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terça-feira, 3 de junho de 2014

BACTÉRIAS CAUSAM DOENÇA?

Certa feita, atendi a uma mulher que veio à consulta apenas por curiosidade. Então, depois da anamnese (perguntas e respostas), fiz o exame físico e a análise iridológica (diagnóstico através da íris). A íris me dizia que havia algo sério em seus rins e que precisava de cuidados. Expliquei tudo a ela, que me olhou com um olhar de terrível descrédito e disse que havia acabado de fazer um checkup onde fizera as provas relacionadas a rins e tudo estava perfeitamente normal. Algo constrangido, insisti para que tomasse medidas de proteção, coisa que ela, naturalmente, recusou com firmeza.

O tempo passou e um dia tive a surpresa de vê-la no consultório. Fiquei curioso. Então me contou que seis meses após aquela malfadada consulta, sofreu um problema e perdeu um dos rins; o pior é que uma bactéria chamada Pseudomona aeruginosa lhe agredia o rim remanescente. Já usara todos os antibióticos disponíveis sem sucesso e estava desesperada.
Então lhe expliquei que para as práticas vitalistas em saúde a bactéria não era a causa da doença e sim um dos fatores dela. Para nós, elas têm seu papel, mas não são protagonistas. O que ocorre é que por conta de má alimentação, sedentarismo, estados psíquicos inadequados, entre outros fatores, o funcionamento orgânico se vê dificultado, resultando disso o acúmulo de substâncias inadequadas, pois a produção destas se vê maior do que a capacidade de eliminação do corpo. Este então lança mão das doenças agudas como forma de cura. Hipócrates, no século IV a.C. dizia que a doença aguda era o princípio da cura, pois esta é a forma que o corpo encontra de eliminar as toxinas (diluídas no muco que é produzido nas mucosas da boca, garganta, intestinos, brônquios, vias urinárias etc.) e assim tentar reencontrar o equilíbrio dinâmico que caracteriza a vida. Aí é que os vírus e bactérias entram. Estes seres se alimentam das substâncias que para o nosso corpo são lixo, do mesmo modo que as baratas e os ratos comem o lixo que produzimos em nossas casas. Ratos e baratas não criam o lixo, mas contribuem para mais sujeira quando há desequilíbrio ecológico, porque se multiplicam demais. Da mesma forma as bactérias.

Aqui não há espaço para detalhar melhor este importante assunto. Perguntas dos leitores ajudarão nisso. Mas importa dizer que ela entendeu. Então sugeri que precisava limpar o seu organismo para que não houvesse mais a necessidade de excesso de Pseudomonas.
Fez um rigoroso tratamento que envolvia a adoção de procedimentos hidroterápicos, geoterápicos, alimentares etc. e ficou livre do problema renal que a afligia. Dito melhor, já que para os vitalistas não existem doenças locais, ela ficou livre do problema orgânico geral que se manifestava localmente no rim.

Devo dizer que posto este comentário movido por reportagens que de quando em vez aparecem na mídia, alertando para a presença de superbactérias que resistem a todos os antibióticos e quem tem alguma doença associada a estas bactérias fica em situação muito difícil (alguns grupos de Stafilococus aureus, Neisseria gonorrheae, Klebsiella pneumoniae, NDM-1, Bacilo de Koch – relacionado à tuberculose – Escherichia coli). Isso não significa que eu seja contra o uso de antibióticos, sou contra o seu uso irresponsável e contra o seu uso sem o respeito pela economia orgânica, que é a regra vigente na forma como se pratica a medicina atualmente.
Este é um tema que merece mais que uma mera postagem, mas espero que esta seja tomada como alerta.


Recebam um abraço bacteriano de Aureo Augusto (rsrsrs).

