Um amor em movimento: Filosofia do sentimento
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Sobre este e-book
Os dois se conhecem de forma pouco convencional, e após alguns rápidos encontros, iniciam um desafio peripatético, ou seja, caminhar pelos arredores da universidade enquanto discorrem sobre diversos assuntos. Juntos pensarão em alternativas para a construção de um novo estado social de convivência, ao mesmo tempo em que Martina busca uma solução para amenizar o sofrimento de um pequeno paciente no hospital. E com a ajuda do amor, a vida passa a ganhar possibilidade de ser mais preciosa e encantadora para todos.
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Um amor em movimento - Fernando Moraes
Sumário
Capa
Rosto
Créditos
Dedicatória
Epígrafe
O encontro dos olhos
Filosofia do sentimento
Primeira caminhada
Segunda caminhada
Terceira caminhada
Quarta caminhada
Quinta caminhada
Café filosófico
Sexta caminhada
Sétima caminhada
Oitava caminhada
Nona caminhada
Décima caminhada
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Versão digital — 2018
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1. Ficção : Literatura brasileira B869.93
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Para as minhas meninas, fonte
presente da minha inspiração.
Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura.
Friedrich Nietzsche
O encontro dos olhos
A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.
Vinicius de Moraes
Joan Garcez acordou cedo naquele dia. Tinha ainda muitas tarefas burocráticas a realizar – preenchimento dos diários de classe, atualização dos planos de aula e demais atividades que iam além da sala de aula, nada diferente na vida de um professor –, e a secretaria da Universidade já havia lhe cobrado o prazo de entrega. Sem conseguir terminar, tomou banho, arrumou-se e saiu correndo escada abaixo assim que percebeu que o elevador estava parado no décimo oitavo andar. Não poderia perder mais nenhum minuto, pois o coordenador do curso já andava de olho no seu péssimo controle de tempo.
Apesar de pertencer a uma geração que cresceu com a tecnologia, Joan não amarrava relógios de pulso aos braços. Preferia encontrar a beleza da vida ao acabar robotizado por causa da falta de tempo. Pior ainda, não se ajustava ao uso do celular. Os amigos e a família viviam reclamando das mensagens não lidas, das chamadas não atendidas e dos retornos a longo prazo. Definitivamente, era um jovem medieval no que diz respeito à modernidade e à tecnologia, mas, diferente da maioria dos seus colegas da área, que carregavam o estereótipo de bicho-grilo
pelas longas cabeleiras e barbas por fazer, as roupas largas e chinelas, apresentava-se bem-arrumado, o que chamava a atenção para um filósofo.
Pegou o carro e saiu às pressas rumo à universidade. O semestre estava terminando e o calendário estava cheio de tarefas, sem contar a reunião para a qual foi convidado pelos alunos do curso de Direito e de Engenharia sobre um movimento que reivindicava melhores estruturas para os laboratórios, mais estágios juntos aos órgãos da justiça e contra os altos valores das mensalidades; e a sua escolha para fazer parte da discussão ajudaria na interlocução com a reitoria, uma vez que todos o respeitavam.
Joan decidiu fazer o caminho habitual, saindo do antigo bairro Paris-Londres, onde morava na área central de Santiago, um lugar com estilo arquitetônico europeu e sinuosas ruas estreitas de ladrilhos. Pegou a avenida Libertador General Bernardo O’Higgins, mais conhecida como La Alameda ou Alameda del Libertador Bernardo O’Higgins, a principal avenida da cidade de Santiago do Chile e que levava o nome do herói nacional. Ali, muitos turistas circulavam entres as estações de metrô e os pontos turísticos de um trajeto de mais de dez quilômetros.
E pra variar, ficou preso à lentidão do trânsito caótico, típico de capital sul-americana, com o som de buzinas e toda a movimentação de pedestres de um lado para o outro. Se tivesse saído no horário, possivelmente teria evitado todo o aborrecimento que o acometia atrás de um volante. Entre um murmúrio e outro solitário, aproveitou para continuar a leitura de uma obra poética de Konstantinos Kávafis, uma vez que não poderia avançar naquele engarrafamento que se perdia no horizonte.
