Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $9.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Uma tempestade de verão: (Sucesso no TikTok)
Uma tempestade de verão: (Sucesso no TikTok)
Uma tempestade de verão: (Sucesso no TikTok)
E-book365 páginas5 horas

Uma tempestade de verão: (Sucesso no TikTok)

Nota: 5 de 5 estrelas

5/5

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

COM QUEM VOCÊ DANÇARIA EM MEIO A UMA TEMPESTADE?
Quando Meredith Fox perdeu a irmã, Claire, um ano e meio atrás, ela se afastou de todos. Parou de sair com os amigos, se distanciou da família e até o namorado a largou. Mas, neste verão, ela está determinada a voltar a socializar e a viver.
A viagem anual de veraneio para Martha's Vineyard parece o momento perfeito para refazer essas relações. Sua família inteira, com direito a tios, primos e agregados, vai se reunir para um grande casamento na praia, e Meredith está animada para participar do tradicional jogo de Assassino que os Fox organizam todo verão. Claire sempre amou essa brincadeira, e Meredith está disposta a tudo para honrar o legado da irmã.
Mas quando decide formar uma aliança com Wit, um padrinho da parte do noivo, as coisas começam a sair dos eixos. Ela sabe que aparências enganam, mas vê uma luz nele. Apesar de determinada a se concentrar no jogo e vencer em nome de Claire, Meredith não consegue evitar os sentimentos que surgem. De repente, ao longo de uma tempestuosa semana, percebe que certas coisas precisam ser deixadas para trás... e que há felicidade pela frente.
A SENSAÇÃO DO TIKTOK AGORA TAMBÉM É BEST-SELLER DO USA TODAY!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de abr. de 2023
ISBN9786555951912
Uma tempestade de verão: (Sucesso no TikTok)

Relacionado a Uma tempestade de verão

Ebooks relacionados

Romance para adolescentes para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Uma tempestade de verão

Nota: 5 de 5 estrelas
5/5

1 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Uma tempestade de verão - K. L. Walther

    Domingo

    UM

    Ninguém pediu a batata frita. Três tigelas de caldo de mariscos, mas nenhuma cestinha da batata frita mais viciante de Cape Cod.

    — Mais alguma coisa? — perguntou o garçom, como se soubesse que faltava alguma coisa.

    Talvez soubesse mesmo. Talvez tivesse nos reconhecido — afinal, era tradição de família almoçar no Quicks Hole antes de pegar a balsa, para comemorar a última etapa da viagem. Em uma hora finalmente chegaríamos a Martha’s Vineyard.

    Notei que meus pais se entreolharam. Mais alguma coisa? Depois de tantas férias de verão, tudo era automático. Não precisávamos de cardápios — os pedidos estavam bem entranhados na memória, e nenhum deles incluía batata frita para a mesa.

    Porque era Claire quem sempre pedia por nós. Na maior cesta que tiver, diria. Estamos famintos!

    Percebi que era minha responsabilidade assumir aquela tarefa.

    — Na verdade, queremos, sim — falei, engolindo o nó na garganta. — Uma porção de batata frita, por favor. Trufada.

    — Ótima escolha — disse o atendente, antes de seguir para a cozinha.

    Meus pais e eu ficamos em silêncio, sentados à mesa alta, tentando não olhar a quarta cadeira, vazia. De propósito ou não, minha mãe tinha pendurado a bolsa ali, dando a impressão de estar menos vazia. Como se a pessoa que ocuparia a cadeira tivesse apenas ido ao banheiro, e logo voltaria.

    Quicks Hole Tavern tinha um nome adequado. A comida era, como indicava o quick, rápida, e levou só quinze minutos para chegar: três tigelas fumegantes da sopa mágica de mariscos, e uma cesta aparentemente infinita de batata frita salpicada de parmesão e salsinha. Meu pai ergueu a cerveja enquanto eu jogava as cinco gotas de molho de pimenta que sempre coloco na minha sopa.

