Persuasão
De Jane Austen
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Sobre este e-book
Jane Austen
Jane Austen (1775-1817) var enskur skáldsagnahöfundur þekktur fyrir skarpa gáfur sínar, skarpa innsýn í mannlegt eðli og tímalausa lýsingu á ást, samfélagi og stétt. Hún skrifaði sex stórar skáldsögur, þar á meðal Sense and Sensibility, Emma og Pride and Prejudice, sem hafa heillað lesendur í meira en tvær aldir. Verk hennar eru fræg fyrir gáfaðar athuganir á samfélagsgerð samtímans og flóknum kvenkyns söguhetjum þeirra. Skáldsögur Austen eru enn á meðal þeirra ástsælustu og mest lesnu á enskri tungu.
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Persuasão - Jane Austen
PRIMEIRA PARTE
CAPÍTULO 1
Sir Walter Elliot, de Kellynch Hall, em Somersetshire, era um homem que, para seu próprio entretenimento, nunca tomou outro livro para ler a não ser o Baronetage; nele encontrava ocupação nas horas de ócio e consolo nas de angústia; nele seus sentidos eram despertados para a admiração e o respeito ao contemplar os limitados remanescentes dos títulos mais antigos; nele, quaisquer sensações indesejáveis, ocasionadas por assuntos domésticos, transformavam-se naturalmente em pena e desdém. Ao repassar as quase intermináveis nomeações de nobres do último século – e nele, se qualquer trecho fosse inexpressivo, ele podia ler sua própria história com um interesse que nunca arrefecia – esta era a página com que o volume favorito sempre se abria:
"ELLIOT DE KELLYNCH HALL.
Walter Elliot, nascido em 1º. de março de 1760, casado em 15 de julho de 1784, com Elizabeth, filha de James Stevenson, senhor de South Park, no condado de Gloucester; com cuja senhora (que morreu em 1800) teve as filhas Elizabeth, nascida em 1º. de junho de 1785; Anne, nascida em 9 de agosto de 1787; um natimorto em 5 de novembro de 1789; Mary, nascida em 20 de novembro de 1791.
Precisamente assim estava redigido o parágrafo pelas mãos do impressor; mas Sir Walter o havia aprimorado acrescentando, para a própria informação e a de sua família, estas palavras depois da data de nascimento de Mary: Casada em 16 de dezembro de 1810 com Charles, filho e herdeiro de Charles Musgrove, senhor de Uppercross, no condado de Somerset
, e inserindo acuradamente o dia do mês em que havia perdido sua esposa.
Seguia-se então a história e a ascensão da antiga e respeitável família, nos termos usuais: como se havia primeiramente estabelecido em Cheshire, como era mencionada em Dugdale, ocupando o cargo de xerife, representando uma circunscrição eleitoral em três sucessivas legislaturas no parlamento, com atuações de lealdade, e o título de baronete no primeiro ano de Carlos II, com todas as Mary e Elizabeth com quem se haviam casado; o texto ocupava duas belas páginas inteiras in-duodecimo e se encerrava com as armas e a divisa: – Principal sede, Kellynch Hall, no condado de Somerset
; e, novamente, a letra de Sir Walter neste final:
Presumível herdeiro, senhor William Walter Elliot, bisneto do segundo Sir Walter.
A vaidade era o começo e o fim do caráter de Sir Walter Elliot – vaidade pessoal e de posição. Ele tinha sido notavelmente bonito em sua juventude e, aos 54 anos, ainda era um homem muito atraente. Poucas mulheres podiam conferir mais importância à aparência pessoal do que ele, nem o criado de qualquer recém-nomeado lorde podia ficar mais satisfeito com o lugar que ocupava na sociedade. Sir Walter Elliot considerava a bênção da beleza inferior somente à bênção da dignidade de baronete; e ele, que reunia essas dádivas, era objeto constante de seu mais caloroso respeito e devoção.
