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Um corpo na banheira
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E-book270 páginas2 horas

Um corpo na banheira

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Sobre este e-book

Esta nova edição do Clube do Crime apresenta, pela primeira vez no Brasil, uma das mais reverenciadas obras de ficção de Dorothy L. Sayers, uma das grandes rainhas da Era de Ouro da Literatura Policial.Quando um arquiteto encontra um corpo na banheira do próprio apartamento, não há ninguém mais curioso — e capaz de investigar o caso — do que Lorde Peter Wimsey, um veterano de guerra afetado pelo seu tempo em combate que tem um curioso fascínio a respeito da resolução de crimes.
Com o relato concomitante do desaparecimento de um financista, todos creem que ambos os casos estão interligados, mas em sua investigação, lorde Peter talvez seja levado a certas figuras notáveis da vizinhança. Agora, ao lado do inspetor Charles Parker, eles estão prontos para expor a verdade.
Com posfácio de Samir Machado de Machado, Um corpo na banheira é uma envolvente narrativa que comemora 100 anos de publicação.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de set. de 2023
ISBN9786560050594
Um corpo na banheira

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    Um corpo na banheira - Dorothy L. Sayers

    Um corpo na banheira. Dorothy L. Sayers. O clube do crime.

    Clube do Crime é uma coleção que reúne os maiores nomes do mistério clássico no mundo, com obras de autores que ajudaram a construir e a revolucionar o gênero desde o século XIX. Como editora da obra de Agatha Christie, a HarperCollins busca com este trabalho resgatar títulos fundamentais que, diferentemente dos livros da Rainha do Crime, acabaram não tendo o devido reconhecimento no Brasil.

    Um corpo na banheira. Dorothy L. Sayers. Tradução Érico Assis. Harper Collins. Rio de Janeiro. Dois mil e vinte três.

    Publicado pela primeira vez na Grã-Bretanha em 1923 por T. Fisher Unwin.

    Copyright da tradução © 2023 por Casa dos Livros Editora LTDA. Todos os direitos reservados.

    Título original: Whose Body?

    Todos os direitos desta publicação são reservados à Casa dos Livros Editora LTDA. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação etc., sem a permissão do detentor do copyright.

    Publisher: Samuel Coto

    Editora executiva: Alice Mello

    Editora: Lara Berruezo

    Editoras assistentes: Anna Clara Gonçalves e Camila Carneiro

    Assistência editorial: Yasmin Montebello

    Copidesque: Luiza Amelio

    Revisão: Vanessa Sawada

    Design gráfico de capa: Giovanna Cianelli

    Projeto gráfico de miolo: Ilustrarte Design e Produção Editorial

    Imagem da autora: Pictorial Press Ltd / Alamy Stock Photo

    Diagramação: Abreu’s System

    Produção do eBook: Ranna Studio

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Sayers, Dorothy L., 1893-1957

    Um corpo na banheira / Dorothy L. Sayers ; tradução Érico Assis. – Rio de Janeiro : HarperCollins Brasil, 2023.

    (Clube do Crime)

    Título original: Whose Body?

    ISBN 978-65-6005-059-4

    1. Detetives particulares – Ficção 2. Ficção inglesa 3. Suspense – Ficção I. Título. II. Série.

    23-164941

    CDD-823

    Índices para catálogo sistemático:

    1. Ficção : Literatura inglesa 823

    Eliane de Freitas Leite – Bibliotecária – CRB-8/8415

    Os pontos de vista desta obra são de responsabilidade de seu autor, não refletindo necessariamente a posição da HarperCollins Brasil, da HarperCollins Publishers ou de sua equipe editorial.

    HarperCollins Brasil é uma marca licenciada à Casa dos Livros Editora LTDA.

    Todos os direitos reservados à Casa dos Livros Editora LTDA.

    Rua da Quitanda, 86, sala 218 – Centro

    Rio de Janeiro, RJ – CEP 20091-005

    Tel.: (21) 3175-1030

    www.harpercollins.com.br

    Sumário

    Dedicatória – Epígrafe

    Nota da editora

    Um corpo na banheira

    1

    2

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    4

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    13

    Nota da edição

    Um brinde ao crime

    Sobre a autora

    PARA M. J.

    Caro Jim,

    Este livro é culpa sua. Não fosse sua insistência bruta, lorde Peter não teria chegado ao fim desta investigação. Leve em consideração que ele lhe agradece, com sua contumaz afabilidade.

