Transectos Lineares

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE VETERINRIA
COMISSO DE ESTGIOS

O USO DE TRANSECTOS LINEARES PARA O MONITORAMENTO


DA MASTOFAUNA ARBORCOLA NA RESERVA DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL MAMIRAU - AMAZONAS BRASIL

FERNANDA LOPES ROOS

Porto Alegre
2010/1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL


FACULDADE DE VETERINRIA
COMISSO DE ESTGIOS

O USO DE TRANSECTOS LINEARES PARA O MONITORAMENTO


DA MASTOFAUNA ARBORCOLA NA RESERVA DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL MAMIRAU - AMAZONAS BRASIL

Autora: Fernanda Lopes Roos


Trabalho de Concluso de Curso de Graduao
apresentado Faculdade de Veterinria da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

como parte dos requisitos para a concluso da


graduao em Medicina Veterinria.

Orientador: Andr Silva Carissimi

PORTO ALEGRE
2010/1

R781o Roos, Fernanda Lopes


O uso de transectos lineares para o monitoramento da mastofauna
arborcola na Reserva de Desenvolvimento Sustentvel Mamirau
Amazonas - Brasil. / Fernanda Lopes Roos. Porto Alegre: UFRGS, 2010.
53 f.; il. Trabalho de Concluso de Curso (Graduao) Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Veterinria, Porto Alegre, RSBR, 2010. Andr Silva Carssimi, Orient.
1. Fauna: mamferos: Amazonas 2. Ecologia 3. Diversidade animal
4. Distribuio geogrfica: animais I. Carssimi, Andr Silva, Orient.
II. Ttulo

CDD 619.4
Catalogao na fonte: Biblioteca da Faculdade de Veterinria da UFRGS

AGRADECIMENTOS

Muitas foram as pessoas com as quais convivi e com as quais aprendi muitas coisas.
estas pessoas, dedico meus agradecimentos.
Ao Professor Andr Silva Carissimi, pela orientao, apoio e observaes durante a

realizao deste trabalho.

Juliane Nunes Hallal Cabral, pela amizade e pelo incentivo e indicao para a

realizao do estgio curricular no Instituto de Desenvolvimento Sustentvel Mamirau


(IDSM). Ao IDSM, pela oportunidade de estgio.
Aos meus colegas do Grupo de Ecologia de Vertebrados Terrestres (Ecovert) do
IDSM: Nayara, Michele, Cissa, Joana e Hani. Joo Valsecchi, pelas observaes,
comentrios e apoio. Fernanda Pozzan Paim, pela orientao e, principalmente, pela
amizade e pelo apoio durante minha residncia em Tef.
Aos meus companheiros de campo, Dalvino Alves e Jairo Neves da Silva, pelo auxlio
fundamental para a realizao do trabalho nas trilhas da Reserva Mamirau. Agradeo pelas
vrias trocas de idias e saberes. Sem eles, o trabalho no seria possvel.

s amigas que dividiram a casa comigo em Tef: Fernanda Paim, Cissa, Mari e Gab.

Agradeo a pacincia e a companhia agradvel. A todos os outros amigos que fiz no


Amazonas, obrigada pelos bons momentos que passamos juntos.
Aos meus amigos do Programa Macacos Urbanos da UFRGS, pelo aprendizado e pelo
apoio durante nossos trs anos de convivncia.

A todos os meus amigos, pelo constante incentivo, pelas interminveis discusses

sobre a vida e pelo carinho com o qual sempre me receberam.


minha me Rosngela, ao meu pai Mario e minha irm Bruna, por todo o carinho
e incentivo durante toda minha vida.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pelas oportunidades geradas durante
minha graduao.

Se, na verdade, no estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para

transform-lo; se no possvel mud-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo


usar toda possibilidade que tenha para no apenas falar de minha utopia, mas para
participar de prticas com ela coerentes.
Paulo Freire

A cada mil pessoas que permanecem em silncio, cem gritam, mas somente uma busca
ativamente uma soluo.

Charles de Gaulle

RESUMO
O Brasil apresenta a maior diversidade de mamferos entre os pases ocidentais e a

maior parte desta parcela est localizada na Amaznia. Levantamentos sobre diversidade,

abundncia e densidade da mastofauna brasileira so escassos e incompletos. A deficincia

neste conhecimento dificulta aes conservacionistas e de manejo de fauna. A Amaznia mais

setentrional, regio geogrfica onde esto inseridas as Reservas de Desenvolvimento


Sustentvel Aman e Mamirau, uma das reas ainda pouco estudadas. No existe uma

compilao completa sobre densidade, riqueza e distribuio geogrfica dos mamferos que
ocorrem nesta regio, mas estima-se que haja grande diversidade de espcies, com alguns

endemismos e espcies ainda no descritas. O mtodo de transectos lineares (line transects)


est entre os mais utilizados na estimativa de densidade de populaes, principalmente na

regio amaznica, na Amrica Central e na Mata Atlntica. Este o modelo que est sendo
seguido para a obteno de dados sobre densidade e abundncia de mamferos arborcolas em
diferentes hbitats da reserva Mamirau. Alm dos dados de densidade e abundncia, este

levantamento sistemtico, ainda com dados preliminares, objetiva complementar os estudos

sobre ecologia, diversidade e distribuio geogrfica da mastofauna local, de forma a gerar


subsdios para a reviso do plano de manejo desta Unidade de Conservao.

Palavras chave: transectos lineares, mamferos arborcolas, manejo de fauna, sustentabilidade,


Amaznia.

ABSTRACT
Brazil has the greatest diversity of mammals between Western countries and most of

this parcel is located in the Amazon. Surveys about diversity, abundance and density of
Brazilian mammals are scarce and incomplete. This poor knowledge hinders conservation
actions and management of wildlife. The most northern Amazonia, geographic region where

are inserted the Sustainable Development Reserves Aman and Mamirau is one of the areas
still poorly studied. There isnt a complete compilation of density, richness and geographic

distribution of mammals that occur in this region, but it is estimated that there is great

diversity of species, some endemic and undescribed species. The method of line transects is
among the most widely used in estimating the density of populations, especially in the Amazon
region, Central America and the Atlantic Forest. This is the model being followed to obtain
data about density and abundance of arboreal mammals in different habitats of the reserve

Mamirau. Besides the data density and abundance, this systematic survey, even to
preliminary data, the objective is to complement studies on ecology, diversity and
geographical distribution of the local mammals, so as to generate input for the revision of the
management plan this Unit of Conservation.

Keywords: line transects, arboreal mammals, fauna management, sustainability, Amazonia.

LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1

Localizao do Parque Nacional do Ja e sua localizao em relao s


Reservas Aman e Mamirau...................................................................... 21

Figura 2

Localizao das reas focal e subsidiria da RDSM................................... 22

Figura 3

Esquema de uma seco longitudinal da vrzea no setor Mamirau da


RDSM.......................................................................................................... 23

Figura 4

Mapa de distribuio dos assentamentos (setores) da rea focal da


RDSM.......................................................................................................... 26

Figura 5

Localizao das trilhas monitoradas nos setores Mamirau e Jarau na


RDSM.......................................................................................................... 28

Figura 6

Distribuio geogrfica do gnero Cacajao baseada em coletas de


informaes e avistagens. A espcie Cacajao calvus calvus aparece em
preto............................................................................................................. 31

Figura 7

Registros de ocorrncia das espcies de Cebus. A regio circulada


corresponde rea de distribuio da espcie C macrocephalus................ 32

Figura 8

Saimiri vanzolinii na RDSM........................................................................ 33

Figura 9

Sciurus igniventris na RDSM...................................................................... 34

Figura 10

Representatividade de avistamentos de mamferos..................................... 37

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Espcies monitoradas nas trilhas dos setores Jarau e Mamirau da


RDSM............................................................................................................ 29
Tabela 2 Nmero de dias trabalhados nas diferentes trilhas em cada
ms................................................................................................................. 35
Tabela 3 Descrio das trilhas percorridas na RDSM e esforo amostral
empregado...................................................................................................... 36
Tabela 4 Nmero de avistamentos por grupo de animais nos setores Mamirau e
Jarau............................................................................................................. 36
Tabela 5 Abundncia (avistamentos/10 km), por trilha e por setor, das espcies
monitoradas no Mamirau e no Jarau.......................................................... 37

LISTA DE ABREVIAES, SIGLAS, SMBOLOS E UNIDADES


CITES
ECOVERT

h
ICMBIO
IDSM
IUCN
km
km2
MCT
n
%
RDS
RDSs
RDSA
RDSM
S
SCM
SDS
SNUC
UNESCO
W

Convention for International Trade of Endangered


Species
Ecologia de Vertebrados Terrestres
Grau
Hora
Instituto Chico Mendes
Instituto de Desenvolvimento Sustentvel Mamirau
International Union for the Conservation of Nature
Quilmetros
Quilmetros quadrados
Ministrio da Cincia e Tecnologia
Nmero
Percentual
Reserva de Desenvolvimento Sustentvel
Reservas de Desenvolvimento Sustentvel
Reserva de Desenvolvimento Sustentvel Aman
Reserva de Desenvolvimento Sustentvel Mamirau
South
Sociedade Civil Mamirau
Secretaria de Desenvolvimento Sustentvel
Sistema Nacional de Unidades de Conservao
United Nations Educational, Scientific and Cultural
Organization
West

SUMRIO

1
2
2.1
2.1.1

INTRODUO............................................................................................

