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O Traidor Nas Sombras
O Traidor Nas Sombras
O Traidor Nas Sombras
E-book333 páginas5 horas

O Traidor Nas Sombras

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Sobre este e-book

Na primeira etapa da trilogia O Legado do Ódio, conhecemos a história de Judas. Nos infernos gelados, o traidor, elabora um plano para fugir de sua eterna condenação e parte em busca de vingança. Com isso, ele almeja recuperar as trinta moedas de prata pelas quais ele entregara o messias, a fim de utilizar a energia negativa armazenada nos objetos para executar seu macabro objetivo. Mas, para sua surpresa, ao deixar os reinos submundanos, Judas descobre que as moedas não estão mais na Terra, mas sim dispersas com novos portadores em um mundo paralelo conhecido como Itzak. Tais amuletos de prata são capazes de grandes feitos mágicos, o que atrai ainda o interesse de outros personagens, aumentando a complexidade do plano de Judas. Assim, unindo forças com o ser reptiliano Agnel e a bruxa branca conhecida como Madame Sora, Judas busca encontrar e reunir suas moedas e começa uma aventura por um mundo desconhecido para ele, cheia de histórias de ódio, vingança, traição, tramas e ressentimento. Mas afinal, quem são estes portadores das moedas? E qual será o preço a pagar por envolver-se com energias tão obscuras?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de jun. de 2021
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    O Traidor Nas Sombras - Roney Mackay Padilhas

    1

    SÉRIE O LEGADO DO ÓDIO

    LIVRO 1

    O TRAIDOR NAS

    SOMBRAS

    Roney Mackay Padilhas

    Segunda Edição: 2021

    Edição Original: 2018

    ÍNDICE

    2

    Prólogo

    Capítulo I – Da Fuga De Judas

    Capítulo II – Da Queda Do General Gneder

    Capítulo III – Da Besta

    Capítulo IV – Das Estrelas Cadentes De Prata

    Capítulo V – Contrato Selado

    Capítulo VI – Estrutura Que Sustenta A Realidade

    Capítulo VII – Mundo Novo Cruel

    Capítulo VIII – A Protetora

    Capítulo IX – Fome

    Capítulo X – Noite de Sangue

    Capítulo XI – Demônios de Prata

    Capítulo XII – O Colecionador

    Capítulo XIII – A Mulher da Lua

    Capítulo XIV – Pedras, Tijolos e Galhos

    Capítulo XV – A Última Arma

    Capítulo XVI – O Novo Eu

    Capítulo XVII – O Visitante

    Capítulo XVIII – Das Máscaras que Caem

    Capítulo XIX – Batalha no Templo das Pérolas 3

    Prólogo

    Itzak é um mundo vasto, que conta com uma história rica e exuberante. Desde os primórdios de suas civilizações mais ancestrais, que surgiram no berço do continente de Logork ao alvorecer da longínqua era conhecida como Itzak Antiga, os homens dividem espaço com criaturas fantásticas; às vezes amigáveis, outras vezes nem tanto. Várias batalhas foram travadas por estas terras, céus e mares, e os deuses sempre mantiveram seus olhos atentos aos movimentos de suas criações. Curiosas existências, os deuses. São tão poderosos, capazes de modificar qualquer força da natureza, capazes de transpor barreiras como o tempo e o espaço, mas ironicamente ao mesmo tempo são tão vulneráveis quando o assunto envolve as criaturas que habitam estas terras. Explicando melhor, os deuses de Itzak nunca foram do tipo que observaria imparcialmente as atitudes de seus discípulos. Embora se esforçassem para manterem uma posição imparcial e respeitar o direito à liberdade dos homens, muito frequentemente eles tomaram partido em defesa de algum ou outro mortal. Talvez isto se deva pelo fato de que para que eles mantivessem sua existência divina, precisassem da fé, dos sacrifícios e das orações que recebiam de suas criações. Mas talvez não seja só por isso, já que consideram os mortais seres formidavelmente complexos em suas emoções e sentimentos. Sentimentos e emoções poderosas, que muitas vezes foram decisivos durante a escrita da história dos mortais, como o amor, a compaixão, a amizade, a inveja, a ira, dentre outros. Mas nenhum deles se mostrou tão avassalador quanto o ódio. Por causa de tal 4

    emoção, amizades e alianças de deuses e mortais foram traídas e desfeitas; vinganças foram alimentadas, impérios e dinastias foram destruídos. Tudo diante da cegueira causada pelo ódio.

