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O castelo
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O castelo
E-book426 páginas10 horas

O castelo

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Sobre este e-book

Um dos grandes romances de Kafka. Talvez incompreendido, enigmático e profundo, mas ao lado de suas outras obras, ele continua a exigir do leitor atenção para as incursões psicológicas lançadas ao longo do texto. Deixado inacabado por Kafka em 1922 e não publicado até 1926, dois anos após sua morte, 'O castelo' é a história assombrosa da luta implacável e inútil de K. com uma autoridade inescrutável para obter acesso ao castelo.
IdiomaPortuguês
EditoraPrincipis
Data de lançamento26 de jul. de 2021
ISBN9786555525915
O castelo
Autor

Franz Kafka

Franz Kafka (Praga 1883 - Viena 1924) fou advocat d'una companyia d'assegurances i membre de la minoria jueva de Bohèmia. És considerat un dels escriptors fonamentals i més representatius del nostre segle. Autor de tres novel·les -El procés, El castell i Amèrica-, Kafka fou, abans que res, un escriptor de textos breus. Entre les narracions, l'única cosa que va publicar en vida, destaca La metamorfosi.

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    O castelo - Franz Kafka

    capa_castelo.jpg

    Esta é uma publicação Principis, selo exclusivo da Ciranda Cultural

    © 2021 Ciranda Cultural Editora e Distribuidora Ltda.

    Traduzido do original em alemão

    Das Schloss

    Texto

    Franz Kafka

    Tradução

    Jéssica F. Alonso

    Preparação

    Karin Gutz

    Revisão

    Adriane Gozzo

    Produção editorial

    Ciranda Cultural

    Diagramação

    Linea Editora

    Desing de capa

    Ciranda Cultural

    Ebook

    Jarbas C. Cerino

    Imagens

    Travel Drawn/Shutterstock.com;

    Ma ry/Shutterstock.com

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD

    K11c Kafka, Franz

    O castelo / Franz Kafka; traduzido por Jéssica F. Alonso. – Jandira, SP : Principis, 2021.

    320 p. ; EPUB. (Clássicos da literatura mundial)

    Tradução de: Das Schloss

    Inclui índice. ISBN: 978-65-5552-591-5

    1. Literatura alemã. 2. Romance. 3. Processo. 4. Interpretação. 5. Mistério. 6. Agrimensor. I. Alonso, Jéssica F. II. Título. III. Série

    Elaborado por Lucio Feitosa - CRB-8/8803

    Índice para catálogo sistemático:

    1. Literatura alemã : Romance 833

    2. Literatura alemã : Romance 821.112.2-3

    1a edição em 2020

    www.cirandacultural.com.br

    Todos os direitos reservados.

    Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, arquivada em sistema de busca ou transmitida por qualquer meio, seja ele eletrônico, fotocópia, gravação ou outros, sem prévia autorização do detentor dos direitos, e não pode circular encadernada ou encapada de maneira distinta daquela em que foi publicada, ou sem que as mesmas condições sejam impostas aos compradores subsequentes.

    Capítulo 1

    Era tarde da noite quando K. chegou. O vilarejo estava imerso em neve. Nada se via da colina, envolta em neblina e escuridão, e a pouquíssima luminosidade não era suficiente para distinguir o grande castelo. K. ficou parado por bastante tempo na ponte de madeira que levava da estrada ao vilarejo, olhando o aparente vazio acima.

    Depois, saiu para procurar abrigo. Ainda havia pessoas acordadas no alojamento. O dono da estalagem não tinha quartos para alugar, mas disse que K. poderia dormir em um saco de palha ali na taberna, o que deixou seus últimos clientes bastante surpresos e perplexos. K. aceitou a proposta. Alguns camponeses ainda tomavam suas cervejas, mas ele não quis conversar com ninguém, pegou o saco de palha no sótão e deitou­-se ao lado do aquecedor a lenha. Estava aquecido, com olhos cansados, avaliou um pouco os camponeses silenciosos e pegou no sono em seguida.

    Pouco depois, porém, já o estavam acordando. Um homem jovem em trajes civis, com rosto de ator, olhos estreitos e sobrancelhas grossas estava em pé ao seu lado com o estalajadeiro. Os camponeses também ainda estavam por ali, e alguns viraram as cadeiras para poder ver e ouvir melhor. Muito educadamente, o moço desculpou­-se por acordar K., apresentou­-se como o filho do castelão e falou:

    – Este vilarejo é propriedade do castelo. Pode­-se dizer que aqueles que moram ou pernoitam aqui estão morando ou pernoitando no castelo, e ninguém deve fazer isso sem a autorização condal. O senhor, no entanto, não dispõe de tal autorização ou, caso a tenha, não a apresentou.

