segunda-feira, janeiro 27, 2014
Uma Solução para o problema da Dívida Pública
Depois de muito pensar, creio que já ter um quadro bastante
completo do processo da crise financeira, desde os erros de gestão dos países
do Sul ao assalto às dívidas soberanas dos países do Euro, passando pelos
interesses da política europeia. Estar a expor isso agora seria provavelmente
mais longo do que a paciência dos leitores e do que a minha. O que interessa
agora é encontrar uma solução, uma estratégia, para sairmos desta armadilha. Porque,
como já disse, isto é uma armadilha que se iniciou no dia 1/1/2009 com o
Tratado de Lisboa; todos os países do mundo, exceto os do Euro, se financiam na
sua moeda própria sem juros (e muitos até sem dívida, pois o dinheiro novo
entra para o orçamento do Estado e não para os bancos). Claro que nós temos um
problema devido ao acumulado de uma balança externa desequilibrada e isso é uma
fragilidade gravíssima; mas agora temos saldo positivo nas exportações e isso
pode dar-nos capacidade negocial para sairmos desta armadilha. No entanto,
nenhuma solução é possível com uma balança externa negativa; por isso, alterar
a forma como importamos é indispensável para garantir qualquer possibilidade de
futuro.
A solução que vou apresentar deverá parecer uma loucura,
naturalmente, pois se fosse óbvia já tinha sido encontrada e já não estávamos
com este problema.
As Medidas para sairmos da Crise
1º - Exigir ao BCE os lucros que está a ter com os nossos
Títulos do Tesouro.
A Grécia já o fez. Como já disse, nenhum país do mundo paga
juros para se financiar na sua moeda (ou paga ao seu banco central e depois
recebe-os de volta como lucros deste); e o euro é a nossa moeda.
2º - Os bancos nacionais vão adquirir os Títulos do Tesouro
ao juro de 1% ao ano (no mercado primário).
Os bancos nacionais estão todos a caminho da falência; os
negócios em Angola serão temporários a não ser que os bancos se tornem
angolanos; e os negócios em Portugal com a população a diminuir e em
empobrecimento vão ser dominados pelo colapso do valor do património imobiliário
da banca e pelo peso das falências e crédito mal-parado. Sem a inversão do
atual quadro, os bancos não podem sobreviver.
Ora essa inversão não é possível enquanto o Estado continuar
a ser alvo de especulação na dívida soberana.
Assim, os bancos pensarem que vão salvar o seu negócio com
os juros que cobram pela dívida soberana é estarem a fazer haraquíri. Se ainda
não perceberam isso, pensem bem no assunto.
Como o BCE não faz o que fazem os outros Bancos Centrais, e
não podemos para já obrigá-lo a fazê-lo nem alterar o art.º 123 do Tratado de
Lisboa, temos de arranjar outra solução; e essa solução é os bancos nacionais
colocarem-se na mesma situação dos bancos dos países onde o Banco Central
assume os juros das dívidas soberanas.
Para isso, o que têm a fazer é subscrever os Títulos do
Tesouro cobrando apenas um spread de 0,25% sobre o valor que o BCE lhes cobra.
Isso vai libertar meia dúzia de milhares de milhões de euros
nas contas do Estado anualmente. Esse valor tem de ser aplicado por forma a produzir um
crescimento da Economia capaz de gerar para os Bancos mais receitas do que as
que perdem nos juros da dívida soberana – que era o que acontecia antes do
assalto às dívidas soberanas, que não foi um bom negócio para a Banca, foi um
mau negócio devido às suas consequências no seu mercado. Um mau negócio do qual
a Banca tem de livrar Urgentemente.
Claro que uma medida destas equivale a um “ O Rei vai nu”. O
BCE reagirá, acusará os bancos nacionais de “cartel” e ameaçará cortar o
crédito. Por isso, convém antecipar esta reação. Uma forma de o fazer é
conseguir a adesão dos bancos dos países do Sul – Espanha, Itália, Grécia;
eventualmente Irlanda também. Não penso que seja especialmente difícil, pois
pelo menos os Gregos já mostraram a sua vontade de encontrar medidas deste
género.