Sua boa aparência e sua posição eram um belo motivo para exercer atração, pois a elas devia o fato de ter conseguido uma esposa de caráter muito superior a qualquer coisa que merecesse. Lady Elliot havia sido uma mulher excelente, sensível e amável, cujos julgamento e conduta, se perdoada a paixão juvenil que a tornara Lady Elliot, nunca mais tiveram necessidade de indulgência. Ela havia tolerado, amenizado ou ocultado as falhas dele e promovido a verdadeira respeitabilidade do marido ao longo de dezessete anos; e, embora ela própria não fosse a criatura mais feliz do mundo, havia encontrado em seus deveres, em seus amigos e em suas filhas razão suficiente para apegar-se à vida e para não ser motivo de indiferença quando foi chamada a deixá-los. Três meninas, as duas mais velhas com dezesseis e catorze anos, era um tremendo legado para uma mãe deixar; melhor, um terrível fardo a confiar à autoridade e orientação de um pai vaidoso e tolo. Ela, no entanto, tinha uma amiga íntima, mulher sensível e prestativa, que havia sido levada, pela forte ligação existente entre as duas, a morar perto dela, na vila de Kellynch; e à sua bondade e conselhos Lady Elliot confiou de modo particular o auxílio e a manutenção dos bons princípios e da instrução que, com todo o esmero, sempre procurara dar às filhas.
Essa amiga e Sir Walter Elliot não se casaram, quaisquer que fossem as suposições levantadas por seus conhecidos a esse respeito. Treze anos já haviam transcorrido desde a morte de Lady Elliot, e os dois continuavam vizinhos e amigos íntimos; ele permanecia viúvo, e ela, viúva.
Que Lady Russel, mulher madura em idade e caráter, e muito bem provida financeiramente, não pensasse em contrair segundas núpcias não necessita de desculpas junto à opinião pública que, sem razão, se inclina a mostrar-se mais descontente quando uma mulher se casa novamente do que quando não o faz; mas o fato de Sir Walter continuar celibatário requer explicação. Que se saiba então que Sir Walter, como bom pai (depois de ter tido um ou dois desapontamentos pessoais com pedidos pouco razoáveis), orgulhava-se de permanecer celibatário pelo bem de sua querida filha. Por uma delas, a mais velha, realmente teria desistido de qualquer coisa que não estivesse muito tentado a fazer. Elizabeth, aos dezesseis anos, havia sucedido em tudo o que era possível à mãe em direitos e importância; e, sendo muito bonita e muito parecida com o pai, sempre havia exercido grande influência sobre ele e, juntos, os dois viviam muito felizes. Às duas outras filhas, ele lhes conferia um valor inferior. Mary havia adquirido pequena importância artificial ao desposar Charles Musgrove; mas Anne, com uma elegância de espírito e doçura de caráter que deveriam tê-la colocado em destaque entre pessoas de verdadeiro discernimento, não era ninguém para o pai nem para a irmã; suas palavras não tinham peso; seu papel era ceder sempre – ela era apenas Anne.
Para Lady Russell, na verdade, Anne era a mais querida e altamente prezada afilhada, favorita e amiga. Lady Russell amava a todas elas; mas era somente em Anne que podia imaginar a mãe revivida.
Alguns anos antes, Anne Elliot havia sido uma moça muito bonita, mas seu frescor cedo se havia esvaído; e como, mesmo no auge de sua beleza, o pai pouco havia encontrado a admirar nela (tão radicalmente diferentes eram suas delicadas feições e seus meigos olhos escuros dos dele), nada podia haver nesses traços da filha, agora que estava enlanguescida e magra, para despertar a estima dele. Nunca havia nutrido muita esperança, e agora não tinha nenhuma, de algum dia ler o nome de Anne em qualquer página de seu livro favorito. Qualquer aliança entre iguais devia repousar em Elizabeth, pois Mary se havia meramente unido a uma antiga família rural, respeitável e de grande fortuna, à qual tinha conferido toda a sua honra, sem receber nenhuma em troca; Elizabeth, mais cedo ou mais tarde, haveria de casar-se condignamente.
Acontece, às vezes, que uma mulher é mais bonita aos 29 anos do que o era dez anos antes; e, de modo geral, não havendo problemas de saúde ou ansiedade, essa é uma etapa da vida em que praticamente nenhum encanto é perdido. Assim foi com Elizabeth – ainda a mesma bela senhorita Elliot que tinha começado a despontar havia treze anos; e Sir Walter podia ser desculpado, portanto, ao esquecer-se da idade dela ou, pelo menos, ser considerado somente meio tolo ao pensar que ele próprio e Elizabeth mantinham o mesmo frescor de sempre no meio da perda da boa aparência de todos os outros; pois podia ver muito bem como estavam envelhecendo todo o resto da família e demais conhecidos. Anne emagrecida, Mary rude, todos os semblantes da vizinhança tornando-se mais feios, e o rápido aumento dos pés de galinha nas têmporas de Lady Russell eram para ele, fazia muito tempo, motivo de angústia.