    Alguns deuses glorificam as conquistas vindas por este caminho, outros condenam. Mas o fato é, que tão poderoso é o ódio quando usado contra aquele que é odiado, também pode ser um veneno poderoso contra aquele que o alimenta em seu próprio coração. Esta energia negra e avassaladora serviu por muito tempo de alimento para criaturas cruéis e sombrias que perambulavam espalhando terror pela Itzak antiga, e que eram temidas e adoradas como deuses pelos mortais, devido seu imenso poder, até serem expulsas da superfície do plano pelos deuses, que trouxeram mais segurança e calmaria para suas estimadas criações. As criaturas sombrias, hoje conhecidas como deuses antigos, foram exiladas em planos aleatórios marginalizados, mas com a promessa de uma vingança, alimentada por um ódio jamais visto ou sentido por nenhum mortal.

    Os anos então se passaram, e sob a observação e proteção dos deuses as pessoas em Itzak evoluíram, transformando suas aldeias em grandes cidades e impérios. Aos olhos dos deuses isso era bom, mas a ameaça das sombras vez ou outra ainda assombrava os corações dos homens. Depois de um período de muitos conflitos e guerras, alimentadas por ganância e egoísmo, os deuses decidiram que as pessoas em Itzak precisavam deles ainda mais próximos, e assim vieram os avatares. Existências formidáveis, almas divinas em um receptáculo de carne. Então, um após o outro, os deuses de Itzak encarnavam num corpo mortal, para viver em comunhão com as pessoas. E durante muitos séculos, em sua maioria de prosperidade, foi assim. O avatar vivia no templo, e orientava e 5

    direcionava as pessoas em variadas questões, aconselhando reis e coordenando os sacerdotes da igreja.

    Milênios depois da expulsão dos deuses antigos, Itzak tornara-se já um mundo muito diferente. As cidades cresceram, tomando os espaços de locais silvestres, antes sagrados para os deuses, e subjugando-os com construções de pedra, vidro e metal; a tecnologia ganhava cada dia mais espaço na vida das pessoas, que cada vez menos dedicavam seu tempo, ou pelo menos um pouco dele, para a fé nos deuses que antes criaram e salvaram o plano. As ruas tornaram-se muito populosas, e uma multidão diariamente acorda ao nascer do sol e se perde em afazeres que visariam apenas o lucro e o sucesso material; e assim a fé tornou-se algo dispensável. Pelo menos para os homens, mas não para os deuses. Como seres divinos, os deuses não pereceriam com o passar do tempo, nem poderiam ser mortos por lâminas afiadas, nem por feitiços e encantos, menos ainda por balas de revolver. Mas toda a sua energia vital tem como fonte a fé e as intenções das orações que recebiam dos mortais. E como resultado, após tantas mudanças na cultura e na espiritualidade, cada vez mais fracos os avatares vinham ao plano material. Já os deuses antigos, por outro lado, continuavam a aumentar sua fonte de energia, espreitando e absorvendo a negatividade e o ódio do coração das pessoas.

    Não demorou muito para que a era dos avatares chegassem ao fim, já que chegaram ao ponto de serem considerados inúteis por muitos cidadãos de Itzak. E é neste cenário que nosso mundo, agora carente das forças divinas, se encontra agora. Um mundo em definhamento, que é uma presa fácil para forças das trevas, embora poucas pessoas ainda se lembrem delas, ou ainda sequer tenham percebido isso.