12

MAMFEROS..............................................................................................

14

LEVANTAMENTO

QUALITATIVO

QUANTITATIVO

DE

O Mtodo de Transectos Lineares..............................................................


Estabelecendo os transectos na rea de estudo..............................................

2.1.1.1

Preparao dos transectos..............................................................................

2.1.2

Coleta de dados..............................................................................................

2.1.3

Esforo amostral............................................................................................

2.1.4
3

3.1

Anlise de dados............................................................................................
ESTUDO DE CASO....................................................................................
Stios de Monitoramento Atravs de Transectos Lineares......................

3.1.1

A Reserva de Desenvolvimento Sustentvel Mamirau................................

3.1.1.1

A vrzea.........................................................................................................

3.1.1.2

Histrico de ocupao humana na RDSM.....................................................

3.1.1.3

A fauna da RDSM.........................................................................................

3.1.2

reas de monitoramento atual.......................................................................

3.1.3
3.1.3.1
3.1.3.2
3.1.3.3
3.1.3.4
3.1.3.5
3.1.3.6
4
5

5.1
5.2
6

As espcies de mamferos monitoradas na RDSM........................................


Alouatta senicula...........................................................................................
Cacajao calvus calvus...................................................................................

Cebus macrocephalus....................................................................................

Saimiri vanzolinii...........................................................................................

Nasua nasua...................................................................................................
Sciurus igniventris.........................................................................................

RESULTADOS PRELIMINARES............................................................
DISCUSSES..............................................................................................

Sobre os Resultados Preliminares..............................................................

Sobre o Monitoramento e o Uso Sustentvel da Fauna............................


CONCLUSES............................................................................................

REFERNCIAS................................................................................................................

14
16
16
17
17
18
20
20
20
22
23
26
27
28
30
30
31
32
33
33
35
39
39
41
44
45

12

1 INTRODUO
Os mamferos constituem um dos grupos que mais geram pesquisas em termos de

diversidade biolgica e os resultados destas pesquisas tm sido utilizados como subsdio para
aes relacionadas a estratgias de conservao.

As atividades humanas relacionadas ao crescimento econmico, como o aumento de

reas cultivadas e urbanas, a poluio das guas e do ar, constituem as maiores ameaas aos
mamferos terrestres no Brasil. Alm disso, mamferos terrestres de grande e mdio porte

ainda sofrem a presso de caa, a despeito desta atividade ser considerada ilegal no pas (Lei
N 5.197/67).

A fauna de mamferos da Amrica do Sul pode ser considerada a menos estudada do

mundo (SANTOS, 1998) e, entre os pases ocidentais, o Brasil o maior representante da


diversidade de mamferos, sendo que a maior parcela desta diversidade encontra-se na

Amaznia (FONSECA, et al., 1999; VOSS; EMMONS, 1996). Existem diversas iniciativas
de organizaes governamentais e no-governamentais para a conservao da mastofauna.

Entretanto, poucas localidades foram adequadamente amostradas e as listas locais de espcies


so geralmente incompletas (COSTA, et al., 2005).
O pouco conhecimento sobre o tema dificulta ainda mais iniciativas conservacionistas
e de manejo de fauna. Para a implementao de um plano de manejo adequado necessrio o
conhecimento efetivo da fauna e o monitoramento constante da utilizao dos recursos, bem
como sua sustentabilidade.
A avaliao das condies populacionais da fauna localizada em reas que sofrem

interferncia antrpica fundamental para assegurar a conservao efetiva dentro ou fora de


Unidades de Conservao. Diversos estudos em reas florestais fragmentadas na Amaznia, e
mais recentemente na Mata Atlntica, relacionaram abundncia, densidade, ocorrncia e
riqueza das espcies com o tamanho do fragmento florestal, a presso de caa, a estrutura da
vegetao e a qualidade do hbitat (SCHARWZKOPF; RYLANDS, 1989; PERES, 1997a;

CHIARELLO, 1999; CULLEN JR., et al., 2000; HEIDUCK, 2002). A maioria dos registros
de ocorrncias de mamferos na Amaznia brasileira resultante de coletas realizadas em
poucas localidades ao longo dos principais rios e no entorno dos maiores centros urbanos da
regio (GEORGE, et al., 1988; VOOS; EMMONS, 1996; MARQUES-AGUIAR, et al.,

2002). A Amaznia mais setentrional, regio geogrfica onde esto inseridas a Reserva de
Desenvolvimento Sustentvel Mamirau (RDSM) e, principalmente, a Reserva de

Desenvolvimento Sustentvel Aman (RDSA), uma das reas ainda pouco estudadas.

13

Contudo, h expectativa de grande diversidade de espcies de mamferos, com alguns


endemismos e, eventualmente, espcies ainda no descritas nestas reas (VALSECCHI,

2005). No existe uma compilao completa da riqueza e distribuio geogrfica das espcies

de mamferos que ocorrem nesta regio. As tentativas de organizao desse conhecimento so


restritas s listas preliminares da RDSM, elaboradas atravs de diferentes levantamentos.

Pesquisas e inventrios de mamferos requerem a utilizao de diferentes mtodos,

devido grande variao no tamanho corpreo, nos hbitos de vida e nas preferncias de
hbitat. O mtodo de Transectos Lineares (Line Transects) est entre os mais utilizados na
estimativa de densidade de populaes, principalmente na regio amaznica, na Amrica
Central (EISENBERG; THORINGTON, 1973; EISENBERG, et al., 1979; CHARLES-

DOMINIQUE, et al., 1981; GLANZ, 1982; JASON; EMMONS, 1990) e alguns casos na
Mata Atlntica (CULLEN, et al., 2000; CHIARELLO, 1999, 2000; SO BERNARDO;

GALETTI 2004; ARAJO, et al., 2008), seguindo o procedimento padro estabelecido para

estudos de mamferos diurnos de florestas tropicais. Este o modelo que est sendo seguido

para a obteno de dados sobre densidade e abundncia de mamferos arborcolas em

diferentes hbitats da RDSM. Alm dos dados de densidade e abundncia, este levantamento
sistemtico auxilia estudos sobre ecologia, diversidade e distribuio geogrfica da
mastofauna local, de forma a gerar subsdios para o manejo desta Unidade de Conservao.

14

2 LEVANTAMENTO QUALITATIVO E QUANTITATIVO DE MAMFEROS


2.1 O mtodo de Transectos Lineares
O mtodo de Transectos Lineares (BURNHAM, et al., 1980; FOSTER, et al., 1996,

PERES, 1999; BUCKLAND, et al., 2001) est entre os mais utilizados na estimativa de

populaes, sendo empregado com sucesso em espcies vegetais, insetos, anfbios, rpteis,

aves, peixes e mamferos, tanto marinhos quanto terrestres. Em todos os casos, o princpio
o mesmo: o observador conduz o censo ao longo de uma srie de linhas ou trilhas
previamente selecionadas, procurando pelos animais ou pelos grupos de interesse.
Para cada indivduo observado, anota-se a distncia perpendicular entre ele e a trilha.

A deteco do animal fica mais difcil quanto mais distante estiver da linha, resultando em

menos observaes com o aumento da distncia e nem sempre todos os indivduos presentes
so detectados. No entanto, a contagem de todos os indivduos de uma rea quase
impraticvel. Por isso, necessrio selecionar amostras para o monitoramento, delimitando a

rea de abrangncia da vistoria em torno do transecto. Sendo assim, o ponto chave do mtodo
de Transectos Lineares est em encontrar um modelo ou uma funo de deteco. Depois,

utiliza-se esta funo para estimar a proporo de indivduos que no foram detectados
durante o censo e, a partir da, pode-se obter uma estimativa de densidade da populao de
interesse (CULLEN JR.; RUDRAN 2003).
A coleta de dados nos transectos deve ser feita com o auxlio de pessoas conhecedoras

e com experincia sobre a fauna local. Normalmente, assistentes das comunidades locais so
os mais indicados para este trabalho.
A identificao do animal baseada em uma observao clara e direta. Entretanto, em

algumas situaes, a deteco do animal feita indiretamente pelas vocalizaes, quebra de


galhos, movimentos nas folhas das rvores, etc. Vindas de observadores experientes e, uma

vez identificada a espcie, estas observaes indiretas podem ser consideradas, desde que pelo
menos um indivduo seja visualizado e seja anotada corretamente a distncia perpendicular no
local onde observou-se o primeiro indcio da presena deste animal.

