SAPIR, E. Língua e Ambiente
SAPIR, E. Língua e Ambiente
SAPIR, E. Língua e Ambiente
SAPIR, Edward. Lngua e ambiente (1969). Lingstica como cincia. Ensaios. Livraria Acadmica, 1969, p. 43-62. LNGUA E AMBIENTE 1
H uma forte tendncia a atribuir muitos elementos da cultura humana influncia do ambiente em que se acham situados os participantes dessa cultura, e h at os que tomam a posio extremada de praticamente reduzir todas as manifestaes da vida e do pensamento humano a influncias ambientais. No vou tentar argumentos pr ou contra a importncia das forcas de um ambiente para os traos culturais, nem vou tentar fazer ver at que ponto influncia de um ambiente acrescem as de outros fatores. Direi, no obstante, que explicar todo trao de cultura humana como proveniente apenas da ao ao ambiente fsico me parece assentar numa iluso. A rigor, o ambiente s atua diretamente sobre o indivduo, e nos casos em que verificamos ser a influncia puramente ambiental a responsvel por um trao coletivo, preciso interpretar esse trao coletivo como a soma de processos distintos de influncias ambientais sobre os indivduos. No esta, entretanto, a forma tpica por que encontramos em ao as forcas do ambiente sobre os grupos humanos A, basta que um nico indivduo reaja diretamente ao seu ambiente e faa com que o resto do grupo venha, conscientemente, a participar da influncia que ele individualmente recebeu. duvidoso que mesmo um nico indivduo seja suscetvel a uma influncia ambiental inteiramente desacompanhada de influncias de outra espcie; mas admissvel pelo menos essa possibilidade como hiptese. Continua de p, entretanto, o ponto crucial de que, nas sociedades de fato existentes, uma influncia ambiental, mesmo do carter mais simples, sempre consolidada ou mudada pelas forcas sociais. o caso, portanto, de tachar como errnea qualquer tentativa para considerar um elemento de cultura, mesmo da natureza mais simples, como nicamente devido influncia do ambiente.
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1911 e publicada em American Anthropologist, nova srie 14 (1912), 226-242. Includa em Selected Writings, cit., 89-103] (N . T).
As forcas sociais, que assim transformam as influncias puramente ambientais, podem, por sua vez, ser consideradas como de carter ambiental, no sentido de que cada indivduo se acha colocado em meio de um conjunto de fatores sociais, a eles reagindo portanto. Por outro lado, tambm podem ser consideradas, pelo menos metafricamente, como paralelas em sua atuao s de hereditariedade, no sentido de que se transmitem de gerao a gerao. Estarem essas forcas sociais tradicionais sujeitas, por sua vez, a mudanas ambientais, entre outras, um fato que pe em relevo a complexidade do problema das origens e desenvolvimento de uma cultura. De maneira geral, melhor empregar o termo "ambiente" apenas quando se faz referncia a influncias, principalmente de natureza fsica, que escapam vontade do homem. No obstante, tratando-se da lngua, que se pode considerar um complexo de smbolos refletindo todo o quadro fsico e social em que se acha situado um grupo humano, convm compreender no termo "ambiente" tanto os fatores fsicos como os sociais. Por fatores fsicos se entendem aspectos geogrficos, como a topografia da regio (costa, vale, plancie, chapada ou montanha), clima e regime de chuvas, bem como o que se pode chamar a base econmica da vida humana, expresso em que se incluem a fauna, a flora e os recursos minerais do solo. Por fatores sociais se entendem as vrias forcas da sociedade que modelam a vida e o pensamento de cada indivduo. Entre as mais importantes dessas forcas sociais esto a religio, os padres ticos, a forma de organizao poltica e a arte. De acordo com esta classificao das influncias ambientais, so de esperar dois grupos de fatores ambientais refletindo-se na lngua, se se admitir por enquanto que a lngua sofre materialmente a influncia do quadro ambiental em que se acham os seus falantes. A rigor, claro, porm, que o ambiente fsico s se reflete na lngua na medida em que atuaram sobre ele as forcas sociais. A mera existncia, por exemplo, de uma espcie animal no ambiente fsico de um povo no basta para fazer surgir um smbolo lingstico correspondente. preciso que o animal seja conhecido pelos membros do grupo em geral e que eles tenham nele algum interesse, por mnimo que seja, antes da lngua da comunidade ser levada a reportar-se a esse elemento particular fsico. Em outras palavras, no que concerne a lngua, toda a influncia ambiental se reduz, em ltima anlise, influncia da parte social do ambiente. Apesar disso, mais cmodo fazer uma separao entre as influncias sociais que
