Iphan-RJ

Este artigo pretende analisar o contexto histórico da atribuição de valores aos bens culturais imóveis na cidade de Cabo Frio/RJ, tendo como ponto central da discussão a formação e construção do que hoje se conhece por Conjunto Paisagístico de Cabo Frio, tombamento realizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, em 1967. Pretende-se, através da pesquisa, apontar a diversidade de valores atribuídos ao conjunto ao longo do tempo, de maneira a possibilitar a identificação de suas lacunas frente aos conceitos de preservação em voga na atualidade, tendo como base de análise as modificações de paradigmas da instituição nos trabalhos e estudos de tombamento, bem como a evolução do pensamento internacional sobre o tema da preservação, retratado por meio das Cartas Patrimoniais. Identificados os atributos que sustentam estes valores e as lacunas da área protegida frente à significância ainda latente, pretende-se apontar diretrizes para a composição de um novo conjunto tombado que reflita em sua plenitude os valores do que se entende por Sítio Histórico Urbano de Cabo Frio, especialmente aqueles não contemplados no acervo atualmente tombado pelo IPHAN.

Livro contendo 8 artigos científicos sobre a história de Cabo Frio, em vários aspectos, lançado pelo MART-IBRAM em celebração aos 400 anos da fundação da cidade, alcançados em Novembro de 2015.


Texto de apresentação do Livro:

O Museu de Arte Religiosa e Tradicional de Cabo Frio – marté uma instituição de grande destaque na baixada litorânea fluminense. Vinculado ao Instituto Brasileiro de Museus – Ibram, o mart está instalado em um edifício datado de 1686, que abrigou a Igreja e o Convento de Nossa Senhora dos Anjos, bem como o primeiro colégio do município. Possui um rico acervo de arte sacra e mobiliário, que testemunha a história da região e da cidade,
a sétima mais antiga do Brasil.

Para além dessa importância histórica, o mart – principalmente após sua reabertura em 2015, ano em que Cabo Frio comemorou 400 anos de criação – tem buscado assumir um protagonismo na cena cultural da cidade, a partir de uma política cultural enraizada e interessada na vida social, política e econômica
da sociedade, e de uma concepção de museu parceiro da comunidade, sempre em construção, aberto às novas memórias que estão por vir.

A presente publicação reforça as trilhas desse caminho, oferecendo um amplo panorama dos quatro séculos das múltiplas histórias e personagens de uma cidade das mais representativas da diversidade do patrimônio cultural brasileiro. Parabenizo todos os responsáveis e participantes desta publicação, que vem coroar o belo trabalho de pertencimento realizado pelo museu nos últimos anos.

Este artigo pretende discorrer sobre a 1ª fase das obras de Restauração da Antiga Estação Ferroviária de São Pedro da Aldeia, ocorrida no período de 2010-2011. A cargo do IPHAN-RJ, através de seu Escritório Técnico na Região dos Lagos, a obra marca o início da atuação do IPHAN-RJ na preservação de bens edificados do patrimônio ferroviário fluminense. Inaugurada no mesmo ano em que nascia o próprio IPHAN, em 1937, marcada por forte influência Art-decó e situada no limiar da transição das arquiteturas portantes para a geração do concreto armado, a estação de São Pedro da Aldeia, ao longo de seu processo de preservação – desde os levantamentos até as obras – foi objeto catalisador de um rico debate sobre questões relacionadas à autenticidade e ao respeito aos materiais, desvelando faces de um patrimônio ferroviário cujo tratamento deve estar atento a aspectos muitas vezes singelos, porém representativos de seu papel no transcurso de nossa história.

Publicação elaborada e destinada aos moradores e proprietários de imóveis inseridos na área de tombamento do Centro Histórico de Alcântara. Distribuída aos moradores do centro histórico, aborda de maneira prática aspectos relativos ao tombamento e a todas as regras que a legislação determina para essa área. Não se pretende simplesmente apresentar problemas, mas também soluções e diretrizes técnicas simples que auxiliem proprietários e moradores, em geral, do Centro Histórico quando o assunto é reformar e
construir.No seu conteúdo, inicialmente faz uma aproximação ao tema, apresentando um histórico da área, as principais características da arquitetura e a legislação específica que rege a atuação dos gestores na preservação. Em seguida, aborda diversas dicas técnicas de preservação de edificações históricas, em texto ilustrado, passo a passo, com indicação de materiais básicos de manutenção.
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Publicada pelo Iphan/MA, em 2009.

Artigo publicado na versão impressa do Jornal Folha dos Lagos, em 17-09-2016.

