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Gastronomia sertaneja: Receitas que contam histórias
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Gastronomia sertaneja: Receitas que contam histórias
E-book401 páginas3 horas

Gastronomia sertaneja: Receitas que contam histórias

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Sobre este e-book

Fruto de um trabalho de pesquisa profundo, Gastronomia sertaneja apresenta receitas em que o simples, o rústico e o tradicional recebem a atenção que merecem, sem perder a essência.
Ana Rita Dantas Suassuna nos apresenta um livro que poderá levar a gastronomia sertaneja a assumir com vigor o papel que lhe é próprio na cultura alimentar brasileira.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de fev. de 2020
ISBN9788506072776
Gastronomia sertaneja: Receitas que contam histórias

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    Gastronomia sertaneja - Ana Rita Dantas Suassuna

    Bolos e Biscoitos

    Bolos e biscoitos que frequentam as mesas das famílias no sertão, em anos de fartura, são de uma riqueza inestimável. Caracterizam-se pela simplicidade dos ingredientes, esmero no preparo e têm condição de atender aos mais exigentes paladares.

    Os bolos são batidos em alguidar, em bacia de ágata ou de louça, com batedores manuais, que variam em tamanho, diâmetro e espessura do arame em espiral e têm cabo de madeira.

    A escolha do batedor é condicionada à quantidade de massa a preparar. A colher de pau é coadjuvante obrigatória, porque há enraizado o seguinte entendimento: depois de se colocar farinha, a massa não pode mais ser batida, deve ser mexida levemente para o bolo ficar fofo, depois de assado.

    Imagino que o preceito pode ter origem no tamanho dos bolos (feitos para famílias numerosas), cuja massa fica muito pesada para bater à mão, depois de colocada a farinha. Mexer é bem mais fácil!

    Há um dizer, espécie de tabu alimentar, bastante disseminado: não se come bolo quente porque dá dor de barriga. Pessoas do povo usam a expressão dá bucho inchado.

    Na família do meu marido eram treze filhos e a regra valia rigorosamente. Segundo divertida avaliação desses filhos (depois de adultos), os bolos enormes, feitos semanalmente, só podiam ser consumidos na hora determinada pela mãe, porque, de outra maneira, iriam desaparecer antes da refeição a que se destinavam ou, se ela deixasse à vontade, uns comiam, outros não.

    A falta de disciplina, nesse caso, acarretava prejuízos à ordem doméstica. Então, o pretexto para conter as crianças e manter a ordem era a ameaça com a dor de barriga.

    Concluíram que o argumento se multiplicou pela tradição oral porque as mães, por razões ligadas à economia e ordem domésticas, reforçavam a premissa, como se verdadeira ela fosse.

    Bolos que pela quantidade de ingredientes (dúzias de ovos, quilos de manteiga, de açúcar etc.) tempo de elaboração, feitos para atender a esse tipo de família, deixaram de ser preparados na rotina doméstica, com tais características.

    Com o passar dos tempos, bolo quente, repentinamente, deixou de dar dor de barriga. Ninguém mais no sertão fala no assunto.

    Em nossa família as receitas de bolos e biscoitos são preparadas em dobro, sem exceção, porque a cada dia há novos e inesperados comensais aos quais se oferece um café com acompanhamento. É uma prática bem generalizada.

    Quando a minha mãe improvisa um bolo, ou modifica algum ingrediente, costuma dizer: hoje é bolo de carregação. Os bolos grandes são assados em forno a brasa, alto, espaçoso, de alvenaria, abobadado externamente, com boca larga voltada para o balcão de cimento, contíguo ao fogão da cozinha velha, onde são dispostas as fôrmas que saem do forno, enquanto esfriam. Nesse balcão também são feitos serviços mais pesados, como preparação de queijos, tachadas de doces, buchadas...

    A temperatura do forno é controlada pela forma como as brasas são espalhadas no seu interior, o que é feito com um ciscador de ferro de cabo longo de madeira. Assim, conforme a temperatura desejada, brasas ficam concentradas ou no fundo do forno, ou em uma das laterais, ou em ambas.

    Antes de colocar fôrmas no forno as cinzas são retiradas com vassoura de feixes de vassourinha (erva que brota espontânea nas proximidades das casas, em baixios, nos currais), amarrados a um cabo de madeira.

    Esse tipo de vassoura é de uso diário para varrer a casa dos mais pobres e os terreiros de todos. Ficam sempre impecáveis!