    K. levantou meio corpo, ajeitou o cabelo e, olhando as pessoas de baixo para cima, perguntou:

    – Em qual vilarejo vim parar? Tem um castelo aqui?

    – Tem, sim – afirmou o jovem lentamente, enquanto algumas cabeças confirmavam acima de K. – O castelo do senhor Conde Westwest.

    – E é preciso ter uma autorização para pernoitar? – questionou K., como querendo se certificar de que não tinha sonhado com as informações recém­-recebidas.

    – É preciso ter uma autorização – foi a resposta, e K. considerou uma grande chacota quando o moço, com os braços abertos, perguntou para o estalajadeiro e os clientes em seguida: – Ou não é preciso ter uma autorização?

    – Então, vou buscá­-la – K. disse bocejante, empurrando o cobertor para longe, como se quisesse se levantar.

    – E vai buscar com quem? – perguntou o jovem.

    – Com o senhor Conde – respondeu K. – É só o que me resta.

    – Vai buscar a autorização com o senhor Conde agora, à meia­-noite? – gritou o moço, dando um passo para trás.

    – Não dá? – perguntou K. impassível. – Então por que o senhor me acordou?

    O moço ficou fora de si e bradou:

    – Isso são modos de um vagabundo! Exijo respeito perante as autoridades condais! Eu o acordei para dizer que o senhor deve deixar o território condal imediatamente.

    – Chega de drama – disse K. baixinho, deitando­-se de volta e puxando o cobertor para si. – O senhor está indo um pouco longe demais, meu jovem, e voltarei a tratar do seu comportamento amanhã. O estalajadeiro e os senhores aqui são testemunhas, se é que precisarei delas. Além disso, fique sabendo que sou o agrimensor chamado pelo conde. Meus ajudantes chegarão amanhã de manhã com a carroça e os aparatos. Não queria que a neve atrapalhasse meu percurso, mas, infelizmente, desviei­-me um pouco do caminho, por isso cheguei tão tarde. Eu já sabia, antes mesmo das suas explanações, que era muito tarde para me apresentar ao castelo. Foi por isso que me contentei com esse abrigo aqui, o qual o senhor teve a grosseria de incomodar, para dizer o mínimo. Assim, encerro minhas explicações. Boa noite, meus senhores – disse K., virando­-se para o aquecedor.

    – Agrimensor? – ouviu ainda questionarem relutantes pelas suas costas, e, em seguida, fez­-se silêncio absoluto.

    Mas o jovem logo se recompôs e falou ao estalajadeiro, em tom discreto o bastante para dar a entender que estava respeitando o sono de K., mas alto o suficiente para ser compreendido:

    – Perguntarei sobre isso por telefone.

    O quê? Esta estalagem de vilarejo tinha até telefone? Eram bem equipados, então. Os detalhes surpreenderam K., mas, no geral, ele até contava com isso. O telefone estava instalado quase sobre sua cabeça, e ele não o havia notado por causa da sonolência. Como o jovem precisava telefonar, não seria possível poupar o sono de K., por mais que quisesse; a questão era se K. deixaria que fizesse a ligação ou não, o que optou por permitir. Afinal, não fazia sentido bancar o dormente; então voltou a se virar de barriga para cima. Viu os camponeses timidamente reunidos conversando; a notícia de um agrimensor não era pouca coisa. A porta da cozinha se abriu, e a imponente figura da estalajadeira ocupou aquele espaço; o estalajadeiro aproximou­-se dela nas pontas dos pés para lhe contar as novidades. E, então, começou o diálogo telefônico. O castelão estava dormindo, mas um subcastelão, um dos subcastelões, estava lá, um tal de senhor Fritz. O jovem, que se apresentou como Schwarzer, contou como encontrara K., um homem na casa dos 30, um verdadeiro maltrapilho, dormindo tranquilamente em um saco de palha, usando uma diminuta mochila como travesseiro e portando um cajado. É claro que o homem lhe pareceu suspeito e, como o estalajadeiro aparentemente negligenciara seu dever, era obrigação dele, Schwarzer, esclarecer o assunto. K. não gostou de ter sido acordado, nem do interrogatório e da ameaça de expulsão obrigatória do condado, pois, em seguida, afirmara, talvez com razão, que era o agrimensor chamado pelo senhor Conde. Era óbvio que ele tinha a obrigação formal de verificar a alegação e, por isso, Schwarzer gostaria de pedir ao senhor Fritz que consultasse a chancelaria central e confirmasse se estavam mesmo aguardando um agrimensor daquele tipo e pediu que telefonasse em breve com a resposta.