    6

    Capítulo I - Da fuga de Judas Conta o sábio Dante Alighieri que nas profundezas do mais profundo inferno, sobre as águas congeladas do Cócito, encontra-se a morada de Lúcifer, o que antes fora o mais belo e valioso dos anjos, mas hoje líder de todos os demônios. Uma região inóspita, dentro de uma grande caverna como uma cúpula colossal, escura e gélida. Nada ali parecia ter o mínimo de calor corporal, o que se pode sentir é apenas gelo. Gelo que cobria tudo que ali havia. E é também neste lugar de frio e sofrimentos sem fim que os traidores são punidos. Aqueles que traíram uma amizade, um compromisso, ou foram displicentes à confiança de alguém, lamentam por toda eternidade o pecado da sua traição. Suas almas são submetidas ao congelamento total ou parcial, e aqueles que mantinham suas faces trincadas visíveis em meio à superfície de lâminas de gelo expressavam enorme dor. Era como um mar congelado, exibindo corpos, ou pelo menos partes deles, imóveis, penando em agonia. Na parte ainda mais profunda do Cócito, há uma região conhecida como Judeca, e é lá que está Lúcifer (ou pelo menos um de seus corpos físicos), submerso no gelo até a altura da cintura. Uma criatura horrenda, cinza como o gelo que o cercava, que tinha as mãos congeladas sob o gelo que o prendia; suas asas com membranas finas, quando batiam emanavam um vento cortante, e três cabeças com faces medonhas, sem olhos. Seus seis chifres eram geometricamente tortuosos e pontiagudos, e apontavam para o teto da caverna de gelo; e, flutuando sobre os chifres, havia um cristal que era a única fonte da pouca luz que havia ali. Dentre as mais perversas almas traidoras, ele castiga três delas, mastigando-as continuamente em cada uma das suas três bocas pelas eras sem fim: os julgados como os maiores traidores do 7

    reino da Terra: Brutus e Cassius, traidores do imperador romano Júlio Cesar, e Judas, traidor de Jesus, o Cristo.

    Este último vendera sua alma ao diabo ao entregar o chamado Filho de Deus aos soldados romanos que o perseguiam, por trinta moedas de prata. Ainda em vida, ao mensurar as consequências de sua traição, Judas cometera suicídio enforcando-se, ou pelo menos esta era a versão mais aceita de sua morte. Mas já era tarde, e sua condenação veio sem demora. Sua alma suja fora destinada diretamente a Lúcifer, que passou a dilacera-la com suas presas afiadas com prazer. E

    assim era a condenação de Judas, abocanhado pelo Inimigo nas profundezas do Cócito. De início a dor o fazia sofrer, e ele lamentava seus erros. Quanto mais ele agonizava, mais agradava ao demônio, e ainda com mais intensidade era punido. Sua sanidade esvaia-se aos poucos, até que por fim, a dor foi perdendo lugar para o ódio. Ele já não sentia remorso, nem culpa. Apenas ódio, e uma sede por vingança crescia cada vez mais no seu âmago. Ali, em meio à sua eterna penitência, foi que Judas começou a almejar seu momento de liberdade. E

    ele então, pacientemente, reuniu a pouca energia que ainda lhe restava (energia que não lhe era tirada pelas trevas, para que pudesse manter-se consciente para sofrer) para por em ação um plano que poderia libertar-lhe das mandíbulas que o torturavam.

    Eis que próximo ao Cócito vivia uma das inúmeras concubinas de Lúcifer, a ninfa Menta. Uma criatura de magnífica beleza, que desfilava pelas paisagens geladas emanando o frescor e o agradável cheiro da planta de mesmo nome. Seus cabelos sempre brilhantes esvoaçavam ao simples movimento de seus pés pelo caminho que ela trilhava. Menta 8

    vivia num palacete construído para ela por ordens do rei dos infernos, e sempre era cercada por uma horda demônios de sombras para protegê-la de Perséfone, a rainha do inferno, caso ela resolvesse vingar-se do adultério do marido castigando a amante. Frequentemente a ninfa vinha a Judeca para admirar a visão de seu rei maligno, mastigando os traidores com suas três bocarras, visão que ela achava maravilhosa, e, numa destas visitas, a bela criatura pisara numa poça de sangue fresco que ainda não congelara, e então deu ordens para um de seus demônios guardiões, para que lhe limpasse as botas de couro.