    O forno comporta assar peças grandes: um bacorinho, banda inteira de carneiro grande, um cabrito, dois perus de uma só vez e três a quatro tabuleiros de biscoitos por fornada.

    Quando se coloca a carne para assar é costume usar ao lado uma vasilha com água para fazer vapor no forno e deixar a carne mais tenra.

    Bolos menores, carnes, fritadas, batatas são assados no forno do fogão de ferro (industrializado), instalado em outra cozinha, chamada de cozinha nova, onde a comida do dia a dia é preparada.

    Com esforço de memória, ajuda de Tatá, Vera e Vanda foi possível recuperar receitas do cotidiano da família, até início dos anos 1950.

    Algumas comidas foram retiradas do cardápio doméstico há muitos anos; são desconhecidas até dos nossos filhos: bolinha de cumaru, cururu, beira-seca, orelha-de-pau, sequilho de goma, biscoito de araruta, para citar apenas uma parte das guloseimas doces.

    São da melhor qualidade e estão se perdendo ao longo do tempo. Não podem morrer! Precisam ser recuperadas, documentadas e disseminadas, pelo que representam para a cultura sertaneja.

    Doces como pé de moleque, bolo de massa de mandioca, grude de goma, umbuzada, vêm conseguindo sobreviver à industrialização, à introdução de novos ingredientes, ao tradicional modo de fazer e de servir.

    Sequilho de goma

    É um biscoito crocante que se dissolve rapidamente na boca. Foi o meu calcanhar de Aquiles para chegar à execução da receita original.

    Esse sequilho deixou de ser feito em família há várias décadas, porque a preparação da massa sempre foi tarefa exclusiva de minha mãe e de Bezé – conhecedoras do ponto do mel. Outras pessoas não se preocuparam em aprender e tardiamente isso foi descoberto.

    No busca-busca de quem ainda soubesse fazer e pudesse ensinar os segredos da receita, o paladar dos mais velhos ficou aguçado, com água na boca.

    Entre os mais novos, a curiosidade se estabeleceu porque esses conhecem apenas a forma industrializada ou a artesanal modificada que existe no mercado nordestino. São de boa qualidade, mas de textura e sabor diferentes daquele que foi de uso em nossa família.

    Foram muitas as tentativas frustradas de preparação (cerca de seis a oito) e todos lembravam a importância com que se falava no ponto do mel. Nesses testes de receitas o resultado foi sempre o mesmo: massa dura, impossível de abrir e recortar. Sobravam receitas com os mesmos e poucos ingredientes e faltavam dicas!

    Nicinha Dantas, uma prima trisavó, boleira e doceira famosa na família, nunca acertou fazer. Disse-me que a cada tentativa a massa ficava tão dura que se jogasse na titela de alguém, a pessoa cairia. É dela, e está na minha mão por empréstimo, um caderno com receitas manuscritas de família, no início do século passado. Verdadeira relíquia!

    Na busca incessante de quem soubesse fazer aquele sequilho de goma caseiro, e se dispusesse a nos ensinar, descobrimos a amiga Nehilde Trajano, no Recife, que aprendeu a fazê-lo com uma tia-avó paraibana, há anos.

    Nessa tentativa não houve o sucesso esperado. A goma não estava suficientemente seca! Mas a caixa preta da receita foi aberta!

    Onde, os mistérios? Goma bem seca e peneirada; mel no ponto de fio médio; forma de misturar o grude no mel, com uso simultâneo de duas colheres de pau.

    Com essas dicas Nevinha de Vera, cardiologista de vocação e profissão e quituteira amadora, conseguiu chegar, depois de muito esforço e paciência, ao que se desejava: reproduzir um sequilho de goma autêntico (aquele que está na minha lembrança de infância, na dos meus irmãos e de primos da convivência na época).

    A recuperação dessa receita foi fantástica! A melhor sensação foi ter salvo uma espécie culinária em extinção que pode renascer vigorosa.

    É Nevinha quem entrega essa conquista para que muitos possam desfrutar da delícia que fez os mais velhos de uma família inteira refazer histórias e emocionar-se com o gostinho do sequilho de antigamente...

    Por ser um biscoito de baixo custo, era feito semanalmente e a criançada, de carretilha em punho, participava do recorte dos sequilhos e começava a comer na hora em que a primeira fornada ficava pronta.