    — Um brinde a Sarah e Michael — disse. — Que esta semana seja memorável.

    — A Sarah e Michael — eu e minha mãe ecoamos, erguendo os copos.

    Brindamos.

    — E a estarmos finalmente de volta — acrescentou ele, dando um beijo na bochecha da mamãe. — Já demoramos muito.

    Dois anos, precisamente. Minha família passava as férias no Vineyard desde antes do meu nascimento — havia mais de dezoito anos —, mas no ano anterior tínhamos ficado entocados em casa, no interior de Nova York. Olhei de relance para a cadeira vazia outra vez.

    Pois é, pensei. Já demoramos muito.

    Em seguida, mexi a sopa com a colher, vendo o molho vermelho girar até desaparecer, e me perguntei se alguma coisa teria mudado naquele tempo.

    Uma coisa que definitivamente não mudara era Steamship Authority, o porto das balsas em Falmouth. Sob o sol alto no céu azul de julho, as pessoas pareciam estar na fila do maior show do século. Carros, carros, e ainda mais carros validavam os tíquetes e estacionavam nas fileiras numeradas, à espera das balsas. Prendi meu cabelo loiro-mel em uma trança frouxa, abrindo caminho entre os carros com meus pais. Havia uma variedade colorida de jipes, a maioria de teto aberto, alguns inclusive sem portas, com música pulsando no rádio. Havia também os Volvos com caiaques amarrados, e os Range Rovers prateados e chiques. Os suportes para bicicleta deixavam os SUVs ainda mais imensos. Escutei uma criança de colo dar piti.

    — Não, Jeffrey, não dá para comer mais batata frita! — respondeu a mãe, exasperada.

    A fila de pedestres era uma mistura de universitários, famílias, cães, bicicletas, malas de rodinha, e casais mais velhos e experientes que apenas absorviam o caos.

    Loki estava arfando muito, de cabeça para fora da janela, quando voltamos à nossa caminhonete Ford Raptor.

    — Quer dar uma água para ele, Meredith? — perguntou minha mãe depois de nos instalarmos.

    Sem responder, peguei minha garrafa d’água e apertei, para nosso Jack Russell Terrier beber. Ele tomou a água que nem uma pessoa, um truque ensinado por Claire quando ele ainda era filhote.

    — Vai ser útil — dissera ela na época. — Não vamos precisar levar uma tigela para servir água quando formos passear.

    Não demorou para abrirem o acesso da gigantesca balsa das duas da tarde, The Island Home.

    — Esperem, abram o teto solar! — exclamei, enquanto a funcionária acenava para nosso carro passar pela entrada e meu pai desacelerava.

    Meu peito estava a mil. Era outra das minhas tradições com Claire, e que eu queria manter viva: sair pelo teto solar e gritar, como se estivéssemos passeando de limusine. Na maior parte do tempo, outras pessoas gritavam com a gente, especialmente os caras de jipe.

    — Que gostosa! — alguns tinham gritado na última viagem, quando Claire tinha dezessete anos e eu, dezesseis.

    — Pena que ela é comprometida! — minha irmã retrucara, supondo que estavam falando de mim, e não dela.

    Ela vivia se diminuindo sutilmente, e eu nunca entendia o porquê. Claire era linda, alta e atlética, com cachos castanho-avermelhados, além da coleção incrível de óculos. Como não podia usar lentes de contato, ela fora acumulando uma variedade eclética de armações, do retrô ao moderno. Naquele dia, estava usando os óculos quadrados, de armação transparente.

    A única coisa que tínhamos em comum, sendo irmãs, eram nossos olhos verdes, já que meu cabelo era claro e as sobrancelhas escuras (impressionantes, de acordo com a maioria das pessoas), e eu tinha uns bons treze centímetros a menos que Claire. Ela me chamava de Macaquinha desde que me vira escalar as prateleiras da despensa quando éramos menores.

