Volume 8
Volume 8
Volume 8
Leonardo Buissa
Simon Riemann
Rafael Lara Martins
DIREITO E FINANÇAS
PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA
CONSTITUIÇÃO:
EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS NOS CAMPOS DO
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANCEIRO
8
ESA/OAB-GO e PPGDP-UFG
Coordenadores:
Rafael Lara Martins
Saulo Pinto Coelho
Copyright© 2018 by Leonardo Buissa, Simon Riemann & Rafael Lara Martins
Editor Responsável: Aline Gostinski
Capa e Diagramação: Carla Botto de Barros
Juarez Tavares
Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil
Luis López Guerra
Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da
Universidade Carlos III de Madrid - Espanha
Owen M. Fiss
Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA
Tomás S. Vives Antón
Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha
D635
18-52365
CDU: 34(81)
04/09/2018 06/09/2018
É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/
ou editoriais.
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à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).
Todos os direitos desta edição reservados à Tirant Empório do Direito Editoral Ltda.
DIREITO E FINANÇAS
PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA
CONSTITUIÇÃO:
EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS NOS CAMPOS DO
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANCEIRO
8
ESA/OAB-GO e PPGDP-UFG
Coordenadores:
Rafael Lara Martins
Saulo Pinto Coelho
COLEÇÃO EXPERIÊNCIA JURÍDICA NOS 30 ANOS
DA CONSTITUIÇÃO - ESA/OAB-GO E PPG-DP-UFG
Coordenação:
Rafael Lara Martins (ESA/OAB-GO) e
Saulo Pinto Coelho (PPGDP-UFG)
Conselho Científico da Coleção:
Profa. Dra. Alessandra Silveira (U.Minho - Portugal)
Prof. Dr. Alexandre Walmott (UFU)
Profa. Dra. Diva Julia Safe Coelho (UFU)
Prof. Dr. Felipe Bambirra (Uni-Alfa)
Prof. Dr. Gonçal Mayos Solsona (UB - Espanha)
Prof. Dr Leonardo Nunes (UFOP)
Prof. Dr. João Porto (UniRV)
Prof. Dr. Platon Teixeira de Azevedo Neto (UFG)
Prof. Dr. Rogerio Gesta Leal (UNISC)
Prof. Dr. Saulo Pinto Coelho (UFG)
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Saulo Pinto Coelho (PPGDP-UFG)
e Rafael Lara Martins (ESA/OAB-GO)
APRESENTAÇÃO DO LIVRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Leonardo Buissa Freitas / Simon Riemann Costa e Silva / Rafal Lara Martins
APRESENTAÇÃO DOS COORDENADORES E ORGANIZADORES . 15
APRESENTAÇÃO DOS AUTORES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
PREFÁCIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Mario Engler Pinto Junior
O PLANEJAMENTO FINANCEIRO RESPONSÁVEL: BOA
GOVERNANÇA E DESENVOLVIMENTO NOS 30 ANOS DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Carlos Otávio Ferreira de Almeida / Lucas Bevilacqua
INSTRUMENTALIDADE DA RESPONSABILIDADE FISCAL
EM PROL DO CUSTEIO CONSTITUCIONALMENTE
ADEQUADO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS . . . . . . . . . . . . . . . . 55
Élida Graziane Pinto
CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NOS TRINTA ANOS DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
Fernando Aurelio Zilveti.
DIREITO TRIBUTÁRIO E CONTEMPORANEIDADE:
DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS DE UMA REALIDADE
COMPLEXA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
Hugo de Brito Machado Segundo
A MUTAÇÃO DO CONCEITO DE SERVIÇO NA
JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL . . . . . 135
Caio Augusto Takano / Michell Przepiorka
O HABEAS DATA E A TUTELA DE DIREITOS DO
CONTRIBUINTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
Luís Eduardo Schoueri / Ricardo André Galendi Júnior
O SIGILO FISCAL: ENTRE A REGRA CONSTITUCIONAL
E A NÃO-EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
DOS CONTRIBUINTES PELO STF . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185
Martha Leão
6 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
1 Para uma articulação desses autores no que diz respeito à compreensão do direito como ex-
periência, veja-se o artigo Valor e atualidade da busca por um conceito crítico-reflexivo e
histórico-especulativo para o Direito, de Saulo Pinto Coelho. (2010, p. 98-115)
2 Em Modelos jurídicos e função atualizadora da hermenêutica em Miguel Reale: a dialética
da experiência de concreção do Direito (COELHO, 2017) é possível acessar detalhamentos
acerca da dinâmica da experiência jurídica à qual nos referimos.
8 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
Ofertas de Aninha
(aos moços)
Eu sou aquela mulher
a quem o tempo
muito ensinou.
Ensinou a amar a vida.
Não desistir da luta.
Recomeçar na derrota.
Renunciar a palavras e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanos.
Ser otimista.
Creio numa força imanente
que vai ligando a família humana
APRESENTAÇÃO DO LIVRO 15
COORDENADORES
Saulo de Oliveira Pinto Coelho
Professor efetivo da Universidade Federal de Goiás (UFG),
onde atualmente é Vice-Diretor da Faculdade de Direito (FD-UFG),
bem como Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito
e Políticas Públicas (PPGDP-UFG). Possui doutorado, mestrado e
graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Realizou Pós-Doutorado como bolsista CAPES, na área de Teoria
do Direito, junto à Universitat de Barcelona–Espanha. Foi Chefe
do Departamento de Formação Jurídica Básica e Complementar
da FD-UFG, bem como Coordenador de Pesquisa da FD-UFG.
Também é professor do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar
em Direitos Humanos da UFG. Atua como pesquisador e professor
visitante da Unversitat de Barcelona.
Rafael Lara Martins
Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de
Goiás (UFG), especialista em Direito do Trabalho pela PUC-GO,
especialista em Direito Civil pela UFG e especialista em Direito
Processual Civil pela UFG. Mestrado em andamento em Direito
das Relações Sociais e Trabalhistas (UDF). Conselheiro Estadual da
OAB-GO (triênio 2013-2015 e triênio 2016-2018) e Diretor-Geral
da Escola da Advocacia da OAB-GO (triênio 2016-2018). Ex-Pre-
sidente do Instituto Goiano de Direito do Trabalho -IGT (biênio
2012-2013 e biênio 2014-2015).
18 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
ORGANIZADORES
Leonardo Buissa Freitas
Juiz Federal em Goiás. Doutor em Direito Econômico, Finan-
ceiro e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo (USP). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Goiás
(UFG). Especialista em Direito Processual Civil pela UFG. Profes-
sor do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação, nível
Mestrado Profissional, em Direito e Políticas Públicas na Universi-
dade Federal de Goiás. Professor da Escola Superior da Magistratura
do Estado de Goiás. Pesquisador no Grupo de Pesquisa Laborató-
rio Americano de Estudos Constitucionais Comparados (LAECC).
Pesquisador no Projeto Finanças e Políticas Públicas: análises, plane-
jamento e controle no contexto do Federalismo Fiscal cooperativo.
Pesquisador no Projeto Políticas Públicas e Jurisdição Constitucional:
Controle de Constitucionalidade e inclusão social. Associado ao Ins-
tituto Brasileiro de Direito Tributário.
Simon Riemann Costa e Silva
Advogado; contador; professor de Direito Tributário no curso
de Direito da PUC Goiás; professor de Contabilidade Tributária no
curso de Ciências Contábeis da PUC Goiás; mestre em Direito pela
Universidade de Coimbra, Portugal; Master of Laws pela Universida-
de de Hanôver, Alemanha; Conselheiro Seccional da OAB Goiás no
triênio 2016-2018; presidente da Comissão de Direito Tributário da
OAB Goiás no triênio 2016-2018.
Rafael Lara Martins
Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de
Goiás (UFG), especialista em Direito do Trabalho pela PUC-GO,
especialista em Direito Civil pela UFG e especialista em Direito
Processual Civil pela UFG. Mestrado em andamento em Direito
das Relações Sociais e Trabalhistas (UDF). Conselheiro Estadual
da OAB-GO (triênio 2013-2015 e triênio 2016-2018) e Diretor-
-Geral da Escola da Advocacia da OAB-GO (triênio 2016-2018).
APRESENTAÇÃO DOS AUTORES 19
AUTORES
André Elali
Doutor em Direito Público pela Faculdade de Direito do
Recife/UFPE, com Bolsa de Estágio e Pesquisa no Max-Planck-Ins-
titut für Steurrecht, em Munique, Alemanha. Mestre em Direito
Político e Econômico pela Universidade Mackenzie/SP. Professor
Adjunto do Departamento de Direito Público da UFRN. Visiting
Scholar da Queen Mary University of London, onde realizou Estágio
de Pós-Doutoramento. Professor Visitante da Faculdade de Direito
de Lisboa. Advogado.
Caio Augusto Takano
Doutorando e Mestre pela Faculdade de Direito da Universi-
dade de São Paulo. Julgador do Tribunal de Impostos e Taxas – TIT e
Conselho Municipal de Tributos de São Paulo. Professor da Faculdade
Escola Paulista de Direito – EPD.Advogado.
Carlos Augusto Daniel Neto
Doutor em Direito Tributário pela USP. Mestre em Direito
Tributário pela PUC/SP. Conselheiro do CARF. Professor do Instituto
Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Advogado licenciado.
Carlos Otávio Ferreira De Almeida
Doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela
USP. Mestre em Direito Público pela UERJ. Master of Laws in Ta-
xation pela Universidade da Flórida (EUA). Estágio pós-doutoral
em Direito Tributário Internacional na Vienna University of eco-
nomics and business (Áustria). Professor do Mestrado em Direito
Tributário Internacional do Instituto Brasileiro de Direito Tributá-
rio (IBDT). Professor Coordenador da Pós-Graduação lato sensu da
Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Professor do Curso de
20 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
Executivo Legislativo
LOA: 4 meses do fim do
exercício financeiro
Legislativo Executivo
12 Subvenções estão definidas pela Lei 4.320/64, art. 12, como destinadas a cobrir despesas de
custeio de entidades privadas ou públicas beneficiadas. Podem ser sociais, se destinadas a en-
tidades sem finalidade lucrativa de caráter assistencial ou cultural; ou econômicas, se tiverem
por fim empresas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril.
13 BRASIL. Receita Federal – Coordenação-geral de Previsão e Análise. Demonstrativo dos
Gastos Tributários 2010, p.7. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/
estudotributario/BensTributarios/2010/DGT%202010.pdf>. Acesso em 20 nov. 2010.
CARLOS OTÁVIO FERREIRA DE ALMEIDA - LUCAS BEVILACQUA 43
14 MARTNER, Ricardo; TROMBEN, Varinia. CEPAL. Tax reforms and stabilisation in latin
american countries. Disponível em:< http://www.eclac.org/publicaciones/xml/6/19716/
sgp45.pdf> Acesso em 20 nov. 2010.
15 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório e Pareceres Prévios sobre as contas do
governo da República 2008 Rel. Ministro Augusto Nardes. p.104. Disponível em :< www.
portal2.tcu.gov.br>. Acesso em 20 nov. 2010.
16 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório e Pareceres Prévios sobre as contas do
governo da República 2009, (nota 35), p. 146.
44 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
17 Os dados de 2009 são estimados. V. BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório e parecer
prévio sobre as contas do governo da República 2009. Rel. Ministro Raimundo Carreiro, p.148.
18 BRASIL. TCU. Versão Simplificada das Contas do Governo da República–Exercício de
2009. Disponível em:<http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/con-
tas/contas_governo/contas_09/Textos/Ficha%203%20-%20Carga%20Tributaria.pdf>. Aces-
so em 21 nov. 2010.
CARLOS OTÁVIO FERREIRA DE ALMEIDA - LUCAS BEVILACQUA 45
credibilidade na Administração.20
21 Alexandre VI foi alvo de comentários de Maquiavel em O Príncipe, por ter se destacado como
grande administrador da Igreja, ampliando seus domínios, apesar dos conhecidos rumores que
maculam seu nome por corrupção e hábitos pouco ortodoxos.
CARLOS OTÁVIO FERREIRA DE ALMEIDA - LUCAS BEVILACQUA 49
cumpriria; não obstante, suas tramas sempre saíam como desejava (...)
(MACHIAVELLE 1997. p.113)
O Estado de Direito permite registrar o avanço moral da huma-
nidade, vez que conselhos desse matiz chocar-se-iam com o consagrado
princípio da boa-fé objetiva, cujo conteúdo moral envolve honestidade,
justiça, racionalidade e confiabilidade (ENGELEN 2004: 123).
Com acerto, Flávio Rubinstein, explica que a boa-fé objetiva
não resulta do ato de positivação pelo legislador, mas de uma “pro-
funda conexão entre o direito e a realidade orgânica na qual este se
aplica.” Assim, embora princípio flexível, nutrido por elevado conteú-
do ético-moral, pode-se traçar seus contornos com relativa segurança
quando impregna as relações entre particulares e entre estes e o Estado
de Direito (RUBINSTEIN 2009: 66-67).
Entretanto, cinco séculos mais tarde, ainda há quem procure
seguir o conselho de Maquiavel no seio da Administração Pública
brasileira. Dados divulgados pela Transparency International,22 em seu
Relatório Corruption Perceptions Índex 2010, apontam que o setor
público brasileiro é menos ético do que o de 68 países e bem mais
corrupto que sul-americanos como Chile (21º) e Uruguai (24º). A
administração pública exemplar é a dinamarquesa (1º), ficando os
neozelandeses, que nos inspiraram a responsabilidade fiscal, em 2º.
Para a elaboração desse Relatório, a Transparency International
realizou testes e pesquisas em que se apuraram suborno de oficiais
públicos, suborno em compras públicas (licitações), peculato, além
da resistência dos oficiais públicos à corrupção.
A corrupção é um dos grandes desafios deste século e o
combate às diversas formas pelas quais se manifesta estão entre as
diretrizes recomendadas pelo WB e pela OCDE para o desenvolvi-
mento pós-crise. O Estado inovador deve investir na implantação
de novas tecnologias que modernizem as rotinas administrativas,
22 Sociedade civil alemã sediada em Berlim cujo propósito é estimular o combate à corrupção
em todo o planeta.
50 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
3. CONCLUSÕES
O Estado contemporâneo precisa inovar-se. A via democrática
e a dignidade da pessoa humana alteraram profundamente a relação
entre cidadão e Estado, que, cada vez mais, se interdependem. Essa
coesão social vem sendo pregada ultimamente por organizações in-
ternacionais como o Banco Mundial e a OCDE, como requisito de
boa prática de gestão pública, sem a qual difícil concretizar abertura,
transparência, eficiência e moralidade na Administração.