Reflete sobre a relevância do tombamento da Casa da Flor, como reforço à transformação da narrativa dos bens tombados brasileiros, no sentido de maior representatividade da diversidade, em especial das populações negras.

Sinopse da Editora:

O foto-documentário "#400VezesCaboFrio: memória e território em 400 imagens e centenas de olhares" foi composto por 20 mostras temáticas colaborativas e nasceu em ambiente digital, através de um projeto desenvolvido no Instagram com a participação de mais de uma centena de fotógrafos diferentes. Iniciado e executado inteiramente em rede, a própria edição da obra foi fomentada por uma campanha de crowdfunding (financiamento coletivo).

Resulta deste processo um discurso visual colaborativo sobre Cabo Frio, numa inédita e belíssima homenagem à cidade. Concebido e coordenado pelo arquiteto e fotógrafo Ivo Barreto, em parceria com o também fotógrafo Junior Silgueiro, o projeto que durou um ano constrói um recorte visual extremamente denso e valioso para se compreender os 400 anos de história de Cabo Frio. Ancorando-se numa percepção atenta do cotidiano e dos diálogos contemporâneos e encarando um desafio surpreendente, Ivo e seus parceiros de curadoria enxergaram a oportunidade de desvendar através dos registros fotográficos a memória oculta desse território num trabalho inovador, interativo e promissor."

Fonte: http://www.escrituras.com.br/products.php?product=%23400VezesCaboFrio%3A-mem%C3%B3ria-e-territ%C3%B3rio-em-400-imagens-e-centenas-de-olhares

O presente artigo tem por objetivo estabelecer as diretrizes e a metodologia a serem implementados para o monitoramento da conservação e sobretudo, da estabilidade estrutural, dos elementos constitutivos da Casa da Flor, em São Pedro da Aldeia. Edificação em taipa-de-mão, a construção foi erguida em 1912 por Gabriel Joaquim dos Santos, um trabalhador de salinas e descendente de ex-escravos da região. Usado desde cedo como sua residência, ao longo de aproximadamente 60 anos o autor ornamentou a casa com cacos de cerâmica, pedaços de jarros, telhas, conchas e toda monta de materiais de refugo, compondo uma obra plasticamente única e de expressividade artística inegável. Em razão dos valores e significados atribuídos à obra, a edificação foi tombada pelo Inepac (1987) e pelo Iphan (2016). Construída sobre um promontório íngreme, foram constatadas, por volta de 2010, trincas severas na edificação, apontando um possível recalque de terreno, o que poderia levar a delicada edificação ao colapso. Comprovada a hipóteses, em 2013 foi realizada obra de reforço estrutural, com acompanhamento de técnicos do Iphan e Inepac, implementando-se, dentre outras ações, processo de substituição da fundação em terreno batido por uma nova, em solo cimento, em meticulosa execução. Dada à fragilidade da construção, é imperativo que seja feito o monitoramento da conservação de seus elementos, com vistas a monitorar o resultado do reforço estrutural realizado. Para tanto, pretendemos analisar as áreas nas quais as intervenções foram feitas, a morfologia do sítio e da edificação, a fim de se estabelecer os pontos frágeis e passiveis de impacto imediato, em caso de novas movimentações, delineando-se um método eficiente de monitoramento da conservação material do bem. Pretende-se, para tanto, apresentar uma proposta partindo-se da premissa de utilização da técnica do Laser Scanning (mapeamento 3D por nuvem de pontos) no campo de trabalho do patrimônio cultural, considerando suas características e e potencialidades tecnológicas contemporâneas.

A publicação cria, dentro da estrutura de trabalho do Iphan-RJ, uma instância de participação coletiva na gestão do Patrimônio Ferroviário do Rio de Janeiro, a cargo do Iphan, definindo diretrizes objetivas para a atuação conjunta Iphan e Sociedade, representada pelas entidades de preservação ferroviárias existentes, muitas delas há décadas.

Trata-se de uma experiência pioneira na gestão compartilhada do processo de proteção e gestão do acervo ferroviário que reconhece o pioneirismo da própria sociedade no trato destes acervos específicos, bem como sua cabal relevância para a efetividade da troca de conhecimento, circulação de informações e conhecimento das nuances de valor dos bens oriundos da extinção da Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA, regidos por lei específica de proteção.