    Subindo a rampa da balsa, não gritei (mas os caras dos jipes gritaram mesmo assim). Em vez disso, fechei os olhos e respirei fundo. Eu amava o cheiro da maresia. Tinha sentido saudade. Era tudo para mim. Minha família brincava que a gente deveria dar um jeito de guardar o cheiro de maresia em um frasco, para nos dar esperança nos invernos gelados de Nova York.

    Meus pais soltaram o cinto de segurança quando papai deixou o carro no ponto morto. Loki latiu e pulou pelo meio dos bancos até o colo da minha mãe. Ela riu e prendeu a guia na coleira verde.

    — Bom, é o sinal — falou. — Vamos subir.

    Ela estava se referindo ao convés superior da balsa. Era claro que podíamos ficar no carro, e havia também vários bancos na parte interna da balsa. Porém, assim como a maresia, nada se comparava ao vento fustigando o cabelo enquanto a ilha surgia no horizonte.

    — Boa ideia…

    Parei de falar quando algo chamou a minha atenção. Meu celular, de repente piscando e vibrando, irritante, no porta-copos do banco de trás. O nome na tela era igualmente irritante: Ben Fletcher.

    Senti um frio na barriga. Ben tinha mandado mensagem.

    — Hum, podem ir na frente — me ouvi dizer, enquanto lia o nome, que ficou embaçado entre as lágrimas. — Um minuto e já vou.

    Só li a mensagem de Ben depois do meu pai me dar as chaves e subir a escada com mamãe e Loki. Foi então que abri o celular e li:

    Como vai a estrada?

    Só isso. Sem oi, sem desculpas, sem arrependimento.

    Não que eu quisesse isso, mas…

    Como vai a estrada?

    Sério? Só isso?

    Não responda, disse a voz na minha cabeça, mas eu ignorei e digitei:

    Já saímos da estrada. Estamos na balsa.

    Ele respondeu:

    Ah, saquei. Quanto tempo demora?

    — Uma hora — murmurei, baixinho.

    Eu já tinha mencionado aquilo mil vezes, de tanta emoção depois de receber o convite em abril. srta. meredith fox escrito em letras cursivas e prateadas no envelope azul-claro.

    — O convite pede para confirmar se vou levar alguém — eu dissera a Ben mais tarde, aninhada no abraço dele enquanto assistíamos à Netflix. — Você vai comigo?

    — Ir com você? — perguntara ele, sorrindo. — Claro!

    E nos beijamos depois.

    Eu não pisquei para conter as lágrimas que caíam. Imagine se a Meredith de meses antes me visse assim — a caminho do casamento de Sarah, não só sem acompanhante, como, de forma geral, sem namorado. Porque, depois de quatro anos juntos, eu e Ben tínhamos terminado.

    Melhor dizendo, ele tinha terminado comigo. No mês anterior, do nada, no meio da festa de formatura dele. Em um segundo, estávamos dançando ao som da playlist hilária de Woodstock do pai dele, e, no seguinte, ele me afastara da pista de dança e começara a falar:

    — Foi bom enquanto durou… mas deve ser melhor manter a amizade… Dizem que namorar a distância é difícil…

    — Mas a gente combinou — eu interrompera. — Falamos disso já, lembra?

    Eu me agarrara ao braço forte dele, sentindo-me tonta de repente.

    — E dissemos que íamos tentar.

    Ben estava prestes a estudar na Universidade da Carolina do Sul, e eu ficaria na nossa cidade, apenas subindo a colina enorme de Clinton para chegar à Faculdade de Hamilton. Meu pai era treinador de futebol da faculdade, e eu queria ficar perto da família.

    — Lembra? — eu insistira.

    Ben não tinha dito nada.

    Eu o apertara com mais força.

    — Ben, não — dissera, sem conseguir conter o tremor na voz. — Por favor, eu preciso de você. Você sabe que preciso. Depois de tudo…

    — Eu sei, eu sei.