    Então, fez­-se silêncio. Fritz ficou de verificar enquanto esperavam pela resposta. K. continuava como antes, não se virou nenhuma vez e não parecia nada curioso. A história de Schwarzer, naquela mistura de malícia e cuidado, deu a ele uma ideia da formação diplomática, por assim dizer, de que até a gente pequena do castelo, como Schwarzer, dispunha. E eles também não falhavam na agilidade, pois a chancelaria central tinha até um turno noturno e respondia com bastante rapidez, pois Fritz logo telefonou de volta. O relatório pareceu muito breve, pois Schwarzer colocou o aparelho de volta no gancho imediatamente e com bastante raiva.

    – Eu disse! – gritou. – Nem sinal de agrimensor nenhum, ele é um vagabundo cruel e mentiroso, talvez até seja um homem agressivo.

    Por um instante, K. pensou que todos, Schwarzer, os camponeses, os donos da estalagem fossem em sua direção. Para evitar ao menos a primeira investida, arrastou­-se para baixo do cobertor. Então, o telefone tocou mais uma vez, e K. teve a sensação de que o toque foi ainda mais forte. Lentamente, colocou a cabeça para fora. Apesar de ser improvável que a ligação fosse tratar dele, todos ficaram em silêncio, e Schwarzer voltou ao aparelho. Após ouvir uma explicação mais longa, disse baixinho em seguida:

    – Ah, um engano? Isso me deixa em uma situação bastante desagradável. Foi o próprio chefe do escritório que ligou? Claro, claro… Como devo explicar isso ao senhor Agrimensor?

    K. prestava atenção. Então, o castelo o chamara de agrimensor. Por um lado, aquilo lhe era desfavorável, pois significava que sabiam tudo o que era necessário sobre ele no castelo, tinham ponderado a correlação das forças e aceitavam a briga sorridentes. Por outro lado, porém, acreditava ser favorável, pois comprovava que o haviam subestimado e que ele teria mais liberdade do que a princípio estava esperando. E, se pensavam que seria possível mantê­-lo constantemente assustado graças ao seu distinto conhecimento sobre o dimensionamento de terras, certamente se decepcionariam; tal conhecimento o sobrecarregava um pouco, mas isso era tudo.

    Com um gesto, K. dispensou Schwarzer, que se aproximava timidamente; não queria se mudar para o quarto do estalajadeiro e rejeitou a oferta quando insistiram; apenas aceitou uma bebida do estalajadeiro, uma bacia com sabão e uma toalha da estalajadeira e nem precisou pedir para deixarem o salão, pois todos começaram a sair desviando o olhar para não serem reconhecidos por ele no dia seguinte. Apagaram a lâmpada, e K. finalmente teve sossego. Dormiu profundamente até a manhã seguinte, exceto por uma ou duas interrupções causadas pela correria das ratazanas.

    Quis seguir para o vilarejo logo após o café da manhã, que, segundo o estalajadeiro informara, seria pago pelo castelo, assim como toda sua estada. Mas o estalajadeiro, com quem se lembrava de ter conversado apenas o estritamente necessário, graças ao seu comportamento no dia anterior, não parava de circundá­-lo em pedidos silenciosos, e isso lhe causou pena, então permitiu que se sentasse ao seu lado por um tempinho.

    – Ainda não conheço o conde – K. falou. – É verdade que ele paga bem um bom trabalho? Quando se viaja para tão longe da esposa e dos filhos, como fiz, queremos levar alguma coisa de volta para casa.

    – O senhor não precisa se preocupar nesse sentido. Não se ouvem queixas sobre maus pagamentos.

    – Que bom – respondeu K. – Não tenho papas na língua e não vejo problema em expor minha opinião a um conde, mas é claro que é muito melhor negociar pacificamente com os cavalheiros.

    O estalajadeiro estava sentado de frente para K. à beira do peitoril da janela; não ousava se sentir mais confortável e olhava para K. o tempo inteiro, com grandes e temerosos olhos castanhos. Primeiro, inclinou­-se em direção a K. e, em seguida, pareceu que preferia ir embora. Será que tinha medo de ser interrogado pelo conde? Será que tinha medo da falta de confiança de um cavalheiro, como K. era considerado por ele? K. teve que mudar de assunto. Olhou para o relógio e disse:

    – Meus ajudantes chegarão em breve. Você poderá hospedá­-los aqui?