No caso brasileiro, é preciso aperfeiçoar o planejamento da ação
governamental, para que os recursos necessários ao êxito na consecu-
ção dos objetivos do Estado sejam despendidos em plena atenção ao
que se convencionou denominar por accountability. Em outro giro,
gastar da melhor forma possível, prestando contas de forma ampla e
aberta, o que, em último grau, colabora para a redução das fraudes e
da corrupção de agentes públicos.
A atenção formal às exigências do ordenamento é insuficiente
para o bom cumprimento dos valores morais impregnados no concei-
to de responsabilidade fiscal. Cabe à Administração, portanto, buscar
a concretização de tais valores.
Apesar de o caminho ser árido, o ordenamento brasileiro dá
grande impulso ao desenvolvimento, tanto que as orientações dos
organismos internacionais não inovaram com relação à nossa Carta
CARLOS OTÁVIO FERREIRA DE ALMEIDA - LUCAS BEVILACQUA 51
REFERÊNCIAS
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
10 ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição – Fundamentos de
uma dogmática constitucional transformadora. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
BINENBOJM, Gustavo. A constitucionalização do direito administrativo no Brasil: di-
52 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo cuida de explorar a relação de instrumenta-
lidade entre o regime jurídico da responsabilidade fiscal2 e o custeio
constitucionalmente adequado dos direitos fundamentais.
A sociedade brasileira sabe ser necessário o equilíbrio intertem-
poral das contas públicas, tanto quanto assume e clama ser uma das
suas prioridades estruturantes a efetividade dos direitos fundamentais,
notadamente saúde e educação. Não há, nem deve haver contradição
na agenda pública entre a defesa da responsabilidade fiscal e a promo-
ção desses nucleares direitos sociais. Ocorre, contudo, que o marco
trazido pela Emenda Constitucional nº 95/2016 implica aparente
contraposição ou ordenação de prioridades entre ambas as pautas de
orientação republicana da atuação estatal.
Do ponto de vista do financiamento, o socialmente almeja-
do e constitucionalmente definido é que ele seja proporcionalmente
progressivo3 conforme tanto o nível de riqueza do país, quanto a
1 Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Pós-Doutora em Admi-
nistração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio
Vargas (FGV/RJ) e doutora em Direito Administrativo pela UFMG.
2 Definido primordialmente pela Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 e pela Emen-
da Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016.
3 Em consonância com o dever de progressividade assumido pelo Brasil no art. 2º, item 1, do
Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (“Cada Estado Parte do pre-
sente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência
56 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
7 Como tem sido debatido nas ações diretas de inconstitucionalidade nº 5595 e 5658 que trami-
tam no Supremo Tribunal Federal.
8 Segundo Ingo Sarlet (2009, p. 448, grifo nosso), “[...] a proibição de retrocesso, mesmo na
acepção mais estrita aqui enfocada, também resulta diretamente do princípio da maximização
da eficácia de (todas) as normas de direitos fundamentais. Por via de consequência, o artigo
5º, §1º da nossa Constituição, impõe a proteção efetiva dos direitos fundamentais não apenas
contra a atuação do poder de reforma constitucional (em combinação com o artigo 60, que
dispõe a respeito dos limites formais e materiais às emendas constitucionais), mas também
contra o legislador ordinário e os demais órgãos estatais (já que medidas administrativas e
decisões jurisdicionais também podem atentar contra a segurança jurídica e a proteção de
confiança), que, portanto, além de estarem incumbidos de um dever permanente de desen-
volvimento e concretização eficiente dos direitos fundamentais (inclusive e, no âmbito da
temática versada, de modo particular os direitos sociais) não pode – em qualquer hipóte-
se – suprimir pura e simplesmente ou restringir de modo a invadir o núcleo essencial do
direito fundamental ou atentar, de outro modo, contra as exigências da proporcionalidade.”
60 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
11 Cujo teor é “Art. 9o Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá
não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no
Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos
montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação
financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.
[...] § 3º No caso de os Poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público não promove-
rem a limitação no prazo estabelecido no caput, é o Poder Executivo autorizado a limitar os
valores financeiros segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.”
ÉLIDA GRAZIANE PINTO 63
16 Noticiado em https://oglobo.globo.com/economia/stf-condena-uniao-fazer-repasses-estados-
-que-podem-chegar-r-50-bi-21794301#ixzz4uXZUlNQZ (acesso em 09/04/2018)
ÉLIDA GRAZIANE PINTO 81
REFERÊNCIAS
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.
Coimbra: Almedina, 1998.
COMPARATO, Fábio; TORRES, Heleno Taveira; PINTO, Élida Graziane; SARLET,
Ingo Wolgang. Financiamento dos direitos à saúde e à educação: mínimos inegociáveis.
In: Consultor Jurídico. 27 de julho de 2016. Disponível em http://www.conjur.com.br/
2016-jul-27/financiamento-direitos-saude-educacao-minimos-inegociaveis
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
GOBETTI, Sérgio Wulff; ORAIR, Rodrigo Octávio. Texto para Discussão IPEA nº 2190
– Progressividade tributária: a agenda negligenciada. Rio de Janeiro: Ipea, abril de 2016.
Disponível em http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2190.pdf
GOTTI, Alessandra. Direitos Sociais: fundamentos, regime jurídico, implementação e aferi-
ção de resultados. São Paulo: Saraiva, 2012.
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV, 6ª ed., Coimbra: Coim-
bra Editora, 1998, p. 218.
PAIXÃO, Cristiano. 30 anos: crise e futuro da Constituição de 1988. In Jota. 03/05/2018.
Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/30-anos-crise-e-futuro-
-da-constituicao-de-1988-03052018 (acesso em 06/05/2018).
PINTO, Élida Graziane. ADCT é o “retrato de Dorian Gray” da Constituição de
1988. In: Consultor Jurídico. 27/09/2016a. Disponível em https://www.conjur.com.br/
2016-set-27/adct-retrato-dorian-gray-constituicao-1988 (acesso em 05/03/2018)
____________. Da saúde ao sistema prisional, vivemos um Estado de Coisas Inconsti-
tucional. In Consultor Jurídico. 31/01/2017a. Disponível em https://www.conjur.com.
br/2017-jan-31/contas-vista-saude-aos-presidios-temos-estado-coisas-inconstitucional
(acesso em 09/04/2017)
____________. Descontrole com pessoal nesses 50 anos do Decreto-Lei 200 leva Estado
à “falência”. In Consultor Jurídico. 01/03/2017b. Disponível em https://www.conjur.com.
br/2017-mar-01/50-anos-decreto-lei-200-falencia-estado (acesso em 03/04/2018)
____________. Eficácia dos direitos sociais por meio do controle judicial da legalidade
orçamentária e da sua adequada execução. Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômi-
co – RFDFE. Belo Horizonte, ano 3, n. 5, mar./ago. 2014.
84 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
1. INTRODUÇÃO
Por ocasião do aniversário de trinta anos da Constituição Fede-
ral recebo com satisfação o convite para refletir sobre o que ocorreu
nesse período histórico no sistema tributário. Praticamente tudo o
que se pensou desde então em matéria tributária teve, em alguma
medida, a Constituição Federal como paradigma. A Carta cidadã,
como foi chamada, tratou minuciosamente da estrutura do Sistema
Tributário e premiou o princípio como guia axiológico estruturante.
Pretende-se analisar neste trabalho, particularmente, a evolução his-
tórica da aplicação do princípio da capacidade contributiva.
O constituinte de 1986/1988 teve uma preocupação especial
com o tema tributário, ao contrário do que ocorreu em outras ju-
risdições, configurando um Sistema Tributário rígido e detalhado.
Ao assim proceder quis ele deixar pouco espaço para a criatividade
do legislador infraconstitucional, num claro movimento garantista
dos direitos fundamentais do contribuinte. Pretendeu, afinal, limi-
tar constitucionalmente o poder de tributar do Fisco. A declaração
de direitos serve instrumentalmente, justamente para a proteção do
cidadão contra o Estado (BOBBIO, 2009, p. 83).
A limitação do poder de tributar na Constituição Federal de
1988 veio, portanto, como consequência da experiência histórica
durante um longo período de Estado de exceção, em que direitos
fundamentais em geral e, especificamente no campo tributário, foram
86 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
5. CONCLUSÃO
A justificativa do princípio da capacidade contributiva se dá,
como foi visto, na repartição igualitária da carga fiscal, bem como na
participação do contribuinte na formação da vontade geral. Junta-
mente com outros princípios fundamentais da cidadania, previstos na
constituição dos Estados contemporâneos, esse princípio da capacida-
de contributiva orienta o legislador a distribuir a carga fiscal, não só
na graduação dos tributos, mas também na otimização da tributação
em todos os seus sentidos (BIRK, 2000, p. 330).
A capacidade contributiva é reconhecida como um princípio
que informa a tributação, de modo que a distribuição da carga fiscal
seja igualitária. Leva-se em consideração a consideração econômi-
ca e os direitos constitucionais, buscando a compatibilidade destes
(JACHMANN, 1998, p. 293). Na interpretação e aplicação da
norma tributária deve ser levado em conta o princípio da capacidade
FERNANDO AURELIO ZILVETI. 103
REFERÊNCIAS
ANIDO, Miguel Angel Caamaño, Concurrencia de Tasas y Capacidad Contributiva. In
RDT 58. p. 90-98.;
ÁVILA, Humberto. Imposto sobre a Prestação de Serviços de Qualquer Natureza. Contrato
de Leasing Financeiro. Decisão do Supremo Tribunal Federal. Local da Prestação e Base de
Cálculo, in RDDT 182. p. 133-144.;
BALEEIRO, Aliomar, Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, atualizado e co-
mentado por Misabel A. Machado DERZI. Rio de Janeiro: Renovar, 1997;
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 6a.
edição, 2013;
BIRK, Dieter, Das Leistungsfähigkeitsprinzip in der Unternehmenssteuerreform. In StuW
2000, p. 328-336;
BOBBIO, Norberto. O Terceiro Ausente. Ensaios e Discursos Sobre a Paz e a Guerra. Orga-
nização de Pietro Polito. Tradução de Daniela Versiani. São Paulo: Manole, 2009;
BRANDÃO MACHADO, Imposto de Renda, Ganhos de Capital, Promessa de venda de
ações, in Direito Tributário Atual, vol. 11/12;
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DIREITO TRIBUTÁRIO E
CONTEMPORANEIDADE: DESAFIOS
EPISTEMOLÓGICOS DE UMA REALIDADE
COMPLEXA
Hugo de Brito Machado Segundo
1. INTRODUÇÃO
Ainda como consequência da revolução científica decorrente do
Iluminismo, o estudo do Direito tem sido influenciado, sobretudo
a partir do Século XX, por ideais de decomposição, simplificação e
análise. À procura de um “método científico” capaz de conduzir a
ciência jurídica aos mesmos avanço verificados em outro ramos do
conhecimento científico, estudiosos do Direito se têm dedicado à
análise do direito positivo, quebrando-o em partes menores, de modo
a estudar com maior ênfase a norma jurídica e suas características.
No âmbito do Direito Tributário, notadamente a partir da se-
gunda metade do Século XX, ainda é possível observar estudos que
consideram a norma tributária em sua estrutura lógico-formal, divor-
ciada do sistema jurídico no qual ela está inserida e que lhe confere
identidade, e ainda ignorando os fatores materiais que conduzem à
criação da norma e de algum modo influenciam em sua interpretação
e em sua aplicação a casos futuros.
O propósito deste artigo é o de demonstrar que essa sim-
plificação, conquanto tenha conduzido a consideráveis ganhos na
compreensão da norma jurídica e de sua estrutura lógico-formal, foi
também responsável pela construção de teorias muitas vezes inúteis
para lidar com problemas relacionados a questões substanciais, ligadas
108 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
1 Jogo de soma “não zero” é aquele no qual, se um dos jogadores ganha pontos, o outro os
está perdendo necessariamente na mesma quantidade. Se um ganha, o outro necessariamente
perde. Daí falar-se em “soma zero”.
110 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
5 Como lembra FOLLONI (2013, p. 396), não ignorar as relações entre Direito e Economia, por
exemplo, não é o mesmo que misturar Direito e Economia.
128 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
5. CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
A ciência do Direito, para manter sua identidade como ramo
do conhecimento científico, não precisa examinar exclusivamente as
normas em vigor em determinada ordem jurídica, desconsiderando
propósitos a serem alcançados com tais normas, os efeitos concretos
de sua observância, os fatores que interferem em sua criação e em sua
aplicação, as relações que se estabelecem entre tais normas, e entre o
sistema por elas formado e outros sistemas ou setores que compõem a
realidade social na qual se inserem. Necessita-se, em verdade, para que
tal abordagem seja jurídica e científica, que ela seja não dogmática,
aberta à contribuição de outros ramos do conhecimento e consciente
da sempre presente possibilidade de erro. Afinal de contas, a realidade
não tem as divisões que o cérebro humano nela faz para melhor com-
preendê-la. Assim, alguns estudiosos do Direito Tributário, em sua ânsia
por defender que estão a fazer “ciência”, não deveriam se preocupar com
simplificação, separação e departamentalização do conhecimento, mas
deveriam estar mais abertos à crítica e ao diálogo. A ciência pode ser
compreendida de várias maneiras, nenhuma delas dogmática.
Frise-se, ainda, que se alguém estuda as ideias de outra pessoa e
com elas manifesta discordância, isso não deveria ser visto como mani-
festação de desrespeito, mas precisamente o contrário. A discordância
e a crítica, no mundo acadêmico, mostram que as ideias criticadas
foram lidas, e que alguém as tentou compreender. Mostram, ainda,
que, na visão do crítico, tais ideias precisam ser criticadas, seja porque
quem as defende tem autoridade suficiente para atrair seguidores e
lhes enfraquecer o senso crítico, propagando o equívoco, seja porque,
conquanto equivocadas, as ideias mostram-se razoáveis e parecem cor-
retas, sendo importante mostrar por que não o são.
Claro que não é o fato de as críticas deverem ser feitas e bem
recebidas que significa que todas devam ser acatadas. Kuhn, a propó-
sito, reporta-se a respeito da tensão essencial que rege a ciência, entre a
convergência, sem a qual sequer se forma algo que possa ser intitulado
HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO 131
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A MUTAÇÃO DO CONCEITO DE SERVIÇO NA
JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL
Caio Augusto Takano1
Michell Przepiorka2
1. INTRODUÇÃO
Não obstante a rígida repartição de competências tributárias
não seja uma exigência do sistema federal, no Brasil, esta opção
acompanhou todos os textos constitucionais, desde o surgimento da
federação brasileira (SCHOUERI, 2005, p. 343). Passados quase 30
anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, a missão do
operador do Direito de interpretar o texto constitucional visando
compreender, em sua exata dimensão, os limites ao exercício do poder
de tributar pelos diversos entes políticos, dista de ser simples.
