessoas, o direito a que chamamos constitucional
tem por objeto mant-la ou assegur-la nas relaes entre particulares e a cidade.
Em Roma o direito nasce da moral, das pocas passadas que foram deixadas pelos
antepassados na sua marcha como sociedade. A rigor para o direito moderno o direito
romano nasce com o surgimento da LEI DAS DOZE TBUAS. Mas, comparando-as com as
leis da poca real, das quais nos chegaram alguns exemplos, no podemos deixar de ser
sensveis ao esforo e modernizao e at laicizao que testemunharam. A maior parte das
leis atribudas a Rmulo ou a Numa so, de facto, de carter religioso. Dizem respeito a
violao das interdies sagradas ou provm de casos em que a interveno divina
manifesta. Como por exemplo, o tratamento a aplicar ao cadver de um homem atingido por
um raio, no deve pegar no cadver e no deve ser enterrado segundo as regras habituais.
Tambm nas leis reais, a pena de morte, frequentemente pronunciada, era concebida como
uma consagrao aos deuses: sacer esto uma frmula como um refro terrvel. O
culpado de uma infrao j no pertence a comunidade dos deuses. O castigo de uma
infrao j no pertence a comunidade dos homens, pertence aos deuses. O castigo no
tem um carter propriamente moral, como uma verificao de um facto religioso.
... sabido que esta flexibilizao do direito primitivo tambm caracterizou a evoluo
do direito grego (Ateniense, em particular) no fim do sculo VI A.C. e no impossvel que
os dcenviros lhe devam essa inovao, cuja aplicao descobriram no Cdigo das colnias
gregas. Era carregado de consequncias. Com ela, instalava-se na cidade o prprio
princpio da justia, suum cuque tribuere, dar a cada um o que seu restitui-lo, se
necessrio, restaurar. (...) Por vezes, essa reparao, assume a forma de Talio, mas essa
s intervm quando as duas partes no chegam a um acordo quanto a uma reparao, e
ainda quase que exclusivamente no caso de danos fsicos para os quais difcil fixar uma
tabela de reparao. O recurso do Talio sempre o menor dos male; para evitar a lei
estipula nmeros precisos, por exemplo danos e interesses de trezentos sestrcios para
quem partir um osso a um homem livre e de cinquenta se a vtima for um escravo.
Um dos caracteres mais duradouros do direito romano, o que teve mais
consequncias, sem dvida a posio privilegiada do chefe de gens, do pater famlias: s
ele plenamente responsvel, plenamente proprietrio, s ele est plenamente apto a fazer
justia. J recordamos que, no seio da famlia, nem o filho e nem a mulher possuem
primitivamente nenhum direito, nenhuma personalidade jurdica. Se, por consequncia, s
tivessem existido famlias deste tipo, o Estado s teria de regular as relaes entre patres.
Todo o resto decorreria do tribunal de famlia. Mas a existncia da Plebe, o seu
32
A segunda oferece uma explicao militar, pois cidades latinas com medo de
invasores do norte teriam estabelecido no Lcio um colnia (vila) para proteger a travessia do
Rio. Uma ou outra verso deixa claro que a primeira opo de governo foi um realeza.
Roma nunca alcanar um processo democrtico como em Atenas. Mesmo as
instituies republicanas so aristocrticas, dominadas por um grupo hegemnico que usava
o estado e as leis para seu prprio benefcio patrcios, ou descendentes dos pater.
3.2.2)Perodos Polticos.
Politicamente a histria romana dividida em trs fase:
a)Monarquia: Esse perodo comea na fundao da cidade por volta do ano 756 A.C. e
tem em Rmulo o primeiro rei. No havia hereditariedade e a escolha dos novos reis seria
34
feita pelos homens ricos e influentes, de onde surge o senado romano. Neste perodo cidades
litorneas Etruscas influenciam Roma em vrios aspectos, incluindo o jurdico. Um grupo de
ricos comerciantes se mudam para Roma e acabam por exercer por vrias dcadas a
monarquia como reis.
b)Repblica: No ano 510 A.C. o senado e a elite dominante os patrcios, retiram do
trono o ltimo rei de Roma, um representante dos Etruscos (Tarqunio, o Soberbo) que parecia
querem dominar a cidade aliando-se aos mais pobres e sem direitos polticos os plebeus.
um perodo rico em mudanas polticas, crescimentos e lutas.
c)Imprio: No ano 29 A.C., depois de dcadas de guerras civis entre democratas e o
partido senatorial, Roma se acomoda a uma forma centralizada em um Imperador. Otaviano
Augusto, sobrinho do grande Jlio Csar assume o poder central. Mantm muitas instituies
republicanas (incluindo o senado). Em vrias dinastias e formas de se administrar, Roma se
conduz como Imprio at sua queda no Ocidente, no ano 476 D.C.
3.2.3)Perodos Jurdicos.
Na parte jurdica temos alguns perodos claros sobre o direito romano:
a)Perodo Arcaico ou Pr-clssico: (da fundao de Roma no sculo VIII a.C. at o
sculo VI a.C.). Esse perodo marcado pelo Rei e depois dois cnsules com poderes
fortssimos. O cargo de rei assume carter de magistratura vitalcia, tendo funes
religiosas, militar, poltica e at jurdicas. Na parte judiciria o rei era auxiliado pelos duouiri
perduellionis: juzes nos casos de crimes contra o Estado, e tambm pelo questor parricidii,
que julgava o assassinato voluntrio de um Pater (pai) pelo filho. O Direito formal e solene,
marcado fortemente pela rigidez. O Estado ausente, limitava-se a questes ligadas
sobrevivncia, deixando a justia privada ocorrer. As Punies dos delitos considerados
graves eram marcantes. As leis eram transmitidas, de incio, oralmente, em versos (carmina).
Quando passaram a ser escritas, foram primeiramente nos textos sagrados. Os comcios
(assembleias) curiatos (Assembleia Curiata) serviam para modificar a ordem legal na cidade.
Os Pontfices (oficiais da Religio) eram responsveis pela jurisprudncia. A separao do
direito da religio nunca se dar por completo, mas vai haver emancipaes e linguagem
jurdica prpria a partir das grandes leis escritas romanas, das quais a Lei das Doze Tbuas
o incio incipiente da cultura jurdica Clssica romana. Em Roma as fontes de seu direito
eram os costumes (jus non scriptum), a lei (lex), os senasconsultos e os editos dos
magistrados (juscriptum). (GAVAZZONI: 2002, p. 85)
b)Lei das XII Tbuas: Formam o que se denominava Lex Data, ou lei especial
delegada, formada pelos magistrados em virtude de poder dado a eles pela chamada Lex
Rogata, ocorrendo por meio de Assembleia. Elas foram escritas no incio da Repblica, onde j
vigorava a presena de cnsules e muitas desavenas entre Plebeus e Patrcios. Tm-se como
certo que a lei acabar surgindo por presso violenta de boa parte dos romanos os plebeus
( 451 e 450 a.C). A gestao da lei durou 10 longos anos de debates entre 10 membros do
senado. Trs juristas foram enviado at Atenas para estudar as lei de Slon e outras leis
helnicas, sob a influncia do exilado grego em Roma: Hermgenes.
Os Plebeus participaram dos debates que duraram dez anos, mas no da votao que
aprovou 10 tbuas das 12 que teria a Lei (451 A.C.). Aprovadas pela assembleia militar das
centrias, depois foi formado um decnviros (10 pessoas) que redigiram mais duas tbuas de
leis, sendo acrescidas em 450 D.C. para formar a LEI DAS XII TBUAS. Sobre elas nos fala
um moderno expositor histrico da cultura romana:
verdade que muitas das prescries das Doze Tbuas tm por objeto factos
da vida rstica. Tratam muitas vezes das de colheitas, de rvores abatidas ou
que interessa preservar, de animais que cometem depredaes nos campos.
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Mas tudo isto natural numa sociedade cuja economia assenta quase
unicamente na produo agrcola. Nada indica que esses elementos sejam mais
antigos do que os outros. Pelo contrrio, toda prtica dominada pelo recurso
aos magistrados urbanos, ao pretor, e no se encontram vestgios da justia
rstica; esta, assim como o direito gentlico, pertence a um contexto muito
diferente. A sua inegvel influncia est no domnio da pr-histria do direito. No
tempo das Doze Tbuas, este decididamente urbano o que est
perfeitamente de acordo com o relato tradicional das circunstncias que
provocaram a codificao dos decnviros, se que verdade que a plebe (a
pedido da qual foram redigidas as Doze Tbuas) representa o elemento urbano
por natureza por excelncia do Populus Romanus. (...) Foi este lento trabalho de
desintegrao das gentes que conduziu redao das Doze Tbuas,
consagrao de um poder supragentlico que cada um pode adaptar aos seu
prprio caso e aplicar em condies bem determinadas. (sic) (GRIMAL: 1988,
p.92 e 92)
A Lei das Doze Tbuas foi colocada no Frum de Roma em 12 tbuas bem visveis e,
foram destrudas pelos gauleses, que em 390 A.C. invadiram e tomaram a cidade de Roma.
c)Perodo Clssico: Marcado essencialmente pela evoluo do direito romano se
afastando da religio. A competncia para legislar evoluiu de acordo com as mudanas
polticas em Roma. Desta forma, durante a repblica, as leis (leges) emanavam das
assembleias populares (plebiscita). Inicialmente obrigavam somente os plebeus, mas
adquiriram validade para todos os cidados de Roma aps a Lei Hortncia (286 A.C.).
O Imperium era o poder militar e religioso. O imperium na sua realidade jurdica e
religiosa a projeo no interior da cidade da onipresena de Jpiter. A criao dos Cnsules
deu a eles a funo militar e religiosa (os dois revezavam as funes) que era do Rei 20. Evitouse por muito tempo o acesso dos plebeus ao consulado, porque eles eram considerados
religiosamente incapazes de assumir a funo religiosa e interpretar os auspcios. Para
representar os Plebeus criado o Tribunos da Plebe, que possuam poder militar, mas no
religioso, portanto sem imperium. Eles tinham porm o jus intercessionis. Podiam
interromper o mando de qualquer magistrado. No tinham um imperium, mas eles gozavam da
proteo de Ceres, a deusa plebia. Eram inviolveis, quem os tocasse se maculava, que
resistisse s suas ordens era executado A partir de 360 A.C. os cnsules no exerciam
Jurisdio Contenciosa, que passa a ser exercida pelos Pretores (PRAETOR: PRAE ITOR.
Aquele que vai frente). Eles cuidavam da fase inicial do processo entre particulares.
Verificavam as alegaes das partes e remetendo o caso posteriormente a um juiz particular.
Incumbia, ento, a esse juiz, verificar a procedncia das alegaes diante das provas
apresentadas a sua deciso. Havia pretor para os casos entre cidados romanos - era o Pretor
Urbano. A partir de 242 A.C., foi criado um pretor para os casos em que figuravam
estrangeiros: Pretor Peregrino. A Lei Aebutia - (BCIA) no sculo II a.C., modificou o
processo,
dando ao Pretor maiores poderes discricionrios. Por essas modificaes
processuais e ao fixar os limites da contenda, ele podia dar instrues ao juiz particular sobre
como ele deveria apreciar as questes de direito. Fazia isto por escrito, pela frmula,
Processo Formulrio: - na qual podia incluir novidades, at ento desconhecidas no direito
antigo. Ele tambm acaba com as frmulas escritas da lei, as regras de procedimento j no
so to rgidas e so mais adaptadas as reclamaes da comunidade. No procedimento
verificava-se a jurisdio. Existe a competncia de foro (local onde a ao tem entrada) ou
de competncia do magistrado (natureza e valor das causas, condio das pessoas etc.).
20Nesse tempo criou-se uma espcie de rei de mentirinha o rex sacrificulus que mantinha a funo do rei e se
encarregava dos ritos religiosos. Assim os deuses no se sentiriam desenraizados e reconheceriam sua cidade.
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se une a social e poltica. Como exemplo, em um perodo de 49 anos ( 235 a 284 d.C.), houve
20 imperadores, dos quais 18 tiveram morte violenta. A instabilidade poltica espraiava-se em
todas as reas ocidentais, apesar de alguns excelentes imperadores. A lei perde e passa a ser
no ocidente a mera compilao de preceitos formulados na poca clssica de sua existncia.
No entanto, o oriente ainda respira prosperidade. Pequenas propriedades, cidades
ativas e comrcio vigoroso, alm da ausncia das perturbaes que se deram no ocidente. A
cultura Latina aos poucos migra para o imprio oriental. Ali a cultura clssica das leis romanas
passa tambm por codificaes, algumas particulares: o Codex Gregorianus, composto por
cerca do ano 291 D.C.; e o Codex Hermogenianus, elaborado por volta de 295 D.C. Ainda
com vida social e poltica no ocidente, a primeira compilao oficial de leis se d no Oriente
com o Imperador Teodsio (Codex Theodosianus), e que continha todas as constitutiones
imperii promulgadas desde Constantino, tendo sido publicado em 438 D.C.. No Ocidente foi
Valentiniano que implantou acodificao e sua influncia foi marcante no Ocidente, pois
sobreviveu queda do Imprio Romano Ocidental e permaneceu em vigor at as primeiras
codificaes brbaras.
A queda do Imprio Romano Ocidental acontece, causando no ocidente pavor, fugas e
destruio. No Oriente gera profundas inquietaes. O Imprio Romano Oriental, com Capital
em Constantinopla, vai reagir e tentar recuperar terreno de maneira militar 21. O Imperador
Justiniano tem um grande esforo de codificao das leis, e consequentemente a manuteno
da grande herana do mundo ocidental: a justia e direito Romano. O ambicioso projeto, que
foi levado a termo por uma comisso de dez juristas - notadamente Triboniano e Tefilo
(professor de Direito da Universidade de Constantinopla) -, consistia na compilao de todas as
fontes antigas do direito romano e sua harmonizao com o direito ento vigente, e foi
empreendido em 527 a 534 D.C. Ficou conhecida na histria como CORPOS JURIS CIVILIS.
(Corpo do Direito Civil).
3.2.4)O Corpo do Direito Civil.
um conjunto ordenado das regras e princpios jurdicos de mil anos de direito romano,
reduzidos a um corpo nico, sistemtico, harmnico, mas formado de vrias partes. Esta obra
tem 4 partes distintas:
1)O Cdigo Justiniano (Codex Justiniani) era compilao de leis imperiais que visava
substituir o Cdigo Teodosiano. Entraria em vigor aos 16 de abril de 529. Todavia, Justiniano
percebeu que o Cdigo no abrangia toda a ordem privada, de modo que intentou realizar um
trabalho gigantesco de compilao. Reunindo os melhores juristas de seu tempo, sob a
presidncia de Triboniano fez a prxima parte.
2)O Digesto (Digesta ou Pandectas), era uma vasta compilao de trechos de mais de
1.500 livros escritos por jurisconsultos da poca clssica - principalmente Ulpiano, Paulo, Gaio,
Papiniano e Modestino;
3)As Instituies (Institutiones Justiniani), espcie de manual elementar destinado ao
ensino do direito - obra mais clara e sistemtica que o Digesto, foi redigida por dois juristas,
Dorotu (Escola Jurdica de Bento) e Tefilo (Constantinopla), sob a direo de Triboniano;
4)As Novelas (Novellae), foi uma modernizao do Cdigo Justiniano, ultrapassado pela
imensa produo jurdica do perodo de Justiniano.
Essa obra foi chamada de Corpos Juris Civilis por Dionsio Godofredo, no fim do
sculo XVI d.C. Ela subsistiu at a tomada de Constantinopla pelos turcos no sculo XV. Tal
21 Elevado ao trono do Imprio Romano do Oriente em 1 de agosto de 527, com o nome de Flvio Ancio Justiniano Magno.
Justiniano reconquista Roma, mas passa por dificuldades, que atingiram o seu ponto culminante em 546 D.C., com a perda de
Roma e de Cartago. A vontade de Justiniano no ficou por tal abalada. Logo depois de perdida, Cartago foi retomada, mas o
sonho de reunificao dos dois imprios para ali e com a morte de Justiniano no ano de 565 D.C.
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razo suprema, impressa na natureza, que ordena as coisas que se devem fazer e probe
as contrrias. Sendo diferente do intelectualismo grego e iniciando o estilo voluntarista,
escreve que a Lei no o produto da inteligncia humana, nem da vontade popular, mas algo
eterno que rege o universo, atravs dos sbios mandatos e sbias proibies.
Para Papiniano24 a Lei o preceito comum, decreto de homens prudentes, sbios,
correo dos delitos e decorrente de pacto comum da Repblica. Demstenes assim define: A
lei aquilo que convm a que todos obedeam por muitas razes, e principalmente porque
toda lei inveno e dom de Deus, decreto dos homens sbios, correo dos crimes, que
voluntria ou involuntariamente se cometem, pacto comum da cidade, a cuja prescrio todos
os que so da Repblica devem ajustar sua vida. Definio de Crisipo25: A lei a rainha de
todas as coisas divinas e humanas. Definio de Justiniano que segue o mo delo j adotado
por Ccero, o qual, por sua vez, foi abstrado da Repblica de Plato. (MACEDO, 1982)
Uma caracterstica do pensamento jurdico romano ps-clssico ou justinianeu a
equidade (aequitas), cujos conceito primordial de Aristteles.A equidade est situada alm
da norma escrita. A "aequitas", a marca que fixa um nvel elevado da evoluo jurdica. Nos
textos romanos, principalmente, no Corpus Jris Civilis onde encontramos as definies que
transitam para os dias atuais:equidade natural, civil; equidade da coisa; equidade da ao;
equidade do juzo; equidade da compensao; equidade da restituio, etc.
;:A ideia que se tinha em Roma dos Juristas era a mais elevada possvel. Para o Positivismo
jurdico a equidade sempre foi subestimada, at mesmo para a Pandectista, que se vangloria
de construir uma cincia a rigor. (MACEDO, 1982)
No pensamento romano filosofia jurdica e cincia do direito se resumem na
jurisprudncia a qual no cincia no sentido de pesquisa da verdade objetiva e absoluta
ou de especulao sobre o direito, mas sim arte e tcnica tendentes a conseguir aquilo que
parece justo e oportuno na convivncia social.
Os Juristas romanos (Repblica e Imprio) so em nmero de noventa e dois, sendo
que vinte e nove contriburam para o "Corpus Jris Civilis". No perodo clssico de justia
reconhecer-se em Ccero no s o grande escritor clssico latino (o maior modelo da prosa
latina), mas tambm o Jurista, o Filsofo do Direito caracterstico do Pensamento romano.
(MACEDO, 1982)
4)O DIREITO NA IDADE MDIA OCIDENTAL E RABE
impossvel falar em Idade Mdia como um conjunto harmonioso e fechado. A prpria
historiografia moderna deixa claro que a antiga viso monoltica do positivismo sobre a Idade
mdia no se sustenta.
Normalmente como uma viso de macro histria a Idade Mdia pode ser datada do
perodo que compreende da Queda do Imprio Romano do Ocidente (476 D.C.) at Tomada
de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453 D.C.. Nesses mil anos houve muitas
23 Marco Tlio Ccero (106 a 43 A.C). Foi Questor, Censor em Roma. Poltico e pensador de destaque. Ligado fortemente a
Jlio Cesar, foi o responsvel judicial pela morte de seus assassnios. Infelizmente foi morto pela agitada poltica do segundo
triunvirato.
24 Emlio Papiniano (142 a 212 D.C.). Foi outro grande jurista romano e amigo ntimos do Imperador Severo, que deixou a seu
cargo os dois filhos Caracala e Geta. Acaba morrendo quando do massacre que Caracala fez a sua irm e a todos os seus
amigos e defensores.
25 Filsofo Grego da Ceclia (280 a 208 A.C.) e grande expoente do pensamento Estoico que muito influenciou Roma.
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27 No se deve esquecer que por mais de 7 sculos os muulmanos povoaram e dominaram terras na pennsula Ibrica. Essa
presena deixou marcas na agricultura, arquitetura e tambm no direito Ibrico. O Isl mais antigo era predominantemente
rabe. Hoje existem outros povos no rabes seguidores do Isl e da religiosidade surgidas entre os rabes
28A prpria palavra Isl, frequentemente traduzida por submisso, refere-se a deciso dos muulmanos aquele se que se
submete ou se rende, de sujeitar-se em mente e esprito vontade de Deus ou Al (em rabe Allah, o Deus nico).
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sobreviviam de inmeros osis da regio. No litoral oeste da pennsula, uma rea um pouco
mais desenvolvida, existia srie de cidades comerciais e religiosas eu ocupavam aquele
espao e realizavam um prspero comrcio com as tribos. Essas tribos eram comandadas
pelos Califas e cada uma possua sua divindade particular e adoravam ainda vrias outras.
No se entendiam entre si, e vivam em disputas violentas, que s paravam na poca da
peregrinao a cidade sagrada: Meca. Ali havia um templo, com uma grande pedra (meteorito)
negra e milhares de representaes de divindades, que selavam a paz necessria para a
realizao do comrcio. Na regio um vazio de poder era sentido pelo enfraquecimento do
Imprio Bizantino e novas ideias penetravam nas mentes dos rabes.
A religio Islmica comea com um homem. O grande iniciador do Islamismo foi o
Profeta Maom, nascido em Meca no ano 570 D.C. Sua famlia pertencia tribo dos
Coraixitas, embora a parte no mais poderosa. (HOURANI: 2006, p. 34) Analfabeto e rfo,
trabalhou com um tio em caravanas no oriente mdio. Conheceu as cidades da regio e at as
mais distantes na Sria, Palestina e Lbano. Teve profundo contato com cristos e judeus,
se tornou admirador da unidade Bizantina, fortemente baseada na unicidade de crena, e
conhecedor da religio judaica (tambm monotesta).
Sua vida muda perto dos 40 anos. Maom casou-se com Cadija, uma rica viva
comerciante, e cuidou dos negcios dela. (HOURANI: 2006, p. 35) Passa a receber vises e
revelaes do nico Deus, a quem chamou de Al. Essa revelao vinha por meio do anjo
Gabriel, o que mostra profundo conhecimento de Maom da Bblia e do Antigo Testamento.
Essas revelaes no so escritas, mas recitadas por seus seguidores e mais tarde
compiladas em um livro : O Alcoro (Al diminutivo de Al Coro Livro) ou livro de Al.