    – Com certeza, senhor – respondeu. – Mas eles não ficarão com você no castelo?

    Ele dispensava os clientes, K. principalmente, assim com tanta facilidade e vontade a ponto de logo querer empurrá­-los para o castelo?

    – Ainda não é certeza – afirmou K. – Primeiro, preciso saber que tipo de trabalho eles têm para mim. Se precisar trabalhar aqui embaixo, por exemplo, faz mais sentido ficar por aqui também. Além do mais, receio que a vida lá em cima no castelo não me agrade. Prefiro me manter livre.

    – Você não conhece o castelo – falou o estalajadeiro em voz baixa.

    – Exatamente – respondeu K. – Não quero fazer nenhuma avaliação precipitada. Até agora, a única coisa que sei sobre o castelo é que estão procurando o agrimensor certo. Talvez o local tenha outras virtudes também – e levantou­-se para se livrar do estalajadeiro, que, inquieto, mordia os lábios. Não era fácil conquistar a confiança daquele homem.

    Quando estava indo embora, K. notou um retrato escuro em uma moldura igualmente escura na parede. Já o vira do seu lugar, mas, a distância, não conseguia distinguir os detalhes e pensou que tivessem tirado o quadro da moldura e deixado para trás apenas um fundo preto. Mas, de fato, havia um quadro. Como era possível perceber agora, o busto de um homem de cerca de 50 anos. A cabeça estava tão afundada na direção do peito que quase não se viam os olhos. Cruciais para tal afundamento eram a testa ampla e pesada e o nariz bastante arrebitado. A barba cheia, apertada contra o queixo por conta da posição da cabeça, pendia bem lá para baixo. A mão esquerda estava posicionada de forma pouco natural na barba cheia, porém sem conseguir fazer a cabeça se erguer.

    – Quem é? O conde? – perguntou K. diante do quadro, sem olhar de volta para o estalajadeiro.

    – Não – falou o estalajadeiro. – É o castelão.

    – Vocês têm um belo castelão no castelo, não há como negar – disse K. – É uma pena que ele tenha um filho tão malcriado.

    – Não – replicou o estalajadeiro, puxando K. um pouco para baixo em sua direção e sussurrando em seu ouvido. – Schwarzer exagerou ontem, o pai dele é apenas um subcastelão, um dos mais baixos, inclusive.

    Nessa perspectiva, o estalajadeiro parecia uma criança para K.

    – Aquele salafrário! – K. respondeu sorrindo.

    O estalajadeiro, no entanto, não riu e disse:

    – O pai dele também é poderoso.

    – Ah, é? – retrucou K. – Você considera qualquer um poderoso. Sou poderoso também?

    – Você – disse tímido, mas seriamente –, não acho que seja poderoso.

    – Então, você é um bom observador – afirmou K. – Sinceramente, não sou nada poderoso mesmo. E, por conseguinte, talvez não tenha menos respeito que você pelos poderosos, mas não sou tão sincero quanto você e não quero admitir isso sempre.

    E, para consolar o estalajadeiro e parecer mais solidário, K. bateu de leve nas bochechas dele, que agora sorria um pouco. Era mesmo jovem com aquele seu rosto macio quase sem barba. Como será que encontrou aquela mulher grandalhona e envelhecida, que se via ocupada na cozinha, atrás do postigo, com os cotovelos bem longe do corpo? K. não queria continuar pressionando­-o e afugentar o sorriso que finalmente aparecera. Por isso, fez apenas um sinal para que abrisse a porta e saiu para aquela bela manhã de inverno.

    Agora, lá no alto, via o castelo despontar com nitidez no ar límpido, e todas as formas desvelavam a fina camada de neve que encobria tudo. No entanto, parecia que lá em cima, na montanha, havia muito menos neve que ali no vilarejo, onde K. não precisava fazer menos esforço que na noite anterior para se deslocar pela estrada. A neve chegava até as janelas das cabanas e pesava sobre os tetos baixos, mas, lá em cima, na montanha, tudo se estendia livre e levemente, pelo menos era essa a impressão que se tinha dali.