segunda-feira, 30 de julho de 2012

PACIENTE IMPACIENTE


As denúncias de mal atendimento do poder público à saúde são inúmeras e o mais das vezes fundadas em fatos reais. Aqui em Palmeiras vivemos uma situação triste no quesito saúde. Os motivos são muitos, e nem sempre a corrupção tem o primeiro lugar como causa de desserviço. Inoperância, descaso, manipulações eleitoreiras, tudo isso tem o seu papel. Além da prefeitura, muitos funcionários não entendem claramente qual deveria ser o seu comportamento como servidores públicos e dão sua triste contribuição para que a população sofra. Porém hoje quero comentar algo relacionado com a pessoa a ser atendida, que também acaba por tratar mal a si mesma.
Há aqui uma mulher que acompanho há muitos anos e sempre me preocupou. Ela é simpática e desleixada com a saúde. Mais de 10 anos atrás quando tentei mostrar para ela o risco que corria pelo fato de ser jovem e hipertensa ela foi bastante debochada, usando frases do tipo “todo mundo um dia morre”. Aliás, tomou a mesma atitude com um colega, Dr. Ricardo, que acompanhou-lhe uma das gestações, e também se preocupou com a hipertensão (que na gravidez é algo sério). O tempo passou e outros médicos também se preocuparam e ela continuou descontinuando o uso das medicações...
Como esperado tudo foi piorando. Seu sofrimento fez com que voltasse a atenção para si mesma. Porém, em que pesem as admoestações do pessoal da saúde, nem sempre, ou quase nunca segundo a agente comunitária que a acompanha, seguia com rigor as recomendações dietéticas e medicamentosas.
Recentemente fortes dores de cabeça a fizeram vir ao posto. Por alguns dias tentei debalde, usando diversas medicações, reduzir os níveis tensionais de modo que a encaminhei para internação. A prefeitura providenciou transporte e internamento. Chegando à clínica, o cardiologista fez uma medicação e pediu que esperasse para verificar se seria necessário mesmo o internamento. Ela então aproveitou o transporte grátis para fazer compras em Seabra e retornou pra casa sem voltar na clínica.
No domingo encontrei-a na feira, ainda com dor de cabeça. Ela sempre se queixa dos políticos, e da prefeitura; muitas vezes disse para mim que tentou fazer os exames que eu solicitava, mas não conseguiu, pois não dispunha de recursos e tampouco do apoio da prefeitura. E agora?
Recebam um abraço de Aureo Augusto.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

UM PIANISTA NO HOSPITAL

Londres transpira música. Na realidade a arte tem farto abrigo nesta cidade. Em tudo quanto é canto, artistas se apresentam. Os músicos estão no metrô, nos restaurantes ao ar livre, nos pontos dos ônibus, em toda parte, em toda parte mesmo. Fui ao Saint Thomas Hospital e lá, para minha surpresa, em um salão perto de uma estátua comemorativa dos 60 anos da Rainha Victória, havia um grande piano de cauda. Logo um senhor sentou-se e começou a tocar. O fato era tão surpreendente que quase ofuscou a qualidade da música. Quando ele terminou uma senhora de origem asiática se aproximou dele e fez uma pergunta que não escutei, mas que deduzi pela resposta que ele deu: “Toco para os pacientes”. Trata-se do grande pianista John Boswell Maver. Ele dá aos pacientes aquela música absolutamente maravilhosa como uma forma de amenizar-lhes as dores e o sofrimento. Pelo que depreendi da conversa que teve com aquela senhora, outros hospitais em Londres têm pianos. Que coisa maravilhosa, hospitais com pianos! Conversei um pouco com um médico que assistia ao conserto e ele era fã de carteirinha do pianista. Havia encontrado um tempinho no seu intenso trabalho para se maravilhar com aquela música. Logo voltou para o batente, seguramente com a alma lavada! Recebam um abração movido a Chopin que era o músico escolhido pelo inspirado pianista. Aureo Augusto.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

MUDAR o REGIME (no PAÍS e no PRATO)

