Dom Quixote: Don Quijote de La Mancha
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Dom Quixote - Miguel de Cervantes Saavedra
Edição bilíngue
Miguel de Cervantes Saavedra
titleDon Quijote de La Mancha
Adaptação de Telma Guimarães e Andrea Viviana Taubman
Ilustrações de Rafael Antón
logo Editora do BrasilPara Gilsandro Vieira Sales, que me convidou a adaptar esta linda história.
Que juntos possamos construir mais histórias de encantamento!
Telma
Para Miguel de Cervantes Saavedra, por sua escrita generosa, inspiradora e genial.
Para Hector e Silvia, meus tios apaixonados por literatura e língua espanhola, que me fizeram herdar essas paixões. Para minha mãe, Norma, que não me deixou esquecer de onde vim.
Andrea
Dom Quixote de La Mancha
I – Em que Dom Quixote de La Mancha se torna famoso e parte para as aventuras
II – No caminho do cavaleiro
III – O barbeiro, o padre e um novo escudeiro
IV – Entre outras aventuras, a dos moinhos de vento
V – Uma derrota no meio do caminho
VI – Dom Quixote de La Mancha, ou o Cavaleiro da Triste Figura
VII – A conquista do elmo de Mambrino
VIII – Dom Quixote escreve para a amada
IX – Dom Quixote aniquila o gigante
X – A jaula encantada de Dom Quixote
XI – O quase encontro com Dulcineia e suas amas
XII – Dom Quixote e a carroça da morte
XIII – O encontro com o incrível Cavaleiro dos Espelhos
XIV – O Cavaleiro da Triste Figura se torna o Cavaleiro dos Leões
XV – Uma linda Duquesa no caminho de Dom Quixote
XVI – O reencontro de Dom Quixote e sua linda Dulcineia
XVII – Dos conselhos de Dom Quixote ao seu escudeiro Sancho Pança
XVIII – Sancho Pança e o final de seu governo
XIX – Um falso Dom Quixote
XX – O Cavaleiro da Branca Lua
XXI – De açoites não dados e do retorno ao lar
XXII – Dom Quixote adoece, faz um testamento e se despede
Don Quijote de La Mancha
Glosario
O eterno cavaleiro andante
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ImagemI
Em que Dom Quixote de La Mancha se torna famoso e parte para as aventuras
Em um lugar de La Mancha, na Espanha, vivia um magro fidalgo, de rosto enxuto, que gostava de caçar. Durante a semana, vestia-se modestamente. Em dias de festa, trajava brilhante capa negra e calças de veludo. Sua alimentação não passava de guisado durante a semana e de ovos fritos com torresmo aos sábados.
Com cerca de cinquenta anos, esse cavaleiro tinha imenso prazer em ler livros de cavalaria em suas horas de folga, que eram muitas. Era tanto o prazer que nutria pela leitura que vendeu parte de sua terra para comprar mais livros de cavalaria. Passava noites em claro, dormindo quase nada e lendo tanto, que o juízo também cavalgava para longe, atrás de batalhas infindáveis, donzelas em perigo, tormentas, castelos e gigantes. Às vezes sentia um enorme desejo de reescrever algumas aventuras! E o teria feito se outros pensamentos não tivessem aparecido para atrapalhar suas ideias! Eram tantas as leituras, tão pouco o dormir, o dia virando noite e a noite entrando no dia, que o cérebro secou e o juízo sumiu.
Em sua casa vivia uma ama de quarenta anos, a sobrinha chamada Antônia, que não tinha nem chegado aos vinte, e um ajudante. Havia também um cão de caça e um cavalo, magro de chorar de pena.