A religio codificada simples na teologia e exigncias aos fiis e so facilmente
adaptadas ao judasmo e cristianismo, pois Maom nunca negou os profetas, nem mesmo
Jesus, mas os incorporou a revelao maior que recebera. O Alcoro a principal fonte de
inspirao e de f para quem professa a religio islmica sendo tambm o smbolo e a
encarnao da relao ntima de Deus com a humanidade.
Com a ajuda da cidade de Medina consegue, depois de uma tentativa frustrada,
conquistar Meca e impor uma nova religiosidade as tribos rabes, unificando-as atravs da
crena em Al. As regras impostas tendem a uma moralidade que dominasse a selvageria
existente: proibio do vinho, do jogo, do emprstimo a juros. Os juzes devem nas suas
decises judicirias, procurar o que justo: lutar contra a corrupo, impor testemunho da
justia, os contratos devem ser executados fielmente, os fracos (mulheres, rfos, escravos)
devem ser protegidos.
Rapidamente seus vizinhos foram conquistados e a F Islmica (com armas ou
pregaes) foi dominando o oriente numa velocidade impressionante. No existiria razo para
falar dessa outra manifestao do gnio religioso dos semitas (bastariam o estudo dos
Hebreus). Porm, os dogmas fundamentais do Islamismo saram do foro intimo das tribos. A
nova religio fez-se instrumento de conquistas e de fundaes politicas importantes, dando
nascimento a uma organizao jurdica peculiar, nos vrios pontos em que troou o verbo do
profeta e refulgiu a falange dos califas. (HOURANI: 2006)
Os rabes vo desenvolver uma importante escola filosfica, uma verdadeira Academia.
Da biblioteca de Alexandria os rabes tiveram acesso as obras de Aristteles 29,
conservando-as ao verterem do grego para o rabe. Aristteles ficou perdido da elite pensante
crist europeia por 800 anos e, consequentemente do pensamento ocidental. A proximidade
29 O rabe, na verdade, um intermedirio, numa instncia inicial. As obras de Aristteles, de Euclides, de Ptolomeu, de
Hipcrates, de Galeno acompanharam no Oriente os cristos herticos monofisistas e nestorianos e os judeus perseguidos
por Bizncio, e por eles foram legadas s bibliotecas e escolas muulmanas que as receberam em grande nmero. E ei-las
agora, num priplo de volta, chegando s margens do cristianismo ocidental. (LE GOFF: 2006, p. 38)
42
e Hanbal, cada um dos quais fez escola. (MARTINS JNIOR: 1898) Foi brilhante a agitao
jurdica produzida nesse perodo (sculos VIII e IX), pois junto a questo jurdica ficava a
prpria interpretao da f muulmana (Hermenutica). Cada regio tinha um pensador e sua
maneira de propor a f. Ahmad ibn Hanbal (780 a 855 D.C.) foi o primeiro a reagir a
organizao racional das obras Islmicas visando a solidificao da f. Ele postulava um
limite necessrio de interpretao, ou o suficiente para uma vivncia segundo a vontade de Al,
fugindo assim das especulaes e da cristalizao da f em um corpo doutrinrio. Malik (715 a
795 D.C) interpretava experincia de Medina e tambm admitia a validade do raciocnio
luz do interesse da comunidade. J Abu Hanifat (699 a 767 D.C.) valorizava a experincia de
opinies alcanadas pelo raciocnio individual. Chafi (ou al-Shafii 767 a 820 D.C.) dizia
no poder existir incoerncia entre as Hidiths e o Coro, clara e manifesta vontade de Al.
Chegou a uma posio intermediria. As contradies deveriam ser sanadas por um corpo
de estudiosos especializado na lei O Itijhad era a maneira como os sbios deveriam buscar de
maneira racional e descobrir a sada para o novo atravs do que j estava escrito. Essa prtica
deveria acontecer atravs de um processo: o qiyas (analogias). Assim, podemos falar que o
Isl, como o cristianismo ou mundo das leis romanas, teve tambm suas controvrsias, pois
...divergiam uns dos outros em certos pontos substanciais da lei, sobre princpios de raciocnio
legal (usul al-fiqh), e tambm sobre o lugar do Hadith e a legitimidade, limites e mtodos da
ijtihab.(HOURANI: 2006, p. 103)
Desta vasta elaborao cientifica e doutrinria alguma cousa de pratico devia surgir
como complemento da Sunnah. Surgiu, com efeito, a Idjma, coleo ou compilao das
sentenas, decises e opinies dos quatro chefes de escola e dos respectivos discpulos. O
Coro, a Sunnah e a Idjma so, pois, as trs grandes fontes do direito muulmano, cujas
linhas gerais pode ser resumido abaixo.
lgico que a ferrenha organizao politico-religiosa das tribos rabes no lhes podia
fornecer um direito pblico amplo e rico. Direitos polticos apreciveis no podem ter povos
subjugados por autoridades espiritual e temporalmente absolutas, e indivduos dominados pela
obsesso do fatalismo. A este respeito, portanto, podemos quando muito referir-nos a
organizao judiciaria, ao processo e ao direito penal dos muulmanos. Como pouco se tem a
dizer mesmo em relao a esses institutos, destaca-se em primeiro lugar os direitos privados.
(MARTINS JNIOR: 1898)
A primeira coisa a notar que com relao a capacidade jurdica, e isso quer no direito
pblico quer no privado, a lei de Maom estabelece diferena formal entre muulmanos e
no muulmanos, sujeitando estes a disposies especiais em matria de imposto, de
penalidade e de propriedade. Nada mais natural em uma legislao baseada sobre a
intolerncia religiosa.
O modo geral da famlia islmica o poligmico. O rabe pode ter quatro mulheres
legtimas e, alm disso, um nmero ilimitado de concubinas. Alguns escritores pretendem
mesmo que entre os antigos rabes so facilmente encontrados vestgios de uma poliandra
primitiva. Entretanto, a instituio do levirato no faz parte do direito muulmano.
O casamento rabe, anteriormente ao advento do islamismo, era contrado sob a forma
de vendas e ordinariamente tinha uma durao temporria. A mulher passava a fazer parte dos
bens compreendidos na sucesso. O Coro porm, disps que a mulher devia dar o seu
consentimento expresso para a unio. Declarou-a proprietria do dote ou presente nupcial,
concedeu-lhe a conservao e gozo dos seus bens particulares e isentou-a de qualquer
autorizao do marido para a pratica de atos jurdicos.
O princpio da perpetuidade da unio conjugal proclamado, mas somente em tese. O
divrcio permitido e tambm permitido aos divorciados tornarem a unir-se at nove vezes.
Consagram as leis muulmanas a dupla sucesso testamentaria e legtima, sendo a
primeira com a condio de s dispor o testador da tera parte de seus bens. O testamento
pode ser feito verbalmente ou por escrito em presena de duas testemunhas. (MARTINS
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JNIOR: 1898) Querendo dar as mulheres um direito de sucesso que at o seu tempo elas
no possuam, criou o profeta duas classes de Herdeiros: uns com direito a uma parte legal da
herana ; outros com direito herana inteira, mas sem prejuzo das partes legais.
Estas partes pertenciam, conforme os casos, ou ao marido, ao pai e av paterno, ou a
viva, a me, a av materna e a filha, a irm, etc. Aps os herdeiros de partes legais aparecem
os herdeiros simples pela ordem seguinte: descendentes, ascendentes e colaterais, sucedendo
cada um por cabea e cada grau excluindo o seguinte. Em falta de herdeiros a sucesso
pertencia ao patrimnio dos pobres: o beitel.
O Coro no admite a adoo. Admite, entretanto a escravido. Com tudo o casamento
dos escravos reconhecido pela lei e produz efeitos civis. Tambm permitido ao escravo
pactuar com o senhor o seu resgate.
Os contratos mais geralmente conhecidos pelos fieis do Coro so a venda
propriamente dita, a troca, o cambio de moedas, a locao, a venda a termo, (salant), o
caucionamento e o penhor. Este ltimo era mais um vcio de prova do que um geral. Os
contratos aleatrios so desconhecidos ou proibidos pelo direito islmico. Escritura ou
testemunhas no so exigidas para prova dos contratos, seno tratando-se da venda a termo
com o casamento.
Ao se tratar do contrato de venda que os jurisconsultos musuliuanns erigem a sua teoria
das obrigaes. Alm das obrigaes religiosas e culturais, expuseram eles trs classes de
obrigaes: a) as que derivam de um fato ou delito e independem da vontade das partes; b) as
que nascem da vontade de uma s das partes; c) as que se originam do acordo de duas
vontades. O objeto, o consentimento e a capacidade so os elementos constitutivos de todo
contrato. (COSTA: 2009)
O instituto da propriedade apresenta, no direito islmico, um carter especial, misto de
coletivismo e individualismo. Se por um lado o Coro d varias vezes a entender que a terra
comum porque pertence a Deus, e estabelece o chefia ou resgate; por outro lado textos
expressos nos mostram que o direito muulmano proclama como fundamento do domnio a
ocupao individual fundada sobre o trabalho. Parece que a diferena provm das diversas
situaes sociais do povo rabe : onde este se estabeleceu organizado apenas em tribos
predominou o rgime coletivistas. O contrario se deu onde as tribos constituram uma
nacionalidade politicamente organizada. A prescrio aquisitiva no era conhecida dos rabes.
O respectivo direito estabelece que a reivindicao da propriedade sempre possvel. Isto quer
dizer que a posse (a posse longa ou a posse de Boa f) no existem no direito muulmano
(no existe algo como titulo de domnio).
O direito penal dos rabes consiste principalmente de um sistema de reparaes ou
composies pecunirias. o regime do preo do sangue, substitutivo do da vingana
privada, tal qual o vimos j entre outros povos. O homicdio e as ofensas fsicas so tarifados
conforme a intensidade do delito com a condio das pessoas ofendidas. Assim, o preo do
sangue (diu) para uma mulher a metade do que era para o homem, para um pago a dcima
parte. (MARTINS JNIOR: 1898)
As outras infraes da lei criminal so punidas com penas diferentes. O ladro, por
exemplo, condenado, pela primeira vez, a perder a mo direita, pela segunda a perder o p
esquerdo, e da terceira vez condenado a priso. A rebelio e a apostasia acarretam a pena
de morte, com confisco dos bens no caso de apostasia. A legislao admiti eu o ru sofra a
lapidao, uma vez provado o delito pelo depoimento de quatro testemunhas de vista e pela
confisso do culpado. Quarenta aoites o mnimo da pena para o individuo que infringe o
preceito de no beber vinho.
A organizao judiciria entre os mulumanos simples. A justia distribuda, quer no
cvel quer no crime, por juiz singular, de nomeao do soberano, que julga em primeira e ltima
instncia. O processo, criminal ou civil, segue esta marcha lapida e nada formalstica: oficiadas
as partes, elas vo em pessoa diante o Cdi. As partes explicam-se verbalmente e produzem
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do crime, pois solidariedade ativa, respondia, igualmente forte, uma solidariedade passiva.
Na Frsia, no era necessria a morte do assassino, para que o cadver, em paz, fosse
depositado no seu tmulo; bastava a morte de um membro da famlia daquele. Se, ao que
sabemos, vinte e quatro anos aps o testamento de Velluto, este encontrou, finalmente, num
dos seus parentes o desejado vingador, a expiao, por sua vez, no recaiu sobre o culpado
mas sobre um seu parente. Nada de melhor para nos demonstrar quo poderosas e
persistentes foram estas representaes do que uma deciso, relativamente tardia, do
Parlamento de Paris. Em 1260, um cavaleiro, Louis Defeux, tendo sido ferido por um tal
Thomas d'Ouzoer, levou o seu agressor a Tribunal. O acusado no negou o fato, mas
explicou ter ele prprio sido atacado, algum tempo antes, por um sobrinho da vtima. O que
que lhe reprovavam? Em conformidade com as ordens reais, no tinha ele esperado
quarenta dias, antes de executar a sua vingana? Era este o prazo considerado necessrio
para que as linhagens fossem devidamente avisadas do perigo. De acordo, replicou o
cavaleiro; mas o que o meu sobrinho faz no me diz respeito. O argumento no tinha
qualquer valor; o ato de um, indivduo comprometia todos os seus parentes. Assim o
decidiram, pelo menos, os juzes do piedoso e pacfico So Lus. Como o sangue, deste
modo, chamava o sangue, interminveis questes, nascidas por vezes de motivos fteis,
lanavam umas contra as outras as casas inimigas. No sculo XI, uma disputa entre duas
casas nobres de Borgonha, iniciada num dia de vindimas, prolongou-se durante trinta anos;
logo nos primeiros combates, um dos partidos tinha perdido mais de onze homens.
Entre estas faides, as crnicas relatam especialmente as lutas das grandes
linhagens cavaleirescas: tais como o imortal dio, ligado a traies atrozes que, na
Normandia do sculo XII, ps frente a frente os Giroie e os Talvas. Nas narrativas
salmodiadas pelos menestris, os senhores encontravam o eco das suas paixes,
engrandecidas at epopeia. As vendetas dos Lorenos contra os Bordaleses, do
parentesco de Raul de Cambrai contra o de Herbero de Vermandois, povoam algumas das
nossas festas mais belas. O golpe mortal que, num dia de festa, um dos infantes de Lara
vibrou a um dos parentes da sua tia, desencadeou a srie de mortes que, encadeadas umas
nas outras, formam o enredo de um clebre cantar espanhol. De cima abaixo na sociedade,
no entanto, triunfam os mesmos costumes. Evidentemente, quando, no sculo XIII, a
nobreza se constituiu definitivamente como um corpo hereditrio, ela tendeu a reservar para
si, como um sinal de honra, todas as formas de recurso s armas. Os poderes pblicos - tal
como a corte dos condes de Hainaut, em 1276 - e a doutrina jurdica logo acertaram o
passo: por simpatia para com os preconceitos nobilirios; mas tambm porque, prncipes ou
juristas, preocupados com o estabelecimento da paz, experimentavam, mais ou menos
obscuramente, a necessidade de impedir a propagao da ideia. A renncia a qualquer
vingana, que no era praticamente possvel, nem mesmo moralmente concebvel impor a
uma casta de guerreiros, quando muito, poderia obter-se do resto da populao, o que
tornaria a violncia um privilgio de classe, pelo menos, em princpio. Na verdade, at os
autores que, como Beaumanoir, pensam que s os fidalgos podem guerrear, no nos
iludem sobre o verdadeiro alcance desta regra. Arezzo no era a nica cidade donde So
Francisco teria podido expulsar os demnios da discrdia, tal como aparece pintado nas
paredes da baslica de Assis. Se as primeiras constituies urbanas tiveram a paz como
preocupao principal e surgiram, fundamentalmente, conforme a designao que por vezes
se atribuam, como atos de paz, foi principalmente porque, entre muitas outras causas de
perturbao, as burguesias recentes estavam destroadas, como nos diz o mesmo
Beaumanoir, pelas contendas e mal-entendidos que lanam as linhagens umas contra as
outras. O pouco que conhecemos da vida oculta dos campos revela, neste ponto um estado
de coisas semelhante. No entanto, estes sentimentos no reinavam sem oposies. Faziam
frente a outras foras mentais: o horror do sangue derramado, doutrinado pela Igreja; a
noo tradicional de paz pblica e, sobretudo, o desejo dessa paz. Mais adiante se
encontrar a histria do doloroso esforo em busca da tranquilidade interior, a qual foi um
dos sintomas mais gritantes dos prprios males contra os quais, com mais ou menos xito,
ele tentava reagir, atravs de toda a era feudal. Os dios mortais- esta aliana de palavras
tinha assumido um valor quase tcnico - que constantemente eram criados pelos laos de
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de uma mutilao, era a parentela da vtima que, no todo ou em parte, recebia o preo do
homem. Em todos os casos, a parentela do culpado contribua para o pagamento: por
virtude de uma obrigao estritamente legal e segundo normas anteriormente fixadas, nos
locais onde as tarifas regulares tinham permanecido em vigor; alis, o hbito decidia, ou
mesmo a convenincia, qualquer deles, no entanto, suficientemente respeitados, ponto de
os poderes pblicos lhes reconhecerem quase fora de leis. Finana dos amigos: assim
intitulavam os clrigos da chancelaria de Filipe, o Belo, este modelo de documento, ao
transcreverem no seu formulrio um mandamento real que ordenava a fixao, depois de
um inqurito sobre o costume, da quota-parte dos diversos amigos carnais chamados a
semelhante regulamento, pensando, certamente, que iriam utiliz-lo frequentemente.
Mas o pagamento de uma indemnizao no chegava, normalmente, para firmar o
tratado. Alm disso, era necessrio cumprir um ritual de multa honorria, ou antes, de
sujeio para com a vtima ou os seus. Na maior parte das vezes, pelo menos entre
pessoas de nvel relativamente distinto, ele revestia a forma do gesto de subordinao mais
carregado de sentido que ento existia: o da homenagem de boca e de mos. Ainda
neste caso, eram menos os indivduos do que os grupos que se defrontavam. Quando, em
1208, o procurador dos monges de Saint-Denis, em Argenteuil, firmou a paz com o
mordomo do senhor de Montmorency, que havia ferido, teve que levar consigo, para a
homenagem expiatria, vinte e nove dos seus amigos; e em Maro de 1134, depois do
assassnio do subdeo de Orlees, viram-se reunidos todos os prximos do morto, a fim de
receberem as homenagens, no apenas de um dos assassinos, dos seus cmplices e dos
seus vassalos, mas tambm dos melhores da sua parentela: no total, duzentas e
quarenta pessoas. De qualquer modo, o ato do homem difundia-se, no seio da sua
linhagem, em ondas coletivas.
Uma instituio medieval demostra que os atos jurdicos, penais etc., tinha que ter uma
manifestao bem clara e forte, para marcar as pessoas que dela participaram. Um texto de
interesse para se conhecer mais a aplicao da Lei justia e norma moral religiosa. Diz assim
o texto 5 :
TEXTO 5: CHARIVARI E O RITUAL JUDICIRIO:
A CAVALGADA INFAMANTE NA EUROPA MEDIEVAL
Jos Rivair Macedo (Depto. de Histria UFRGS), para execrar rebeldes,
condenados, herticos.
As prticas do charivari, realizadas nos quatro cantos da Europa at pelo menos o
sculo XIX, foram amplamente estudadas por folcloristas, antroplogos e historiadores.
Embora as evidncias documentais tenham sido mais abundantes quando se tratava
de manifestaes coletivas desencadeadas por ocasio das segundas npcias de vivas ou
vivos, sabe-se da organizao do desfile jocoso para execrar indivduos que de algum
modo ameaavam as normas familiares ou comunitrias, como : moas que trocavam um
rapaz da comunidade por estrangeiro; moas de vida desregrada; noivas que se casavam
grvidas usando vu ou outras insgnias da virgindade; rapazes que se entregavam
vivas; mulheres declaradas adlteras; moas envolvidas com homens casados; maridos
enganados pela esposa; maridos excessivamente violentos ou excessivamente fracos
sobretudo aqueles surrados pela mulher. Nestes casos, havia o costume de fazer o
indivduo a ser execrado montar ao contrrio num asno e exp-lo desta maneira diante de
toda a comunidade.
Tal costume atestado desde a Antiguidade, sendo praticado sobretudo nas
comunidades mediterrnicas (Grcia, Itlia, Espanha), na Europa Central e nas estepes
euroasiticas Crimia, Cucaso e o Kurdisto. Na Idade Mdia, a aplicao dizia respeito
a diversos tipos de transgresso, no apenas a do leito conjugal. Alm disso, ao contrrio do
charivari das segundas npcias, sua ocorrncia parece dizer respeito tanto a desvios em
ambito domstico (adultrio; inverso de papis no interior do lar) quanto queles que, na
atualidade, denominaramos de mbito pblico (punio de autoridades civis e religiosas;
hereges; feiticeiros).
1- O ritual
A primeira meno refere-se aos acontecimentos que precipitaram a queda do
Imperador Maurcio. Os tumultos provocados pela entrada de Blgaros e varos nos
territrios do Imprio no princpio do sculo VII, os problemas religiosos advindos da
tolerncia em relao ao monofisismo, as dificuldades impostas pela guerra contra os
sassnidas e a presso social expressa na luta entre faces dos Azuis e Verdes do circo de
Constantinopla, somados, acarretaram a sublevao de 602, responsvel pela asceno do
conspirador Focas ao poder. Neste contexto, Tefanes registra em sua Cronographia que,
numa ocasio em que Maurcio percorria a capital teria sido apedrejado no bairro de
Karpianou e obrigado a se refugiar no palcio de Blacherna. Ento, um grupo de jovens fez
um homem calvo montar no lombo de um asno, tendo na cabea uma imitao de coroa e
uma capa negra possivelmente para lembrar uma vestimenta hertica.
O cronista volta a mencionar a prtica infamante ao tratar dos eventos do governo de
Constantino V coprnimo (741-775), o mais fervoroso promotor da iconoclastia. Logo no
princpio de seu governo teria enfrentado forte oposio popular, inclusive na capital do
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imprio. Em 751, seu cunhado Artabsio, com o apoio do patriarca Anastcio, teria liderado
uma revolta em Constantinopla, chegando a se auto-proclamar basileus e restabelecer o
culto s imagens. Com o apoio do exrcito, Constantino venceu o grupo sublevado, expondo
seus adversrios humilhao pblica no Hipdromo. Artabsio e Anastcio foram
conduzidos no desfile triunfal do imperador, sendo que o patriarca teve os olhos vazados e
desfilou montado ao contrrio num asno.
A segunda informao provm de um texto latino, o Liber Pontificalis, no qual est
registrada a melhor descrio dos acontecimentos da histria dos papas do sculo X. No
caso em questo, consta que durante o pontificado de Joo XIII (965-972) eclodiu uma
rebelio liderada pelo conde Rotfredo e pelo prefeito Pedro. O sumo-pontfice teria sido
aprisionado na castelo de Santangelo e depois mandado para a regio da Campnia, onde
permaneceu por quase um ano. Com a interveno do imperador Oto I, a sedio foi
reprimida, Joo pde reassumir o trono de So Pedro e o prefeito lhe foi entregue para ser
justiado. Antes de ser exilado, o rebelde foi submetido a uma longa e humilhante exibio:
O supracitado Papa Joo mandou cortar a barba de Pedro e depois mandou suspend-lo
pelos cabelos na Praa de So Joo de Latro, para que servisse de exemplo a todos.
Depois, j sem vestimentas, foi montado num asno, ao contrrio, as mos colocadas sob a
cauda do animal que levava um odre com penas na cabea, um odre em cada lado dos
flancos, e guizos amarrados no rabo. Assim foi conduzido por toda a cidade de Roma, sendo
flagelado, zombado e ridicularizado, antes de ser mandado para a priso, onde sofreu por
muito tempo.