Um amigo me disse que alguém lhe falou que “é mais fácil mudar o regime de um país que o regime alimentar de uma pessoa”. A frase é forte. Hoje trabalho no serviço público, ou seja, ao contrário de tempos atrás quando era procurado apenas por aqueles que, seja por desengano com outras técnicas, seja pelo desejo de mudar, sabiam de minha opção pelo neo-hipocratismo como sistema terapêutico. Quando alguém marcava uma consulta queria que lhe orientasse quanto à alimentação e procedimentos naturistas, não estava interessado em medicações. Agora, aquele que se senta a minha frente, no ambulatório, mesmo que saiba que sou “natural” (como às vezes me chamam), pode querer (e muitas vezes só quer) “remédios de farmácia” e não ervas e orientações dietéticas. Não pense o leitor que me sinto mal em receitar medicamentos. Ocorre que acredito no direito da pessoa tratar-se pelo método que lhe apraz. Claro, também noto que muitas pessoas querem medicações apenas porque não sabem de outras opções. Cabe-me prestar os esclarecimentos necessários para que o meu cliente tenha condições de optar. E o faço na medida do possível (houvesse eu estudado didática, seria bem melhor). Olho com alegria que algumas pessoas das comunidades que assisto já me pedem “remédios caseiros” e até, como ocorre em uma dessas comunidades onde havia reatividade à prática não alopática, já vêem com melhores olhos o “natural”. Ali uma senhora já rasgou uma receita que fiz onde constava um xarope feito em casa porque queria um similar da farmácia. Observei que para alguns, a palavra caseiro, soa a tabaroismo, e “natural” remete a incivil, quando querem se igualar ao personagem televisivo da cidade grande. Por sorte trabalho em um posto de saúde vinculado à Estratégia de Saúde da Família, que busca ativamente a ação educacional junto à comunidade. Por isso me dá uma alegria enorme ver senhoras vetustas dizendo que aderiram ao meu sistema de cozinhar arroz integral (isso significa que estão comendo integral), ou como me disse D. Zira, que comprava por mês 1kg de caldo de galinha, mas que hoje não compra mais: “Voltei ao tempero de minha avó”.
Alimentação não é somente um bolo nutricional que ingerimos. É parte figadal da cultura. Além disso é um dos lugares onde manifestamos e recebemos carinho. Lembro de minha mãe, quando eu era pequeno. Não era muito de passar a mão pela cabeça, mas em compensação fazia de tudo para satisfazer aos gostos dos filhos. Comer é momento de confraternizações familiares e alegria com os amigos. E, muitas vezes, abraçamos ávidos o social em detrimento do nutricional. Vai daí que pode, efetivamente, ser mais fácil fazer uma revolução em um país (inda mais se ele está situado em alguma área susceptível ao discurso salvacionista) do que mudar a alimentação de uma pessoa. Porém parece-me que as pessoas já estão mais interessadas em entender e mudar. Parece que alguma coisa está acontecendo no mundo e o número de pessoas que quer funcionar a partir da consciência está aumentando. Alguém poderá negar isso, dadas as notícias que nos trazem os jornais e revistas. Acho que o pessimismo no caso tem suas razões, sendo porém razoável que o que experimento no dia a dia de trabalho, venha a ser mais fiel representação de um novo momento da humanidade. Como se dizia antes: “Quem viver, verá”. Quero estar entre os vivos!
Abraço vivo e vivencial de Aureo Augusto.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Alimentação das crianças - UMA BOMBA QUE VAI EXPLODIR

O Roberto Cunha (autor de Um Homem em Movimento e Aprendendo com a Vida) me mandou há alguns dias um e-mail com um anexo comentando sobre a nossa vida quando éramos crianças, sem as proteções de hoje, desasnados correndo riscos inimagináveis em carrinhos de rolimã, longe dos olhos dos pais, enturmados com amiguinhos destrambelhados como nós mesmos. Comíamos coisas absurdas (eu mesmo, me especializei em pinaúna crua quando dava a fome na praia de Roma ou de Cantagalo – por sinal, poluídas) e, ainda assim, conseguimos sobreviver. Gostei muito da mensagem, embora saiba que não era um mundo sem doenças. Um dos principais toques do material é que tínhamos muita atividade física. Muita. Lembro-me de fazer corrida sobre os muros das casas, corrida sobre recifes cobertos de limo, competições de natação, picula, guerrô etc. Era uma vida ativa. Também, fora a escola, não tínhamos quase nada com que nos preocupar e, longe dos olhos dos pais – o que era bem freqüente – a liberdade era nosso atributo. Hoje a vida das crianças nas cidades é bem diferente. Elas têm até agenda!!! Além disso, os perigos são bem maiores. Chama atenção a redução dramática dos exercícios já que muitos dos brinquedos de hoje são virtuais, além da exponencial perda da qualidade na alimentação.
Há uma coisa que me causa horror: Em uma palestra de um dos Encontros de Profissionais de ESF do Vale do Capão, um cardiologista (Dr. Manoel Afonso) recomendou que medíssemos a pressão sangüínea das pessoas a partir dos 8 anos de idade. Isso porque a hipertensão arterial está atingindo cada dia mais aos jovens. Uma enfermidade que antes só atingia adultos e idosos está se estendendo às nossas preocupadas, sedentárias e (cada dia mais) obesas crianças. Observo com tristeza crescente como os pequenos do Vale do Capão estão aderindo cada vez mais aos “salgadinhos”. Na merenda escolar é o que mais está presente. Quando era menino eu levava uma merendeira para a escola. Ali havia suco e pão com queijo. Era pão branco, e o suco, após algumas horas já tinha perdido muito de seu valor nutricional, porém ainda assim era bem melhor que os salgadinhos com seu excesso de sal, com seus colorantes, com o excesso de ômega 6 (que é um óleo essencial, muito bom, mas excesso aumenta as inflamações), às vezes com xarope de milho, e com sua pobreza em nutrientes essenciais. Para mim os estudantes que agora consomem os salgadinhos irão engrossar daqui a poucos anos as estatísticas de hipertensão e diabetes e os gastos governamentais com acompanhamento ambulatorial para estas enfermidades. Inda mais porque, mesmo aqui, a invasão dos plays de computador já chegou. Vocês não fazem idéia da minha tristeza. Menos mal que o ambiente convida ao banho de rio e ao jogo de bola!
E quando chegam em casa o que comem os jovens? Antes a pobreza levava a perda de qualidade, hoje, quando o Vale está bem melhor economicamente, há ampla oferta de produtos industrializados, caldos de carne e de galinha e outros temperos artificiais repletos de, por exemplo, Glutamato Monossódico que é 4 vezes mais hipertensor do que o próprio sal (Cloreto de Sódio), acompanhados de refrigerantes. O que será desta geração? Sal em excesso e Glutamato, favorecendo instalação da hipertensão, refinados hiperglicemiantes que incitam o diabetes tipo 2 e estimulam as inflamações, incremento das calorias aumentando o peso, redução da ingestão de cálcio (marcante na juventude brasileira) e aumento de refrigerantes e açúcar branco que retiram cálcio dos ossos, predispondo à osteoporose...
Penso que não estou sendo exagerado em minhas preocupações. O que vocês acham?
Recebam um abraço preocupado, Aureo Augusto.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

