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quinta-feira, janeiro 14, 2010

Caim, Jacob e outras histórias da Bíblia


Em vários posts já afirmei repetidamente algo de que nós hoje não temos a mínima consciência: o drama da sobrepopulação, em que a Humanidade quase sempre existiu.

Desde há milhares de anos que o número de pessoas atingiu o limite suportável pelos recursos; e isso significa que a reprodução sempre esteve limitada ao número de pessoas que morriam – se mais nasciam, mais tinham de morrer, pela violência ou pela fome.

Este foi sempre o imenso drama da humanidade. Os oásis civilizacionais puderam emergir sempre que um avanço tecnológico ou organizacional geraram um acréscimo de recursos. Nos posts sobre Inteligência escrevi que a Inteligência duma sociedade é função da diferença entre recursos e necessidades.

Também já escrevi que por detrás da 1º Guerra Mundial, como de muitas outras, foi o problema da sobrepopulação que esteve – os economistas da época não tinham dúvidas: os recursos cresciam aritmeticamente e a população geometricamente, logo quem não quisesse ser extinto tinha de extinguir os outros, não havia lugar para todos.

As misérias de muitos países de hoje resultam exactamente disto – a população excede os recursos e continua a crescer descontroladamente. A densidade populacional do Haiti é quase tripla da portuguesa.

As grandes civilizações da Antiguidade puseram em prática diversos processos de controlar a população. Um deles era o Infanticídio. Já tenho visto documentários nos canais de televisão em que arqueólogos ficam muito admirados ao encontrar depósitos de ossadas de recém-nascidos. Santa Ignorância!

Uma prática comum era abandonar os recém-nascidos numa floresta ou pôr numa alcofa num curso de água; desta forma entregava-se o destino da criança nas mãos dos deuses, retirando aos pais o pesado fardo da responsabilidade pelo sacrifício dos filhos. Porque tudo isso era feito com enorme sofrimento dos pais, não se pense que eram selvagens sem sentimentos. Atestam-no cartas escritas por romanos, que eu já li não sei onde.

Os egípcios parece que usavam uma espécie de dispositivo intra-uterino, creio que feito a partir de bosta seca do gado... com fracos resultados.

Nas zonas de clima agreste, o problema era menos grave porque as pessoas morriam muito logo nos primeiros anos de vida; mas nas zonas tropicais não. Os sacrifícios humanos das civilizações da América Central terão tido a finalidade de manter a população controlada em face dos recursos.

Isto tudo serve para percebermos que em tempos remotos a vida humana não era certamente um bem escasso e, como tal, não era muito valorizada. Qualquer pequeno conflito tinha de resultar em mortes. A morte de um era sempre a vida de outro, pois os recursos eram limitados. A morte não era uma perda absoluta, era uma troca.

Entregues a si próprios, os homens tinham de considerar os outros como inimigos se queriam sobreviver. Apenas organizações tribais eram inicialmente possíveis. Passar além disso exigia a instituição de um poder superior. E foi-se buscar esse poder à Religião.

O objectivo de quase todas as religiões era construir uma melhor sociedade humana. Os seus ensinamentos são os que conduzem a mudar os hábitos e comportamentos da época para outros melhores. E como se fazia isso?

Através de pequenas histórias que começavam por retratar os comportamentos aceites na época e depois faziam intervir «a mão de Deus» para introduzir o novo comportamento. Não podia ser doutra maneira, não é verdade?

E é assim que surge a história de Caim ou de Jacob. E é por isso que a Bíblia não é um «manual de maus costumes» - ela retrata os costumes e a moral da época e isso, muitas vezes, com o objectivo de introduzir melhores costumes. Os julgamentos morais sobre os costumes de então só revelam a ignorância de quem os faz – a ignorância do quadro de vida da altura. Tão simples de entender, não é? E, no entanto, tanta discussão sobre o assunto...