decorrem mais ou menos diretamente do ambiente fsico e as que no podem facilmente a ele se relacionar. A lngua pode sofrer influncias sob um destes trs pontos: quanto ao seu assunto ou contedo, isto , ao lxico; quanto ao sistema fontico, isto , o sistema de sons com que opera para construir as palavras; e quanto forma gramatical, isto , aos processos formais e s classificaes de ordem lgica ou psicolgica que se usa quando se fala. A morfologia, ou a estrutura formal das palavras, e a sintaxe, ou os mtodos que se empregam para combinar palavras em unidades maiores ou frases, tais so os dois aspectos essenciais da forma gramatical. O lxico da lngua que mais nitidamente reflete o ambiente fsico e social dos falantes. O lxico completo de uma lngua pode se considerar, na verdade, como o complexo inventrio de todas as idias, interesses e ocupaes que aambarcam a ateno da comunidade; e, por isso, se houvesse nossa disposio um tesouro assim cabal da lngua de uma dada tribo, poderamos da inferir, em grande parte, o carter do ambiente fsico e as caractersticas culturais do povo considerado. No difcil encontrar exemplos de lnguas cujo lxico traz assim o sinete do ambiente fsico em que se acham situados os seus falantes. o que particularmente se verifica nas lnguas dos povos primitivos, pois entre eles ainda no atingiu a cultura um grau de complexidade capaz de incluir interesses praticamente universais. Deste ponto de vista, licito comparar o lxico das lnguas primitivas com os lxicos de certas seces de populao das naes civilizadas. O lxico caracterstico de uma tribo costeira, como os ndios nutka, com seus termos precisos para muitas espcies de animais marinhos, vertebrados ou invertebrados, comparvel ao lxico de populaes pesqueiras da Europa, como os bascos da Frana sulocidental e da Espanha setentrional. Em contraste com essas populaes costeiras, cabe mencionar os habitantes de planaltos desertos, como os paite meridionais de Arizona, Nevada e Utah. No lxico de uma tribo dessas, encontramos lugar para muitos aspectos topogrficos que quase, s vezes, nos ho de parecer minuciosos demais para terem valor prtico. Entre as designaes topogrficas dessa lngua, que tm sido coligidos, h termos para diviso, salincia, cho arenoso, vale semicircular, vale circular ou cavo, uma poro de solo plano entre lombadas de serra, vale de plancie cercado de montanhas, plancie, deserto, colina, plat, desfiladeiro sem gua, desfiladeiro com regos dgua, lenis dgua ou brejos, abismo, falda de montanha ou escarpa de desfiladeiro que no recebe sol, regio ondulosa cortada de pequenas lombadas montanhosas, e muitos outros mais.
No caso dos lxicos especializados, tanto do nutka como do paite meridional, importante assinalar que no so propriamente a fauna e os aspectos topogrficos da regio, em si mesmos, que a lngua reflete, mas antes o interesse da nao nesses traos ambientais. Se os ndios nutka dependessem primariamente, para o seu sustento, da caa terrestre e dos produtos vegetais, apesar da sua proximidade do mar, no haveria a menor dvida que o lxico no se apresentaria to decididamente saturado de noes marinhas. Da mesma sorte, de todo evidente, em face da presena em paite de tantos termos topogrficos, aqui enumerados, que uma necessidade a referncia acurada topografia por parte de habitantes de uma regio inspita e semi-rida; a premncia puramente prtica de assinalar cuidadosamente um manancial h de exigir a referncia a vrios pequenos acidentes topogrficos. At que ponto o interesse pelo ambiente fsico, e no a mera presena de tal ambiente, que afeta o carter de um lxico, torna-se evidente pelo caso oposto do ingls. Quem entre ns no botnico nem est particularmente interessado, por motivos de medicina popular ou outros, no conhecimento dos vegetais, no sabe referir-se a um sem nmero de plantas, que fazem parte do nosso ambiente fsico, seno pelo qualificativo genrico de "ervas", ao passo que uma tribo ndia, dependendo em alta proporo para o seu sustento de plantas selvagens e outros produtos do reino vegetal, ter termos precisos para cada uma dessas ervas indiferenciadas em nossa lngua. Em muitos casos, at, se usaro termos distintos para as vrias condies de uma mesma espcie de planta, fazendo-se referncias distintas conforme ela est crua ou cozida, desta ou daquela cor, ou est neste ou naquela fase de crescimento. Deste modo possvel coletar vocabulrios especializados para bolotas ou glandes em diversas tribos da Califrnia ou do Oregon. Outro exemplo de quo intensamente o interesse social determina a natureza do lxico o que nos ministram os termos para "sol" e "lua" em vrias lnguas indgenas. Enquanto ns outros achamos indispensvel distinguir sol e lua, no poucas tribos se contentam com um palavra nica, cabendo ao contexto a determinao exata. Se nos queixarmos de que uma tal vaguidade no faz justia a uma diferena essencial da natureza, o ndio bem poder retrucar com o carter omnium gatherum do nosso termo "erva" em contraste com o seu vocabulrio muito mais preciso para plantas. Tudo depende naturalmente do ponto de vista em que se coloca o interesse. Com isso no esprito, logo se compreende que a presena ou ausncia de termos genricos depende em grande parte do