Um dia, com a cabeça habitada por fantasias, encantamentos, amores e batalhas das histórias que lia, concluiu que seria conveniente, para sua honra e glória, tornar-se um cavaleiro andante e sair mundo afora, munido de armas e cavalo, para viver aventuras, desventuras, resolvendo as injustiças e perpetuando seu nome. Para tanto, limpou algumas armas esquecidas pelo tempo num canto da casa e que pertenceram aos seus bisavós. Estavam cobertas por ferrugem e mofo, mas ele daria um jeito. Olhou para o elmo: nele faltava um bom pedaço na parte de cima da cabeça. Com habilidade, recortou um papelão, encaixou-o com destreza no elmo e, por baixo dele, acrescentou barras de ferro, o que deixaria sua cabeça mais protegida. Sim, com aquele elmo ficaria mais seguro de ataques inesperados! Para prendê-lo à armadura, passou atrás uma longa fita verde, atando-o à gola. Um nó cego e ficaria perfeito!
Bem, faltava o cavalo. Foi até a estrebaria. Avistou o rocim¹, doente das patas e magro, a quem enxergava cavalo forte e valente. Depois de alguns dias pensando em qual nome daria a ele, batizou-o Rocinante
.
Mais oito dias se passaram até encontrar um nome para si mesmo. Chegou a Dom Quixote de La Mancha
, como honra à terra em que nascera.
Armadura, elmo, lança, cavalo. Faltava uma dama para se enamorar.
– Todo cavaleiro encontra um gigante pelo caminho. Vou encontrar um também e vencê-lo. A essa minha donzela dedicarei minhas vitórias e aqueles a quem combati se lançarão a seus pés, pedindo-lhe perdão e servindo-a – observou.
– Eles dirão: Aqui estou, vencido pelo cavaleiro Dom Quixote de La Mancha, que ordenou que me apresentasse à senhora para que faça de mim seu servo.
Lembrou-se então de uma camponesa da aldeia de Toboso por quem havia se apaixonado tempos atrás. Ela nunca soubera desse sentimento. Seu nome era Aldonça Lourenço.
– A partir de agora, será a senhora de meus pensamentos! Por seus ares de princesa, eu a chamarei Dulcineia de Toboso! – decidiu.
Com tudo arranjado, armadura, lança, cavalo Rocinante e amada, Dom Quixote de La Mancha partiu, numa manhã de julho, para sua grande aventura.
Mal havia começado a cavalgar, lembrou-se de que, segundo a lei da Cavalaria, deveria passar por um ritual.
Alguém precisa me consagrar cavaleiro! Mas onde encontrar tal pessoa?
, pensou.
Cavalgou lentamente sob o sol que quase torrou seus miolos... Se é que os possuía! Ao cair da noite, tanto ele quanto Rocinante estavam mortos de fome.
Sem castelos por perto, viu somente uma estalagem. À porta, duas moças de maus costumes, que iam a Sevilha com uns tropeiros. Para ele, a estalagem pareceu um castelo com quatro altas torres, e as moças, verdadeiras donzelas.
Em seguida, um criador de porcos tocou sua trombeta, recolhendo os animais.
Que bela homenagem estão fazendo para mim!
, pensou. As moças assustaram-se com a presença do cavaleiro munido de lança e já iam entrando na estalagem quando Dom Quixote levantou a viseira de papelão dizendo:
– Não fujam, donzelas! A Ordem da Cavalaria a qual pertenço não permite que eu lhes faça mal. Pelo contrário, vim para protegê-las.
As mulheres, sem modos que eram, caíram na gargalhada. Imagine só, serem chamadas de donzelas
!
– Rir sem motivo demonstra loucura... Estou aqui somente para servi-las! – disse ele irritado.
O dono da estalagem, ao ouvir as risadas, saiu para conferir o que estava acontecendo.
O que significa essa figura ali à frente?
, estranhou. Um homem magro, numa armadura enferrujada, com viseira de papelão e grades, lança, escudo, montado num cavalo esquálido?
, conteve-se para não fazer coro às risadas das moças.
– Se o cavaleiro busca um lugar para ficar, estou às ordens. Mas aqui na estalagem não há quartos.
– Qualquer lugar está bom para mim, senhor Castelão – respondeu Dom Quixote. – Minhas armas são os arreios; meu descanso é minha luta.
– Pode descer do cavalo, então – sugeriu o dono da estalagem, tomando o maior cuidado, ao ajudar o maluco a descer do cavalo, para não encostar no animal, pois poderia machucar os ossos do coitado.