Artigo publicado nos Anais do Primer Congreso Internacional Sobre Conservación de Sitios Mixtos (Puebla, México)

El presente trabajo tiene el propósito de discutir la viabilidad de la implementación de una metodología de monitoreo de la conservación, observando los requisitos de los desafíos de la gestión del Iphan-RJ.
Para ello, se pretende desencadenar el argumento de un debate inicial sobre el uso de la noción de ‘Significación Cultural’ propuesto por ICOMOS Australia en la Carta de Burra (1999), responsable por una importante mejora en las posibilidades para el reconocimiento de los valores de los sitios patrimoniales, en la medida en que atributos en los materiales, como los aspectos simbólicos sociales, fueron admitidos por el concepto como portadores de valores culturales. Como resultado, hemos visto una extensión del concepto de conservación, cuyo objetivo central es el mantenimiento de Significación Cultural y, como consecuencia, de los diversos aspectos de conservación de distintas naturalezas, siendo la "materia" uno de ellos.
Se pretende, por lo tanto, recuperar este concepto a la luz de una seria crítica: la manera estática por la cual se ha utilizado la Significación Cultural, sin admitir la transformación y el cambio de valores que la componen, direccionando la gestión de la conservación por una única mirada, la del despacho de los técnicos del patrimonio.
Hecho esto, pasamos a presentar los aspectos fundamentales de la metodología para el monitoreo de la conservación intitulada Indicador del Estado de Conservación Sustentable para Sitios Patrimonio Mundial – Isc, propuesto por Hidaka (2011). Admitiendo este como base metodológica segura que busca superar los comentarios citados, vamos a buscar alternativas para la adaptación, modificación y ajustes de Isc (su método y pasos), construyendo una hipótesis de herramienta moldeada a la realidad de la Superintendencia del Instituto del Patrimonio Histórico y Artístico Nacional en Rio de Janeiro - Iphan-RJ, que denominaremos en el texto por IscRJ.
Por último, para demostrar la aplicación de los resultados de la reflexión a un conjunto representativo de la gama de bienes de la región de Rio de Janeiro, trataremos el Conjunto Paisajístico de Cabo Frio, sitio mixto catalogado como patrimonio cultural nacional, bajo la tutela del Iphan, desde 1967. Presentando las definiciones de la Significación Cultural, se pretende identificar las directrices para la identificación de los atributos de valor, en la búsqueda de una estructura modelo para un cuestionario de campo para el IscRJ.

Resumo Proposta como uma reação a uma postura excessivamente apoiada na materialidade dos bens culturais, o conceito de Significância Cultural proposto pelo ICOMOS Austrália na Carta de Burra (1979-1999) consolidou um grande avanço nas possibilidades de reconhecimento de valores dos sítios patrimoniais. Após séculos de evolução, o campo da preservação abria um justo espaço para que atributos não materiais, como os aspectos simbólicos ou sociais, figurassem como vetores do reconhecimento de valor. Conservar um sítio, passou, então, a selar um compromisso com a manutenção da Significância Cultural e a " matéria " passou a ser compreendida como um dos muitos aspectos da sua conservação. Passados aproximadamente 15 anos desde a versão mais recente da Carta de Burra (ICOMOS, 1999) o conceito de Significância Cultural se consolidou, influenciando diretamente até mesmo a política internacional de preservação, vendo-se refletida em quesitos obrigatórios de candidaturas à Lista do Patrimônio Mundial (WHL), com especial destaque à Declaração de Valor Universal Excepcional (UNESCO, 2014). Sem deixar de reconhecer a importante colaboração do uso deste conceito, neste período algumas críticas construtivas foram sendo formuladas, dentre as quais podemos destacar: (a) a manutenção exclusiva dos especialistas na condução do exercício de reconhecimento de valor e (b) a maneira cristalizada pela qual a Declaração de Significância tem sido utilizada, contrariando a sua própria genesis (MASON, 2004; VIÑAS, 2003): se reconhecemos a Significância como um processo cultural, sua existência está ancorada justamente na expectativa de mudança ao longo do tempo, segundo se transforma o olhar dos grupos envolvidos no reconhecimento de seus signos e valores. Na prática da conservação, sobretudo nas culturas ocidentais, ainda encontra espaço considerável no discurso de restauradores e arquitetos especialistas em preservação, uma narrativa que justifica as decisões pela busca da autenticidade (ou busca da verdade) e uma ancoragem profunda ao que a Teoria Contemporânea da Restauração denominou " fetichismo material " (VIÑAS, 2003), sendo a matéria dita original soberana nos processos de escolha dos percursos da restauração. Embora amplamente difundida, tratamos aqui de uma postura cuja predominância tende a defletir uma curva descendente. Em uma sociedade cada vez mais complexa e permeada por novas ferramentas de comunicação e troca dialógica, figura no compartilhamento do papel decisório, aliada à pesquisa continuada sobre a relação do homem e o meio, uma das saídas mais pertinentes e necessárias à gestão dos bens culturais para que se possam preservar valores que reflitam a leitura de uma sociedade, e não apenas a visão de técnicos do patrimônio. Tratamos também da única via possível para um diálogo efetivo com conceito de sustentabilidade no campo do patrimônio, tratado, porém, em seu aspecto mais interessante (e não financeiro): a " capacidade do objeto para seguir satisfazendo os gostos e necessidades intangíveis de usuários futuros " (AVRAMI et al, 2000 apud VIÑAS, 2003).