Diariamente o levantamento dever ter incio, tanto no perodo da manh quanto no da

tarde, em um horrio padro. A hora de incio das atividades realizadas pela manh depender

da visibilidade, do clima e das condies de acesso s trilhas. O ideal iniciar a partir das
6:30 ou 7:00 horas. No perodo subsequente, o levantamento pode ser iniciado a partir das

13:00 horas. O trmino das atividades nos dois perodos dever ser realizado antes das 12:00

15
horas e antes de anoitecer (em torno das 18 horas), respectivamente (PERES, 1999; ROSSI, et

al., 2010). Paradas breves a cada 50 metros so recomendveis para uma melhor observao
do ambiente e audio dos rudos (CULLEN JR.; RUDRAN 2003).

Os censos devero ser interrompidos caso ocorram falta de luminosidade, chuvas e

ventos fortes. Os barulhos provocados por chuvas e ventos fortes muitas vezes impedem a
deteco de vocalizaes ou algum outro sinal sonoro, podendo levar a observaes diretas e
indiretas equivocadas. Aps um perodo de espera de no mximo 30 minutos, o censo poder

ser retomado caso o vento e a chuva cessem. Se a chuva persistir, aconselha-se encerrar a
sesso de levantamento.

Durante o trabalho de campo, todas as decises devem ser avaliadas sob a teoria do

mtodo DISTANCE, software mais utilizado para a anlise dos dados. Para que os dados
coletados durante os levantamentos feitos em transectos lineares sejam corretamente
analisados atravs do DISTANCE, necessrio seguir quatro premissas, em ordem
decrescente de importncia: (i) todos os animais na trilha devem ser observados; (ii) todos os

animais so detectados em sua posio inicial, antes de qualquer movimento em resposta ao


observador; (iii) as distncias perpendiculares so medidas corretamente e (iv) as deteces

devem ser eventos independentes, isto , um animal ou um grupo de animais no pode ser
observado mais de uma vez durante o mesmo esforo amostral (BUCKLAND et. al 2001).
Constam no programa DISTANCE vrios modelos para as funes de deteco e ajustes

matemticos que sero automaticamente e estatisticamente selecionados para uma boa


estimativa de densidade.
Uma vez observado algum animal ou grupo, marca-se o horrio e a posio exata da

deteco, caminhando na trilha at a posio perpendicular em relao observao, de modo


a formar um ngulo de 90. Com uma trena, mede-se exatamente a distncia perpendicular
entre o observador posicionado no centro do transecto e o indivduo ou o primeiro indivduo
de um grupo avistado. Ento, estimada e anotada a altura deste em relao ao cho e a altura

total da rvore. Na sequncia, registra-se a espcie ou mais de uma espcie em associao, o


nmero de indivduos em casos de animais de hbitos sociais e que vivem em grupo. Quando
o acesso at a posio do indivduo dificultado por alguma barreira fsica, a distncia

perpendicular pode ser estimada, evitando estimativas em classes de 5 metros. Este


agrupamento tendencioso e pode dificultar o ajuste da funo de deteco das distncias

observadas no momento da anlise dos dados (CULLEN JR.; RUDRAN, 2003). Um cuidado
maior deve ser tomado com a medida das distncias mais prximas das trilhas, pois so estas

que possuem maior peso no momento do ajuste da funo de deteco. Erros ou estimativas

16

de distncias perpendiculares de observaes mais distantes das trilhas so menos

problemticos, uma vez que estas distncias tm menor influncia na escolha do melhor
modelo para ajuste nas distncias perpendiculares (BUCKLAND, et al., 1993).

So considerados somente os avistamentos diretos (visualizao do indivduo). Fezes,

rudos e vocalizaes sem o avistamento de pelo menos um indivduo no so consideradas


(constam somente como observao). Um binculo pode ser utilizado para facilitar as
visualizaes.
2.1.1 Estabelecendo os transectos na rea de estudo
A primeira etapa consiste na definio da rea especfica para a qual desejada a

obteno de estimativas de densidade da espcie ou das espcies de estudo. A partir desta

escolha, os transectos so estabelecidos de maneira aleatria. Sempre que possvel, a distncia


entre os transectos deve ser de, no mnimo, 500 metros, evitando ao mximo, que um

transecto intercepte o outro. Os transectos devem cobrir a maior diversidade possvel de


hbitats, de elementos hdricos e de topografia, evitando, sempre que possvel, reas com
atividades antrpicas. (CULLEN JR.; RUDRAN, 2003).
2.1.1.1 Preparao dos transectos
A preparao das trilhas deve ser considerada to importante quanto a coleta de dados.

Geralmente, so necessrios dois ou trs assistentes de campo locais para a realizao do


trabalho mais operacional de corte e limpeza das trilhas. O pesquisador, neste caso, assume a
responsabilidade de direcionar, medir e marcar as trilhas em preparao. Com o uso de uma

bssola, deve-se manter a melhor direo possvel. Pequenos desvios provocados por troncos
cados ou outros obstculos no interferem nos princpios do mtodo, desde que a mesma

orientao da trilha seja retomada aps o desvio. O comprimento total da trilha deve ser
medido com trena. Para facilitar a localizao espacial dos avistamentos de animais, o ideal

realizar marcaes com fitas coloridas ou placas numeradas a cada 50 metros no transecto
(BURNHAM, et al., 1980; PERES, 1999; BUCKLAND, et al., 2001; CULLEN JR.;
RUDRAN, 2003).
Aps a preparao das trilhas, necessrio um tempo de descanso da rea de pelo

menos 24 horas, para que os animais voltem e distribuam-se normalmente na rea que foi
perturbada (CULLEN JR.; RUDRAN, 2003).

17

2.1.2 Coleta de dados


A padronizao na coleta de dados permite boas anlises comparativas entre os

trabalhos que utilizam o mesmo mtodo. Uma das premissas que a caminhada durante a

conduo do transecto deve ser mantida a uma velocidade constante de aproximadamente 1

km ou 1,5 km por hora, registrando os mamferos avistados (ROSSI, et al., 2010). O tempo
mximo gasto para a anotao dos dados em cada avistamento no dever ser muito maior do

que 10 minutos, na tentativa de evitar grandes variaes de tempo de censo entre os transectos
amostrados e entre pesquisadores (PERES, 1999).
Para os grupos de indivduos observados, faz-se o registro das seguintes informaes:

identificao do local (nome da trilha, da regio, etc.); data; horrio de incio; espcie

avistada; horrio de avistamento; distncia perpendicular do observador at o ponto onde o


primeiro animal foi avistado, medida com trena; altura onde estava localizado o primeiro
indivduo avistado; altura da rvore; o ponto na trilha onde o animal foi avistado; nmero de

indivduos avistados; condies climticas; tipo fisionmico onde o mamfero foi avistado
(igap, vrzea alta, vrzea baixa, chavascal, etc.); observador(es); observaes; distncia
percorrida na trilha e horrio de trmino.

A amostragem deve ser realizada seguindo uma sequncia fixa de visita nas trilhas.

Aps o trmino da visita em todas as trilhas, essa mesma sequncia dever ser repetida. Tais

critrios devem ser seguidos para que seja respeitado o intervalo de dois dias de descanso
entre os percursos, no intuito de minimizar as alteraes ambientais e comportamentais dos
animais causadas pelos observadores durante o censo (BURNHAM, et al., 1980; FOSTER, et
al., 1996, PERES, 1999; BUCKLAND, et al., 2001; ROSSI, et al., 2010).
2.1.3 Esforo amostral
Cullen; Rudran (2003) recomendam um esforo mnimo de 80 km percorridos em

cada transecto, incluindo ida e volta em cada percurso ou 320 km somando os esforos de
todos os transectos (ida e volta). Peres (1999) recomenda um mnimo de 75 km percorridos
em cada transecto, considerando apenas a ida ou 150 km somados. Rossi (2010) cita 50 km
percorridos por trilha, considerando ida e volta ou 150 km em cada estao climtica (seca e
chuvosa). Apesar de algumas diferenas entre os autores quanto ao esforo a ser empregado,

h um consenso apontando que o nmero mnimo de deteces independentes no deve ser


menor do que 40 avistamentos Entretanto, nem sempre estes esforos recomendados so

18

suficientes para coletar o nmero de observaes necessrias para estimativas confiveis.

Esforos amostrais menores tambm podem gerar estimativas robustas, dependendo da


espcie observada (BURHAM, 1980; EISENBERG, et al., 1979; EMMONS, 1984;

BROCKELMAN; ALI, 1986; PERES, 1996, 1997b; BODMER, et al., 1997; ROSSI, et al.,
2010).
A abundncia relativa das espcies registradas expressa na forma de taxa de

avistamento/10 km percorridos. Para espcies com 20 ou mais avistamentos, estimada a


densidade absoluta a partir de dois mtodos, conforme o nmero de avistamentos registrados.

Para espcies com 40 ou mais avistamentos, a densidade calculada com base na

expanso da srie de Fourier ou outros tipos de funes matemticas (CRAIN, et al., 1979;
DRUMMER; McDONALD, 1987; OTTO; POLLOCK, 1990; QUANG, 1991; BUCKLAND,
et al., 1993).