    Tal atitude poderia parecer apenas mais um capricho de uma jovem acostumada a estar sempre cercada por mimos e futilidades, mas aos olhos de Judas um detalhe não passou despercebido: o pecador percebera que ao ditar uma ordem, o cristal que Menta usava como adorno no peito assumia uma coloração diferente, emanando um brilho que exercia poder sobre os demônios que a circundavam. Assim, ele percebera o poder e a real utilidade do cristal, que agora ele via ser mais que uma simples joia. Pacientemente, em meio à sua punição, ele esperou por um momento em que esta informação lhe seria útil.

    Tempos depois, Menta estava de volta para sua rotineira visita. Acompanhada pelos seus habituais guardas demoníacos, que a circundavam pelos ares como sombras, assumindo formas físicas ou desfazendo-se à vontade dela, a ninfa parou diante de Lúcifer, que mastigava seus condenados.

    Ela ajeitou os cabelos longos, jogando-os para trás, e tomou um profundo suspiro. Ficou ali admirada com a cena diante dos seus olhos, e Judas, preso entre os dentes podres do demônio, virou-se para ela, pela primeira vez fitando seus olhos verdes, e começou o discurso mentiroso:

    9

    -Ela também veio aqui hoje. . Perséfone, a rainha.

    Parecia ainda mais bela que o comum, estava radiante. Não te sentes enciumada?

    -Não me sinto nem um pouco enciumada, pobre alma traidora. Sou sem dúvidas a criatura mais bela dos nove infernos, e tenho comigo o mais forte dos seres sombrios, que me deseja de verdade, e fará todas as minhas vontades pela infernal eternidade. Ele, o próprio Lúcifer em pessoa, que lhe mastiga o ventre dia e noite para sempre, presenteou-me com este belíssimo cristal que adorna meu peito. Ele dá-me garantias que nem mesmo a chamada rainha dos demônios poderá fazer-me qualquer mal.

    -Pois sabes muito bem, bela dama, que a alma de Lúcifer habita vários corpos, dentro e fora dos infernos; e que no momento, apesar de que eu continuo sendo dilacerado pela bocarra deste corpo, a alma sombria de meu carrasco está longe daqui. Provavelmente está deleitando-se da companhia da rainha neste momento, já que como a própria disse-me, preparou um presente para ele.

    -Um presente? O que sabes tu, alma caída, sobre os planos de Perséfone? Aliás, não diga! Provavelmente estás a mentir, não há como saber de nada já que passa a eternidade sendo castigado pelas trevas.

    -Sei mais do que imaginas, minha doce Menta. Não estou sendo punido por Lúcifer diretamente? Não por um demônio corriqueiro. Deverias já ter percebido que para merecer tal pena, não sou um pecador qualquer. Posso ver coisas além dos olhos, mesmo debilitado como no momento me 10

    encontro. Conheço a alma de uma mulher, seja ela humana ou demônio, viva ou morta. Conheço detalhes da natureza feminina, incluindo a rainha Perséfone. Incluindo até mesmo você, que está diante de mim. A rainha estava radiante, e com certeza isto há de agradar seu esposo. Mas mulheres quando se entregam a um homem têm um ponto fraco, que pode fazê-las cair, não importa quão alta seja sua posição.

    Ao ouvir estes argumentos ardilosos, Menta não pode conter-se. Afinal, ela própria também era uma mulher entregue a Lúcifer, e, seu ponto fraco era óbvio para Judas. Ele a havia atingido no ponto preciso:

    -Diga-me então, qual o ponto fraco de Perséfone! Hei de derruba-la de seu trono e do título de rainha dos demônios, e assim juntar-me a meu rei e governar os reinos trevosos dos nove infernos!

    -Minha doce ninfa, infelizmente eu estou com a fala debilitada, já não consigo falar-lhe com tal vigor. – Começou Judas, falando com voz baixa e falha, demostrando ênfase em sua dor. - Aproxime-se, para ouvir melhor a mais preciosa informação que hei de lhe dar. Assim não há duvidas de que tu serás rainha deste reino!