carter positivo ou negativo do interesse que despertam os elementos ambientais correspondentes. Quanto mais necessrio for para uma cultura fazer distines dentro de uma dada srie de fenmenos, tanto menos provvel ser a existncia de um termo genrico para a srie toda. Por outro lado, quanto mais culturalmente indiferentes forem esses elementos, tanto mais provvel ser que eles todos se englobem num termo nico de aplicao geral. o que se pode resumir, se lcito resumir com um exemplo, com dizer que para o leigo toda forma animal que no de ser humano, de quadrpede, de peixe ou de ave, um inseto ou um verme 2. Para um leigo dessa espcie o conceito e o termo correspondente "mamfero" sero, pela razo oposta, qualquer coisa de estranho. H uma diferena bvia entre palavras, que no so mais que elas prprias, incapazes de anlise ulterior, e aquelas outras que so evidentemente de formao secundria, prestando-se a uma anlise mesmo mais superficial reflexo. Um leo no passa de um leo; mas um leo monts sugere qualquer coisa a mais, alm da simples designao do animal. Onde est em uso para um conceito simples um termo descritivo transparente, justo concluir, na maioria dos casos, que o conhecimento do elemento ambiental, assim referido, comparativamente recente. A ao destrutiva das mudanas fonticas h de ter desgastado, com o correr dos tempos, termos originariamente descritivos, reduzindo-os a meras etiquetas ou puras e simples palavras inanalisveis. Aludo aqui a essa questo, porque o carter transparente ou no-transparente de um lxico pode nos permitir inferir, ainda que um tanto vagamente, desde quando, para um grupo populacional dado, familiar determinado conceito. Gente que fala de "lees" deve evidentemente h muitas geraes estar familiarizada com o animal. J os que falam em "lees monteses" dir-se-ia que s os conhecem do dia de ontem. O caso ainda mais claro quando voltamos a nossa ateno para os nomes de lugar. S um estudioso de histria lingstica capaz de analisar nomes como Essex, Norfolk e Sutton, decompondo-os em "East Saxon", "North Folk" e "South Town"
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etimologicamente unidades, exatamente como "butter" e "cheese" [manteiga e queijo]. O contraste entre um pas habitado por um grupo que h muito tempo historicamente homogneo, cheio de nomes de lugares etimologicamente obscuros, e um pas recm-povoado, com
[Em ing. "bug or worm", sendo bug, a rigor "percevejo", generalizado na Amrica do Norte como "inseto"] (N.T.). [Isto , "Saxo de Este", "Gente do Norte", "Cidade do Sul". Cf. em port. Santarm, que ascende a Santa Irene] (N T.).
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Newtowns, Wildwoods, Mill Creeks, 4 uma coisa que salta aos olhos. Naturalmente que entra muito em linha de conta a ndole gramatical da prpria lngua; as formas altamente sintticas, que so as de muitas lnguas indgenas americanas, parece perderem o carter descritivo dos seus termos muito mais lentamente do que acontece em ingls, por exemplo. Acabamos de ver que o estudo cuidadoso de um dado lxico conduz a inferncias sobre o ambiente fsico e social daqueles que o empregam; e, ainda mais, que o aspecto relativamente transparente ou no-transparente do prprio lxico nos permite deduzir o grau de familiaridade que se tem adquirido com os vrios elementos do ambiente. Muitos estudiosos, principalmente Schrader5, tratando do material indo-germnico6, tentaram uma utilizao ainda mais ambiciosa do exame dos lxicos das lnguas cognatas. Selecionando-se palavras, que so comuns a todas, ou pelo menos, a diversas lnguas de um grupo geneticamente relacionado, fizeram-se tentativas para se obter uma idia do lxico da lngua hipottica de que so variedades posteriores as formas de linguagem sob investigao, a fim de desta sorte se chegar a uma noo das sries de conceitos de que dispunham os falantes da lngua reconstruda. Trata-se aqui de uma espcie de arqueologia lingstica. Sem dvida, alguns estudiosos de lingstica indo-germnica tm ido longe demais nas tentativas de reconstruir a cultura luz da lingstica comparativa, mas o valor das indicaes que assim se conseguem no pode ser sumariamente negado, nem admitindo-se que as palavras se conservem ainda depois que a significao originria se perdeu. S h para lamentar que na comparao de lnguas que divergiam consideravelmente entre si e cujo prottipo reconstrudo deve por isso se reportar a um remoto pretrito, muito pouco material se pode obter, em regra, quanto s fases da cultura mais interessantes. No nos preciso ampliar a comparao lingstica para nos convencermos que nesse remoto perodo do passado as pessoas tinham mos e tinham pais, mas muito mais relevante descobrir se j conheciam o uso do sal, por exemplo. Naturalmente que no se deve pr de lado a possibilidade de emprstimo para uma palavra que aparentemente comum a vrias das lnguas. No obstante,
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[Isto , "Cidades Novas", "Matas Virgens", "Angras do Moinho". Cf. no Brasil "So Jos do Rio Pardo", "Angra
[Otto Schrader, Reallexikon der indogernanischen Altertumskunde, cuja edio mais atualizada, de A. Nehring,
[Na poca deste artigo, 1912, Sapir usava a expresso "indo-germnico", prpria da lingstica alem; mais tarde