Para espcies com 20 a 39 avistamentos, realizado o clculo de densidade

populacional baseado na definio da distncia confivel de visibilidade para a espcie,

seguindo o mtodo de Keller (distncia perpendicular confivel), considerando como um


nmero mnimo 20 avistamentos. Neste mtodo, a largura da faixa confivel (2w) definida

por meio da frequncia geral de avistamentos de cada espcie, de acordo com as distncias
entre animal e trilha (x). O valor w estimado plotando as frequncias e identificando a

distncia a partir da qual a probabilidade de avistamento declina significativamente

(CULLEN JR.; RUDRAN, 2003; MARQUES; BUCKLAND, 2003). Em todas as situaes,


recomendvel que, na publicao dos resultados, sejam apresentados o nmero de

observaes (n), o esforo amostral (L), o intervalo de confiana (CI) e a estimativa pontual
de densidade (D). A densidade animal estimada a partir da frmula D = n/2wL.
2.1.4 Anlise dos dados
At meados de 1995, os programas TRANSECT, TRANSAN, LINETRAN,

SIZETRAN, entre outros, eram os mais utilizados nas estimativas de densidades


populacionais de vertebrados de florestas tropicais, a partir de dados coletados em transectos
lineares. Com o lanamento do programa DISTANCE, principalmente as verses 3.5, 4.0 e

5.0, disponveis na plataforma Windows, todos os outros programas foram abandonados


(CULLEN JR.; RUDRAN, 2003).
Para a anlise dos dados utilizando o DISTANCE, necessrio encontrar a funo

de deteco, isto , o modelo que melhor se ajuste s distncias perpendiculares observadas

19

para uma determinada espcie. So muitas as possibilidades de distribuio das distncias e,

embora durante a coleta de dados nos transectos sejam coletadas informaes sobre vrias
espcies simultaneamente, a anlise individual para cada espcie. O programa DISTANCE

permite obter estimativas de densidade populacional acuradas, mesmo que parte dos objetos
de estudo no seja detectada (BUCKLAND, et al., 2001). O tamanho populacional das

espcies que apresentam maior abundncia tambm pode ser calculado, multiplicando-se a
densidade encontrada pela rea de mata vistoriada (ARAJO, et al., 2008).

importante que o usurio familiarize-se com o programa antes de conduzir sua

anlise principal. Alm disso, o bom senso e o conhecimento da histria natural das espcies
estudadas serviro para descartar resultados irreais e errneos.

20

3 ESTUDO DE CASO
3.1 Stios de Monitoramento Atravs de Transectos Lineares
3.1.1 A Reserva de Desenvolvimento Sustentvel Mamirau
A RDSM foi a primeira unidade de conservao desta categoria implantada no Brasil.

Antes de ser transformada em RDS, a rea foi definida como Estao Ecolgica Mamirau a

partir de uma solicitao encaminhada em 1985 pelo pesquisador Jos Mrcio Ayres ao
secretrio especial de Meio Ambiente, Paulo Nogueira Neto, propondo a criao de uma
estao ecolgica totalmente constituda por vrzea, no intuito de proteger o macaco uacari

branco (Cacajao calvus calvus), espcie estudada por Ayres para seu doutorado. Conservando
a rea, o uacari branco poderia ter suas chances de sobrevivncia asseguradas, uma vez que
essa espcie estava ameaada de extino (IDSM, 2010). Assim, em 1990, o governo do

Estado do Amazonas decretou a rea como uma Estao Ecolgica Estadual, com 1.124.000
hectares, englobando todas as terras baixas de vrzea situadas no tringulo delimitado pelo
Auat-paran, rio Solimes e rio Japur (AYRES, 1993).

No entanto, a classificao da rea como Estao Ecolgica no permitiria a

permanncia das populaes locais. Por isto, foi proposta a transformao da rea em RDS, o
que ocorreu com o decreto estadual n 2.411, de 1996. Para a sua implantao, foi

elaborado um Plano de Manejo com base no resultado de pesquisas sociais e biolgicas pelo
perodo de cinco anos (1991-1996). Nele constam as normas para uso sustentvel dos recursos

naturais, definidas com base nos resultados das pesquisas e das negociaes realizadas com as
populaes de moradores e usurios da Reserva e com as principais organizaes sociais
atuantes na rea.

O Instituto de Desenvolvimento Sustentvel Mamirau (IDSM), vinculado ao

Ministrio da Cincia e Tecnologia (MCT), criado em maio de 1999, atravs de convnios

com o Governo do Estado do Amazonas e da interveno da Secretaria de Desenvolvimento


Sustentvel (SDS), faz a co-gesto da Reserva de Desenvolvimento Sustentvel Mamirau
(1,12 milho de hectares) e da Reserva de Desenvolvimento Sustentvel Aman (2,31 milhes
de hectares), consideradas Patrimnio Mundial pela UNESCO (Organizao das Naes

Unidas para Educao, Cincia e Cultura). A Reserva Mamirau e a Reserva Aman, junto
com o Parque Nacional do Ja, formam o maior bloco de floresta tropical protegido do

21

mundo, totalizando aproximadamente 6 milhes de hectares (Figura 1). A sede do IDSM est
localizada no municpio de Tef (674 km de Manaus), Amazonas (IDSM, 2010).

100 km

Figura 1 - Localizao do Parque Nacional do Ja e sua localizao em relao s Reservas


Aman e Mamirau.
Fonte: VALSECCHI, 2005.

A RDSM delimitada pelos rios Solimes e Japur, e pelo Auati-Paran, um brao do

Solimes que desgua no curso mdio do Japur. Para a execuo do projeto, esta grande rea

foi subdividida em duas partes: uma rea Focal, com cerca de um sexto da rea total (260.000
ha), e uma rea Subsidiria complementar. A rea Focal est separada da rea Subsidiria

pelo Paran do Aranapu, outro brao do rio Solimes que desgua no Japur (SCM, 1996)
(Figura 2). A maioria das pesquisas realizadas desenvolvida somente na rea Focal da
RSDM. Nesta regio, a densidade humana menor do que em muitas outras reas da
Amaznia: uma famlia em mdia para cada 950 hectares (AYRES, 1993).

22

Figura 2 - Localizao das reas focal e subsidiria da RDSM.


Fonte: arquivo IDSM.

3.1.1.1 A vrzea
A RDSM insere-se no ecossistema de vrzea, possuindo reas de floresta que

permanece alagada por, no mnimo, trs meses por ano. A vrzea definida como reas da
bacia amaznica inundada por guas brancas (PIRES 1973, 1985). A vrzea da rea focal da

RDSM de origem Holocnica, sendo percorrida por inmeros parans que ligam os rios

Solimes e Japur, alm de inmeros pequenos canais. Geralmente, so encontrados terrenos


mais elevados ao longo das margens dos corpos d'gua, e nas regies mais centrais entre os
corpos, enquanto que entre estas elevaes so encontradas depresses do relevo (AYRES,
1993; QUEIROZ, 1995) (Figura 3).

23

Figura 3 - Esquema de uma seo longitudinal da vrzea no setor Mamirau da RDSM.


Fonte: arquivo IDSM.

Ayres (1993) descreveu a vrzea de RDSM como composta por trs principais tipos de

vegetao: restinga alta, restinga baixa e chavascal. O principal fator de diferenciao destes
tipos de vegetao seria o relevo, que determina o tempo que cada ambiente fica anualmente
submerso.

Os chavascais correspondem s reas de relevo mais baixo, cujo tempo de inundao

foi estimado em oito meses por ano. So, em sua maioria, formaes abertas ou arbustivas. As
restingas alta e baixa so formaes florestais com conjuntos florsticos distintos, cujo tempo
mdio de inundao anual foi estimado em trs e cinco meses, respectivamente. Nas restingas
altas encontrada a maior diversidade de plantas arbreas e de animais na rea de vrzea de

Mamirau (AYRES, 1993; QUEIROZ, 1995; PERES, 1997b). Ayres (1993) estimou que a
porcentagem da restinga alta de 12% e da restinga baixa de 85%.

A RDSM considerada uma rea alagada de importncia internacional e inscrita como

um dos stios brasileiros da Conveno Ramsar, das Naes Unidas, que protege reas
alagveis em todo o mundo (IDSM, 2010).

3.1.1.2 Histrico da ocupao humana na RDSM


A ocupao humana moderna de Mamirau data do incio do sculo passado. Antes

desta ocupao, a regio era habitada por diversos grupos indgenas, entre os quais os

24

Omgua predominavam. A populao amerndia foi, em sua maioria, dizimada pelas guerras e
doenas introduzidas com a colonizao e os indgenas remanescentes foram incorporados
sociedade colonial pelo processo de miscigenao induzido pelo governo portugus.

