Estes dias uma amiga a modos que gozou comigo por eu ter usado uma palavra numa mensagem, que segundo ela parecia saída do Eça (já não consigo lembrar-me de qual, e a nossa conversa no WA vai tão longa que é impossível descobri-la agora), mas recordo que lhe respondi algo como "Que queres, gosto dessas palavras de antanho!" O facto é que na minha boca a gíria soou sempre a falso, mesmo na adolescência, enquanto esse vocabulário que caiu em desuso me sai naturalmente. E só me retraio porque sei que vai originar comentários como os dessa amiga acima mencionada. Mas por vezes não me aguento, e lá vai disso! Que querem? Acho essas palavras lindas, e preciosas, sobretudo por rarearem.
Não sei se mais alguém nota mas a língua portuguesa tem vindo a afunilar-se, parece que quanto mais estrangeirismos se adoptam, anglicismos para ser mais exacta, mais portuguesas são descartadas. Este mau-negócio, revela-se numa troca paupérrima, porquanto sabemos ser a língua inglesa muito limitada, e mais, comparativamente à nossa.
Quanto aos autores portugueses que vendem, nem vou pronunciar nomes que me dá náuseas, não devem, certamente, em nada contribuir para a elevação da língua, uma vez que não o fazem sequer com a elevação das ideias, para começar. Suponho eu, que não os leio, mas se estiver equivocada, corrijam-me por favor.
Portanto, isto é efectivamente uma marmotinha de rabo-na-boca, não se escreve, não se usa, ninguém fala, cai em desuso. Entretanto, isto de usar a língua na sua potencia máxima, ou ir na onda do que se fala agora (como diz a minha amiga, é estar no presente!), tem implicações reais como por exemplo, o decréscimo da inteligência; pelo menos é uma teoria que o justifica, o facto é que o Q.I. médio da humanidade está a cair, pela primeira vez na História, passo a transcrever, um um artigo de Christophe Clavé, para vossa apreciação:
«O QI médio da população mundial, que sempre aumentou desde o pós-guerra até o final dos anos 90, diminuiu nos últimos vinte anos. É a inversão do efeito Flynn. Parece que o nível de inteligência medido pelos testes diminui nos países mais desenvolvidos. Pode haver muitas causas para esse fenómeno.
Uma delas [das causas] pode ser o empobrecimento da linguagem. Na verdade, vários estudos mostram a diminuição do conhecimento lexical e o empobrecimento da linguagem: não é apenas a redução do vocabulário utilizado, mas também as subtilezas linguísticas que permitem elaborar e formular pensamentos complexos. O desaparecimento gradual dos tempos (subjuntivo, imperfeito, formas compostas do futuro, particípio passado) dá origem a um pensamento quase sempre no presente, limitado ao momento: incapaz de projecções no tempo.
A simplificação dos tutoriais, o desaparecimento das letras maiúsculas e da pontuação são exemplos de «golpes mortais» na precisão e variedade de expressão.
Apenas um exemplo: eliminar a palavra «signorina» (agora obsoleta) não significa apenas abrir mão da estética de uma palavra, mas também promover involuntariamente a ideia de que entre uma menina e uma mulher não existem fases intermediárias.
Menos palavras e menos verbos conjugados significam menos capacidade de expressar emoções e menos capacidade de processar um pensamento.
Estudos têm mostrado que parte da violência nas esferas pública e privada decorre diretamente da incapacidade de descrever as emoções em palavras. Sem palavras para construir um argumento, o pensamento complexo torna-se impossível. Quanto mais pobre a linguagem, mais o pensamento desaparece. A história está cheia de exemplos e muitos livros (Georges Orwell – “1984”; Ray Bradbury – “Fahrenheit 451”) contam como todos os regimes totalitários sempre atrapalharam o pensamento, reduzindo o número e o significado das palavras.
Se não houver pensamentos, não há pensamentos críticos. E não há pensamento sem palavras. Como construir um pensamento hipotético-dedutivo sem o condicional? Como pensar o futuro sem uma conjugação com o futuro? Como é possível captar uma temporalidade, uma sucessão de elementos no tempo, passado ou futuro, e sua duração relativa, sem uma linguagem que distinga entre o que poderia ter sido, o que foi, o que é, o que poderia ser, e o que será depois do que pode ter acontecido, realmente aconteceu?
Caros pais e professores: Façamos com que nossos filhos, nossos alunos falem, leiam e escrevam. Ensinar e praticar o idioma em suas mais diversas formas. Mesmo que pareça complicado. Principalmente se for complicado. Porque nesse esforço existe liberdade. Aqueles que afirmam a necessidade de simplificar a grafia, descartar a linguagem de seus “defeitos”, abolir géneros, tempos, nuances, tudo que cria complexidade, são os verdadeiros arquitetos do empobrecimento da mente humana.
Não há liberdade sem necessidade. Não há beleza sem o pensamento da beleza."
Christophe Clavé, cronista, professor