    De sua amiga,

    D. L. S.

    Nota da editora

    Em janeiro de 1921, a jovem acadêmica Dorothy L. Sayers mencionou em uma carta: Minha história de detetive começa brilhantemente, com uma senhora gorda encontrada morta em seu banho, sem nada além de um pincenê. Agora, por que ela usaria um pincenê no banho? Se você puder adivinhar, estará em posição de colocar as mãos no assassino, mas ele é um sujeito muito legal e astuto…. Essa seria a semente do que se tornaria o seu primeiro romance policial. Na época, é provável que Sayers não tivesse ideia de que se tornaria uma das maiores autoras do gênero.

    Romancista, ensaísta, dramaturga e acadêmica, Dorothy Sayers, nascida em Oxford, em 1893, é considerada uma das quatro grandes damas da Era de Ouro da literatura de mistério, ao lado de Agatha Christie, Margery Allingham e Ngaio Marsh. Foi uma das primeiras mulheres a se formar na Universidade de Oxford e escreveu inúmeras peças e obras sobre o cristianismo, até hoje relevantes.

    Ela fez parte do curioso Detection Club, grupo formado em 1930 por escritores de mistério britânicos, incluindo Anthony Berkeley, Agatha Christie, Ronald Knox, Freeman Wills Crofts, Arthur Morrison, Hugh Walpole, John Rhode, Jessie Rickard, Baronesa Emma Orczy, R. Austin Freeman, G. D. H. Cole, Margaret Cole, E. C. Bentley, Henry Wade, Constance Lindsay Taylor e H. C. Bailey. Havia um ritual de iniciação com um juramento escrito por Sayers, e o clube promovia jantares em Londres. Ali estipularam várias regras, como a proibição de resoluções sobrenaturais para crimes, além de possíveis inspirações divinas para o detetive responsável pela investigação.

    Whose body?, na nossa tradução, Um corpo na banheira, é a primeira obra desta dama e nos apresenta o detetive aristocrático, Lorde Peter Wimsey, que, sendo amigo próximo dos figurões da Scotland Yard, resolve ajudar na investigação de um crime curioso: um arquiteto encontra um homem de meia-idade desconhecido na banheira, em um apartamento em Londres (nota-se que a autora mudou de ideia sobre a vítima quando a mencionou na carta). O cadáver usava apenas um pincenê e estava perfeitamente barbeado.

    De fato, lorde Peter vai tomar gosto pela coisa, e outros dez livros — e mais alguns contos — serão escritos sobre ele. Hoje é considerado, ao lado de nomes como Hercule Poirot, um dos grandes detetives ficcionais da história da literatura.

    Para o leitor atento, a obra está recheada de alusões a Shakespeare, como no trecho Ó, Sugg, Sugg, como és sugguíssimo!, uma brincadeira com a peça Romeu e Julieta, e Até onde sei ele é apenas um parente distante, mas é sábio o filho que reconhece o próprio pai, menção a O mercador de Veneza. E algumas referências bíblicas, como em Você chegou na minha frente e agora é minha vez de amontoar brasas sobre a cabeça dos dois.

    Outro ponto importante a se considerar é o grande número de expressões antissemitas utilizadas pela autora para se referir ao personagem judeu, inclusive na frase tenho certeza de que há judeus que são ótimas pessoas. A decisão editorial foi de manter tais expressões conforme o original, a fim de não modificar esta obra clássica.

    Originalmente publicado em 1923, Um corpo na banheira recebe, cem anos depois, publicação inédita no Brasil pela HarperCollins, em edição especial para o Clube do Crime. Com tradução de Érico Assis e posfácio de Samir Machado de Machado, a obra que se tornou um clássico do gênero, amada por gerações, agora encontra um lugar na sua estante.

    Boa leitura!

    Um corpo na banheira

    1

    — Ah, maldição — disse Lorde Peter Wimsey em Piccadilly Circus. — Ei, condutor!

    O taxista, descontente em ser interpelado enquanto traçava uma estratégia para cruzar a rota de um ônibus 19, de um 38-B e de uma bicicleta e dobrar na Regent Street, voltou-lhe um ouvido de má vontade.

    — Esqueci o catálogo — disse lorde Peter, em tom reprobatório. — Que descuido incomum da minha parte. Importa-se de voltar aonde partimos?