Atualmente, mesmo as poucas comunidades indgenas existentes na regio, duas delas


localizadas na rea focal, tm forte grau de miscigenao, tanto cultural quanto biolgica
(SCM, 1996).
No incio do sculo passado, a queda da borracha promoveu o crescimento do nmero

de assentamentos modernos na regio do mdio Solimes, fundados principalmente por


comerciantes e trabalhadores que tinham abandonado as regies de extrao de seringa
localizadas a oeste da regio. Na vrzea, estes primeiros assentamentos produziam lenha para

os navios a vapor, em uso na poca, alm de pirarucu, peixe-boi e tartaruga, e se


concentravam em torno das feitorias e barraces de "patres", como eram chamados os
comerciantes que controlavam o comrcio de produtos extrativos por produtos manufaturados

com base no sistema de aviamento. Uma relao comercial onde no havia a mediao do
dinheiro, e a troca de produtos extrativos por artigos manufaturados era baseada nos seus
respectivos valores monetrios, o aviamento tradicional envolvia tambm o crdito e relaes
pessoais de dominao baseadas na dvida. A decadncia do aviamento nos anos sessenta

acelerou o processo de urbanizao na regio, e teve como conseqncia a reduo do nmero


de assentamentos localizados na rea focal da reserva (SCM, 1996).

A partir dos anos setenta se iniciou um processo de estruturao social dos

assentamentos da regio, promovido pela igreja catlica e seguindo o modelo de comunidades


de base. O termo "comunidade", adotado pela maioria dos assentamentos da regio, refere-se

s localidades que adotaram a proposta da igreja, posteriormente apoiada por diversas


instituies de extenso rural, e que possuem uma liderana poltica eleita pelos moradores. O
movimento de preservao dos lagos comunitrios, iniciado em 1980 e tambm promovido

pela Igreja Catlica, consolidou o processo de estruturao dos assentamentos ao definir um

papel poltico para as lideranas comunitrias. Existem ainda casas isoladas e ncleos
populacionais menores, no organizados segundo o modelo de comunidade, denominados
stios. A maior parte dos assentamentos da rea focal da reserva localiza-se s margens dos

rios Solimes e Japur, que limitam a rea focal, e do paran do Aranapu. Apenas algumas
casas isoladas localizam-se no interior da reserva (AYRES, 1993; SCM, 1996).
A sazonalidade do ambiente imprime um padro de ocupao humana caracterizado

pela mobilidade e pela curta durao dos assentamentos. Na vrzea os assentamentos tm uma
vida mdia de cerca de 40 anos, e alguns apresentam uma histria de vrios deslocamentos,

25

quando as casas so coletivamente removidas para um local prximo devido a mudanas

ambientais caractersticas da vrzea. As constantes modificaes geomorfolgicas do leito do


rio provocam ou o crescimento de praias ou o desbarrancamento das margens, inviabilizando
a permanncia da populao em um mesmo local por perodos longos. Atualmente, a rea da
RDSM est dividida em nove setores: Ing, Liberdade, Tijuca, Mamirau, Horizonte, Boa

Unio, Aranapu, Barroso e Jarau (Figura 4). O centro urbano mais prximo Tef
(32057 S; 645437 W), a cerca de 50 km de distncia (SCM, 1996).

26

Figura 4 - Mapa de distribuio dos assentamentos (setores) da rea focal da


RDSM.
Fonte: arquivo IDSM.

3.1.1.3 A fauna na RDSM


A fauna encontrada na rea da RDSM caracteriza-se mais pela alta taxa de endemismo

do que por uma diversidade elevada. Entre os vertebrados de mdio e grande porte da rea
Focal, apenas animais arborcolas ou capazes de nadar bem conseguem sobreviver na floresta

27
alagvel durante a cheia. Mamferos como a anta (Tapirus terrestris), o catitu (Tayassu
tajacu), a paca (Agouti paca) as cutias (Dasyprocta sp.) e os tatus (Dasypus e outros gneros)

no ocorrem na rea focal da RDSM por terem seus deslocamentos horizontais limitados
pelas cheias sazonais (SCM, 1996).
A fauna de mamferos de pequeno porte ainda pouco conhecida, exceto duas

espcies de primatas, Cacajao calvus calvus e Alouatta seniculus, que foram foco de
investigaes de longo prazo (AYRES 1985b,c, 1986a,b; AYRES; JOHNS, 1987; QUEIROZ
1995).
O conhecimento atual indica que duas espcies endmicas podem ser encontradas na

rea. Uma delas o uacari branco (Cacajao calvus calvus), endmico do mdio Solimes
(AYRES, 1986b; SILVA JNIOR; MARTINS, 1999). A outra o macaco de cheiro da
cabea preta (Saimiri vanzolinii), encontrado apenas na RDSM (AYRES, 1985b; PAIM,
2008).
3.1.2 reas de monitoramento atual
Aps alguns anos de coleta de dados fauna nas reservas Aman e Mamirau, a rea de

amostragem est sendo ampliada com a abertura de trilhas na RDSM e as informaes obtidas

utilizando o mtodo de transeco linear esto sendo acrescentadas no banco de dados do


Sistema de Monitoramento de Fauna do Instituto Mamirau e das pesquisas sobre S.

vanzolinii. O objetivo do monitoramento gerar estimativas de densidade de espcies

suscetveis caa ou outro tipo de ao antrpica, como a fragmentao de hbitats ou o


ecoturismo. Somados aos dados de monitoramentos anteriores na RDSM (AYRES, 1993;
VALSECHI 2005; PAIM, 2008) e a dados de pesquisas sobre aspectos bioecolgicos das
espcies, possvel obter embasamento para a atualizao do Plano de Manejo desta Unidade
de Conservao, consolidando os objetivos de sustentabilidade no uso dos recursos de fauna,

bastante importante para a populao residente da reserva. Alm disso, este monitoramento
acrescenta informaes aos trabalhos em andamento, que comparam diversidade, densidade,
ecologia e padres de caa nas reservas Mamirau e Aman.

Atualmente, o monitoramento da mastofauna arborcola na RDSM atravs do mtodo

de transeco linear abrange reas dos setores Jarau e Mamirau, cobrindo as trs principais
formaes florestais de vrzea na reserva: restinga alta, restinga baixa e chavascal. Em cada

um destes setores, o esforo amostral est concentrado em trs trilhas: Formiga, Paracuba e
Chavascal

(Jarau);

Ona,

Maracaj

Jacar

(Mamirau).

Cada

trilha

possui

28

aproximadamente 2 km de comprimento e esto localizadas prximas s margens de rios e


canais da rea de estudo, priorizando as reas de distribuio geogrfica propostos para S.
vanzolinii (AYRES 1985; PAIM 2008) (Figura 5).

Figura 5 - Localizao das trilhas monitoradas nos setores Mamirau e Jarau na RDSM.
Fonte: IDSM, Geoprocessamento.

3.1.3 As espcies de mamferos monitoradas na RDSM


Para o monitoramento da mastofauna local, foram escolhidas as espcies com
relevncia regional, por serem as mais apreciadas na alimentao tradicional local ou por
serem as que atingem os maiores valores de mercado na regio do Mdio Solimes. Alm
disso, algumas outras espcies foram monitoradas devido sua maior vulnerabilidade caa
sem fins de subsistncia (SANTOS, 1996; VALSECCHI, 2005).
A lista de mamferos arborcolas encontrados na rea de vrzea da RDSM, conforme

os levantamentos preliminares de fauna na regio, compreende quatro espcies de primatas


(Cacajao calvus calvus, Alouatta seniculus, Cebus macrocephalus e Saimiri vanzolinii), uma
espcie da ordem Carnivora (Nasua nasua) e uma espcie da ordem Rodentia (Sciurus
igniventris) (Tabela 1).

29

A lista de espcies sujeitas caa foi criada com base nas listas de fauna das Reservas

Mamirau e Aman (BODMER; AYRES, 1991; BANNERMAN, 2001), nos registros de


abate realizados em outros stios de estudo (AYRES; AYRES, 1979; REDFORD;
ROBINSON, 1987, 1991; REDFORD, 1997; BODMER, et al., 1997; ROBINSON;

BODMER, 1999; NOVARO, et al., 2000; BODMER; PEZO, 1999; PEZZUTI, et al., 2004;

VALSECCHI, 2005), e nas entrevistas realizadas com caadores e comunitrios das duas
reservas (VALSECCHI, 2005).
A espcie Saimiri vanzolinii, endmico da RSDM, foi includa no monitoramento

porque, embora no haja registros de que esta seja alvo de caa (AYRES, 1985;

VALSECCHI, 2005), ela considerada vulnervel extino (IUCN, 2010) devido a alguns
fatores ecolgicos e perda da qualidade do hbitat por ao antrpica. S. vanzolinii ocupa a
menor rea de distribuio entre os primatas neotropicais e a maior poro de sua ocorrncia

localiza-se na rea Focal da RDSM, limitada pela foz do rio Japur (limites norte e leste), rio

Solimes (limite sul) e Paran do Jarau (possvel limite oeste de distribuio da espcie at o
momento) (AYRES, 1985; PAIM, 2008).
Tabela 1 - Espcies monitoradas nas trilhas dos setores Jarau, Liberdade e Mamirau da
RDSM.
ESPCIE

NOME POPULAR

Alouatta seniculus

Guariba

Cacajao calvus calvus


Cebus macrocephalus
Nasua nasua

Saimiri vanzolinii

Sciurus igniventris

Uacari branco
Macaco prego
Quati
Macaco-de-cheiro da cabea preta
Quatipuru, esquilo

A nomenclatura das espcies de mamferos seguiu as classificaes de Eisenberg

(1989), Emmons; Feer (1997) e Eisenberg, Redford (1999) e as publicaes de Mammalian


Species (SMITH COLLEGE, 2010), exceto os primatas. O arranjo taxonmico das espcies
de primatas foi baseado em Rylands et al. (2000), para Cacajao; Gregorin (2006), para
Alouatta; Silva Jnior (2001), para Cebus; Ayres (1985) e Groves (2005) para Saimiri.