2- Rituais e prticas judicirias
A cavalgada do asno era no apenas aceita pelas autoridades mas, por vezes,
encontrava-se codificada nos estatutos e costumeiros urbanos. Um dispositivo legal de 1131
redigido na pequena cidade italiana de Nepi, vizinha de Npoles, estabelece que qualquer
pessoa que tentasse romper o pacto estabelecido pela comuna devia ser colocado ao
contrrio num asno, segurando-o pela cauda. Algo parecido pode ser observado em
Florena ao fim da Idade Mdia. Segundo Richard Texler, a Repblica no apenas
desenvolveu um aparelho de represso contra criminosos, oponentes e desviantes da
ordem, mas tornava pblico o poder de coero que dispunha ao humilhar seus adversrios.
Desde o instante em que os traidores, homossexuais, prostitutas, herticos eram
condenados at sua execuo, eles eram continuamente insultados: a humilhao mais
freqente consistia em lhe fazer usar uma mitra de papel na qual eram pintados diabos
danando, e um manto no menos ridculo; os sedutores de donzelas eram montados num
asno e vergastados golpes de chibata pelas ruas. As prticas judicirias da Frana, no
sculo XV, nos autorizam a pensar que a expresso latina asini caudam in manu tenere
(algo como, segurar o asno pelo rabo) designava uma punio sancionada pelas
autoridades municipais e reservada a certos problemas na relao entre marido e mulher,
que podia ser comutada em multa pecuniria. A ela fazem referncia diversas cartas de
remisso do Trsor des Chartres.
Em 1375, por exemplo, um casal de judeus recorreu ao tribunal da cidade de Senlis
apelando da condenao de desfilar montado ao contrrio no asno devido ao fato de a
mulher ter espancado o marido. Outros processos posteriores sugerem que o costume
encontrava-se espalhado, que era admitido pelos tribunais e amplamente conhecido da
populao. No trecho a seguir, extrado de uma carta de remisso datada de 1383, nota-se
j a similaridade formal com as encenaes levadas cabo nos sculos posteriores:
Martinho comeou a dizer que Joana, mulher de Guilherme du Jardin, da parquia de
Sainte Marie des Champs, perto de Vernon sur Saine, tinha batido em seu marido, e que
convinha que Vicente, o vizinho mais prximo do dito marido surrado, cavalgasse um asno
pela cidade e fizesse penitncia no lugar do que apanhara... O dito Martinho... de fato pegou
um asno que estava na casa de Vicente e o cavalgou pela cidade, com o rosto virado para o
traseiro do asno, afirmando aos gritos que aquilo era pelo marido que a mulher tinha batido.
No resta dvida que as formas de sociabilidade do medievo eram perpassadas por
diferentes formas de ritualizao verbal e gestual, e que importantes acontecimentos da vida
social fossem marcados por rituais e cerimnias como aqueles assinalados nas entradas
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reais e senhoriais, nos atos de consagrao e nas procisses, nas formas de expiao ou
penitncias coletivas.
Tambm o estabelecimento da justia comportava alto ndice de ritualizao,
especialmente nas prticas judicirias concernentes punio e execuo. Nas crnicas
francesas do sculo XV abundam informaes sobre o justiamento pblico de ladres e
malfeitores executados pelo Preboste de Paris e pelos oficiais reais, em geral por
enforcamento ou estrangulamento em Montfaucon, ou ento descries de decapitao
reservada aos nobres. Conduzidos numa carroa at o local de execuo, no caminho os
condenados eram fustigados e infamados publicamente. Quando se tratava de altos
dignatrios, os soldados tomavam o cuidado de velar pela sua integridade e honra, sem
evitar contudo as injrias e blasfmias proferidas pelo povo comum. Aps a execuo, os
corpos eram esquartejados e expostos nos quatro cantos da cidade. O enforcamento
obedecia uma sequncia determinada de gestos que devia ser cumprida risca pelo juiz,
oficiais de execuo e carrasco, e no caso de comprovao posterior da inocncia do
executado, seus restos mortais deviam ser reconduzidos ao local de execuo, retirado
ritualmente da forca, e o juiz devia pedir perdo pelo erro que cometera.
Quando se tratava de crimes menores, ou de transgresses de natureza sexual, a
punio tinha por fim afetar a fama pblica do indivduo, e bani-lo da comunidade. Em 1476,
um falsificador do selo e das cartas do rei foi conduzido ao pelourinho de Paris e recebeu
duzentos aoites, depois uma mitra de papel lhe foi colocada na cabea, recebeu a marca
de ferro quente na testa, teve o punho cortado e foi banido do reino. Pouco tempo depois,
em 1478, duas mulheres acusaram injustamente um homem de t-las assediado, violentado
e cometido o vilo pecado da sodomia, mas depois ficou provado que haviam mentido.
Foram aoitadas pelas ruas de Paris, nuas, e banidas do reino da Frana.
Num estudo a respeito da incidncia de ritos e cerimnias em textos normativos e
documentao judiciria das cidades italianas da baixa Idade Mdia Andrea Zorzitece
algumas consideraes importantes a respeito da incidncia dos rituais nas formas de
aplicao da justia durante a Idade Mdia. Para ele, nos sculos finais do medievo nota-se
a afirmao e consolidao da lei como expresso pblica e oficial da justia, em detrimento
de uma concepo arcaica anterior fundada em prticas de violncia ritual imbuda de
carter mgico-religioso. Tais prticas rituais, comunitrias e consuetudinrias, foram
admitidas at certo momento pelos poderes pblicos, mas passaram a ser adequadamente
substitudos por um modelo normativo orientado por cerimonial no qual a violncia da pena
corporal tendeu a ser atenuada, e no qual certas penas corporais infamantes passaram a
ser substitudas por sanes pecunirias. As formas comunitrias de aplicao da justia
vigentes por longo tempo no medievo eram perpassadas por certo grau de sacralidade. A
execuo de um condenado, identificado com um ritual sacrificial, pretendia recompor a
ordem rompida, expiar a clera divina e purificar a coletividade. A infmia e degradao
impostas integravam a pena porque, na concepo mgico-religiosa que orientava a justia,
o punido era oferecido como bode expiatrio num ato coletivo de reparao e sua expulso
da comunidade assumia conotao salvfica. Sobre o costume de conduzir os condenados
ao local de execuo montados ao contrrio num asno, tratar-se-ia de um ritual apotropaico
destinado a impedir o retorno do justiado aps a morte, aplicado no caso de prticas
consideradas contra a natureza (o desvio religioso pela heresia, o desvio sexual pelo
homossexualismo, a feitiaria, entre outros). Isto sobre as origens e a funo do ritual.
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jurisdio eclesistica passou a ser competente, por exemplo, para julgar todos os casos
relativos ao casamento e maioria dos litgios envolvendo o direito de famlia. A Igreja passou
a considerar o antigo direito romano como legislao viva - embora esparsa -, que deveria ser
interpretada por doutores abalizados pelo clero nas universidades, como a de Bolonha,
responsveis pelo sentido oficial dos textos romanos O controle desse poder garantiu ao
Papado, a criao dos severos Tribunais Eclesisticos, que fez largo emprego de punies
implacveis contra os pobres e oprimidos, mas protegendo os crimes e as injustias dos
opressores: a nobreza e o clero. A pena de morte, na poca, aplicada com uma frequncia
inadmissvel, era executada com requintes de crueldade, comumente precedida de uma srie
de suplcios, que tinha por objetivo no aterrorizar o condenado, mas sim para dar uma lio de
exemplaridade. Isso garantiu uma pgina negra na histria do Direito Penal.
TEXTO 6: DIREITO CANNICO E INQUISIO
Extraido e Adaptado de Samyra Hayde Naspolini
(NASPOLINI; In: WOLKMER: 2006, p. 191 a 199)
Em matria penal, era de competncia dos Tribunais Eclesisticos processar e julgar
todas as pessoas que praticassem alguma infrao contra a religio (heresia, apostasia,
simonia, sacrilgio, bruxaria, etc.), bem como o adultrio e a usura. No apogeu da
Inquisio, os Tribunais Seculares da Europa ganharam jurisdio sobre tais crimes,
suplementando os Tribunais Eclesisticos como instrumentos judiciais da perseguio.
Decorrem, assim, da explanao acima, os vrios fatores que levaram significativa
influncia do direito cannico sobre o direito laico. Primeiramente, porque era um direito
escrito e formalizado. Por constituir-se objeto de vrios estudos doutrinais e ter sido
sistematizado antes que o laico, teve grande influncia na sua formulao e no seu
desenvolvimento. Em virtude das relaes entre Igreja e Estado, o poder da Igreja acabou
refletindo-se sobremaneira nos princpios e na lgica de ordenao do direito laico.
Finalmente, a extenso da competncia dos Tribunais Eclesisticos tomou a caa aos
hereges essencialmente uma operao judicial. Igreja e Estado uniram-se no combate
proliferao dos seguidores de Sat, que ameaavam no somente o poder da Igreja, como
o poder do soberano.
Em termos legais, o que realmente propiciou um julgamento intensivo dos hereges,
com todos os seus requintes de barbrie, ao final da Idade Mdia e incio da Idade Moderna,
foi a mudana ocorrida no sistema penal, entre os sculos XII e XIII. O perodo mais
importante na formao dos direitos europeus, quando passou-se de um sistema irracional
para um sistema racional de direito, principalmente no que dizia respeito prova, foi a
mudana do processo acusatrio para o processo de inquirio (inquisitio). No sistema
acusatrio, a ao penal s poderia ser desencadeada por uma pessoa privada, que seria a
parte prejudicada ou seu representante. A acusao era pblica e feita sob juramento,
resultando na abertura de um processo contra o suspeito. Se as provas apresentadas pelo
acusador fossem inequvocas ou se o acusado admitisse sua culpa, o juiz decidiria contra
ele. Em caso de dvida, a determinao da culpa ou inocncia era feita de modo irracional,
recorrendo-se interveno divina para que fornecesse algum sinal contra ou a favor do
acusado. No cabia ao homem a investigao do crime, pois o assunto era colocado nas
mos de Deus. A forma comumente utilizada era o chamado ordlio, teste ao qual o
acusado submetia-se como meio para verificao de sua inocncia. Os exemplos de prtica
do ordlio so variados: entre outros, o acusado mergulhava o brao em gua fervente ou
ento carregava ferro em brasa, sendo que, aps um certo nmero de dias, caso fosse
inocente, deveria mostrar a ferida milagrosamente curada por obra de Deus; ou ento era
mergulhado num rio e seria considerado inocente caso afundasse (pois, neste caso, Deus
t-lo-ia acolhido).
Alm do ordlio, eram frequentes os duelos judiciais, nos quais o acusado ou o seu
padrinho duelava com o acusador ou padrinho, e a vitria daquele era sinal de sua
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Ainda por cima, a Igreja Crist vivia dias difceis na rea teolgica. Muitas heresias e
cises, que tendiam a acabar com a unidade da igreja, agora. Os cristos j haviam
desenvolvido a ideia de que Deus e o imprio no eram afinal inimigos. O tempo da
perseguio j havia passado, Constantino32 legalizou e protegeu a Igreja, e Eusbio de
Cesaria, historiador cristo e influente bispo uniu o imprio e a igreja:
31 Alarico foi durante muitos anos um dos brbaros que dirigiam tropas do Imprio Romano. No incio do sculo IV se
desentende com os Romanos, e feito o oitavo rei dos Visigodos, invade a cidade de Roma. A cidade resistiu mais de dois anos,
sendo depois tomada e saqueada de maneira selvagem.
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Dominicano. Esteve ainda em Colnia, na Alemanha antes de ir para Paris. Seu pensamento
fortemente baseado na f e na redescoberta razo Aristotlica 34, vai fazer de Toms o mais
respeitado telogo da Escolstica, bem como ter uma produo acadmica gigante. Sua
contribuio ser imensa na formao intelectual e jurdica da nova Europa que se aproximava.
Sua relevncia para a Igreja, filosofia e direito valem seus nomes e titulaes, "Doctor" e
"Sanctus": Doctor Angelicus. (CAIRNS: 1984)
O conceito de Justia de Santo Toms por analogia com o de verdade . A Justia tem
por escopo ordenar o homem nas suas relaes com os outros homens. Isso pode ocorrer de
dois modos. De um lado, com os outros homens considerados socialmente: neste particular
que sujeito a uma determinada comunidade, a todos os homens que nela esto
compreendidos. Justia a retido impressa na vontade pela retido da razo, que se
chama verdade.
Para Aquino existem: a) A justia como retido do ato e a justia como hbito; b) A
justia geral que ordena para o bem comum (por causalidade e por predicao) e a particular
(comunicativa e distributiva) que ordena as pessoas em particular; c) A justia adquirida e a
infusa (depende da graa); d) A justia de Deus que se manifesta em misericrdia ou como
retribuio do mrito.
Para Aquino o Conceito do termo Direito (fus) entendido no sentido de lei, norma,
objetivo. Para designar o Direito subjetivo ele usa os termos "licitum" e "potestas". Lei no se
confunde com o Direito, pois este tem sua origem na tica.
Toms desenvolve a concepo agostiniana no que diz respeito lei, mas abandona a
interpretao voluntarista, apelando para a prpria razo. Para ele, a Lei eterna normatiza
toda a realidade, como um emanao universal definindo como certa ordenao da razo
para o bem comum, promulgada por aquele que representa a comunidade. Divide a Lei em: a)
Lei Eterna: inerente vontade de Deus, perene, imutvel, universal; b) Lei Natural: diferenciase da "Lei eterna", sendo uma participao nela; c) Lei das Gentes; d) Lei Humana: um
ditame da razo prtica.
Particularidades sobre a Lei Humana: a) a lei humana tem um fim tico. O objeto da lei
guiar os homens prtica da virtude que lhe prpria; b) a lei humana subordinada lei
natural; c) a lei humana tem poderes e carter de generalidade de norma; d) a lei humana tem
seus limites; e) a lei humana obrigatria; f) a lei humana tem coatividade; g) a lei humana
material; h) o direito propriedade.
O importante da filosofia poltica tomstica a superao do pessimismo da Patrstica
em relao s coisas pblicas, em que o Estado visto como consequncia do pecado. A
concepo tomista admite que a comunidade poltica tem um valor tico intrnseco que lhe
especfico, e assim tem conotao otimista.
Discorda da Patrstica, ele e Santo Agostinho no aceitam o Estado como resultado do
pecado original. Santo Toms, apesar de grande Telogo e Filsofo, tambm pensador
poltico. Recebendo a influncia de Aristteles e Santo Agostinho, sobretudo, no adota o
pessimismo metafsico tradicional, em que a noo de pecado se projetava na vida social, no
aceitando que o Estado seja uma consequncia do pecado como castigo. Neste particular, est
com Santo Agostinho, que tambm no concordava que o Estado fosse um produto do pecado
original.
O Estado um produto natural e no artificial. O resultado do tcito consentimento das
vontades e no o pacto formal. A teoria poltica tomstica prev que o Estado atinge um fim
tico atravs do Direito. A concepo aristotlica influiu poderosamente no conceito de
Estado tomstico. Este seria uma emanao da prpria natureza humana, sujeito, por
consequncia, ao primado do poder espiritual. O Estado no , para So Toms, uma
consequncia do pecado, porque tal viso significaria um pessimismo metafsico.
34 Confere a nota 26.
62
No Bizncio nunca deixou de vigorar a teocracia, que se manteve intacta com o domnio
do estado sobre a Igreja. No Isl a teocracia tambm radical e razo da prpria existncia de
um governo humano. Os reinos brbaros experimentaro em pocas diferentes e em nveis
diferentes, a relao Igreja estado.
Deixado s pelo poder civil, a igreja tratou de se proteger de maneira local. No ocidente
o claro crescimento do episcopado de Roma acabou dando a cidade e a seu bispo um forte
poder entre as igrejas no meio dos brbaros. No princpio a Igreja no se imaginou no poder
temporal, mas no demorou muito para que se manifestasse esse desejo. Se no em um poder
35 O cristianismo medieval teve seu graves defeitos pelos quais at hoje julgado, porm no se pode esquecer um perodo
de religiosidade sincera. J em Nicia (325 D.C) o cristianismo assume grande parcela do ser hospitaleiro no Imprio. Isto se
manifestava na formao de mosteiros e conventos que recebem doente e do abrigo. Ordem como a Cavaleiros de So
Lzaro trataram de leprosos. O que dizer ento de So Francisco de Assis e outros.
63
direto da Igreja, mas um em que a igreja jogasse e tivesse suas ideias e razes bem
estabelecidas e protegidas.
A igreja investiu pesado nos seus aliados mais antigos os Francos. Durante todo
imprio Merovngio a converso de um dos primeiros reis 36 ajudava o transito da igreja no
poder da fortssima Glia Romana, agora Reino Franco.
Quando o Papa passou por dificuldades com as tribos Lombardas, procurou se
aproximar do imprio franco que vivia poca de lutas internas entre dinastias (merovngia e
carolngia):
...as estruturas polticas medievais, o papado buscou contra os lombardos o
apoio do chefe franco Pepino, o Breve, reconhecendo-lhe em troca o ttulo de
rei. Por sua vez, Pepino entregou ao papa Estvo II em 754-756 terras na Itlia
central, dando origem ao Estado Pontifcio. Como protetor da Igreja, o monarca
franco promoveu uma reforma eclesistica em seu reino, vinculando o
episcopado ao poder real. Na mesma linha, regulamentou o pagamento de
dzimo por parte dos fiis. Costume antigo, ele era entregue espontaneamente
at o snodo de Mcon em 585 D.C. torn-lo obrigatrio sob pena de
excomunho e em 765 D.C. Pepino dar-lhe peso de sano estatal. Estreitavamse, portanto, as relaes Estado-Igreja, com predomnio do primeiro na poca de
Carlos Magno. Os clrigos participavam ento do conselho real, os bispos
tinham poderes civis, os cnones ganhavam fora de lei. O monarca presidia os
snodos, punia os bispos, regulamentava com eles a disciplina eclesistica e a
liturgia, intervinha mesmo em questes doutrinais. Os bispos eram nomeados
pelo soberano, contrariamente tradio cannica, mas o fato no era
considerado uma usurpao, e sim um servio prestado pelo monarca Igreja,
quase um dever do cargo. Suas conquistas territoriais abriram caminho para a
cristianizao dos saxes, frsios, vendes, varos, morvios e bomios. Em
virtude da crescente extenso do Imprio, ele instituiu muitas parquias, criou
novas dioceses e arquidioceses. (FRANCO JNIOR: 2001, p. 95)
37 Nasceu em 742 e morreu em 814 D.C.. Comeou a reinar no Imprio Carolngio em 768 D.C. e foi at sua morte.
Responsvel pelo renascimento carolngio e pela engrandecimento da igreja.
64
ideias antigas do cristianismo de que o rei recebe o poder de Deus para a salvao do povo, e
se no o faz na verdade um tirano.
Essa ideia se apodera de largos setores da igreja e at de muitos reis, que com conduta
digna, tornara-se verdadeiras lendas. Apareceram na Europa os espelhos do prncipe (LE
GOFF: 2008) e a interessante ideia inglesa das duas cabeas do Rei38. Sobre os reis
Taumaturgos o imperdvel livro de Marc Bloch, na segue na resenha abaixo:
TEXTO 7: A Iluso e a Cura Reis Taumaturgos
Marc Bloch So Paulo: CIA das Letras, 1999.
Resenha de Tarccio de Souza Gaspar
Tudo tem incio num propsito novo. Trata-se de estudar, em pleno ambiente
intelectual dos anos 20 do sculo passado, a histria de um milagre. Refazer grande parte
do percurso da Idade Mdia e da poca Moderna para compreender o rito de cura das
escrfulas (adenite tuberculosa), efetuado pelos reis de Inglaterra e Frana atravs do toque
de suas mos, regiamente diferenciadas. Ou, para ser mais exato e explcito, fazer histria
com aquilo que, at o presente, era apenas anedota. E sua histria revela-se profunda. Da
anedota, extrai matria interminvel de compreenso da humanidade persistente naqueles
tempos antigos. Mais do que extrao, aprofunda-se em novo estudo de histria poltica e
mental.
No interior da obra, vrios temas sobressaltam e se fazem presentes ao conjunto da
histria deste milagre. D-se especial ateno importncia do imaginrio coletivo, do
poder das crenas e atitudes mentais dos homens, assim como se volta demarcao do
campo de disputas polticas travadas no processo de ascenso das casas principescas
europeias; a relevncia do sagrado para caracterizar o ambiente religioso e mgico destas
pocas, oscilantes entre o catolicismo pio da Igreja, os projetos e intenes nem sempre
espirituais do poder laico e as tradies e anseios da cultura popular. Adentra a histria de
um milagre rgio e de sua apropriao do sagrado, disputa e delimitao de diferenas e
penetraes entre o espiritual e o secular, rei e papa, sacerdote e leigo - Histria de
sagrao e poder, f e crena. Enfim, passado, mais uma vez, que se v profundo porque
profundos so os desejos de vida humana na histria.
A obra divide-se em trs livros. O primeiro, intitulado as origens, remonta aos
primrdios das monarquias de Frana e Inglaterra. Servindo-se do famoso mito das
origens, que tanto rodeia e seduz os historiadores, mesmo entre os mais astutos e
conscientes, explicar-se- o surgimento e a fundamentao permanente do ato de cura
rgia, no sculo XI, na Frana Capetngia, e no sculo XII para os ingleses Plantagenet.
Mas, talvez, o indcio mais significativo do primeiro tomo seja a caracterizao do rito de
cura em seus aspectos polticos e mentais: o desejo de cura dos escrofulosos, a imagem
sagrada transposta ao rei atravs da consagrao eclesistica (principalmente com a
uno), a delimitao da ambivalncia atribuda pela cultura popular certa salvao de sua
sade_ o sagrado enquanto sinnimo de capaz de curar- e a longa tradio mgica
presente em meio gente comum.