3ª Medidas para controlar a Balança Externa
Isto é muito importante; se não mantemos a balança externa positiva, não haverá Santo que nos valha.
Vou referir só os erros básicos que temos feito; mas há também uma panóplia de medidas pró-ativas a tomar (muitas das quais já estão em curso há vários anos, não é por milagre que as exportações cresceram)
3.1 – O Estado não paga importações com dinheiro mas com
bens
Este é um procedimento standard na generalidade dos países:
as importações feitas pelo Estado são pagas com contrapartidas, com produtos
nacionais. Só neste país de malucos é que não é assim.
As famosas contrapartidas dos submarinos são o procedimento
standard em relação a todas as compras dos Estados – mas aqui mal feitas. Cada
país paga o que importa com os bens que tem – os gregos pagaram compras de
equipamento eletrónico sofisticado aos alemães com fardos de feno (isto muito
antes da crise; é por isso que o PIB Grego cresceu muitíssimo mais do que o
nosso e os gregos têm um nível de vida mais alto do que o nosso ainda hoje, depois de tanta crise). O Sócrates tentou pagar petróleo com navios dos estaleiros de
Viana, com Magalhães, com frangos. É assim que se faz. Um Estado não pode pagar
em dinheiro a não ser usando o excedente da balança externa – se não há
excedente, tem de recorrer a outros meios. Não vale a pena armarmos em ricos,
porque não somos, somos uns pelintras.
Há muitos anos, um engenheiro alemão, ao ver como as
empresas públicas importavam tudo e mais alguma coisa sem esgotar as
possibilidades de fornecimento do mercado interno e pagando em dinheiro,
disse-me: vocês vão afundar o vosso país e pior, vão arrastar a Europa com
vocês! Ele tinha toda a razão é claro.
Isto tem de acabar já! Todas as importações das empresas
públicas e do Estado têm de ser escrutinadas e esgotadas as possibilidades de
estas necessidades serem satisfeitas internamente – como fazem sistematicamente
os espanhóis por exemplo – e quando isso é impossível, o pagamento tem de ser
conseguido por troca de bens, tanto quanto possível – temos muito vinho e água
e frangos e sapatos e têxteis e Magalhães e construção naval e legumes para
usar como moeda.
3.2 – As importações para o público têm de ser controladas.
Todos os países o fazem, usando as respetivas ASAE, normas técnicas e mil
processo para “chatear” e complicar todas as importações. E taxas! Qualquer
país sem indústria automóvel põe pesadas taxas sobre eles, por exemplo. Mudar
de carro de 4 em 4 anos? Está tudo maluco? Percebamos uma coisa: é preferível
pagar taxas sobre as importações, sai mais barato: quanto é que vos está a custar por ano os cortes nos
rendimentos? isto sem falar no desemprego e corte nos apoios sociais.
3.3 – Controlar a fuga de capitais. Há muito a dizer sobre
isso. Uma regra básica é a de que nenhuma empresa é autorizada sem ter 50% de
capital nacional. Outra é a de que os lucros obtidos no país pagam imposto no
país – e estes lucros são determinados pelo fisco e nada de tribunais arbitrais
para redimir conflitos.
Não estou a inventar nada neste ponto do controlo da balança externa – é assim que os outros países
fazem. Isto e muito mais. E é assim que tem de ser feito, não o fazer é ser ignorante e tolo - e isso paga-se muito caro.
quarta-feira, janeiro 22, 2014
A Enorme Dívida do BCE a Portugal
Há uma questão básica, um princípio orientador, que tem de
ser estabelecido antes de tudo o resto na organização de uma sociedade, seja
ela qual for. E, claro, isto aplica-se à União Europeia.
A Democracia, por si só, sem esse princípio, conduz, como já
expus em vários posts, a 1/3 de “descartados” tipicamente (no mínimo); algo
altamente satisfatório para os outros 2/3 em condições de paz.