Elizabeth não se igualava inteiramente ao pai em matéria de satisfação pessoal. Treze anos a haviam visto como senhora de Kellynch Hall, presidindo e dirigindo com uma segurança e autoridade que nunca podia ter dado a impressão de ser mais jovem do que de fato era. Por treze anos tinha tomado a si fazer as honras da casa, estabelecendo as normas domésticas, abrindo caminho para subir na carruagem e seguindo imediatamente atrás de Lady Russel ao sair de todas as salas de visita e de jantar da região. Treze geadas sucessivas de invernos a haviam visto abrir todos os bailes importantes que uma vizinhança tão diminuta proporcionava; e treze primaveras haviam mostrado seus brotos enquanto viajava a Londres com o pai para algumas semanas por ano de prazer em meio à alta sociedade. De tudo isso ela se lembrava; tinha consciência de estar com 29 anos, o que lhe provocava alguns arrependimentos e algumas apreensões; estava mais que satisfeita por ser ainda tão bonita como antes, mas sentia a aproximação dos anos perigosos, e se teria regozijado com a certeza de ser devidamente pedida em casamento por algum nobre baronete dentro do próximo ano ou dois. Poderia então retomar o livro dos livros com tanto prazer quanto no início da juventude; mas agora não gostava de fazê-lo. Ser sempre apresentada nele com a data do próprio nascimento e não ver seguir-se qualquer casamento a não ser o da irmã mais nova tornava o livro um tormento; e mais de uma vez, quando o pai o deixava aberto sobre a mesa a seu lado, ela o havia fechado, desviando os olhos, e o empurrava para longe.
Além disso, tivera uma decepção que aquele livro, e especialmente a história de sua própria família, sempre lhe traziam à lembrança. O presumido herdeiro, o próprio senhor William Walter Elliot, cujos direitos haviam sido tão generosamente defendidos pelo pai dela, a havia desapontado.
Quando muito jovem ainda, logo que soubera que ele, caso ela não tivesse nenhum irmão, seria o futuro baronete, havia tido a intenção de casar-se com ele; e o pai dela sempre havia desejado que isso ocorresse. Eles não o conheceram quando era menino; mas logo após a morte de Lady Elliot, porém, Sir Walter havia procurado estreitar os laços; e, embora suas tentativas não tivessem sido recebidas com qualquer simpatia, ele havia persistido em procurá-lo, atribuindo o acanhamento do rapaz a coisas da juventude; e, numa das excursões primaveris a Londres, quando Elizabeth estava no auge da beleza, o senhor Elliot havia sido forçado a aceitar a apresentação.
Na época, era um rapaz muito jovem, recém-matriculado no estudo de Direito; e Elizabeth o achou extremamente agradável, e todos os planos em relação a ele se confirmaram. Foi convidado a ir a Kellynch Hall: foi assunto de conversa e foi esperado durante todo o resto do ano; mas ele nunca apareceu. Na primavera seguinte, foi visto novamente na cidade, foi considerado igualmente agradável e, uma vez mais, encorajado, convidado e esperado, e de novo não apareceu; e as notícias seguintes foram de que se havia casado. Em vez de incrementar sua fortuna na linha demarcada para o herdeiro da casa dos Elliot, ele havia comprado a independência unindo-se a uma mulher rica de berço inferior.
Sir Walter havia ficado ressentido. Como cabeça do clã, sentia que deveria ter sido consultado, especialmente depois de ter demonstrado publicamente apreço pelo jovem: Pois eles devem ter sido vistos juntos
, observou ele, uma vez em Tattersall e duas vezes no saguão da Câmara dos Comuns.
Sua desaprovação foi expressa, mas aparentemente muito pouco levada em consideração. O senhor Elliot não havia tentado desculpar-se e mostrou-se tão indiferente em continuar recebendo atenções da família quanto Sir Walter passou a considerá-lo indigno de consideração: todas as relações entre eles cessaram de vez.
