Vamos lá esmiuçar mais uma temporada de Doctor Who, que teve muito que se lhe diga...
Contexto
A temporada anterior foi a primeira de Peter Capaldi no papel de Doctor. Depois de Matt Smith como um brincalhão e saltitão Eleventh Doctor, foi-nos prometido um Doctor mais sério; e foi o que aconteceu. De tal forma que choveram críticas à nova encarnação da personagem, que demonstrou muito cedo ter uma personalidade muito diferente das dos seus antecessores imediatos.
Aliás, poucos episódios depois de começar a oitava temporada, era difícil não fazer paralelos com alguns dos Doctors da série clássica, já que este Twelfth Doctor transmitia muito mais uma sensação de veterano e velho rezingão.
Para mim foi uma óptima mudança, e não demorei muito a ficar convencido de que o actor tinha sido bem escolhido. Mas ainda assim, e por mais a oitava temporada me tenha tentado convencer que este novo Doctor era mesmo, mesmo badass e todo dark, os episódios ficaram um pouco aquém, de uma forma geral. As histórias repetiam-se, as reviravoltas já não surpreendiam, e era possível apontar os tiques de Moffat com demasiada frequência.
Houve certamente uma mudança em termos de tom, mas não em termos de direcção. A série continuava a seguir o mesmo caminho, só que de outra perspectiva, o que criou excelentes momentos, mas falhou em ser algo mais.
Aprendizagem
No entanto as coisas mudam. E se há algo de bom (e mau) nesta era da Internet, é a quantidade de feedback que os espectadores dão de imediato. Ainda o episódio não acabou, e já há malta a disparar por todos os lados.
Alguém com paciência (ou que tenha esse trabalho) pode filtrar as alarvidades e perceber a opinião real das pessoas. E parecia que era o que o Moffat tinha feito! Apesar da escolha questionável de manter Jenna Coleman no papel de companion durante mais uma temporada, começaram a surgir notícias promissoras: uma temporada repleta de two-parters, um Doctor mais seguro de si próprio, rumos sobre o regresso de Gallifrey... Prometia!
E sabem o que aconteceu com o primeiro episódio? Fiquei satisfeito. Superou as minhas expectativas e deixou-me capaz de dizer "estás perdoado, Moffat". Sim, foi assim tão mais incrível do que aquilo a que o argumentista já nos tinha habituado. Depois veio o segundo episódio, e a tendência manteve-se. O formato de two-parter assentou que nem uma luva, o tom das histórias tornou-se finalmente no tom certo, Capaldi esteve excelente e a Missy voltou. Nem sequer dei pelos tiques habituais, portanto tudo apontava que Steven Moffat tivesse aprendido a lição!
O desenrolar dos acontecimentos
O que aconteceu foi que as histórias, tirando duas, se mostraram boas. Realmente boas. Bem feitas, bem exploradas, bem montadas, bem escritas, bem tudo. As críticas continuaram a chover, mas a malta diz mal por tudo e por nada. Se não tem two-parters é porque não tem, se tem é por tem, se isto é porque isto, se aquilo é porque aquilo. Há sempre alguém a dizer violentamente mal de alguma coisa.
Já eu, que me considero um connoisseur de Doctor Who, fiquei bastante agradado. As histórias foram interessantes e cativantes, as personagens secundárias raramente foram mera carne para canhão, a personagem do Doctor evoluiu mas não se distanciou da oitava temporada de forma ridícula, e a direcção que a narrativa tomou esteve em sério risco de ser excelente.
Se houve um problema, para além da desgraça inenarrável de The Woman who Lived e da confusão de Sleep No More, foi a caracterização de Clara, que fez uma viragem brusca e agressiva e arriscou deitar tudo a perder. O que Moffat queria era forçar-nos a ideia de que depois de uma temporada a tornar-se cada vez mais parecida com o Doctor, Clara estava demasiado parecida com o Doctor e a tomar demasiado riscos.
Tudo envolvido numa nuvem de foreshadowing do fim da personagem. Mas as coisas correram bem. A personagem de Clara irritou-me, mas sempre me irritou um bocadinho. Foi então que chegámos a Face the Raven...
O princípio do fim
O décimo episódio, logo a seguir ao fraco e desnecessário Sleep No More, tinha de valer a pena. E valeu! Com algum do melhor e mais coeso storytelling a que a temporada teve direito, o regresso de um Rigsy bastante diferente da sua aparição em Flatline, na temporada passada, o regresso de Ashildr Me, que continuou supérflua, mas que pelo menos já foi interessante e relevante para o enredo, e inspirações potterianas um bocadinho por todo o lado, até eu fiquei surpreendido. O episódio foi bom!