SAÚDE E ALEGRIA

Ultimamente o pique tem sido grande por aqui. O médico do posto de saúde de Palmeiras teve férias (merecidas) e como o município não pôde contratar outro para substituí-lo por causa de um tal índice de contratação de pessoal, estou trabalhando lá e cá. Um dia no Vale e outro na sede do município, o que implica em chegar em casa tarde e assim as escritas têm rareado. Embora meu coração fique triste ao perceber que o índice ficou assim não por causa dos funcionários e sim por razões que a própria razão consideraria, no mínimo, estranhas, tenho aprendido muitas coisas, em um posto que não faz parte da Estratégia de Saúde da Família, partilhando tempo e experiências com os colegas. Ao trabalho de ESF interessa integrar conhecimentos, experiências, vida das pessoas, enquanto no posto de saúde comum, há uma tendência mais evidente daquele atendimento dicotomizado, onde entrego uma informação sob a forma quase sempre de medicações ou ordem de conduta, sem uma interação tal que a pessoa chamada paciente assuma de maneira clara a responsabilidade pelo próprio processo. Fica um coisa de “dou e você recebe”. O tempo joga um papel importante, o sistema ideológico também e por aí vai. Parece-me necessário, porém mais como algo para apagar incêndios do que para evitá-los. Útil, porque vivemos uma situação calamitosa para a saúde, mas a meu ver a proposta da ESF se realmente cumprida (e secundada por outras) pode reduzir o número de pessoas necessitadas de socorro no posto.
Com isso, tem sido mais difícil trabalhar convenientemente no PSF daqui mesmo do Capão. Encontro menos os colegas, temos que resolver coisas às pressas em reuniões rápidas de corredores etc. e, ademais, nos dias em que estou aqui, há acúmulo de atendimentos e, consequentemente alguma redução da qualidade. Inda bem que é por pouco tempo.
Mesmo com estas dificuldades, tanto no posto da sede em Palmeiras, quanto aqui na USF-Vale do Capão, tenho tido a oportunidade de encontrar, conviver, ensinar e aprender com pessoas muito interessantes. Ontem encontrei Landinha, uma mulher extraordinária. Foi ela uma das que me ensinou a dançar forró. Admirei-me sempre de sua labuta com os filhos – uma vez que enviuvou por conta de uma cascavel que matou seu marido – mantendo o pique de dançar os forrós ao som da sanfona do finado Biu. Nesta vez, ela me contava, no meio de uma consulta, que sua mãe, D. Argentina, certa feita falou que, após uma traquinagem, ia apanhar do pai. Este se organizava para sová-la quando ela, num momento de intuição pura, lançou-se ao chão, fingindo desmaio. A mãe de D. Argentina acorreu e afastou do pai a Idéia de castigo, já que a menina não resistira e tivera um desmaio – podia morrer! Landinha, que não é gente, logo pensou em usar o sistema. Traquina demais, não lhe faltou oportunidade. Foi assim que pouco depois, D. Argentina pegou o cinto para lhe dar uma boa surra e ela, conforme me contou, caiu no chão estrepitosamente, com tal denodo que o osso da bunda doeu (repito suas palavras). E ali ficou estirada como morta. Mas D. Argentina não caiu no engodo e deu-lhe uma surra e tanto. Rimos muito os dois da história e foi bom para o meu coração vê-la sair da consulta feliz da vida, limpando lágrimas nos olhos, mas não de dor e sim de alegria. Quando você vier no Capão, procure conhecer Landinha, e, aproveite e compre a granola dela, deliciosa e feita com o maior cuidado e, claro, bom humor. Uma mistura de saúde e alegria.
Receba a minha alegria em 9 de dezembro de 2010, Aureo Augusto

terça-feira, 26 de outubro de 2010

III ENCONTRO DE PROFISSIONAIS DE ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

