30.6.07
29.6.07
28.6.07
27.6.07
as pontes
RIMBAUD (1854-1891)
Iluminações/ Uma Cerveja no Inferno
tradução de Mário Cesariny
"Céus de cristal cinzento. Um bizarro traçados de pontes, bombeadas, umas, outras, rectilíneas, outras descendo e obliquando em arco sobre as primeiras, e multiplicando-se todas estas linhas pelos outros circuitos do canal, tão longas todas, e aeroladas, que as margens, repletas de cúpulas, se afundam e minimizam. Algumas destas pontes ainda ostentam ruínas. Outras suportam mastros, sinais, frágeis parapeitos. Acordes menores cruzam-se e desaparecem; sobem cordas pelas ribanceiras. Distingue-se um fato vermelho, talvez outras roupas, e instrumentos de música. São canções populares, restos de concertos senhoriais, reminiscências de hinos? A água é cinzenta e azul, larga como um braço de mar.
Um raio branco, tombando do alto do céu, aniquila esta comédia."
Iluminações/ Uma Cerveja no Inferno
tradução de Mário Cesariny
"Céus de cristal cinzento. Um bizarro traçados de pontes, bombeadas, umas, outras, rectilíneas, outras descendo e obliquando em arco sobre as primeiras, e multiplicando-se todas estas linhas pelos outros circuitos do canal, tão longas todas, e aeroladas, que as margens, repletas de cúpulas, se afundam e minimizam. Algumas destas pontes ainda ostentam ruínas. Outras suportam mastros, sinais, frágeis parapeitos. Acordes menores cruzam-se e desaparecem; sobem cordas pelas ribanceiras. Distingue-se um fato vermelho, talvez outras roupas, e instrumentos de música. São canções populares, restos de concertos senhoriais, reminiscências de hinos? A água é cinzenta e azul, larga como um braço de mar.
Um raio branco, tombando do alto do céu, aniquila esta comédia."
26.6.07
pilha de nervos
Conhece, claro que conhece. Pode não estar bem a ver, mas conhece. Uma magrinha. O que eu não admito é que me faltem ao respeito. Estou aqui numa pilha de nervos. E sabe o que é que no fim ainda teve o descaramento de me dizer ? O senhor nem imagina a pilha de nervos em que eu estou. Ela virou-se para mim e disse: É que eu sou do Bairro da Musgueira. Foi o que ela me disse, como se isso me metesse algum medo. Eu também lhe respondi logo: E eu sou de Chelas e fui criada em Alfama. Se vamos por bairros, não fico a perder. A como é que estão hoje os grelos, senhor Nelo?
25.6.07
paragem
Tinha o costume de subir a rua sempre pelo lado direito. Se nesse dia não tivesse escolhido o lado esquerdo, não a tinha visto na paragem, encostada ao poste, a fumar um cigarro como os do Eça de Queiróz, um cigarro pensativo. E se não a tivesse visto ali parada no passeio, onde parecia plantada mas que de facto mais não era que a posição de balanço para o voo que se seguiu, não lhe teria dito as experimentadas palavras 'pode-me dizer as horas'. Ela não estava preparada para ouvi-las, estava à espera doutras, e isso lhe explicou: 'pensava que me vinha pedir lume'. 'Não, não fumo', disse seguro de si, o que também não era para admirar porque de facto nunca fumara, mas dessa segurança terá nascido o atrevimento do comentário consequente:'não fumo, mas não me importo'. Ela sorriu, não sabia se um sorriso como os do Eça de Queiróz, os sorrisos não tinham sido dados na escola, só os cigarros, sorriu e disse: 'também não era por isso que lhe ia deixar de dizer as horas'. E ele com a frase ainda no ar: 'Mas ainda não disse'. Ela levou o dito à letra, ou fingiu que levou, e procurou algo no fundo duma daquelas míticas malas femininas, onde o menor dos volumes é composto por 24 cartões magnéticos, e acabou por dizer: 'Não encontro'. Isso causou uma pequena decepcão tanto nela como nele. Talvez por saber que as pequenas decepções se podem tranformar em grandes, ela não deixou de acrescentar: 'Pode ficar para amanhã ?' Ele não teve tempo para pensar na resposta mas ela teve tempo para pensar o quão estúpido era dizer as horas no dia seguinte e isso só podia significar uma coisa.