No que se refere à tributação dos serviços, inúmeras são as
dificuldades enfrentadas pelo intérprete em torno da compreensão
acerca da delimitação de competências tributárias, dando azo a di-
versos conflitos de competência, tanto verticais quanto horizontais,
alguns novos, enquanto outros ainda não resolvidos: como tributar o
software as a service? E o streaming? O que falar do download direto de
funcionalidades via internet? Estariam as novas tecnologias fadadas à
tributação pela União no exercício de sua competência residual? Ou
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O intenso debate acadêmico acerca da interpretação dos signos
utilizados nas normas de competência tributária insertas na Constitui-
ção Federal – se configuram tipos ou conceitos – denota o acerto das
lições de Karl Larenz (2005, p. 443), ao afastar qualquer pretensão de
existir uma “interpretação absolutamente correta” para o texto norma-
tivo, que possua os predicados da definição ou da validade definitiva.
Igualmente demonstra o relevante papel do intérprete autêntico neste
tema, ao praticar o que Eros Grau (2013, p. 63) denomina juris pru-
dentia e “escolher uma entre as várias interpretações possíveis, de
modo que a escolha seja apresentada como adequada”.
Não obstante, a partir da análise da jurisprudência do Supremo
CAIO AUGUSTO TAKANO - MICHELL PRZEPIORKA 155
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O HABEAS DATA E A TUTELA DE DIREITOS DO
CONTRIBUINTE
Luís Eduardo Schoueri1
Ricardo André Galendi Júnior 2
3 “We have, therefore, taken as our starting point a relatively standard catalogue of rights ap-
plicable to tax payers, and these include the following (which is not an exhaustive list): the
right to privacy, including the protection of confidential information from disclosure; the right
to a fair trial, including a fair investigation prior to trial and appeal rights; this includes the
rights to an independent and impartial tribunal established by law, and a determination within
a reasonable time; freedom from discriminatory or arbitrary tax laws or procedures; freedom
from self-incrimination, at least in so far as criminal penalties (including substantial fines)
are concerned; respect for the rule of law in tax legislation and tax procedures.” (BAKER;
PISTONE, 2015, p. 21-22)
LUÍS EDUARDO SCHOUERI - RICARDO ANDRÉ GALENDI JÚNIOR 159
não quer saber a cor do próprio cabelo, mas sim o que diz o registro
ou banco de dados sobre a cor de seu cabelo.
Como o habeas data resguarda as informações relativas à pessoa
do impetrante, ele se configura como um remédio personalíssimo do
titular dos dados (SILVA, 2012, p. 454), seja pessoa física ou jurídica
(BOTALLO; CARRAZZA, 2004, p. 113). Ou seja, terceiros não têm
legitimidade ativa para impetrá-lo5. Contudo, é aceito na doutrina
e na jurisprudência que herdeiros e sucessores possuem legitimidade
para interpô-lo quando informações forem denegadas a respeito do
de cujus, cabendo a correção caso necessário (AGRA, 2013, p. 487).
Em decorrência da necessidade de se preservar a transparência esta-
tal, se a administração declara inexistir determinada informação, não
poderá validamente tomar, contra o impetrante, providências que se
respaldem naquilo que, em caráter oficial, negou existir (BOTALLO;
CARRAZZA, 2004, pp. 115 e 119).
À luz da Constituição Federal já se discutia a exigência do
pedido administrativo precedente para que fosse cabível poste-
riormente o habeas data. Esta questão fora consolidada antes mesmo
da promulgação da Lei nº 9.507/97, na jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça, o que ensejou a edição da Súmula nº 2, segundo a
qual não é cabível o habeas data “se não houve recusa de informações
por parte da autoridade administrativa”. Tal exigência seria poste-
riormente contemplada no art. 8º da Lei nº 9.507/97, que demanda
que se instrua a petição inicial com prova i) “da recusa ao acesso às
informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão”; ou ii)
“da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze
dias, sem decisão”; ou iii) da recusa em fazer-se a anotação de explica-
ção ou contestação do dado, que justifica eventual pendência sobre o
fato objeto do dado6. Também a jurisprudência do Supremo Tribunal
5 Neste sentido: “O habeas data não se presta para solicitar informações relativas a terceiros,
pois, nos termos do inciso LXXII do art. 5º da CF, sua impetração deve ter por objetivo ‘as-
segurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante’.” (HD 87 AgR, Rel.
Min. Cármen Lúcia, julgamento em 25 de novembro de 2009, Plenário, DJE 05.02.2010).
6 Tal anotação é referida no art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.507/97.
166 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
pagos indevidamente.”
O referido acórdão explicita, ainda, que a Lei nº 9.507/1997
não teria por objetivo negar a seu próprio titular o conhecimento das
informações que a seu respeito estivessem cadastradas junto às enti-
dades depositárias. Pretenderia, na verdade, restringir a divulgação a
outros órgãos ou a terceiros.
Ademais, o requerimento de informações constantes em tais
sistemas da Receita Federal não envolveria a hipótese de sigilo legal
ou constitucional, vez que requeridos pelo próprio contribuinte, sobre
dados relativos a ele próprio. Nesse sentido, o RE 673.707/MG garan-
te a possibilidade de impetração do habeas data de forma a esclarecer à
pessoa física ou jurídica os valores por ela pagos a título de tributos ou
qualquer outro tipo de pagamento constante dos registros da Receita
Federal ou de qualquer outro órgão fazendário das entidades estatais.
No mesmo sentido do quanto sustentado nos itens anteriores, o
Plenário do STF decidiu que as informações fiscais relativas ao próprio
contribuinte, se sigilosas, deveriam ser protegidas da sociedade em
geral, mas não da pessoa a quem elas se referem. Ademais, o habeas
data resguarda a pessoa não só em relação aos bancos de dados das
entidades governamentais, como também em relação aos bancos de
caráter público geridos por pessoas privadas. Ou seja, como afirmado
anteriormente, enquanto o termo “entidades governamentais” seria
uma expressão que abrangeria órgãos da administração direta e indi-
reta, os bancos de caráter público abrangeriam instituições, entidades
e pessoas jurídicas privadas que prestam serviços para o público ou
de interesse público. Portanto, concluiu o Plenário, afirmar a suposta
ausência de caráter público não constituiria argumento idôneo a im-
pedir o acesso às informações e consequentemente indeferir o habeas
data, haja vista ser o cadastro mantido por entidade governamental,
qual seja, a Receita Federal, e não por pessoa privada.
Interessante, ainda, que a decisão foi taxativa ao afirmar
que permitir o acesso aos sistemas de controle de pagamentos não
significaria criar obrigação jurídica indevida à Fazenda Nacional.
LUÍS EDUARDO SCHOUERI - RICARDO ANDRÉ GALENDI JÚNIOR 175
governo” (CF, art. 37, § 3º, II) e estabelece diretrizes para “a gestão
da documentação governamental”, bem como “as providências para
franquear sua consulta a quantos dela necessitem” (CF, art. 216, § 2º).
O inciso XXXIII é abrangente, pois garante o acesso a in-
formações de interesse particular, coletivo ou geral. Nota-se que as
informações de interesse particular detidas pelos órgãos da admi-
nistração pública não se confundem com as informações relativas à
pessoa presentes no inciso LXXII, “a”, da Constituição. (Cf. DAL-
LARI, 2002, p. 243-251; PINTO FILHO, 2002, p. 44-45) No
inciso XXXIII existe o interesse do cidadão, seja ele particular, co-
letivo ou geral, porém, não se trata, necessariamente, de informação
referente a ele próprio. Muito embora toda informação relativa à
pessoa seja de seu interesse particular, a recíproca não é verdadeira
(ALVIM, 2001, p. 22-24). Distintamente do que ocorre com o
habeas data, não é necessário que as informações solicitadas digam
respeito ao próprio solicitante. Em se tratando de informação de
interesse particular, coletivo ou geral, tem o cidadão garantido o
direito ao acesso a tais informações. O habeas data e a LAI se com-
plementam na tutela da transparência do Estado.
A partir da LAI, o Brasil (i) consolidou e definiu o marco regu-
latório sobre o acesso à informação pública sob a guarda do Estado;
(ii) estabeleceu procedimentos para que a administração pública res-
ponda a pedidos de informação do cidadão; e (iii) dispôs como uma
de suas diretrizes a “observância da publicidade como preceito geral e
do sigilo como exceção” (artigo 3º, I) (CGU, 2014).
Deve-se ver que a LAI, para além de pormenorizar procedimen-
tos para a garantia de direitos constitucionalmente previstos, possui
importância pedagógica significativa. Reconhecidamente, a LAI tem
por diretriz fomentar o “desenvolvimento da cultura de transparência
na administração pública” e contribuir para o “desenvolvimento do
controle social da administração pública” (art. 3º, IV e V).
Nesse sentido, a LAI tem por escopo contribuir para que se
desenvolva, no âmbito do funcionalismo público, a percepção de
LUÍS EDUARDO SCHOUERI - RICARDO ANDRÉ GALENDI JÚNIOR 177
estariam em tramitação fora do prazo estabelecido pela LAI (o prazo é de 20 dias conforme
dispõe o §1º do art. 11 dessa Lei) e 481 estariam em tramitação, mas ainda dentro do prazo legal.
25 Já os demais pedidos tiveram como resposta que se trata de “informação inexistente”; ou
que “não se trata de solicitação de informação”; ou que “órgão não tem competência para
responder sobre o assunto”; ou ainda que se trata de “pergunta duplicada/repetida”.
26 Os arts. 27 a 30 da LAI dispõem sobre os procedimentos de classificação, reclassificação e
desclassificação de informações sigilosas.
LUÍS EDUARDO SCHOUERI - RICARDO ANDRÉ GALENDI JÚNIOR 179
27 Embora este direito tenha sido negado pelo STJ, anteriormente à decisão do Supremo, sob o
refutado argumento de que se trataria de “documento de uso privativo da Receita Federal”,
que “não tem caráter público nem pode ser transmitido a terceiros” (STJ, REsp nº 1.411.585/
PE, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 05 de agosto de 2014).
28 STJ, REsp nº 1.411.585/PE, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 05 de agosto de 2014.
180 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
4. CONCLUSÃO
Quando da promulgação da Constituição de 1988, Celso Ri-
beiro Bastos e Ives Gandra Martins lamentaram que o constituinte
não tivesse se aproveitado da ocasião para construir um contrapeso
eficaz “à utilização da Informática pelo Estado moderno” (1989, p.
366-367). Anteviram os juristas que, ausentes instrumentos adequa-
dos, seria extremamente difícil a nossas Instituições conter a ampliação
do poder estatal sobre o indivíduo. No entanto, se prenunciaram o
problema, também delinearam a solução, que passaria por “uma inter-
pretação jurisprudencial construtiva, assim como por uma legislação
ordinária ampliativa” (1989, p. 366).
O cenário desenhado pelos autores encontra-se posto. One-
rando o contribuinte com os mais diversos deveres instrumentais,
o Estado equipou-se de enormes bancos de dados, sem que houves-
se preocupação com a correspondente garantia da transparência das
informações neles contidas. Para que se construíssem tais registros,
houve incursão gradativa na esfera privada dos indivíduos, sob os
mais diversificados discursos, sendo a transparência e o combate ao
abuso os argumentos mais facilmente acatados no contexto presen-
te. A transparência estatal, por sua vez, foi obstada sob inaceitáveis
182 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
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O SIGILO FISCAL: ENTRE A REGRA
CONSTITUCIONAL E A NÃO-EFETIVAÇÃO
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS
CONTRIBUINTES PELO STF
Martha Leão
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo analisar o tema do sigilo
fiscal a partir de duas perspectivas: de um lado, da forma como este
direito fundamental foi assegurado pela Constituição de 1988 e,
de outro lado, da forma como esta disposição constitucional foi
interpretada pelo Supremo Tribunal Federal. Mais explicitamente,
o que se pretende é criticar a interpretação adotada pelo Tribunal no
sentido de relativização do direito assegurado constitucionalmente a
partir da influência de parâmetros e institutos internacionais, como
a teoria do dever fundamental de pagar tributos e os standards de-
terminados por institutos internacionais como a Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico – (OCDE). O trabalho
centra-se, por esta razão, na interpretação a ser conferida ao artigo
5º, inciso XII, que assim disciplina:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) XII–é inviolável o sigilo da correspondência e das comunica-
ções telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo,
no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que
a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
186 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
processual penal;
A questão a ser discutida diz respeito a saber se este dispositi-
vo autoriza a sua flexibilização no que diz respeito à necessidade do
Estado de assegurar a eficácia na tributação. E isso porque o artigo 6º
da Lei Complementar nº. 105/01, regulamentado pelo Decreto nº.
3.724/01, autoriza o acesso das autoridades fiscais aos dados bancários
dos contribuintes sem prévia decisão judicial, nos seguintes termos:
Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão
examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras,
inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras,
quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento
fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela
autoridade administrativa competente.
Em 2015, o Supremo Tribunal Federal julgou cinco processos
que questionavam a constitucionalidade deste dispositivo. O tema
foi objeto de discussão no Recurso Extraordinário nº. 601.314, com
repercussão geral reconhecida, e de quatro Ações Diretas de Incons-
titucionalidade (ADIs) que também contestavam a flexibilização do
sigilo das operações financeiras. Ajuizadas por partidos políticos e
confederações patronais, as ações sustentavam que o dispositivo seria
inconstitucional por violação ao artigo 5º, incisos X e XII, da Cons-
tituição. As quatro ações foram relatadas pelo Ministro Dias Toffoli,
que preparou relatório e voto conjunto para o julgamento, posicio-
nando-se pela constitucionalidade e sendo seguido pela maioria dos
Ministros. Apenas os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello vo-
taram pela exigência de decisão judicial para o acesso aos dados e,
portanto, pela inconstitucionalidade da lei (STF, Ação Direta de In-
constitucionalidade nº. 2390, Relator Ministro Dias Toffoli, Tribunal
Pleno, julgamento iniciado em 17/02/2015). A análise deste dispo-
sitivo frente ao direito ao sigilo fiscal estabelecido pela Constituição
e frente à interpretação conferida ao dispositivo constitucional pelo
Supremo Tribunal Federal, influenciado por doutrinas e standards
estrangeiros, é o objeto de crítica deste artigo.
MARTHA LEÃO 187
4. A AÇÃO 12 DO BEPS
A Ação 12 do BEPS enquadra-se no tópico maior de busca por
transparência, e mostra a intenção de estender da forma mais ampla
possível o acesso às informações dos contribuintes pelas administra-
ções fiscais em todo o mundo (SCHOUERI; BARBOSA, 2013, p.