Há já muitos anos, os nórdicos perceberam que isto não lhes servia: eram demasiadamente pequenos,
inóspitas as suas condições, aflitiva a falta de recursos e muito má a vizinhança
para poderem sobreviver assim. Precisavam de toda a gente. Por isso, adotaram
como princípio “não deixamos ninguém na valeta”. Na Suécia e na Dinamarca não
há “descartados”.
Chamo a este princípio o Princípio da Não Exclusão – PNE.
Não é nada de novo, qualquer tribo funciona assim.
Não é esse porém o princípio que orienta a Europa e é por
isso que Dinamarqueses e Suecos se mantêm à margem – já dizia o Rui Veloso que
não se ama alguém que não ouve a mesma canção. A União Europeia, na prática,
orienta-se pelo interesse da mais forte, ou seja, a Alemanha.
É o drama destas uniões; uma Democracia sem PNE gera 1/3 de
descartados; mas numa união como a UE ou a URSS a coisa é muito pior, pois os destinos são, na prática,
decididos pelo interesse de 2/3 da população apenas do país mais forte, tudo o resto
ficando na condição de “descartável”.
Lembro-me de que há uns anos largos atrás soube-se na
Dinamarca que os planos de defesa da Nato para a Europa passavam por fazer da
Dinamarca “terra queimada”. Típico dos mais fortes, a primeira questão que
colocam é saber quem se vai sacrificar para maximizar a vantagem do “core”. Uma
solução que certamente serve os interesses da França e da Alemanha; mas para
que raio quereria a Dinamarca estar na NATO se a primeira coisa que aconteceria
em caso de ataque seria ser destruída??
Ora este é o problema que ensombra a União Europeia. A atual
crise económica não é mais do que o resultado da ausência do PNE e, portanto, a
orientação é: “queimar” a periferia para salvar o centro.
A URSS também funcionava segundo o mesmo princípio que está
a ser usado na Europa; por isso a evolução da UE está a seguir o percurso da
URSS. É por isso que as periferias da URSS querem fugir da Rússia o mais que
puderem – tal como as periferias da UE acabarão por perceber que têm de fugir
desta.
A Portugal só interessa a EU se esta for construída na base
do princípio de “não deixamos ninguém para trás”; porque doutra forma, à escala
da Europa, nós seremos sempre o tal 1/3 de descartados e a “terra queimada”
sempre que surgir uma crise – tal como na URSS, as desvantagens serão sempre
para a periferia e as vantagens para o centro.
E note-se que é esta a "narrativa" da UE, é isto que suposto acontecer; mas não é o que acontece, por isso estamos a ser enganados.
E note-se que é esta a "narrativa" da UE, é isto que suposto acontecer; mas não é o que acontece, por isso estamos a ser enganados.
A Dinamarca percebeu o engano e reagiu e hoje certamente que os cenários de
defesa militar da Europa não passam pela destruição da Dinamarca; mas talvez
passem por fazer dos países do Sul zona de guerra…
Houve longas discussões para acertar a organização política
da Europa, onde cada país procurou defender os seus interesses; porém, houve uma grave distração: as regras do BCE.
O BCE é o Estado-maior da política monetária da Europa;
hoje, não estamos à espera de lutar com armas, mas sim com o dinheiro. É ao BCE
que cabe defender-nos de um ataque económico. E qual é o princípio que orienta
o BCE? Maximizar o interesse do centro sacrificando a
periferia.
O Banco Central é propriedade dos Estados, dos povos, não
dos banqueiros – pelo contrário, cabe-lhe a fiscalização da banca. E cabe-lhe
duas outras coisas: o controlo da quantidade de dinheiro e a introdução na
economia do dinheiro criado.