Essa constrangedora história do senhor Elliot, depois de um intervalo de vários anos, ainda causava raiva em Elizabeth, que havia gostado do homem pelo que era e, mais ainda, por ser o herdeiro do pai dela, e cujo forte orgulho familiar só nele podia ver um pretendente adequado para a filha primogênita de Sir Walter Elliot. Não havia nenhum baronete, de A a Z, a quem os sentimentos dela pudessem ter reconhecido tão facilmente como seu semelhante. Ainda assim, ele se havia comportado tão mal que, embora ela usasse agora (no verão de 1814) fitas pretas em sinal de luto pela esposa dele, nem sequer admitia que ainda fosse digno de seus pensamentos. A vergonha do primeiro casamento dele poderia, talvez, visto que não havia razões para supor que tivesse sido perpetuado por filhos, ter sido superada, se não tivesse feito coisa pior ainda; mas ele havia, segundo haviam sido informados pela costumeira intervenção de bons amigos, falado da forma mais desrespeitosa de todos eles, chegando a menosprezar e desdenhar a própria linhagem a que pertencia e as honrarias que mais adiante seriam as suas próprias. Isso não podia ser perdoado.
Eram esses os sentimentos e as sensações de Elizabeth Elliot; essas eram as preocupações que tumultuavam, as agitações que variavam a mesmice e a elegância, a prosperidade e o vazio do cenário de sua vida – esses eram os sentimentos que conferiam interesse a uma longa e monótona residência num único círculo interiorano, para preencher os momentos de ociosidade, onde não havia o hábito de fazer algo útil fora de casa, nem talentos ou realizações para ocupar-se dentro de casa.
Mas agora, outra ocupação e inquietação passavam a somar-se às demais. Seu pai estava ficando angustiado por falta de dinheiro. Ela sabia que agora, quando ele abria o Baronetage, era para afastar do pensamento as pesadas contas de seus fornecedores e as indesejáveis insinuações de seu administrador, o senhor Shepherd. A propriedade de Kellynch era boa, mas não era condizente com a expectativa de Sir Walter com relação às condições ideais requeridas de seu proprietário. Enquanto Lady Elliot vivia, houve método, moderação e economia que o tinham mantido dentro dos limites de sua renda; mas com ela haviam morrido todas essas corretas disposições e a partir desse período ele havia passado a ultrapassá-los constantemente. Não lhe fora possível gastar menos: ele nada mais havia feito do que cumprir as imperiosas obrigações de Sir Walter Elliot; mas por mais isento de culpa que fosse, não estava somente aumentando terrivelmente as dívidas, mas estava também ouvindo falar delas com tanta frequência, que se tornou inútil tentar escondê-las por mais tempo, mesmo que parcialmente, de sua filha. Chegara a fazer-lhe algumas insinuações a respeito na última primavera, na cidade; chegara até mesmo a dizer: Será que podemos cortar gastos? Ocorre-lhe que possa haver algum item em que seja possível economizar?
– e Elizabeth, justiça lhe seja feita, tomada pelo primeiro impulso de alarme feminino, se havia posto a pensar seriamente no que poderia ser feito e, finalmente, propôs essas duas formas de economia: cortar algumas doações desnecessárias e desistir de trocar a mobília da sala de estar; a essas providências acrescentou mais tarde a feliz ideia de não levarem nenhum presente para Anne, como costumavam fazer todos os anos. Mas essas medidas, embora boas em si, eram insuficientes para a verdadeira extensão do mal, cuja abrangência Sir Walter se viu obrigado a confessar-lhe pouco tempo depois. Elizabeth não tinha nada a propor de maior eficácia. Sentia-se maltratada e desafortunada, como o próprio pai; e nenhum dos dois foi capaz de imaginar qualquer meio para reduzir as despesas sem comprometer sua dignidade ou renunciar a seu conforto de maneira a ficar insuportável.
Havia somente uma pequena parte de sua propriedade de que Sir Walter podia dispor; mas ainda que todos os acres pudessem ser alienados, isso não teria feito a menor diferença. Havia concordado em hipotecar até onde lhe fosse possível, mas jamais concordaria em vender. Não; nunca haveria de desgraçar seu nome a tal ponto. A propriedade de Kellynch seria transmitida integral e completa, como ele a havia recebido.
Seus dois amigos e confidentes, o senhor Shepherd, que morava na cidade vizinha, e Lady Russell, foram chamados para aconselhá-lo; e ambos, pai e filha, pareciam esperar que algo poderia ser imaginado por um ou por outro para remover seu constrangimento e reduzir suas despesas, sem envolver a perda de qualquer benefício de bom gosto ou orgulho.