Embora viva no Vale do Capão, um lugar para saborear com os olhos e o corpo, às vezes fico um pouco sobrecarregado de trabalho. Sou o médico da USF (unidade de saúde da família) e, portanto, trabalho durante o dia no posto. Mas este tipo de serviço de saúde pede ações como educação para a saúde e outras que às vezes nos toma o tempo em outros momentos. Ademais, como o Vale fica a pouco mais de 20km da sede do município, mesmo fora do horário o pessoal que trabalha no posto pode ser chamado a ajudar a população quando de seus problemas de saúde. Às vezes podemos passar vários dias e até semanas sem ter nenhuma urgência fora do horário de trabalho, mas noutros momentos há um acúmulo de ocorrências e por isso o tempo encolhe. Nos dias 21, 22 e 23/10 fizemos o III Encontro de Profissionais de Saúde da Família do Vale do Capão. Esta atividade foi proposta desde o princípio pela equipe do posto, e a DIRES 27 (Diretoria Regional de Saúde), cuja diretora é Larissa Paiva, sempre deu apoio total ao evento. Também temos tido o apoio inestimável da EFTS (Escola Federal de Técnicos em Saúde) e da SESAB (Secretaria Estadual de Saúde). Para nós é uma tarefa hercúlea realizar este encontro mesmo com a ajuda dos parceiros. É que organizar um evento traz uma razoável quantidade de ações, as quais se acrescentam à enorme gama de atividades que já temos no dia-a-dia. A equipe se desdobra. Por coincidência logo que começou o evento, duas mulheres abortaram espontâneamente, outra pensou que ia parir e não pariu, ocorreram crises hipertensivas, acidentes de bicicletas e motos com costuras e curativos e uma criança rasgou a cabeça em suas traquinagens e por isso foram necessários alguns pontos. Vai daí que não pude, como no ano passado, “falar” pra vocês sobre o encontro. Agora o faço, porque o carro que vem me buscar para o atendimento nos povoados da Conceição dos Gatos e Rio Grande está atrasado (coisa, aliás, que me desespera porque não gosto de saber que estão me esperando – ainda mais na Conceição, onde as pessoas são, em sua maioria, idosas).
O III Encontro honrou o brilho dos anteriores. Foi bem legal. A equipe aprendeu muito – na verdade um dos motivos pelos quais fazemos esta atividade é chamar pessoas que possam nos ensinar. O pessoal da EFTS, do DAB, os demais palestrantes nos mostram o que acontece, como fazer para melhorar e as dicas se somam à simpatia deles, de modo que fica tudo muito prazeroso. Desta feita a sempre brilhante e apaixonada Mary Galvão nos trouxe um estudo da situação do atendimento à mulher grávida e ao parto na Chapada Diamantina, iluminando-nos os caminhos. Elânea do núcleo Itaberaba da EFTS acrescentou mais material do tema, ao falar sobre o nosso papel na realidade da mortalidade materno-infantil. Depois o Dr. Ari Avelar, meu colega de turma na faculdade (quando era conhecido por Dr. Gal, por causa do seu cabelo Black Power) alertou-nos para a necessidade da busca ativa de pessoas com tuberculose. Sua palestra causou forte interesse em nossa equipe. Tuberculose é um sério problema de saúde pública no Brasil, sabemos disso, mas sua fala nos trouxe para uma realidade mais séria do que imaginávamos. Sílvia Laranjeira do DAB tem estado conosco desde o primeiro encontro, trazendo sua fala, sua dedicação e esforço e desta vez estava novamente aqui (agora acompanhada da competente simpatia de Vanessa Lima), na fala – essencial – sobre política de atenção básica, prestando esclarecimentos e fazendo comentários pertinentes. O pessoal da cidade de Iraquara fez uma apresentação para nós, reproduzindo o trabalho que têm feito para esclarecer a juventude sobre doenças sexualmente transmissíveis. Deram boas dicas de como lidar com os nossos jovens, que aproveitaremos. Foram muitas coisas e muitas pessoas, isso sem contar as pessoas que estavam escutando os palestrantes, trazendo perguntas que levavam a considerações mais percucientes. Foi enfim muito bom e sei que cometerei injustiça, deixando de falar de algumas pessoas cuja participação fez com que a coisa fosse tão boa.
Desta vez incluímos, no sábado, um passeio à Cachoeira do Riachinho (na verdade eu preferia ir à Cachoeira da Angélica e depois à Cachoeira da Purificação, mas parte da turma, os farristas que ficam até tarde no converseiro, preferiu um lugar mais fácil de ir), onde tomamos um gostoso banho e contemplamos, porque é um lugar onde, mesmo com muita gente, somos convidados ao silêncio ou a conversas tranquilas.
O carro está chegando para me levar aos atendimentos. Vou fechar esta escrita. Já estamos nos reunindo para ver como será o IV Encontro. A roda da vida não para e é por isso que é bom viver!
Abraço carinhoso para todos de Aureo Augusto.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