A primeira prioridade do Banco Central de qualquer país do
Mundo é defender o Estado e nomeadamente impedir qualquer tentativa de ataque
especulativo, como é óbvio (sem Estado tudo o resto colapsa); mas o BCE não, o
BCE defende o Euro e defende o “centro”, ou seja, o mais forte, ou seja, a
Alemanha, não este ou aquele Estado membro.
Vejamos rapidamente a situação fora da Europa
No Japão, o Estado tem uma dívida soberana enorme, cerca de
250% do seu imenso PIB; mas uma dívida financiada pelo seu Banco Central, ao
qual paga juros; que depois recebe como lucros do Banco Central e assim o seu
financiamento fica à taxa 0%.
Nos EUA, o Fed compra os coupons dos juros no mercado
secundário e arquiva-os, tal como arquiva os ativos tóxicos da banca que compra
com o dinheiro novo (o que se chama o QE, ou quantity easing). Na prática, os
EUA pouco ou nada pagam em juros. Embora o processo pelo qual o Fed o faz seja
um pouco confuso.
Mesmo na Europa do Euro, a Alemanha financia-se nos
“mercados” a uma taxa de juro perto de 0%. E ainda recebe os lucros do BCE –
nomeadamente os que o BCE obtém com a especulação que a Banca faz sobre as
dívidas dos países periféricos.
No Mundo, os Estados apenas precisam, na prática, de suportar
juros quando precisam de moeda estrangeira, não para se financiarem na sua
própria moeda – exceto os países do Euro
Para o BCE, se um país periférico falir mas a Alemanha
beneficiar, isso é uma coisa boa, o balanço é positivo. Por isso é que face ao ataque
especulativo de um conjunto de bancos às dívidas soberanas, a preocupação do
BCE não foi fazer-lhe frente mas aproveitar-se disso – encarou-o como um bom
processo para os bancos resolverem o seu enorme buraco e ajudou-os no processo
especulativo. Claro que se o ataque especulativo atingisse a Alemanha, logo o
BCE interviria forte e feio; e porque sabem isso, os banqueiros atacam os
países periféricos e adulam a Alemanha.
A subida dos juros das dívidas dos países periféricos é a
consequência necessária, óbvia, fatal, da entrada em vigor do Tratado de Lisboa
em 1 de Dezembro de 2009 (por isso é que os juros disparam em 2010). Pelo seu art.º 123, este tratado assegura aos
banqueiros que o BCE não intervirá na defesa destes países.
Reparem no seguinte: quando as empresas que existem num sector
de atividade não variam muito, os empresários conhecem-se; ora os empresários não são loucos,
por isso naturalmente não andam a fazer guerra uns aos outros, é muito melhor
viverem em paz. Então, o
preço do produto ou serviço é o que maximiza o lucro da atividade. E nem
precisam de combinar nada, todos sabem que isso é o que lhes convém. Se algum se armar em esperto e baixar margens, os outros caem-lhe em cima. Eu sei, já fui empresário, conheço o código.
O caso dos combustíveis é claríssimo: o preço da gasolina é
o que maximiza o lucro das petrolíferas; se subir uns cêntimos, o consumo desce
e com ele os lucros. Isso é assim porque as pessoas têm alternativas:
transportes coletivos, partilha de carros, opção por carros mais económicos,
etc. Não são muitas, mas são algumas. O argumento do preço do crude é apenas a
narrativa para esconder a realidade.
O mesmo acontece com a energia.
O controlo dos preços nestas circunstâncias não se faz pela
concorrência, que não existe, mas pela existência de alternativas doutro tipo do lado do consumirdor.
Ora no caso do financiamento dos Estados, o que mantém os
juros controlados é a possibilidade de intervenção do Banco Central e a
capacidade dos Estados de pressionarem os bancos, porque há sempre grandes
interesses cruzados entre Estado e bancos. Como o BCE, ao contrário de qualquer banco central, não defende os Estados da
periferia, estes ficaram na mão dos Bancos.