    Ben tinha me puxado para um abraço, de cabeça no peito dele. Normalmente, isso me acalmava, mas, naquele momento, parecera que ele só queria me calar.

    — Olha, Mere, eu te amo — sussurrara ele, me deixando desabar junto ao seu peito e chorar.

    Os batimentos do peito dele tinham abafado as palavras, me fazendo chorar ainda mais. Somente aquela última parte que me dava força para ficar de pé.

    — Ainda posso ir ao casamento — dissera ele. — Se você quiser.

    — Como assim? — eu perguntara, recuando e estremecendo no ar fresco da noite. — De acompanhante?

    — Isso — dissera, apertando meu ombro. — Isso não muda nada.

    Ele então tinha sorrido de leve, e recitado a cantada antiquada que sabia que eu amava:

    — Você ainda é minha garota preferida para andar de braços dados.

    Eu não lembrava mais como tinha respondido, mas definitivamente a conversa terminara com a minha fuga esbaforida, usando sapatos anabela de salto altíssimo. E, confesso, talvez tenha envolvido ter sido parada por uma blitz na volta para casa. Porque eu tinha passado do limite de velocidade, ou feito uma curva errada. Como eu mal tinha conseguido falar, de tanto chorar, o sargento Woodley me deixara ir embora só com uma advertência (e me acompanhara até em casa).

    Soou um bipe no sistema de comunicação da balsa. Hora de ir, pensei, mas senti outra vibração na mão: uma terceira mensagem de Ben.

    Mere, eu teria mesmo ido com você.

    Antes de me dar conta, senti o rosto arder e disquei o número dele.

    Ele atendeu no primeiro toque.

    — Oi…

    — Eu não queria que você viesse — interrompi, prestes a chorar. — Queria que meu namorado, meu namorado, viesse, não meu ex escroto!

    Silêncio.

    Ben suspirou.

    — Mere…

    Eu desliguei e sequei as lágrimas, precisando urgentemente sair do carro e pegar ar fresco. A buzina da balsa soou e eu peguei a maçaneta do carro, mas a área imensa já estava lotada, com tantos carros aglomerados que era impossível abrir a porta sem acertar o veículo ao lado. O teto solar, lembrei. Ainda estava aberto. Tentei não pensar em quantas pessoas tinham me ouvido gritar com Ben. Meu rosto estava vermelho de chorar, então revirei a mochila em busca dos óculos escuros, e cobri a cabeça com um dos bonés do meu pai antes de subir e sair da caminhonete. Sorri um pouco.

    Tranquilo.

    Foi a hora do desastre.

    Em vez de pular direto para o chão, me apoiei em um dos suportes de bagagem no topo do carro... mas não conferi a passagem estreita entre veículos para garantir que estava vazia. Simplesmente me balancei e saltei, que nem Tarzan em um cipó, e ondas de choque me percorreram quando meu pé colidiu com alguma coisa.

    Alguma coisa, não, alguém.

    — Ah, eita — disse o cara, pego de surpresa.

    Ele encolheu os ombros, e eu o vi massagear a área que eu chutara. O rosto, perto do nariz.

    — Ai! — exclamou.

    — Foi mal! — deixei escapar. — Mil desculpas. Sério, sério, desculpa!

    — Não, hum, tá de boa — respondeu.

    Porém, antes de ele conseguir se endireitar e olhar bem para a pessoa que o agredira, eu já tinha ido embora. Corri até a escada e subi, dois degraus por vez, até o convés superior.

    Minha mãe me abraçou quando a ilha surgiu no horizonte. Era mesmo um dia lindo, sem uma nuvem no céu. Não havia névoa ao redor do farol de East Chop nem barcos balançando pelo porto de Vineyard Haven.

    — Que boas-vindas! — comentou meu pai, e, de repente, fiquei com o olhar marejado, pensando em Claire.