O segundo livro, maior da obra, trata, primeiramente, do desenvolvimento do rito de
cura rgia durante a Baixa Idade Mdia, procurando evocar o aspecto perceptvel sob o
qual esse poder corporificou-se aos olhos dos homens durante aquele perodo. O rei levava
suas mos s partes enfermas dos doentes e, logo aps o toque, fazia o sinal da cruz. Eram
essas, com pequenas variaes, em suma, as aes bsicas do rito. Contudo, apesar de
simples, no deixavam de possuir imensa popularidade. Tanto os reis de Frana quanto os
da Inglaterra pretendiam ter o poder de curar, e junto deles, acrescenta Marc Bloch, todas
38 Em sua obra Os Dois Corpos do Rei, Ernst H. Kantorowicz elabora um conceito muito importante para o estudo do
pensamento poltico medieval. A ideia de que o rei possuiria um corpo fsico (natural e sujeito a imperfeies, como qualquer
outra pessoa) e um corpo mstico (perfeito por estar diretamente ligado ao divino, s figuras de Cristo e consequentemente de
Deus).So Paulo: Companhia das Letras, 2000.
65
as classes estavam representadas na multido sofredora que acorria ao rei. Ao que tudo
indica, a crena no poder taumatrgico dos reis passaria ilesa pelos tempos conturbados
dos sculos XIV e XV. que a multido atribua s personagens rgias divindade demais
para conformar-se com a opinio de que seus soberanos fossem apenas simples senhores
temporais. E, nisso, no estavam ss: tambm a medicina da poca concordava em
legitimar a prtica rgia dentro de quadros vlidos para a sade humana. Contudo, ainda,
como sempre, existem contraditores. E a tem-se a presena marcante do movimento
Gregoriano, a disputar, primeiro com o Imprio e depois com o Regnum, as prerrogativas do
sagrado. Por fim, ainda houve as tentativas de imitao dos reis ingleses e franceses por
parte de alguns soberanos alhures.
Encontra-se tambm no mesmo livro o estudo de outra prtica taumatrgica. S que,
dessa vez, rito seguido apenas pelos soberanos Plantagenet. Trata-se das curas efetuadas
pelos anis medicinais benzidos pelos reis bretes, anis que saravam da epilepsia e de
distrbios musculares. Em verdade, tnhamos, para todos estes atos mgicos e sagrados, o
mesmo motivo: segundo Bloch, o conceito de realeza sagrada e miraculosa (...),
profundamente enraizado nas almas, permitiu que o rito do toque (assim como o dos anis)
sobrevivesse a todas as tempestades e a todos os assaltos.
Desta forma, vrios temas perpassam a sedimentao do rito e as caractersticas
essenciais com que o conceito de realeza sagrada e maravilhosa se mostrou. Dentre eles,
destaca-se a dbia condio assumida pela realeza diante da dignidade espiritual, quer
dizer, os reis sabiam muito bem que no eram de todo sacerdotes; mas eles tambm no
se consideravam leigos; em torno deles, muitos de seus sditos partilhavam desse
sentimento.. Tambm, aspecto importante da santidade atribuda ao trono, a sagrao real
se fazia presente na devoo que lhe era dedicada. A uno rgia, por seu lado, fornecia a
razo desejada para demarcar a caracterstica sagrada dos reis, que os situava, vez em
quando, ao mesmo patamar dos sacerdotes de Roma. V-se, ao lado destas caractersticas,
a prpria definio e legitimidade do poder real: Todo mundo sabia que para fazer um rei, e
para faz-lo taumaturgo, era necessrio preencher duas condies (...) a consagrao e a
linhagem sagrada.
No desenrolar das prticas e discursos de legitimao, a monarquia condensa seus
aparatos de smbolos e identidades. Em Frana, perpetuam-se as legendas do ciclo
monrquico (Santa mbula, as flores-de-lis e a auriflama) e as supersties que rodeavam a
figura rgia(o sinal de pele e a defesa inata contra os lees). Porque, nessa poca, o
sucesso do maravilhoso de fico explica-se pela mentalidade supersticiosa do pblico a
que se destinava.. Enfim, tem-se todo um arcabouo de sofisticao e moldagem do
exerccio do poder, correspondente, nos dizeres de Bloch, aos progressos materiais das
dinastias ocidentais.
Voltando taumaturgia do toque das escrfulas, a evoluo de signos atribudos ao
poder real levada adiante pela aproximao, em Frana, da figura rgia a S. Marcoul,
santo curador deste mal que tanto afligia as almas. O que se mostra a interpenetrao de
crenas populares que devotavam ao santo, assim como ao rei depois de sagrado, a
capacidade sobrenatural. Alm dos dois, somente aos stimos filhos era concedido o dom
taumatrgico sobre os escrofulosos. Contudo, apesar do avano simblico e material, srios
problemas surgiriam no sculo XVI para trajetria das casas reais europeias. A Renascena
e o Movimento Reformista compem um novo tipo de pensamento humano e espiritual para
os homens da poca Moderna. Mas, a crena maravilhosa da ddiva real ainda
permaneceria viva at pelo menos o final do Antigo Regime. E nesse persistir, segundo
Bloch, podemos entender melhor o desabrochar do absolutismo de Lus XIV na Frana e a
profundidade do drama poltico
ingls vivido no sculo XVII.
A Reforma havia complicado a vida poltica europeia, e o rito do toque no escaparia
s disputas que ento se faziam entre os partidrios da antiga f e os novos seguidores da
religio reformada. Primeiro abalo que se seguiria de outros. Na verdade, a idia do milagre
rgio estava relacionada a toda uma concepo do universo, diz Marc Bloch. Ora, no h
66
dvida de que, desde a Renascena e sobretudo no sculo XVIII, essa concepo tenha
pouco a pouco perdido terreno.
As dinastias francesas e inglesas advindas aps a Guerra dos Cem Anos e a Guerra
das Duas Rosas passariam a tirar vantagem e tambm a sofrer os abalos de um lento,
porm, progressivo, processo de secularizao das conscincias e das instituies polticas.
As transmutaes da histria monrquica inglesa no sculo XVII imporiam vida curta ao rito
miraculoso dos reis- mdicos em territrio Saxo. A prtica tem seu fim no incio do sculo
XVIII, j sob os Hannover.
O fim do rito francs demora ainda algum tempo. Tem-se, ento, a incmoda
passagem do pensamento ilustrado e da Revoluo de 1789. Segundo o autor, a
decadncia do milagre rgio est intimamente ligada a esse esforo dos espritos, pelos
menos da elite, para eliminar da ordem do mundo o sobrenatural e o arbitrrio e, ao mesmo
tempo, conceber sob uma faceta unicamente racional as instituies polticas.. O ocaso do
rito em Frana se d no sculo XIX sob reinado de Carlos X, situao onde a crena no
milagre rgio era ainda aceita apenas por parte do pblico arraigado s prticas antigas.
Aqui se faz sentir toda a persuaso do cptico e irreligioso sculo XIX, onde o
desencantamento do mundo redobrara a descrena nos coraes dos homens.
So vrias as indicaes que Jacques Le Goff nos oferece, em seu prefcio da obra
de Marc Bloch, para melhor entendermos Reis taumaturgos. Num resumo de tpicos, Le
Goff aponta os possveis itens da vida intelectual e prtica de Bloch que teriam influenciado
a feitura da obra: as reminiscncias da Grande Guerra, O ambiente da universidade de
Estrasburgo, o contato mais prximo com os medievalistas alemes, e tambm a influncia
e ajuda do irmo mdico. Por outro lado, no prprio interior da obra, destaca o grande
objetivo do autor: o que Marc Bloch quis foi fazer a histria de um milagre e,
simultaneamente, a da crena nesse milagre; ou melhor, a histria total de um milagre.
Traa, assim como se tentou fazer nesta resenha, um resumo do livro e de seus aspectos
propriamente discursivos. E, por fim, analisa a instrumentria conceitual de nosso autor e
os itens relevantes historiografia contempornea que ainda estariam presentes no
contedo da obra.
Desses aspectos, alguns tem importncia destacada. Hoje, compreende-se a
enorme dvida que os historiadores contemporneos contraram ao fundador da Escola dos
Annales. Pode-se aglomerar nesta dvida a relevncia que se atribuiria posteriormente pelas
cincias humanas histria em longa durao, ao mtodo comparativo e antropologia
histrica - todos mtodos e conceitos utilizados e mesmo fundados por Marc Bloch neste
seu livro. Por outro lado, e seguindo ainda a opinio de Jacques Le Goff, mais que a
histria das mentalidades, o caminho que Marc Bloch nos oferece explicitamente o de uma
nova histria poltica (...) o apelo ao retorno da histria poltica, mas uma histria poltica
renovada, uma antropologia poltica histrica de que os Reis Taumaturgos sero o
primeiro e sempre jovem modelo.
Nos ltimos anos, tm-se dado especial ateno, no mbito da Historiografia da
Europa Moderna, aos problemas e s especificidades do conceito de Absolutismo. O
propsito deliberado de resenhar o livro abrirmos espao de revelar faceta mais
concentrada, porm, no menos importante, do contedo intelectual desta obra de Marc
Bloch. De fato, o que Reis Taumaturgos teria a nos dizer a respeito desse conceito to
controverso e debatido? Ora, a mais bvia e prtica correlao que se pode estabelecer
entre esta histria de um milagre rgio e o conceito de Absolutismo a possibilidade de se
imaginar historicamente a fora e o poder que detiveram estes seres, considerados, ao
mesmo tempo, humanos e sagrados. Por outro lado, no decorrer de seu livro, Marc Bloch
destaca intencionalmente a estreita correspondncia que houve entre o sucesso da
crena no milagre e o progredir, lento e definido, dos avanos materiais e simblicos
das monarquias francesa e inglesa durante a Baixa Idade Mdia e a poca moderna.
Contudo, possvel ainda mais estender o alcance da obra. O que se entrev em algumas
passagens a ligeira demarcao, por parte do autor, do que ele prprio denomina ser uma
histria profunda; quer dizer, histria que interpreta a crena neste milagre como sinnimo
de todo um arcabouo de pensamento e entendimento do mundo que orbitaria sob
67
A luta pela supremacia do rei ou do papa no poder temporal longa. Ainda vrios
captulos foram escritos. Com a viso dominada por um reino cristo teocrtico e um reisacerdote a igreja avana na poltica medieval para se impor.
Em princpios do sculo X, a fundao do mosteiro de Cluny, na Borgonha, expressava
a inteno de mant-la livre de interferncias de qualquer poder terreno. Os seus monges
nunca se submeteriam ao jugo do estado e pensariam de maneira livre at do sistema
episcopal (ainda muito sujeito ao rei). Outra ao foi tentar estabelecer a paz social (na
ausncia de um poder temporal altura) e tornar-se sua guardi. A Igreja promoveu em fins do
sculo X e no XI o movimento conhecido por Paz de Deus e a Trgua de Deus. Esta proibia o
uso de armas alguns dias por semana, a quinta-feira associada ao Perdo, a sexta-feira
Paixo, o sbado Aleluia, o domingo Ressurreio. Tambm no se podia lutar em certos
momentos do calendrio litrgico. Como a ideia bsica da Paz e da Trgua de Deus era a
preservao da ordem religiosa, social e poltica desejada por Deus no campo espiritual e
terreno.
Para completar o domnio dos estados enfraquecidos Gregrio (1075) proibiu a outorga
de ofcios eclesisticos por parte de leigos. Quebrava assim uma antiga tradio, o que
naturalmente prejudicava o poder temporal. Os reis no poderiam nomear seus bispos. Essa
68
70
procedncia divina, em mbito geral e, em especial nos seus principais expoentes, tender a
um retraimento ainda maior. Assim, a Idade Moderna, mais do que um perodo antropocntrico,
um grande processo de centralizao do ser humano em seu prprio mundo.
Outro grande filsofo jusnaturalista foi Giorgio del Vecchio. Ele nasceu em Bolonha, Itlia, em
26 de agosto de 1878, tradicional centro jurdico mundial. Foi professor de Filosofia do Direito
das Universidades de Ferrara, Sassari, Messina, Bolonha, e, finalmente, Roma (1920-1938).
Reitor da Universidade de Roma (1930-1938). SeuJusnaturalismo pode ser interpretado como
uma legtima posio do pensamento jurdico contemporneo. Ele foi com sua filosofia uma
reao ao formalismo e ao positivismo jurdico de sua poca. Como poucos na histria do
pensamento jurdico, Georgio del Vecchio, tem aanlise mais extensa e ao mesmo tempo mais
profunda sobre a Justia.O contraste entre a Justia e a Legalidade, que a justia fonte
inesgotvel, que serve para completar a inevitvel imperfeio da legalidade. a justia que
exerce um primado sobre as conscincias em todos os tempos.O tema da Verdade
importante para Georgio, pois o dom divino da inteligncia caracteriza e enobrece nossa
natureza humana, insuflando uma vocao para o dever da verdade por parte do Jurista.
Vocao ao mesmo tempo uma lei tica, um dever supremo. (MACEDO, 1982)
Contrapondo-se ao jusnaturalismo se destaca o Juspositivismo. Uma dos maiores
filsofos da Histria pode ser alistado entre aqueles com a viso de direito positivo: Georg
Wilhelm Friedrich Hegel. Criticava duramente o contratualismo e defendia o estado antes do
homem. Para ele e sua viso de trina do Esprito o direito ocupa a segunda categoria. A
primeira caracterizao do esprito dialtico de Hegel enquanto categoria subjetiva
(conscincia individual); a segunda enquanto categoria objetiva (cultura historicamente
produzida); e a terceira enquanto categoria absoluta (filosofia, arte e religio). No
contratualista, Hegel enxerga a verdadeira liberdade do homem na sua entrega total ao estado.
Para ele, o indivduo obtm a sua liberdade substancial ligando-se ao Estado como sua
essncia, como ao fim e ao produto da sua atividade. O Estado domina o direito que
historicamente constituido, produzido e produzindo leis.O Estado, para ele, antecedente ao
indivduo, pois aquele forma este, em seu prprio ser, pela via da formao da cultura no
decurso temporal. O Estado reivindica at a vida e a propriedade do homem, exige como bens
que lhes so sacrificados. Portanto, Hegel no s nega o direito natural, mas se faz firme
defensor do direito juspositivista.
O mais conhecido representante do juspositivismo HANS KELSEN. Nascido em
Viena em 1881 foi professor da Universidade de Viena, onde adquiriu notoriedade com sua
Teoria Geral do Direito e do Estado. Lecionou noutras Universidades, e na Harvard University
de Berkeley, Estados Unidos da Amrica do Norte, aonde faleceu em 1973. Sua teoria tentava
criar um direito puro, sem influncia da Poltica, da tica e da Religio. Para isto era necessrio
um mtodo puro, meramente normativo e despojando o direito de seus resduos sociolgico,
psicolgico, histrico e ideolgico. Para Kelsen o direito no fato social e sim norma pura.
Assim, o mtodo no pode perguntar sobre o justo e o injusto, pois deve ser neutro, sem juzo
de valor. O Direito produzido por um ato de vontade, existindo por si, independente de um
fato natural. Kelsen construiu sua famosa "Pirmide", cuja hierarquia a seguinte: Constituio,
Legislao e Costume, Lei e regulamento, direito material e direito formal, as "fontes" do direito,
a criao do direito, aplicao e obedincia ao direito, a jurisdio, o ato jurdico, a
administrao, os conflitos entre normas de grau diferente, anulao e anulabilidade.
(MACEDO, 1982) (GIGANTE, 2010)
5.2)Nova Viso Penal
A Europa passa por profundas mudanas no binmio renascimento e iluminismo. O
primeiro movimento ainda plido, inicial, mas com suas novas vises de homem e de razo
71
do fora ao iluminismo. Esse ltimo mais mordaz, reformador e com uma viso mais humana
da sociedade. Ser de maneira direta ou indireta o grande responsvel por quase todas as
grandes mudanas sociais, polticas e jurdicas que passaram como tempestade pela Europa e
suas possesses. A Revoluo Gloriosa na Inglaterra; a Revoluo Americana e principalmente
a Revoluo Francesa. A Europa nunca mais ser a mesma, pois mesmo controlados alguns
movimentos (como a revoluo francesa) eles j deixaram razes profundas e as mudanas
acorreram a cada ano.
Os direitos humanos sero destaque na Revoluo francesa e marca at hoje o
movimento. Antes de estourar a revoluo francesa, mas como parte de sua base, surge um
movimento filosfico e humanista contra o sistema penal que vigorava na Europa. Na poca
havia a tese de que as penas constituam uma de vingana coletiva. Essa concepo havia
levado os governos e a sociedade em geral aplicao de punies de consequncias muito
superiores e mais terrveis que os males produzidos pelos prprios delitos combatidos.
Prodigalizara-se a prtica de torturas, penas de morte, prises desumanas, banimentos,
acusaes secretas. Reinava a tortura medieval de inspirao do direito romano, germnico e
cannico.
Contra tal estado de coisas os iluministas travaram batalhas. De modo especial Csare
Bonesana, Marqus de Beccaria. Homem de letras, de formao na filosofia francesa, fez parte
no jornal II Caff (Milo), Acompanhou os processos criminais na poca que tanto davam o que
falar. Isso marcou sua posio, e passou a escrever a obra Dos Delitos e das penas.
Publicou-a em secreto na cidade de Livorno. Sua obra foi elogiada por intelectuais, religiosos e
nobres (inclusive Catarina da Rssia).
Beccaria era nascido em Milo, na Itlia em 1738, mas teve toda sua educao na
Frana. Sua obra vai revolucionar o direito penal, ganhando flego com as mudanas sobre
direito humanos na Frana revolucionria e pelo movimento enciclopedista. Morreu em Milo
em 1794.
TEXTO 8: UM PEQUENO RESUMO DOS DELITOS E DAS PENAS
73
nasceu a moda febril de codificao que atinge a Europa, no sculo XIX, atingindo em cheio as
Amricas. Quase todos os pases latino-americanos tomaram-no por modelo, como se verifica
nos Cdigos da Argentina, Paraguai, Mxico, Peru, Venezuela, Bolvia e Chile. Passa a ser um
cdigo modelo, uma inspirao, sendo usado como base na sia e frica. (RODRGUEZ;
2004)
O Cdigo comea a ser pensado em 1800. Napoleo, o jovem general, primeiro cnsul
e chefe incontestvel da Frana, estabelece o projeto ano VIII. A misso era difcil, pois tinha
de rever o antiquado e confuso sistema legal francs. Nomeou uma comisso especial
presidida por J.J. Cambaceres, o segundo cnsul e seu homem de confiana, com a funo de
supervisionar a comisso encarregada do Cdigo. Indicou o jurista Tronchet 41 para coorden-la.
Ao lado dele atuou Bigot de Prameneu 42 e Portalis43. A comisso se reuniu mais de 80 vezes
(alguns falam em 107 reunies) para discutir e redigir um texto revolucionrio com uma
presena significativa do prprio Napoleo Bonaparte em mais da metade das sesses. Durou
somente 3 meses. O Conselho de Estado criado por Napoleo criou toda a positivao das leis
na Frana entre 1800 e 1814. Ali foi a provado o Cdigo Civil e uma srie de outros cdigos
deixados por Napoleo como uma herana inquestionvel. (RODRGUEZ; 2004)
O Cdigo era um conjunto de leis que regulamentam as relaes entre os cidados. o
Cdigo das gentes, desenvolvido em torno do indivduo. Eram trs pilares fundamentais: a
propriedade, o contrato e a responsabilidade civil. Esse conjunto organizado de normas cerca e
envolve o indivduo, do seu nascimento sua morte, atravs do sistema do registro civil laico.
Nele o casamento civil foi reconhecido, pela primeira vez, de maneira exclusiva. Ao pai de
famlia foi entregue um papel preponderante (o objetivo central era garantir a ordem no seio da
famlia) e o divrcio mantido, mas sob uma forma muito mais restritiva do que aquela
concebida pela Revoluo (veio a ser abolido no perodo de 1816 a 1884).
74
totalmente institucionalizada, mas tambm com instrumentos judiciais trazidos pelo aparato
colonial portugueses.
Como uma necessidade premente precisa-se em um primeiro momento debruar sobre
ordenamento jurdico formador do Brasil Portugal. certo que no h necessidade de um
profundo estudo da herana jurdica portuguesa, pois o estudo realizado do direito cannico e
medieval abrange bastante a base da evoluo jurdica portuguesa. Portugal mantm herana
do antigo direito cannico como tambm do seu renascimento no sculo XII, bem como das
tradies jurdicas dos povos germnicos e a forte presena dos muulmanos. No entanto,
restam ainda peculiaridades dos lusitanos e de sua colonizao que precisam ser destacados
para melhor diferenciar as prprias colnias portuguesas em outros continentes, sem falar as
espanholas, francesas, tambm estas dependentes do direito cannico.
Os Nativos brasileiros quase nada contriburam para a formao do ordenamento
jurdico brasileiro, pois a legalidade oficial lusitana no reconhecer como Direito as
modalidades de comportamentos indgenas que nada tm a ver com o Direito Estatal, porque
so expresso de uma sociedade sem Estado. As naes dos nativos que aqui habitavam
viviam num perodo neoltico em que era comum ainda a imensa confuso entre o direito e o
divino, e os tabus e o misticismo eram formas de resoluo para as questes jurdicas. Por sua
vez, os negros levados para a escravido tambm deixaram de contribuir para a formao
jurdica do Brasil, pois no tinham direitos e nem podiam reconstituir suas organizaes de
origem. Assim, o colonizador naturalmente pde influenciar definitiva e predominantemente o
ordenamento jurdico brasileiro.(GOMES: 2010)
Sobre essa dependncia de Portugal e ausncia de legislao colonial fixa, o grande
metre do direito Antnio Manoel Hespanha, diz:
certo que a monarquia portuguesa emitiu algumas leis para o Brasil, embora em menor
quantidades do que as editadas pela monarquia espanhola para a sua Amrica. Em todo
o caso, se se procurara pelo direito do Brasil colonial, minimamente a que ele se
encontra. Diria mesmo que a maior parte destas providncias vindas da corte indiciam quando no as referem expressamente - zonas de incumprimento do direito real e,
portanto, de existncia de um direito prprio. (Hespanha: 2005, p. 1)
76
A rpida ascenso do rei nos poderes da nao vai se manifestar na diminuio do uso
dos costumes. A escola jurdica de Bolonha na Itlia influenciou o Stadium Generale,criado
por D. Dinis entre 1288 e 1290. A lei a manifestao da vontade do rei, o Direito em Portugal
transformou-se. So notveis a sua funo cvica, moralizadora, na luta contra os maus
costumes e o servio, que prestou, no fortalecimento do poder rgio e na construo do Estado
moderno. Combate-se a autotutela; transforma-se o onus probandi; separam-se os
processos civil e penal; caminha-se para a uniformizao dos delitos e das penas.