    -Se o que me dizes for verdade, quando rainha haverei de amenizar vossa pena, homem castigado!

    Assim, iludida e ansiosa por aquilo que poderia ouvir, Menta voou para próximo de Judas, ao ponto de que os lábios secos do traidor, que agora falava cada vez mais manso, quase pudessem tocar seus ouvidos perfumados. Neste momento, Judas lembrou-se do exato momento em que traíra O Messias 11

    com um beijo no rosto, e da mesma maneira suja e covarde, traiu a bela ninfa, arrancando-lhe do pescoço o colar que portava o cristal, e empurrando-a para longe com a pouca força que ainda lhe restava. Assustada, a jovem recobrou-se do golpe.

    -Eu sabia que não devia confiar-lhe uma palavra, traidor! Meus demônios! Acabem com esta peste! Não há de existir nem mesmo um vestígio de sua existência abominável!

    Mas nenhum dos demônios obedeceu. Ficaram parados, estáticos, apenas observando a cena, como que aguardando as ordens de seu mestre. Percebendo que lhe faltava o cristal, a ninfa paralisou-se. Só agora ela havia percebido a terrível trama do traidor. O gelo lhe subiu à espinha, confundindo as sensações de medo, vergonha e ódio.

    -Exatamente, minha doce ingênua. Eis que eu sou o novo dono desta horda demoníaca! Meus escravos das trevas, eu exijo que me libertem desta bocarra imunda, e coloquem esta tola em meu lugar!

    Seguindo o comando de Judas, os demônios dividiram-se para executar a tarefa. Alguns atacaram Menta, fazendo-a refém sem grandes dificuldades embora ela relutasse, lançando contra eles ataques com ramos e folhas que ela criava e controlava com seu corpo, mas sem sucesso. Outros executaram a tarefa de abrir a boca do Maligno, retirando Judas de sua prisão. Em seguida, com crueldade, prenderam a ninfa entre as presas, para que ele demorasse a perceber a falta do traidor, que agora era livre e tinha sob seu comando uma horda de demônios.

    12

    Assim, Judas conseguiu fugir do Cócito, embrenhando-se nos infinitos túneis no submundo para fugir do inferno. Subindo em disparada com seus demônios a guarda-lo, ele chega ao oitavo círculo do inferno, o Malebolge.

    Este ambiente é formado por profundos fossos circulares de pedra da cor do ferro, ligados entre si por pontes de metal. Os demônios guiam Judas em voo sobre estes fossos, passando por um deles que está repleto de répteis horrendos e mutantes, serpentes e outras criaturas rastejantes de dilaceram as almas dos condenados ao inferno por roubarem na Terra, e se apoderarem em vida daquilo que não lhes pertencia.

    Judas contemplava a terrível cena, alegrando-se internamente por estar livrando-se daquele lugar, quando um réptil demoníaco de seis patas com afiadas garras, e uma língua extremamente comprida que era usada como chicote, vem ataca-lo e sua horda, visando deter-lhe a fuga. O réptil não tinha asas, mas podia voar livremente sobre os fossos, fazendo Judas perceber que não se tratava de um ser que poderia ser ignorado.

    Com sua língua de chicote, o monstro prende o demônio que carregava o traidor, impedindo-lhe o voo e arremessando-o em direção aos fossos abaixo. O demônio cai contra as rígidas pedras, protegendo Judas com o próprio corpo, e o lagarto vai de encontro ao seu alvo para desferir novo golpe.

    Judas convoca os demônios de sua horda para enfrentar o inimigo, utilizando o poder do cristal, mas apesar de serem muitos, eles não conseguem deter o réptil monstruoso por muito tempo, e ele fica cara a cara com o fugitivo.

    13

    -Quem és tu, criatura reptiliana, que és tão poderoso dentre estas almas aflitas nos fossos, e por que não permites que eu passe?

    A criatura parou diante dele, e com voz serpentina respondeu:

    -Somos aqueles que eras atrás foram conhecidos como Agnello e Cianfa, nobres florentinos em vida, que fomos condenados aos fossos dos ladrões e fraudulentos. Tivemos nossas identidades roubadas pelas serpentes, assim como roubamos bens dos nossos irmãos na Terra. Como consequência eis que nos tornamos um só, assumindo esta forma esguia reptiliana. Assim atendemos por Agnel apenas.

