sábado, abril 20, 2013
Os 4 problemas de Portugal (1)
Portugal tem
muitos problemas; mas, para sair da crise, basta-lhe, em minha opinião, resolver 4!
Primeiro, vou
apresentar sucintamente esses 4 problemas. Depois, vou analisar sucintamente
como é que eles se podem resolver. Como irão perceber, está nas nossas mãos
resolver todos eles, e sem grande dificuldade. Desde que queiramos é claro.
Primeiro
problema: Vivemos acima das nossas capacidades
Um país é como
uma família: obtém dinheiro vendendo coisas e com esse dinheiro compra coisas.
Se a família
compra mais do que o dinheiro que obtém, ela está a “viver acima das suas
possibilidades”.
Da mesma maneira,
um país que importa mais do que exporta está a “viver acima das suas
possibilidades”.
É assim que nasce
esta designação técnica para o desequilíbrio entre exportações e importações.
Notem bem: é uma designação técnica, com um significado preciso em economia:
significa que se importa mais do que se exporta. Não significa que as pessoas
gastem mais do que ganham, não tem nada a ver com isso, tem é a ver com a
maneira como as pessoas gastam o dinheiro, que percentagem gastamos na compra de produtos nacionais e na de importados.
Além do aspecto do consumo, há outro; a valorização do que se exporta. Uma fábrica estrangeira que importa componentes da fábrica mãe e exporta para ela a preço de custo está a roubar a mais valia do nosso trabalho e recursos; uma empresa de turismo estrangeiro que vende pacotes no seu país para férias num resort seu no algarve donde os turistas nem chegam a sair, está a usufruir do nosso clima e paisagens sem pagar nada. Embora com consequências graves neste problema do desequilíbrio das exportações, vou considerar este um outro problema e restringir o primeiro problema ao lado do consumo.
Felizmente para
nós, basta mudarmos ligeiramente a maneira como gastamos o dinheiro, fazer algumas opções. Meia dúzia de
medidas chegam para resolver este magno problema apenas pelo lado do consumo; um problema que afunda a nossa economia há
décadas.
segunda-feira, abril 15, 2013
Na morte da amiga de Pinochet (Alfredo Barroso)
Recebi este texto por email, dizendo que se trata de um texto do Alfredo Barroso cuja publicação o Público recusou. Não sei se isto é verdade ou não, mas aqui fica o texto porque ele mostra porque é importante contestar a ideia da Seleção Natural, sistematicamente usada para justificar a opressão.
Decididamente,
tenho cada vez mais dificuldade em publicar textos meus nos jornais, e não será
certamente pelo facto de estar a escrever pior do que já escrevi - nem
certamente pior do que os artigos escritos com os pés publicados quase todos os
dias nos jornais.
Poucas horas
depois de saber que Margaret Thatcher tinha morrido, escrevi, ontem, dia 8, o
artigo que a seguir reproduzo («NA MORTE DA AMIGA DE PINOCHET») e enviei-o,
ainda ontem à tarde à direcção do PÚBLICO solicitando a
publicação.
Recebi hoje a
resposta (não interessa de quem) do seguinte teor:
«Caro
Alfredo Barroso: neste momento, excepcionalmente, tenho compromissos para
publicação de artigos extra praticamente todos os dias até terça-feira. Fica
tarde de mais…».
Só me resta,
assim, enviá-lo aos amigos e conhecidos do costume, que constam das listas
(porventura desactualizadas por acção e por omissão) arquivadas no meu
computador, e publicá-lo na minha página do «facebook», onde não muito
apropriado afixar textos longos. Há certamente directores de jornais que
esfregarão as mãos de satisfação ao constatarem que estão a fechar-se todas as
portas a este «dissidente» politicamente incorrecto, incómodo e «impertinente».