Dados esses passos iniciais, faltava ainda para Portugal um lei geral, que viesse a
congregar as diversas reas legais. O poder real se sobrepe e nasce diante das reclamaes
gerais dos sditos, prncipes e juristas: as Ordenaes. D. Joo I iniciou a tarefa, mas coube a
D. Afonso V revisar a obra do jurista Rui Fernades, que e em julho de 1446 concluiu sua tarefa.
Nascia nos anos vindouros as Ordenaes del rei D. Afonso V (Ordenaes Afonsinas),
organizados em cinco pesados, complexos e incompletos livros sobre a lei portuguesa.
Portugal ter em sua histria mais duas grandes ordenaes (Manuelinas e Felipinas).
Ambas sero aplicadas tambm no Brasil, j que o direito brasileiro est atrelado ao da sua
metrpole. Em 1521, D. Manuel I publica a edio definitiva de suas Ordenaes ditas
Manuelinas, que vigoraram no territrio portugus at 1603. Foi um perodo intenso, sendo-lhe
agregados colees e diplomas avulsos. Em janeiro de 1603, iniciou a vigncia das
Ordenaes Filipinas, que se prolongou at 1867 e 1816, respectivamente em Portugal e no
Brasil.
7)A JUSTIA CHEGA AO BRASIL
De maneira curiosa pode-se estabelecer uma forte presena de elementos do judicirio
na prpria descoberta do Brasil e em suas missas iniciais:
O primeiro juiz a pisar em solo da Terra Santa Cruz foi frei Henrique Soares de Coimbra,
outrora desembargador do Pao em Lisboa. O Desembargo do Pao, registre-se de
passagem, era um tribunal de graa, algo como uma corte suprema de graa e justia.
Quanto ao frei Henrique, no chegou ele, contudo, como magistrado (...) Veio, como
77
sabido, com a esquadra cabralina, na condio de chefe dos frades franciscanos (...)
Assim, as duas primeiras missas celebradas em solo braslico o foram por um antigo
magistrado, que judicara no referido tribunal e trocara a toga pela batina. (FERNANDES:
2009, p. 31)
A situao de dificuldades financeiras fez com que Portugal optasse pelas capitanias
hereditrias, e apesar da plena vigncia das Ordenaes Manuelinas, a opo pelas cartas de
doao (Forais) para se estabelecer a colonial foi a vitria inicial do rpido, local, restrito sobre
o geral.
Outro texto importante marca a inequvoca tendncia no interior do Brasil (at poucos dias
atrs) de se resolver as questes JURDICAS de modo pessoal, privado, com brigas de
famlias e assassinatos:
TEXTO 10: A PRTICA DA FAIDA
Outra fonte de tormentos daquela sociedade era a difundida prtica da faida ou faide,
velha palavra de origem germnica que definia o direito vingana, executada pelos
parentes das vtimas. Numa poca em que a presena da lei do rei era mnima e que as
instituies estatais quase que desapareceram, usurpadas pelo despotismo dos bares e
dos condes, o ato de justia, pelo menos como era naquela poca entendido, ficava ao
encargo dos familiares.
Traduzia-se isso numa permanente tenso entre as famlias nobres que desafiavamse pelos motivos mais fteis e banais. As lutas abertas entre os desafetos, os duelos e as
emboscadas, os terrveis atos de traio e suborno, terminavam por irradiar-se pelo feudo
inteiro atingindo gente inocente, gerando um clima de perptua insegurana nos campos,
nas aldeias e nas vilas. Litgios que se prolongavam por anos a fio e cuja origem ningum
mais se recordava, mas que contribuam para que os cls de nobres rivais se odiassem
pelos tempos afora. Um cidado de Florena chamado Velluto di Buonchristiano, deixou em
seu testamento, depois de ter sofrido um ataque fatal, um legado para quem conseguisse
ving-lo, matando quem o ferira de morte. Em virtude das peculiaridades do sistema polticoeconmico dominante na quase totalidade da Europa Medieval, a Igreja Catlica Romana
em funo especialmente de sua estrutura organizada e constante poder econmico
assumiu papel de elevado prestgio e influncia na sociedade feudal, chegando ao ponto de
tornar-se a principal instituio social da poca, estando todas as demais organizaes
polticas subordinadas a ela. Em virtude de seu caractere religioso, intuitivamente vinculado
moral e bons costumes, sempre sombra do Cristianismo, logo tal instituio tornou-se a
detentora do monoplio do regramento social, inclusive no mbito jurdico, mais
notadamente no campo penal, surgindo assim um modelo normativo dualista, laico
(mundano ou secular) e religioso (eclesistico), onde o Direito confundia-se com a Justia e
que culminou por propiciar o surgimento do modelo jurdico penal conhecido como
inquisitorial ou inquisitivo. No Brasil colonial foi marcante a presena desta justia Feudal.
Uma forma brbara e feudal da justia de Famlia foi o recproco extermnio dos partidos
que se fizeram roda de certos patriarcas, to sanhudos e ferozes no sculo XVII, em So
Paulo, ou na Bahia, como nos sculos XIX e XX, nos sertes. O dissdio, longo e sangrento,
de Taques e Camargos, comeado em So Paulo, em 1640, por uma pegadilha entre dois
fidalgos espadeiros, pode simbolizar a luta de cls, que, muitas vezes se transformou em
guerras intestinas. As famlias dividiam-se em parcialidades armadas, reunidas militarmente
sobra do estandarte patriarcal, manejadas pelos dios e caprichos dos seus velhos
capites. A conscincia tribal mais viva do que a ideia regional ou o sentimento nativista.
para se lhes impor pena. Finda a leitura do acrdo retirou-se o desembargador escrivo.
Tinha ele sido ouvido pelos rus com o mais religioso silncio e atenta curiosidade. Reinou
ento um burburinho. Como havia para alguns perto de trs anos que estavam
incomunicveis, e para outros perto de dois, surgiu um violento desabafo, alargando-se na
liberdade que lhes outorgaram seus algozes por cerca de quatro horas para se falarem, as
quais eles aproveitaram em mtuas recriminaes. Imputaram-se uns aos outros a sua
ltima infelicidade pelo excessivo e injusto depoimento em que a amizade trara os mais
sagrados deveres.
Rpido passou o tempo, e s 11 horas soou o sinal de silncio. Vieram os carcereiros
e lhes lanaram s mos e aos ps brutos grilhes que se iam prender s grades das
janelas da sala morturia.
Raiou a manh de sexta-feira 20 de abril. No recolhimento assistiram a missa.
Terminada a cerimnia religiosa, abriram-se com estrondo as portas da priso e apareceu o
desembargador escrivo, com a ratificao da sentena. Negados todos os embargos.
O Vice-rei proibia sadas de navios do Rio e a cidade estava tomada por tropas.
Abatia esta considerao os nimos dos prprios inocentes, pois armada a autoridade com
a formidvel espada da justia, a todos parecia ferir e injustamente. Lavrava profundo
ressentimento e mal se podia esconder a presso que se sentia. Retirara-se grande parte
dos habitantes para fora, e, os que no puderam faz-lo, acautelaram-se contra as notcias
que correram to desencontradas como exageradas durante os trs malfadados dias.
Diminuiu sensivelmente o comrcio, e assim a frequncia das ruas pela gente sria. Reinou
o silncio por toda a cidade e refletiu-se de todos os objetos a consternao. vista da
sentena e da gravidade, que se emprestava ao sonhado delito, apagaram-se as
esperanas em todos os coraes. J estavam mortos para a expectativa dos habitantes do
Rio de Janeiro os infelizes inconfidentes.
Achavam-se neste estado todos os nimos quando viu o juiz que era tempo de pr
em cena as instrues de Martinho de Melo. Apresentando-se munido de uma carta rgia
escrita h dezoito meses, pois era datada de 15 de outubro de 1790, mostrou o chanceler
juiz da alada que estava autorizado desde muito tempo para melhorar a sorte de tantos
desgraados, e que tudo quanto se havia feito era em contrrio aos generosos sentimentos
dos coraes bem formados.
Segundo as determinaes da rainha, cujo corao maternal propendia para um
completo perdo, deviam ser os rus eclesisticos remetidos para a corte, debaixo de
segura priso para vista da sentena proferida contra eles determinar o que melhor lhe
parecesse.
Os rus seculares seriam classificados em trs categorias. Na primeira figurariam os
incursos na pena de morte, a cuja sentena dar-se-ia imediata execuo. Na segunda os
que merecessem degredo por toda a vida para os presdios de Angola e Benguela. E na
terceira os que s se tornassem dignos de degredo pelos anos que fossem convenientes
para os outros domnios de frica, compreendidos os de Moambique e Rio Sena, sob pena
de morte se em tempo algum voltassem s terras da Amrica, ficando assim comutada a
pena ltima em que todos eles haviam incorrido.
Teve pois o tribunal de formular um novo acrdo, pelo qual mandou que se
executassem inteiramente a pena da sentena no Tiradentes, por ser o nico que na forma
da dita carta se tornava indigno da rgia piedade. Quanto aos mais rus, aos quais devia
aproveitar a clemncia real, houveram por comutada a pena de morte na de degredo
perptuo, com exceo de Jos de Resende Costa pai e filho, e Domingos
Vidal de Barbosa, cujo degredo ficou comutado em trs anos. Em tudo o mais deverse-ia cumprir a sentena em seu inteiro teor. Aglomerado o povo em frente cadeia,
aguardando a derradeira deciso, viu a este tempo encaminhar-se apressadamente para o
oratrio o desembargador escrivo Francisco Lus Alves da Rocha, que tantas vezes tinha
ali levado resolues de morte. Causou novidade a acelerao de seus passos, e meia hora
depois do meio-dia abria-se a porta da priso e aparecia o desembargador escrivo.
Notavam-se na austeridade de sua fisionomia um sorriso que parecia animado pela
esperana, e alguns laivos de alegria ntima que quebravam a terrvel serenidade da justia.
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Desfolhou os autos e leu de novo. No eram recebidos os segundos embargos pelas razes
expendidas acerca dos primeiros... Desaparecia assim a ltima esperana que alentava os
pobres presos! E seus coraes se contraram gelados pela mo da morte, e alguns soluos
escaparam de mais de um peito. Ergueu porm o magistrado a voz e, dominando o seu
consternado auditrio, leu entre profundo silncio a carta rgia de 15 de outubro de 1790, e
aps logo a sentena que comutava em degredo a pena capital de todos excetuando o
Tiradentes. Revocados existncia, sorriam-se aqueles espectros da morte. Brilharam o
contentamento e a alegria nos semblantes dos rus como nos dos outros presos da cadeia.
Pareceu que a cidade aliviara da imensa presso que a comprimia. Prorrompeu o povo em
vivas e gritos de entusiasmo, que retumbaram em todos os coraes. Derramando-se pelas
ruas da cidade, comunicava a boa nova a todos quantos encontrava. Partiram prprios a
cavalo para a provncia de Minas Gerais com a notcia que to grata se tornara a todos.
Viva a rainha! Apareceu um decreto! Escaparam os presos! Eram as vozes que corriam de
boca em boca. Povoaram-se as ruas, abriram-se as janelas e mostraram-se os habitantes
animados de risonha alegria. Escancararam muitas famlias, dadas devoo, os seus
oratrios e prostradas ante os seus penates entoaram teros em ao de graas. No meio
destes vivos transportes de alegria e de entusiasmo tiraram-se os ferros aos rus
comutados, e s o Tiradentes ficou com as algemas que lhe ligavam as mos e os ps... e
com a certeza da morte sem mais recursos.
Amanheceu o dia 21 de abril que era o ltimo da semana. O sol elevava-se pomposo
e belo sobre o horizonte da ptria! Oh era o sol que nesse dia mostrara a Pedro lvares
Cabral os primeiros sinais da terra de Santa Cruz. Tomou o governo colonial todas as
precaues e cautelas, e lanou mo de todos os meios para tornar aparatosa a execuo
do Tiradentes. Com a sua prepotncia conseguiu extorquir demonstraes de regozijo a que
se prestaram os habitantes da cidade, cujo desagrado lhes poderia ser de funesta
consequncia. Haviam chegado cadeia as pessoas que deviam compor o prstito. Batiam
nas torres da cidade oito horas quando assinalou-se a partida. Ouviu-se o clarim da primeira
companhia de cavalaria, que punha-se em movimento. As msicas dos regimentos
corresponderam a este sinal. Seguiram-se o clero, a Irmandade da Misericrdia com a sua
colegiada, levando alada a sua bandeira, e os religiosos franciscanos, que rodeavam o
padecente, repetindo os salmos prprios de tais cerimnias. Aps o padecente caminhava o
executor ladeado de seus ajudantes, e segurando nas pontas do barao que cingia o colo
da vtima, e que a prendia entre a vida e a morte. Eram ambos guardados por meirinhos.
Acompanhavam-no, em virtude de seus cargos, montados em soberbos e bem arreados
cavalos, os ministros da justia, desembargador escrivo da alada Francisco Lus Alves
Rocha, que devia testemunhar a execuo, o desembargador do crime Jos Feliciano da
Rocha Gameiro, o ouvidor da comarca Jos Antnio Valente e o juiz de fora e presidente do
Senado da Cmara Dr. Baltasar da Silva Lisboa. Por volta das 11 horas j est no patbulo,
onde ouve a ltima prece. Ento impeliu o algoz a sua vtima que caiu despenhando-se no
espao... Retida pelo barao girou vertiginosamente e estorceu-se em convulses por um
momento at ser cavalgada pelo executor... Um grito imenso, ou antes um gemido surdo,
roufenho e prolongado irrompeu da multido, e foi abafado pelo rufo dos tambores... Morrera
o Tiradentes! No terminou este espetculo, sempre brbaro, sempre indigno de uma nao
e sempre aviltante para a humanidade, sem que frei Raimundo de Penaforte, subisse alguns
degraus do patbulo para pregar multido. Escolheu para tema de seu sermo as palavras
do Eclesistico: Nem por pensamento traias o teu rei, por que as mesmas aves levaro a
tua voz, e manifestaro o teu juzo.
maio de 1808, atravs de Decreto de D. Joo pelo qual o tribunal da Relao do Rio de
Janeiro, seria elevada categoria de Casa de Suplicao, constituiu-se o ltimo em Superior
Tribunal de Justia, ou seja, a grau mais elevado da justia lusitana. No cabia, de suas
decises, outro recurso alm da revista. Primeira casa de justia, depois da Relao baiana. A
Casa da Suplicao do Brasil teve a seguinte composio: alm do regedor, um chanceler da
Casa, oito desembargadores dos agravos, um corregedor do crime da Corte e Casa, um juiz de
chancelaria, um ouvidor do crime, um promotor da justia e de mais seis extravagantes
Em 1 de abril de 1808, D. Joo cria trs tribunais efetivamente novos foram, repita-se, o
Conselho Supremo Militar de Justia, o Conselho da Fazenda e a Real Junta do
Comrcio, Agricultura, Fbricas e Navegao ou, simplesmente, Junta de Comrcio. Quanto
Mesa do Desembargo do Pao e da Conscincia e Ordens, foi ela criada, como j
registrado, pelo alvar de 22 de abril de1808 e com atribuies definidas nos alvars de 12 de
maio de 1809 e de16 de setembro de 1814.Predominavam nas atribuies do ento novo
tribunal, os atos de jurisdio voluntria, como, por exemplo, conhecer das cartas de
emancipao, confirmar doaes e autorizar sub-rogao de bens.
D. Joo refora a figura do Intendente Geral de Polcia, lugar criado por alvar de 10
de maio de 1808, com a mesma forma e jurisdio que tinha o de Portugal. O intendente geral
de polcia tinha ampla e ilimitada jurisdio, cumprindo-lhe fazer, observar todas as leis e
regulamentos policiais, bem como exercer inspeo sobre todos os crimes de armas proibidas,
insultos, conventculos (reunies clandestinas de conspiradores, por exemplo), sedies,
ferimentos, latrocnios, morte e outras que os corregedores e juzes criminais cumpriam julgar,
velando por que tais juzes fossem diligentes ao enviar os processos(quando fosse o caso),
Casa de Suplicao. Preparados os processos, eram remetidos ao intendente geral e este, em
os achando conformes, remetia-os aos corregedores dos crimes da corte, para serem os rus
sentenciados em Relao. De passagem, anote-se que todas as instrues do monarca ao
intendente geral eram feitas de modo secreto e dadas por intermdio doministro do meu
Reino.O intendente que tinha, tambm, a funo de visitar as prises, perdeu-a, mais tarde,
para o regedor da Casa da Suplicao. Contudo, por decreto de 7 de novembro de 1812, o
intendente geral (j todo poderoso frente da polcia ao Rio de Janeiro) teve seu poder
ampliado, eis que dispunha o texto legal que nenhum preso do intendente geral de polcia
poderia ser solto por qualquer autoridade, por mandados, sentenas ou assentos de visita,
conforme antes se procedia sem que estivesse ciente o intendente e o desse por corrente. Em
pleno regime da Constituio de 1824 conservou-se o amplssimo pode rregulamentar do
intendente geral da polcia.
A volta a condio de colnia j havia sido aventada pelos portugueses no Parlamento
do Porto, onde uma revoluo liberal (menos no que se refere ao colonialismo) exigia a volta
da famlia real. A justia portuguesa que havia se instalado no Brasil passa a ser recambiada
para a Europa, bem como D. Joo VI. Em 29 de setembro de 1821 o parlamento do Porto
manda ordens suprimindo todos os tribunais criados por Joo VI, no Brasil, incluindo a Casa de
Suplicao. Coube ao filho, Pedro, a regncia do agora Reino Unido (no que se refere ao
Brasil). Em meio aos confrontos com Lisboa, D. Pedro prepara a independncia convocando
uma constituinte, que s acabar se reunindo em um clima de independncia declarada.
O Brasil Colnia e Imprio podem ser estudado atravs de alguns textos importantes e
complementares. O primeiro que segue mostra a impunidade presente tanto no Brasil colnia
como no Imprio:
TEXTO 12: IMPUNIDADE NO BRASIL COLNIA E IMPRIO
Extrado e adaptado de Luiz Francisco de Carvalho Filho
Antes de qualquer considerao sobre a efetividade da punio criminal no Brasil
Colnia preciso ter em mente que a marca preponderante das Ordenaes do Reino
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(Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) que vigoraram aqui, na parte penal, at 1830, era a
severidade extrema. A mutilao fsica fazia parte das regras do jogo. A pena de morte era
estabelecida para a maioria das infraes. Como lembra Antnio Hespanha, conta-se que
Frederico o Grande, da Prssia, ao ler o Livro V das Ordenaes, no sculo XVII, teria
perguntado se em Portugal ainda "havia gente viva." O direito penal no Antigo Regime, em
termos de punio efetiva, caracterizava-se "mais do que por uma presena, por uma
ausncia". A falta de efetividade decorria de vrios fatores, a comear pelos "conflitos de
competncia", que prolongavam infinitamente os processos, at questes de natureza
prtica, como a deficincia logstica e a incapacidade de controle, por exemplo, do
cumprimento da pena de degredo no ultramar. O historiador sustenta que at a pena de
morte, de aplicao momentnea, era, estatisticamente, muito pouco utilizada em Portugal.
Outro aspecto importante da no-efetividade do direito penal escrito no perodo era o carter
massivo da poltica de perdo, decorrente de necessidades conjunturais como o
esvaziamento de crceres e da prpria legitimao ideolgica do poder real: "A mesma
mo que ameaava com castigos impiedosos, prodigalizava, chegado o momento, as
medidas de graa. Por esta dialtica do terror e da clemncia, o rei constitua-se, ao mesmo
tempo, em senhor da Justia e mediador da graa". O perdo no tinha o carter de
imprevisibilidade que, teoricamente, o caracteriza: era um "expediente de rotina". s a
partir da segunda metade do sculo XVIII, com o "despotismo iluminista", que novas
intenes iriam vigorar em Portugal, entre elas a de converso do direito penal da Coroa
"num instrumento efetivo, funcionando eficazmente e sendo, por isso, crvel e temido".
Uma carta rgia de D. Joo V ao corregedor do crime (a redao do documento
atribuda ao ministro e diplomata brasileiro Alexandre de Gusmo) explicitou, em 1745,
como orientao, a no-efetividade das Ordenaes: "[...] as leis costumam ser feitas com
muito vagar e sossego, e nunca devem ser executadas com acelerao, e ... nos casos
crimes sempre ameaam mais do que na realidade mandam [...]"Pois bem, era da tradio
portuguesa que o instituto do perdo fosse utilizado para fins de povoamento. As vilas em
algum momento, foram declaradas locais de refgio, coitos, onde criminosos foragidos
podiam se instalar, "sem temor de nossas justias". Com o Brasil no seria diferente. Logo
aps a diviso do territrio da colnia em capitanias hereditrias, uma carta de privilgio de
D. Joo III estabeleceu que, exceo feita aos crimes de heresia, traio, sodomia e moeda
falsa, qualquer pessoa que estivesse "ausente", por qualquer delito que tivesse cometido,
no poderia aqui "ser presa, nem acusada, nem proibida, nem forada, nem executada, de
maneira alguma". A distncia de Portugal e as precrias condies de vida na colnia
representavam, por si s, uma grave punio. O degredo para o Brasil, depois estabelecido
formalmente como pena criminal e aplicada em escala importante pelos tribunais civis de
Portugal e pela Inquisio (a ponto de prevalecer na historiografia tradicional a idia de que
a vinda de colonos "de m qualidade" fosse um dos nossos defeitos de formao), era
medida severa. Mas a transformao do territrio brasileiro em local de couto e homizio
talvez seja o mais remoto reflexo da questo da impunidade entre ns.