    No geral, pelo que parecia de longe, o castelo correspondia às expectativas de K. Não era um castelo feudal antigo nem um palácio novo, mas uma construção ampla, formada por poucas edificações de dois andares e vários edifícios baixos bastante próximos; se não soubesse que aquilo era, de fato, um castelo, poderia acreditar estar olhando para uma cidadezinha. K. via apenas uma torre, e não se podia distinguir se pertencia a uma moradia ou a uma igreja. Uma revoada de gralhas a circundava.

    K. seguiu em frente com os olhos no castelo sem se preocupar com mais nada. Ao chegar mais perto, no entanto, o castelo o desapontou: era realmente uma deprimente cidadezinha formada por casas de vilarejo cujo único destaque era a possibilidade de serem todas de pedra; a pintura, todavia, desbotara havia tempos, e as pedras pareciam esfarelar. Distraidamente, K. lembrou­-se da sua cidadezinha natal, que não era muito pior que esse suposto castelo. Se K. tivesse vindo apenas pela visita, a longa peregrinação não teria valido a pena e seria mais proveitoso visitar a antiga terra natal, onde estivera pela última vez fazia bastante tempo. Em pensamento, comparou a torre da igreja da sua cidade natal com aquela ali em cima. Sua torre afunilava­-se para cima sem hesitação, tinha telhado amplo terminado em tijolos vermelhos, era uma construção terrena (o que mais poderíamos construir?), mas mais alta que as várias casas baixas, e sua imagem era mais nítida durante os nublados dias de trabalho. A torre ali de cima, a única visível, era a de uma residência, como agora era possível distinguir, quem sabe do castelo principal, uma monótona construção circular em parte coberta por uma conveniente hera com janelinhas refletindo o sol que batia (e algo naquilo não fazia sentido) e terminava em uma espécie de belvedere, cujas ameias incertas, irregulares e frágeis, como desenhadas pelas mãos de uma criança temerosa ou pouco cuidadosa, apontavam para o céu azul. Assemelhava­-se a um morador aflito que deveria ter sido preso no cômodo mais afastado da edificação, mas irrompera o telhado e erguera­-se para observar o mundo.

    K. parou novamente, como se sua avaliação tivesse mais força parado. No entanto, foi interrompido. Atrás da igreja do vilarejo, onde havia estacado (na realidade, era apenas uma capela ampliada à moda de um celeiro para conseguir receber a comunidade), ficava a escola. Um prédio baixo e comprido, que reunia de forma impressionante as qualidades de provisório e muito antigo, ficava atrás de um jardim sem cerca, que agora era um campo de neve. As crianças estavam saindo com o professor. Circundavam­-no em uma horda espessa, todos os olhos voltados para ele; havia um burburinho constante por todos os lados, e K. não entendeu nada do que falavam rapidamente. O professor, um moço jovem, pequeno, muito ereto e de ombros estreitos, mas sem que isso o tornasse risível, olhara K. nos olhos de longe, pois K. era a única pessoa por perto além do seu grupo. Por ser o forasteiro, K. cumprimentou primeiro aquele homem tão pequeno e imponente:

    – Boa tarde, senhor Professor.

    As crianças emudeceram de imediato; o professor devia gostar bastante daquele silêncio repentino como preparação para suas palavras.

    – Estás a observar o castelo? – perguntou mais gentilmente do que K. esperava, mas seu tom indicava que não aprovava o que K. estava fazendo.

    – Estou – respondeu K. – Não sou daqui, cheguei ontem à noite.

    – E o castelo não lhe agrada? – questionou o professor rapidamente.

    – Como? – replicou K. um pouco surpreso, repetindo a pergunta de modo mais ameno. – Se o castelo me agrada? Por que pressupõe que ele não me agrade?

    – Ninguém que vem de fora gosta dele – afirmou o professor.

    Para não dizer nada desagradável, K. mudou de assunto e perguntou:

    – O senhor conhece o conde?

    – Não – afirmou o professor, querendo se afastar.

    No entanto, K. não se deu por convencido e perguntou novamente:

    – Como assim? O senhor não conhece o conde?

    – E como poderia conhecê­-lo? – questionou o professor baixinho, acrescentando em francês. – Por favor, leve em consideração a presença das inocentes crianças.

    K. deu­-se o direito de perguntar:

    – Eu poderia visitá­-lo um dia, senhor Professor? Ficarei aqui por bastante tempo e já estou me sentindo um pouco deslocado… Não sou camponês e também não pertenço ao castelo.

    – Não há grande diferença entre os camponeses e o castelo – afirmou o professor.