    Mas quem és tu? Não é compreensível como um ser tão desprezível e castigado como ti pode desfilar pelos infernos portando uma horda de demônios.

    -Sou Judas, aquele que há de sair desta condenação, e aquele que irá libertá-los, caso desejem ser meus aliados.

    O demônio soltou uma risada sarcástica, que misturada com o grunhido dracônico tornou-se um barulho assustador.

    -Estás a brincar, só isto explicaria. Judas está condenado pela bocarra do próprio Lúcifer! Não há como fugir do inferno, e muito menos de tal condenação. Todas as esperanças são abandonadas, no momento em que entras neste plano de sofrimento!

    -Fugir não seria possível para uma alma sob a pena eterna, mas não quando portamos este cristal, que me deu 14

    poder sobre meus lacaios demônios. É possível sair daqui, só preciso saber o caminho. Aposto que uma criatura poderosa como tu, que supereis as serpentes que lhe afligiam e agora é maior que elas, conhece os caminhos secretos entre os portais que se espalham pelos infernos. Não temos muito tempo, mas o que me diz? Aliado a mim, podereis ser livre!

    Judas falava com tanto fascínio, que o dragão não pode recusar, observando que Judas realmente portava o cristal que controlava os demônios.

    -Aceito sua oferta, e se o que me dizes é verdade, este cristal pode ajudar a abrir os portais dos quais minhas serpentes informam terem visto enquanto rastejavam nas sombras rumo aos fossos. É possível que eles nos levem para longe e sejamos livres. Há ainda a possibilidade de sermos pegos, e nossas almas seriam dilaceradas, mas não há como isto ser pior que as provações que passamos eternamente nos infernos!

    Assim, Judas parte com seu novo aliado rumo às montanhas externas aos fossos de pedra. Os demônios seguem limpando caminho entre as pedras e eles chegam a uma caverna. Ao entrar, ouvem tocar uma trombeta, ecoando um som grave e contínuo, que o réptil logo reconhece.

    -É a trombeta que convoca as legiões militares.

    Provavelmente deram por nossa falta e virão nos perseguir!

    Rápido, seguimos adiante sem demora!

    Assim, em disparada seguem pela caverna escura. A adrenalina percorre as veias de Judas. Ele já havia conquistado muito chegando até ali, mas queria muito mais, e não aceitaria perder tudo estando tão perto da liberdade como jamais 15

    estivera. A caverna terminou numa galeria repleta de cristais, que refletiam a pouca luz fria que entrava no ambiente. Diante de Judas e seus aliados, estavam enormes espelhos talhados nas paredes cristalinas, que segundo o guia reptiliano, eram os portais. Judas percebeu que o cristal que havia roubado de Menta viera daquela galeria, eram o mesmo material e tom de cor. Provavelmente Lúcifer o havia trazido dali, e feito algum encantamento para conferir-lhe um pouco do seu próprio poder.

    -Para onde desejas ir, portador do cristal? Cada um destes inúmeros espelhos nos levará a um mundo diferente. –

    Falou o réptil, com voz quase assobiante.

    A Terra pensou Judas. A vontade de voltar à Terra, recuperar suas moedas de prata, arquitetar uma vingança, tudo aquilo passava em sua mente. As vozes alimentavam sua sede por mostrar-se superior aos outros que antes eram seus companheiros, mas que agora viviam no Paraíso. Usaria o poder deixado pelo seu próprio rancor nas trinta moedas pelas quais se vendera, para fazer cumprir seu plano, e. .

    De repente, um barulho ensurdecedor trouxe-o de volta de seus devaneios. As tropas militares haviam invadido a caverna. Não tinha mais tempo. Tinha que seguir a diante.

    -Quero ir para a Terra! Qual deles nos levará?

    -Eu não sei! – respondeu o monstro. – Acreditei que o cristal pudesse guia-lo! Não consegues por acaso distinguir qual nos leva ao caminho correto? Não temos mais tempo!