Não sou crente mas apetece-me dizer-lhes: deus os guarde e lhes conceda muitos
«frutos» do trabalho tão «dedicado» que estão a fazer… Aqui vai, então, o meu
artigo:
NA
MORTE DA AMIGA DE PINOCHET
por
ALFREDO BARROSO
Morreu
Margaret Thatcher, uma das principais responsáveis pela contra-revolução
neoliberal que há mais de 30 anos vem devastando os regimes democráticos
ocidentais, deformando a economia, tornando as sociedades democráticas cada vez
mais desiguais, destruindo a coesão social, impondo o «casino da especulação
monetária» e a ditadura dos mercados financeiros globais que hoje mandam em
nós.
Morreu,
além disso, a amiga de Pinochet, um dos ditadores mais sanguinários e corruptos
da América Latina, que permitiu que o Chile se tornasse banco de ensaio das
políticas ultraliberais preconizadas pela famigerada «escola de Chicago» e
levadas a cabo pelos «Chicago boys», apadrinhados por Milton Friedman e
Friederich von Hayek, figuras tutelares do pensamento de Margaret Thatcher, além
da mercearia do pai.
Não
faço esta acusação de ânimo leve. São factos conhecidos, designadamente a sua
acendrada admiração por Augusto Pinochet, como se projectasse nele aquilo que
ela desejaria impor, mas nunca conseguiria, na velha democracia inglesa. Há
muitas fotos em que aparecem ambos sorridentes, lado a lado, quer quando o
ditador estava no poder, quer quando o detiveram em Londres na sequência do
pedido de extradição efectuado pelo juiz espanhol Baltazar Garzon, que o acusou
de ser responsável, durante a ditadura, pelo assassínio e desaparecimento de
vários cidadãos espanhóis.
Esta
mulher a quem chamaram «dama de ferro», como poderiam ter chamado «de zinco» ou
«de chumbo», nutria um profundo desprezo pelos grandes intelectuais ingleses do
seu tempo, designadamente Aldous Huxley, John Maynard Keynes, Bertrand Russell,
Virgínia Woolf e T. S. Eliot, conhecidos como o «círculo de Bloomsbury» (do nome
do famoso bairro londrino de editores e livreiros e de boémia intelectual). A
frustração dela perante o talento e a inteligência que irradiavam deles, e que
ela não conseguia captar, levaram-na a considerá-los «intelectuais estouvados,
que conduziram o Reino (Unido) pelos caminhos nada recomendáveis da segunda
metade do século XX». Ao diabo as «literatices» da «clique de Bloomsbury», dizia
ela. «O meu Bloomsbury foi Grantham» (onde o pai tinha a famosa mercearia) (…)
Para compreender a economia de mercado, não há melhor escola do que a mercearia
da esquina». Deve ser por isso que as mercearias estão a
falir…
Thatcher
considerava «a distância entre ricos e pobres perfeitamente legítima» e
proclamava «as virtudes da desigualdade social» como motor da economia. A
verdade dos números é, no entanto, bastante diferente. Como salienta John Gray,
um dos mais importantes pensadores contemporâneos, na Grã-Bretanha da chamada
«dama de ferro» os níveis dos impostos e das despesas públicas eram tão ou mais
altos, ao fim de 18 anos de governos conservadores, do que quando os
trabalhistas deixaram o poder, em 1979. Ao mesmo tempo, nos EUA de Ronald
Reagan, co-autor da «contra-revolução neoliberal», o mercado livre e desregulado
destruiu a civilização de capitalismo liberal baseada no New Deal de
Roosevelt, em que assentou a prosperidade do
pós-guerra.
Convém
dizer que John Gray, autor de vários livros editados em português, entre os
quais Falso Amanhecer (False Dawn), chegou a ser uma das figuras
dominantes do pensamento da chamada «Nova Direita», que teve uma grande
influência nas políticas que Thatcher pôs em prática. Mas ficou desiludido e
alarmado com as terríveis consequências dessas políticas e tornou-se um dos
críticos mais lúcidos e implacáveis dos «mercados livres globais», cuja
desregulação tem causado os efeitos mais perversos nas sociedades
contemporâneas, provocando a desintegração social e o colapso de muitas
economias. O capitalismo global parece funcionar, segundo Gray, de acordo com as
regras da selecção natural, destruindo e eliminando os que não conseguem
adaptar-se e recompensando, quase sempre de maneira desproporcionada, os que se
adaptam com sucesso. Estas são, logicamente, as inevitáveis consequências do
pensamento de Thatcher, ao pôr em prática «as virtudes da desigualdade social»
como motor da economia.