21.6.07
20.6.07
19.6.07
uma opa em vez dum penalty
- Não 'tás a perceber? Com a OPA não podemos vender nem comprar jogadores.
- Isso é que era bom! Não se podem é comprar nem vender acções.
- 'Tás enganado, não se podem comprar nem vender jogadores.
- O homem tem empresas por todo o lado, sabe muito bem o que está a fazer.
- Vais ver.
- Isso da OPA ainda não está resolvido.
- A OTA é que não está resolvida.
- Não desconverses, pá, agora a OTA, o que é que isso interessa? Era o que faltava! Isso queriam eles, não podermos comprar nem vender jogadores.
- Isso é que era bom! Não se podem é comprar nem vender acções.
- 'Tás enganado, não se podem comprar nem vender jogadores.
- O homem tem empresas por todo o lado, sabe muito bem o que está a fazer.
- Vais ver.
- Isso da OPA ainda não está resolvido.
- A OTA é que não está resolvida.
- Não desconverses, pá, agora a OTA, o que é que isso interessa? Era o que faltava! Isso queriam eles, não podermos comprar nem vender jogadores.
18.6.07
considerações sobre o mundo
O Mundo é grande, disse a Criança, enquanto a Mãe lhe enfiava o pijama pela cabeça abaixo. Nesse dia tinha ido ao Pavilhão do Conhecimento. No ano seguinte saberia vestir o pijama sozinha. E depois, mãe? Depois, logo se vê.
17.6.07
verde lagarto amarelo
"Com a ponta da língua pude sentir a semente apontando
sob a polpa. Varei-a. O sumo ácido inundou-me a boca. Cuspi
a semente: assim queria escrever, indo ao âmago do âmago
até atingir a semente resguardada lá no fundo como um feto".
(Verde lagarto amarelo)
Lygia Fagundes Telles
sob a polpa. Varei-a. O sumo ácido inundou-me a boca. Cuspi
a semente: assim queria escrever, indo ao âmago do âmago
até atingir a semente resguardada lá no fundo como um feto".
(Verde lagarto amarelo)
Lygia Fagundes Telles
16.6.07
bolero
O barman pôs o gin tónico à sua frente. Era assim todas as noites. Faltava ainda o bolero. Mas o bolero só existia na sua cabeça, porque ali não se tocavam boleros. Ei-lo, pois, na sua cabeça, o bolero, debitado de uma cassete de música ambiente numerada com o número três redondo até cair. Mas antes disso faltava ainda um par de légrimas, lágrimas pela sua amada que ele desejava que estivesse morta. Mas antes dessas lágrimas cairem, faltava ainda um par de palavras que ele não era capaz de dizer.
15.6.07
ele e ela sobre as marchas
Ela: Alfama ia muito bem vestida.
Ele: Marvila também era boa.
Ela: Para o ano não vai haver marcha, vais ver.
Ele: Dizes sempre isso.
Ela: Olha, bem vestidas, bem ensaiadas, era quando eu era nova. O resto é conversa.
Ele: Dizes sempre isso.
Ele: Marvila também era boa.
Ela: Para o ano não vai haver marcha, vais ver.
Ele: Dizes sempre isso.
Ela: Olha, bem vestidas, bem ensaiadas, era quando eu era nova. O resto é conversa.
Ele: Dizes sempre isso.
14.6.07
in Tennessee
História do Jarro
Coloquei um jarro em Tennessee
E redondo era ele, sobre um outeiro.
Fez o mato desalinhado
Rodear aquele outeiro.
O mato ergueu-se até ele,
E estendeu-se em redor, não já bravio,
O jarro era redondo sobre o chão
E alto e de porte erguido no ar.
Ganhou domínio por toda a parte.
O jarro era cinzento e liso.
Nada deu de pássaros nem de arbustos,
Como nenhuma coisa mais em Tennessee.
Wallace Stevens
(1879-1955)
(tradução de Luísa Campos, POEMÁRIO 1998, Assírio&Alvim)
Anecdote of the Jar
I placed a jar in Tennessee,
And round it was, upon a hill.