    16

    Os demônios que perseguiam os fugitivos já podiam ser vistos aproximando-se rapidamente pela garganta da gruta.

    Judas, Agnel e os demônios adentram mais pelos tuneis de cristal, procurando pelo portal que levaria às moedas. Judas tentava uma conexão com o cristal na esperança de uma resposta, mas nada acontecia. A dor física já lhe castigava, mas ele precisava continuar. Corriam entre os espelhos que os levariam a diversos mundos, procurando o caminho para a Terra, mas os demônios já estavam em seu encalço, então uma voz na cabeça de Judas disse por este aqui. O traidor parou de repente, diante de um dos portais, e não teve escolha se não decidir entrar no portal que a voz lhe sugeria. Apontou o cristal diante do espelho, e um brilho intenso engoliu a gruta, fazendo o portal abrir diante dos seus olhos. O lagarto observava mudo, como se não acreditasse no que via. Assim, sem mais demoras, entraram no portal que acreditavam que os levaria à Terra.

    Judas e seus companheiros alcançaram o outro lado do portal e chegaram a um novo mundo. Torres erguiam-se iluminadas artificialmente na noite, repletas de vidro e metal.

    Veículos igualmente reluzentes seguiam um fluxo veloz, uns após outros, em fila, na terra e no céu. O barulho era intenso.

    Judas olhou para o céu, e não reconheceu as estrelas. A lua também era diferente. Parecia maior e mais viva.

    Definitivamente, aquela não era a Terra. Creu ele que a voz o havia enganado, e ele não pode conter um grito terrível de ódio, que ecoaria noite a fora na cidade diante dos seus olhos, se não fosse o barulho dos veículos, que eram incessantes.

    17

    CAPÍTULO II – Da queda do general Gneder

    A noite estava fria, mas as ruas continuavam movimentadas como sempre. Aquela era uma região repleta de clubes e boates, conferindo uma vida noturna lucrativa para traficantes de drogas e armas. Em meio às sombras dos prédios, protegidos das luzes dos letreiros neon, mais de vinte agentes experientes em tiro à longa distância equipados com armamento de alta tecnologia, a elite dos atiradores do Serviço de Inteligência do Reino de Eladrion, o SIRE, acompanhavam cada movimento dos alvos, concentrados à entrada do edifício Eridu, a maior torre da capital com 165 andares, aguardando as ordens do general Gneder. O general era famoso por sua postura autoritária e alto conhecimento de táticas de guerra, tendo no currículo várias vitórias em conflitos passados contra terroristas e invasores de territórios, defendendo o reino até mesmo contra os ataques de criaturas místicas, que ocorriam com frequência na fronteira com o reino vizinho, Mikein.

    Aquela era uma missão especial, muito simples, porém não era fácil. O objetivo era interromper as atividades de uma quadrilha que traficava drogas de diversos outros países para o reino, e fornecia armamento pesado roubado do exército para grupos terroristas. O que dificultava a missão era o local onde os criminosos agiam, pois o edifício Eridu era um gigantesco complexo de casas noturnas onde jovens civis se divertiam, e era preciso ter cuidado para garantir a proteção dos civis. Por isso o experiente general fora designado, e ali estava ele, observando com seus binóculos desenvolvidos num misto de tecnologia e magia de reconhecimento, aguardando o momento certo para o ataque.

    18

    Já se passava das duas horas da madrugada, e a música alta já começava a incomodar o general. Prefiro a explosão de mil granadas. pensou. Ajeitou o bigode fino com os dedos, e franziu as sobrancelhas, quando localizou o chefe do bando dos traficantes. Ele chegara num luxuoso veículo, acompanhado de quatro guarda-costas e de duas mulheres atraentes, vestidas de maneira provocante. Vida difícil brincou o general, em pensamento. O alvo principal juntou-se aos demais capangas que estavam na porta do edifício. Enquanto cumprimentavam-se de maneira descontraída, o general certificou-se da posição dos seus agentes.

    -Agente 14, o peixe grande é seu. Agentes 11, 26, 02

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