Artigo publicado na versão impressa do Jornal Folha dos Lagos em 25-04-2016.

O texto, acompanhado de matéria feita pelo jornal sobre o livro em preparação, apresenta o foto-documentário colaborativo que documentou Cabo Frio pelo olhar de mais de 120 fotógrafos diferentes, refletindo sobre as possibilidades de diálogo e interpretação que o processo pode possibilitar.

Dissertação de Mestrado (PROARQ/ FAU/ UFRJ, 2017)  |  RESUMO : Construção singela em taipa, situada em bairro periférico entre São Pedro da Aldeia e Cabo Frio, interior do RJ, a Casa da Flor (1912) ganhou notoriedade pela incomum e surpreendente ornamentação engendrada por seu autor: por 62 anos (1923-1985), a partir de toda monta de materiais desprezados, Gabriel Joaquim dos Santos recobriu a edificação com painéis e ornatos, originando composições complexas, de uma beleza desconcertante. Por seu caráter e potência artística, a obra foi historicamente aproximada à produção de figuras como o catalão Gaudí e naturalmente reconhecida dentre as Arquiteturas Fantásticas (FUÃO, 1999; ZALUAR, 2012). Em 1983 foi declarada patrimônio cultural pelo INEPAC e, mais recentemente (2016) pelo IPHAN.
Embora a matéria seja tema preponderante, são eloquentes as heranças compartilhadas entre a obra, Gabriel e o seu espaço social (SOUZA, 2013), enraizado ao aldeamento jesuítico, embrião da cidade (1617-1877): negro, nascido ainda em 1892, Gabriel era lavrador e operário da inclemente rotina das salinas, motores da elite econômica local no período. Descendente imediato da última geração de negros escravizados e de índios aldeados, é neste contexto que produz sua obra, apontando-a como argumento da “força da pobreza” (SANTOS apud ZALUAR, 2013, min. 6:00 – 6:06).
Diante de tais indícios e admitindo que valores originam-se de um acordo entre sujeitos, sendo, pois, passíveis de transformação (MUÑOZ VIÑAS, 2003), o presente trabalho desloca-se da matéria e dedica-se à matriz de valores que conecta obra e o território no qual se insere, na busca por suprir, pela costura de suas imatérias, uma estratégia de preservação mais abrangente, integrada e flexível, como a obra requer.

Terceiro volume de coletânea do Iphan-RJ historicamente dedicada à publicar artigos resultantes de conferências de profissionais dedicados a campos variados da preservação, sejam eles pesquisadores do quadro do Iphan ou, especialmente, externos à instituição.

Neste volume, conferências realizadas nos anos de 2005 a 2007.

Situado na Enseada de Paraty Mirim, às margens da Baía da Ilha Grande, estão os remanescentes da antiga fazenda de escravos. Do conjunto setecentista tombado pelo IPHAN restam a Casa Grande, a Senzala, as ruínas do Mercado de Escravos e a Igreja de N. Sra. Da Conceição. Esta última, datada de 1720, dava solução à bula papal que proibia a venda de escravos não batizados. A rota para Paraty Mirim, por economizar até 2 meses de viagem, evitar as autoridades e estar mais próximo das Minas Gerais, fez do local o portão clandestino do redescoberto Caminho do Ouro.
Denominado Atyguazu ("Grande Reunião", em guarani), este projeto tem como objetivo geral viabilizar a implantação, neste emblemático conjunto histórico, do Fórum Permanente das Três Culturas (FPTC). Pretende-se com isso, além do resgate e recuperação do importante acervo arquitetônico, a criação de um espaço de difusão, vivência, reflexão, estudo, fruição e, principalmente, manifestação das Culturas Tradicionais, Guarani M´byá, Quilombola e Caiçara, presentes na região da APA do Cairuçu Trata-se de uma resposta ao estado em que se encontram estas comunidades, esquecidas ou sob risco de desaparecimento, despejadas nas periferias crescentes da cidade de Paraty ou áreas de preservação do município.
A reinserção social do conjunto histórico de Paraty Mirim significa muito mais que a sua simples preservação física. Trata-se de um convite real à união dos processos de preservação material e imaterial de bens relevantes da cultura brasileira. Como numa relação de mutualismo, a preservação do bem material torna-se via de fortalecimento das culturas tradicionais locais e incentivo ao seu auto conhecimento, propiciando locus perfeito para sua manifestação.
Utilizando para isso a antiga sede da fazenda de escravos ali remanescente, uma inversão de valores é provocada. Anteriormente símbolo da dominação das culturas tradicionais citadas, sempre fechada à presença destas, o referido conjunto se converte no palco principal de sua manifestação, passando a sediar apresentações musicais, reuniões comunitárias, cursos e aulas. Retira-se o véu da opressão e o acesso universal, antes rechaçado, passa a dar vida a seu interior.
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Artigo escrito em 2010, publicado em 2014.
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Notícia do lançamento: http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/2152