    — Ao Savile Club, senhor?

    — Não. Para Piccadilly, número 110A… logo adiante. Obrigado.

    — Achei que o senhor estivesse com pressa — disse o homem, injuriado.

    — Sinto dizer que é um lugar difícil de fazer retorno — disse lorde Peter, respondendo ao pensamento e não à pergunta. O rosto largo e afável parecia ter surgido por geração espontânea da cartola, tal como larvas brancas procriando no gorgonzola.

    O táxi, frente ao olhar severo de um policial, fez o contorno com leves solavancos e com um som que lembrava o ranger dos dentes.

    O prédio de apartamentos novos e caros em cujo segundo andar morava lorde Peter ficava exatamente em frente ao Green Park, em um local que por muitos anos fora ocupado pelos restos mortais de um empreendimento comercial malogrado. Enquanto lorde Peter entrava, ele ouviu a voz do empregado dele na biblioteca, exaltada na estridência peculiar àqueles com devida capacitação para o uso do aparelho telefônico.

    — Creio que sua senhoria está de regresso neste momento… Vossa Graça faria a gentileza de permanecer na linha por um instante?

    — O que foi, Bunter?

    — Sua Graça acabou de telefonar de Denver, milorde. Eu estava dizendo que vossa senhoria havia saído para o leilão, quando ouvi a sua chave.

    — Obrigado — disse lorde Peter. — Poderia me trazer meu catálogo, por favor? Creio que deixei no meu quarto ou na escrivaninha.

    Ele sentou-se ao telefone com um ar de polidez e folga, como se um amigo houvesse aparecido para um papo.

    — Olá, mãe. É você?

    — Ah, aí está, querido — respondeu a voz da Duquesa Viúva. — Achei que havia perdido-o por um triz.

    — Na verdade, havia. Eu havia recém-saído para o leilão de Brocklebury e ia comprar um ou dois livros, mas tive que voltar por causa do catálogo. O que me diz?

    — Uma ocorrência tão peculiar — disse a duquesa. — Queria lhe contar. Conhece o sr. Thipps?

    — Thipps? — perguntou lorde Peter. — Thipps? Sim, sim, o arquiteto baixinho que está trabalhando no telhado da igreja. Sim. O que tem ele?

    — A sra. Throgmorton acabou de passar aqui, bastante aflita.

    — Desculpe, mãe, não ouvi. Senhora quem?

    — Throgmorton. Throgmorton. A esposa do vigário.

    — Ah, sim. A sra. Throgmorton.

    — O sr. Thipps lhes telefonou hoje de manhã. Era dia de ele comparecer.

    — E?

    — Ele telefonou para dizer que não poderia. Estava abalado, o pobre coitado. Tinha encontrado um corpo na banheira.

    — Desculpe, mãe, não ouvi. Encontrou o quê, onde?

    — Um corpo, querido. Na banheira.

    — Como é? Não, não, telefonista, ainda não encerramos. Por favor, não nos interrompa. Alô? Alô? Mãe? Alô! Mãe! Ah, sim, desculpe, a telefonista queria nos cortar. Que tipo de corpo?

    — Era um cadáver, querido. Nu, à exceção de um pincenê. A sr. Throgmorton ficou coradíssima quando me contou. Acho que as pessoas ficam com a cabeça um tanto fechada nesses presbitérios do interior.

    — Bom, não me parece nada comum. Era alguém que ele conhecia?

    — Não, querido, creio que não. E ele, de qualquer maneira, não pôde dar muitos detalhes. A sra. Throgmorton disse que ele parecia perturbado. É um senhorzinho muito respeitável. Receber polícia em casa e tudo mais o deixou muito nervoso.

    — Pobre Thipps! Muito embaraçoso. Vejamos… ele mora em Battersea, não é?

    — Sim, querido; Queen Caroline Mansions, número 59; em frente ao parque. Aquele quarteirão grande, dobrando a esquina depois do hospital. Achei que você gostaria de dar uma passadinha, falar com ele e perguntar se podemos ajudar no que for. Sempre o considerei um homenzinho muito gentil.

    — Ah, sim — disse lorde Peter, sorrindo para o telefone. A duquesa sempre era muito prestativa em seu hobby de investigações criminais, embora nunca fizesse alusões ao hobby e sustentasse a ficção educada de que tal hobby nem existia. — Que horas aconteceu, mãe?