    – Pode até ser – respondeu K. –, mas isso não muda minha situação. Eu poderia visitá­-lo um dia desses?

    – Moro na Rua Schwanengasse, ao lado do açougueiro.

    Foi mais uma informação que um convite, no entanto K. respondeu:

    – Ótimo, passarei lá.

    O professor confirmou com a cabeça e prosseguiu com a horda de crianças que voltava a gritar. Logo, eles sumiram em uma ladeira estreita e íngreme.

    A conversa, contudo, deixara K. disperso e incomodado. Era a primeira vez que se sentia realmente cansado desde que chegara. Ele mal percebera o longo caminho percorrido para chegar até ali, como andara por dias, calmamente, dando um passo de cada vez. Mas, agora, as consequências dos seus enormes esforços estavam aparecendo, obviamente em momento inoportuno. Sentiu­-se compelido a tentar conhecer novas pessoas, porém cada pessoa nova intensificava seu cansaço. Se conseguisse fazer o esforço de estender o passeio no mínimo até a entrada do castelo, seria mais que suficiente, considerando seu estado atual.

    Assim, continuou seguindo em frente, mas o caminho era longo. A rua, a principal do vilarejo, não levava à colina do castelo, apenas seguia ao lado dela, para, então, como de propósito, fazer uma curva, e, apesar de não se distanciar do castelo, também não se aproximava dele. K. estava sempre na expectativa de que a rua, enfim, dobrasse em direção ao castelo e só por isso seguia por ela; hesitou sair dela provavelmente por causa do cansaço e surpreendeu­-se com o comprimento sem fim do vilarejo, com as mesmas casinhas e as mesmas janelas cheias de gelo e neve, e falta de pessoas, até que, finalmente, conseguiu escapar dessa rua aprisionante, e uma ruela estreita o pegou. A neve estava ainda mais funda; levantar os pés que afundavam era um trabalho difícil, e ele começou a suar e parou de repente sem conseguir continuar.

    No entanto, não estava perdido, havia cabanas de camponeses à direita e à esquerda. K. fez uma bola de neve e jogou­-a contra uma janela. Logo uma porta se abriu, a primeira que se abria em todo o percurso no vilarejo, e um velho camponês apareceu parado, amigável e fraco, vestindo um abrigo de pele marrom, a cabeça inclinada para o lado.

    – Posso entrar aí um pouco com o senhor? – perguntou K. – Estou muito cansado.

    Ele não ouviu nada do que o velho disse, aceitou com gratidão a tábua que fora empurrada para resgatá­-lo da neve e, após alguns passos, estava dentro de uma grande sala sob o crepúsculo. Quem vinha de fora não enxergava nada a princípio. K. cambaleou e bateu em uma tina de lavar roupa, e a mão de uma mulher o segurou. Em um canto, ouvia­-se uma gritaria de criança. Em outro, uma fumaça transformava a meia­-luz em escuridão. Parecia que K. estava parado nas nuvens.

    – Ele está bêbado – alguém disse.

    – Quem é você? – gritou uma voz imperiosa que, depois, se voltou para o velho. – Por que o deixou entrar? Como pode deixar entrar tudo que fica rondando pela rua?

    – Sou o agrimensor do conde – K. falou, tentando se justificar ainda em meio àquela persistente cegueira.

    – Ah, o agrimensor – disse uma voz feminina e, em seguida, fez­-se silêncio absoluto.

    – Você me conhece? – perguntou K.

    – Claro – disse brevemente a mesma voz.

    K. não considerou muito vantajoso o fato de o conhecerem.

    Enfim, a fumaça dissipou um pouco, e K. conseguiu se situar lentamente. Alguém lavava roupas ao lado da porta. A fumaça, no entanto, vinha de outro canto, onde dois homens se banhavam em água quente na maior tina de madeira que K. já vira, do tamanho aproximado de duas camas. No entanto, o mais impressionante era o canto direito, apesar de não se saber ao certo o que impressionava. Uma luz pálida vinda da neve do pátio entrava por uma grande fresta da única parede do fundo da sala e dava aparência sedosa ao vestido de uma mulher cansada quase afundada em uma poltrona de encosto alto ali no canto. Ela tinha um bebê no peito. Ao seu redor, brincavam algumas crianças filhas de camponeses, como se notava, mas a moça não parecia pertencer a eles; vê­-se que doença e cansaço também aprumam camponeses.

    – Sente­-se! – disse um dos homens de barba cheia e bigode sobre uma boca sempre aberta e ofegante, comicamente apontando pela ­borda da banheira para um baú e espirrando água morna em todo o rosto de K. ao fazê­-lo.