A “confiança dos mercados” é a “narrativa” neste caso. Os
mercados não correm riscos, o que determina o juro é a capacidade negocial e o
interesse da banca - os ratings etc servem para medir essa capacidade negocial, a capacidade de um país dizer "não". Nesta altura, como se avizinham eleições europeias, convém
descer os juros para garantir que tudo fica na mesma – a seguir às eleições, os
juros voltarão a subir se os políticos forem da mesma linha.
Eu sei que os banqueiros sabiam muito bem as consequências
do Tratado de Lisboa porque fui convidado a fazer parte do ataque especulativo.
A crise não é a causa deste processo, ao contrário, a crise é o que veio
atrapalhar o processo de assalto especulativo porque de repente os países não
ficaram em condições de aguentar o assalto. É por isso que o BCP teve um enorme
problema com a dívida pública grega – o BCP estava em grande neste assalto às
dívidas públicas dos países do Sul e de repente ficou entalado com a
possibilidade (imprevista) de falência grega.
Os juros que estamos a pagar são indevidos. Como já disse,
no mundo, os países só pagam juros dos empréstimos de divisas, não da sua moeda;
por isso é que a receita do FMI é a que é, porque para estes países a receita é
deixar de comprar divisas, cortar as importações. Aqui, a aplicação da mesma
receita não faz diminuir apenas as divisas mas todo o dinheiro e assim colapsa
o mercado interno.
Portanto, estamos a ser vítimas de um assalto especulativo
dos bancos e do compadrio do BCE no processo, baseado na ideia de que este
processo é bom para a Alemanha e para o Euro. E é, a curto prazo - explorar uma
parte da população traz sempre vantagens, no curto prazo, para a restante
população.
Ora isto não nos interessa. Ou a Europa adota realmente o princípio de
que ninguém fica para trás, ou então temos de sair dela, porque ela vai
escravizar-nos. E se adota esse princípio, então deve-nos os juros que estamos
a pagar.
É isto que temos de exigir:
1 -ser ressarcidos
dos juros que temos estado a pagar PORQUE SÃO devidoS ao facto do BCE ter permitido
(apoiado) o assalto especulativo às dívidas soberanas;
2 - modificação do
processo de financiamento dos Estados para os colocar ao abrigo de assaltos
especulativos.
Estamos a regredir 10 anos por cada ano, e em pouco tempo estaremos pior do que
antes do Salazar. Ou obtemos isto ou saímos do Euro. E entramos numa união dos
países da periferia ou outra em que o PNE vigore realmente. Uma união de cooperação e não
de competição.
No próximo post apresento uma proposta de método de
financiamento dos Estados europeus que assegure iguais e sustentáveis condições
de financiamento para todos; a seguir vou mostrar como é que os banqueiros
criaram a crise financeira – o processo da pirâmide usado pelo Maddof e pela D.
Branca é para amadores; eles têm outro, fraudulento, muito melhor e muito
antigo também; depois vou mostrar como os bancos ganham sempre, mas sempre, na
bolsa, sem qualquer risco ou acaso; e por último vou mostrar como os bancos
ganham rios de dinheiro com as dívidas soberanas.
quarta-feira, janeiro 15, 2014
O Dia em que acabou a Crise
Recebi isto por email... já todos sabemos que é assim, mas para o caso de haver alguns distraídos..
trata-se de uma artigo escrito e publicado já em meados do corrente ano, mas que mantém toda a sua atualidade (ou terá mesmo mais), toda a sua perspicácia e toda a sua objetividade. Não deixem de ler.
Título:- O Dia em que acabou a crise.
Subtítulo:- Quando terminar a recessão teremos perdido 30 anos de direitos e salários.
Um dia no ano 2014 vamos acordar e vão anunciar-nos que a crise terminou. Correrão rios de tinta escrita com as nossas dores, celebrarão o fim do pesadelo, vão fazer-nos crer que o perigo passou embora nos advirtam que continua a haver sintomas de debilidade e que é necessário ser muito prudente para evitar recaídas. Conseguirão que respiremos aliviados, que celebremos o acontecimento, que dispamos a atitude critica contra os poderes e prometerão que, pouco a pouco, a tranquilidade voltará à nossas vidas.