A
pesada herança de Margaret Thatcher, tal como a de Ronald Reagan - adoptadas não
apenas pela direita ultraliberal, mas também por uma certa esquerda neoliberal
(Tony Blair, Gerhard Schröder e alguns discípulos da Europa do Sul,
designadamente lusitanos) - é esta crise brutal em que a UE e os EUA estão
mergulhados há já cinco anos. E o mais terrível é que é o pensamento dos
principais responsáveis por esta crise que continua e prevalecer na maioria dos
governos que prometem acabar com ela à custa da austeridade, do empobrecimento
dos cidadãos e do confisco dos seus direitos
sociais.
Lisboa, 8
de Abril de 2013
quarta-feira, abril 10, 2013
As Duas Economias e a Crise
Como o tempo
urge, proponho-me colocar 3 ou 4 textos em que exponho tão sucintamente quanto
possível o meu entendimento da causa da crise do Euro, de quais são os
problemas fulcrais do país e qual é a solução para sairmos deste buraco.
Este texto aborda
a causa da crise da Europa do Euro: a falta de Economia Sistémica.
...............................................................................................
Fala-se de
Economia como se fosse uma Ciência única; mas não é, há duas Economias
Uma visa o
Enriquecimento por predação: como deve um indivíduo, uma empresa, uma qualquer
entidade proceder para obter a máxima parcela da riqueza disponível. As
consequências para a sociedade das actuações dos sujeitos na busca do
enriquecimento são irrelevantes para esta Economia; designa-se por “microeconomia”.
A outra visa
gerir a sociedade para que os esforços que cada indivíduo, empresa, entidade,
faz para enriquecer, convirjam para o enriquecimento de toda a sociedade; ou
seja, façam a sociedade evoluir. Inicialmente, isto era designado por “macroeconomia”;
hoje pertencerá talvez ao campo da “ciência política” ou “filosofia política”.
São duas ciências
bem diferentes. Opostas.
A microeconomia é
a cientifização daquilo que as pessoas fazem para conseguirem mais dinheiro;
abrange desde comportamentos absolutamente legítimos até ao que podemos
designar por cientifização da vigarice. (tudo o que serve o interesse individual está "cientifizado", desde o dopping à religião - já ouviram falar da cientologia?)
A antigamente
chamada macroeconomia é a ciência a que se dedicaram pessoas como Marx ou
Keynes. A microeconomia leva fatalmente a uma situação em que uns poucos ficam
com tudo, que é a situação mais frequente na sociedade humana. Um sistema
competitivo puro acaba sempre em “the winner takes it all”. Então, a actividade
microeconómica precisa de ser compensada. A forma com é feita esta compensação
é que define o sistema económico; por isso, vou passar a designar esse ramo da
economia, antigamente designado por macroeconomia, por Economia de Sistema ou
economia sistémica.
A evolução da
sociedade só é conseguida quando as duas economias equilibram o fluxo
económico.
A microeconomia
desenvolve-se naturalmente, pois as pessoas querem ser ricas, querem ser mais
do que os outros, querem de alguma forma ser especiais. Porém, sem mecanismos
de compensação conduz fatalmente à situação em uns poucos oprimem os restantes
e passam a monopolizar a actividade económica. E justificam esse estatuto com a
ideia da “Seleção Natural” (uma ideia que parece ser muito do agrado do nosso
actual PM).
Apenas nos curtos
intervalos de tempo em que uma economia sistémica se desenvolveu e equilibrou a
microeconomia sem a abafar, experimentou a humanidade breves momentos de grande
evolução; no resto do tempo, durante séculos e mesmo milénios, viveu idades
negras, de fome, miséria, opressão, retrocesso evolutivo.