    Metade de mim estava muito feliz de voltar, mas a outra metade queria que a balsa desse meia-volta para voltar para casa. Não parecia correto ir a Martha’s Vineyard sem minha irmã. Era ela quem mais amava aquele lugar. Já demoramos muito, meu pai dissera no almoço, mas não pude deixar de me perguntar: Será que foi o bastante?

    — Queria que Claire estivesse aqui — sussurrei para minha mãe.

    — Ela está — sussurrou ela de volta, apertando meus ombros com carinho, e apontou o céu. — Está fazendo o sol brilhar.

    — Para Sarah — falei.

    — Não — respondeu ela, balançando a cabeça. — Para todo mundo.

    DOIS

    Minha prima ia se casar. Sarah Jane Fox e Michael Phillipe Dupré se casariam no sábado, dia dezesseis de julho, às quatro da tarde na igreja St. Andrew, em Edgartown. Em seguida, a comemoração continuaria com música e jantar na fazenda Paqua.

    A fazenda Paqua, ou só a fazenda, como chamávamos, pertencia à família Fox desde antes da Primeira Guerra Mundial. Não era mais uma fazenda produtiva, mas uma extensão vasta de 240 hectares entre Edgartown e Tisbury, com quase dois quilômetros de praia particular. Passávamos horas balançando nas ondas do mar e flutuando tranquilamente nos famosos lagos e lagoas do Vineyard. A lagoa Paqua, mais isolada, sempre fora nossa preferida, minha e de Claire.

    Abracei bem Loki, que estava se remexendo, enquanto meu pai acelerava pela estrada de chão arenoso de cinco quilômetros de Paqua, soltando poeira.

    — Pai, vai mais devagar — pedi do banco de trás, mas ele estava rindo.

    O limite não oficial de velocidade da estrada era de quarenta quilômetros por hora, mas todo mundo gostava de não segui-lo.

    — Antigamente, a gente apostava corrida — contava meu tio Brad às vezes, dando um tapinha no ombro do meu pai. — Nossa, a gente voava.

    Antigamente, quebrar as regras era divertido. No momento, no entanto, senti um aperto no estômago e me estiquei para ver o velocímetro: estava quase em oitenta.

    — Pai, por favor! — repeti, mais histérica, sentindo o coração disparado. — Devagar!

    Minha mãe tocou o braço do meu pai.

    — Tom — pediu, baixinho.

    Só me acalmei quando ele pisou no freio, e a velocidade caiu para trinta. Logo chegamos à bifurcação, onde a placa de madeira alta resistia ano após ano. Finalmente tinha sido pintada de branco de novo — definitivamente por tia Christine —, e indicava a direção de cada casa de veraneio. Eram oito casas espalhadas pela fazenda, todas diferentes entre si. Algumas eram menores, outras maiores, mas todas rústicas, com seus próprios nomes e estilos. A maioria dos convidados do casamento se hospedaria ali, então eu sabia que todas as casas estariam lotadas — até mais do que lotadas, pois o tio Brad dissera ao meu pai que tinha gente armando barracas.

    Meu pai virou para a esquerda e, alguns minutos depois, os pneus da caminhonete esmagaram o cascalho da entrada do anexo. Quer dizer, da vaga. As demais casas tinham um acesso à garagem, mas o anexo tinha apenas uma vaga. Era um chalé de um só andar, com revestimento em ripas de cedro e telhado inclinado, e era considerada nossa casa quando estávamos no Vineyard. Normalmente alugávamos o chalé por três semanas, e, durante o restante de verão, outros parentes e amigos ficavam lá. Duas cadeiras de jardim verdes ficavam dispostas no pequeno deque desbotado, diante do campo vasto e verde, salpicado de flores amarelas. A grama alta e os arbustos balançavam à brisa e, ao longe, dava para ouvir o mar batendo na praia.

    Chegamos, pensei, querendo dançar de repente. Chegamos, chegamos, chegamos!