Os governadores e seus ouvidores dispunham do poder de julgar escravos, o
"gentio", "pees e cristos e homens livres", at em caso de "morte natural", mas a
necessidade do povoar era imperiosa. Duarte Coelho, donatrio da capitania de
Pernambuco, escreveu pelo menos quatro cartas ao rei reclamando da vinda dos
degredados, "que nenhum fruto nem bem fazem na terra", revelando essa contradio. Diria
ele em 1546: "[...] o que Deus nem a natureza remediou, como eu posso remediar, Senhor,
seno com cada dia os mandar enforcar [...]". A instalao do governo-geral, em 1549,
revogou, em parte, o poder judicial fracionado entre os donatrios. Com a fixao de uma
autoridade suprema, Tom de Souza, seu corregedor, pde ingressar nas diversas
capitanias e, assim, distribuir justia. Capistrano de Abreu explica que "estando as
capitanias na condio de estados estrangeiros relativamente s outras, impossibilitava-se
qualquer ao coletiva: os crimes proliferavam na impunidade, a pirataria surgia como
funo normal ...". O projeto era estabelecer na colnia uma organizao mais vigorosa,
centralizada, "forte bastante para garantir a ordem interna". Os relatos da administrao
Tom de Souza indicam que ele exerceu o poder de punir conforme as convenincias do
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momento. Ainda no ano da fundao de Salvador, morto um colono por um ndio e exigida a
entrega do "criminoso", este, por ordem do governador-geral, foi amarrado boca de um
canho e atirado "pelos ares, desfeito em pedaos". Porm, para dois franceses presos no
sul do pas, em 1550, por contrabando de pau brasil atividade que a Coroa considerava
intolervel , o futuro seria diferente. Em carta ao rei, Tom de Souza se justificaria depois:
"No os mandei enforcar porque tenho necessidade de gente que no me custe dinheiro",
ressaltando, no entanto, que "daqui por diante se far o que Vossa Alteza mandar". O
ferreiro, "hbil homem", fazia "bestas e espingardas e todas as armas. Em 1553, os crimes
praticados na colnia antes da chegada do primeiro governador-geral foram perdoados,
"no havendo parte que acuse e residindo o criminoso algum tempo nas povoaes". O
perdo no alcanou, evidentemente, heresia, sodomia, traio, moeda falsa e, acrescentese, morte de homem cristo.
Castigo existia, sobretudo para ndios, escravos e pees. O pelourinho, smbolo da justia,
era monumento obrigatrio nas vilas e muita gente permaneceu presa, indefinidamente,
espera de julgamento, em uma poca em que a priso, especificamente, no existia na lei
como pena. As "guerras justas" , empreendidas contra naes indgenas, promoveram
extermnio e escravido: como retaliao, os caets foram praticamente extintos aps a
morte do primeiro bispo do Brasil, D. Pedro Fernandes Sardinha, no repasto antropofgico
(1556). Mas a partir do exame da aplicao formal da pena de morte, para crimes comuns
(em contraposio a delitos militares, polticos e religiosos), possvel verificar a no
efetividade do direito penal no Brasil, tal como escrito nas leis.
Com a efetiva instalao do Tribunal da Relao na Bahia, no sculo XVII, essa perda de
poder e de efetividade punitiva seria ainda mais acentuada seja pela distncia entre o local
do crime e o local da punio (Salvador), seja pelas delongas burocrticas. Em 1616, um
alvar reduziu para dois, excepcionalmente, o nmero de votos necessrios para a
confirmao das sentenas de morte na Relao: que, desfalcado o tribunal, os rus
permaneciam longos perodos nas cadeias espera do veredito.
Havia tambm uma aparente insegurana institucional. A Coroa foi consultada sobre a
condenao pena de morte, pelo Tribunal da Relao, de dois franceses e de dois
ingleses, presos em Ilha Grande, capitania do Rio de Janeiro, por trfico de pau brasil. A
resposta (1614) foi um inequvoco puxo de orelha nos magistrados, por "haverem dilatado
a execuo". Lisboa ordenou "que para o diante se no faa mais", mas, paradoxalmente,
comutou a pena de morte dos quatro estrangeiros "em degredo para sempre nas gals". A
impossibilidade de aplicao da pena de morte nas prprias capitanias incomodava as
autoridades locais e era considerada fator de incentivo criminalidade. Em 1721, Rodrigo
Csar de Menezes, governador de So Paulo, escreveu ao vice-rei, seu irmo, afirmando
que matar gente "um vcio muito antigo em os naturais desta cidade" e que havia
mandado levantar a forca "na mesma parte em que antigamente estava", para que, vista
dela, "se pudessem abster de continuarem semelhantes delitos", mas advertiu: "isto no
bastar sem que vejam castigados aqui os delinquentes". Ao longo do sculo XVIII esse
quadro se modificou. O poder de condenar morte pessoas despidas de qualidade superior,
sem apelo, foi conferido a governadores e ouvidores de diversas capitanias, paulatinamente,
com a criao de juntas de justia. O objetivo era acabar com a impunidade. A carta rgia
que concedeu esta jurisdio s autoridades de Minas Gerais, em 1731, justificou a medida
pelos "muitos e continuados delitos que se esto fazendo [...] por bastardos, carijs, mulatos
e negros" porque "no viam o exemplo de serem enforcados". O processo de colonizao
do Brasil permitiu que sobretudo nos centros polticos perifricos, se formassem ncleos de
mandonismo e redes de proteo que, na prtica, inviabilizavam a aplicao da lei penal.
Frei Vicente de Salvador relata as dificuldades encontradas pelo quarto governador-geral,
Luis de Brito, para efetuar a priso (ordenada pelo rei de Portugal) de um homem, "alis
honrado e rico", mas que "era cruel em alguns castigos que dava a seus servos fossem
brancos ou negros", protegido pelo bispo D. Antnio Barreiros.
A indiferena da populao diante dos crimes mais atrozes, a convivncia de todos com
criminosos de morte, o sistema de vingana, o brbaro feudalismo, que transforma o
morador em "capanga" ou em "espoleta" do potentado local, colocavam a sociedade em
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Nos prximos 3 textos temos alguma informao importante a ser transmitida antes de
adentrarmos na Constituio de 1824. Um relato marca a singeleza, mas tambm a dureza
exercida pela justia quando se fazia valer. O segundo relato marca um erro do judicirio na
rea criminal e outro na poltica, mas os dois envolvendo elemento de menor partipao
poltica. Vamos nos remeter ao interior do Brasil na poca do imprio:
TEXTO 13: CRIME SEXUAL ACOMPANHADO DE ATO
Todo depravado, srdido, repugnante, horrendo e produz sequelas irreparveis para as
vtimas e seus familiares. Tais crimes sempre foram combatidos pela sociedade desde os
tempos mais remotos. De uma maneira geral, em quase todas as naes, os crimes de
ordem sexual eram punidos nos parmetros da Lei de Talio, ou seja, o autor sofria castigo
igual, parecido ou relacionado ao dano por ele causado.
A mxima OLHO POR OLHO, DENTE POR DENTE fora vivenciada por muito tempo em
quase todas as Leis das diversas Naes, em destarte, na Idade mdia atravs da
Inquisio comandada pela prpria Igreja catlica.
A Lei de Talio era interpretada no s como um direito, mas at como uma exigncia social
de vingana em favor da honra pessoal, familiar ou tribal.
O Brasil colnia de Portugal, assim como tal, tambm seguia tais parmetros punitivos para
os seus diversos tipos de criminosos.
As Ordenaes do Reino que compunham as Leis Manuelinas, Afonsinas e Filipinas,
formavam a base do sistema penal portugus, que por sua vez tambm vigoravam no Brasil.
Entre as penas estavam a morte, a mutilao atravs do corte de membros, o degredo, o
tormento, a priso perpetua e o aoite. At mesmo depois da sua Independncia de
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6-Considero que o Cabra Manoel Duda um sujeito sem vergonha que no nega suas
coxambranas e ainda faz isnoga das incomendas de sua vctima e por isso deve ser
botado em regime por esse juzo.
Posto que:Condeno o cabra Manoel Duda pelo malifcio que fez a mulher de Xico Bento e
por tentativa de mais malifcios iguais, a ser capado, capadura que dever ser feita a
macete.
A execuo da pena dever ser feita na cadeia desta villa. Nomeio carrasco o Carcereiro.
Feita a capao, depois de trinta dias o Carcereiro solte o cujo cabra para que v em paz.
O nosso Prior aconselha:Homine debochado debochatus mulherorum inovadabus est
sentetia qibus capare est macete macetorim carrascus sine facto nortre negare pote.
Cumpra-se a apregue-se editaes nos lugares pblicos. Apelo ex-officio desta sentena para
juiz de Direito deste Comarca.
Porto da Folha, 15 de outubro de 1833.
Assinado: Manuel Fernandes dos Santos, Juiz Municipal suplente em exerccio. (sic)
A capao feita a macete consistia em colocar os testculos do cidado condenado
em local rgido esmagando-os com um forte golpe certeiro, usando para tanto um grosso
pau rolio tipo basto ou cassetete, ou mesmo, uma marreta fabricada com madeira de lei.
Com o tempo a pena de Talio e outras cruis desapareceram nas legislaes modernas na
quase totalidade dos Pases, sob a influncia de novas doutrinas e novas tendncias
humanas relacionadas com o Direito Penal, entretanto, muitas pessoas ainda defendem a
volta de mtodos parecidos, como frmula eficaz para arrefecer o recrudescimento da
violncia urbana.
TEXTO 14: O CASO DA FERA DE MACABU
Manuel da Mota Coqueiro, casado com rsula das Virgens, foi um rico fazendeiro do
norte fluminense condenado forca por haver, segundo a acusao, mandado matar toda
uma famlia de colonos residente em suas terras. O caso teve enorme repercusso na
crnica judiciria do sculo XIX e serviu de munio para os defensores da extino da
pena de morte, pelas evidncias de ter ocorrido um erro judicirio.
Mota Coqueiro era proprietrio de vasta extenso de terras, onde possua muitos
escravos, alm de empregados e meeiros. Entre estes ltimos estava Francisco Benedito da
Silva, juntamente sua numerosa famlia. Uma de suas filhas, Francisca acabou tendo um
caso amoroso com Mota Coqueiro. Francisco Benedito, ao saber disso, passou a
chantage-lo, agravando o relacionamento entre os meeiros. Em uma noite de 1852,
Francisco Benedito e toda sua famlia (esposa, trs filhos adolescentes e trs crianas)
foram mortos a golpe de faces por um grupo de cerca de oito negros, escapando somente
Francisca, a filha grvida.
As provas mais fortes contra Mota Coqueiro foram o depoimento de uma das
escravas de Mota Coqueiro, de nome Balbina, e roupas ensaguentadas encontradas na
senzala onde ela vivia. Alm de Mota Coqueiro, acusado de ter sido o mandante da chacina,
foram presos como executores dois agregados livres, Florentino da Silva e Faustino Pereira,
e o escravo Domingos.
O Cdigo de Processo Criminal de 1832 no permitia que um escravo
testemunhasse contra seu senhor. Mas os escravos poderiam depor em juzo na qualidade
de informantes, no prestando juramento. Isso permitiu que Balbina prestasse seu
depoimento, fundamental para a condenao de Mota Coqueiro.
O processo judicial foi avidamente acompanhado pela imprensa da poca pois, alm
da crueldade do crime, o acusado era um abastado fazendeiro de uma das mais prsperas
regies do Brasil. Os jornais de comentavam as notcias referindo-se a Mota Coqueiro como
A Fera de Macabu (o crime aconteceu numa fazenda prxima vila de Macabu, hoje um
municpio autnomo do Estado do Rio de Janeiro com o novo nome de Conceio de
Macabu).
A condenao de Mota Coqueiro apontada como um dos maiores erros judicirios
do Brasil, porque as provas que o levaram forca foram apenas circunstanciais e porque
94
havia muito rancor e interesses patrimoniais e polticos envolvidos. O fato que, aps um
segundo julgamento (crimes punidos com pena de morte exigiam confirmao, em segundo
julgamento e tambm por tribunais superiores, o que tambm ocorreu), Dom Pedro II negou
ao condenado a graa imperial, mesmo se tratando de um homem branco e rico, o que era
muito raro de acontecer.
possvel que, de fato, tenha sido Mota Coqueiro o mandante da chacina, mas o
julgamento se revestiu de muitas falhas e sensacionalismos, ingredientes bsicos para uma
sentena injusta. um erro histrico a afirmao de que a execuo de Mota Coqueiro foi a
ltima no Brasil Imperial. Depois de sua execuo, vrios homens livres, escravos e
militares foram executados. Inegavelmente, porm, o episdio influenciou o Imperador, que,
a partir de ento, atendeu com maior frequncia os pedidos de graa.
velhice, pedir-lhe que me perdoe e, a Deus, que, na sua misericrdia, no ponha, jamais, no
meu caminho, Maria da Conceio...9.
Mariquinhas era moa, quase menina, quando sua me incitou-a prostituio,
como forma de ganhar a vida. Os relatos processuais comprovam que Mariquinhas era
muito pobre. O apelido de Devassa denotava preconceito profundo, ainda mais porque
dado a uma menina de 15 anos, levada a fazer o que fazia pelas circunstncias da vida.
Visgueiro apaixonou-se por ela sabendo de onde ela vinha e o que fazia. Exigiu dela
uma fidelidade impossvel. Ofato de estar apaixonado pela moa no o autorizava a obrigla a fazer o que ele queria; no havia qualquer compromisso efetivo entre eles. Mesmo
estando louco de paixo, a razo do desembargador no parecia estar afetada a ponto de
torn-lo inimputvel. Ele sabia bem o que fazia e havia deliberado faz-lo aps muito
meditar.
A ira de Visgueiro atingiu o ponto crucial quando Mariquinhas se tornou suspeita de
ter-lhe furtado dinheiro. V-se que o desembargador passou a nutrir violento dio por no
ser obedecido e respeitado como sua autoridade exigia e por perceber o inegvel interesse
econmico que a moa tinha em sua relao com ele.
Planejou detalhadamente e com bastante antecedncia o crime que cometeu. Aps a
prtica da carnificina, continuou sua vida calmamente; no houve demonstrao de
perturbao da inteligncia e da conscincia. Por isso, ao Tribunal no cabia outra deciso a
no ser a condenao. A pena imposta, por demais severa (priso perptua com trabalho
forado) est hoje banida do sistema penal brasileiro, mas, na poca, era aplicvel a esse
tipo de crime.
A histria de Visgueiro provoca profundo sentimento de pena, mas tambm a histria
da pobre Mariquinhas horrivelmente triste. Ela foi uma menina explorada que encontrou
um fim cruel e prematuro, como ainda acontece com jovens de sua classe social jogadas na
prostituio.
Os defensores da memria de Visgueiro procuram enaltecer o homem
aparentemente honrado que ele foi, o que compreensvel. Mas no se pode chegar ao
absurdo de perdoar seu crime brbaro, pelo qual ele passou para a histria. A alegao de
insanidade nunca restou provada. Visgueiro no dava sinais de loucura, nem antes, nem
depois do crime. Ele era surdo, apenas isso. De anormal em sua vida houve uma paixo,
que o consumiu, mas no lhe tirou a capacidade de compreender o carter criminoso do ato
que praticou nem de determinar-se segundo esse entendimento. Como o prprio Visgueiro
confessou a Guilhermino, ele estava possudo de puro dio quando matou a moa, e esse
sentimento no justifica o crime perante a Justia.
H outros relatos de condutas agressivas de Pontes Visgueiro. Lus Gonzaga dos
Reis conta que, certa vez, na capital paulista, ainda acadmico, Visgueiro travou luta
corporal com um soldado, de quem pretendeu seduzir a amante, caso que causou grande
escndalo. Andava sempre armado de faca, sendo temido pelos colegas, por ser
avalentoado. De outra feita, por ocasio de um baile dado em casa da Marquesa de Santos,
na Paulicia, Rua do Carmo, auxiliado por um grupo de moleques, apedrejou o rico
palacete, quebrando as vidraas das janelas do beco, ao lado do colgio10.
Visgueiro foi execrado na poca em que os fatos se deram e, depois de sua morte,
transformou-se em lenda na qual era um fantasma horrvel, um bicho-papo, uma
assombrao. No Maranho, as mes exigiam que os filhos cumprissem suas tarefas sob
pena do aparecimento de Pontes Visgueiro. Sua conduta foi muito criticada, no apenas
porque tivesse matado uma mulher, alegando paixo e cime, mas por causa da natureza
de sua relao com Maria da Conceio. Para os rgidos padres morais da poca, um
desembargador manter romance com uma prostituta, abertamente, sem esconder da
sociedade seus exageros e provocando constantes escndalos, revelou-se inaceitvel.
Como constou da sentena condenatria, o ru havia sido impelido por motivo reprovado,
considerada a natureza torpe de suas relaes com Maria da Conceio. Foi essa torpeza
que fez aumentar o repdio social e selou o destino do desembargador, na priso perptua.
Jos Cndido de Pontes Visgueiro morreu em 24 de maro de 1875, na Casa de
Correo. O Jornal do Comrcio publicou o testamento que ele havia feito em janeiro do
100
mesmo ano, demonstrando que partiu desta vida em plena lucidez: Nada dispz sobre
suffragios a sua alma, por confiar muito na piedade de sua filha, e, uma vez quetem de
morrer longe delia, pouco importa o modo pelo qual seu corpo tem de ser atirado,
desconhecido, na valia de algum cemitrio. Declarou, ainda, que no foi inimigo de ningum,
no verdadeiro sentido da palavra; e, si inimigos teve, perda-lhes todo o mal que lhe
fizeram. Sendo humano e piedoso, e tendo muito amor Justia e ao prximo, si o seu
espirito se desvairou um dia, que perdo poder desejar aos homens? Quem podia perdoalo j no existe.
H, porm, crnicas da poca assegurando que Pontes Visgueiro no morreu, mas
desapareceu, provavelmente fugindo para a Europa com a ajuda de amigos. Em seu caixo,
haveria somente pedras. Humberto de Campos conta que Visgueiro, em 1875, desaparece.
Mas desaparece como? Faleceu e foi enterrado, informa a crnica oficial. Fugiu para o
estrangeiro, contam a tradio e as lendas; o caixo em que diziam ir o seu corpo, e que
ningum abriu, ia cheio de pedras; Pontes Visgueiro embarcou para Lisboa e l foi visto por
muitos brasileiros, que com ele falaram. Onde a verdade?11.
Bem, se Visgueiro escapou da priso, mais um malogro da Justia brasileira, mais
um lamentvel episdio a reforar as estatsticas da impunidade. Se, ao contrrio, ficou
preso at o fim de seus dias, trata-se de uma demonstrao alentadora de que as nossas
Instituies nem sempre favoreceram os ricos e poderosos.
(A histria de Pontes Visgueiro est baseada nos livros de Ren Ariel Dotti Casos
criminais clebres, So Paulo, Revista dos Tribunais, 1999 e de Evaristo de Morais O
caso Pontes Visgueiro, Rio de Janeiro, Ed. Ariel, 1934.)
ACRDO QUE CONDENOU PONTES VISGUEIRO
Vistos, etc.
Attendendo a que por taes provas, e at pela confisso livre e expontnea do ro,
est plenamente provado ter elle matado no dia 14 de agosto ltimo a Maria da Conceio,
pela frma articulada no libello a fls.;
Attendendo a que, entre o desgnio, formado pelo ro, de cometter o crime e o acto
de comettel-o mediaram mais de 24 horas, o que evidente em face dos depoimentos e
declaraes de fls. e fls.;
Attendendo a que o ro para vencer a repugnancia e receio que Maria da Conceio
mostrava de ir sua casa, procedeu com fraude, empregando affagos e excitando-lhe o
interesse por promessas falsas, como se v de fls.;
Attendendo a que o ro havia superioridade de sexo, foras e armas, de maneira que
a offendida no podia repelir a ofensa;
Attendendo a que o ro foi impellido por um motivo reprovado, considerada a
natureza torpe de suas relaes com Maria da Conceio;
Attendendo a que o delicto foi cometido com surpresa, lanando-se o ro e seu
cumplice sobre Maria da Conceio, e ferindo-a o ro quando ella descuidosa entrava no
quarto, onde lhe dissera o mesmo ro estarem os presentes que elle lhe promettra;
Attendendo, finalmente, a que pelos mesmos depoimentos e interrogatorios, est
plenamente provado que entre o ro e a assassinada tinha deixado de existir a confiana
mutua que naturalmente se presume entre dois entes, que se amam ou prezam,
manifestando ella, alis, mdo e receio de que elle a quisesse ofender, em vingana de no
lhe guardar fidelidade em suas relaes ilicitas e consequentemente que no podia o ro
abusar de uma confiana que j no existia;
Attendendo igualmente a que o convite feito a Guilhermino para dar uma surra em
Maria da Conceio, sem nunca lhe revelar o designio de matal-a, no pode ser
considerado ajuste para cometter este delicto, nos termos do art. 16, 17:
Julgam o ro incurso no art. 193 do Codigo Criminal e o condenam na pena de gals
perpetuas, gro maximo, por concorrerem as circunstncias aggravantes mencionadas no
art. 16, 42, 62, 82, 9a e 15, pena que ser substituda pela priso perpetua com trabalho,
nos termos do art. 45, 2, do mesmo Codigo, por ser o ro maior de sessenta annos, e nas
101
custas.
Rio de Janeiro, 13 de maio de 1874.
Brito, presidente Simes da Silva, relator sem voto Marianni Leo Cerqueira
Barbosa Villares Valdetaro Couto Costa Pinto.
Este partido estava temeroso no Brasil e pensava que defendendo o absolutismo, poderia
estender-se em ltima instncia, ambicionada recolonizao. O embate fica entre os
senhores rurais do partido brasileiro e o partido portugus articulado com o imperador.
Nesse perodo as provocaes de lado a lado j dominam o ambiente da corte. Cartas
annimas distribudas contra portugueses e militares e a retaliao com espancamentos de
brasileiros, levam o tema para dentro do parlamento. Uma assembleia que rege temas
explosivos que nunca deveriam aparecer juntos ser uma assembleia conturbada. Pensando o
pior, os deputados liberais fazem com que ela se declare em sesso permanente, mas contra
as armas nada pode fazer. Depois de uma noite de agonia a Assembleia fechada pelo
exrcito e dissolvida por um decreto imperial em 12 de novembro de 1823.
Por precauo e de maneira a no perder muito mais terreno, a aristocracia rural recua.
No decreto de Dissoluo da Assembleia Constituinte, D. Pedro I coloca em evidncia
seu poder constituinte e nomeia um Conselho de Estado. A base so dez juristas e Carneiro de
Campos. Promete ainda que a sua constituio ser mais liberal que o projeto que se
encerrava ali. Apreciada pelas cmaras Municipais foi outorgada (imposta) em 25 de maro de
1824, estabelecendo os seguintes pontos: a)um governo monrquico unitrio e hereditrio;
b)voto censitrio (baseado na renda) e descoberto (no secreto); c)eleies indiretas, onde os
eleitores da parquia elegiam os eleitores da provncia e estes elegiam os deputados e
senadores. Para ser eleitor da parquia, eleitor da provncia, deputado ou senador, o cidado
teria de ter, agora, uma renda anual correspondente a 100, 200, 400, e 800 mil ris
respectivamente; d)catolicismo como religio oficial; e)Manuteno do Padroado: submisso da
Igreja ao Estado; f)quatro poderes: Executivo, Legislativo, Judicirio e Moderador.