It made the slovenly wilderness
Surround that hill.
The wilderness rose up to it,
And sprawled around, no longer wild.
The jar was round upon the ground
And tall and of a port in air.
It took dominion every where.
The jar was gray and bare.
It did not give of bird or bush,
Like nothing else in Tennessee.
Coloquei um jarro em Tennessee
E redondo era ele, sobre um outeiro.
Fez o mato desalinhado
Rodear aquele outeiro.
O mato ergueu-se até ele,
E estendeu-se em redor, não já bravio,
O jarro era redondo sobre o chão
E alto e de porte erguido no ar.
Ganhou domínio por toda a parte.
O jarro era cinzento e liso.
Nada deu de pássaros nem de arbustos,
Como nenhuma coisa mais em Tennessee.
Wallace Stevens
(1879-1955)
(tradução de Luísa Campos, POEMÁRIO 1998, Assírio&Alvim)
Anecdote of the Jar
I placed a jar in Tennessee,
And round it was, upon a hill.
It made the slovenly wilderness
Surround that hill.
The wilderness rose up to it,
And sprawled around, no longer wild.
The jar was round upon the ground
And tall and of a port in air.
It took dominion every where.
The jar was gray and bare.
It did not give of bird or bush,
Like nothing else in Tennessee.
12.6.07
matéria dada
"Se sobre a superfície esférica desenharmos três circunferências máximas, intersectar-se-ão duas a duas em pontos diametralmente opostos.
E chamamos triângulo esférico a cada uma das 8 partes em que em que essas circunferências máximas dividem a superfície esférica.
Isto tudo a propósito dos pólos de um círculo. Ora bem, os pólos de um círculo caracterizam-se por todos os pontos do círculos equidistarem deles".
A partir daqui distraí-me para sempre e não mais fui capaz de acompanhar a lição de geometria.
Tudo se passou há mais de três décadas. (Estou a habituar-me a medir o tempo em décadas). E serviu-me para quê? Para não confundir estes pólos com outros. Todo o conhecimento se destina a lançar-nos de novo no desconhecido. Mas isso não quer dizer que se confunda o que para trás ficou. Assim, não confundir estes com outros pólos. Não confundir com Marco Polo. Nem este com Marco Paulo. Em segundo lugar, não confundir com Ralph Lauren. Não confundir com Polaroid. E por aí adiante. Não confundir com a Paola. Não confundir com Palop. Nada de confusões até confundir com outra coisa qualquer e entrarmos no que desconhecemos. Esta parte, por exemplo, não está muito bem explicada. Mas estará um dia. E assim por diante.
E chamamos triângulo esférico a cada uma das 8 partes em que em que essas circunferências máximas dividem a superfície esférica.
Isto tudo a propósito dos pólos de um círculo. Ora bem, os pólos de um círculo caracterizam-se por todos os pontos do círculos equidistarem deles".
A partir daqui distraí-me para sempre e não mais fui capaz de acompanhar a lição de geometria.
Tudo se passou há mais de três décadas. (Estou a habituar-me a medir o tempo em décadas). E serviu-me para quê? Para não confundir estes pólos com outros. Todo o conhecimento se destina a lançar-nos de novo no desconhecido. Mas isso não quer dizer que se confunda o que para trás ficou. Assim, não confundir estes com outros pólos. Não confundir com Marco Polo. Nem este com Marco Paulo. Em segundo lugar, não confundir com Ralph Lauren. Não confundir com Polaroid. E por aí adiante. Não confundir com a Paola. Não confundir com Palop. Nada de confusões até confundir com outra coisa qualquer e entrarmos no que desconhecemos. Esta parte, por exemplo, não está muito bem explicada. Mas estará um dia. E assim por diante.
11.6.07
o recado
Traz-me uma lembrança, e manda-me também um postal, mesmo que não o mandes de lá, manda-mo à mesma, que eu assim viajo também. Foi o que ela escreveu no recado que lhe deixou encostado à torradeira. Tinha que se levantar às cinco. Fechou a porta da casa com cautela, como se a tivesse acabado de assaltar.