Este problema é
conhecido desde que a humanidade existe e muitas formas de evitar este desfecho
têm sido tentadas, nomeadamente através da religião e da política. Essas
formas, porém, acabam sempre não só derrotadas como capturadas e colocadas ao
serviço dos “Senhores”.
O desenvolvimento
da sociedade depende criticamente do fluxo económico. A microeconomia produz
uma desigualdade crescente; se é verdade que a desigualdade (moderada) funciona
como motor da actividade individual, é igualmente verdade que ela estrangula o
fluxo económico e trava, por essa razão, o crescimento da economia. Esta
questão do fluxo económico foi “redescoberta” no começo da recente crise e
levou muitos economistas nos EUA ao estudo da física dos fluxos, na esperança
de encontrarem nela bases para um modelo do fluxo económico.
É o desequilíbrio
entre a microeconomia e a economia sistémica que dita o colapso dos sistemas.
Foi isto que os chineses perceberam depois do colapso da URSS, por falta de
microeconomia. Os Chineses criaram uma economia com estas duas componentes da
economia igualmente fortes e que, em larga medida, está a servir de modelo para
muitos países em desenvolvimento.
No ocidente, o
problema é o oposto ao da URSS: a falta de economia sistémica levou à grande
depressão de 1929; o equilíbrio das duas levou a uma extraordinária fase de
desenvolvimento até à última década do século passado, altura em o excesso de
microeconomia conduziu a uma crise de consequências que se adivinham
dramáticas.
No Ocidente, a
economia sistémica está morta. Nas universidades só se ensina microeconomia.
Hoje, chama-se macroeconomia a uma microeconomia que se ocupa de grandes
sociedades, países, mas o objectivo é o mesmo: enriquecer por predação; o nome
retrata apenas uma diferença de escala.
O famoso
jornalista norte-americano Gary North definiu assim: “Microeconomia: o estudo
de quem tem o dinheiro e de como posso deitar-lhe a mão. Macroeconomia: o
estudo de que agência do governo tem a massa e de como podemos deitar-lhe a
mão.”
Com a
globalização, não havendo uma economia sistémica à escala global, cada país
tratou de agir como predador dos outros. Os EUA reorganizaram a sua economia
para que as suas empresas sejam o mais forte possível, as medidas sistémicas de
controlo de crescimento de desigualdade foram anuladas.
No tempo em que
os bancos centrais dependiam dos governos, uma forma essencial de contrariar o
crescimento da desigualdade era introduzindo o dinheiro novo “por baixo”. Ou
seja, os bancos centrais imprimiam dinheiro (à medida que as economias crescem,
é preciso mais dinheiro) e este era introduzido pelo Estado através de grandes
obras públicas, de grandes projectos nacionais que promovessem a investigação,
como a NASA, e até de grandes projectos militares, que é a área onde é mais
fácil os governos investirem.
Com o
desaparecimento dos economistas sistémicos, convertidos em macroeconomistas
porque isso é que dá dinheiro, os bancos centrais foram “libertados” das
tutelas dos Governos. Hoje, o mundo ocidental é governado por bancos centrais
cujos estatutos são obscuros e funcionam à margem de qualquer controlo
democrático. Sabe-se mais sobre as sociedades maçónicas do que sobre os bancos
centrais.
Tornados
autónomos, os bancos centrais passaram a injectar dinheiro na economia “por
cima”, entregando-o aos banqueiros através de operações como compra de dívidas
incobráveis e de “injeções de liquidez” (feitas através do Estado à custa do
dinheiro dos contribuintes, ou seja, da classe média). Os Ricos ficam assim
mais ricos, os preços dos artigos de luxo sobem mas isso não afecta os cálculos
da inflação.
Perguntarão: mas
não vêm que assim estrangulam o fluxo económico? Não vêm a recessão, o
desemprego, o empobrecimento que estão a gerar?