O Executivo competia ao imperador e ministros por ele nomeados. O Legislativo era
formado pela Cmara de Deputados (eleita por quatro anos) e pelo Senado (nomeado e
vitalcio). O Poder Judicirio era formado pelo Supremo Tribunal de Justia, com magistrados
escolhidos pelo imperador. O Poder Moderador era pessoal e exclusivo do prprio imperador,
assessorado pelo Conselho de Estado, que tambm era vitalcio e nomeado pelo imperador.
Prevaleceu ainda o regalismo na Constituio: Art. 5. A Religio Catholica Apostolica
Romana continuar a ser a Religio do lmperio. Todas as outras religies sero permittidas
com seu culto domestico ou particular. em casas para isso destinadas. sem forma alguma
exterior de templo. (sic) (BARROS;MOREIRA: 1855) V-se na constituio o continuar, ou
seja, seguir como na constituio portuguesa. Isso implica que: Art. 102. O Imperador o
Chefe doPoder Executivo. e o exercita pelos seus Ministros de Estado. So suas principaes
atribuies : (...) II. Nomear Bispos, e prover os beneficios eclesisticos (sic).
(BARROS;MOREIRA: 1855) No artigo 5 parecia que a liberdade religiosa seria plena, mas na
hora do cidado no catlico ser votado: Art. 95. Todos os que podem ser eleitores, so habeis
para serem nomeados Deputados. Exceptuo-se (...) III. Os que no professarem a Religio do
Estado.(sic)(BARROS; MOREIRA: 1855)
Nossa primeira constituio fica imposta verticalmente para atender os interesses do
partido portugus. O golpe imperial com a dissoluo da Constituinte e outorga da
Constituio de 1824 impediu que o controle do Estado fosse feito pela aristocracia rural.
A classe rural d o troco no Imperador em 1831. Depois de nove anos de governo
autoritrio e muitos desmandos, o Imperador obrigado a Renunciar ao trono, abicando-o para
seu filho, ento menor de idade. O Brasil experimentar o perodo regencial at 1840, quando
a maioridade de D. Pedro II, ento com 15 anos incompletos, ser antecipada e proclamada.
Deixando de lado os movimentos de insatisfao com D. Pedro I (Confederao do Equador),
ou os movimentos de rebelio regenciais, importante salientar que a efervescncia legal no
cessou com a Constituio de 1824 ou com a Abdicao do Imperador. Durante anos as
discusses e propostas de nova constituinte acabavam em ouvidos mocos de D. Pedro. Um
avanado e interessante plano surgiu e seguiu em frente e frutificou: O Cdigo Criminal de
1830 e de Processo Criminal em 1832. Ambos bem modernos para a poca.
103
Fica o Ato Adicional aprovado em 12 de agosto de 1834. Um pequeno mais rico captulo
da histria do direito no Brasil. Mudanas interessantes, sendo algumas delas destitudas pela
prtica falida e outras guardadas com o sonho de Velhos Liberais como o Padre Antnio Feij.
As principais mudanas so: a)Suspenso temporria (na ausncia de Rei no trono) do poder
moderador; b)Regncia deixa de ser Trina e Permanente e passa a ser Uma por prazo de 4
anos; c)Assembleias legislativas e presidentes de provncias com maior autonomia; d)Criao
do municpio neutro do Rio de Janeiro para ser a capital do Imprio (no regida por nenhuma
provncia).
No perodo imperial os partidos polticos s comeam a se organizar em 1831. Antes
disto, a palavra partido, tanto quanto faco, eram palavras malvistas. (...) Empregava-se o
vocabulrio partidista, em vez de partidrio, bem como faccionrio, depois substitudo por
faccioso. (CHACON: 1981, p. 23)
Durante muitas dcadas os partidos eram utilizados pelas elites agrrias, sem maiores
compromissos com ideologia ou uma instituio sria. O sistema eleitoral Brasileiro era
censitrio, com nmero de deputados nacionais e provinciais bem estabelecidos pela
constituio e outras normas. Em todo perodo imperial ocorreram 3 reformas eleitorais. A
primeira de 1846, de cunho liberal adotava o voto distrital e as incompatibilidades de algumas
candidaturas. Em 1855 aplica-se ainda a eleio de suplentes e passa sob a proteo do
conservador Honrio Hermeto Carneiro Leo (Marqus de Paran). O ltimo se dar em 1881
sob a tutela do Conselheiro Jos Antnio Saraiva e Rui Barbosa. Combater a fraude;
estabelecer o ttulo de eleitor; abrir espao para votos de naturalizados, acatlicos e libertos.
Fica conhecida por Lei Saraiva.(CHACON: 1981)
Basicamente no imprio se estabelecem grandes partidos opostos mais pelas ideias de
centralizao ou no do poder. O partido liberal e o conservador eram formados pela elite
agrria, comprometida em grande parte com o latifndio e com a escravido. Porm, outros
grupos se manifestam e do uma colorao poltica mais realada do que dois partidos to
semelhantes. Os progressistas em uma forte diviso interna ver nascer em 1868 a Escola
104
Liberal Radical, defendida pelo jornal A Opinio Liberal (fundada em 1866). Colaboravam
nessa folha e animavam seus redatores homens notveis como Theophilo Ottoni (o Senador)
Christiano Ottoni, Urbano Sabino, P. de Mello, Jos Maria do Amaral, Godoy e Vasconcellos e
Joaquim Felcio dos Santos. Defendiam reformas profundas:
Descentralizao; ensino livre; policia eletiva; abolio da Guarda Nacional; Senado
temporrio e eletivo; extino do poder moderador; separao da judicatura da policia;
sufrgios diretos e generalizados; substituio do trabalho servil pelo trabalho livre;
Presidentes da provncia eleito pela mesma; suspenso e responsabilidade dos
magistrados pelos tribunais, superiores e poder legislativo; magistratura independente,
incompatvel, e a escolha de seus membros fora da ao do governo; proibio dos
representantes da nao de aceitar em nomeao para empregos pblicos e igualmente
ttulos e condecoraes; os funcionrios pblicos uma vez eleitos devero optar pelo
emprego ou cargo de representao nacional. ( p. 24 a 26)
TEXTO 17: O LIBERALISMO E A CULTURA JURDICA BRASILEIRA NO SCULO XIX MAGISTRADOS E JUDICIRIO NO TEMPO DO IMPRIO
extrado e adaptado de Antnio Carlos Wolkmer (WOLKMER, 2005)
do cap. 3 (p. 79 a 100)
Com a Independncia do pas, o liberalismo constituiu-se na proposta de
progresso e modernizao superadora do colonialismo. Contraditoriamente admitia a
propriedade escrava e a estrutura patrimonialista de poder. Ao conferir as bases ideolgicas
o liberalismo se tomou componente na vida cultural brasileira durante o Imprio, e tambm
da organizao do Estado e de integrao da sociedade nacional. O projeto liberal que se
imps era a vitria dos conservadores sobre os radicais, estando dissociado de prticas
democrticas e excluindo aspiraes dos setores rurais e urbanos populares, burocrtico,
centralizador prprios da dominao patrimonial. Se d a complexa e ambgua conciliao
entre patrimonialismo e liberalismo, resultando numa estratgia liberal-conservadora.
Alm de seus aspectos conservadores, individualistas, antipopulares e no-democrticos, o
liberalismo brasileiro deve ser visto igualmente por seu profundo trao "juridicista". Foi
nessa juno entre individualismo poltico e formalismo legalista que se moldou
ideologicamente o principal perfil de nossa cultura jurdica: o bacharelismo liberal.
Dois fatores foram responsveis pela edificao da cultura jurdica nacional ao
longo do sculo XIX. Primeiramente, a criao dos cursos jurdicos e a consequente
formao de uma elite jurdica prpria, integralmente adequada realidade do Brasil
independente. Em segundo, a elaborao "de um notvel arcabouo jurdico no
Imprio: uma constituio, vrios cdigos, leis, etc.
A implantao dos dois primeiros cursos de Direito no Brasil, em 1827, um em So
Paulo e outro em Recife (transferido de Olinda, em 1854), refletiu a exigncia de uma elite,
sucessora da dominao colonizadora, recompondo, ideologicamente, a estrutura de poder
e preparando nova camada burocrtico-administrativa. Os cursos jurdicos surgiram,
concomitantemente, com o processo de independncia e a construo do Estado nacional.
Tais centros de reproduo da legalidade oficial positiva destinavam-se a responder aos
"interesses do Estado e no s expectativas judiciais da sociedade. Sua finalidade bsica
no era formar advogados. Assim, as escolas de Direito foram assumir duas funes
especficas: primeiro, ser polo de sistematizao e irradiao do liberalismo; segundo,
dar efetivao institucional ao liberalismo no contexto formador de um quadro
administrativo-profissional. Essas funes distintas, mas interligadas, no deixam de
revelar certa contradio, que comprova-se na pretenso de serem, de um lado, defensoras
dos princpios liberais, de outro, de fomentadoras da emergncia de uma elite burocrtica
para o controle do poder. As primeiras faculdades de Direito, inspiradas em pressupostos
formais de modelos aliengenas, contriburam para elaborar um pensamento jurdico
ilustrado, cosmopolita e literrio, bem distante dos anseios de uma sociedade agrria da
105
106
uma omisso em relao aos ndios, no considera sequer sua 'orfandade'. J em relao
aos escravos, omitidos totalmente na legislao civil, so tratados na lei criminal.
estranho, mas perfeitamente compreensvel dentro do sistema: a lei penal - dedicada
integralmente aos marginalizados sociais - no registra referncia mais marginal de todas
as populaes, os indgenas, porque ou estavam fora da sociedade, no lhes alcanando a
ao penal o simples revide guerreiro, ou dentro da sociedade no se diferenciavam dos
pobres marginalizados. Em relao aos escravos diz to-somente que as penas de
trabalhos forados em gals e as de morte sero substitudas pela de aoites, para que o
seu dono no sofresse prejuzo, isto , a direo da norma a proteo da propriedade do
senhor, no a pessoa do apenado.
A reforma liberal do sistema judicial se completa com o Cdigo de Processo
Criminal. Elaborado por uma comisso conjunta da Cmara e do Senado, em 1832, veio
atestar nossa autonomia no mbito do controle, ao mesmo tempo que reforava as
instituies liberais existentes, como o juiz de paz. Esses juzes de paz eleitos, que tinham
atribuies policiais e criminais, possuam igualmente "poderes para atuar na formao
da culpa dos acusados, antes do julgamento, e tambm de julgar certas infraes
menores, dando termos de bem viver aos vadios, mendigos, bbados por vcio,
meretrizes escandalosas e baderneiros. Alm desses crimes, as demais infraes
deveriam ser julgadas pelos juzes criminais. As infraes da alada dos juzes de paz
eram chamadas crimes de polcia. O Cdigo combinava prticas processualistas derivadas
do sistema ingls e do francs, o que representava, uma vez mais, a vitria do esprito
liberal e a supresso do ritual inquisitrio filipino. Os anseios do novo esprito iriam refletir-se
no apenas na inovao do habeas corpus e na consagrao do sistema de jurado,
mas na prpria modificao da hierarquia e da composio judiciria. Com isso,
extinguiu-se a estrutura colonial portuguesa, apoiada sobre os ouvidores e os juzes de
fora. A magistratura especial da Relao, composta de juzes municipais, juzes de Direito e
de desembargadores, passava agora a integrar uma nova organizao judiciria, eliminando
os restos formais do sistema legal portugus. O Cdigo de Processo Criminal do Imprio
escreve que, alm dos juzes de paz eleitos, constavam os Juzes municipais e juzes de
Direito nomeados e jurados, alistados anualmente por uma junta composta do juiz de paz,
do proco e do presidente da Cmara Municipal, dentre os cidados que podiam ser
eleitores. Este Cdigo acabou com as devassas, transformou as querelas em queixas,
tomando-se a denncia o meio de ao do Ministrio Pblico. A iniciativa do processo ex officio - era mantida para todos os casos em que era cabvel a denncia.
No entanto, durante a sua vigncia, o estatuto processual foi alvo de uma reforma
de carter conservador, que introduziu o chefe de polcia nas atribuies da Justia. No
objeto da Reforma de 1841, ficava ntida a substituio das diretrizes judiciais
descentralizadas por uma centralizao rgida, poderosa e policialesca. A etapa seguinte de
evoluo jurdica foi o Cdigo Comercial de 1850, que, aps ter passado por lento
processo de redao parlamentar, acabou configurando-se num modelo normativo para
diversas legislaes mercantis latino-americanas. O Cdigo nasceu j envelhecido, sem
conhecer as estradas de ferro nem a navegao a vapor. Apesar de tudo, refletia, quando
elaborado, as melhores ideias a respeito do Direito Comercial. Suas fontes de inspirao:
textos romanos; na doutrina italiana; na exegese civil napolenica; os interesses contratuais
e obrigacionais da elite local. As necessidades imediatas fizeram a burguesia latifundiria
priorizar a regulamentao da vida econmica sobre a vida civil. A produo da riqueza
era mais imperiosa do que a proteo e a garantia dos direitos civis, nada mais natural do
que o Cdigo Comercial preceder em 67 anos o Cdigo Civil. Acompanhando o Estatuto
Comercial maior, seguiu-se, no mesmo ano, o Regulamento 737, expedido pela
Administrao Real e que disciplinava o processo comercial (estendido s causas civis) at
o advento da Repblica, ditando as linhas gerais do processo, da execuo e dos recursos
cabveis.(...)
Magistrados e Judicirio no tempo do Imprio
Trata-se dos segmentos sociais e dos mecanismos funcionais que compuseram a
mquina de administrao da justia, ungidos para interpretar e aplicar a legalidade estatal,
108
111
Coube a Rui Barbosa a unificao destes documentos em um que seria usada para a
nova constituio. O Governo provisrio no Decreto n 510, baixado em 22 de junho de 1890,
convoca as eleies para 15 de setembro do mesmo ano. No dia (23 de junho) seguinte sai o
Regulamento Alvim que normatiza a primeira votao Republicana para a primeira Constituio
Republicana (FERREIRA: 2005). Possua trs captulos e 71 artigos, sendo o Decreto n 511
do Governo Provisria45.
O presidente Deodoro fez vrias intervenes neste processo, inclusive relutou ainda
em aceitar o princpio de independncia entre Executivo e Legislativo. Fiel tradio imperial,
(...) achava que o chefe do governo deveria ter a prerrogativa de dissolver o Congresso sempre
que julgasse necessrio. (GOMES: 2013, p. 127)
Instalada a Constituinte depois dos obstculos iniciais, no dia 15 de novembro de 1890.
Representada a nvel nacional tinha 205 delegados, sendo 40 militares. Era presidida por
Prudente de Morais, o lder republicano paulista. Teve a maior parte dos trabalhos realizados
no antigo Palcio Imperial da Boa Vista, em So Cristvo. No dia 24 de fevereiro de 1891, o
pas finalmente adotava sua nova Constituio republicana.
Como expresso de concepes polticas, a Constituio de 24 de fevereiro de 1891
tinha mais unidade interna do que a imperial. Tambm eram mais coerentes os seus supostos
jurdicos. Ela consolidou, vitoriosa a propaganda, um conjunto de contedos doutrinrios mais
ou menos coerentes. Era eufrica: era como se s agora o Estado brasileiro passasse a existir.
Mas a constituio, em suas razes, correspondia mais a um propsito da camada dominante
do que a uma aspirao, mesmo implcita, do povo. A constituio, em sua estrutura, foi cpia
do modelo norte-americano. O arcabouo da constituio revelava princpios estruturais em
que o modelo norte-americano atuava, mas no era somente aquele modelo, que bastava para
explicar o texto de 1891; convergia para ele uma srie de convenincias, ingenuidades e
idealismos. No do texto de 1891, temos elementos de divergncias pessoais. Nada se fala do
social, sendo que a Constituio de 1824 era mais prdiga nas preocupaes com os
problemas da nao. Dominou a constituio, desde o comeo, a preocupao de consagrar o
federalismo, que efetivamente foi ponto bsico naquela hora. A estrutura federal, entretanto, se
era coisa nova como realidade positiva, no o era como ideal, pois as reclamaes contra o
centralismo tinham representado constantes ataques ao unitarismo e reivindicaes
descentralizadoras. De qualquer modo, o artigo primeiro da constituio enfatizava a unio
nacional, e atribua nao a autoria da deciso de adotar as formas vigentes. Rui Barbosa,
figura fundamental da Constituinte e favorvel ao federalismo americano que ajudou a adotar,
era dos primeiros a reconhecer a diferena entre os problemas bsicos norte-americanos e os
nossos no plano das estruturaes federais respectivas. De qualquer sorte, No mais,
alimentava-a um liberalismo bonito, dominante entre nossos polticos de ento. E ela traduzia,
como no podia deixar de traduzir, um conjunto de condicionamentos econmicos.
No dia seguinte (25 fevereiro de 1891) foram eleitos: presidente da Repblica, o
marechal Deodoro da Fonseca; vice-presidente, o marechal Floriano Peixoto. As principais
novidades eram as seguintes:
45 Foi dado este nome por causa do ministro do Interior Jos Cesrio de Faria Alvim. A regulamentao Alvim tirou dos
constituintes muitas de suas liberdades, entre elas a deciso de se ter eleies direitas para o primeiro presidente. A lei
determinava no art. 62 que a prpria assembleia constituinte elegeria o primeiro presidente e vice-presidente da Repblica.
112
113
13.3.1)Introduo:
A Revoluo de 1930 foi apoiada por elites estaduais, tenentes, operrios e outros
importantes setores urbanos. Getlio sobe ao poder em uma poca difcil para a economia
Brasileira. A crise do caf levava a pujana de nossa elite e comeava afetar a sociedade como
um todo, pois o caf era o carro chefe das exportaes brasileiras. O clima na Europa ficava
cada vez mais radical. Um governo provisrio (1930-1934) da Revoluo sob comando total de
Getlio e sem nenhuma estrutura legislativa (interventorias) foi o teste para o posterior Estado
Novo (1937-1945). Apesar de negarem alguns idelogos do Estado Novo que este tivesse
ligao com o fascismo, claro que os modelos das ditaduras direitistas europeias atuavam
basicamente em sua concepo. At o sculo XIX, eram francesas quase totalmente nossas
ideias, e na poca romnica as frmulas inglesas comearam a chegar; ao fim do sculo, o
figurino constitucional norte-americano se imps no plano terico e no prtico. Agora, notcias
alems e italianas traziam um modelo novo para nos sugestionar, o qual alis seria
corroborado pelos acontecimentos da pennsula ibrica, que adotava regimes do tipo fascista.
Fruto deste perodo internacional e profundos reflexos no Brasil, vai surgir um
movimento nacional chamado INTEGRALISMO. Seus supostos intelectuais eram os ensaios
da dcada de 1920, carregada de brasilizao (Semana de Arte Moderna um exemplo) de
referncias s novidades tericas e prticas dos pases europeus. Algumas influncia da
literatura social nacional de desde o incio do sculo, tal como a da obra de Euclides da Cunha
e seus seguidores e continuadores. A doutrina adotou smbolos cvicos especiais, como o
sigma, a camisa verde, a saudao indgena (anau), e o trplice Deus-Ptria-Famlia, smbolo
com os quais conseguiu encantar grandes pores da burguesia, a ponto de se tornar na
poca a filosofia poltica dominante. Seu lder principal foi Plnio Salgado (que pertencera ao
Partido Republicano Paulista, PRP, e lanou um manifesto em 1932 Nao Brasileira),
liderou a linha forte.
Na rea poltica e de viso de estado e das instituies jurdicas, o grande nome o de
Francisco Campo. Homem extremamente capaz e jurista de rara competncia e discurso fcil e
convincente. Foi ministro da justia e o coordenador da base (se no quase toda) Constituio
do Estado Novo em 1937. Alm disso, recaiu sobre seus ombros a liderana de mudanas e
adaptaes de Cdigos para o Estado Novo (Comrcio, Penal e Civil). Opositor da falida
Constituio de 1934, defendia que o Estado Centralizado e ditatorial de Vargas era o que o
pas precisava e na verdade a vontade suprema da populao. Com isso se tornou o grande
defensor de Vargas e do Estado Novo.
Estabelece no Brasil o sistema de intervenes. Getlio escolhe homens de confiana
para governar os estados e, estes escolhem seus homens de confiana para governar os
municpios.
13.3.2)Constituio de 1934:
Os paulistas, depois de dois anos, se rebelam e fazem a Revoluo Constitucionalista
de 1932. Perdem na batalha mais ganham a Guerra. Getlio pressionado cria uma nova e
moderna justia eleitoral e prepara a constituio para ser feita pela Assembleia em 1934.
A justia eleitoral foi ela instituda pelo Decreto n 21.076, de 24 de fevereiro de 1932.
Cria de maneira autnoma com funes contenciosas e administrativas. Organiza o pleito e
atravs de Tribunais Regionais Estaduais (TRE) e um Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na
capital coloca juzes nas comarcas e faz cumprir a lei. Ela incorporada a Constituio de
1934
A Constituio de 1934 nasceu depois de um Governo Provisrio Ditatorial. No Decreto
n 19.398 (11/11/1930) parecia a incio que a carta constitucional 1891 seria mantida, mas j no
artigo 5 se perdia a continuidade com a primeira carta Republicana brasileira, diz o decreto:
Art. 5 Ficam suspensas as garantias constitucionais e excluda a apreciao
judicial dos decretos e dos atos do Governo Provisrio ou dos Interventores
115
Essa fraqueza fica evidente no escrito do brasilianista dos EUA Thomas E. Skidmore,
que via na Carta de 1934 o resto de uma grupo que perdia rapidamente o domnio poltico no
Brasil e no mundo:
...os grupos polticos mais intimamente identificados com as posies do
constitucionalismo liberal e da reformismo scio-econmico estavam, em 1934,
superados por um novo gnero de ativismo poltico. A poltica no Brasil, como na
Europa no comeo da dcada de 1930, marchava para a radicalizao.