670). A preocupação com o tema também não é um fenômeno re-
cente. Em 2000, a OCDE publicou o Relatório sobre Melhorias no
Acesso de Informações Bancárias para Fins Tributários (Improving
Access to Bank Information for Tax Purposes), descrevendo as posições
MARTHA LEÃO 193
5. CONCLUSÕES
As considerações enfrentadas neste artigo tinham a intenção de
demonstrar como ganha força no Brasil a aplicação irrestrita de teorias
advindas do Direito Tributário Internacional, com relação àquilo que
a OCDE convencionou chamar de “planejamento tributário agressi-
vo”, termo cuja abrangência se torna cada vez mais ampla, passando
a influenciar decisões jurídicas sem que haja um substrato normativo
para tanto. O problema é que a condenação política do planejamento
198 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
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O FATO GERADOR PRESUMIDO NA
SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA “PARA FRENTE”
E O SENTIDO DE SUA “NÃO OCORRÊNCIA”:
UMA GUINADA NA INTERPRETAÇÃO
CONSTITUCIONAL RECONSTRUÍDA
METODICAMENTE PELO CONTROLE DE
PROPORCIONALIDADE
Paulo Victor Vieira da Rocha1
1. INTRODUÇÃO
A substituição tributária “para frente” é um mecanismo uti-
lizado para antecipar a tributação de fatos em relação à sua própria
materialização. Exatamente porque este regramento grava eventos de
cunho econômico antes deles ocorrerem, é que surgem hipóteses em
que seus efeitos precisam ser desfeitos.
O primeiro contato com o texto constitucional (art. 150, §
7°) faz referência à “imediata e preferencial” devolução do imposto
pago antecipadamente, caso não ocorra o fato gerador presumido.
O problema sempre foi definir o que é exatamente esta “não ocor-
rência” do fato gerador.
Em um primeiro momento da prática deste regime de tributação,
prevaleceu o entendimento bastante restrito a respeito do que seria a
tal não ocorrência, verificável na decisão da ADI 1.851 pelo STF (STF,
2002, a). Em outros termos, restringiram-se muito as hipóteses em que
2 Amílcar falcão fazia referência apenas a uma definição mais ampla do “fato gerador”, sua
base de cálculo, alíquota e sujeito passivo (1994, p. 8). Becker introduziu a crítica a expressão
“fato gerador”, propondo referência à expressão “hipótese de incidência”, popularizada por
Ataliba, como expressão condizente com a regra jurídica abstrata à qual subsumir-se-ia o fato
imponível (concreto) (BECKER, 1998, pp. 262-264), (ATALIBA, 2000, pp. 53-122).
3 Coube a Carvalho a feliz e didática proposta de se distinguirem não só a norma (regra ma-
triz de incidência) do fato que a ela se subsume (fato jurídico tributário), como também os
critérios desta regra que compõem seu antecedente (material, especial e temporal) e seu con-
sequente (pessoal e quantitativo) (1978). Para uma segunda e mais atual abordagem do tema,
(CARVALHO, 2006, pp. 30-34, 135-224).
204 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
4 Esta discussão foi posta atualmente nos debates do julgamento dos seguintes processos, que,
juntamente com o RE 589.493 MG, resultaram na virada jurisprudencial de que se trata aqui:
ADI 2.675, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 19.10.2016, DJe 4/4/2017; ADI
2.777, Rel. Min. Cezar Pelluzo, Rel. para o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, julgado em
19.10.2016, DJe 4/4/2017.
206 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
que o STF decidiu, como demonstrado, ele fixou uma série de pre-
missas absolutamente necessárias para sua conclusão de que o imposto
antecipado fosse definitivo. Essas premissas é que parece que foram
negligenciadas pelos intérpretes daquela decisão.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O julgamento do RE 593.849 (2016) representa matéria-pri-
ma rica para exercícios de dogmática constitucional, especialmente,
aquela baseada no controle de proporcionalidade, entendido como
método interpretativo diretamente ligado à interpretação de princí-
pios como mandamentos de otimização.
Sua análise evidencia que a prevalência daquilo que é exigi-
do por um princípio em detrimento do que seja exigido por outro
princípio colidente é uma prevalência condicionada, fática e juridi-
camente. Circunstâncias fáticas (exames de adequação e necessidade)
e, eventualmente, jurídicas (exame de proporcionalidade em sentido
estrito) representam hipóteses normativas construídas pelos tribunais
para que se defina e prevalência de um ou outro princípio.
A mudança de resultados a que cheguem os tribunais sobre tais
prevalências é (e deve ser) consequência de mudanças nessas circuns-
tâncias. Os tribunais, portanto, decidem um determinado caso sob
certas circunstâncias, mas é normal que diante de outras cheguem a
resultados diversos.
É tarefa da dogmática jurídica reconstruir o conteúdo das de-
cisões judiciais, identificando essas circunstâncias (que são tomadas
como premissas) para que não só se possa melhor compreender as
decisões judiciais e as mudanças de entendimento.
Independentemente de juízos de valor que se possam fazer
sobre as premissas circunstanciais que constituem as razões de de-
cidir (também dignos de trabalhos jurídicos), reconstruir tais razões
é imprescindível, para que elas sejam cada vez mais exploradas em
casos futuros e “devolvidas” para os tribunais, como que lhes dizen-
do “diante de circunstâncias X, decidiu-se A”, portanto “se ficarem
PAULO VICTOR VIEIRA DA ROCHA 227
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RESPONSABILIDADE E PUNIBILIDADE
TRIBUTÁRIA – CONCEITO DE INSUMO DOIS
ASSUNTOS DISTINTOS QUE SE ENCONTRAM
EM DUAS DECISÕES IMPORTANTES
Ricardo Mariz de Oliveira
1. BREVE JUSTIFICAÇÃO
No primeiro trimestre do ano de 2018 o Superior Tribunal
de Justiça proferiu dois julgamentos de alta significância, os quais,
embora tratando de assuntos absolutamente distintos e inconfundí-
veis, encontram-se no fato de que ambos abordam fundamentos do
Sistema Tributário Nacional e os colocam em destaque num momento
em que a sociedade sente-se verdadeiramente humilhada pela inse-
gurança jurídica a que vem sendo submetida pelos Poderes Públicos.
De fato, vivemos uma época em que essa insegurança manifes-
ta-se diariamente pela grande exposição que os recursos de informação
propiciam quanto à atuação de todos os órgãos investidos de auto-
ridade, a qual é despida aos olhos de toda a população, mesmo da
mais carente de instrução, e não apenas face perante o escrutínio dos
juristas e profissionais mais diretamente ligados aos acontecimentos.
Se tal insegurança algumas vezes somente pode ser percebida
pelos especialistas, isto quando atitudes ou decisões sejam tomadas
ao arrepio da lei ou de superiores princípios jurídicos, nas mais das
vezes é sentida por todos, por exemplo, quando deriva de jurisprudên-
cia instável, com decisões conflitantes a todo momento, mesmo em
desrespeito a pronunciamentos destinados a unificar entendimentos,
ou quando colegiados chegam a alguma decisão em que cada um
230 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
dos seus membros teve uma razão pessoal solitária e distinta das dos
demais, de modo que o resultado não se escora numa fundamentação
coerente, ou ainda quando cada pessoa, em sua própria existência,
pelo emprego do simples bom senso, sabe que está sendo vítima de
alguma injustiça ou de algum erro de conduta, mas não dispõe de
eficaz socorro do Estado.
A insegurança também germina a partir de atitudes e pronun-
ciamentos capazes de gerar efeitos reais na vida social, mas que se
baseiam em ideologias ou em presunçosas aspirações à detenção de
um novo saber, quando não em interesses escusos dos poderosos ou
detentores de alguma influência.
Humilha, também, ter que ouvir, para tais ocorrências, justifi-
cadas através da invocação de argumentos supostamente relacionados
a valores maiores que a Constituição Republicana estatui em sua longa
proclamação de direitos e garantias.
Quando se chega a este ponto, perceptível aos que conhecem
o sistema jurídico e o compreendem tal como ele é, e não tal como
se quer que ele deveria ser, também se conclui pela invalidade da
contraposição de interesses sociais aos interesses individuais, para
nulificar estes últimos em proveito do Estado, quando a Lei Maior
os coloca lado a lado e não como elementos excludentes, além de
que estatui os dois como garantias das pessoas e não do poder, numa
possível coexistência harmônica que conduza aos mesmos objetivos
declarados na Carta.
Para tudo isso só há um remédio, que não é uma nova invenção
da ciência, mas o velho e simples império da lei, ou, em termos mais
objetivos, a mera aplicação do disposto no art. 37 da Magna Carta.
Claro que sempre haverá divergências de interesses ou mesmo
de interpretação, mas a solução para todas tem que estar na irrestri-
ta observância da lei, cujo conteúdo tem que ser explicitado pelos
tribunais competentes sem delongas e sem tortuosidades, e cuja ex-
plicitação tem que se pacificar e ser seguida pelos que dela discordem,
RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA 231
tal como ocorre quando a lei qualifica a infração como dolosa, a qual
essencialmente depende do conhecimento do delito pelo agente e da
sua vontade deliberada de praticá-lo. Aliás, quanto a isto, é bom lem-
brar que o fisco federal, perdedor em inúmeras contendas em torno
das multas previstas no art. 44 da Lei n. 9430, logrou contar com o
auxílio do legislador, que retirou da norma as palavras “evidente intui-
to de fraude”, numa tentativa inútil de mudar o inequívoco sentido
reconhecido pela jurisprudência, de que apenas as infrações dolosas
podem ser apenadas com a multa majorada.
O que o art. 136 não diz é quem seja o agente da infra-
ção, pois sua norma somente alude a um agente indeterminado e
prescreve o caráter da infração, deixando o regramento quanto à
responsabilidade subjetiva a cargo das demais regras do CTN e as
das leis ordinárias que tratem deste aspecto.
Começa aí a insuficiência da invocação do art. 136 no caso em
análise, mas ela também está na pretensão de colocar o vendedor na
condição de responsável por ato de terceiro, sem que ele se enquadre
em qualquer das disposições legais que lhe atribuam tal condição.
Mais ainda, mesmo que houvesse ausência de norma quanto
à responsabilidade desta ou daquela pessoa, o próprio artigo em co-
mento seria suficiente para afastar o vendedor, pois alude a “agente
ou responsável”, ou seja, àquele que tenha praticado a infração ou que
seja responsável por sua prática.
Houve, pois, por parte da Fazenda Pública, uma indevida
interpretação do alcance da norma constante do art. 136, e sua
aplicação equivocada a quem não participou da infração, nem como
agente, nem como responsável.
Ademais, no caso, o vendedor, que era contribuinte, teve a sua
obrigação tributária extinta pelo recolhimento do tributo, calculado
conforme as diretrizes legais para a situação em que o adquirente
situa-se em outro estado, não podendo ser arrastado para obrigação
futura, que não é sua e à qual não deu causa, sem que tenha havido
236 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
3. CONCEITO DE INSUMO
Este assunto foi abordado em caráter de repetitividade
pela Primeira Seção do Superior Tribunal no Recurso Especial n.
1221170-PR, julgado em 22.2.2018 sob a relatoria do Ministro
Napoleão Nunes Maia Filho, e também espancou o interesse fiscal
em limitar o alcance das normas legais que concedem crédito de PIS
e COFINS na aquisição de insumos empregados na fabricação de
produtos ou na prestação de serviços, dentro do regime não cumu-
lativo dessas contribuições.
Como é amplamente sabido, as Leis n. 10637 e 108333 ad-
mitem que o contribuinte deduza do valor das contribuições devidas
sobre suas receitas, entre outros itens, o valor dos bens e serviços,
utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou
fabricação de bens ou produtos destinados à venda.
Esta é a regra geral, mas ante a falta de definição legal do que
seja “insumo”, a Secretaria da Receita Federal do Brasil em mais de
um ato normativo baixou diretriz reducionista do conceito, atrelan-
do-o praticamente ao que a legislação do IPI estabelece quanto a
RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA 239
4. CONCLUSÃO
Por todas as razões mencionadas nos dois segmentos ante-
riores dos presentes comentários, os acórdãos proferidos quando
dos julgamentos dos recursos especiais neles referidos motivaram
a manifestação introdutória deste trabalho, porque neles a lei foi
entendida e aplicada corretamente.
Tanto quanto a lei deve ser elaborada com técnica legislativa
suficiente a ser bem aplicada, e mirando todos os aspectos sociais por
ela abrangidos – no caso das leis tributárias, as necessidades do erário
público e as vicissitudes dos contribuintes – sem favorecimentos de
qualquer espécie, os seus intérpretes e aplicadores devem ser fieis ao
que nela estiver contido.
Neste sentido, a interpretação jurídica escorreita pauta-se por
muitas diretrizes, das quais as principais são as seguintes:
- a interpretação não se resume à leitura das palavras da lei, mas,
a partir delas, deve procurar entender o verdadeiro significado da
RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA 245
REFERÊNCIAS
GRECO, Marco Aurélio. Conceito de insumo à luz da legislação de PIS/COFINS. Revis-
ta Fórum de Direito Tributário, Belo Horizonte, 2008, n. 34, p. 9-30.
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Incidência e apuração da COFINS e da contribuição ao
PIS. In Tributação do Setor Comercial: Curso de Especialização da FGV. São Paulo: Quar-
tier Latin, 2005, p. 295-360.
INCENTIVOS FISCAIS E DIREITO E ECONOMIA:
ALTERNATIVA DE CONTROLE E EFICIÊNCIA
André Elali
Evandro Zaranza
1 “From the corporation’s perspective, it thus seems that whatever our view of the nature of the
corporation, it should not be permitted to engage in strategic behavior that is designed solely
to minimize its taxes. From an artificial entity perspective such behavior undermines the spe-
cial bond between the state and the corporations it created. From the real entity perspective
such behavior is as unacceptable as it would be if all individual citizens engaged in it. And
from an aggregate perspective strategic tax behavior does not leave the state adequate reve-
nues to fulfill the increased obligations imposed on it by forbidding corporations to engage in
CSR. From the state’s perspective, it likewise appears legitimate under all three views of the
corporations to use the corporate tax to steer corporate behavior in the direction of CSR. This
is true even for CSR functions that the corporation may not undertake on its own, because
the state can still try to encourage corporations to undertake such activities, even though it
cannot force them to do so. The problem is that as long as any CSR activity that is not related
to shareholder profit maximization is deemed illegitimate if undertaken without government
incentives, it seems unlikely that the government can provide sufficient incentives to align
its goals with those of the shareholders. Recent experience has shown that such incentives
frequently fail: For example, the temporary amnesty for repatriating corporate profits with a
minimal tax rate offered for 2005 failed to induce corporations to create more jobs. Moreover,
such incentives cost the government money which it could use fulfill other social responsibil-
ities. Overall, while regulating corporate behavior via the tax system is a legitimate govern-
ment function and a major justification for taxing corporations, it seems unlikely lo lead to
an ideal division of labor in addressing social problems. From the perspective of adequately
addressing problems such as global warming or AIDS, it would seem that the ideal world is
one in which responsibility is divided as seems best for each problem and each set of actors
between the government, nonprofits, and the private sector. The government should be able
to levy sufficient taxes to fulfill its share, and can also try to use both taxing and spending to
induce private entities to address those problems. But for the best outcome, it seems crucial
to leave corporations free like private individuals to attempt to address problems not of their
own making, even if no shareholder benefit ensues. Adopting the real view of corporations,
which also strikes me as the most realistic view, seems to be the best way towards this goal.”