Claro que vêem;
mas esse não é um problema deles. Eles defendem os seus interesses como
toda a gente faz. As pessoas da classe média agem em função da sociedade ou dos
seus interesses? Claro que é em função dos seus interesses (as excepções não
contam). Os 40% de abandono escolar nunca geraram nenhum movimento de
indignação popular, mas a medidas para corrigir isso geraram. E as “novas
oportunidades” também. E tudo o que se faça para diminuir a desigualdade,
melhorar as oportunidades dos mais pobres, gera logo movimentos indignados de
pessoas que acham que “lhes estão a ir ao bolso”.
A classe média
faz o estranho erro de pensar que os ricos estão ao seu serviço. Não estão, é
claro, tal como a classe média não está ao serviço dos mais pobres, acha sempre
que isso é uma responsabilidade de quem é mais rico do que ela. O Amorim pensa
exactamente o mesmo. (para toda a gente, a definição de "rico" é: aquele que tem mais do que eu)
Assim, os ricos
preocupam-se com eles, não com a sociedade, tal como toda a gente. Aprenderam
que se cada um tratar de si, todos beneficiam. Se a economia não cresce, a culpa
será de alguém mas não deles, porque eles estão a fazer o que é suposto:
tratarem deles! Não é essa a base da microeconomia? Mas se não cresce, ai
alguém vai empobrecer para que eles continuem a enriquecer. Portanto, olhem,
aguentem-se! Afinal, ainda estamos melhor que as crianças do Biafra (Lagarde)
ou que os sem-abrigo (Ulrich)...
Comprendamos: os
ricos não vão resolver o problema do nosso empobrecimento, nem os conselhos dos
economistas de serviço nos servem: eles são todos microeconomistas e estão a
defender os seus interesses imediatos.
Por outro lado,
não pensemos também que vamos resolver o nosso problema à custa dos ricos. Não
vamos.
(continua)
terça-feira, abril 02, 2013
A Afectividade serve a Evolução
Observem a
fascinante sequência de operações realizadas por este vírus (todos os vírus têm
processos de complexidade semelhante); dado que um vírus está para uma célula
como um barco a remos está para um porta-aviões, podemos perceber que as
células desenvolvem operações de uma complexidade avassaladora.
(continuação da conversa com o Hans, interrompida pelos últimos 2 textos)
“- Sim, sem
dúvida que é esse processo, H+S+R, o responsável pela evolução tecnológica, mas
tem por detrás a inteligência humana; como é que passas daí para a Evolução da
Vida sem meteres uma inteligência exterior, um Criador?”
- Estás certo, a
evolução tecnológica resulta de um processo de Inteligência que é exterior ao
que evolui. Porém, isso, parecendo pertinente, é um falso problema pois a
Inteligência ser exterior não é relevante, o que é relevante é que exista um
processo de inteligência capaz de suportar a evolução observada.
- Então era
preciso que a Vida fosse Inteligente, mas isso parece-me um salto muito grande,
não estou a ver as nossas células a desenvolverem processos H+S+R... ainda se
fosse só H+S como o Darwin propôs... mas como é que a célula pode adquirir o
conhecimento resultante de uma experimentação? Não estou a ver...
- O nosso cérebro também realiza esse
processo H+S+R sem precisar de uma inteligência exterior sempre que temos de
resolver um problema novo. Uma estrela-do-mar também e não tem cérebro. O
cérebro tem Inteligência, é um sistema organizado para maximizar essa capacidade,
mas a Inteligência não é exclusiva do cérebro.
-Sim, eu sei o
que pensas sobre o assunto; mesmo assim não estou a ver como uma célula pode
realizar um processo H+S+R...