LEITE, UM BOM VILÃO ainda as complexidades

Tenho pensado muito sobre a complexidade que é a saúde e a vida. Caso você tenha interesse em saber mais sobre complexidade, para além do dicionário, leia Introdução ao Pensamento Complexo de Edgar Morin, que é um cara muito agradável de ler. Aliás, Morin consegue ser profundo sendo agradável, coisa nem sempre fácil de encontrar. Em medicina este pensamento tem prosperado e isso traz benefícios para todos nós. No Io Encontro de Profissionais de ESF do Vale do Capão (2008), o Dr. Manoel Afonso, cardiologista, trouxe para aqueles que tiveram a sorte de participar, informações que havia coligido em um, à época, recente congresso de que participara cujo tema era a Hipertensão Arterial Essencial. Ele nos explicou que era um anacronismo tratar a hipertensão como uma enfermidade com respostas simples às medicações. Começou sua fala registrando a necessidade de uma assertiva intervenção na alimentação das pessoas com o problema. Seguiu comentando que certas medicações devem ter seu uso revisto levando-se em conta o fato que elas funcionam conforme as condições orgânicas. Ou seja, embora no laboratório ou nos ratos o efeito esteja comprovado, no organismo desta ou daquela pessoa os efeitos não são necessariamente garantidos. Tome-se o exemplo do Captopril, cujo funcionamento pode deixar a desejar quando usado em afro-descendentes ou em idosos.
E as medicações são coisas muito simples quando as comparamos com os alimentos. Tomemos o caso do leite.
Este alimento tem sido visto desde há algum tempo como essencial para consumo humano. O interessante é que este não é um costume ancestral entre nós. Poucas populações se habituaram ao leite in natura até o século XIX. Porém nos dois últimos séculos passou a ser considerado indispensável e disseminou-se o seu uso. Um dos argumentos é a presença de proteínas de alto valor biológico e de cálcio, mineral muito importante para o desenvolvimento ósseo, além da vitamina D, que tem papel importante no aproveitamento do cálcio pelo organismo. No entanto, olvidou-se que na realidade o leite pode ser uma armadilha. Há algum tempo li na revista da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) um artigo (infelizmente perdi o nome do autor) uma pesquisa mostrando a grande incidência no Brasil de intolerância à lactose. Esta substância é um dissacárido, ou seja, um açúcar formado por dois açúcares simples (glicose e galactose). Para que possa ser absorvido pelo organismo deverá sofrer uma quebra e os açúcares simples são então captados pelas células do intestino delgado (no jejuno-íleo) e passam para o sangue. Apenas 10% dos brasileiros adultos têm a enzima capaz de quebrar a lactose. Isto faz com que ela não seja absorvida e chega inteira ao intestino grosso, alimentando bactérias aí existentes e alterando o equilíbrio osmótico provocando o surgimento de gases e irritação das paredes intestinais. Em alguns o quadro é bem sério e pode levar à hospitalização, mas na maioria das pessoas o problema segue surdamente e o prejuízo não é notado, mas mina a saúde. Em alguns países africanos a situação é mais séria, pois 99% das pessoas não toleram o leite. Na África, salvo engano, apenas os Masai (salvo engano) apresentam um quadro genético que lhes garante a tolerância à lactose e, portanto, podem consumir leite. Já os povos nórdicos, como os escandinavos, holandeses, ingleses etc. apresentam um quadro de apenas 10% de intolerância.
Vale observar que o leite tem outros aspectos que o tornam pouco recomendado. Por ser bastante alcalino estimula a produção de ácidos no estômago o que o torna inadequado para portadores de gastrites ou úlceras. Também alcaliniza o intestino grosso, órgão que para funcionar bem tem que ser um pouco ácido, daí o leite contribui para a obstipação (prisão de ventre), causa ou fator coadjuvante em graves problemas de saúde . No leite temos duas proteínas importantes, a caseína e a lactoalbumina. O leite de vaca tem uma proporção muito maior da primeira (ao contrário do leite materno onde a lactoalbumina predomina). A caseína quando se coagula (em presença do ácido do estômago) o faz em grumos grandes e grosseiros o que dificulta sua digestão, este é um dos motivos pelos quais as crianças não devem tomar leite de vaca. Mais recentemente o Dr. Raphaël Nogier, publicou suas pesquisas relacionando o consumo de leite e laticínios com enfermidades da mulher, tais como corrimentos vaginais e tumores das mamas . O livro que traz farto material merece ser lido cuidadosa e criticamente. Representa um importante alerta contra o consumo indiscriminado de leite e derivados. Aliás, reforça as conclusões de um brasileiro, o Dr. Raul Barcellos . Os autores trazem diversas informações sobre o como o alimento, graças a sua fórmula de carboidratos, gorduras, proteínas e açúcares, acaba por nos prejudicar mais do que trazer benefícios.