    Quem já estava sentado no baú, cochilando um pouco, era o velho que deixara K. entrar. K. ficou agradecido por finalmente poder se sentar. Agora, ninguém mais se importava com ele. A mulher com a tina de roupa, uma loira em plena juventude, cantava baixinho durante o trabalho, os homens debatiam­-se e viravam­-se no banho, as crianças queriam se aproximar dele, mas eram sempre impedidas por fortes jatos de água que também não poupavam K., a moça da poltrona, deitada quase sem vida, não olhou nenhuma vez para a criança em seu peito e encarava algum lugar indefinido no alto.

    K. observou aquela imagem bela, triste e imóvel por bastante tempo, mas deve ter pegado no sono, pois sua cabeça estava apoiada no ombro do velho ao seu lado quando se assustou com um chamado em voz alta. Os homens, em pé, vestidos diante de K., tinham terminado de se banhar; agora eram as crianças que faziam bagunça lá dentro sob a supervisão da moça loira. Viu­-se que o barbudo gritador era o mais magro dos dois. O outro homem, que não era mais alto e tinha barba muito mais rala, era silencioso e pensava lentamente, sua estrutura e seu rosto eram largos e falava mantendo a cabeça baixa.

    – Senhor Agrimensor – disse –, você não pode ficar aqui. Perdoe a indelicadeza.

    – Mas eu não queria mesmo ficar – K. respondeu –, só descansar um pouco. Como já fiz isso, vou embora agora.

    – Talvez estranhe a falta de hospitalidade – falou o homem –, mas não somos muito habituados a tê­-la, pois não precisamos de visitas.

    Um pouco renovado pelo sono e um pouco menos atencioso que antes, K. ficou feliz com a sinceridade das palavras. Deslocou­-se com mais liberdade, apoiou a bengala uma vez aqui, outra acolá, aproximou­-se da mulher na poltrona, era o maior volume do cômodo.

    – É claro – K. afirmou. – Para que precisariam de visitas? Mas, às vezes, precisam de algumas, como eu, o agrimensor, por exemplo.

    – Isso não sei – disse o homem lentamente. – Se o chamaram, então provavelmente precisam de você, mas se trata de uma exceção; nós, a gente pequena; seguimos as regras, você não pode se ressentir conosco.

    – Não, não… – K. falou – Só tenho a agradecer, a você e a todos aqui.

    E, sem ninguém esperar, K. virou­-se de um salto e parou na frente da mulher. Ela o contemplou com os olhos azuis cansados; um lenço de seda translúcido descia até o meio de sua testa, e o bebê dormia em seu peito.

    – Quem é você? – K. perguntou.

    De forma atravessada (sem deixar claro se o desprezo era em relação a K. ou à resposta em si), ela disse:

    – Uma moça do castelo.

    Tudo isso durou apenas alguns instantes, e logo depois K. era empurrado em direção à porta em silêncio e decididamente por um homem à direita e outro à esquerda, como se não houvesse outro modo de se entenderem. O velho empolgou­-se com alguma coisa e começou a bater palmas. A lavadeira também riu ao lado das crianças, que começaram a fazer barulho de repente.

    Em pouco tempo, K. estava na ruela, e os homens o vigiavam da soleira da porta. Nevara de novo, porém parecia que o dia estava um pouco mais claro. O barbado gritou impaciente:

    – Para onde quer ir? O castelo é por aqui, o vilarejo é por ali.

    K. não respondeu a ele, mas ao outro que, apesar da superioridade, parecia mais afável:

    – Quem são vocês? A quem devo agradecer o acolhimento?

    – Sou Lasemann, o curtidor – foi a resposta. – Mas você não deve agradecer a ninguém.

    – Que bom – disse K. – Talvez ainda nos encontremos.

    – Creio que não – o homem falou.

    Nesse instante, o barbado gritou levantando a mão:

    – Bom dia, Artur! Bom dia, Jeremias!

    K. virou­-se; então havia gente andando pelas ruas daquele vilarejo! Da direção do castelo, vinham dois homens jovens, de estatura mediana, ambos muito magros e em trajes apertados, os rostos muito parecidos. O tom de pele era de um marrom escuro, e um cavanhaque pontudo muito preto despontava de seus rostos. Considerando as condições da rua, andavam com rapidez surpreendente, mantendo o ritmo ao jogar as pernas magras.