9.6.07
chop suey (1)
Madame Castafiori telefonou. Tem tido muito trabalho. E depois, diz-me, começa a estar muito calor, muito calor. Uma maçada, sabe. Não, não sei, pensei. Mas nunca me atreveria a dizer-lho. Como explicar que para mim o calor não é uma maçada. Nasci em Maio e em Julho já estava deitada debaixo de uma figueira, enquanto a minha mãe trabalhava. Qualquer pessoa poderá, ao menos, sorrir de complacência perante estes rumores da minha memória afectiva, mas não Madame Castafiori. Madame Castafiori não é qualquer pessoa. Para ela esta coisa da figueira, do calor, das formigas fará parte do que ela designa pela minha herança neo-realista. Oh tempore! Oh more! Bem se vê que a sua família é de Pontevedra. Isto sou eu a imaginar. A minha coragem resumiu-se a um "hum, hum, pois é, o calor". É para estas coisas que o telefone serve.
Tem andado desaparecida, palpitei então, praticamente não tem saído, não é. Sim, sim, muito trabalho, um trabalho imenso, mas ontem, veja lá a coincidência, saíu. Tinha ido com duas amigas a um restaurante, a um restaurante chinês. Madame Castafiori gosta dos sabores do mundo.
Que bom, ir a meio da semana a um restaurante chinês, atirei como quem rabisca num guardanapo de papel. E o jantar foi bom? Sim, mas um bocado tenso, respondeu. Sorri. Aquele 'mas' era crucial, a partir dali sabia que uma história me esperava e todos sabemos que uma história de Madame Castafiori não é uma historia, é uma aventura, um mar nunca dantes navegado. Tenso ? Mas tenso porquê? Zangou-se com as suas amigas? Atrevi-me a palpitar, em cinco minutos apenas era a segunda vez que me dava ao luxo de um palpite, e Castafiori fez como se faz em casa alheia às crianças malcriadas: não respondeu. Utilizei também a arma do silêncio e recordo aqui que, vai não vai, a utilizo com Castafiori. Tornei-me uma perita. E assim sucedeu, embora por pouco tempo.
Na mesa ao lado, imagine - ah, ei-la de volta ao reino das vozes longíquas -, na mesa mesmo atrás de nós estavam duas pessoas que falavam altíssimo. Detesto gente assim. Mas estavam zangadas, as pessoas? Não cheguei a perceber. Mas de que falavam, as pessoas? Duma vaca, foi a resposta seca de Madame Castafiori. A palavra 'vaca' ouvida da boca de Castafiori não sugere imediatamente esse animal ruminante mas qualquer coisa do submundo, inacessível por isso, ou qualquer coisa só imaginável num universo paralelo. Se quisesse usar o dito fácil diria que tínhamos chegado à vaca fria.
Mas eu estava demasiado intrigada - reconheço que Madame sabe despertar o meu lado felino. Esqueci o dito fácil e mergulhei no assunto. O assunto não podia ser mais prometedor. É o mínimo que se pode dizer do desaparecimento de uma vaca na baixa lisboeta. Na baixa lisboeta?! Articulei com a serenidade possível. Não delire, riu-se Castafiori.
Eu conheço aquele riso. Aquele riso arrastava consigo uma data de possibilidades: a vaca não tinha desaparecido na baixa; ela não estava num restaurante chinês na baixa; ela estava num restaurante chinês mas não na baixa; ela estava num restaurante na baixa mas não chinês, ou ela não estava sequer na baixa e, quem sabe, nem sequer estivesse com as duas amigas. Mas uma coisa aquele riso eu sabia que significava: mais uma vez eu tinha caído na armadilha e mais uma vez Castafiori tinha abusado desta minha tendência para levar as coisas à letra (é que eu sou Touro, de signo, não sei se estão a ver). Claro que a vaca não tinha desaparecido na baixa.
Tem andado desaparecida, palpitei então, praticamente não tem saído, não é. Sim, sim, muito trabalho, um trabalho imenso, mas ontem, veja lá a coincidência, saíu. Tinha ido com duas amigas a um restaurante, a um restaurante chinês. Madame Castafiori gosta dos sabores do mundo.