(Cf. AVI-YONAH, 2008, p. 197-198)
ANDRÉ ELALI - EVANDRO ZARANZA 249
3 “Um imposto pode influenciar de vários modos a eficiência económica, nomeadamente quan-
to à oferta e proucra de trabalho, à poupança e sua utilização produtiva, à afectação de recur-
sos em geral. É que o imposto é algo que se impõe aos agentes econômicos e pode, por isso,
modificar os preços relativos das variáveis económicas directa ou indirectamente relacionadas
com a sua incidência. Dessa modificação de preços relativos pode resultar ineficiência eco-
nômica, que os economistas costumam analisar através da chamada ‘carga excedentária’. O
objectivo é, assim, minimizar esta, ou seja, assegurar que os impostos sejam o menos distor-
cionários possível. O que, dito de outro modo, implica a neutralidade do imposto. Importa a
este propósito ter em conta que os efeitos do imposto são de dois tipos: efeito rendimento (in-
ANDRÉ ELALI - EVANDRO ZARANZA 251
para essa corrente teórica, então, que a tributação não deveria influen-
ciar os comportamentos dos sujeitos econômicos, em nome da maior
liberdade do mercado e a menor participação do Estado na condução
do processo econômico (ELALI, 2007, p. 69-70).
Com a crise do liberalismo clássico, porém, o papel do Estado
passou a ser enfatizado, para controlar e fiscalizar os agentes eco-
nômicos e para proteger os direitos socialmente relevantes, fazendo
ressurgir a discussão em torno da neutralidade da tributação, pois,
com a adoção de políticas fiscais, i. e., através da concessão de auxí-
lios fiscais, ficaria ilógico falar-se em neutralidade. Em outros dizeres,
passou a ser aceitável a intervenção do Estado no mercado para evitar
as chamadas falhas de seus mecanismos e para a promoção do Social
Welfare. (FRANCO, 2007, p. 62)
As políticas públicas, nesse contexto, passaram a visar a alguns
fins emergenciais: i) redistribuição da renda e da riqueza; ii) estabilização
da economia; iii) busca do desenvolvimento econômico, concluindo-se,
com a lição de Manuel Pereira, “que a neutralidade do imposto seja
agora aferida face aos objectivos visados pela política fiscal. Isto é, deixa
de ser absoluta para passar a ser relativa: a não ser na exacta medida em
que tal seja necessário para prosseguir os fins visados, o imposto deve
ser neutro, ou seja, não deve ter influência no comportamento e nas
decisões dos agentes econômicos.” (PEREIRA, p.356)
Na doutrina pátria, destaca-se a posição de Paulo Caliendo
(2009, p. 101-106), que afirma:
Torna-se claro que eqüidade e eficiência entrem geralmente em
conflito em termos econômicos. O princípio da neutralidade fiscal
representa no âmbito jurídico a tentativa de ponderar esses dois
come effect) e efeito substituição (substitution effect). O efeito rendimento resulta do facto de
a criação de um imposto ou a sua subida diminuir o rendimento disponível, o poder de compra
do contribuinte, na pessoa que o suporta. Em si mesmo um efeito rendimento não produz
ineficiência econômica. Mas a alteração fiscal acima mencionada pode levar o contribuinte a
substituir uma actividade por outra, o consumo de um bem por outro e até, em última análise,
se o imposto em causa onerar o rendimento que se obtém do trabalho, levar o trabalhador a
preferir o ócio. É o efeito substituição. Deste pode resultar ineficiência econômica se desta
interferência nas escolhas individuais resultar uma perda de bem estar para o contribuinte que
não se traduza em aumento de recursos para o Estado ou para o outro ente público destinatário
da receita do imposto.” (Cf. PEREIRA, 2007, p. 69-70)
252 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
4 Comenta António Carlos dos Santos, a propósito, o seguinte: “Neste sentido, não se pode estar
mais de acordo com a afirmação de Annie VALLÉE de que, em bom rigor, a neutralidade
fiscal não existe: um sistema que se limitasse a arrecadar impostos sem modificar os com-
portamentos dos operadores económicos e, consequentemente, sem atingir o funcionamento
da economia do mercado não seria concebível. Nem os impostos são neutros, nem a escolha
dos impostos ou do sistema fiscal o é. Todas as formas de tributação provocam distorções. O
mesmo acontece com as exclusões, benefícios e incentivos fiscais. Numa primeira aproxima-
ção, a questão da neutralidade será assim a da escolha dos impostos (e das técnicas tributárias)
que menos distorções provoquem. A neutralidade é um conceito relativo, não um conselho
absoluto.” (Cf. SANTOS, 2003, p. 354-355)
ANDRÉ ELALI - EVANDRO ZARANZA 253
12 “As a consequence, monopolies and cartels contradict the essence of free competition and
government intervention becomes necessary. Competition policy and law are designed to pro-
mote competition and to prevent monopolization and cartelization. This creates a paradox
according to which free competition is promoted and limited by competition law and policy
at the same time.” (Cf. WEINRAUCH, 2004, p. 19)
ANDRÉ ELALI - EVANDRO ZARANZA 261
13 Enumera Ernest Gellhorn, como expõe Pernomian Rodrigues, cinco condições que caracte-
rizam a existência da denominada competição perfeita: 1) quando há um grande número de
compradores e de vendedores de produtos e serviços; 2) quando a quantidade de produtos e
serviços adquiridos por cada comprador e vendida por cada vendedor é tão pequena relativa-
mente ao total que mudanças não imporão mudanças nos preços; 3) o produto é homogêneo,
não havendo razão para um comprador preferir um vendedor específico ou vice-versa; 4)
todos os compradores e vendedores têm perfeita informação sobre os preços de mercado e
sobre a natureza das coisas vendidas; e 5) há uma efetiva liberdade para a entrada e a saída do
mercado. (Cf. GELLHORN apud RODRIGUES, 1999, p. 92)
ANDRÉ ELALI - EVANDRO ZARANZA 263
15 Regular, a partir das lições do professor Ruy Barbosa Nogueira, pode ser definido como o po-
der de se estabelecer regras, de dirigir, de governar. Desse modo, como preceituou o professor,
quem pode regular, pode impedir, restringir e/ou favorecer, lançando mão dos meios neces-
sários, inclusive do tributo, através do qual se pode fomentar uma atividade e/ou restringi-la.
Por isso mesmo, essas funções do tributo devem ser harmonizadas com o poder de regular.
(Cf. NOGUEIRA, 1995, p. 181; ELALI, 2006, p. 21)
16 “The use of taxation as a policy device to modify the outflow of capital or otherwise to influ-
ence the behavior of multinational corporations is perfectly appropriate, if other regulatory
measures are inferior on grounds of efficiency and effectiveness. There is, in fact, much to be
said for the use of the tax instrument.” (MUSGRAVE, 2002, p. 115; cf. REICH. 1985, p. 85;
SCHOUERI, 2005, p. 3)
ANDRÉ ELALI - EVANDRO ZARANZA 267
17 No mesmo diapasão, v. Andrea Amatucci: “La legge tributaria, como la legge di spesa, la legge
di bilancio e le leggi ad collegate, produce inevitabilmente effetti economici e sociali. Il legisla-
tore, per la responsabilità che sui di lui grava, deve tener conto di tali effetti ed in questa funzione
gli è di irrenunciable sostegno la scienza delle finanze che gli indica como egli possa controllarli
sino al punto di formar ela legge in modo da raggiungere, in certe condizioni contigenti, deter-
minati scopi economici. [...] Il conseguimento delle entrate può costituire um fine secondario. I
diritti doganali ed i diritti di compensazione all´importazione sono da considerare imposte agli
effetti di questa legge. [...] Perseguita questa finalità, è consentito prendere in considerazione
altre funzioni, senza che ciò comporti l´adesione alla tesi della distinzione di um fine principale
(fiscale) da um altro secondario o diverso (extrafiscale) dell´imposta.” (Cf. 2005, p. 560-567)
268 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
18 Afirma o autor, com razão: “Sob outra perspectiva, o Direito & Economia também pode ser
encarado como o emprego dos métodos da Ciência Econômica para o examinar (e propor
soluções) para problemas jurídicos e, inversamente, em como o Direito e as normas jurídi-
cas influenciam o sistema socioeconômico. […] Para tanto, a Análise Econômica do Direito
adota algumas características, a exemplo da rejeição do império do Direito perante a reali-
dade socioeconômica (tendo como consequência o fato de que as normas jurídicas devem
ser criadas e estudadas tendo como pressuposto o seu reflexo no mundo do ser); o emprego
de métodos de outras áreas do conhecimento, seja dentro da própria Economia (como a Mi-
croeconomia, a Teoria dos Jogos, a Estatística, a Econometria etc.), ou de áreas correlatas,
como a psicologia, a política, a filosofia etc.; dá ênfase ao aspecto instrumento do Direito,
isto é, as normas jurídicas também devem ser encaradas como um meio para a consecução
de determinados fins, fins estes decorrentes dos valores e princípios de uma dada sociedade
(os quais, inclusive, poderão estar positivados no próprio ordenamento jurídico, a exemplo
dos diferentes princípios constantes na Constituição). Uma importante observação reside no
fato de que a Análise Econômica do Direito não deve ser encarada como um corpo coeso
de fórmulas e conceitos, unanimemente aceitos entre os estudioso do tema. Ao contrário.
Assim como a própria Ciência Jurídica possui diferentes correntes teóricas, a Análise Eco-
nômica do Direito, ao acompanhar a própria evolução do pensamento econômico, também
possui diversas abordagens e teorias que, não necessariamente, são unânime entre os juse-
conomistas. Em razão disso, existem diversas “escolas” do Direito & Economia, escolas
estas que, por vezes, convergem acerca de determinados conceitos e problemas, ou então
adotam critérios próprios na análise econômica que empreendem, a exemplo da Escola de
Chicago, da Escola da Escolha Pública, da Escolha Institucionalista, da Escola Neoinsti-
tucionalista, da Escola de New Haven, da Escola Austríaca, dentre outras. Para o objeto
de nossa análise, interessa-nos alguns conceitos fundamentais da Análise Econômica do
Direito, comumente aceitos e compartilhados pelas diferentes correntes teóricas, a exem-
plo da escassez, dos custos de oportunidade, da maximização e da escolha racional, do
equilíbrio e a eficiência econômica. A escolha por tais pressupostos metodológicos não foi
gratuita, mas coaduna-se com os pressupostos da tributação indutora enquanto instrumento
de regulação econômica, correção das falhas de mercado e, no caso do direito brasileiro,
de concretização dos princípios da Ordem Econômica Constitucional. Dessa maneira, tais
critérios servirão de fundamento tanto para o exame dos aspectos econômicos da tributação
(compreendida em sentido amplo), conforme examinaremos na segunda parte deste capí-
tulo, bem como para a abordagem crítica da tributação indutora, que será empreendida no
capítulo subsequente. ” (2017, p. 112 e ss.)
270 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
REFERÊNCIAS
AMATUCCI, Andrea. Misure Tributarie per lo Sviluppo Economico. In: Comércio Interna-
cional e Tributação. Coordenação: Heleno Taveira Tôrres. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
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BIX, Brian H. A Dictionary of Legal Theory. New York: Oxford University Press, 2004.
CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e Análise Econômica do Direito – uma visão crítica.
Rio de Janeiro: Elselvier, 2009.
CARBAJALES, Mariano. El Estado regulador – Hacia un nuevo modelo de Estado. Buenos
Aires: Abaco, 2006.
CARLOS, Americo Fernando Brás. Impostos – Teoria Geral. Coimbra: Almedina, 2006.
ANDRÉ ELALI - EVANDRO ZARANZA 271
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, no contexto da não-cumulatividade do
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, atri-
buiu à Lei Complementar a função de regulamentar a forma como,
mediante a deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções,
incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
Recepcionada, portanto, pelo artigo 155, § 2º, XII, “g”, da Cons-
tituição Federal, a Lei Complementar nº 24/75, editada na vigência
da Constituição Federal de 1967/1969 , determina que quaisquer in-
centivos fiscais e/ou financeiros , relacionados ao ICMS, concedidos
mediante redução de base de cálculo, créditos presumidos, devolução
do tributo (seja total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou
não), devem ser consignados em convênio3–aprovados por decisão
unânime dos Estados e do Distrito Federal, sendo necessários quatro
1 Mestre e Doutor em Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de Direito da USP. Con-
selheiro do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo – CMT/SP (biênios 2006/2008 e
2010/2012). Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo – TIT/SP (biênio
2018-2019). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, da Associação
Brasileira de Direito Financeiro – ABDF, do Instituto de Pesquisas Tributárias – IPT/SP e da
International Fiscal Association – IFA. Professor dos cursos de especialização e do Mestrado
Profissional de Direito Tributário do IBDT. Membro do Conselho Jurídico do SINDUSCON.
Advogado em São Paulo.
2 Graduada em Direito pela Faculdade de Direito da USP e pela Université de Lyon. Advogada
em São Paulo.
3 Há quem entenda que a concessão de diferimento no pagamento de tributo não encontra óbice
na Lei Complementar nº 24/75, pois não se trata de desoneração, mas meramente de prazo
mais longo para o adimplemento da obrigação tributária (CAMARGO, 2004, p. 209).
276 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
Complementar nº 160/2017.
A Lei Complementar nº 160/2017, no contexto da guerra fiscal
perpetrada entre os Estados e o Distrito Federal, e da verdadeira in-
segurança jurídica ao contribuinte destinatário – maior prejudicado
com esse conflito – possibilita, preenchidas as condições nela estabe-
lecidas, a (i) remissão dos créditos tributários constituídos ou não,
decorrentes das isenções, dos incentivos e dos benefícios financeiros
e/ou fiscais instituídos em desacordo com o disposto na alínea “g”,
inciso XII, § 2o do artigo 155 da Constituição Federal e na Lei Com-
plementar nº 24/75, e a (ii) reinstituição, observadas determinadas
condições, dos referidos benefícios que se encontravam em vigor à
época de sua edição (agosto de 2017).
