O pequeno lorde
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Sobre este e-book
Frances Hodgson Burnett
Frances Hodgson Burnett (1849–1924) grew up in England, but she began writing what was to become The Secret Garden in 1909, when she was creating a garden for a new home in Long Island, New York. Frances was a born storyteller. Even as a young child, her greatest pleasure was making up stories and acting them out, using her dolls as characters. She wrote over forty books in her lifetime.
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O pequeno lorde - Frances Hodgson Burnett
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
Elaborado por Lucio Feitosa - CRB-8/8803
Índice para catálogo sistemático:
1. Literatura inglesa 823
2. Literatura inglesa 821.111-31
Versão digital publicada em 2023
www.cirandacultural.com.br
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Sumário
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 1
Cedric não sabia nada a respeito de seu pai. Nunca ninguém havia mencionado uma palavra sequer. Sabia que era inglês porque a mãe lhe havia contado, mas que tinha morrido quando ele era tão pequeno que mal se lembrava, exceto que era um homem alto, de olhos azuis com um bigode comprido e que era uma coisa maravilhosa ser carregado em seus ombros pelo quarto. Desde sua morte, Cedric tinha descoberto que era melhor não falar sobre ele com a mãe. O garoto foi afastado de casa quando o pai adoeceu, e quando retornou tudo estava terminado: sua mãe, que também tinha ficado muito doente, começava a melhorar e passava o dia sentada junto à janela. Estava pálida e magra, as covinhas haviam desaparecido de seu lindo rosto, seus olhos pareciam enormes e tristes e se vestia de preto.
– Querida – disse Cedric (seu pai sempre a chamava assim, e ele aprendeu a fazer o mesmo). – Querida, papai está melhor?
Percebeu, então, que os braços dela tremiam, virou a cabeça cacheada e fitou seu rosto. Algo naquele momento fez com que ele percebesse que ela iria chorar.
– Querida – repetiu. – Ele está bem?
Subitamente, seu coraçãozinho amoroso o aconselhou a passar os braços em volta do pescoço da mãe e beijá-la muitas vezes, mantendo sua face macia junto à dela. Assim fez, e ela apoiou o rosto em seu ombro e chorou desesperadamente, apertando o filho como se nunca mais fosse soltá-lo.
– Sim, ele está bem – a mãe soluçou. – Muito, muito bem, mas nós dois… Só temos um ao outro agora. Mais ninguém.
Apesar de muito pequeno, Cedric entendeu que seu pai nunca mais voltaria, que ele tinha morrido, como Cedric já tinha ouvido falar de outras pessoas, embora não entendesse exatamente o motivo de tamanha tristeza.
Foi exatamente pelo fato de sua mãe chorar sempre que ele mencionava o pai que secretamente resolveu não falar mais dele com frequência.
Descobriu também que era melhor não a deixar ficar sentada em silêncio olhando para a lareira ou pela janela sem se mover nem falar.
Ele e a mãe conheciam poucas pessoas e viviam o que se poderia considerar uma existência muito solitária, embora Cedric não tivesse consciência disso até ficar mais velho e tomar conhecimento do motivo de nunca receberem visitas. Mais tarde soube que sua mãe era órfã e que, quando seu pai se casou com ela, era uma pessoa muito sozinha. A mãe de Cedric era muito bonita e trabalhava como dama de companhia para uma velha senhora rica que não a tratava bem. Certo dia, o capitão Cedric Errol, que estava de visita ali, a viu subir correndo as escadas com lágrimas nos olhos. Era uma criatura tão meiga, inocente e triste que o capitão não conseguiu tirá-la da cabeça. Após estranhos acontecimentos, eles passaram a se conhecer melhor, apaixonaram-se e se casaram, embora o casamento não fosse bem-visto por algumas pessoas. O mais descontente de todos, entretanto, era o pai do capitão, que vivia na Inglaterra e era um velho nobre muito rico e importante, com um péssimo gênio e um enorme preconceito contra a América e os americanos. Ele tinha dois filhos mais velhos que o capitão Cedric, e pela lei o mais velho herdaria o título e os bens da família; caso o primogênito morresse, o segundo filho seria o herdeiro, de modo que, apesar de membro dessa família tão importante, as chances de o capitão Cedric ficar muito rico eram remotas.
Mas a natureza havia presenteado o filho caçula do conde com dons que faltavam aos seus irmãos mais velhos. Ele tinha um belo rosto e um físico forte e elegante; seu sorriso era brilhante, e sua voz, doce e cativante; era valente e generoso e possuía o coração mais bondoso do mundo, tendo a habilidade de se fazer querido por todos. E isso não acontecia com seus irmãos mais velhos; nenhum deles era bonito, muito menos bondoso nem inteligente. Quando meninos, em Eton, não eram populares entre os colegas; na faculdade, pouco ligavam para os estudos, desperdiçavam tempo e dinheiro e tinham pouquíssimos amigos. Seu pai, o velho conde, vivia desapontado e se sentia humilhado por causa deles. Seu principal herdeiro não tinha honra suficiente para carregar seu nobre nome e ele nada mais prometia do que ser um homem egoísta, esbanjador e insignificante, sem qualidades viris nem nobres.