de maneira geral, um conhecimento adequado da fonologia das lnguas em apreo permite em regra que o analista criterioso consiga separar os elementos nativos dos que foram importados. Tem havido muito pouco trabalho comparativo na Amrica, por enquanto7, para ensejar um corpo considervel de resultados tangveis, de interesse cultural, proveniente desse tipo de pesquisas; mas quase certo que, com um esforo mais intenso, resultados dessa ordem emergiro em alto grau. indubitvel que um estudo rigoroso do algonkin, siouan e athabaskan em seus lxicos, visto a essa luz, fornecer eventualmente muita coisa de interesse. Com um exemplo significativo, quero aqui citar de passagem que o nahualtl oco-tl pinus tenuifoliae o paite meridional oy-mpu abeto nos levam a uma raiz uto-aztekan oko- que se refere a um tipo qualquer de pinheiro ou abeto. Se o ambiente fsico, caracterstico de um povo, assim se reflete em grande parte na lngua, o mesmo acontece, at com maior amplitude, em relao ao ambiente social. Uma grande poro, seno a maioria, dos elementos que constituem os elementos fsicos se encontram universalmente distribudos no tempo e no espao, de tal sorte que no h limites naturais para a variabilidade dos materiais lxicos na medida em que do expresso a conceitos provenientes do mundo fsico. J uma cultura, ao contrrio, se desenvolve por inmeros caminhos e pode atingir qualquer grau de complexidade. No , portanto, de surpreender que os lxicos de povos muito diferentes, em carter e grau de cultura, participem dessa larga diferena. H diferena entre lxico rico e conceptualmente ramificado de lnguas, como o ingls ou o francs, e o de um grupo tipicamente primitivo, correspondendo esse fato, em grande escala, ao que se obtm da comparao entre a complexa cultura dos povos de lngua inglesa ou francesa da Europa e da Amrica, com a sua vasta rede de interesses especializados, e a cultura relativamente simples e indiferenciada de um grupo primitivo. Tal variabilidade de lxico, refletindo o ambiente social, tem alcance no tempo e no espao; em outros termos, a massa de conceitos culturais, e tambm portanto do lxico a eles referentes, vai se tornando cada vez mais rica e ramificada com o aumento, no grupo, da complexidade cultural. Que o lxico assim reflita em alto grau a complexidade da cultura praticamente um fato de evidncia imediata, pois o lxico, ou seja, o assunto de uma lngua, destina-se em qualquer poca a funcionar como um conjunto de smbolos, referentes ao quadro cultural do
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[Isto em 1912. Sapir, justamente, entre outros, muito concorreu para que se modificasse essa situao, e hoje a sua
grupo. Se por complexidade de uma lngua se entende a srie de interesses implcitos em seu lxico, no preciso dizer que h uma correlao constante entre a complexidade lingstica e a cultural. Se, porm, como a maneira de ver mais comum, a complexidade lingstica se reporta ao grau de desenvolvimento morfolgico e sinttico, no absolutamente verdade que exista tal correlao. Na realidade, pode-se quase propor uma correlao inversa e afirmar que o desenvolvimento morfolgico tende a diminuir com o aumento da complexidade cultural. Exemplos dessa tendncia so to fceis de encontrar, que quase no vale a pena falar disso aqui. Basta apenas assinalar que a histria do ingls e do francs mostra uma perda constante de elaborao na estrutura gramatical, a partir das formas mais antigas registradas, at hoje. Por outro lado, no convm dar ao fato demasiada importncia. A existncia de numerosas formas de linguagem relativamente simples entre os povos primitivos no favorece a idia de uma correlao tangvel entre o grau ou forma cultural e a forma lingstica. Mas ento no haver outro elemento da lngua, afora o seu mero assunto concreto ou lxico, que mostre ter certa relao com o ambiente fsico e social dos falantes? s vezes se tem assegurado que o carter geral do sistema fontico de uma lngua est mais ou menos dependente do ambiente fsico: que uma comunidade habitando regies montanhosas, ou sob condies tendentes a tornar difcil a luta pela existncia, desenvolve formas lingsticas acusticamente speras, enquanto os que a natureza favorece mais, usam sistemas fonticos relativamente mais suaves. Tal teoria pode ser contestada com a mesma facilidade com que nos parece plausvel. No h dvida de que se pode aduzir exemplos de sistemas fonticos speros entre gente montanhesa, como os de vrias lnguas faladas no Cucaso; nem difcil encontrar formas lingsticas acusticamente agradveis entre grupos vivendo num ambiente fsico favorvel. , porm, igualmente fcil citar casos opostos a ambos esses. Os habitantes aborgenes da costa noroeste da Amrica encontram subsistncia relativamente fcil numa regio em que abundam muitas formas comestveis da vida marinha; e, apesar disso, as lnguas respectivas rivalizam em aspereza fontica com as lnguas do Cucaso. Por outro lado, talvez nenhuma populao tenha sido jamais sujeita a um ambiente fsico mais ingrato do que os esquims; ora, a lngua esquim no s nos impressiona pelo sistema fontico relativamente agradvel que possui, em comparao com as lnguas da Costa Noroeste, mas at se pode considerar como levando vantagem, neste