Dentre as inovações trazidas pela referida Lei Complementar –
primeira, sobre o tema, editada na vigência da Constituição de 1988
– encontra-se a flexibilização do quórum previsto para a remissão dos
créditos e a reinstituição de benefícios unilateralmente concedidos
que, ao contrário do quanto previsto na Lei Complementar nº 24/75,
deverão ser aprovados e ratificados em convênio com voto favorável de
2/3 das unidades federadas e 1/3 das unidades federadas integrantes
de cada uma das cinco regiões do País.
Se, por um lado, a Lei Complementar nº 160/2017 teve por
objetivo “pôr fim a discussões em curso entre os Estados” , por outro,
a remissão de créditos e reinstituição de benefícios concedidos em
desacordo com o mandamento constitucional e com a Lei Comple-
mentar nº 24/75 coloca em cheque princípios constitucionais da
não-cumulatividade do imposto (na medida em que sujeita o contri-
buinte destinatário à glosa do crédito incorrido na operação anterior)
e do pacto federativo (ao compelir todos os entes federados, mesmo
aqueles não signatários do convênio, ao reconhecimento de benefícios
auferidos em outa unidade).
Vale destacar que a Lei Complementar nº 24/75 previa a
possibilidade de ratificação, pelos demais Estados, dos benefícios
278 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
14 A alíquota de ICMS aplicável nas operações e prestações interestaduais foi fixada pela
Resolução nº 22 do Senado Federal, correspondendo a 12% (doze por cento). Como exceção,
nas operações e prestações interestaduais originadas nas regiões Sul e Sudeste, e destinadas às
regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, a alíquota aplicável é
de 7% (sete por cento).
RODRIGO MAITO DA SILVEIRA - ISABELLA CONTE CAMILO LINHARES 285
3. CONCLUSÃO
A Constituição Federal, desde a sua publicação, prezou pela
REFERÊNCIAS
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Adquirido das Empresas. Revista Dialética de Direito Tributário nº 73. São Paulo: Dialé-
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FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Guerra fiscal, fomento e incentivo na Constituição
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GRECO, Marco Aurélio. ICMS – Glosa Unilateral de Créditos por Operações Interes-
taduais – a Posição do Estado de São Paulo – Lei Estadual n. 6.374/89 e Comunicado
CAT n. 36/2004 – Necessidade de Prévio Acesso ao Poder Judiciário. Revista Dialética de
292 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
1. INTRODUÇÃO
Em 1998 foi publicada a primeira edição do livro O Dever
Fundamental de Pagar Impostos, do Professor da Universidade de
Coimbra, José Casalta Nabais, que teve origem em sua tese de dou-
torado.1 O título deste livro é provavelmente o mais controverso da
literatura tributária de língua portuguesa.
O objetivo deste artigo é apresentar as linhas gerais da teoria do
Professor português. Trata-se de uma obra densa, de aproximadamen-
te 700 páginas, que gera reações apaixonadas, favoráveis e contrárias,
muitas vezes sem que se tenha dado ao trabalho de lê-la. Desta forma,
o propósito deste breve estudo circunscreve-se à apresentação da teoria
de Casalta Nabais àqueles que não conhecem sua obra, sem a preo-
cupação, neste primeiro momento, de apresentar considerações mais
aprofundadas de paralelo com o ordenamento jurídico brasileiro.
1 Utilizamos neste texto a primeira edição, de 1998, do livro de Casalta Nabais. Como as edi-
ções seguintes foram reimpressões, não há nenhuma perda no uso da primeira edição em
nossas referências.
294 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
mesmo tempo que exclue que a mesma se faça pela via do estado pa-
trimonial, a Constituição está a pronunciar-se claramente pelo estado
fiscal.” (1998, p. 213)
tributar e, por outro, com os requisitos relativos à forma lato sensu, que
engloba tanto a forma stricto sensu como o procedimento do estabele-
cimento dos impostos. Ou seja, numa palavra, os limites formais da
tributação referem-se ao quem tributa e como tributa. Por seu turno,
os limites materiais têm a ver com o objecto e o conteúdo do poder
judiciário, ou seja, que aspectos da vida dos cidadãos e das empresas
podem cair na mira do ius incidendi et collectandi e dentro de que
limites ou, numa palavra, sobre o quê dos impostos.” (1998, p. 315)
Entre os limites formais do poder tributário Nabais aponta,
inicialmente, o princípio da legalidade o qual, na visão do autor,
“deixou de constituir garantia de produção de um direito fiscal justo
decorrente do consentimento dos contribuintes. De um lado, a lei já
não está acima de qualquer suspeita, violando com alguma frequência
os direitos dos cidadãos, mormente os da(s) minoria(s) vencida(s) no
parlamento. De outro lado, o executivo já não se apresenta com o
carimbo de inimigo número um das liberdades, uma vez que, para
além da indiscutível legitimidade democrática que actualmente goza,
está frequentemente em melhores condições, mormente de ordem
técnica, do que o parlamento para ser suporte da realização da ideia
de direito e tutelar as exigências tradicionalmente imputadas à ideia
de autoconsentimento.” (1998, p. 339-340)
O segundo limite formal do poder tributário seria o prin-
cípio da segurança jurídica, que o Professor português analisou
da perspectiva da proteção da confiança do contribuinte (1998, p.
395-396) quanto à proibição de normas fiscais retroativas, (1998,
p.397-408) quanto ao resguardo da boa-fé objetiva e a proibição
do comportamento contraditório (1998, p. 408-409) e da pers-
pectiva da proteção do contribuinte contra mudanças legislativas
futuras, notadamente no que se refere à revogação de benefícios
fiscais. (1998, p. 409-421)
Finalmente, o terceiro limite formal do poder tributário
consistiria da exclusão da matéria fiscal da possibilidade de de-
liberação popular via referendo. Em suas palavras, “o referendo
SERGIO ANDRÉ ROCHA 311
REFERÊNCIAS
NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Almedina,
1998.
RÉQUIEM PARA A AÇÃO ADMINISTRATIVA
PLANEJADA: A RUTURA ENTRE AS
DIMENSÕES EXECUTIVA E ORÇAMENTÁRIA
Vanice Regina Lírio do Valle1
2. CONSTITUINTE E ORÇAMENTO
São conhecidas as peculiaridades do processo constituinte na-
cional, traduzindo um momento de concertação entre instituições
despidas de legitimidade democrática (como o próprio Executivo
na sua forma de provimento à época4) às quais se admitia o de-
3 O caráter expansivo dos precedentes firmados pelo STF, inclusive em conflitos subjetivos, foi
proclamado pela decisão havida nos autos da Reclamação 4335, Relator o Ministro Gilmar
Mendes. A referida categoria afirma o efeito ultra partes da decisão, ainda que havida em
feitos cuja prestação jurisdicional não se construa a partir de processo objetivo.
4 É de se ter em conta que o Presidente da República em exercício por ocasião dos trabalhos
constituintes – José Sarney – sucedia a Tancredo Neves, que faleceu antes mesmo da posse,
depois de uma eleição fruto não do voto direto e universal, mas resultado de um então já mo-
322 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
2/95 – CN, posteriormente substituída pela Resolução nº 1/2001, que disciplina o mecanismo
de funcionamento da comissão mista permanente de Deputados e Senadores prevista no art.
166, § 1º da CF, adotando estratégias de prevenção ao desvio como a garantia da representa-
ção partidária, relatorias setoriais e outros mecanismos.
326 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
13 Há outros fenômenos atinentes à vida financeira dos Estados que podem importar em
bloqueio, por exemplo, a transferências voluntárias – e com isso, ainda que existentes recursos
no FUNPEM, eles podem não alcançar ao Estado a carecer desse mesmo aporte financeiro.
14 O argumento principal de oposição à reformulação da tese sugerida pelo Ministro Edson Fa-
chin estava em que a abertura à ainda evocação da cláusula da reserva do possível se extrairia
da alusão contida na tese a que sua utilização se tinha por vedada tão-somente em se cuidando
de medidas ou obras emergenciais. Concessa máxima vênia, remete-se assim a compreensão
da real orientação da Corte à identificação de sutilezas redacionais – quando nesse tema, me-
lhor seria a clareza.
VANICE REGINA LÍRIO DO VALLE 329
Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica menor, como
se tivesse perdido um promontório, ou perdido o solar de um amigo
teu, ou o teu próprio.
A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humani-
dade me encontro envolvido;
Por isso, nunca mandes perguntar por quem os sinos dobram; eles
dobram por ti.
John Donne, Meditations 17
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VANICE REGINA LÍRIO DO VALLE 339
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340 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Estado Fiscal, na atualidade, se vê diante de uma grave crise
de financiamento, fenômeno que deriva, em certa medida, da con-
quista de direitos sociais que demandam uma atuação positiva para
seu fornecimento (NABAIS, 2010, p. 52). No ponto central desta
discussão está o tributo, mais precisamente a repartição do custo do
Estado entre seus cidadãos.
Em grande medida, a repartição da carga tributária no Estado
Fiscal é um debate de igualdade. Qual a melhor forma de financiar
o Estado? Esta pergunta pode ser reformulada dentro do sistema tri-
butário e converter-se na seguinte demanda: quer-se um Estado de
Impostos ou um Estado de Taxas (ou de tributos causais)?
Atualmente, os Estados adotam um sistema majoritariamen-
te baseado na cobrança de impostos, que se utiliza da capacidade
contributiva como critério para a repartição dos encargos públicos,
em um modelo de elevada independência entre receitas e despesas,
no qual o volume de tributo cobrado não precisa, necessariamente,
1 Doutor em Direito Tributário pela USP; Mestre em direito Tributário pela PUC-SP; Conse-
lheiro Titular da 3a Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF; Professor
do Instituto Brasileiro de Direito Tributário–IBDT; Advogado licenciado.
2 Mestre e doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP. Advogado em
São Paulo.
342 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
3 Nas palavras do autor: “todo e qualquer importe impingido ao sujeito passivo de uma taxa,
que, comprovadamente, sobrepassar o limite que lhe corresponde individualmente, depois de
efetuada a repartição (a divisão), é flagrante confisco”. (HORVATH, 2002, p. 132).
4 Isso se justifica em certas ocasiões, quando o Estado pretende incentivar o acesso a determi-
nados serviços públicos, mas não deve ser a regra na quantificação das taxas públicas.
CARLOS AUGUSTO DANIEL NETO - HENDRICK PINHEIRO 349
5 ADI 2551 MC-QO, Relator(a): Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 02/04/2003,
DJ 20-04-2006.
350 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
11 Súmula 551 do STF. “É inconstitucional a taxa de urbanização da Lei número 2.320, de 20-
12-1961, instituída pelo Município de Pôrto Alegre, porque seu fato gerador é o mesmo da
transmissão imobiliária” (STF, 1969, p. 5935).
12 Súmula 595 do STF. “É inconstitucional a taxa municipal de conservação de estradas de
rodagem cuja base de cálculo seja idêntica à do imposto territorial rural” (1977, p. 7).
13 Ementa: “(...) 1. A jurisprudência desta Corte vem admitindo o cálculo das custas judiciais
com base no valor da causa, desde que mantida razoável correlação com o custo da atividade
prestada. Precedentes: ADI 948, Francisco Rezek, DJ 17.03.2000, ADI 1.926-MC, Sepúlveda
Pertence, DJ 10.09.1999, ADI 1.651-MC, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 11.09.98 e a ADI
1.889-MC, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ 14.11.2002 (...)” (STF, 2004).
354 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
14 Ementa: “(...) Ela resulta [esta exação] da prestação de serviço público específico e divisível,
cuja base de cálculo é o valor da atividade estatal deferida diretamente ao contribuinte. A
taxa judiciária deve, pois, ser proporcional ao custo da atividade do Estado a que se vincula.
E há de ter um limite, sob pena de inviabilizar, à vista do valor cobrado, o acesso de muitos à
Justiça (...)” (STF, 2000).
15 Relator(a): Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, julgado em 15/04/1998, DJ 08-09-2000.
CARLOS AUGUSTO DANIEL NETO - HENDRICK PINHEIRO 355
uma efetiva referibilidade com a realidade, haja vista ser comum casos
vultosos que se encerram com acordo logo na primeira instância,
bem como casos economicamente singelos que são conduzidos pelos
advogados até as Cortes Superiores. Para evitar que essa taxa se tor-
nasse um “imposto sobre o valor da causa” e impossibilitar o acesso
ao Judiciário em certos casos de maior expressão financeira, adotou-se
a solução salomônica da manutenção de um teto, que preservaria
alguma razoabilidade na equivalência pretendida.
Nessa mesma linha, o STF declarou a constitucionalidade da
taxa de fiscalização dos mercados de títulos e valores mobiliários insti-
tuída pela Lei 7.940/1989, inclusive com a elaboração da Súmula 665.
Essa lei criou uma taxa cobrada pelo exercício de poder de polícia da
CVM nas transações envolvendo valores mobiliários, adotando duas
bases de cálculo possíveis16: um valor fixo para determinadas opera-
ções, e para outras uma alíquota incidente sobre o valor da operação.
Para a base de cálculo que aplicava uma alíquota sobre o valor da
operação, estabeleceu-se tanto um valor mínimo – cinquenta e cinco
BTN – quanto um valor máximo – cem mil BTN – como forma de
manter a razoabilidade entre o valor cobrado e o custo da atividade
estatal, na linha dos precedentes mencionados anteriormente. Toda-
via, a outra base de cálculo gerou questionamentos judiciais, por levar
em conta o patrimônio líquido da empresa como parâmetro de esta-
belecimento do valor da taxa – ou seja, quanto maior o patrimônio,
maior seria a taxa, para uma mesma atividade fiscalizatória da CVM.
Essa matéria foi julgada no RE nº 177.83517 e a posição da Corte
se alinhou ao voto do então juiz Hugo de Brito Machado, que entendeu
que a variação do valor da taxa em função do patrimônio líquido da
empresa seria um fator de realização da capacidade contributiva.
Ora, já foi dito diversas vezes, tanto pela doutrina quanto pelo
próprio STF, que o parâmetro de distribuição do custo dos serviços
públicos e do exercício de poder de polícia específico e divisível
não é a capacidade contributiva – visto que se encontra totalmente
desvinculada do custo da atividade estatal – mas sim o princípio da
equivalência. Diferentemente do aduzido no voto, do fato do Estado
poder subsidiar certas taxas, arcando economicamente com o seu
valor através da concessão de isenções para determinadas pessoas
com diminuta capacidade econômica, não é possível inferir que se
poderia cobrar um valor maior do que o custo para contribuintes
que tenham maior capacidade contributiva – convertendo um ins-
trumento de contraprestação em um instrumento de arrecadação.