Apesar da preguia (Bradypus e Choleopus) tambm ser um mamfero arborcola

encontrado na regio, ela no foi includa na lista, pois o mtodo de transectos lineares no

30

apropriado para a estimativa de densidade populacional deste animal. Segundo Emmons


(1984), os problemas na utilizao deste mtodo para o recenseamento de preguias so a alta
cripticidade e a ausncia de vocalizao tpica que denuncie a presena destes animais.
3.1.3.1 Alouatta seniculus
O gnero Alouatta representante da famlia Atelidae, que compreende outros quatro

gneros: Ateles, Brachiyteles, Lagothrix e Oreonax. Os guaribas, tambm conhecidos como


bugios, barbados ou macacos roncadores, pertencentes ao gnero Alouatta, so primatas
neotropicais encontrados apenas na Amrica do Sul. Sua distribuio ocorre em vrios pases,
incluindo Bolvia, Brasil, Colmbia, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Peru, Suriname,
Trinidad e Tobago, e Venezuela (CITES, 2010).
A distribuio atual de A. seniculus compreende o noroeste da Colmbia, leste e sul do

rio Amazonas, estendendo-se pela regio mais setentrional da Amaznia brasileira, ao longo
dos rios Purus e Juru (NAPIER, 1976; WALLACE, et al., 1998).

Os guaribas possuem hbitos diurnos e vivem em grupos de, em mdia, sete

indivduos (PINTO, et al., 1993; MENDES, 1985). A alimentao predominantemente


baseada em folhas e flores, mas tambm h consumo de frutos (CHITOLINA; SANDER,
1981; MENDES, 1985; PRATES, et al., 1990a).
3.1.3.2 Cacajao calvus calvus

O gnero Cacajao representante da famlia Pitheciidae, que compreende trs outros

gneros: Callicebus, Chiropotes e Pithecia (RYALANDS, et al., 2000). considerado o


maior predador de sementes imaturas dentre os quatro gneros, possuindo dentio e

musculatura cranial caractersticas para este fim (KINZEY, 1992). Existem duas espcies no
gnero que agrupam todas as formas conhecidas at ento (HERSHKOVITZ, 1987). Um

grupo caracterizado pelos uacaris calvos e o outro pelos uacaris pretos. Os primeiros so
membros da espcie Cacajao calvus enquanto Cacajao malanocephalus compreende os
demais. Segundo Hershkovitz (1987), o grupo calvus representado por quatro subespcies,

sendo elas C. calvus calvus, C. calvus rubicundus, C. calvus ucayalii e C. calvus novaesi. O
grupo C. calvus dependente de reas alagadas (AYRES, 1986; BARNETT; BRANDONJONES, 1997), distribuindo-se na vrzea de grandes rios.

31
C. calvus calvus uma das subespcies de primatas neotropicais que possui uma das

menores reas de distribuio geogrfica. Recentemente sua rea de distribuio foi


expandida devido descoberta de uma nova populao localizada ao longo do rio Jurupari,

um tributrio localizado na margem direita do complexo Envira-Tarauac-Juru, no estado do

Amazonas (SILVA JR.; MARTINS, 1999). O limite de distribuio de Cacajao calvus calvus
na RDS Mamirau dado pelos Rios Solimes, Japur e o canal Auat-Paran (VIEIRA, et
al., 2008) (Figura 6).

Figura 6 - Distribuio geogrfica do gnero Cacajao baseada em coletas de informaes e


avistagens. A espcie Cacajao calvus calvus aparece em preto.
Fonte: VIEIRA et al. 2008.

3.1.3.3 Cebus macrocephalus


O gnero Cebus, da famlia Cebidae, apresenta a maior distribuio geogrfica entre

os primatas, estendendo-se por toda a regio neotropical (EMMONS, 1990). No entanto, esta

distribuio ainda no est bem delineada. O gnero Cebus subdivide-se em dois subgneros:

32
Sapajus (macacos-prego) e Cebus (Caiarara). A classificao taxonmica utilizada no
presente trabalho segue SILVA JR. (2001), que considera C. macrocephalus como uma
espcie pertencente ao subgnero Sapajus, assim como C. nigritus, C. robustus, C. apella, C.
libidinosus, C. cay e C. xanthosternos.

A distribuio geogrfica conhecida at o momento para C. macrocephalus

compreende o sudoeste da Venezuela, Colmbia, leste do Equador e norte da Bolvia e norte


do Brasil (estados do Acre e Amazonas) (SILVA JR., 2001).

Figura 7 - Registros de ocorrncia das espcies de Cebus. A regio circulada corresponde


rea de distribuio da espcie C macrocephalus.
Fonte: adaptado de VILANOVA, et al., 2005.

3.1.3.4 Saimiri vanzolinii


Saimiri vanzolinii (Figura 8) pertencente ao gnero Saimiri, foi descrito em 1985 por

Ayres. Conhecido como macaco de cheiro da cabea preta, este primata tem sua distribuio

geogrfica restrita rea Focal da RDSM, limitada pela foz do rio Japur (limites norte e
leste), rio Solimes (limite sul) e Paran do Jarau (provvel limite oeste de distribuio da
espcie at o momento) (AYRES, 1985; PAIM, 2008).

33
S. vanzolinii tambm ocorre em duas ilhas do rio Solimes, Capucho e Tarar,

localizadas entre a RDSM e o municpio de Tef. Possui hbitos diurnos e sociais, vivendo
em bandos numerosos de at 90 indivduos (AYRES, 1985; PAIM, 1998). A alimentao

basicamente onvora, incluindo frutos, folhas e insetos. Costumam viver em associao com
Cebus macrocephalus.

Figura 8 - Saimiri vanzolinii na RDSM.


Foto: Fernanda Lopes Roos.

3.1.3.5 Nasua nasua


O quati de cauda anelada ou quati mundi (Nasua nasua) uma espcie que habita

predominantemente as selvas sulamericanas e a parte meridional da Amrica Central, sendo

encontrado desde a floresta tropical at os charcos e cerrados. Os quatis pertencem ordem


Carnivora, representado pela Famlia Procyonidae, que tambm inclui o guaxinim e o jupar.

Vivem em reas de floresta, onde passam muito tempo sobre as rvores, geralmente formando
grupos de quatro a 20 indivduos que percorrem as matas procura de alimento. A

alimentao consiste em pequenas aves, ovos, insetos, frutas ou larvas presentes no solo
(EISENBERG, 1989; EISENBERG; REDFORD, 1999).
3.1.3.6 Sciurus igniventris
Conhecido como esquilo ou quatipuru (Figura 9), S. igniventris, pertencente famlia

Sciuridae, possui uma rea de distribuio que compreende a bacia amaznica, desde o oeste

34

do Rio Negro (Brasil, Venezuela, Colmbia e Equador) at o norte do Peru e rio Juru
(Brasil) (EMMONS; FEER, 1997).

Figura 9 - Sciurus igniventris na RDSM.


Foto: Fernanda Lopes Roos.

Possui hbito diurno e solitrio, raramente sendo observados aos pares ou entre mais

de trs indivduos. A alimentao baseada em frutos, principalmente de palmeiras


(Astrocaryum spp., Scheelea spp.) e castanhas. Geralmente utiliza os estratos inferiores da
floresta (EMMONS, 1990).

35

4 RESULTADOS PRELIMINARES
Os resultados aqui apresentados so decorrentes do esforo amostral realizado durante

a etapa do monitoramento em transectos lineares realizada entre Janeiro e Maro de 2010 nos
setores Jarau e Mamirau. Durante este perodo, os dados obtidos foram insuficientes para

calcular a densidade populacional (indivduos/km2). O mtodo DISTANCE requer um

elevado nmero de observaes, pois os erros associados ao mtodo, assim como altos

coeficientes de variao, geralmente advm do baixo nmero de registros em campo


(TOMIALOGC; VERNER, 1990). Como foi mencionado anteriormente, o clculo feito
somente a partir de 40 ou mais avistamentos e reflete o tamanho da rea necessria para a

sobrevivncia de uma espcie. Como at o momento as espcies foram observadas menos do


que 40 vezes, foram feitas apenas estimativas de abundncia para refletir o status de suas

populaes (CULLEN JR., et al., 2000). Nas estimativas de abundncia, foi contabilizado o
nmero de visualizaes, isto , quantos grupos foram avistados durante o perodo nos setores
Mamirau e Jarau.