CAPÍTULO 2
O senhor Shepherd, advogado cortês e cauteloso, que, independentemente de sua influência ou opinião sobre Sir Walter, preferia que a desagradável sugestão fosse feita por outra pessoa; escusou-se em apresentar o mais leve palpite e somente pediu licença para recomendar uma referência implícita ao excelente julgamento de Lady Russell, de cujo reconhecido bom senso ele esperava plenamente ter o aconselhamento dessas medidas imperiosas que ansiava ver finalmente adotadas.
Lady Russell mostrou-se ansiosamente zelosa ao tratar do assunto e se devotou a ele com a mais séria consideração. Era uma mulher de habilidades mais eficientes que rápidas, cujas dificuldades para chegar a qualquer decisão nessa questão eram grandes, por causa da oposição de dois princípios fundamentais. Ela própria era de estrita integridade, com um delicado senso de honra; mas tinha tanto desejo de poupar os sentimentos de Sir Walter, era tão atenta à credibilidade da família, tão aristocrática em sua ideia do que lhes era devido quanto poderia ser qualquer pessoa de bom senso e honesta. Era uma mulher benevolente, caridosa e boa, capaz de fortes vínculos, muito correta em sua conduta, rígida em suas noções de decoro, e com modos que eram considerados um modelo de boa educação. Era culta e, de modo geral, racional e consistente; mas tinha alguns preconceitos em relação à linhagem; valorizava a posição social e o prestígio de tal modo que a deixava um tanto cega para os defeitos de quem os tinham. Ela própria viúva de um simples fidalgo, dava à dignidade de baronete todo o valor devido; e Sir Walter, independente das alegações de velho conhecido, vizinho atencioso, senhorio prestativo, marido de sua querida amiga, pai de Anne e das irmãs, tinha, sendo Sir Walter, em sua concepção, direito à maior compaixão e consideração ante as atuais dificuldades.
Deviam reduzir gastos; isso não admitia qualquer dúvida. Mas ela se mostrava ansiosa em fazer isso da maneira menos dolorosa possível para ele e Elizabeth. Traçou planos de economia, realizou cálculos exatos e fez o que ninguém mais pensara em fazer: consultou Anne, que nunca parecia ser considerada pelos outros como se tivesse qualquer interesse na questão. Consultou-a e, em certa medida, foi influenciada por ela na elaboração do esquema de corte de gastos, que foi finalmente submetido a Sir Walter. Todas as recomendações de Anne haviam sido a favor da honestidade em detrimento da importância. Ela queria medidas mais vigorosas, uma reforma mais completa, uma quitação mais rápida das dívidas, um tom bem mais enfático de indiferença por tudo que não fosse justo e igualitário. – Se pudermos persuadir seu pai de tudo isso – disse Lady Russell, ao examinar o papel –, muito poderá ser feito. Se ele adotar essas regras, em sete anos estará livre de dívidas; e espero que consigamos convencê-lo e a Elizabeth, de que Kellynch Hall possui uma respeitabilidade em si que não pode ser afetada por essas reduções; e que a verdadeira dignidade de Sir Walter Elliot não será de forma alguma diminuída aos olhos de pessoas sensatas, pelo fato de agir como homem de princípios. Com efeito, o que estará ele fazendo a não ser o que muitas de nossas primeiras famílias fizeram ou deveriam ter feito? Não haverá nada de singular no caso dele; e é a singularidade que, muitas vezes, constitui a pior parte de nosso sofrimento, tal como sempre faz com nossa conduta. Tenho grandes esperanças de que vamos conseguir persuadi-lo. Precisamos ser sérias e decididas; porque, depois de tudo, quem contraiu dívidas deve pagá-las; e, embora mereçam muita consideração os sentimentos de um cavalheiro e chefe de um clã como seu pai, maior consideração ainda merece o caráter de um homem honesto.
Esse era o princípio que Anne queria ver o pai seguir, com os amigos dele a incentivá-lo. Ela considerava como um ato de dever indispensável atender as reivindicações dos credores com toda a rapidez que o mais abrangente corte de gastos pudesse garantir, e não via nenhuma dignidade em fazer de qualquer outra forma. Queria que isso fosse recomendado e sentido como um dever. Tinha a influência de Lady Russell em alta conta; quanto ao severo grau de abnegação, que sua própria consciência sugeria, acreditava que deveria haver um pouco mais de dificuldade em persuadi-los por uma reforma completa do que por uma parcial. O conhecimento que tinha do pai e de Elizabeth a inclinava a pensar que o sacrifício de uma parelha de cavalos dificilmente seria menos doloroso do que de duas, e assim por diante, ao longo de toda a lista de reduções demasiado moderadas de Lady Russell.