Um dia no ano 2014, a crise terminará oficialmente e ficaremos com cara de tolos agradecidos, darão por boas as politicas de ajuste e voltarão a dar corda ao carrocel da economia. Obviamente a crise ecológica, a crise da distribuição desigual, a crise da impossibilidade de crescimento infinito permanecerá intacta mas essa ameaça nunca foi publicada nem difundida e os que de verdade dominam o mundo terão posto um ponto final a esta crise fraudulenta (metade realidade, metade ficção), cuja origem é difícil de decifrar mas cujos objetivos foram claros e contundentes
- Fazer-nos retroceder 30 anos em direitos e em salários
Um dia no ano 2014, quando os salários tiverem descido a níveis terceiro-mundistas; quando o trabalho for tão barato que deixe de ser o fator determinante do produto; quando tiverem feito ajoelhar todas as profissões para que os seus saberes caibam numa folha de pagamento miserável; quando tiverem amestrado a juventude na arte de trabalhar quase de graça; quando dispuserem de uma reserva de uns milhões de pessoas desempregadas dispostas a ser polivalentes, descartáveis e maleáveis para fugir ao inferno do desespero, então a crise terá terminado.
Um dia do ano 2014, quando os alunos chegarem às aulas e se tenha conseguido expulsar do sistema educativo 30% dos estudantes sem deixar rastro visível da façanha; quando a saúde se compre e não se ofereça; quando o estado da nossa saúde se pareça com o da nossa conta bancária; quando nos cobrarem por cada serviço, por cada direito, por cada benefício; quando as pensões forem tardias e raquíticas; quando nos convençam que necessitamos de seguros privados para garantir as nossas vidas, então terá acabado a crise.
Um dia do ano 2014, quando tiverem conseguido nivelar por baixo todos e toda a estrutura social (exceto a cúpula posta cuidadosamente a salvo em cada sector), pisemos os charcos da escassez ou sintamos o respirar do medo nas nossas costas; quando nos tivermos cansado de nos confrontarmos uns aos outros e se tenham destruído todas as pontes de solidariedade. Então anunciarão que a crise terminou.
Nunca em tão pouco tempo se conseguiu tanto. Somente cinco anos bastaram para reduzir a cinzas direitos que demoraram séculos a ser conquistados e a estenderem-se. Uma devastação tão brutal da paisagem social só se tinha conseguido na Europa através da guerra.
Ainda que, pensando bem, também neste caso foi o inimigo que ditou as regras, a duração dos combates, a estratégia a seguir e as condições do armistício.
Por isso, não só me preocupa quando sairemos da crise, mas como sairemos dela. O seu grande triunfo será não só fazer-nos mais pobres e desiguais, mas também mais cobardes e resignados já que sem estes últimos ingredientes o terreno que tão facilmente ganharam entraria novamente em disputa.
Neste momento puseram o relógio da história a andar para trás e ganharam 30 anos para os seus interesses. Agora faltam os últimos retoques ao novo marco social:Um pouco mais de privatizações por aqui, um pouco menos de gasto público por ali e“voila”: A sua obra estará concluída.
Quando o calendário marque um qualquer dia do ano 2014, mas as nossas vidas tiverem retrocedido até finais dos anos setenta, decretarão o fim da crise e escutaremos na rádio as condições da nossa rendição.
(***) -Concha Caballero é licenciada em Filologia Espanhola e professora de literatura num instituto público.
Abandonou a politica dececionada com a coligação eleitoral do seu partido.
Há anos que passou do exercício da politica ativa para analista e articulista, social e politica, de vários meios de comunicação, com destaque para o EL PAÍS.
É uma amante da literatura e firmemente humana com as questões sociais.
Clique no link abaixo e leia o artigo Original em Castelhano
http://teatrevesadespertar. wordpress.com/2013/06/20/el- dia-que-acabo-la-crisis-por- concha-caballero/
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