Que bom, ir a meio da semana a um restaurante chinês, atirei como quem rabisca num guardanapo de papel. E o jantar foi bom? Sim, mas um bocado tenso, respondeu. Sorri. Aquele 'mas' era crucial, a partir dali sabia que uma história me esperava e todos sabemos que uma história de Madame Castafiori não é uma historia, é uma aventura, um mar nunca dantes navegado. Tenso ? Mas tenso porquê? Zangou-se com as suas amigas? Atrevi-me a palpitar, em cinco minutos apenas era a segunda vez que me dava ao luxo de um palpite, e Castafiori fez como se faz em casa alheia às crianças malcriadas: não respondeu. Utilizei também a arma do silêncio e recordo aqui que, vai não vai, a utilizo com Castafiori. Tornei-me uma perita. E assim sucedeu, embora por pouco tempo.
Na mesa ao lado, imagine - ah, ei-la de volta ao reino das vozes longíquas -, na mesa mesmo atrás de nós estavam duas pessoas que falavam altíssimo. Detesto gente assim. Mas estavam zangadas, as pessoas? Não cheguei a perceber. Mas de que falavam, as pessoas? Duma vaca, foi a resposta seca de Madame Castafiori. A palavra 'vaca' ouvida da boca de Castafiori não sugere imediatamente esse animal ruminante mas qualquer coisa do submundo, inacessível por isso, ou qualquer coisa só imaginável num universo paralelo. Se quisesse usar o dito fácil diria que tínhamos chegado à vaca fria.
Mas eu estava demasiado intrigada - reconheço que Madame sabe despertar o meu lado felino. Esqueci o dito fácil e mergulhei no assunto. O assunto não podia ser mais prometedor. É o mínimo que se pode dizer do desaparecimento de uma vaca na baixa lisboeta. Na baixa lisboeta?! Articulei com a serenidade possível. Não delire, riu-se Castafiori.
Eu conheço aquele riso. Aquele riso arrastava consigo uma data de possibilidades: a vaca não tinha desaparecido na baixa; ela não estava num restaurante chinês na baixa; ela estava num restaurante chinês mas não na baixa; ela estava num restaurante na baixa mas não chinês, ou ela não estava sequer na baixa e, quem sabe, nem sequer estivesse com as duas amigas. Mas uma coisa aquele riso eu sabia que significava: mais uma vez eu tinha caído na armadilha e mais uma vez Castafiori tinha abusado desta minha tendência para levar as coisas à letra (é que eu sou Touro, de signo, não sei se estão a ver). Claro que a vaca não tinha desaparecido na baixa.
to be continued
8.6.07
o jogo
Ele não aluga mas um gajo pode tentar, não é? Claro, pode-se tentar mas ele não aluga. É pá, mas alinhas ou não? Um gajo chega lá assim por volta das nove e meia, tu já sabes que não é barato, barato não é, depois não venhas cá com coisas. Se é o preço que disseste não, nada barato, mas diz lá a tua ideia. Então um gajo chega lá tipo nove e meia, dez, temos que partir é daqui cedo, 'tás a ouvir? É pá, sim, estou a ouvir, não é preciso explicares-me o que é que é levantar cedo, cedo levanto-me eu todos os dias. 'Tá bem, é só p'ra estares prevenido, p'ra depois não vires cá com coisas. Mas vou-te contar a melhor: quando falei com ele, ele perguntou-me se algum de nós sabia jogar e eu disse que saber, saber, não sabíamos, vá lá, mas um gajo ajeita-se. Ouve, tu não me metas em números, vamos lá só para curtir. Eu tenho dois dedos de testa, pá, o que é que tu pensas, mas, pronto, um gajo também não gosta de passar por parvo e eu disse-lhe: tá bem, a gente não sabe jogar, mas tu sabes, podemos jogar todos contra ti. Tu disseste-lhe isso? Disse. É pá tinha que o calar, é que ele aí ficou calado. É pá, mas é um bocado caro. Calado que nem um rato. É pá deixa lá o rato, tás a ouvir o que eu estou a dizer? Concordas comigo, é um bocado caro. 'Tou a ver que contigo não se consegue combinar nada, sempre com coisas, há meia hora que estás a dizer que é caro, que é caro sabe a gente desde o princípio, p'ra que é que estás aí com essas coisas, 'tás-te a cortar, é? Quem, eu? Eu só preciso de duas balas.