Andou muito mal o STF neste ponto, ao abrir margem à uti-
lização das taxas como instrumentos de arrecadação, a partir de uma
aplicação analógica do princípio da capacidade contributiva a um
tributo com o qual os impostos guardam pouca semelhança estru-
tural – seria o mesmo que autorizar a criação de uma contribuição
de melhoria que arrecade mais do que o custo total da obra, sob o
fundamento de que os beneficiados seriam sujeitos com elevada ca-
pacidade contributiva. Mais ainda, reconhecer que as taxas cobradas
não estão vinculadas ao custo da atividade estatal é, indiretamente,
reconhecer que as mesmas adotaram base de cálculo própria de im-
posto, em clara ofensa ao art. 145, II da CF/88.
Todavia, em outra oportunidade, o STF rejeitou a utilização
de critérios “suplementares” na distribuição do ônus. No RE nº
990.91418, que versava sobre a cobrança da “Taxa de Fiscalização
de Estabelecimentos”, discutiu-se a possibilidade de se utilizar como
critério de discrímen a atividade econômica realizada pelo contribuinte
– em seu voto, o Ministro Dias Toffoli consignou que a escolha do
tipo de atividade exercida não leva em consideração o tamanho do
estabelecimento, tampouco a maior ou menor demanda de despesa
18 Relator(a): Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 20/06/2017, PROCESSO ELE-
TRÔNICO DJe-212 DIVULG 18-09-2017.
CARLOS AUGUSTO DANIEL NETO - HENDRICK PINHEIRO 357
24 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: V–acesso
aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade
de cada um;
25 Relator(a): Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, julgado em 13/08/2003, DJ 26-09-2003
360 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A situação atual de crise no financiamento do Estado de-
saguou na fuga em direção a novas fontes de financiamento. Um
aspecto deste fenômeno no Brasil é o aumento da participação das
receitas de tributos causais, como taxas e contribuições no financia-
mento da máquina estatal.
Essa busca de novas fontes de receitas nas taxas recebeu, inclusi-
ve, guarida constitucional com a Emenda Constitucional nº 96/2016,
que incluiu o art. 76-A no ADCT26, permitindo a desvinculação de
trinta por cento das receitas de impostos, taxas e multas arrecadadas
pelos Estados e pelo Distrito Federal.
26 “Art. 76-A. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2023, 30%
(trinta por cento) das receitas dos Estados e do Distrito Federal relativas a impostos, taxas e
multas, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respec-
tivos acréscimos legais, e outras receitas correntes.
CARLOS AUGUSTO DANIEL NETO - HENDRICK PINHEIRO 361
REFERÊNCIAS
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BRASIL. STF. Súmula 551. Rel. Gonçalves de Oliveira. Tribunal Pleno. apr. 22 ago.
364 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
1. INTRODUÇÃO
O federalismo nasceu de um sonho, um sonho do pensamento
político moderno, um ideal para conduzir o Estado de forma descen-
tralizadora (ELALI, 2005, p. 24). A descentralização, conforme lição
de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, é uma fórmula de limitação
do poder, geradora de freios e contrapesos propícios à liberdade, à
medida que diminui a probabilidade de opressão, dividindo o poder
por muitos e diferentes órgãos (2012, P.79).
A Constituição atual buscou fortalecer o espírito do fe-
deralismo, especialmente do federalismo fiscal, promovendo a
descentralização tanto no campo da competência tributária, quanto
na distribuição das receitas auferidas, ou seja, nas transferências
intergovernamentais, de modo a propiciar a autonomia financeira
aos entes federados, mesmo porque esta garante a sobrevivência da
própria federação (CONTI, 2001). Como sentencia Souto Maior
Borges quem dá o fim (a autonomia política e administrativa), dá o
meio (a autonomia financeira) (2004, p. 21).
Súmula 167, STJ. O fornecimento de concreto, por empreitada, para construção civil, prepa-
rado no trajeto até a obra em betoneiras acopladas a caminhões, é prestação de serviço, su-
jeitando-se apenas à incidência do ISS; 5. Súmula 432, STJ. As empresas de construção civil
não estão obrigadas a pagar ICMS sobre mercadorias adquiridas como insumos em operações
interestaduais.”; 7. Sobre o ISS, o STF editou, em 04.02.2010, a Súmula Vinculante n. 31. É
inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre
operações de locação de bens imóveis.
4 EMENTA. Tributário. ISS. ICMS. Farmácias de manipulação. Fornecimento de medicamen-
tos manipulados. Hipótese de incidência. Repercussão geral. 1. Os fatos geradores do ISS e do
ICMS nas operações mistas de manipulação e fornecimento de medicamentos por farmácias
de manipulação dão margem a inúmeros conflitos por sobreposição de âmbitos de incidência.
Trata-se, portanto, de matéria de grande densidade constitucional. 2. Repercussão geral reco-
nhecida. (RE 605552 RG/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe-090 publicado em 16.05.2011).
LEONARDO BUISSA - GABRIEL BUISSA 375
7. CONCLUSÃO
A descentralização é ínsita ao federalismo, sendo que no fede-
ralismo fiscal ela deve proporcionar aos entes federados a capacidade
de possuírem fontes de recursos independentes e obrigatórias. Nesta
perspectiva, vislumbra-se na partilha da competência tributária um
relevante aspecto do federalismo fiscal preconizado pela Constituição
de 1988, a garantir ao ente político o montante de ingressos necessá-
rio à manutenção da autonomia preconizada pelo sistema federativo.
Nos impostos sobre o consumo, a repartição de competências
tributárias, levando em consideração distintas materialidades, teria
como vantagens assegurar a autonomia dos entes periféricos e evitar
os conflitos de competência. Entretanto, constata-se que nenhum
dos dois objetivos traçados pela Constituição de 1988 foi alcançado.
Como visto, há uma multiplicação de conflitos decorrentes da
alocação da tributação sobre o consumo, ontologicamente nacional,
na esfera de competência dos entes subnacionais. Ao desrespeitarem
LEONARDO BUISSA - GABRIEL BUISSA 389
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Latin, 2009.
A BASE DE CÁLCULO DO ISS E OS DESCONTOS
INCONDICIONADOS
Paulo Ayres Barreto1
1. INTRODUÇÃO
A chamada tributação indireta, ou tributação sobre o consu-
mo, vem sendo objeto de importante uniformização, notadamente
na União Europeia. Com efeito, o mandamento de padronização da
tributação sobre o consumo já constara da redação original do art. 99
do Tratado de Roma, que criou a Comunidade Europeia, em 19572.
Atualmente, vige no bloco um Imposto sobre Valor Agregado (IVA),
cuja base de cálculo e elementos fundamentais são uniformizados por
meio de normas comuns, editadas por órgãos da União Europeia.
Como leciona Heleno Taveira Torres, a uniformização do
IVA, na Europa, tem por fundamentos: a neutralidade tributária; a
transparência no tráfego internacional de bens e serviços; a garantia
de livre-concorrência; a liberdade de circulação de bens, capitais e
serviços; a racionalização das estruturas de produção, circulação e
consumo; o controle fiscalizatório; e a necessidade de formação do
orçamento comum da União Europeia (2005, p. 48).
No Brasil, em contraste, verifica-se uma pluralidade de
4 A dicotomia entre contribuinte de direito (aquele que figura no polo passivo da obrigação
tributária e efetivamente recolhe o tributo) e contribuinte de fato (aquele a quem o ônus eco-
nômico do tributo é repassado por meio do preço) é muito criticada em sede doutrinária, sendo
corrente a afirmação de que o último não seria conceito jurídico. Não obstante, em pelo menos
um dispositivo, o direito tributário positivo brasleiro positivou essa diferenciação, ao tratar da
repetição de tributos indiretos, no art. 166 do CTN: “Art. 166. A restituição de tributos que
comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será fei-
ta a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro,
estar por este expressamente autorizado a recebê-la.”.
PAULO AYRES BARRETO 399
impostos sobre consumo, que acabam por gravar com maior in-
tensidade a população com renda global menor. Conforme estudos
desenvolvidos nos anos de 2002 e 2003, as famílias cuja renda não
ultrapassava dois salários mínimos tinham 45,8% de sua renda gra-
vada por tributos indiretos, enquanto que as famílias que ganhavam
mais de trinta salários mínimos eram gravadas em apenas 16,4% por
esse tipo de tributo (ZOCKUN, 2005, p. 11-13).
Tais limitações da capacidade contributiva em relação aos tri-
butos indiretos, mormente quando considerado o contribuinte de
fato, contudo, não podem servir como fundamento para esvaziar o
conteúdo desse princípio constitucional no que tange a essas exa-
ções. Com efeito, a Regra-Matriz do IPI, do ICMS e do ISS, deve
ser construída pelo legislador infraconstitucional e pelos aplicadores,
de forma a privilegiar um fato-signo presuntivo de riqueza do con-
tribuinte de direito (diretamente afetado pela exação), mormente
quanto à eleição da base de cálculo.
Nessa linha, a única base de cálculo possível em relação aos
três suprarreferidos impostos consistirá na receita do contribuinte
de direito relacionada às materialidades de industrializar produto,
realizar operações de circulação de mercadorias e prestar serviços. Ri-
gorosamente, a obtenção de receita, por si só, não consubstancia fato
suficiente para presumir capacidade contributiva. O mesmo índice
(receita bruta) poderá indicar realidades radicalmente distintas em
relação à efetiva capacidade de contribuir com o custeio do Estado.
Haverá empresas com receitas significativas e baixa margem de lucro,
bem como empresas com receita reduzida e alta lucratividade. Nesses
casos, a receita auferida pela empresa não configurará índice de sua
capacidade contributiva (BARRETO, P. A., 2011, p. 544).
Em que pesem essas imperfeições e consideradas as limitações
da tributação sobre o consumo, a receita relacionada à atividade que
compõe a materialidade dos impostos sobre consumo consubstancia
o melhor índice de capacidade contributiva para compor sua base
de cálculo. Por esse motivo, convergem as bases de cálculo do IPI
400 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
(CTN, art. 47), do ICMS (LC 87/96, art. 13) e do ISS (LC 116/03,
art. 7º) em torno do conceito de receita relacionada à atividade que
compõe seu critério material, referida por termos como preço ou
valor da operação.
normas sobre o ISS (CF/88, art. 146, III), não prescreveu qualquer
limitação em referência a descontos condicionados ou incondicio-
nados, mas somente determinou que a base de cálculo do tributo
é o preço do serviço (art. 7º). Conforme se procurou demonstrar,
esse dispositivo, interpretado em conformidade com a Constituição
Federal, conduz à inafastável conclusão de que somente a receita
decorrente da atividade de prestação de serviços pode compor a base
de cálculo do tributo.
Sendo assim, a base de cálculo do ISS somente poderá ser
formada por ingressos efetivos e definitivos no patrimônio do
contribuinte, decorrentes da atividade de prestação de serviço. Se
um desconto diminui o valor que vem a ser efetivamente recebido
pelo contribuinte do ISS (ingresso efetivo e definitivo), então esse
montante deve ser excluído da base de cálculo do tributo. Em face
da absoluta ausência de prescrição constitucional ou mesmo de lei
complementar que autorize que o ISS incida sobre valores que não
consubstanciam receita da prestação de serviços, como os descontos,
estes não poderão, de maneira alguma, compor a base de cálculo do
imposto. Como ensina Aires F. Barreto, “desconto concedido implica
automaticamente diminuição da receita. Consequentemente, não se pode
cobrar ISS, onde não houver receita” (2009, p. 389).
Nesse passo, o Superior Tribunal de Justiça, em pelo menos
uma oportunidade, reconheceu que “os descontos incondicionados con-
cedidos em nota fiscal não integram a base de cálculo do ISS” (RESP
200702934489, Min. Denise Arruda, 1ª T., DJE 09/12/2009).
Percebe-se que a decisão do tribunal, seguindo a linha dos julgados
sobre o IPI e sobre o ICMS, restringiu a exclusão aos “descontos
incondicionados”. A mesma circunstância se mostra presente na
legislação do Município de São Paulo (Lei nº 13.701/03, art. 14),
que prescreve que “a base de cálculo do imposto é o preço do serviço,
como tal considerada a receita bruta a ele correspondente, sem nenhuma
dedução, excetuados os descontos ou abatimentos concedidos independen-
temente de qualquer condição”.
PAULO AYRES BARRETO 407
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como se buscou demonstrar, os três impostos que compõem o
IVA brasileiro (IPI, ICMS e ISS) apresentam uma significativa con-
vergência em sua base de cálculo, que somente poderá ser composta
pela receita decorrente das atividades que compõem o critério mate-
rial da Regra-Matriz de Incidência destes tributos. Essa conclusão é
alcançada por meio da conjugação dos dispositivos constitucionais
que prescrevem competência para instituição desses impostos com o
princípio da capacidade contributiva (CF/88, art. 145, § 1º).
A receita apta a compor a base de cálculo do ISS, a exemplo do
que ocorre na incidência das contribuições sobre a receita, pressupõe
efetivo e definitivo ingresso no patrimônio do titular. Ademais, a
causa do ingresso deve estar relacionada à contraprestação do fato da
prestação de serviços.
410 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
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412 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
1. INTRODUÇÃO
Comemoram-se neste ano de 2018 os 30 anos da promulgação
da Constituição Federal e também, em matéria de imposto de renda,
as 3 décadas da Lei nº 7.713/1988, que foi um subproduto direto da
Constituição e promoveu uma monumental reforma tributária no
Brasil. A reforma Reagan de 1986 ecoou em nosso País e influenciou
diretamente as iniciativas para um redesenho da tributação das pessoas
físicas, mediante a substituição do sistema cedular pela tributação
abrangente, com rebaixamento das alíquotas progressivas e aumento
da base de cálculo. Outras medidas produzidas ao longo da década
de 90 viriam a lançar os delineamentos gerais do IRPJ, CSLL e IRPF
que vigoraram nos últimos 30 anos.
A Lei nº 7.713/1988, tendo sido elaborada ao mesmo tempo em
que a Constituição Federal de 1988 saía do forno, cuidou de imple-
mentar as diretrizes que viriam a ser esculpidas no Texto Maior acerca
da universalidade, generalidade e progressividade da tributação.1
Muitos acontecimentos dos tempos recentes sinalizam que
uma nova reforma tributária do imposto de renda deve ser im-
plementada no Brasil nos próximos 2-3 anos, voltada a reduzir a
2 Muitas vezes ao longo deste trabalho a sigla IRPJ é utilizada de maneira geral, como sinônimo
de tributação incidente sobre a renda da pessoa jurídica (e deve, nesses casos, ser lida como
abrangendo também a CSLL para fins de comparação com o sistema brasileiro).