De acordo com os resultados obtidos pelo levantamento sistemtico da diversidade e da

abundncia da fauna da Reserva Mamirau em diferentes hbitats (vrzea alta, vrzea baixa e

chavascal), poder ser definida uma linha de base para o monitoramento no futuro, bem como
a definio de espcies que podem ser manejadas ou utilizadas como bioindicadoras de
impacto antrpico.
Est representado na Tabela 2 o cronograma de trabalho na RDSM, conforme setor e
trilha.
Tabela 2 - Nmero de dias trabalhados nas diferentes trilhas em cada ms.
SETOR

TRILHAS

Janeiro

Fevereiro

Maro

Maio

Jarau

Formiga
Paracuba
Chavascal
Ona
Maracaj
Jacar

4
3
3

3
3
3
1
1
3

2
2
1
-

5
3
4
-

Mamirau

O esforo amostral na RDSM durante o perodo entre Janeiro e Maio de 2010 para a

coleta de dados foi de 72,9 km percorridos na rea de estudo, sendo 29,65 km no setor
Mamirau e 43,25 km no setor Jarau (Tabela 3).

36

Tabela 3 - Descrio das trilhas percorridas na RDSM e esforo amostral empregado.


SETOR

TRILHAS

COMPRIMENTO
(km)

Jarau

Formiga
Paracuba
Chavascal
Ona
Maracaj
Jacar

2,00
1,95
2,00
2,15
1,90
2,15

Mamirau

Total

ESFORO
AMOSTRAL
(km)
14,45
14,1
14,7
9,15
7,60
12,90
72,9

No setor Mamirau, foram obtidos 46 encontros visuais com primatas nas reas

amostradas. S. vanzolinii foi avistado com maior freqncia (24 encontros). C. calvus calvus
foi o primata menos avistado (3 encontros), no havendo nenhum avistamento desta espcie
na trilha do Maracaj (Tabela 4).

No setor Jarau, foram obtidos 86 encontros visuais com primatas nas reas

amostradas. C. macrocephalus foi avistado com maior freqncia (38 encontros). C. calvus

calvus tambm foi o primata menos avistado no Jarau (3 encontros). A tabela 5 apresenta os
valores de abundncia de cada espcie monitorada calculados a partir do esforo de

amostragem empregado em cada trilha e do esforo total empregado em cada setor. O valor
total de abundncia foi calculado a partir de A = TA x 10 km/EA, onde A a taxa de

abundncia, TA o total de avistamentos para determinada espcie e EA a distncia total


percorrida (esforo amostral).

Tabela 4 - Nmero de avistamentos por grupo de animais nos setores Mamirau e Jarau.
Espcies
A. seniculus
C. calvus calvus
C. macrocephalus
S. vanzolinii
N.nasua
S. igniventris

MAMIRAU
Ona
3
1
1
5
0
0

Maracaj
5
0
3
5
1
2

Jacar
2
2
5
14
0
1

Total
10
3
9
24
1
3

Formiga

JARAU
Paracuba

Chavascal

Total

6
2
16
8
4
9

7
1
11
10
0
0

3
0
11
11
3
4

16
3
38
29
7
13

37
Tabela 5 - Abundncia (avistamentos/10 km), por trilha e por setor, das espcies monitoradas
no Mamirau e no Jarau.
MAMIRAU

Espcies
A. seniculus
C. calvus calvus
C. macrocephalus
S. vanzolinii
N.nasua
S. igniventris

Ona
3,16
1,09
1,09
5,46
0
0

Maracaj
6,58
0
3,95
6,58
1,31
2,63

Jacar
1,55
1,55
3,88
10,85
0
0,78

Total
3,37
1,01
3,04
8,09
0,34
1,01

JARAU
Formiga
4,15
1,38
11,07
5,54
2,77
6,23

Paracuba
4,96
0,71
7,8
7,09
0
0

Chavascal
2,04
0
7,78
7,48
2,04
2,72

Total
3,70
0,69
8,79
6,71
1,62
3,01

Os mamferos que apresentaram maior estimativa de abundncia nos dois setores da

RDSM foram S. vanzolinii, C. macrocephalus e A. seniculus, todos primatas. No setor


Mamirau, entre estas trs espcies, a mais abundante foi S. vanzolinii (8,09 grupos/10 km).

No setor Jarau, a espcie de primata mais abundante foi C. macrocephalus (8,79 grupos/10
km). Os primatas corresponderam a 85% dos avistamentos (Figura 10).

Representatividade de avistamentos
de mamferos por ordem

10%
5%
Primates
Carnivora
Rodentia
85%

Figura 10 - Representatividade de avistamentos de mamferos.


Entre os outros mamferos no primatas, S. igniventris apresentou maior estimativa de

abundncia, tanto no Mamirau quanto no Jarau. Os indivduos desta espcie foram

encontrados sempre solitrios, enquanto N. nasua era encontrado em grupos, tendo sido
registrado um indivduo solitrio apenas uma vez.

A largura efetiva da rea amostrada no foi calculada por no ter um nmero

suficiente de avistamentos para as espcies. Este clculo feito a partir das distncias

38

perpendiculares das espcies em relao aos transectos, e segue os mesmos critrios das
estimativas de densidade.

39

5 DISCUSSES
5.1 Sobre os Resultados Preliminares
A variao na abundncia e na densidade em diferentes locais est relacionada s

diferenas na composio e na estrutura do hbitat, disponibilidade de recursos, competio


por recursos, presena de predadores, plasticidade ecolgica das espcies, caa e
fragmentao (ARAJO, et al., 2008).

Foi observado durante o monitoramento que quanto mais prximo trilha, maiores so

as chances da espcie ser detectada. mais fcil realizar a contagem total quando os animais
esto bastante agrupados ou em ocasies em que estes cruzam a trilha, possibilitando a

contagem completa dos indivduos (PERES, 1999). Os dados das contagens parciais podem
ser utilizados para estimativas de abundncia e densidade. Entretanto, para estimar o tamanho
mdio dos grupos observados s podem ser utilizados dados de contagens totais (CULLEN
JR.; RUDRAN, 2003).
Geralmente a atividade de recenseamento em florestas tropicais comprometida pela

dificuldade de deteco dos animais. Este fator refletido na contagem dos indivduos, pois
frequentemente so contadas apenas uma parte dos indivduos de um grupo (PERES, 1999;
CULLEN JR.; RUDRAN, 2003; MARSHAL, et al., 2008). Isto ocorre com espcies que
vivem em grupos muito grandes, como o caso de S. vanzolinii, que possuem grupos de at

90 indivduos e costumam se dividir em subgrupos. O mesmo ocorre para C. calvus calvus


que, mesmo vivendo em grupos grandes, tem sua detectabilidade bastante dificultada pelo
fato de utilizarem os estratos mais altos da floresta e possurem um comportamento mais
hostil em relao presena humana (AYRES, 1986a,b; VIEIRA, et al., 2008). Estas

dificuldades podem gerar valores sub ou superestimados de abundncia e densidade. No


entanto, estes fatores podem ser corrigidos no DISTANCE, atravs de modelagens ou
funes que melhor espelhem o comportamento das informaes coletadas, diminuindo os

ndices de erro (CULLEN JR.; RUDRAN, 2003). Estas correes no foram feitas devido
insuficincia de esforo amostral empregado nas reas at o momento. Por isso, os dados
apresentados no foram analisados estatisticamente. As estimativas de abundncia
apresentadas aqui podem no refletir adequadamente a realidade, mas atravs de comparaes

com a literatura, incluindo trabalhos realizados na rea da RDSM, e os relatos de moradores


das reas amostradas, algumas hipteses sobre os resultados podem ser discutidas.

40

Os primatas representaram 85% dos avistamentos feitos nos dois setores. Isto pode ser
explicado pelo grande nmero de registros de S. vanzolinii, seguido por C. macrocephalus e
A. seniculus, totalizando 53, 47 e 26 avistamentos, respectivamente. Estas espcies
apresentam comportamentos e caractersticas ecolgicas que favorecem sua deteco, como,
por exemplo, as vocalizaes frequentes e os deslocamentos em grupos. Alm, disso,
costumam ocupar os estratos mdios e baixos da floresta (SILVA JR., 2001; GREGORIN,
2006).
A abundncia alta destas trs espcies de primatas poderia indicar que estas no so

preferencialmente caadas na regio. Entretanto, os dados de monitoramentos de caa feitos


na regio (VALSECCHI, 2005) e os relatos de comunitrios demonstram que A. seniculus

uma das espcies de primatas mais procuradas como fonte de alimentao para as
comunidades ribeirinhas. Quanto s outras duas espcies de primatas, verificaram-se apenas

alguns relatos isolados quanto caa para subsistncia e alguns casos de captura destas para
criao como animais domsticos. Alm disso, estas espcies apresentam bastante
plasticidade ecolgica (WALLACE, et al., 1998; GREGORIN, 2006), adaptando-se
facilmente a diferentes hbitats e a condies extremas (cheia, seca, escassez de alimentos,
etc.), o que pode tambm explicar os maiores valores de abundncia encontrados.