7.6.07
6.6.07
repetições
"Eu amava perdidamente a Condessa de ...; tinha vinte anos e era ingénuo; ela enganou-me, eu zanguei-me, ela deixou-me. Eu era ingénuo, sentia a falta dela; tinha vinte anos, ela perdoou-me; e como eu tinha vinte anos, como eu era ingénuo, sempre enganado, mas não abandonado, imaginava-me o amante mais amado e daí, o mais feliz dos homens..."
Point de Lendemain, Dominique Vivant Denon (1747-1825),
citado por Milan Kundera em "A Arte do Romance", no texto "Sessenta e sete palavras", dicionário das palavras-chaves que, segundo o próprio, percorrem os seus romances e a sua estética do romance.
J'aimais éperdument la comtesse de *** ; j'avais vingt ans, et j'étais ingénu ; elle me trompa ; je me fâchai ; elle me quitta. J'étais ingénu, je la regrettai ; j'avais vingt ans, elle me pardonna ; et comme j'avais vingt ans, que j'étais ingénu, toujours trompé, mais plus quitté, je me croyais l'amant le mieux aimé, partant le plus heureux des hommes. on-line
Point de Lendemain, Dominique Vivant Denon (1747-1825),
citado por Milan Kundera em "A Arte do Romance", no texto "Sessenta e sete palavras", dicionário das palavras-chaves que, segundo o próprio, percorrem os seus romances e a sua estética do romance.
J'aimais éperdument la comtesse de *** ; j'avais vingt ans, et j'étais ingénu ; elle me trompa ; je me fâchai ; elle me quitta. J'étais ingénu, je la regrettai ; j'avais vingt ans, elle me pardonna ; et comme j'avais vingt ans, que j'étais ingénu, toujours trompé, mais plus quitté, je me croyais l'amant le mieux aimé, partant le plus heureux des hommes. on-line
5.6.07
4.6.07
3.6.07
2.6.07
O Silêncio [ da Mulher Três ]
[numa freguesia vizinha; fim de tarde, esplanada, com o 'Correio da Manhã' a passar de mão em mão numa mesa de 3 mulheres e um homem]
[Mulher Dois] Quem é que vem comigo a Queluz de Baixo? Daqui a nada a oficina fecha. [Mulher Um] Esta matou o marido e foi absolvida. [Mulher Dois] Também não era preciso matá-lo. [Homem] Pudera, levava porrada todos os dias. [Mulher Dois] Sempre que há violência doméstica absolvem. [Homem] Até é para admirar, há muitos casos destes e vão à mesma presas. [Mulher Dois] Desculpa, mas com violência doméstica absolvem. [Homem] Não absolvem. [Mulher Dois] Absolvem. [Mulher Um] Pronto. Deve ter sido em legítima defesa. [Homem] Ela naquele dia disse, hoje não levo só eu. E matou-o. [Mulher Dois] O que é que ele queria?
[a Mulher Três agarra no jornal e vai entregá-lo no balcão]
[Mulher Dois] Bom, daqui a nada a oficina fecha. Quem é que vem comigo a Queluz de Baixo?
[Mulher Dois] Quem é que vem comigo a Queluz de Baixo? Daqui a nada a oficina fecha. [Mulher Um] Esta matou o marido e foi absolvida. [Mulher Dois] Também não era preciso matá-lo. [Homem] Pudera, levava porrada todos os dias. [Mulher Dois] Sempre que há violência doméstica absolvem. [Homem] Até é para admirar, há muitos casos destes e vão à mesma presas. [Mulher Dois] Desculpa, mas com violência doméstica absolvem. [Homem] Não absolvem. [Mulher Dois] Absolvem. [Mulher Um] Pronto. Deve ter sido em legítima defesa. [Homem] Ela naquele dia disse, hoje não levo só eu. E matou-o. [Mulher Dois] O que é que ele queria?
[a Mulher Três agarra no jornal e vai entregá-lo no balcão]
[Mulher Dois] Bom, daqui a nada a oficina fecha. Quem é que vem comigo a Queluz de Baixo?
1.6.07
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