    SEQUILHO DE GOMA

    Ingredientes

    2 kg de goma seca (sendo mais ou menos 1 kg para o grude e a massa; o restante para polvilhar fôrmas e mesa)

    1 coco grande ou 2 pequenos

    ½ kg de açúcar cristal

    1 xícara (chá) de água

    1 pitada de sal

    Ingredientes para o grude

    1 xícara (chá) de leite de coco grosso (puro)

    1 xícara (chá) de goma seca

    1 pitada de sal

    Modo de fazer

    Se a goma disponível estiver úmida, colocar ao sol para secar por um dia ou mais. Raspar bem fino o(s) coco(s), em quantidade suficiente para obter uma xícara do leite puro. Peneirar a goma e misturar bem com o leite de coco e o sal e levar ao fogo médio. Mexer sem parar até a massa formar uma bola – o grude. Levar ao fogo médio, em panela funda, o açúcar e a água para fazer um mel em ponto fio médio e, ainda fervendo, juntar o grude ao mel (sem bater para não açucarar); aos poucos, sem tirar a panela do fogo, abrir a massa, com duas colheres de pau, até incorporar totalmente e ficar bem fofa. Retirar a panela do fogo e juntar lentamente a goma (mais ou menos 1kg), misturando sem bater, até obter um ponto para trabalhar com as mãos a massa ainda quente. Polvilhar uma superfície plana com goma seca e trabalhar a massa. Em seguida tomar pequenas porções da massa, abrir (não muito fina) com o bilhador (rolo de madeira) ou com garrafa de vidro; recortar os sequilhos com carretilha em formato pé de galinha ou em losangos. A panela em que está a massa deve permanecer coberta com pano úmido até que se retire a última porção, para evitar que a massa resseque e não abra. Colocar para assar em forno médio préaquecido e em tabuleiro polvilhado com goma seca. Depois de assados, deixar esfriar e guardar em latas ou vidros bem vedados, para evitar que amoleçam.


    BOLO PEGA-ELE

    Ingredientes

    1 xícara (chá) bem cheia de nata de leite

    2 xícaras (chá) de açúcar peneirado

    3 gemas

    1 colher (sopa) de manteiga

    3 claras

    1 xícara (chá) de maisena

    2 xícaras (chá) de farinha do reino

    4 colheres (chá) de fermento em pó

    1 xícara (chá) de leite de vaca

    Cobertura

    1 ½ xícara (chá) de açúcar

    ½ xícara (chá) de água

    1 clara

    1 coco pequeno ralado fino

    Modo de fazer

    Bater a nata com o açúcar, juntar as gemas e a manteiga e continuar a bater muito bem. Bater as claras em neve e reservar. Misturar e peneirar a farinha do reino, a maisena e o fermento e juntar tudo de forma alternada com o leite. Por último, juntar as claras em neve e misturar suavemente com a colher de pau. Assar em fôrma untada e polvilhada. Forno baixo.

    Fazer uma calda em ponto fio médio. Bater a clara em ponto de suspiro. Despejar a calda fervente, aos poucos, sobre a clara e mexer sem parar. Cobrir o bolo com este creme e salpicar o coco ralado.

    São raros os bolos que usam coberturas.


    BOLO DE BATATA-DOCE

    Ingredientes

    1 kg de batata-doce

    3 ovos

    3 colheres (sopa) de manteiga

    4 xícaras (chá) rasas de açúcar

    1 coco grande ralado fino

    2 ½ xícaras (chá) rasas de farinha do reino

    1 pitada de sal

    1 colher (sopa) de fermento

    ½ xícara (café) de leite

    Modo de fazer

    Cozinhar e amassar ou moer as batatas. Bater as claras em neve e reservar. Juntar e misturar bem a manteiga, o açúcar, as gemas, o coco e a farinha do reino peneirada junto com o sal. Acrescentar o fermento dissolvido no leite e por último as claras em neve. Misturar levemente. Assar em fôrma untada e polvilhada. Forno médio.


    BOLO DE MACAXEIRA

    Ingredientes

    1 tigela de macaxeira crua

    2 cocos

    6 claras

    açúcar a gosto

    12 gemas

    1 pires de manteiga

    Modo de fazer

    Ralar e peneirar a macaxeira. Ralar bem fino um dos cocos e reservar. Ralar o outro coco, aquecer e tirar o leite grosso (puro). Bater bem as claras, juntar açúcar peneirado e as gemas e continuar a bater até ficar um creme macio.