particular, s lnguas indgenas americanas em geral. H muitos casos - certo - de lnguas diversas, faladas num territrio contnuo, com sistemas fonticos semelhantes; mas em todos esses casos logo se evidencia que no se trata da influncia direta do ambiente, seno de fatores psicolgicos de carter muito mais sutil, equiparveis talvez aos que operam na difuso de elementos culturais. assim que os sistemas fonticos do tlingit, haida, tsimshian, kwakiutl e salish so semelhantes, no porque os grupos falantes se achem em condies ambientais muito parecidas, mas porque esto em contigidade geogrfica, capazes portanto de sofrer influncia psicolgica uns dos outros. Deixando de lado essas consideraes gerais sobre a falta de correlao entre o ambiente fsico e o sistema fontico em. seu conjunto, possvel assinalar vrios exemplos notveis, quer de semelhanas fonticas em lnguas de grupos que vivem em ambientes muito diversos e pertencem a muito diversos nveis culturais, quer de no menos notveis diferenas fonticas, que apresentam lnguas faladas em regies adjacentes, com ambiente idntico ou muito prximo, e dentro de um mesmo quadro cultural. Eis alguns exemplos que serviro para mais ressaltar a nossa tese. O emprego do acento de altura, como elemento distintivo da linguagem oral, se encontra em chins e lnguas suas vizinhas da sia sul-oriental, em ewe e outras lnguas da frica ocidental, em hotentote na frica meridional, em sueco, em tewa no Novo Mxico e em takelma no Oregon sul-ocidental. Nesta srie de exemplos citamos praticamente toda a escala das condies ambientais e culturais no mundo. As vogais nasais aparecem no s em francs e portugus, mas tambm em ewe, iroqus e siouan. As consoantes "fortes", isto , as oclusivas que se pronunciam com uma simultnea ocluso e subseqente descarga das cordas vocais, ocorrem tanto em muitas lnguas americanas a oeste das Montanhas Rochosas, como tambm em siouan e no georgiano e outras lnguas do Cucaso. A ocluso glotal, com valor distintivo na fala, se apresenta no s em grande parte, seno na maioria, das lnguas indgenas americanas, mas ainda em dinamarqus e em leto, uma das lnguas balto-eslavas do oeste da Rssia. Sons to notveis em sua peculiaridade, como o rouco h e o estringente 'ain do rabe, vo aparecer quase sob aspecto idntico em nutka. E assim por diante indefinidamente. Por outro lado, embora o ingls e o francs, de maneira geral, se possam considerar de culturas estreitamente prximas, oferecem diferenas impressionantes nos sistemas fonticos que utilizam. Se nos voltarmos para a Amrica aborgene, verificamos que dois grupos de tribos,
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intimamente relacionadas, de um ponto de vista cultural, como so os iroqueses e os seus vizinhos orientais algonkin, falam lnguas largamente divergentes, quer sob o aspecto fontico, quer sob o morfolgico. Os yurok, karok e hupa, que ocupam reunidos um pequeno territrio da Califrnia norte-ocidental, constituem uma unidade cultural muito estreita. Ainda aqui, porm, verificamos que so grandes as diferenas fonticas entre as lnguas faladas por essas vrias tribos. E assim por diante indefinidamente. No h outra alternativa, pois, seno postular a absoluta falta de correlao entre o ambiente fsico e social, de um lado, e, de outro lado, os sistemas fonticos, quer no seu aspecto acstico geral, quer na distribuio de elementos fonticos especficos. Somos tentados a atribuir essa falta de correlao do sistema fontico com o ambiente ao carter relativamente fortuito do sistema fontico considerado de per si; ou, para nos exprimirmos em termos talvez mais claros, circunstncia de que o sistema fontico se explica a rigor por um desenvolvimento quase mecnico, sem estar sujeito, em qualquer de suas fases, reflexo consciente e, dai, sem qualquer espcie de dependncia das condies ambientais ou, pelo menos, com uma dependncia s remota e indireta. J a morfologia da lngua, testemunhando certas maneiras definidas de pensar, prevalecentes entre os falantes da lngua, presta-se a se lhe atribuir uma relao qualquer com o acervo de conceitos que formam o capital, por assim dizer, da atividade mental do grupo. Ora como tal acervo de conceitos necessariamente determinado pelo ambiente fsico e social, segue-se que lcito pressupor uma correlao qualquer entre esses dois tipos de ambiente e a estrutura gramatical. Mas, apesar de tudo, a prova em contrrio to forte, neste caso, como no caso paralelo que acabamos de eliminar. Pode-se considerar o assunto da morfologia como constitudo de certas categorias mentais, de ordem lgica ou psicolgica, que recebem um tratamento gramatical, e de mtodos formais para express-las. Pode-se ilustrar o carter distinto desses dois grupos de fenmenos morfolgicos com atentar que lnguas vizinhas podem se influenciar, ou pelo menos se assemelhar, umas s outras em referncia a um desses itens, sem haver necessariamente, quanto ao outro, uma correspondente influncia ou semelhana8. assim que o recurso reduplicao geral nas lnguas indgenas americanas, enquanto so dos mais variados os conceitos que se
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[Isto , uma indicao, pela forma lingstica, de que o falante faz a sua assero em virtude de uma interferncia
