Pessoas
De André Coelho
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Sobre este e-book
"Este texto foi concebido como um estudo. No sentido de compreender melhor a geração de personagens, foram consideradas seis pessoas reais, colocadas a responder a questões de ordem genérica, mas profunda, como se de entrevistas se tratassem. Embora as pessoas em causa não tenham sido efetivamente entrevistadas, a colocação das respostas às perguntas por seu intermédio terá ajudado não só a fornecer vários pontos de vista face às mesmas questões, mas também a de mostrar certos traços de personalidade de forma indireta. No processo, concebem-se aproximações a questões essenciais à condição humana, fruto de introspeção misturadas com algum conhecimento da vida das pessoas em causa."
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Pessoas - André Coelho
Pessoas 52
Este texto foi concebido como um estudo. No sentido de compreender melhor a geração de personagens, foram consideradas seis pessoas reais, colocadas a responder a questões de ordem genérica, mas profunda, como se de entrevistas se tratassem. Embora as pessoas em causa não tenham sido efetivamente entrevistadas, a colocação das respostas às perguntas por seu intermédio terá ajudado não só a fornecer vários pontos de vista face às mesmas questões, mas também a de mostrar certos traços de personalidade de forma indireta. No processo, concebem-se aproximações a questões essenciais à condição humana, fruto de introspeção misturadas com algum conhecimento da vida das pessoas em causa.
O que é um ser humano?
Pessoa #1
Oh pá, isso…Isso é como perguntar o que é a vida, ou assim. Quase que cabe tudo lá dentro. Porque nós, as pessoas, somos tão diversos… Eu sou um bocado bicho-do-mato, confesso, mas ainda assim já conheci muitas pessoas na minha vida. E todas muito diferentes. Às vezes questiono-me se haverá características fundamentais, imutáveis, no ser humano. Maldade no estado puro, pura bondade, medo, amor, etc. Tento imaginar como poderá alguém encarnar essas características, numa sempre reinventada natureza humana. Fascina-me a crueza das emoções, os extremos. Imaginem, por exemplo, que a lei e a ordem acabavam e que bandos de pessoas desconexas sobreviviam aqui e ali espalhadas pelo território, enquanto o mar e o mato tomavam conta das cidades e vilas, outrora símbolos da civilização. O que poderia acontecer se aqueles que sobravam dos exércitos também tivessem de lutar pela sobrevivência? São este tipo de estados-limite que me interessam, porque penso que aí se manifestam claramente as verdadeiras facetas do ser humano. Sim, porque o que é que realmente mostramos no nosso dia-a-dia? Gestos ritualizados, receitas culturais, até os nossos desejos e sonhos são condicionados pelo que os outros acham, para já não falar na influência dos media e da publicidade. Tudo isso cai por terra em situações-limite, não havendo aí escape à nossa nudez emocional. Ou então imaginem que se encontravam amarrados, com uma pistola apontada à cabeça, empunhada por alguém habituado a matar e que ainda por cima tinha todo o interesse em ver-vos desaparecer do mapa? Exato, não haveria propriamente espaço nem tempo para ir falar do assunto
, sentados à mesa de um qualquer cafezinho de esquina…
Um ser humano, para mim, é também um organismo que se transcende. Como poderei explicar? Há sítios na nossa mente que raramente, se alguma vez, visitamos. Porquê? Porque estamos sempre ocupados, pré-ocupados, a pensar em qualquer coisa. Porque, na nossa mente, nunca nos calamos. A meditação é precisamente esse processo de calar
a mente, deixando de ouvir o martelar permanente do ego. É aí, precisamente, que o ser humano consegue aceder a esses grandes átrios pouco ou nada visitados do seu cérebro, e que compõem partes importantes do que significa ser humano. Ouve só a tua respiração, e as portas do teu Eu abrir-se-ão para ti. Mas atenção: nem tudo o que lá encontrarás será bom. A meditação força-te a ouvir, mas não garante que irás gostar do que te é dado a ouvir. A tomada de consciência é, ou pode ser, um processo doloroso. Muita gente passa pela vida sem nunca tomar verdadeira consciência do que se passa lá no fundo, vivendo uma sobrevida superficial e inconsequente. O ser humano, tal como o vejo, tem esta capacidade soberba de, num exercício de vontade, aceder às suas profundezas a ampliar o seu campo de consciência. Tem, quer dizer, pode. Porque não se trata de um exercício trivial, e muito menos automático. Uma pessoa respira automaticamente, mas tomar consciência da sua respiração requer força de vontade e autodomínio. Outros organismos deste planeta serão cientes, têm uma noção de quem são e da sua posição na teia de relações que os envolve. Mas parece-me que esta capacidade de se olhar a fundo, imersa em silêncio, é exclusiva ao ser humano, pelo menos enquanto o nosso conhecimento se cingir a este planeta. Isso não nos faz melhores ou piores, apenas considero que se trata de uma capacidade natural e necessária à maximização da utilização dos nossos recursos internos, permitindo também ultrapassar traumas que, de outra forma, nos condicionam em todos os dias na nossa vida. E, sem isso, seremos sempre escravos dos nossos condicionalismos: teremos sempre uma comichão que nunca