Para o velho conde, era muito triste pensar que seu terceiro filho na sucessão, que herdaria apenas uma pequena herança, fosse o mais bem-dotado de todo charme, força e beleza da família. Às vezes chegava quase a odiar o jovem Cedric, pois era ele quem possuía os dotes certos para herdar o título de nobreza e os bens, mas, mesmo assim, em seu coração orgulhoso e teimoso, não conseguia deixar de amar seu filho menor. Foi um de seus rompantes de arrogância que provocou a ida do caçula para a América. O velho resolveu mandá-lo para longe por algum tempo, pois ficava irritado de vê-lo sobressair constantemente aos irmãos, que na época lhe davam muito trabalho com tamanhas leviandades.
Entretanto, seis meses depois, o velho conde começou a se sentir só, ansiando em segredo rever o filho mais novo. Escreveu para o capitão Cedric ordenando que voltasse para casa. Essa carta se cruzou com outra do capitão para o pai na qual ele contava a respeito de seu amor pela linda moça americana e revelava suas intenções de se casar com ela. Quando o conde recebeu a notícia, ficou furioso. Por pior que fosse seu gênio, ele jamais havia se permitido um descontrole como o que demonstrou ao ler a carta do filho. Seu criado, que estava no quarto, naquele momento, pensou que o conde estivesse tendo um ataque pelo modo violento como reagiu à notícia.
Durante uma hora o velho rugiu como um tigre, depois se sentou e escreveu para o filho ordenando que nunca mais se aproximasse de seu antigo lar nem escrevesse para ele ou para os irmãos. Que vivesse como desejasse e morresse onde bem quisesse, pois estava riscado para sempre da família, e que não esperasse ajuda do pai enquanto ele estivesse vivo.
O capitão ficou muito triste quando leu a carta, pois amava muito a Inglaterra, do mesmo modo como o belo lar onde havia nascido; amava até seu velho pai rabugento, e era solidário diante de suas frustrações, porém sabia que no futuro não poderia esperar por nenhum gesto seu de bondade. De início, não soube o que fazer; não havia sido educado para trabalhar e não tinha experiência com negócios, mas tinha muita coragem e determinação. Então, como era costume na época, vendeu sua patente no Exército inglês e, após alguns obstáculos, encontrou trabalho em Nova York e se casou. A mudança em relação à antiga vida na Inglaterra foi significativa, mas ele era jovem e estava feliz e esperava que com trabalho duro conseguisse um bom futuro.
Era dono de uma casa pequena em uma rua tranquila, onde seu filho nasceu. Tudo era tão alegre e festivo em sua simplicidade que jamais se arrependeu nem por um momento de ter-se casado com a bela dama de companhia da velha rica, porque ela era adorável, e os dois se amavam. A esposa era mesmo maravilhosa, e seu filhinho havia herdado as qualidades tanto da mãe quanto do pai. Embora nascido em um lar tão modesto e pequeno, parecia o bebê mais sortudo do mundo. Tinha uma saúde de ferro e nunca dava o menor trabalho; era dono de um temperamento tão agradável e de modos tão simpáticos que todos o amavam e parecia uma pintura de tão bonito que era.
Em vez de ser um bebê carequinha, sua cabeleira era macia e loira com pontas cacheadas, que se transformaram em caracóis quando fez seis meses; possuía grandes olhos castanhos com cílios longos e um rostinho adorável; suas costas eram tão firmes, e as pernas, tão fortes que aos nove meses de repente começou a andar; tinha modos tão distintos para um bebê que conhecê-lo era um deleite. Parecia achar que o mundo todo era seu amigo e, se alguém lhe dirigia a palavra quando estava em seu carrinho na rua, fitava o estranho com seus olhos castanhos sérios e meigos e a seguir abria seu sorriso caloroso e simpático. Daí não havia ninguém nas redondezas daquela rua tranquila onde morava, até mesmo o vendeiro, considerado o homem mais mal-humorado do mundo, que não gostasse de vê-lo e de falar com ele. E a cada mês o garoto ia crescendo mais bonito e charmoso.
Quando tinha idade suficiente, saía caminhando com sua babá, puxando um carrinho, usando roupas brancas e um chapelão também branco sobre os cabelos loiros e ondulados. Era uma criança tão bonita, forte e corada que chamava atenção de todos. E a babá voltava para casa contando à mãe do menino histórias sobre as senhoras que paravam a carruagem para olhar e falar com o menino, e como ficavam contentes quando ele respondia à sua maneira simpática, como se as conhecesse a vida toda.
Seu maior charme era esse modo bem-humorado, desinibido e pessoal de fazer amizade com as pessoas. Creio que isso vinha de sua natureza muito confiante e de um coraçãozinho bondoso que simpatizava com todo mundo e deixava todos à vontade. Era rápido em detectar os sentimentos dos que o rodeavam. Talvez essa característica tenha sido cultivada pelos pais bem-educados, amorosos, amáveis e atenciosos. Jamais tinha ouvido na sua casa uma palavra maldosa ou descortês; sempre foi amado, acariciado e tratado com muito amor, de modo que sua alma infantil era cheia de bondade e de um calor inocente. Ouvia sua mãe ser chamada por nomes bonitos e amorosos, então usava esses nomes também quando falava com ela. Via o pai tomar conta dela muito bem, e aprendeu a fazer o mesmo.