    — Creio que ele encontrou o corpo hoje pela manhã. Claro, ele não pensou em contar aos Throgmorton de início. Ela veio falar comigo pouco antes da hora do almoço. Tão inconveniente, tive de convidá-la para comer aqui. Por sorte, eu estava sozinha. Não me importo de ficar entediada, mas odeio que meus convidados fiquem com tédio.

    — Minha pobre mãe! Bom, agradeço muito por me contar. Creio que mandarei Bunter ao leilão e vou dar uma corrida até Battersea para consolar a pobre criatura. Até logo.

    — Até, querido.

    — Bunter!

    — Sim, milorde.

    — Sua Graça me contou que um arquiteto muito decoroso de Battersea encontrou um falecido na banheira de casa.

    — É mesmo, milorde? Que gratificante.

    — Deveras, Bunter. Sua opção léxica foi certeira. Queria que Eton e Balliol1 tivessem feito o mesmo por mim. Encontrou o catálogo?

    — Aqui está, milorde.

    — Obrigado. Vou de uma vez a Battersea. Quero que vá ao leilão por mim. Não perca tempo. Não quero perder o fólio de Dante2, nem o de De Voragine. Este aqui… viu? O Golden Legend. Wynkyn de Worde, 1493. Entendeu? E reforço que faça empenho especial pelo fólio de Four Sons of Aymon, de Caxton. O de 1489, que é único. Aqui! Marquei os lotes que eu quero e anotei minha proposta por cada um. Faça seu melhor por mim. Devo voltar para o jantar.

    — Pois bem, milorde.

    — Pegue meu táxi e diga para ele ter pressa. Com você, pode ser que ele tenha; de mim ele não gostou. Será que… — disse lorde Peter, olhando para si no espelho setecentista sobre a cornija — será que terei coragem de fustigar o fatigado Thipps (que difícil de falar) chegando de cartola e fraque? Creio que não. Aposto dez para um que ele vai olhar minhas calças e me confundir com o coveiro. Creio que um terno cinza, elegante, mas não espalhafatoso, com um chapéu para dar o tom, combine mais com meu outro eu. Sai o amador em busca de primeiras edições; o novo motif é introduzido pelo solo de fagote; entra Sherlock Holmes, disfarçado de diletante a pé. E lá se foi Bunter. Camarada inestimável. Nunca insiste em fazer o próprio serviço quando lhe dizem para fazer outro. Espero que não perca Four Sons of Aymon. De qualquer modo, outro exemplar: no Vaticano.3 Talvez venha a disponibilizar-se, nunca se sabe. Caso a Igreja Católica caia na miséria ou a Suíça invada a Itália… Já um cadáver estranho não aparece em um banheiro suburbano mais do que uma vez na vida. Ao menos, creio que não. De qualquer maneira, imagino que o número de vezes que tenha acontecido, com um pincenê ainda por cima, possa ser contado com os dedos de uma mão. Nossa! Que dislate desastroso cavalgar dois cavalinhos de pau.

    Ele havia chegado ao corredor para o quarto e estava trocando-se com uma velocidade que não se esperava de um homem de suas idiossincrasias. Escolheu uma gravata verde-escura que combinava com as meias e a amarrou com precisão, sem hesitar e sem a mínima compressão dos lábios; trocou um par de sapatos marrons por pretos, guardou um monóculo no bolso do peito e pegou uma bela bengala de malacca com castão de prata.

    — É tudo, creio eu — balbuciou apenas para si. — Você fica… de você talvez eu precise… talvez você também seja útil… nunca se sabe. — Ele somou uma caixa de fósforos prata à equipagem, olhou para o relógio, viu que já eram quinze para as três, desceu as escadas com velocidade, e, após parar um táxi, foi conduzido ao Battersea Park.

    O sr. Alfred Thipps era um homenzinho nervoso cujos cabelos cor de linho começavam a desertar da luta desigual contra o destino. Podia-se dizer que a única característica marcante dele era um hematoma acima da sobrancelha esquerda, que lhe dava uma atmosfera um pouco dissoluta, incongruente com tudo mais na aparência dele. Quase no mesmo fôlego da saudação ao receber lorde Peter, ele fez um acanhado pedido de desculpas, balbuciando algo a respeito de um encontrão com a porta da sala de jantar no escuro. Ficou quase às lágrimas com a consideração de lorde Peter e com a disposição dele a comparecer.