Não só matou a Clara (finalmente!) como terminou de uma forma brutal: Me engana o Doctor de forma a ficar-lhe com a chave da Tardis e a teletransportá-lo para um destino incerto a mando de alguém. Isto logo a seguir à nova atitude excessivamente destemida de Clara lhe ter reservado um final trágico. Aquilo que surgiu foi um Doctor muito zangado, com Capaldi a conseguir transmitir uma fúria de 2000 anos com muito poucas palavras, um olhar mortífero e um tom de voz calmo.
Uma clara diferença relativamente ao Eleventh Doctor, com os seus grandes discursos e postura maior que o mundo. Mas igualmente eficaz, ou até mais, já que desde o Ninth Doctor de Christopher Eccleston que eu não via tanta fúria e tanta pesar na personagem.
O final termina com o Doctor a ser teletransportado depois de ameaçar abertamente Me e deixar prever o caminho negro que se preparava para seguir.
Uma obra-prima
A semana seguinte trouxe Heaven Sent, um clássico instantâneo e um dos melhores episódios de Doctor Who de sempre. Preso num castelo misterioso, com ares de Hogwarts, sem fazer a mínima ideia de como lá foi parar, e com um monstro igualmente misterioso a persegui-lo lentamente mas sem nunca parar, o Doctor não compreende o que se passa.
Os minutos que se seguem mostram que Moffat ainda tem muitas ideias primorosas dentro daquela cabecinha, e que vai ser sempre uma força a ter em conta no universo de Doctor Who. Um episódio em que a única personagem é o Doctor, com uma série de conceitos absolutamente fantásticos, e um loop muito à là Moffat... Não há como não ficar impressionado!
E depois vem o final. A grande revelação e a conclusão de que o sítio onde o Doctor chega, depois de escapar do castelo misterioso, é Gallifrey. Finalmente! Quase consegui ouvir as milhões de exclamações por esse mundo fora, por verem o planeta dos Time Lords a aparecer no programa (pós-2005), de forma decente!
Gallifrey falls... no more!
Hell Bent. O final da nona temporada, e o regresso de Gallifrey. O episódio que podia mudar tudo. Uma primeira metade absolutamente fantástica, com tudo aquilo que eu podia desejar... E uma segunda metade que arruina tudo. Depois de uma temporada inteira a conter-se, Moffat consegue trazer aquilo que tem de pior ao de cima, e torna toda a temporada e toda a carga emocional e de evolução da personagem do Doctor em algo sobre a Clara.
Sim, ouviram bem. Não é só Gallifrey que regressa, é também Clara, graças a um esquema duvidoso que deixa perceber que tudo o que se passou até agora foi apenas um plano elaborado para resgatar a resgatar. Haja paciência.
O final até não foi das piores coisas de sempre, mas Moffat trouxe Gallifrey de volta, introduziu uma série de personagens novas e de momentos interessantes, como a postura silenciosa do Doctor, que leva a uma revolução igualmente silenciosa que faz dele o Presidente de Gallifrey, graças ao seu estatuto de herói de guerra... Para depois se focar inteiramente na sua companion fetiche, que deve ser, em termos objectivos, a personagem mais importante e envolvida no canon de Doctor Who tirando o próprio Doctor.
Moffat conseguiu ser a criança birrenta que quer ter a mão em tudo, e fê-lo através de Clara, que não só entrou na timestream do Doctor para o salvar durante a sua vida toda, como conseguiu sacar regenerações aos Time Lords, inspirar um Doctor juvenil e agora ser o motivo pelo qual o Doctor chega a Gallifrey.
Nem tenho muitas razões de queixa do episódio: foi bom, de uma forma geral, mas podia ter sido excelente. Era só continuar na mesma onda da primeira metade, na mesma onda da temporada até ao momento... E Moffat estragou.
Mas pelo menos trouxe Gallifrey de volta. Espero é que seja algo mais permanente do que só para este episódio...
Conclusão
Por muito que me queixe, a temporada foi boa. Atrevo-me até a dizer que foi excelente. Não há nada como terminar tantos episódios a pensar "ah, caraças, assim vale a pena". Moffat esteve bem, apesar de tudo, e diz-se que continua para a próxima temporada. Desde que tenha tomates para continuar na mesma onda, mas com menos momentos como a última meia hora de Hell Bent, e ainda formar e escolher o seu sucessor...
O balanço final é que tem de ser positivo, por muito que me apeteça penalizar a temporada pelo descarrilamento final. Ainda por cima sou parcial, quando se fala desta série. O que é que eu posso fazer... Venham mais!
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