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expressam por tal mtodo. Temos aqui o uso generalizado de um recurso formal apenas. Como caso inverso, acha-se muito espalhada nas lnguas americanas a noo da atividade inferencial, isto , um conhecimento que se baseia antes na inferncia do que na garantia alheia, mas por meio de diversos processos formais distintos. Temos aqui o uso generalizado na gramtica de uma categoria mental, apenas. Ora, incursionando atravs das lnguas, vamos deparar com numerosos casos tanto de semelhanas notveis nos processos formais da morfologia, como de notveis semelhanas ou identidades de conceitos passveis de tratamento gramatical, semelhanas e identidades todas que no apresentam qualquer tipo aparente de correspondncia com os fatores ambientais. Sirva de exemplo, quanto semelhana de processos formais, a mudana voclica nos verbos e razes nominais, que comum s lnguas indo-germnicas, s semticas, ao takelma e ao yana. Outro exemplo a infixao de elementos gramaticais no corpo de uma raiz nominal ou verbal em malaio, mon-khmer e siouan. Note-se que, apesar dos tipos muito peculiares de processo formal que escolhi para fins ilustrativos, eles emergem em ambientes acentuadamente distintos. Um exemplo impressionante por outro lado, de uma categoria mental gramaticalmente significativa e que se encontra irregularmente distribuda, cobrindo ambientes amplamente diversificados, o gnero gramatical fundamentado no sexo. Encontramo-lo concretizado em indo-germnico, semtico, hotentote da frica do sul, e chinuk das terras baixas da Colmbia. Outros exemplos no menos expressivos so a existncia de casos sintticos, primariamente um subjetivo e um objetivo, em indo-germnico, semtico e ute, e a distino entre um inclusivo e um exclusivo na 1a. pessoa dual ou plural9, que se encontra em kwakiutl, shoshonean, iroqus, hotentote e melansio. A prova complementar da falta de correlao, a que estamos nos referindo, -nos dada pela existncia de diferenas morfolgicas entre lnguas vizinhas e usadas por povos que se acham submetidos a uma mesma srie de influncias ambientais, de ordem fsica ou social. Sero bastantes alguns exemplos bem pertinentes. Os chinuk e os salish das terras baixas da Colmbia e costa ocidental de Washington formam uma unidade cultural dentro de um ambiente fsico homogneo, e, no obstante, ressaltam diferenas morfolgicas do mais alto alcance entre as
pessoal e no pelo que soube de outrem] (N.T.). 9 [Isto , um pronome "ns", que inclui, e outro, que exclui, a pessoa com que se fala: 1) "eu e eles", 2) "eu e Vs"] (N.T.)
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lnguas dos dois grupos tribais. As lnguas salish fazem uso superabundante da reduplicao para vrios fins gramaticais, ao passo que a reduplicao em chinuk, embora ocorrendo em sentido restrito, no tem gramaticalmente significao. Por outro lado, o sistema de gnero sexual, que opera com rigor no sistema nominal e verbal do chinuk, s partilhado pelos dialetos salish da costa na medida em que h artigos pr-nominais para indicarem as distines de gnero, e as lnguas salish do interior carecem, totalmente, at dessa limitada indicao de gnero. Talvez um exemplo ainda mais notvel de dissimilaridade morfolgica radical, entre lnguas vizinhas de uma rea cultural nica, seja o que nos ministram o yana e o maidu, faladas na Califrnia do centro-norte. O maidu faz uso de um grande nmero de prefixos gramaticais, e para fins gramaticais emprega com certa amplitude a reduplicao. O yana no quer saber nem de reduplicao nem de prefixos. Por outro lado, o maidu carece de traos caractersticos do yana, como sejam a diferena de forma entre a lngua dos homens e a das mulheres e o emprego de vrias centenas de sufixos gramaticais, dos quais alguns possuem uma farsa verbal to concreta que se justifica a sua interpretao mais como razes verbais, em posio secundria, do que como sufixos propriamente ditos. Se nos voltarmos para o Velho Mundo, vemos que o hngaro difere das lnguas indo-germnicas vizinhas pela sua falta de gnero gramatical e pela utilizao da harmonia voclica, trao este que, embora primariamente fontico, tem contudo importante alcance gramatical. A certos respeitos pode parecer decepcionante a constatao de que as caractersticas fonticas e morfolgicas de uma lngua no se acham em qualquer relao com o ambiente em que ela se fala. Ser, afinal de contas, que as linhas mestras formais de uma lngua no revelam, de uma maneira qualquer, o complexo cultural que ela exprime como seu assunto? Mas, se olharmos mais de perto, veremos, em certos casos, que pelo menos alguns elementos que entram na constituio de um complexo cultural, se consubstanciam na forma gramatical. Isso especialmente verdade a respeito de lnguas sintticas, que operam com grande nmero de prefixos ou sufixos de significao relativamente concreta. Assim, o uso em kwakiutl e nutka de sufixos locativos para definir as atividades que se efetuam na praia, entre as rochas, no mar, em casos em que na maioria das lnguas seria muito mais idiomtico omitir uma referncia dessa ordem, evidentemente se prende natureza do ambiente fsico e aos conseqentes interesses econmicos entre esses ndios. Analogamente,
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quando verificamos que idias como as de comprar, oferecer um banquete com certo tipo de alimento, dar um potlatch