Apesar disso, sabemos que alguns povos que tinham o iogurte como forte componente da dieta apresentavam grande longevidade e saúde, destacando-se os Hunzas dos Himalaias e os georgianos do Cáucaso. O abandono da dieta tradicional (por influência dos povos europeus), com muitos legumes, frutas e iogurte fez com que a saúde destes povos se reduzisse. A realidade é que o iogurte, ou a coalhada, são bem melhores do que o leite, pois estes são ácidos e estimulam o intestino grosso, corrigindo a prisão de ventre, ademais o cálcio só é bem absorvido em meio ácido, donde no leite in natura a absorção deste mineral é diminuída. A caseína é quebrada em parte pelas bactérias que, além disso, faz por nós o trabalho de reduzir a lactose a suas partes absorvíveis, o que é uma solução para quem tem intolerância à lactose. Mesmo assim, pesquisadores como Barcellos e Nogier fazem restrição ao uso da coalhada e do iogurte.
Penso que isso pode ocorrer, no todo ou em parte, por algo que o Dr. Servan-Schreiber nos traz no seu maravilhoso livro, Anticâncer . Ele nos alerta para o fato de que o exponencial aumento do câncer de mama e também das demais formas de câncer aconteceram após o boom de alimentos depois da Segunda Guerra Mundial, quando o consumo de leite e derivados aumentou muito, mas também aumentou o consumo de carnes, e de produtos industrializados, refinados etc. Observa que o gado passou a alimentar-se artificialmente, usando ração rica em ômega 6, um ácido graxo importante para o nosso organismo, porém capaz de estimular as inflamações em geral (que por sua vez têm seu papel na gênese do câncer). Leite de vacas que comem capim tem muito mais ômega 3 do que ômega 6. Isso acontece com a carne de boi ou de frangos e com os ovos de galinha. Cumpre atentar para estes dados antes de condenar completamente os laticínios ao ostracismo. Atualmente na França alguns criadores estão incluindo na dieta de galinhas, frangos e do gado leiteiro ou de corte, porções de sementes de linhaça; isso tem aumentado o teor de ômega 3, tornando-os mais saudáveis para consumo humano.
Podemos considerar, por fim, que o leite de vaca é inconveniente para nosso consumo (para o bezerro é muito legal), no entanto, a ingesta de coalhada, iogurte, ricota, queijos frescos é recomendável, desde que respeitemos o fato de manter a nossa dieta centrada em frutas, legumes, cereais integrais e leguminosas, tendo os laticínios como complementos, tomando o cuidado de consumir laticínios que provenientes de vacas que comeram capim e não ração. Alguém há de perguntar: Mas como é que vou saber o que a vaca comeu? Quando, há bastante tempo, enveredei pelos caminhos das terapêuticas naturais tudo era muito mais difícil. Ninguém sabia como iria saber de uma grande quantidade de coisas. Hoje, ainda temos dificuldades, mas sabemos, por exemplo, que no Brasil a maioria do gado é criado solto no pasto, enquanto na Europa quase todo ele é criado preso comendo ração. Ponto para nós. Menos uma dificuldade.
Aliás, podemos pensar outra coisa: Já que a semente de linhaça melhora o leite, graças ao ômega 3 aí presente, comecemos a comer sementes de linhaça. Mas, evitemos suplementos concentrados do ômega 3, porque na linhaça não tem só isso, e as outras substância aí presentes contribuem para o seu bom funcionamento. Esta tendência de procurarmos pílulas com produtos maravilhosos ainda nos vai trazer muito prejuízo, porque até aquilo que é antioxidante e combate os radicais livres, pode transformar-se num radical livre quando em excesso, mas isso é conversa para outro dia... Aguarde.
A razão deste texto é informar sobre o leite e seus derivados, alertar para o potencial negativo do seu consumo excessivo, mas também, lembrar que no que respeita a nossa saúde, não existem vilões absolutos nem panacéias.
Em 21/2/10, Aureo Augusto.