    Do outro lado da porta de tela estava a sala, cujo assoalho de carvalho gasto era coberto por um tapete trançado, e um sofazinho listrado em verde e branco diante da televisão pequena, instalada entre duas janelas. Livros e mais livros tinham sido enfiados nas duas estantes, e retratos cobriam as paredes de madeira ripada, inclusive algumas fotos muito antigas, em preto e branco. Décadas e mais décadas dos Fox e amigos.

    O corredor estreito se estendia entre a cozinha comprida, de um lado, e o quarto dos meus pais, do outro. Seguindo em frente, se chegava ao quarto que eu dividia com Claire, um quartinho com beliche, que mais parecia uma cabine de navio. Claire já tinha me acordado inúmeras noites porque rolava na cama e dava um pontapé na parede. Foi mal, Mere, dizia, com a voz arrastada de sono.

    Mordi o lábio, e empurrei a porta do quarto, vendo que nada tinha saído do lugar, nada tinha mudado. Ali estava a cômoda azul-clara, debaixo do espelho de moldura de vidro marinho e conchinhas, junto ao mapa de Paqua que eu e minha irmã desenhamos quando mais novas. Depois de tantas caças ao tesouro e brincadeiras de pega-pega, nós duas tínhamos conhecido cada centímetro da fazenda.

    Uma mesinha de cabeceira de vime branco ficava ao lado da beliche, combinando com o edredom, também branco. Claire tinha medo de altura, então sempre dormia na cama de baixo e eu, na de cima. A escada tinha quebrado fazia anos, e nunca fora trocada, mas eu tinha um talento especial para subir escalando.

    Depois de desfazer a mala e pendurar o vestido que usaria no casamento, bem guardado na capa protetora, ouvi a porta do anexo se abrir e se fechar.

    — Tem alguém em casa?

    Minha mãe e meu pai estavam lá fora, descarregando o carro, mas eu respondi e fui correndo até a sala… onde tropecei no tapete. Meu coração parou ao ver Claire ali parada, sorrindo para mim.

    Mas não, não, não era Claire.

    Meus olhos começaram a arder quando minha prima disse meu nome. Porque, enquanto eu e Claire éramos muito diferentes, ela e Sarah, de tão idênticas, eram quase gêmeas. O mesmo cabelo castanho-arruivado em cascatas, o mesmo corpo esguio, o mesmo amor por andar descalça, até a mesma inclinação da cabeça ao sorrir. Foi só quando notei o vestido reto em verde e rosa da Lilly Pulitzer e os brincos de pérola que relaxei de verdade. Sarah, era Sarah.

    — Oi — falei, com a voz um pouco hesitante.

    Avancei, e deixei a noiva me abraçar com força. Fazia muito tempo que eu não a via, meses e mais meses. Tio Brad, tia Christine, Sarah e os irmãos eram de Maryland, e passavam todas as férias de verão no Vineyard, na casa do farol. Se tivesse uma definição de engomadinho na enciclopédia, viria acompanhada do cartão de Natal daquela família.

    Sarah tinha vinte e seis anos e, depois de se formar na Universidade de Tulane, uns anos antes, fora trabalhar no departamento de preservação histórica de Nova Orleans.

    — Como vai? — perguntou ela ao se afastar, me olhando de trás da armação dos óculos de casco de tartaruga.

    Assim como Claire, Sarah amava óculos interessantes. Porém, aquele par estava um pouco grande. Ela o ajeitou no nariz, e o gesto chamou a atenção para a cicatriz marcante que atravessava a testa, descendo do cabelo até depois da têmpora direita. Era fina e reta, em grande parte, com um zigue-zague mais grosso acima da sobrancelha esquerda. Dos cacos de vidro, daquela noite terrível dois invernos antes.

    Pestanejei.

    — Como vai você? — insistiu ela.

    Ben. Eu sabia que ela estava falando de Ben. Porque, sem o colo de Claire para me acolher, eu tinha telefonado para Sarah no dia seguinte à festa de formatura.