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cerimnia de puberdade de uma rapariga, se expressam em nutka por meio de sufixos gramaticais, somos tentados a concluir que cada um desses atos altamente tpico na vida da tribo, e, por isso, eles constituem elementos importantes na respectiva cultura. Tal espcie de correlao tambm se pode exemplificar com o uso em kwakiutl, nutka e salish de sries distintas de numerais para diversas classes de objetos, fato que e talvez levado ao seu desenvolvimento mximo em tsimshian Quando mais no seja, essa peculiaridade gramatical sugere a existncia de mtodos definidos de contar, e parece pr em relevo o conceito da propriedade, que sabemos ser altamente desenvolvido nos ndios da nossa costa ocidental. Tomando-se como ponto de partida, casos como esses, de to bvia comparao, pode-se continuar indefinidamente, e colher uma qualquer peculiaridade gramatical com o fim de interpret-la em termos de ambiente cultural ou fsico. Poderamos concluir, por exemplo, que h uma atitude social especfica para com a mulher sempre que se encontra a utilizao sexo no gnero gramatical. Basta apenas esta ltima possibilidade de concluso para mostrar a que arroubos de fantasia conduz essa maneira de argumentar. Examinando-se os casos mais ldimos de correlao entre gramtica e cultura, acaba-se por verificar que no , afinal de contas, com a forma gramatical em si mesma que se est operando, mas apenas com o contedo dessa forma; ou, em outras palavras, tudo se resolve em ltima anlise numa correlao entre ambiente e lxico, com que j aqui nos familiarizamos. O interesse essencial, do ponto de vista morfolgico, dos sufixos nutka da classe acima citada est na circunstncia de se utilizarem elementos, prprios para verbalizarem nomes, como sufixos a razes nominais. Trata-se de um fato psicolgico que no se pode relacionar a contento com qualquer fato de cultura ou de ambiente fsico de que temos notcia. A maneira especial por que um nome se verbaliza, ou o grau de significao concreta, ministrado por um sufixo, so questes de relativo desinteresse para o lingista. Sentimo-nos, portanto, talvez relutantemente, forados a. admitir que, com exceo do reflexo do ambiente sobre o lxico de uma lngua, nada h na lngua em si mesma que se prove estar em associao direta com o ambiente. E o caso ento de nos surpreendermos de que,
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[Costume de muitas tribos indgenas norte-americanas, que consiste, da parte de um chefe, em distribuir
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sendo assim, v se encontrar nas vrias partes do mundo um to grande nmero de sistemas fonticos e tipos de morfologia lingstica to profundamente distintos. Talvez que todo o problema da relao geral entre cultura e ambiente, de um lado, e, de outro lado, a lngua possa se explicar, at certo ponto, considerando-se simplesmente a velocidade da mudana ou desenvolvimento de uns e de outra. Os dados lingsticos so necessariamente menos suscetveis de aflorar na conscincia dos falantes do que os dados culturais. Sem tentar entrar aqui numa anlise da diferena psicolgica entre as duas sries de fenmenos, parece resultar dessa diferena que as mudanas na cultura provm, pelo menos em. grande parte, de processos conscientes ou de processos que fcilmente se tornam conscientes, ao passo que as da lngua se devem explicar, se que se explicam, como devidas a uma ao mais sutil de fatores psicolgicos que escapam ao domnio da vontade e da reflexo. Se isso certo e tudo nos leva a crer que o seja temos de concluir que a mudana cultural e a mudana lingstica no correm ao longo de linhas paralelas e portanto no tendem a se manter numa relao causal ntima. Tal ponto de vista torna perfeitamente legtimo admitir-se, se necessrio, a existncia, numa fase humana pretrita mais primitiva, de um contacto, entre o ambiente e a forma lingstica, mais estreito do que ora se pode estabelecer, pois com o correr dos tempos o carter diverso e a diversa velocidade de mudana nos fenmenos lingsticos e nos culturais ho de ter concretamente perturbado muito e, afinal, inteiramente eliminado tal contacto. lcito considerar, esquematicamente, como se segue, o desenvolvimento da cultura e da lngua. Um grupo primitivo, onde ainda mal se esboa o despontar da cultura e da lngua, pode, no obstante, ser concebido com um comportamento proveniente de uma psicologia coletiva bastante precisa, determinada - suponhamos - em parte pela mentalidade da prpria raa, em parte pelo ambiente fsico. E na base dessa psicologia coletiva, sejam quais forem as suas tendncias, que lentamente vo se desenvolver a lngua e a cultura. Como ambas esto, de incio, diretamente condicionadas por fatores fundamentais de raa e ambiente fsico, haver entre elas um paralelismo um tanto estreito, de sorte que as formas da atividade cultural se refletiro no sistema gramatical da lngua. Em outros termos: no s as palavras da lngua passam a servir de smbolos de elementos culturais dispersos, como sucede nas lnguas em qualquer perodo de
festivamente as suas riquezas, para mostrar que no depende delas mas do seu prprio valor pessoal] (N.T.).