Note-se que a Bíblia é muito mais do que isso; ela é um repositório de muitos conhecimentos da antiguidade. A parábola da expulsão do paraíso, por exemplo, é uma alegoria fantástica ao problema da sobrepopulação, como explico aqui. Mas há muito mais conhecimento na Bíblia e não era tolo o Newton quando a estudou com cuidado. Só que, como está escrito, «quem lê, entenda»; para Newton, não poderíamos entender até que as coisas acontecessem; aí poderíamos então verificar que por detrás da Bíblia estava um conhecimento maior que o nosso. Eu penso como o Einstein, que «Deus é subtil mas não malicioso», ou seja, que podemos entender o universo, ou a Bíblia, ou a nós próprios, mas temos de ser «subtis» e não «simplórios» nos nossos raciocínios.

sexta-feira, agosto 01, 2008

Nos teus ombros carregarás a Vida



5. “mas Deus sabe que no dia em que dele comerdes, os vossos olhos se abrirão e sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal".
6. Então a mulher notou como era tentador o fruto da árvore, pois era atraente aos olhos e desejável para se alcançar Inteligência (Sabedoria?). Colheu o fruto...”


Os antigos tinham esta arte: em curtas parábolas condensavam grandes conhecimentos. Uma «estória» é um excelente algoritmo de correcção de erro e fornece suporte seguro à nossa memória. Uma genial invenção para que a tradição oral pudesse passar o testemunho de geração em geração sem degradação da informação. As parábolas eram os livros de antes dos livros. Pena que a banalização da escrita nos tenha feito perder a arte de as entender.


Aquelas poucas palavras do Génesis 3 retratam um acontecimento da maior importância para a Vida na Terra. Todos os seres vivos contêm um programa que os comanda. Que determina os seus actos. Dizemos que são «os instintos». Esse programa determina as regras de vida e é tal que assegura que a vida exista em equilíbrio.


O equilíbrio das espécies não resulta de um empate na luta pela sobrevivência de seres que se regem por interesses imediatos. Esta é uma ideia nefasta, uma pobre compreensão da Natureza, com consequências deploráveis a nível das teorias de organização da sociedade humana e da economia.


O equilíbrio das espécies resulta da existência de rígidas regras que os programas instintivos cumprem sem hesitação. Regras que estabelecem mecanismos de autolimitação para cada espécie. Que evitam os ciclos presa-predador.


Em consequência, a densidade ecológica de cada espécie é mantida nos níveis adequados. Especialmente a dos grandes animais.
Não é muito mais poderosa a águia do que o pardal? A Lei da Natureza não é a «do mais forte?» Então porque é, e sempre foi, muito mais rara a águia do que o pardal?


A resposta é que as próprias águias estabelecem os seus limites, e logo a nível das características de reprodução. A impiedade com que a águia recém nascida se apressa a deitar os irmãos do ninho abaixo é indispensável não para assegurar a sua sobrevivência, mas para assegurar que o número de águias não põe em perigo o equilibrio ecológico. Para assegurar a sobrevivência das espécies, não a do indivíduo.


Estes comportamentos instintivos exigem a total ausência de consciência individual do «bem» e do «mal»; a total ausência de autonomia de decisão. Exactamente porque resultam de uma sabedoria que não é de curto prazo nem da escala individual, logo incompreensível a nível individual.


Não significa isto que os animais ditos irracionais não disponham de Inteligência. Claro que são inteligentes, em menor ou maior grau. O seu cérebro é capaz de resolver problemas, mesmo ao nível dos insectos.


O que os distingue qualitativamente dos humanos é que estes são «conhecedores do bem e do mal». São «como os deuses». Os humanos não são necessariamente comandados por uma vontade que os transcende, consubstanciada no programa gravado no cérebro. Os humanos são capazes de desrespeitar os seus instintos, que comandam acções, para satisfazerem necessidades mais sofisticadas, como a de amar e ser amado. Isso, porém, exige um nível de Inteligência, e de Sabedoria, mais elevado, que o «fruto da árvore proibida» lhes concedeu, no dizer da parábola.


Tendo «comido o fruto proibido», os Humanos atreveram-se a desrespeitar os instintos. Os instintos que mantiveram a espécie em equilibrio ecológico durante milénios. Porque razão eram tão poucos, em relação ao actual, os humanos da pré-história? Porque obedeciam aos instintos e se autolimitavam através de lutas territoriais. Se o não fizessem, morreriam de fome. O número de humanos que o planeta pode suportar em equilibrio natural é o que existiu durante mais de 20 000 anos: em média, cerca de 5 milhões em todo o planeta, menos de 10 milhões no máximo. Cinco milhões de pessoas, esse é o número que o conhecimento do passado nos diz ser o número médio possível de humanos em equilibrio natural no seio da Mãe Natureza, vivendo uma vida de máxima simplicidade e mínimo consumo energético. Cinco milhões de humanos, é essa a capacidade do jardim do Éden.