    — É uma grande gentileza de vossa senhoria, de fato — repetiu ele pela décima-segunda vez, piscando as palpebrazinhas em alta velocidade. — Agradeço muito, muitíssimo, agradeço mesmo, assim como agradeceria minha mãe, o que não faz por ser surda e não quero que se incomode em tentar fazê-la escutar. Foi um dia pesado — complementou —, com os policiais na casa e tanto tumulto. É o tipo de coisa a que minha mãe e eu nunca fomos acostumados, pois sempre vivemos muito isolados, e é aflição para um homem que tem seus hábitos, milorde. Entenda que quase sou grato por minha mãe não escutar, pois tenho certeza de que ficaria muito preocupada caso viesse a tomar conhecimento do que se passou. Ela ficou incomodada de início, mas já fixou alguma ideia a respeito do que transcorreu e tenho certeza de que é melhor assim.

    A idosa estava tricotando e fez um meneio com a cara fechada em resposta ao olhar do filho.

    — Eu sempre disse que você devia reclamar desta banheira, Alfred — disse ela de repente, na voz alta e sibilante peculiar aos surdos —, e agora, é de se esperar que o senhorio venha ver; não que eu não pense que você teria conseguido sem a polícia, mas aí está! Você sempre foi de fazer um estardalhaço à mínima coisinha, de catapora para cima.

    — Aí está — disse sr. Thipps em tom apologético. — O senhor já viu como é. Não, melhor que ela tenha se decidido que é isso, porque ela viu que trancamos o banheiro, e ela que não tente entrar. Mas para mim foi um choque tremendo, senhor… milorde, devo dizer. Mas olhe só! Meus nervos estão em frangalhos. Nunca que me aconteceu uma coisa dessas… nunca que me aconteceu desde que eu existo neste mundo. Eu estava num tal estado hoje de manhã… não sabia onde estava com a cabeça… não sabia mesmo. E como meu coração não é dos fortes, mal consegui sair daquele banheiro tenebroso e telefonar para a polícia. Afetou-me, senhor, me deixou afetado, muito afetado… nem consegui tocar no café da manhã, nem almoço, e com tantos telefonemas e tendo que protelar com os clientes e interrogar gente toda a manhã, mal sei o que fazer de mim.

    — Tenho certeza de que deve ter sido perturbador — disse lorde Peter com tom solidário. — Em especial por ter acontecido antes do café da manhã. Odeio qualquer inconveniência antes do desjejum. A pessoa é pega em momento de desvantagem, que tal?

    — É isso, exatamente isso — disse sr. Thipps, nervoso. — Quando eu vi aquela coisa terrível deitada na minha banheira, nua em pelo à exceção dos óculos, eu vou lhe dizer, milorde… Revirou meu estômago, se me perdoa a expressão. Eu não sou dos mais fortes, senhor, e às vezes sinto nós na barriga pela manhã, e depois de uma e outra coisa que eu já passei… tive que mandar a empregada buscar um conhaque forte, caso contrário não sei o que teria me acontecido. Fiquei abaladíssimo, mas, por regra, sou tudo menos favorável aos destilados. Ainda assim, por outra regra, nunca fico sem conhaque em casa. Em caso de emergência, sabe?

    — Muito inteligente da sua parte — disse lorde Peter, de bom grado. — O senhor é um homem de visão, sr. Thipps. É maravilhoso o que um golinho pode fazer em caso de necessidade, e quanto menos o senhor estiver acostumado, melhor fará. Espero que sua criada seja moça sensata, que tal? É um incômodo quando as mulheres começam a desmaiar e gritar por todos os lados.

    — Ah, Gladys é uma boa criada — disse sr. Thipps. — Sim, muito sensata. Claro que ela ficou chocada; é compreensível. Eu mesmo fiquei chocado, e não seria adequado a uma jovem não ficar chocada diante das circunstâncias. Mas é uma moça prestativa, vigorosa nas crises, se é que me entende. Eu me considero muito grato, nos dias de hoje, por ter conseguido uma moça comportada e decorosa para cuidar de mim e da minha mãe, mesmo que ela seja um pouco descuidada e esqueça de uma coisinha e outra, mas é natural. Ela ficou muito lamentosa de ter deixado a janela do banheiro aberta, ah, se ficou, e, mesmo que eu tenha ficado irritado no início, depois de ver o que aconteceu, não

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