(SKIDMORE, 1976: p 41)
Com virtudes, mas sem quase vigora devido aos contnuos estados de stio, a
constituio fechada por um golpe em 1937. Sobre sua aes jurdicas mais importantes
temos o escrito do articulista Ferreira Neto:
Essa estrutura viria a ser referendada pela Constituio de 1934 como ramo
especializado do Poder Judicirio, juntamente com a Justia Militar. Os anseios
da Revoluo Constitucionalista de 1932, que levantaram So Paulo contra o
regime autoritrio de Vargas, obtinham sucesso com a nova Carta Poltica. A
Justia do Trabalho ento criada ficava fora do Poder Judicirio, cujas
garantias da magistratura passavam a ser, alm da vitaliciedade e
irredutibilidade de vencimentos, a da inamovibilidade. No caso dos magistrados
trabalhistas, a existncia da representao classista temporria impedia a
extenso dessas garantias a seus membros. O Supremo Tribunal Federal, que
teve sua composio diminuda para 11 ministros pelo Decreto 19.656, de 3 de
fevereiro de 1931, passou, com a Constituio de 1934, a ser denominado de
Corte Suprema. A Constituio de 1934 introduziu profundas e significativas
alteraes no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro. Por um
lado manteve, no art. 76, III, b e c, as disposies contidas na Constituio de
1891, e por outro, o constituinte determinou que a declarao de
inconstitucionalidade somente poderia ser realizada pela maioria da totalidade
de membros dos tribunais. Consagrou, igualmente, a competncia do Senado
Federal para suspender a execuo de qualquer lei ou ato declarado
116
Obviamente, uma Carta autoritria. Nascida de um lder popular que era Getlio Vargas
que se coloca como um salvador da ptria no Caos. Alm disso ele o legtimo representante
da vontade popular e naturalmente fonte constitucional da carta. As caractersticas ditatoriais
se notam em alguns artigos especiais:
Art. 9 O Governo Federal intervir nos estados, mediante a nomeao, pelo
presidente da Repblica, de um interventor, que assumir no estado as funes
que, pela sua constituio, competirem ao poder executivo, ou as que, de acordo
com as convenincias e necessidades de cada caso, lhes forem atribudas pelo
presidente da Repblica. (AMARAL&BENEVIDES, 2002, p. 22 Vol.IX)
Art. 27 O prefeito ser de livre nomeao do governador do estado.
(AMARAL&BENEVIDES, 2002, p. 28 Vol.IX)
47 O integralismo, apesar de sua subservincia aos propsitos de Getlio e a ideologia fascista, foi considerado partido politico
e tambm fechado pelo Estado Novo. Muitos integralistas abandonam o governo e muitos no integralismo se distanciam dele
para permanecer no governo. A ala mais descontente tentara derrubar Getlio Vargas no incio de 1938 em um ataque ao
Palcio do Catete, na chamada Intentona Integralista.
118
Por mais de oito anos Getlio Vargas governou com totais poderes. Pragmatista, no
demorou a abandonar as ideias nazistas e fascistas para aliar-se com os EUA na Guerra que
comeava na Europa. Os motivos esto relacionados a poltica externa no cone sul, onde a
Argentina fechara um acordo secreto com Hitler prejudicial ao Brasil. Vargas ficou tambm do
lado da populao que nas ruas exigia um posicionamento do governo contra as agresses da
Alemanha na Europa.
Tropas brasileiras lutam com os americanos na Europa, e logo fica evidente que ao
terminar a Guerra o Brasil deveria passar por uma redemocratizao.
13.3.4)A Constituio de 1946:
Conduzida pelo prprio Getlio Vargas ele baixa em 28 de fevereiro de 1945 um lei
constitucional (n 9) estabelecendo o Sistema Eleitoral, Estrutura Poltica, Sufrgio Universal e
119
mandato popular. Acrescenta ainda em 3 de maio a Lei 7518 que complementa o pleito
eleitoral. Teremos uma Assembleia Constituinte e uma nova constituio em 1946.
Os bastidores desta constituinte foram ativos e antecederam a sua prpria formao.
Vargas, ainda no poder, tentava com apoio popular e da manipulao da mdia influenciar sua
realizao. Havia ainda a ingerncia norte-americana no sentido de que era preciso
reconstitucionalizar o pas por um interesse diferente do que correspondia aos brasileiros.
Acima de muitos interesses internos os primeiros debates foram sobre democracia. Comeou
a sesso inicia em 2 de fevereiro de 1946, voltando a muitos dos tpicos e temas da
constituio de 1934, deixando claramente de lado a espria de 1937. Muitos dos constituintes
tinham sido autores da Constituio de 34. Muitos sentiam que o momento era, entretanto,
mais decisivo e pedia lucidez maior. Outros ponderavam, por outro lado, que era ocasio no
de buscar coisas novas, mas de retornar as melhores tradies.
O aspecto mais dramtico do debate sobre a Constituio, acabou se tornando a defesa
dos interesses econmicos nacionais contra os trustes, interesses estrangeiros e o poder das
naes ricas. Este problema era recorrente aos debates e implicava inclusive atitudes e lutas
ocorridas fora do recinto da Assembleia. Na constituinte existiam elementos favorveis aos
monoplios ligados s grandes companhias estrangeiras. Como maioria, a constituinte estava
longe de tender ao nacionalismo ou ao socialismo: do ponto de vista sociolgico, licito v-la
como um parlamento conservador e povoado de defensores do latifndio.
Sua composio era sim conservadora: 173 constituintes do PSD, 85 da UDN, 23 do
PTB, 15 do PCB, 12 do PR, 7 do PSP, 2 do Democrata Cristo, 2 da Esquerda democrtica
(ramo da UDN) e um do Libertador.
Sem dvida que a Constituio recompunha a nossa tradio constitucional: mantinha
um liberalismo geral, ao qual juntava pinceladas de democracia social; refazia o arcabouo dos
trs poderes segundo o resultado padro clssico, atribua o poder ao povo, estabelecia
dispositivos sobre reforma e sobre controle de constitucionalidade, inclua matria econmica,
dava assistncia ao trabalho, visava a educao. A Constituio de 1946 foi um novo quadro
para nossas experincias de nao.
Um aspecto importante, entretanto foi a restaurao, naquele 1946, da dignidade do
Judicirio. Aflorado o tema em 1930, o processo poltico desde aquele ano fora mastigando e
engolindo as veleidades de autonomia do Judicirio; agora a Constituio repunha os poderes
em igual nvel, e os tribunais se sentiam renascidos.
No tocante ao andamento de suas relaes internacionais, o Brasil continuava com as
tendncias de desde 1930, aumentando seus compromissos dentro do sistema americano. O
certo que o arcabouo das condies concretas se fazia cada vez mais complexo. A
existncia de coletividades urbanas se impunha compactamente, e dentro delas um
contingente operrio crescia em extenso, em necessidades e em pretenses. um fato,
tambm, que a inflao um dos velhos fantasmas do Brasil de hoje comeou a engrossar
durante o Governo Dutra, que durou de 1946 a 1951. Governo que representou a hegemonia
do PSD e do latifndio, com seu conservadorismo ardiloso, mas tambm que foi o tempo do
agravamento da decadncia do patriciado rural, caracterizada pela dificuldade dos chamados
coronis em manter sua fora eleitoral diante de circunstncias socioculturais cambiantes; esta,
na verdade, uma situao evolvente desde 1930 pelo menos , mas que agora aparecia mais
acentuada e mais perceptvel, ou pelo acmulo de condies novas (vida urbana mais intensa),
ou pela nova nfase que o fim da guerra trouxera para os temos do debate democrtico. A
posio ideal para o conservadorismo latifundiarista consistir, desde ento, em ignorar o
debate, em negar-lhe os prprios fundamentos, ou ento em trazer baila pseudoproblemas
que lancem fumo sobre o que se ia discutir.
Desenvolvem-se as atividades industriais. Isto constitui um fenmeno que atravessa os
governos posteriores ao ano de 1946; e o Estado crescentemente se imiscui no quadro
daquelas atividades, j rearticulando sua rede tributria, j remontando a legislao econmica,
120
obrigatrios nas cincias sociais brasileiras, renovadas e enriquecidas, de resto, por uma srie
de debates. E grande foi o nmero de publicaes peridicas, algumas delas em alto nvel, que
o pensamento esquerdista lanou desde ento.
Os dados da nova conjuntura vo, pouco a pouco, encaminhando- se para equaes
novas. Aperta-se o dilema entre conservadorismo e revolucionarismo, este apelando para a
urgncia de reformas sociais, aquele apontando o perptuo perigo da anarquia e do
comunismo. Tambm aos poucos emerge o problema do nacionalismo, pressentido e adotado
pelas reas de opinio tidas sociologicamente como progressistas; temido ou escamoteado
pelos setores ligados ao capital estrangeiro e pelos adeptos de verses especiosas do credo
interamericano ou das doutrinas autoritaristas. Tudo isso eclodir durante as presidncias
posteriores de Dutra.
13.4)A Constituio de 1967 e a 1 Emenda de 1969
O perodo de 1946 at abril de 1964, foi o at ento mais longo perodo democrtico e
de manuteno em vigor de uma constituio no Brasil (1946). Isto no implica em
tranquilidade poltica ou na falta de inquietaes revolucionrias mltiplas. O mundo ps guerra
sofreu uma bipolarizao poltica, econmica e militar. De um lado os vitoriosos ocidentais
liderados pelos EUA, fortemente organizados nas democracias liberais, na OTAN (Organizao
Tratado do Atlntico Norte) e no capitalismo. Sua rea de influncia rapidamente se chocou
com o outro bloco vendedor da 2 Guerra: a URSS. Dominando o Leste Europeu formou o
Pacto de Varsvia (organizao de proteo militar dos pases debaixo da influncia sovitica),
fez profundas propagandas e investimentos militares em pases perifricos e colnias em
processo de separao na sia e frica. Imponha o socialismo de estado e uma economia
separada da ocidental.
O Brasil no deixou de ser influenciado pela ento denominada Guerra Fria 48. Logo no
governo Dutra ele se desfaz49 do Partido Comunista (at ento aceito na carta de 1946). A
esquerda no se intimidou e exerceu na clandestinidade profcua propaganda. Alm disso,
alguns setores da sociedade eram influenciados por pensadores marxistas. Sindicatos e
universidades puxavam o carro chefe da propagando e engajamento poltico na preparao da
revoluo socialista. Como fermento as ideias comunistas se juntavam fortes setores da
sociedade que mantinham em comum com as ideias destes grupos o nacionalismo e o
combate ao capitalismo externo.
Aliado dos EUA no Brasil, existiam principalmente militares e classes alta e mdia. O
movimento tenentista havia deixado marcas mais profundas que se imagina, criando uma
verdadeira gerao de militares que se julgavam salvadores do Brasil. Certos grupos militares
participariam de toda efervescncia contra vrios governos. Um exemplo digno de meno a
do prprio General Geisel, que em 12 de outubro de 1977 vai retirar o General Frota do
Comando do Exrcito, evitando um golpe. Porm Geisel era o militar tpico do perodo em
questo:
48 Se definia como Guerra Fria pois os lderes dos blocos no ousavam se enfrentar e medir foras de msseis nucleares, mas
se envolviam em operao perifricas ou de atrito, que a cada dcada se tornava mais perigosa e explicita nas suas
propagandas.
49 Havia uma clara presso americana para que isso acontecesse e o Brasil se aproximasse do bloco ocidental-capitalista. No
entanto, por erro estratgico da liderana comunista, o governo cassou o partido pelas vias legais e democrticas. A lei vedava
partidos de receber recursos do estrangeiro, e os comunistas no Brasil eram mantidos pela Internacional Comunista, que por
sua vez era sustentada pela URSS. Uma batida legal na sede do partido revelou a ligao.
122
123
No dia 9 de abril nasce o Ato Institucional n1. 51 Publicada, o Ato determinava dois dias
para eleio de um presidente e um vice. So eleitos no dia 11 o General Castelo Branco e
como vice o civil Jos Maria Alkmim, lder do PSD no congresso. So empossados no dia 12
de abril de 1964.
Novos Atos Institucionais sero lanados. O AI 2 acabam com todos os partidos,
deixando existir somente dois: situao (ARENA); oposio (MDB). Ampliam o poder do
Presidente e a eleio indireta para presidente e vice. Ele pode fechar o congresso e ganhar
poder excepcional legislativo. O AI 3 amplia a eleio indireta para os governadores e vice para
os estados. O AI 4 de maneira particular interessa aos eventos constitucionais: convoca o
congresso para receber o projeto da carta (que chega a 12 de dezembro de 1966) e
aprovada no dia 24 de janeiro de 1967.
A Constituio de 1967 tenta conformar os valores revolucionrios e sua viso
democrtica com a necessidade de um regime forte e autoritrio, que por sinal deveria ser
provisrio. O Congresso chamado para aprovar, mas nenhum congressista tinha autoridade
constituinte popular e muito menos disposio para mudar o que vinha pronto dos militares. A
Constituio no falava em regime democrtico, mas em representativo. Inclua ainda as
mudanas anteriores dos atos institucionais que feriram a carta de 1946.
A Carta de 1967 aparentemente mantinha de maneira formal os direitos e garantias
individuais. Porm, as leis ordinrias e as prticas futuras iriam por a perder essa liberdades e
mergulhar o Brasil em um regime ao pior estilo da carta de 1937 (apesar de partidos e
congresso existentes na carta de 1967).
O governo endurece ao criar o AI 5. O Executivo ganha poderes de fechar o congresso e
legislar neste perodo. O AI 5 datado de 13 de dezembro de 1968. Para adaptar a nova
realidade do AI 5 a carta de 1967, o governo baixa a 17 de outubro de 1969 a Emenda n 1.
Parece substituir a constituio de 1967, mas na verdade a constituio de 1967 no foi
revogada e sim o executivo torna claro sua face mais cruel e ditatorial. A Emenda n 1 vai na
realidade rever e emendar parte e no o todo da Constituio de 1967. Somente em 14 de abril
de 1977 (o chamada pacote de Abril de Geisel) prepara mudanas visando a redemocratizao
futura do Brasil.
13.5)A Constituio de 1988 e o Cdigo Civil de 2002
A crise econmica do petrleo de 1974 trouxe profundas mudanas para o Brasil. O aumento
de preos imposto pela OPEP 52 foi assustador. O Brasil no eraauto-suficiente na produo do
agora ouro negro. A escolha de um modelo de transporte baseado nas rodovias e as grandes
distancias a serem percorridas no Brasil, trouxeram aumentos excessivos no consumo de
petrleo. Com juros mais caros e gastos inflados, a crise assola a economia que at ento era
51 Originalmente Ato Institucional, pois era para ser o nico, mas o acontecimento de outros Ais, este vai receber a numerao
de Ato Institucional nmero 1.
52Organizao dos Produtores e Exportadores de Petrleo. Neste perodo dominado pelos rabes.
124
J em abril de 1977 a OAB 55, Ordem dos Advogados do Brasil, protestava contra o
pacote. Em agosto de 1977 o jovem professor Goffredo Teles Jnior lana uma Carta ao
Brasileiros, considerada fundamental para a Constituio de 1988. A OAB e toda sociedade
civil se lanam e manifestos e protestos. (ANDRADE;BONAVIDES: 2004)
Duas campanhas esto agora da pauta da oposio. Uma nova carta constituinte e as eleio
diretas para presidente da Repblica. A Campanha DIRETAS J tomou a frente e ofuscou em
primazia a da constituinte. No entanto, nenhumas das duas surtiu efeito, e a primeira eleio de
um presidente civil em muitos anos ainda seria indireta. Porm, de maneira indireta, as
oposies (MDB, agora PMDB) conseguiram tirar da ARENA (agora PDS) a presidncia. Eleito
Tancredo Neves, as foras de oposio aos militares terminam com o Regime, mesmo
Tancredo, por uma fatalidade56, no tendo assumido a presidncia.
O segundo projeto colocado para circular. Assim, em 28 de junho de 1985 o presidente Jos
Sarney enviou ao Congresso Nacional a proposta de uma Assembleia Nacional Constituinte. A
Resposta se d no dia 27 de novembro de 1985 com a Emenda Constitucional 26, que
convoca a Assembleia para iniciar seus trabalhos em 01 de fevereiro de 1987, estabelecendo
eleies para 15 de novembro de 1986 57. Logo aps a convocao da Assembleia (18 de julho
de 1985) o presidente Sarney baixou o decreto n 91.450convocando uma comisso para
estudar e elaborar sugestes para os Constituintes vindouros. Foram chamados 50 notveis,
comandos por Afonso Arinos de Melo Franco. Foi produzidos um relatrio com grandes ideias,
seguindo de perto a carta de 1946.(ANDRADE;BONAVIDES: 2004)
Na data de sua convocao foi aberto pelo ministro do Supremo (Moreira Alves) e eleito
por esmagadora maioria dos votos o presidente da Assembleia: Ulysses Guimares (425 votos
contra 59). O incio foi tumultuado visando preparar o Regimento Interno e a forma de
trabalhos. Somente em 24 de maro isto ocorre. Fica formada de 8 comisses e 24
subcomisses. Estas ltimas entregam seus relatrios em 25 de maio. Comeam a aparecer
as emendas, que so entregues para discurso at 27 de agosto. Nas discurses posteriores
surgiram divergncias dos chamados inovadores e dos conservadores (denominados de
centro). Arestas aparadas e detalhes devidamente votados em dois turno. A Constituio de
1988 foi finalmente promulgada em 05 de outubro. Na ultima e definitiva votao foram 474
favorveis, 6 abstenes e 15 contra.58
Suas principais contribuies:
A)Racismo, Trfico de drogas e Torturas passam a ser crimes inafianveis;
B)Mandado de Segurana Coletivo, Mandado de Injuno e Habeas Data;
C)Controle do executivo pelo Legislativo (Criao das CPIs);
D)Estabelece um o que deve ser o Estado Social de Direito (ex.: politica nacional de
emprego);
E)Estabelece seguridade social, direito do indgenas e questes de meio ambiente;
55 Naquele ano acabara de ser eleito presidente da OAB o intelectual Raimundo Faoro, autor da obra Os Donos do Poder
(sobre o patriarcalismo brasileiro). Obra lida e elogiada por Geisel, presidente da Repblica. (GASPARI, 2004)
56 Nas vsperas da posse(seria 15 de maro) Tancredo, ele ter que ser operado. O Vice, Jos Sarney assume a presidncia.
Depois de longas e tortuosas semanas e, de diversas intervenes cirrgicas, Tancredo frustra as expectativas e morre em
So Paulo no dia 21 de abril de 1985.
126
O Brasil foi rico em excelentes aplicadores da lei, mas devido a sua pouca tradio na
academia e no pensamento inovador, sero poucos que se destacaram na originalidade.
Alguns juristas brasileiros so lembrados no exerccio do direito pblico. Zacharias Goes e
Vasconcellos (1815-1877); Paulino Jos Soares de Souza(o Visconde do Uruguai: 1807-1866);
Rui Barbosa (1849-1923); Francisco Jos de Oliveira Viana (1883-1951); Francisco Campos
(1891-1968); Antnio de Cesarino Jnior, Santiago Dantas, Afonso Arinos de MeIo Franco e
Paulo Bonavides.
Entre os civilistas, aqueles que militavam no direito privado, se destacou Augusto
Teixeira de Freitas (1816-1883), certamente o maior civilista brasileiro do sculo XIX e que
"lanou as bases de nosso Direito Privado". Tem ainda Pimenta Bueno (1804-1878), mais tarde
Marqus de So Vicente (se destacou tambm na rea de processo e direito
internacional).Lafayette Rodrigues Pereira (1834-1917), foi um dos mais renomados
jurisconsultos do sculo XIX, grande intrprete do Direito de Famlia e do Direito das Coisas.
Cearense de nascimento, Clvis Bevilqua (1859-1944),foi o renovador do Direito brasileiro,
autor do projeto do Cdigo Civil de 1916 e um dos mais completos jurisconsultos da Escola do
Recife. O Conhecido e profundo escritor, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (1892 1979), possivelmente a maior expresso do Direito brasileiro neste sculo, jurista ecltico que,
em seus inmeros, densos e slidos tratados, discorreu com brilhantismo sobre Direito Privado,
Direito Constitucional, Processual, Filosofia e Sociologia Jurdicas.
Pontes de Miranda denomina sua filosofia cientfica, pois consegue libertar-se do
dogmatismo de sua poca, que interpretamos comomodelo nico.O autor advertira que a
cincia e a filosofia brasileira e em geral nas Amricas no passavam de mera recapitulao de
outras construes europeias, e, o que aqui circulava era produto de se gunda classe, uma
aceitao quase passiva: da Escolstica, do Criticismo ou do Hegelianismo, como tambm do
Positivismo e de algumas formas sincrticas.
Sua contribuio mais original a do seu esforo. Uma decidida liberao dos
compromissos com essas correntes importadas, talvez a nica no continente que conhecemos.
Da a vitalidade de um pensamento novo, prprio, construido edenominando toda a extenso
do conhecimento possvel de sua poca. Ele ainda mantm sua opo pelos modelos lgicomatemtico e naturalstico que constituem a cincia em seu maior nvel de rigor e de
possvel iseno, a to sonhada neutralidade cientfica. Ele procura sempre advertir que a
filosofia no pode restringir sua base numa nica cincia, sendo sua funo compreensiva e
no extensiva.
Outro destaque o autor do Cdigo de 2002 e o grande pensador da Teoria do Direito,
ex-Reitor da Universidade de So Paulo (USP) e o maior Filsofo do Direito do continente
americano em todos os tempos:Miguel Reale. Sem dvida ele pode ser contado como o maior
Filsofo puro. Em torno dele, renem-se os filsofos e cientistas brasileiros sociais. (MACEDO,
1982)
Em Congressos internacionais, de Filosofia e de Direito, assumido as maiores posies,
presidindo-os ou sendo Conferencista especial,Miguel Reale forma, com Pontes de Miranda,
Cossio, Maynez, a representao do pensamento latino-americano mais autntico.
Neo-hegeliano e culturista no melhor sentido do termo, o pensamento de Reale evoluiu
para assumir posio prpria. Sua obra original e constitui a sistematizao mais perfeita da
filosofia jurdica no continente americano. Sua contribuio abarca as especia lizaes mais
diversas da dogmtica jurdica lgica jurdica e finalmente sua mais recente criatividade
no campo da Epistemologia jurdica.
A expresso concreta quemarca definitivamente sua posio entre os grandes Filsofos
do Direito contemporneo a Teoria Tridimensional do Direito,sua criao.Seu sistema vai
enriquecendo-se cada vez mais para contemplar no seu bojo a Teoria dos Modelos Jurdicos: o
ponto mais alto de sua construo intelectual a Teoria Tridimensional do Direito (fato, valor e
norma).
128
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