    Misturar a manteiga com o coco ralado e juntar com o creme de ovos. Depois de bem misturados acrescentar a macaxeira e o leite de coco. Assar em tabuleiro untado e polvilhado. Forno quente. Cortar em quadrados ou losangos.


    BISCOITO DE LEITE

    Ingredientes

    1 xícara (chá) de leite de vaca

    3 colheres (sopa) de açúcar

    1 colher (chá) de bicarbonato de sódio

    1 xícara (chá) de manteiga

    1 xícara (chá) de farinha do reino (ou mais)

    Modo de fazer

    Misturar o leite com o açúcar peneirado, o bicarbonato de sódio e a manteiga. Adicionar aos poucos a farinha do reino peneirada até adquirir consistência, para fazer os biscoitos na mão em formato pequeno e comprido. Passar em açúcar cristal e assar em fôrma untada e polvilhada. Forno baixo.


    BOLO DE MASSA DE MANDIOCA

    Ingredientes

    1 ½ xícara (chá) de manteiga

    3 xícaras (chá) de açúcar refinado

    5 ovos

    1 colher (sopa) cheia de fermento em pó

    1 xícara (chá) de leite de coco grosso (puro)

    4 xícaras (chá) de massa de mandioca lavada e peneirada

    1 pitada de sal

    Modo de fazer

    Bater a manteiga com o açúcar, acrescentar os ovos um a um e bater bem. Botar o fermento no leite de coco e deixar fermentar. Unir a massa de mandioca aos ingredientes batidos e por último colocar o leite de coco fermentando. Misturar tudo cuidadosamente. Assar em fôrma untada e polvilhada. Forno médio.


    ROSQUINHAS FRITAS

    Ingredientes

    3 xícaras (chá) de farinha do reino (ou mais) peneirada

    1 xícara (chá) de açúcar peneirado

    1 colher (sopa) de manteiga

    1 colher (café) de fermento em pó

    ½ xícara (chá) de leite de vaca

    1 ovo

    banha de porco para fritar

    1 porção de canela com açúcar para o acabamento

    Modo de fazer

    Misturar todos os ingredientes da massa, botar para descansar por uns dez minutos. Abrir a massa com o bilhador ou com garrafa de vidro e cortar as roscas usando a boca de um copo. Usar uma tampinha metálica de garrafa para abrir o centro da rosca. Fritar em banha muito quente. Retirar do fogo, colocar em uma peneira para escorrer a gordura e passar em canela com açúcar.


    PÃO DE LÓ

    Ingredientes

    5 ovos

    1 xícara (chá) de açúcar

    1 xícara (chá) de farinha do reino

    Modo de fazer

    Bater as claras em neve. Sem parar de bater, juntar as gemas uma a uma e o açúcar e continuar batendo até a massa ficar bem fofa e sem cheiro de ovo. Acrescentar suavemente a farinha do reino peneirada, unindo a massa com uma colher de pau. Depois de batida, a massa não pode demorar a ir ao forno e nem pode levar pancada de vento, quando ainda está quente, para não murchar ou endurecer.

    Assar em fôrma untada e polvilhada.

    Forno alto. Assa muito rápido.

    Quando se usa o fogão de ferro, não se abre o forno enquanto a massa está assando, para o bolo não endurecer.

    Para fazer torradas, colocar a massa em tabuleiro untado e polvilhado. Depois de assada e fria, cortar as fatias no tamanho desejado e levar ao forno bem baixo para secar. Muito usada em dietas, acompanhadas com chá.

    Pão de ló é bolo de uso generalizado.


    RAMINHOS

    Ingredientes

    4 ovos

    2 colheres (sopa) de banha de porco

    4 colheres (sopa) de manteiga

    1 ¾ xícara (chá) de açúcar

    farinha do reino – o quanto for necessário para dar o ponto de abrir a massa

    1 colher (chá) de fermento em pó

    Modo de fazer

    Misturar os ovos com a banha e a manteiga, acrescentar o açúcar e, por último, farinha do reino peneirada junto com o fermento. Amassar bem, estender em uma tábua, abrir com o bilhador e cortar com a carretilha. Assar em tabuleiro polvilhado. Forno baixo.


    A araruta é uma planta da qual se retira um tipo de batata que é utilizada para

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