3 Para uma visão geral das alíquotas ao redor do globo, vide material preparado pela KPMG.
Disponível em: https://home.kpmg.com/xx/en/home/services/tax/tax-tools-and-resources/ta-
x-rates-online/corporate-tax-rates-table.html. Acesso em 16 abr. 2018.
VICTOR POLIZELLI 415
4 No sentido técnico, a palavra “dividendos” se refere aos lucros distribuídos por sociedades
anônimas e a palavra lucros se refere aos lucros distribuídos por outras formas societárias
de organização de empresarial. Não obstante isso e para fins de simplificação, adotam-se no
presente estudo ambas as palavras indistintamente como se sinônimas fossem.
Também a palavra “acionista” é utilizada de maneira mais ampla neste estudo, como sinônimo
de “sócio” e aplicável a qualquer forma de sociedade.
5 Ele destacava que, diferentemente das sete Constituições anteriores, a Carta de 1988 privile-
gia o homem. Ela “começa com o homem”, e “foi escrita para o homem”, que é “seu fim e sua
esperança”. Este homem é especialmente o homem “sem salário, analfabeto, sem saúde, sem
casa, portanto, sem cidadania” (LIMA, 2013, p. viii).
6 Emendas Constitucionais posteriores lograram ampliar as situações nas quais a progressivida-
de do IPTU pode ser instituída, prevendo-a também para o ITR.
416 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
7 Conforme alerta Fernando Zilveti, a progressividade não pode servir apenas ao intuito arre-
cadatório. Sua vocação à efetivação de justiça distributiva somente se aperfeiçoa se acom-
panhada de uma alocação do gasto público que seja coerente e beneficie as classes menos
favorecidas (2004, p. 181-187).
8 Não foi ideia do Anteprojeto Constitucional (BRASIL, 1986), que não continha previsão si-
milar ao atual art. 153, §2º, inciso I da Constituição Federal de 1988. A proposta para inclusão
de mandamento constitucional que congregasse os princípios da generalidade, universalidade
e progressividade foi desenhada com a apresentação do Projeto Substitutivo 1 (LIMA, 2013)
e assim mantida durante as discussões e até a promulgação da carta final.
9 Limitação aos empréstimos compulsórios, ampliação do alcance dos princípios da legalidade
e anterioridade para as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, redução
de privilégios processuais da Fazenda em comparação com direitos do contribuinte.
VICTOR POLIZELLI 417
21 Decreto-Lei nº 1.790/1980, art. 1º. De 1984 em diante, as alíquotas passaram a ser de 25% e
23%, cf. Decreto-Lei nº 2.065/1983, art. 1º, inciso I.
22 Lei nº 8.383/1991, art. 75.
23 Lei nº 8.849/1994, art. 2º. Vide também ADN Cosit nº 49/1994, que esclarece que as modifi-
cações legislativas sobre tributação de lucros devem ser guiadas pelo período de formação dos
lucros, não importando a data de sua distribuição aos acionistas.
24 Vide maiores detalhes no Parecer Normativo Cosit nº 12/1992. É importante notar também
que se instituiu por um período a cobrança de um imposto suplementar progressivo sobre as
distribuições de lucros ao exterior que excedessem 12% do capital aplicado, conforme art. 43
da Lei nº 4.131/1962.
25 Que veio a se tornar a Lei nº 9.249/1995.
26 Item 12 da referida Exposição de Motivos.
VICTOR POLIZELLI 421
27 Vide trecho extraído “Essas mudanças resultarão em expressiva redução de imposto para as
empresas que cumprem regularmente suas obrigações fiscais (pela legislação vigente as em-
presas chegam a ter seus lucros tributados à taxa de 50%). Simulações indicam que empresas
com faturamento anual na casa dos 10 milhões de reais poderão ter sua carga tributária redu-
zida quase à metade.” Relatório das discussões em torno do Projeto de Lei 913-A/1995. Diário
da Câmara dos Deputados, 10/11/1995, p. 5077.
28 Conforme já apontado, um exemplo notório desta influência se viu no tempo da reforma
Reagan, promovida em 1986 nos EUA, cujos conceitos influenciaram uma grande reforma do
imposto de renda promovida em 1988 pela Lei nº 7.713 (SILVA et al., 2015, p. 11).
29 Este método envolve a tributação de dividendos pelo IRPF com crédito, total ou parcial, do
IRPJ pago pela sociedade.
422 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
42 Mesmo que as regras contábeis atuais exijam a criação de reserva de incentivos fiscais, eram
poucos, até pouco tempo atrás, os incentivos fiscais que expressamente vedam a distribuição
de tais valores aos sócios. Este cenário se modificou substancialmente após a edição da Lei
Complementar nº 160/2017 e o tratamento por ela dado aos incentivos fiscais estaduais.
43 Mas o país de residência dos sócios pode decidir isentar também os dividendos nesta situa-
ção como forma de eliminar a dupla tributação econômica de sócios e sociedade (COOPER;
GORDON, 1998, p. 852-854).
44 Há uma segunda modalidade de integração total, que consiste na atribuição plena de créditos
do imposto pago pela sociedade contra a apuração de imposto pelos sócios. Este tema, porém,
será abordado adiante, no item 3.2.1.
VICTOR POLIZELLI 427
tributação de dividendos.
Ao deixar uma parte da tributação para o momento da distri-
buição de dividendos, este método tem a desvantagem de estimular
a retenção de lucros nas empresas. Ele também tem o potencial de
beneficiar investidores isentos e investidores estrangeiros, especial-
mente se a tributação das sociedades tiver suas alíquotas reduzidas.
Para investidores estrangeiros, a instituição de IR-Fonte é recomen-
dável para anular esta vantagem (mas pode haver restrições para tanto
em razão de acordos de dupla tributação). No mais, o sistema clássico
anula os efeitos da concessão de incentivos fiscais, porque pressupõe a
tributação do sócio sobre lucros que tenham sido isentados no nível
da sociedade (COOPER; GORDON, 1998, p. 845-848).
Por sua vez, o método de alíquotas distintas impõe alíquota
mais baixa de IRPJ para lucros distribuídos combinada com tribu-
tação progressiva no IRPF a ser pago pelos sócios. Os lucros retidos
submetem-se à tributação normal do IRPJ (assumindo-se que este
seja menor que a alíquota marginal do IRPF). Configurado desta ma-
neira, este método também pode ser acusado de favorecer a retenção
de lucros50. Normalmente este método aparece em conjunto com
técnicas de imputação, que serão comentadas adiante.
O método de dedução de dividendos pagos também opera
no nível da sociedade, impondo uma carga tributária distinta con-
forme sejam os lucros retidos ou distribuídos. Isso é implementado
mediante a concessão de dedução para a empresa com relação a
dividendos pagos, seguida de tributação no nível dos sócios. Este
método apresenta os mesmos efeitos discutidos acima para os outros
2 métodos aqui comentados.
Enfim, no método de imputação, os sócios submeteriam seus
dividendos à tributação normal e teriam direito a um crédito relativo
50 Mas os fatores também podem se inverter. Conforme comentam COOPER e GORDON, este
sistema era, no momento da análise, utilizado pela França e pela Alemanha de maneiras in-
vertidas. A Alemanha impunha uma tributação menor sobre lucros distribuídos, ao passo que
a França impunha uma tributação menor sobre os lucros retidos (1998, p. 851, NR 128).
430 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
ao IRPJ pago pela sociedade (na proporção dos lucros recebidos por
cada um) (TILBERY, 1985, p. 44)51. Tomando-se como exem-
plo as alíquotas atualmente vigentes, tem-se que o acionista pessoa
física calculará o IRPF por ele devido segundo a tabela de alíquotas
progressivas e pode se ver diante de duas situações: ou apurará um
valor maior de IRPF a pagar do que o valor do crédito recebido52,
ou apurará um valor menor de IRPF a pagar, que seria totalmente
compensado com o crédito de IRPJ–situação na qual caberia ques-
tionar se este montante de crédito excedente poderia ser utilizado
contra outros rendimentos tributáveis, restituído ou carregado para
compensação em anos futuros.
Num cenário de tributação de dividendos, caberá avaliar se
este estímulo à retenção de lucros seria um problema. A legislação
societária brasileira, particularmente no caso de sociedades por ações,
estabeleceu diversos mecanismos para evitar a retenção de lucros, mas
igual prescrição não há para outras formas societárias, donde é lícito
concluir que a retenção de lucros não deve ser um problema a ser
atacado com mecanismos tributários53.
A potencialização de benefícios de investidores isentos (e.g.
fundos de investimento) não deve ser questão preocupante, pois se
confunde com a própria justificativa na concessão de imunidades e
isenções de caráter subjetivo. A seu turno, o repasse de incentivos fiscais
é questão que merece análise cuidadosa. Caso a tributação de dividen-
dos na pessoa dos sócios leve em conta os impostos efetivamente pagos
pela sociedade, em vez de um valor nocional de imposto, a concessão
de incentivos à sociedade será anulada pela tributação incidente nos
sócios. Esta medida pode ser coerente com os objetivos dos incentivos
51 Este modelo, por certo, somente faz sentido se a alíquota do imposto de renda devido pelo
acionista pessoa física for estipulada em nível superior ao devido pela pessoa jurídica.
52 O IRPF a pagar pode superar o crédito de IRPJ, por exemplo, no caso de lucros pagos por
pessoa jurídica que apura IRPJ no lucro presumido e cujo lucro não excedeu o montante de
R$ 60.000,00 no trimestre.
53 Até mesmo porque a maneira de corrigir esta distorção consiste no estabelecimento de tributa-
ção dos sócios em regime de competência ou por valoração a mercado de suas participações,
metodologias estas que devem enfrentar forte resistência.
VICTOR POLIZELLI 431
compensar tal IR-Fonte com o IR-Fonte por elas devido nas distri-
buições que faziam59.
Os lucros e dividendos que já tivessem sido tributados nas
sociedades que os distribuíram não se submetiam novamente à tribu-
tação60 e havia uma obrigação de controle separado das distribuições
de dividendos a fim de identificar quais lucros eram repassados (já
tributados) e quais se referiam a lucros próprios61.
Cabe ponderar, porém, se esta isenção deveria ser aplicada
apenas a investimentos de caráter duradouro. Henry Tilbery62 co-
menta particularidades do sistema belga, que concedia isenção aos
dividendos recebidos por pessoa jurídica e decorrentes de participação
societária que havia sido detida durante todo o ano-base. Em contras-
te, participações de caráter não permanente eram tratadas como se o
acionista fosse pessoa física.
Pelo menos uma hipótese foi endereçada pela legislação brasi-
leira atual, qual seja, a distribuição de dividendos para uma pessoa
jurídica que houver adquirido participação societária pequena. De
fato, o comando retratado no art. 380 do atual Regulamento do
Imposto de Renda determina que os dividendos recebidos de par-
ticipação societária avaliada por custo de aquisição63, adquirida até
6 meses antes da data da respectiva percepção, serão registrados
como redução do custo de aquisição. Atualmente, esta regra apa-
renta possuir um caráter antielisivo voltado a desestimular a compra
fictícia (e talvez até a detenção momentânea) de participação socie-
tária por uma pessoa jurídica apenas se beneficiar do recebimento
de lucros isentos64.
59 Decreto-Lei nº 1.790/1980, art. 2º. Este regime é em tudo similar ao que existe atualmente no
Brasil em matéria de JCP.
60 Decreto-Lei nº 5.844/1943, art. 43, §2º (atual art. 379, §1º do RIR/99).
61 Lei nº 3.470/1958, art. 70 (atual art. 379, §1º do RIR/99).
62 1985, p. 68.
63 Ou seja, de investimento que não seja em empresa coligada ou controlada.
64 A regra, porém, não manda tributar esses dividendos espúrios. Ela simplesmente determina
que se reduza o custo de aquisição da mesma participação, o que implica uma potencial tribu-
tação futura em razão da perda de base fiscal numa eventual venda desta mesma participação.
434 DIREITO E FINANÇAS PÚBLICAS NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO
65 A alteração feita nos comentários busca enfatizar que a redação anterior deveria ser suficiente
para estabelecer que a residência pode ser critério de discriminação e destaca que os países-
-membros sempre aplicaram uma interpretação consistente (OECD, 2015d, C(24)-3, item 7).
66 Ou seja, podem ser lidos como um bloqueio à discriminação baseada na residência.
67 Lei nº 8.383/1991, art. 75.
VICTOR POLIZELLI 435
5. CONCLUSÕES
Depois de longo tempo em que prevaleceu um sistema con-
centrado na pessoa jurídica, pode chegar o momento de promover
mudanças para impor a tributação de lucros em dois níveis, na socie-
dade e nos sócios. Após 30 anos de existência, a Constituição Federal
pode ver implementados os princípios de generalidade, universalidade
e progressividade do imposto de renda.
Reinstituir a tributação de dividendos no Brasil é tarefa a ser
implementada com cautela, cuidando-se de alinhar diversos outros
pontos da legislação tributária a fim de manter coerência. Deve-se
avaliar a neutralidade com relação às distribuições de lucros, o trata-
mento de incentivos fiscais concedidos às empresas, aos investidores
isentos e aos investidores estrangeiros, bem como a tributação de
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blishing, Paris, 2015b. Disponível em: http://www.oecd.org/officialdocuments/ publi-
VICTOR POLIZELLI 439
Diretoria da OAB/GO
Lúcio Flávio Siqueira de Paiva - Presidente
Thales José Jayme - Vice-Presidente
Jacó Carlos Silva Coelho - Secretário-Geral
Delzira Santos Menezes - Secretária-Geral Adjunta
Roberto Serra da Silva Maia – Tesoureiro
Diretoria da CASAG
Rodolfo Otávio Pereira da Mota Oliveira – Presidente
Marcelo Di Rezende Bernardes - Vice-Presidente
Ana Lúcia Amorim Boaventura - Secretária-Geral
Estênio Primo de Souza - Secretário-Geral Adjunto
Carlos Eduardo Ramos Jubé - Direto Tesoureiro
Cácia Rosa de Paiva - Diretora-Adjunta
Helvécio Costa de Oliveira - Diretor-Adjunto
Osório Evandro de Oliveira Silva - Diretor-Adjunto
Tênio do Prado - Diretor-Adjunto
Thiago Mathias Cruvinel - Diretor-Adjunto
Conselho Seccional da OAB/GO