Catálogo de exposição de mesmo título, realizada pelo IPHAN/MA no Museu Casa Histórica de Alcântara - IBRAM, em 2007, tratando da apresentação da cultura material resultante dos saberes imateriais ainda preservados no vastíssimo território quilombola de Alcântara, no Maranhão.

Trecho do texto de introdução catálogo:

[...] numa organização lúdica, guiam o percurso desta mostra e de seu catálogo a riqueza dos materiais locais, ingredientes da beleza plástica de cada peça: a terra crua, a água abundante, o barro, a madeira, a palha, as sementes e, por fim, os sentimentos apreendidos nas viagens pelo interior e extraídos de relatos emocionantes e imprevisíveis, nos quais franqueou-se a privilegiada oportunidade de vivenciar a sabedoria popular e sua pujança desapegada – além da receptividade calorosa – sedimentadas após centenas de anos num território chamado Alcântara.

Por fim, a montagem da exposição, ao final da pesquisa, apontava para algo mais elaborado do que se pensava. Percebeu-se que, uma vez retiradas de seu ambiente natural, as peças estudadas, muitas vezes, perdiam seu sentido ou não poderiam ser corretamente apreendidas pelo visitante. Dessa forma, optou-se por expor não apenas as peças sistematicamente, mas reconstruir, na medida do possível, as paisagens onde se inserem os processos produtivos encontrados. Apresenta-se, aqui, muito mais que uma mostra de artefatos artesanais arraigados na herança dada pelas matrizes afri-cana e indígena à cultura brasileira. Trata-se, também, de uma tentativa de imersão na essência da vida dos quilombos de Alcântara, valorização de suas peculiaridades e fortalecimento de sua identidade.

Construção singela em taipa, situada em bairro periférico entre São Pedro da Aldeia e Cabo Frio, interior do RJ, a Casa da Flor (1912) ganhou notoriedade pela incomum e surpreendente ornamentação engendrada por seu autor: por 62 anos (1923-1985), a partir de toda monta de materiais desprezados, Gabriel Joaquim dos Santos recobriu a edificação com painéis e ornatos, originando composições complexas, de uma beleza desconcertante. Por seu caráter e potência artística, a obra foi historicamente aproximada à produção de figuras como o catalão Gaudí e naturalmente reconhecida dentre as Arquiteturas Fantásticas (FUÃO, 1999; ZALUAR, 2012). Em 1983 foi declarada patrimônio cultural pelo INEPAC e, mais recentemente (2016) pelo IPHAN. Embora a matéria seja tema preponderante, são eloquentes as heranças compartilhadas entre a obra, Gabriel e o seu espaço social (SOUZA, 2013), enraizado ao aldeamento jesuítico, embrião da cidade (1617-1892): negro, nascido ainda em 1892, Gabriel era lavrador e operário da inclemente rotina das salinas, motores da elite econômica local no período. Descendente imediato da última geração de negros escravizados e índios aldeados, é neste contexto que produz sua obra, apontando-a como argumento da “força da pobreza” (SANTOS apud ZALUAR, 2013, min. 6:00 – 6:06). Diante de tais indícios e admitindo que valores originam-se de um acordo entre sujeitos – passíveis, portanto, de transformação (MUÑOZ VIÑAS, 2003) –, o presente trabalho desloca-se da matéria e dedica-se à matriz de valores que conecta obra e território no qual se insere, na busca por compreender onde se ancoram, valendo-se da costura das suas imatérias.