    — Ele… disse… que... ainda… podia… ir — tinha soluçado no telefone. — Se... eu... quisesse.

    — Espera aí, como é que é? — perguntara ela. — O que ele disse? Que estava terminando com você, mas ainda queria vir?

    — Uhum.

    — Ai, nossa, Mere — suspirara Sarah. — Sinto muito. Que babaca. Por favor, me diga que você recusou.

    — Mas eu disse que ia levar acompanhante — eu chorara. — No convite. Falei que ia com alguém. Preciso de um acompanhante.

    — Não precisa, não — respondera Sarah. — Não precisa mesmo. Um filé sobrando, ou seja lá o que ele pediu, não vai falir o casamento.

    Agora, sorri um pouco para minha prima.

    — Bom, ele me mandou mensagem mais cedo — falei, cruzando os braços. — E eu chamei ele de escroto na hora.

    — Não acredito — exclamou Sarah.

    Eu abri mais o sorriso.

    — Juro.

    Eu estava chorando na hora, mas, tecnicamente, era verdade.

    — Isso aí! — disse ela, sorrindo. — Arrasou, Mere! Se imponha!

    Meu sorriso murchou.

    Se imponha.

    Claire vivia dizendo isso.

    — Sei que estou me metendo — lembrei que ela me dissera uma vez —, mas parece que você precisa dar mais limite para Ben.

    Ela dera de ombros e acrescentara:

    — Se não quiser ir à festa, é só dizer para ele. Se imponha.

    A questão era sempre Ben, como eu estava começando a entender. Nosso relacionamento era desequilibrado, e o foco nunca era eu. Tudo girava ao redor dele.

    Claire havia notado, mas eu não a ouvira. Ela não tem namorado; nunca teve namorado, eu me dizia, vestindo calça jeans e blusinhas bonitas, cacheando o cabelo e passando delineador. Ela não entende. Ela está enganada.

    — Sarah!

    Meus pais chegaram à sala. O espaço aconchegante ficava ainda mais aconchegante com nós quatro ali. O máximo de gente que já tínhamos feito caber naquela sala era dez.

    — Achamos mesmo ter ouvido sua voz!

    — Tia Liz! — disse Sarah, os abraçando. — Tio Tom! Sejam bem-vindos!

    — Você está linda — disse minha mãe, e notei o olhar dela se demorar na cicatriz de Sarah.

    Senti o coração afundar. Parte de mim desconfiava que ela não conseguia notar a melhora, e ainda enxergava ali todos os pontos. Limpos e simples, mas também sinistros e violentos. Diferente dos meus pais, eu não as vira pessoalmente, só em foto… Mas eram tantos pontos. Eu temia que minha mãe fosse eternamente assombrada por aquela memória.

    — Está radiante, cheia do brilho de noiva! — exclamou minha mãe.

    Sarah sorriu.

    — Vim só cumprimentar vocês — disse, antes de se virar para meu pai. — E avisar que o estoque de papel higiênico da casinha está caprichado.

    — Comprou da marca Charmin? — perguntou meu pai.

    Sarah assentiu, séria.

    — Mas é claro.

    Todo mundo riu. Outra das particularidades do anexo era que não tinha banheiro. O chuveiro de todas as casas na fazenda era externo — era uma delícia depois de um dia inteiro na praia —, mas nosso chalé não tinha banheiro nenhum. Era preciso avançar por vários metros de trilha de terra batida mata adentro, ao fim da qual aguardava uma estrutura alta de madeira. A tarefa era especialmente difícil de madrugada.

    — Que bom! — falei, e bati palmas exageradas, recuando na direção da porta, porque queria ouvir minha mãe rir outra vez. — Falando nisso, licença um momentinho…

    Sarah nos disse que tinham marcado um churrasco à noite, para receber todo mundo, mas, assim que ela foi

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1