- Bem, as
bactérias realizam-no, não é? Encontram soluções para os seus problemas
ambientais, adquirem esse conhecimento e transmitem-no umas às outras. Na
verdade, as bactérias realizam também processos de inteligência de nível 3, mas
isso veremos mais adiante. Em relação a este nível 2, o H+S+R, nas células
passa-se algo semelhante ao processo que o cérebro desenvolve: a célula gera
mudanças no código genético e seleciona uma que seja viável, ou seja, que gere
proteínas viáveis e que seja compatível com certos equilíbrios, tal como o
inconsciente escolhe uma hipótese que esteja de acordo com as suas verdades;
depois nasce um ser com esta modificação, esta “Ideia”. Ela determina uma
pequenina mudança no ser, nada de dramático, nada que o ponha em causa. Durante
a sua existência, o ser verifica se esta diferença para os seus semelhantes lhe
traz vantagem ou desvantagem e de que tipo. Esta informação é adquirida pelas
células, elas estão todas em permanente comunicação umas com as outras, dispõem
de um complexo e sofisticado sistema de comunicações, é esse sistema que
permite, por exemplo, que cada célula saiba a função que lhe compete no
organismo.
-Ok, eu sei que
têm esse sistema, mas e daí?
- Daí, as células
reprodutoras recebem essa informação e ela vai condicionar a modificação
seguinte a efectuar pelas células reprodutoras; o próximo descendente nasce
equipado com a segunda Ideia. – Fiz uma pausa, aguardando a reação.
- Beeemm… não me
parece disparatado de todo… tenho lido umas coisas sobre a epigenética… creio
que já li um texto teu sobre a Evo-Devo... há muito quem pense que a experiência
de vida dos progenitores pode influenciar as características dos descendentes…
- De várias
maneiras até, mas o que interessa agora é o seguinte: tal como a primeira ideia
que temos para resolver um problema é normalmente má, também a primeira modificação,
mutação, tem consequências desfavoráveis para o ser; o processo de Inteligência
precisa de recolher informação sobre essas consequências e gerar uma segunda
“ideia”, ou seja, uma segunda geração. Para que isso seja possível, é
indispensável que este ser mutante e menos apto se reproduza. Se existisse algo
como a Seleção Natural, o processo de Inteligência H+S+R não poderia funcionar
porque não haveria uma segunda “ideia”, ou seja, uma segunda geração; a
reprodução é essencial e a seleção é de todo indesejada no nível 2, a natureza
não quer fazer seleção nenhuma dos seres. A sobrevivência ou não, a reprodução
ou não, é sobretudo um resultado das circunstâncias, um acontecimento
aleatório, irrelevante para a evolução; na verdade, uma inconveniência para a
evolução.
- Ena, com essa
estás a cilindrar-me!!!! O Darwin disse o oposto!
- Já vamos ao
Darwin – ri-me – Estamos a chegar à parte verdadeiramente interessante; ora
repara ainda no seguinte. Fiz uma pequena pausa, precisava de beber água, pedi
outra garrafa. Enquanto não chegava, continuei:
- Essas pequenas modificações têm minúsculas
consequências; se o ser vive folgadamente, sem ter de se esforçar, de se levar
aos limites, os efeitos das modificações não são detectáveis, não há
realimentação, o nível 2 não funciona. Portanto, os veículos especialmente
úteis ao processo evolutivo são os seres sujeitos a situações adversas,
sobretudo em inferioridade com os seus semelhantes porque o principal fator de
stress é a competição com eles. Ou seja, são os seres com alguma inferioridade,
nomeadamente mais pequenos, mais frágeis, menos bonitos, etc. Estes são os
primeiros responsáveis pela evolução. Portanto, exactamente aqueles que segundo
a versão corrente da teoria de Darwin seriam eliminados. A Evolução é obra dos
menos aptos, os mais aptos são inúteis para ela.
Os olhos do Hans
ficaram esgazeados; senti-me feliz, ele tinha percebido. Entusiasmou-se
subitamente:
- Claro! É por
isso que a Evolução dispara nas situações de adversidade, porque são aquelas
que tornam todos os seres menos aptos, e é essa situação de um ser se sentir
pouco apto que força a evolução!
- Exacto. E não
só. Quando as espécies estão muito otimizadas para um nicho ecológico, qualquer
alteração tem consequências negativas e não há mais evolução. Uma forma de
impedir a evolução da sociedade humana é através da discriminação acentuada das
diferenças, o que torna os efeitos de qualquer modificação excessivamente
negativos e bloqueia o processo evolutivo da sociedade. Alguma adversidade é
bom mas não pode ser tal que torne demasiado perigoso para um ser ter alguma
mutação. É por isso que as águias só têm um descendente por ninhada.