O dono da estalagem conduziu Rocinante à estrebaria. Quando voltou, minutos depois, ouviu Dom Quixote dizendo às moças que o ajudavam a tirar a armadura:
– Não cortem as fitas de jeito nenhum!
A tarefa seria mesmo impossível, pois Dom Quixote prendera o elmo com as fitas, dando-lhes um nó cego. Assim, o cavaleiro teria de passar a noite com o elmo.
Enquanto as moças o livravam da armadura, Dom Quixote recitou para as duas, achando que fossem duas donzelas muito finas.
Nunca um cavaleiro viajante,
Foi tão bem servido
Por donzelas que cuidam de mim e de meu cavalo Rocinante,
De jeito tão cativante!
Elas nem ligaram para a poesia recitada por Dom Quixote.
– Quer comer alguma coisa? – perguntaram as moças.
– Sim, seja o que for me fará muito bem! – respondeu ele.
Era sexta-feira. Dia de peixe. O dono da estalagem armou uma mesa perto da porta e trouxe um peixe mal cozido e um pedaço de pão preto, em péssimo estado.
Como não retirou o elmo, Dom Quixote levantava a viseira para que as moças enfiassem a comida em sua boca. Beber o vinho, só mesmo com o auxílio de um canudinho!
Quando o criador de porcos tocou sua trombeta de novo, Dom Quixote vislumbrou o castelo, as damas, a música angelical, o bacalhau e o pão, o nobre Castelão.
Mas não estava sossegado. Precisava ser armado cavaleiro. Ou corria o risco de não entrar de forma legítima em nenhuma aventura.
Dom Quixote terminou sua refeição o mais rápido que pôde e, fechando-se na estrebaria com o dono, ajoelhou-se, pedindo-lhe:
– Não mais sairei dos meus joelhos se o valoroso cavaleiro não me outorgar o dom que peço. Só assim, consagrado cavaleiro, poderei servir à humanidade.
O homem insistiu que Dom Quixote ficasse em pé. Como Dom Quixote se recusava a sair daquela posição, prometeu fazer o que ele pedia, ordenando-o cavaleiro no dia seguinte.
– Eu esperava mesmo que me ordenasse cavaleiro, senhor meu! Velarei as armas na capela do castelo durante a noite e amanhã cedo o senhor fará a ordenação. Só assim posso sair aos quatro cantos para ajudar aos necessitados, como todo cavaleiro promete cumprir.
O dono da venda engoliu o riso e, aproveitando-se da loucura do homem, afirmou ter sido ele próprio um cavaleiro em sua juventude.
– Como a capela está sendo reformada, peço que vele suas armas no pátio. Amanhã cedo terá sua cerimônia realizada. Trouxe dinheiro, senhor? – ele quis saber.
– Não – respondeu Dom Quixote. – Cavaleiros não carregam dinheiro em suas aventuras.
Imagem– Pois engana-se, nobre cavaleiro. As histórias não relatam o que é óbvio: dinheiro, pomada para ferimentos de guerra e camisas lavadas. Na verdade, o escudeiro que o acompanha é quem leva tudo isso. Como padrinho que sou, devo alertá-lo para que não viaje sem dinheiro.
Dom Quixote garantiu ao padrinho
que seguiria o bom conselho. Em seguida, passou a velar as armas numa grande pia.
Mais tarde, um tropeiro parou junto ao poço, pois precisava dar água aos seus cavalos. Para tal, precisou afastar as armas do lugar.
– Como ousa, cavaleiro atrevido, tocar nas armas do mais valoroso cavaleiro? Quer perder a vida? – Dom Quixote o interpelou.
O tropeiro jogou as armas ao longe.
Dom Quixote, pensando na amada Dulcineia, bradou:
– Socorrei-me, minha donzela, na primeira afronta que recebo! – e golpeou a cabeça do rapaz com a lança, tão forte que lhe bastou um golpe para derrubar o tropeiro atrevido no chão.
Feito isso, recomeçou a velar suas armas, enquanto o hospedeiro padrinho acalmava os ânimos de outros tropeiros, que ameaçavam atirar pedras no cavaleiro.
O hospedeiro decidiu apressar a