importante salientar que o tamanho dos grupos costuma correlacionar-se

positivamente com a densidade e o tamanho da rea ocupada pela espcie. Com isso, esperase que espcies que apresentem grandes agrupamentos e altas taxas de encontro ocorram em
densidades razoveis, assim como o contrrio tambm vlido (CULLEN JR.; RUDRAN,
2003).
As baixas taxas de avistamento para C. calvus calvus podem estar relacionadas

dificuldade de encontros visuais com esta espcie, devido s suas caractersticas


comportamentais e hbitos alimentares mais especialistas. necessrio considerar que o

esforo amostral empregado foi restrito a apenas uma estao do ano (cheia), podendo
influenciar nos resultados. Houve uma diferena entre os registros feitos na primeira
temporada (entre Janeiro e Maro) e na segunda (Maio). Entre Janeiro e Maro, poca em que

as trilhas estavam secas, C. calvus calvus foi avistado, pelo menos uma vez por semana, tanto
no Mamirau quanto no Jarau. No ms de Maio, no se obteve nenhum registro desta

espcie. Este primata especialista em sementes imaturas e frutos verdes (AYRES, 1986b), e
a ausncia de avistamento da espcie pode ter relao com a diminuio de alimento na poca

da cheia nas reas vistoriadas, forando a migrao dos grupos para ambientes mais

favorveis sobrevivncia. Alm disso, a menor abundncia tambm est relacionada com a

41

captura desta espcie para a comercializao ilegal. Sua raridade eleva o seu valor de venda, o
que estimula esta prtica e resulta na diminuio gradativa das populaes de C. calvus
calvus, espcie considerada vulnervel pela lista vermelha da IUCN e pelo ICMBIO (2010).

O esforo de amostragem empregado neste perodo no foi suficiente para esclarecer

todas as questes sobre o status das populaes de N. nasua e S. igniventris. No entanto, os


registros de avistamentos complementam e atualizam as listas de mamferos encontrados na
RDSM, quando distribuio, densidade e abundncia destas espcies, informaes ainda

pouco conhecidas. Exceto os primatas, as outras espcies de mamferos que ocorrem em


florestas tropicais, particularmente os da ordem Rodentia, possuem pouca informao
documentada quanto aos seus hbitos de vida, alimentares e comportamentais. Mesmo assim,
esto surgindo propostas de manejo para estas espcies na Amaznia brasileira (COSTA, et
al., 2005).

Comportamentos ou padres diferenciados de explorao dos recursos naturais entre

as regies tambm podem determinar diferenas nas estimativas de densidades e abundncia

das espcies (PEZZUTI, et al., 2004). No entanto, faz-se necessrio um maior esforo

amostral e outros tipos de investigao, como entrevistas com os comunitrios, para obteremse dados mais conclusivos sobre os tipos de explorao faunstica realizados na regio.
5.2 Sobre o Monitoramento e o Uso Sustentvel da Fauna
O manejo dos recursos naturais na RDSM permitido e regulamentado desde a

publicao do Plano de Manejo (SCM, 1996). No entanto, para garantir um manejo adequado,

necessrio monitorar, avaliar periodicamente e, quando necessrio, promover alteraes no


padro geral de uso dos recursos naturais, sempre com forte embasamento cientfico e dentro
de vises atualizadas do referente plano de manejo (VIEIRA; VALSECCHI, 2006). O
monitoramento um instrumento fundamental para acompanhar o desenvolvimento e a

evoluo de um sistema biolgico, para detectar problemas potenciais e executar as


interferncias necessrias naquele sistema para evitar que os danos ou problemas previstos se
concretizem.
As opinies quanto ao melhor mtodo para estimar densidade de mamferos so

bastante polarizadas. Embora nenhum mtodo seja completamente livre de vis, as


estimativas de densidade que obtm maior nvel de acurcia provm de contagens totais
(censo) dos indivduos na rea amostrada (McNEILAGE, et al., 2001; DAVENPORT, et al.,
2007) ou de estudos focais em grupos habituados (NATIONAL RESEARCH COUNCIL,

42
1981; CHAPMAN, et al., 2000). No entanto, estes mtodos de contagens totais requerem
esforos amostrais impraticveis, especialmente em reas extensas. Na maioria dos casos,
amostragens utilizando transectos lineares o mtodo mais praticvel (MARSHALL, et al.,
2008) e este foi escolhido como uma das formas de monitoramento de fauna nas reservas
Aman e Mamirau por ser um dos mtodos mais consistentes entre os mtodos de estimativa

de densidade existente at o momento (BUCKLAND, et al., 1993, 2001; NATIONAL


RESEARCH COUNCIL, 1981).
Pelo mtodo de transectos lineares tradicional, o ponto de referncia para a medio da

distncia perpendicular o centro do grupo (para animais de hbitos sociais) (BUCKLAND,

et al., 1993, 2001; BURNHAM, et al., 1980). No entanto, isto requer boa visibilidade e, de
preferncia, grupos habituados. No caso de transectos em florestas tropicais, a boa

visibilidade requerida praticamente impossvel. Por este motivo, para a coleta de dados nas

reservas Aman e Mamirau, optou-se por medir a distncia perpendicular do primeiro


indivduo avistado. Vrios estudos tm estimado densidade a partir de modelos que utilizam a

medida perpendicular do primeiro indivduo avistado ao invs do centro do grupo


(CHAPMAN, et al., 1988; BRUGIRE; FLEURY, 2000; CHIARELLO, 2000a; FASHING;

CORDS, 2000; PALACIOS; PERES, 2004). Subsequentemente, neste caso a largura do


transecto precisa ser aumentada para evitar superestimativas de densidade (FASHING;
CORDS, 2000).
Como o objetivo do monitoramento est atrelado ao manejo dos recursos de fauna,

alm das estimativas de densidade, esto sendo investigados simultaneamente as tendncias e

os padres de caa nas reservas Aman e Mamirau (VALSECCHI, 2005). Os resultados


obtidos at o momento demonstram que a caa mantm-se como uma importante atividade

para a subsistncia e para a cultura das populaes humanas nas duas RDSs. No entanto,

ainda existem lacunas no conhecimento sobre as populaes das espcies exploradas, no


conhecimento sobre a caa, alm de ausncia de suporte legal para a atividade.

A presena de extensas reas de floresta praticamente intactas, a baixa densidade

populacional humana, os poucos registros de caa comercial, o aumento do envolvimento dos

comunitrios nas atividades de manejo e conservao, a implementao do manejo de


diferentes recursos e os resultados preliminares de monitoramento, apontam para a hiptese
de sustentabilidade da caa na regio. Entretanto, mesmo que esta possibilidade seja factvel,

no se sabe por quanto tempo esta suposta sustentabilidade teria vigncia. Assim, a

construo de um programa de manejo da fauna cinegtica implica considerar a incluso das


variveis humanas, uma vez que a atividade no responde somente a aspectos biolgicos das

43

espcies caadas, mas tambm a aspectos biolgicos e culturais dos usurios da fauna
(VALSECCHI, 2005).
Segundo Bodmer et al. (1994), o uso sustentvel pode ser um amenizador da

sobrexplorao, ajudando a manter o valor de ecossistemas amaznicos intactos: moradores


locais arcam com os custos econmicos em curto prazo com a implantao da extrao
sustentvel atravs do manejo de recursos. No entanto, estes custos podem ser amenizados
atravs de subsdios de servios locais ou alternativas econmicas (PEZZUTI, 2009).

A Amaznia brasileira ainda apresenta regies que desfrutam dos privilgios do

atraso, portanto, passveis de uma opo definitiva pelo desenvolvimento sustentvel,


baseado na responsabilidade socioambiental e no uso conservacionista dos recursos naturais.
No momento em que a humanidade sofre impactos causados por formas de produo e

desenvolvimento dependentes de insumos qumicos e energticos - que desconsideram os


contextos sociais e ecolgicos locais, visando apenas maximizao dos valores de troca a
valorizao e a mobilizao dos recursos locais podem representar a estratgia mais
importante para o desenvolvimento sustentvel da regio.

44

6 CONCLUSES
O levantamento apresentado confirmou algumas informaes anteriores disponveis

sobre a diversidade da mastofauna da RDSM. No entanto, outras investigaes devem ser


realizadas para esclarecer todas as questes sobre a fauna local.

Alm disso, a rea de monitoramento atravs de transectos lineares dever ser

ampliada para outros setores da RDSM, no intuito de gerar listas mais completas e menos
generalistas quanto densidade, ecologia e distribuio das espcies.

Assim como em outros trabalhos de monitoramento de mamferos utilizando o mtodo

de transectos lineares, os primatas foram os mais avistados, possivelmente devido s suas


caractersticas ecolgicas e comportamentais.

O manejo dos recursos naturais sustentvel somente se houver conhecimento e

embasamento cientfico slido sobre as dinmicas ecolgicas e socioeconmicas do contexto


ao qual ser aplicado. Por isso, os planos de manejo e os dados sobre fauna esto em
constante atualizao e reviso.

Novas propostas de uso sustentvel dos recursos de fauna esto em discusso nos

grupos de trabalho do IDSM, corroborando para a implementao de um programa de manejo


de fauna nas RDSs Aman e Mamirau.

45

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