    – O que estão fazendo? – gritou o barbudo.

    Só era possível se comunicar com eles aos gritos, pois seguiam muito rápido e sem parar.

    – Negócios! – gritaram de volta sorrindo.

    – Onde?

    – No alojamento.

    – Também estou indo para lá! – K. gritou de repente mais alto que todos os outros em grande ímpeto de ser levado pelos dois. Conhecê­-los não lhe parecia muito proveitoso, mas certamente eram acompanhantes bons e animados. Eles ouviram as palavras de K., mas apenas fizeram que sim com a cabeça e já tinham ido embora.

    K. ainda estava parado na neve sem muita vontade de levantar o pé para afundá­-lo um pouquinho mais adiante; o curtidor e seu camarada, satisfeitos por finalmente terem se livrado de K., esgueiravam­-se devagar para dentro da casa pela fresta aberta da porta, sempre se virando para trás para olhá­-lo, até deixarem K. sozinho envolto em neve. Seria motivo para leve desespero, pensou, ficar aqui parado aleatoriamente, não de propósito.

    Então, uma janela minúscula foi aberta na cabana à esquerda; quando estava fechada, parecia de um azul profundo, talvez pelo reflexo da neve, e era tão minúscula que, agora que estava aberta, não revelava o rosto de quem observava, apenas os olhos, velhos olhos castanhos.

    – Olha ele lá – K. ouviu dizer uma trêmula voz feminina.

    – É o agrimensor – falou uma voz masculina.

    Em seguida, o homem tomou o lugar à janela e perguntou, não de forma hostil, mas como se fosse sua responsabilidade saber se estava tudo certo na rua em frente à sua casa:

    – Quem está esperando?

    – Um trenó para me levar – respondeu K.

    – Aqui não passa nenhum trenó – disse o homem. – Não tem transporte aqui.

    – Mas é a rua que leva ao castelo – retrucou K.

    – Mesmo assim, mesmo assim… – falou o homem com certa intransigência. – Aqui não tem transporte.

    Em seguida, os dois se calaram. Mas certamente o homem estava pensando em alguma coisa, pois manteve aberta a janela exalando fumaça.

    – Que caminho ruim… – K. disse para incentivá­-lo.

    Contudo, sua única resposta foi:

    – É mesmo.

    Pouco depois, no entanto, complementou:

    – Se quiser, levo­-o com meu trenó.

    – Quero, sim, por favor – respondeu K. animado. – Quanto vai custar?

    – Nada – disse o homem.

    K. ficou bastante surpreso.

    – É o agrimensor, afinal – explicou o homem –, e pertence ao castelo. Para onde quer ir?

    – Para o castelo – K. apressou­-se em dizer.

    – Então não levo – disse o homem imediatamente.

    – Mas pertenço ao castelo – falou K., repetindo as palavras do próprio homem.

    – Pode até ser – ele desconversou.

    – Então, leve­-me até o alojamento – disse K.

    – Está bem. Já venho com o trenó.

    Tudo aquilo não dera a impressão de ser uma gentileza, parecia mais um tipo de esforço bastante egocêntrico, ansioso e quase pedante para tirar K. da frente da casa. O portão abriu e um pequeno trenó para cargas leves, totalmente plano e sem nenhum assento, apareceu sendo puxado por um cavalinho fraco; atrás dele, vinha o homem curvado, franzino e manco, com rosto magro, corado e adoecido, que parecia particularmente pequeno graças a um cachecol de lã enrolado na cabeça. O homem estava visivelmente doente e, ainda assim, saiu apenas para poder levar K. embora. K. mencionou alguma coisa nesse sentido, mas o homem o interrompeu com a mão. K. descobriu apenas que era o cocheiro Gerstäcker e que pegara aquele trenó desconfortável porque já estava pronto e demoraria muito para preparar outro.

    – Sente­-se – falou, indicando a parte de trás do trenó com o chicote.

    – Vou me sentar ao seu lado – afirmou K.

    – Vou a pé – falou Gerstäcker.

    – Por quê? – questionou K.

    – Vou a pé – repetiu Gerstäcker e teve um ataque de tosse que o chacoalhou tanto que precisou fincar as pernas na neve e segurar a beirada do trenó com as mãos. K. não disse mais nada, sentou­-se atrás no trenó, a tosse acalmou lentamente, e eles partiram.

    O castelo lá em cima, curiosamente já escuro, que K. esperava ter alcançado ainda naquele dia, voltou a se afastar. Como se quisessem dar um sinal para

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