Com um atraso considerável, parou o carro de qualquer jeito no estacionamento privativo dos professores. Pegou a bolsa surrada e, com ar esbaforido, subiu as escadas numa luta com os degraus, quase caindo diante de um grupo de alunos que já o esperava para o início da aula. O tema daquele dia era uma introdução sobre um dos seus autores favoritos, o filósofo Ludwig Wittgenstein.
– Bom dia, caros alunos – cumprimentou. E tão logo o fez, a animação ocupou a vaga da ansiedade que percorria seu corpo até então.
A filosofia para Joan era um deleite. Naquela aula em especial, quis abordar o conceito sobre a tão discutida verdade
. Escreveu no quadro a frase-chave de Wittgenstein, o que não pode ser dito deve ser calado
, explicando para os alunos que, para o autor, a verdade não se distingue de nossas maneiras de falar, ela é analisada em termos lógicos e linguísticos e deve ser abordada limpando-se o pensamento dos erros gerados pelo uso que fazemos das palavras.
Entre exemplos do cotidiano, Joan conseguia provocar o imaginário daquela juventude, com perguntas que, da mesma forma, atormentavam Wittgenstein na construção do seu pensamento:
– Será que a utilização das palavras corresponde de fato à realidade? Como podemos tomar as palavras por realidades, se elas não passam de maneiras de dizê-la? Como identificar esses equívocos? Seria possível extingui-los ou atenuá-los?
Joan passou a discorrer de forma peripatética, andando de um lado para o outro da sala, refletindo junto com a turma as novas possibilidades de produção de conhecimento. Vez ou outra, sua mente divagava, levando-o a pontos curiosos do seu passado, como na oportunidade em que discursou como paraninfo dos formandos do curso de Direito. Considerando a especificidade da formação e com tantos doutores, promotores, juízes, desembargadores e advogados renomados no quadro de professores, surpreendeu-se com o convite dos alunos. E ele, um filósofo, motivado pela honraria, proferiu as seguintes palavras:
Caros alunos, assim como Berthold Brecht, tenho três grandes paixões que conduzem a minha vida: a primeira, uma imperiosa necessidade de amor; a segunda, uma vontade sem limites de aprender sempre; e a terceira, impulsionada pelas duas anteriores, a de estar ao lado das minorias que tanto sofrem neste mundo, mesmo que muitas vezes elas estejam equivocadas. Que vocês façam do Direito um instrumento que vai além da justiça das leis, mas que ousem e transformem suas ações em todas as áreas de atuação, sendo no Direito ou fora dele, em significantes sociais, de pertencimento, de tolerância com o que nos é diferente e o mais importante, sejam felizes fazendo os outros felizes!
Tanto naquela oportunidade como nas aulas, talvez pelo fato de ser habilidoso com as reflexões, Joan fazia com que os alunos se sentissem singulares e acolhidos, transformando a sala de aula no lugar mais especial do mundo. Com ele, uma aula de filosofia deveria sair do formato meramente teórico para o cotidiano dos alunos, transitando por relacionamentos, viagens, problemas de família, moda, entretenimento, mundo virtual e outras temáticas, associando a filosofia a cada uma delas, transformando a complexidade do mundo intelectual com a vida real em algo simples e compreensível. Sem dúvida, despertava em seus alunos a vontade de aprender, de conhecer, de sair do conformismo em busca de dias melhores.
***
O tempo voava, e logo o toque desenfreado do sinal anunciava o fim da aula e avisava sobre o intervalo. Joan seguiu para a sala dos professores e, enquanto caminhava, sentia novamente a expectativa sobre a novidade da reitoria, no fim daquele semestre, de que os docentes de todas as áreas deveriam se reunir na mesma sala para trocar impressões, mesmo que não dessem aulas para os mesmos cursos. Embora muito criticada por uma parte dos colegas que não viam sentido nisso, Joan gostava e aprovava a ideia.
Entrou na sala cumprimentando a todos com um sorriso. A cada roda, parava para uma troca de apertos de mãos e abraços. Passou a maior parte do tempo falando com as pessoas e já era hora de retornar para a sala de aula. Resolveu pegar um café, quando os colegas se agitavam em direção à porta de saída.
Deparou-se, então, com uma professora tentando sem sucesso operar a máquina de café. Ela parecia irritada, deixando escapar em voz alta alguns murmúrios. Joan gentilmente se ofereceu para ajudá-la, e ela, sem nem olhar para ele, consentiu apenas balançando a cabeça. Em silêncio absoluto, com