Então, quando soube que seu pai nunca mais voltaria e presenciou a tristeza da mãe, aos poucos seu coração bondoso o fez pensar que deveria fazer de tudo para deixá-la feliz. Ele não passava de um garotinho, mas esse pensamento o invadia sempre que subia nos joelhos dela, a beijava e apoiava a cabeça cacheada em seu pescoço, e quando trazia seus brinquedos e cadernos de colorir para ela, e ao se aninhar em silêncio ao seu lado quando ela se deitava no sofá. Não tinha idade para saber o que mais poderia fazer, então fazia o que podia. Era um conforto para a mãe muito maior do que poderia imaginar.
– Oh, Mary! – ouviu a mãe dizer certa vez para a velha criada. – Tenho certeza de que ele tenta me ajudar do seu jeito inocente… Sei que sim. Às vezes me olha de maneira pensativa e amorosa, como se sentisse pena de mim, e então se aproxima e me faz um carinho ou me mostra alguma coisa. Parece um homenzinho, e acho que ele compreende minha dor.
À medida que crescia, Cedric foi adquirindo muitas maneiras peculiares de divertir as pessoas e fazer com que elas se interessassem por ele. Era tão companheiro da mãe que ela mal precisava de outras companhias. Costumavam caminhar, conversar e brincar juntos. Ainda pequeno aprendeu a ler e se deitava sobre o tapete junto à lareira lendo em voz alta… Às vezes histórias, às vezes livros maçudos que os adultos liam, e outras vezes até o jornal. Nessas ocasiões, Mary, na cozinha, ouvia a senhora Errol rir deliciada com as coisas que ele dizia.
– E, na verdade – dizia Mary para o vendeiro –, ninguém consegue deixar de rir com as maneiras dele… E as coisas de gente antiga que diz! Então não entrou na minha cozinha na noite em que o novo presidente foi eleito e ficou de pé na frente do fogo parecendo uma pintura com as mãos nos bolsos pequenos e seu rosto inocente tão sério quanto o de um juiz? E me disse: Mary, estou muito interessado nas eleições. Sou republicano assim como a Querida. Você é republicana, Mary?
. Desculpe
, eu disse. Sou mais dos democratas!
E ele me deu um olhar que chegou ao meu coração e exclamou: Mary, o país cairá na ruína
. E, depois disso, não passa um só dia sem que tente me convencer a mudar de lado na política.
Mary gostava muito do menino e sentia um orgulho profundo dele também. Trabalhava para sua mãe desde que ele havia nascido, e depois da morte do capitão era cozinheira, arrumadeira, babá e tudo o mais que fosse preciso. Sentia orgulho de seu corpinho forte e flexível e de seus modos educados, e em especial dos cabelos brilhantes e encaracolados que emolduravam sua fronte e caíam em anéis até os ombros. Não se negava a trabalhar de manhã à noite para ajudar a mãe a confeccionar suas roupas minúsculas e mantê-las em ordem.
– Aristocrata? – ela dizia. – Sinceramente eu gostaria de ver essa criança na Quinta Avenida com sua aparência e bonito como ele só. E todo homem, mulher e criança admirando-o com suas roupas de veludo preto feitas com um velho vestido da patroa. Sua cabecinha erguida e seus cabelos cacheados ao vento. Parece um pequeno lorde.
Cedric ignorava que parecia um pequeno lorde. Nem sabia o que era um lorde. Seu maior amigo era o vendeiro da esquina… O mal-humorado que nunca estava de mau humor com ele. Seu nome era senhor Hobbs, e Cedric o admirava e respeitava muito. Pensava que ele era uma pessoa muito rica e poderosa, pois tinha tantas coisas na sua loja… Ameixas e figos, laranjas e biscoitos… E possuía uma charrete com cavalo. Cedric gostava do leiteiro, do padeiro e da mulher que vendia maçãs, mas o senhor Hobbs era seu preferido, e os dois eram tão chegados que o menino ia vê-lo todos os dias e costumava sentar-se com o vendeiro por muito tempo e ficavam discutindo os assuntos do momento. Era surpreendente quantas coisas tinham para conversar… O Quatro de Julho, por exemplo. Quando começavam a falar desse feriado, não acabavam nunca mais. O senhor Hobbs tinha uma péssima opinião sobre os britânicos
e contava toda a história da Revolução, narrando episódios maravilhosos e patrióticos sobre a vilania do inimigo e a bravura dos heróis revolucionários. Chegava até a recitar de boa vontade parte da Declaração de Independência.
Nessas ocasiões, Cedric ficava tão entusiasmado que seus olhos brilhavam, as faces coravam, e seus cachos se embaralhavam como se fossem um esfregão amarelo. Quando voltava para casa, não via a hora de acabar de jantar para contar tudo à sua mãe. Talvez tenha sido o senhor Hobbs o primeiro a lhe despertar