Pouco importa como as mais rígidas requisições de Anne poderiam ter sido recebidas. As de Lady Russell não tiveram nenhum sucesso... não podiam ser acolhidas... não podiam ser toleradas. Como? Todos os confortos da vida eliminados! Viagens, Londres, criados, cavalos, comida… cortes e restrições em toda parte! Não viver mais com a decência de um simples cavalheiro! Não, ele preferia deixar Kellynch Hall de imediato a permanecer ali em termos tão degradantes.
Deixar Kellynch Hall.
A sugestão foi imediatamente aceita pelo senhor Shepherd, cujo interesse estava envolvido na concretização dos cortes de gastos de Sir Walter e estava inteiramente persuadido de que nada poderia ser feito sem uma mudança de residência. Uma vez que a ideia havia sido expressa por quem de direito, não tinha qualquer escrúpulo
, disse ele, de confessar que sua opinião pendia totalmente para essa solução. Não lhe parecia que Sir Walter pudesse alterar essencialmente seu estilo de vida numa casa que precisava manter tal padrão de hospitalidade e de dignidade ancestral. Em qualquer outro lugar, Sir Walter poderia fazer o que bem entendesse; e continuaria a ser considerado, ao regular seu modo de vida, qualquer que fosse a forma que viesse a escolher para administrar seu lar.
Sir Walter deixaria Kellynch Hall; e, depois de poucos dias de dúvida e indecisão, a grande questão de para onde iria foi resolvida, e o primeiro esboço dessa importante mudança foi traçado.
Havia três alternativas: Londres, Bath ou outra casa no campo. Todos os desejos de Anne tendiam para a última. Uma pequena casa nos arredores, onde ainda poderiam ter o convívio de Lady Russell, continuar perto de Mary e ainda ter o prazer de contemplar, por vezes, os gramados e os bosques de Kellynch, era o objeto de sua ambição. Mas o destino habitual de Anne se fez presente ao optar por algo totalmente oposto ao que sua inclinação determinara. Ela não gostava de Bath e não achava que lhe fizesse bem; e Bath haveria de tornar-se seu lar.
Sir Walter havia pensado primeiramente em Londres; mas o senhor Shepherd sentia que não poderia confiar nele em Londres e tinha sido bastante habilidoso para dissuadi-lo e fazê-lo preferir Bath. Era um lugar muito mais seguro para um cavalheiro em apuros: ali, ele poderia ser importante com despesas relativamente pequenas. Duas vantagens materiais de Bath em relação a Londres tinham tido, certamente seu peso, ou seja, a distância mais conveniente de Kellynch, de apenas 50 milhas, e o fato de Lady Russell lá passar parte de cada inverno; e, para grande satisfação de Lady Russell, cuja primeira preferência para a projetada mudança havia sido Bath, Sir Walter e Elizabeth foram induzidos a acreditar que não iriam perder prestígio nem prazeres ao se estabelecerem nessa cidade.
Lady Russell se sentiu obrigada a opor-se aos desejos expressos de sua querida Anne. Seria demais esperar que Sir Walter se mudasse para uma pequena casa nas cercanias. A própria Anne haveria de constatar as humilhações daí decorrentes, maiores do que havia previsto e, para os sentimentos de Sir Walter, elas deveriam ser terríveis. E com relação à antipatia de Anne por Bath, considerava-a um preconceito e um erro, provenientes, primeiro, da circunstância de ter estado três anos na escola de Bath depois da morte da mãe e, segundo, do fato de não ter se sentido perfeitamente bem no único inverno que por lá passou mais tarde em sua companhia.
Em resumo, Lady Russell adorava Bath, e estava inclinada a pensar que deveria ser conveniente para todos eles; e quanto à saúde de sua jovem amiga, qualquer perigo poderia ser evitado se passasse todos os meses mais quentes com ela em Kellynch Lodge; e era, com efeito, uma mudança que deveria lhe fazer bem tanto à saúde quanto ao ânimo. Anne havia passado muito pouco tempo fora de casa, muito pouco tinha sido vista. Não andava muito disposta. Um círculo social mais amplo lhe faria bem. Queria que fosse mais conhecida.
O fato de qualquer