Há uns dez mil anos atrás, o Humano ousou imitar os deuses. Ousou desrespeitar os instintos primários. Em vez de lutar ferozmente pelo seu direito ao alimento, em vez de matar o próximo para que não lhe faltasse o alimento, em vez de fazer como a cria da águia, ousou tentar obter da natureza mais alimento do que aquele que ela dava voluntariamente, violando a clara ordem que os seus instintos ditavam.

Diz o Génesis que foi a Mulher que o fez. É provável. O Homem estava concentrado na luta e na caça, actividades do agrado da generalidade dos homens. Ainda hoje, em muitas sociedades primitivas, a agricultura e pecuária dependem exclusivamente das mulheres.


Veja-se a maldição lançada sobre o homem:

17. “Porque obedeceste à voz da mulher e comeste da árvore da qual eu te ordenara: «Não comas», amaldiçoada será a terra por tua causa. E só com fadiga tirarás dela o alimentodurante todos os dias da tua vida. Produzirá para ti espinhos e abrolhos e comerás as ervas do campo. Comerás o pão com o suor do rosto, até que voltes à terra de onde foste tirado...“


As contantes guerras e lutas que costuram a história da humanidade não constam do “castigo” porque lutar é natural para o homem, é o programa que nele está inscrito, é o programa da autolimitação; a agricultura é que é o “castigo” porque ela é que representa a desobediência ao instinto, a vontade Humana a desafiar a da Natureza, ou seja, a dos Deuses.

Não haja ilusões: não existimos em equilibrio ditado pela Natureza. Não existimos em equilíbrio ecológico. O equilibrio da Vida na Terra não depende das leis da Natureza, dos programas inscritos nos seres vivos. Depende da nossa acção. Não é já a «Mãe Natureza» que cuida da vida na Terra, são os Humanos. Foi esse o papel que assumimos quando «comemos» o fruto da Inteligência e da Sabedoria, quando abrimos os olhos e ousamos desafiar a Natureza.


Não se pense que há alternativa. Não há. Como saberemos depois de compreender a Teoria do Desvanecimento, as condições de vida na Terra dentro de alguns milhões de anos serão incompatíveis com a vida tal como a conhecemos. Apenas uma Vontade Inteligente poderá assegurar a continuação da Vida para além disso. Na Verdade, a «expulsão do Paraíso» não é um castigo divino, é a solução encontrada pelos Deuses para que a vida possa continuar. «Proibir o fruto» foi apenas um ardil para o tornar irresistível... de outra forma, como entender que


3. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse «não o comeis, nem sequer lhe toqueis, morrereis se o fizerdes.»

Então a árvore proibida iria estar logo no meio do jardim? Não foi Ele quem pôs lá a árvore? Seria estúpido esse Deus?


Claro que não... a árvore que Deus não quer que o Homem descubra é outra, pois:


22. E disse Deus: «Foi aqui que o homem, ao conhecer o bem e o mal, se tornou como um de nós. Que não estenda agora a mão também à árvore da vida, para comer dela e viver para sempre.»
...24. Tendo expulso o homem, colocou querubins a oriente do Jardim de Éden, e uma espada flamejante que se movia em todas as direções, para guardar o caminho da árvore da vida.


Como é evidente, esta é a árvore cujo fruto o Homem não pode comer; se o fizesse, estagnaria a evolução. Esta árvore, Deus não colocou no meio do jardim.
(Já agora, porque diz Deus que o homem se tornou «como um de nós»? «Nós» quem??? E para quem fala Deus?)


E porque «Deus» recorreria a tal ardil da árvore proibida no meio do jardim? Porque doutra forma o Homem culparia Deus das suas canseiras e revoltar-se-ia. Perceberia que para regressar ao Jardim, bastar-lhe-ia perder a consciencia do bem e do mal. Autolimitar-se, como as outras espécies. Mas assim o Homem recusaria a sua Missão – a de salvar a Vida. Que terá de ser salva já não pela Natureza mas pela espécie inteligente que a Natureza criou como seu instrumento.


Esta não é, porém, uma missão fácil. Sucessivas ascensões e colapsos marcam a história dos humanos. A ignorância da verdadeira razão dos colapsos anteriores é o estigma do próximo colapso. Não é com a ignorância mas com Inteligência e Sabedoria que o homem pode cumprir a magna missão que pesa sobre os seus ombros. Que não é a de carregar os Céus, mas a Vida.