- O quê? Como é
isso?
-Vamos então ao
Darwin. Um peixe fêmea pode pôr um milhão de ovos mas só alguns sobrevivem;
para o Darwin, os sobreviventes teriam sido “selecionados” mas não é verdade,
tiveram apenas “sorte”. Os grandes predadores, ao contrário, geram pouquíssimas
crias porque a sobrevivência delas depende muito menos do acaso, da sorte. O
número de descendentes parece depender essencialmente da necessidade de fazer
face às mortes por acaso (doença, acidente, predadores) de forma a manter a
espécie a reproduzir-se. As águias apenas geram um descendente por ano, apesar
de porem 2 a 3 ovos, consoante as espécies; mas se nasce mais de uma cria (os
ovos caem do ninho, há predadores, nem todos eclodem), então, ou uma das crias
assim que nasce atira a outra fora do ninho ou os pais alimentam apenas a
primeira nascer; ora se a evolução dependesse de um processo H+S, como proposto
pelo Darwin, as águias teriam muitos descendentes, que sobreviveriam até à
maturidade, e só aí seriam sujeitos a uma qualquer “seleção natural”. Num
processo H+S+R, ao contrário, não é o número de descendentes que mais importa –
o que importa é que eles se reproduzam e que a população esteja em equilíbrio
com o meio para que a adversidade não seja excessiva.
- Então aquela
ideia de que as espécies se reproduzem em grande quantidade para que a Seleção
Natural faça a sua escolha não está certa?
- Evidentemente
que não; a taxa de reprodução parece ser a adequada a assegurar a manutenção da
espécie em equilíbrio com o seu meio e fazer face às suas variações, apenas
isso; o milhão de ovos dos peixes ou o descendente único das águias conduzem apenas
a isso, nada têm a ver com a evolução. Se tivessem, os peixes estariam em
evolução aceleradíssima...
-Estou a ver...
mas como encontram as espécies esse equilíbrio reprodutivo?
- Penso que o
ponto de equilíbrio é quando a principal causa de morte passa a ser o conflito
entre os indivíduos da mesma espécie. Ou seja, aquilo que segundo as ideias
correntes seria desejável para promover a seleção é exactamente o ponto de
alarme da reprodução. Mas agora chamo-te a atenção para outra coisa muito
interessante, a raiz da solidariedade.
- A raiz da
solidariedade? Que queres dizer com isso?
- A Evolução
depende da sobrevivência dos menos aptos; portanto, podemos esperar instintos
que velem por isso, tal como temos o instinto maternal para velar pela sobrevivência
das crias. Neste caso, temos a solidariedade e a compaixão. A compaixão
funciona a nível individual mas quando os seres se organizam em sociedades, a
compaixão torna-se solidariedade, um instinto social. A chave da evolução, seja
dos seres vivos ou da sociedade, é a Solidariedade, não é a Seleção. E esta,
hem?
- Páaa... com
essa impressionaste-me... estás a recuperar o conhecimento dos antigos; afinal,
é isso que dizem os livros religiosos... compaixão, solidariedade... estás a
falar do Amor nas suas várias formas... estás a dizer que a chave da Evolução é
o Amor! O Hans estava entusiasmadíssimo com a sua descoberta.
- Olha, bem
visto, não tinha pensado nisso... sim, podemos pôr as coisas nesses termos, o
Amor pelos outros é o instinto que suporta a evolução da Vida... bem visto...
- Beeemm, já
estou a imaginar umas conversas que vou ter com uns amigos que são grandes
entusiastas de Darwin... vão passar-se com essa ideia! O Hans parecia-me já um
pouco alegre demais, seria das cervejas? Achei por bem esfriá-lo um pouco:
- Nota que o
Darwin não disse asneiras; ele nunca falou da “sobrevivência dos mais aptos”,
essa frase nem é dele. O Darwin foi muito mais brilhante do que isso.
(continua)
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