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desenvolvimento, mas se pode supor que as prprias categorias e processos gramaticais simbolizariam tipos correspondentes de pensamento e atividade de significao cultural. At certo ponto, pode se conceber, portanto, a cultura e a lngua em constante estado de interao e em associao definida por um largo lapso de tempo. Mas tal estado de correlao no pode continuar indefinidamente. Pela mudana gradual da psicologia coletiva e do ambiente fsico ho de se efetuar mudanas mais ou menos profundas tanto na lngua como na cultura. Ora, a lngua e a cultura no so evidentemente uma expresso direta da psicologia racial e do ambiente fsico, seno que dependem primariamente, para sua existncia e perenidade, das forcas da tradio. Assim, apesar da necessidade de modificaes numa e noutra com o correr dos tempos, sempre se far sentir uma tendncia conservadora a refrear as tendncias para a mudana. E aqui chegamos ao ponto crucial. Os elementos culturais, que servem de maneira mais definida s necessidades imediatas da sociedade e entram mais claramente no campo da conscincia, no s ho de mudar mais rapidamente do que os elementos lingsticos, mas a prpria forma da cultura, que d a cada elemento a sua significao relativa, h de ficar num processo contnuo de remodelao. Os elementos lingsticos, por outro lado, embora em si mesmos possam ter, e tenham, rpidas mudanas, no se prestam facilmente a reformulaes, devido ao carter subconsciente da classificao gramatical. Um sistema gramatical, no que depende dele prprio, tende a persistir indefinidamente. Em outras palavras, a tendncia conservadora se faz sentir muito mais profundamente nos lineamentos essenciais da lngua do que na cultura. Da, a conseqncia necessria de que as formas da lngua, com o correr do tempo, deixaro de simbolizar as da cultura, o que a nossa tese central. Outra conseqncia que se pode atribuir s formas lingsticas a peculiaridade de refletir a fase cultural de um pretrito remoto com mais nitidez do que a cultura atual. Com isso no se pretende afirmar que se chegue jamais a um estgio onde lngua e cultura j no apresentem qualquer espcie de relao entre si, mas apenas que as diferenas de velocidade na mudana, entre uma e outra, diferem to concretamente, que se torna praticamente impossvel depreender essa relao. Conquanto as formas lingsticas no mudem to rapidamente como as culturais, indubitvel que uma velocidade fora do comum na mudana cultural se faz acompanhar de uma acelerao na mudana lingstica. Se levarmos esse ponto de vista sua natural concluso, somos forados a admitir que uma complexidade rapidamente crescente da cultura exige
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mudanas correspondentes, embora no to rpidas, na forma e contedo lingstico. uma maneira de ver que se acha em frontal antagonismo com a que geralmente se tem, a respeito de um conservantismo de linguagem, entre as comunidades civilizadas, maior do que nos povos primitivos. claro que a tendncia para a mudana lingstica rpida, em conseqncia de um rpido acrscimo de complexidade na cultura, pode ser combatida por um dos elementos mais importantes de qualquer cultura avanada, qual o uso de um conjunto secundrio de smbolos lingsticos, necessariamente detentores de maior conservantismo do que os primrios smbolos orais e capazes assim de exercer sobre estes ltimos a sua ao conservadora. Refiro-me ao emprego da escrita. No obstante isso, porm, a mim se afigura que o aparente paradoxo a que chegamos, contm uma larga parcela de verdade. No me inclino a considerar um mero acidente a circunstncia de apresentar-se o rpido desenvolvimento da cultura na Europa ocidental, nos ltimos 1200 anos, em sincronia com o que parece ser uma mudana excepcionalmente rpida no mbito lingstico Embora seja impossvel prov-lo de maneira inconcussa, sou tentado a duvidar que muitas lnguas de povos primitivos tenham sofrido modificaes to rpidas, num correspondente perodo de tempo, quanto a lngua inglesa. No dispomos de tempo para entrar mais francamente nessa explicao puramente hipottica da impossibilidade de estabelecer uma relao causal entre lngua e ambiente, mas uma. metfora talvez nos ajude a compreender o fenmeno. Dois homens iniciam uma jornada sob a condio de cada qual arranjar-se como puder, conforme os seus prprios recursos, mas ambos tomando a mesma direo geral. Durante muito tempo, ainda livres de fadiga, os dois homens se mantero relativamente juntos. Com o correr do tempo, entretanto, os graus diferentes de farsa fsica, de engenhosidade, de habilidade em se orientar, e muitos outros fatores, comearo a se fazer sentir. Comearo a divergir cada vez mais o trajeto realmente percorrido por cada um, em referncia ao companheiro, e o trajeto originariamente planejado, ao mesmo tempo que a distncia absoluta entre um e outro tambm se tornar cada vez maior. o que acontece com muitas sries de seqncias histricas, que, em dado momento causalmente relacionadas, tendem a divergir com o correr do tempo.