Referências bibliográficas:
Morin, Edgar, Introdução ao Pensamento Complexo, Publicações Instituto Piaget, Lisboa, 1991.
V. Liberte-se da Prisão de Ventre, Aureo Augusto, Cultrix, São Paulo, 1995.
Nogier, Raphaël, O Leite que Ameaça as Mulheres, Ícone, São Paulo, 1999.
Hirsch, Sonia, A Dieta do Doutor Barcellos Contra o Câncer, Hirsch&Mauad, Rio de Janeiro, 1997.
Servan-Schreiber, David, Anticâncer, Fontanar, Rio de Janeiro, 2008.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

COMPLEXA SAÚDE

Talvez alguns visitantes prefiram o sol, mas para nós que aqui moramos, nada como uma chuvinha fina no telhado. Durante a noite toda choveu... Foi o que me disseram, pois eu, na verdade, não escutei nada, embora talvez a chuva tenha escutado meu ressonar. Ao despertar descobri o Vale encharcado, as montanhas ainda se refestelando nas nuvens. O cheiro fresco do ar matinal...
Todas estas coisas simples são o fruto de trilhões, se não mais, de combinações complexas de uma infinita quantidade de elementos. Não chove do nada, o sol não aparece cortante firme por mera sorte. Cada coisa faz parte de uma dança de muitas causas para muitos efeitos. Uma dança muito complexa! Assim também na nossa saúde.
Quando era jovem, premido por problemas de saúde bastante desagradáveis, comecei a estudar alguns livros de nutrição e descobri algumas coisas bem interessantes. Por exemplo, no livro Nutrição e Vigor (A. de Miranda) encontrei que o uso de vitamina C artificial poderia não resolver todos os problemas relacionados ao escorbuto (que é a deficiência nutricional desta vitamina). Nesta doença a pessoa fica fraca, susceptível a infecções, as gengivas sangram, os dentes caem etc. Os navegantes europeus padeceram muito com este problema porque descuidavam de levar frutas e hortaliças em suas viagens através dos mares. Os índios canadenses ajudaram marinheiros ingleses ofertando-lhes alimentos frescos. Navegantes chineses no início do século XV, contemporâneos dos grandes navegadores europeus, tinham algum conhecimento da necessidade de víveres frescos, daí levavam barris, plantados com hortaliças, em seus gigantescos navios (de 1500 toneladas!). O interessante é que quando uma pessoa tem a deficiência escorbuto, o uso de comprimidos de vitamina C ajuda com todos os sintomas exceto com o sangramento gengival. Este está relacionado com a deficiência de citrina, uma vitamina pouco comentada porque está presente na natureza onde quer que exista vitamina C. Ou seja, para resolver satisfatória e completamente o escorbuto há que tomar vitamina C de fontes naturais. Na minha juventude padeci de cegueira noturna por deficiência de vitamina A. Fui a um médico que me receitou um liquido gorduroso repleto da vitamina. As alterações cutâneas derivadas do problema desapareceram de imediato, mas resultou como seqüela uma perda da competência visual no entardecer. É que a vitamina A tem melhor resultado quando em contato com o Zinco, um mineral que necessitamos em quantidades irrisórias (e que não estava presente na medicação). Não há nenhuma enzima, vitamina, mineral, proteína etc. em nosso corpo que funcione independente de qualquer coisa ou situação. Na complexidade climática de nosso organismo, o tempo bom da saúde é fruto da combinação de uma quantidade imensa de fatores. Por isso devemos evitar substâncias milagrosas capazes de nos salvar de possíveis doenças. Além disso, por mais que um suplemento seja completo (e complexo) não é nada em termos de completude e de complexidade, se comparado com uma cenoura, uma pitanga ou uma manga. O nosso corpo agradece o consumo daquilo que se adequa a sua maravilhosa complexidade.
Em 14/2/10, recebam um abraço complexamente completo.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 20

EXPLICA-SE TUDO
Joseph Campbel cita uma brincadeira de Robert Bly com as palavras do extraordinário René Descartes: Cogito Ergo Sun. “Penso, logo existo”, disse Descartes, ao que Bly acrescentou: “Penso, logo existo. A pedra não pensa, logo não existe” (1). Campbel, Bly e René, como sempre, estavam cobertos de razão. Razões, todos temos; tantas! Há razões para tudo, para cada coisa sua explicação. Todas elas, no mínimo incompletas. No geral falsas. Gosto de estudar, e o faço com afinco, as idéias dos grandes sobre todas as coisas. Os filósofos explicaram muitas coisas, assim como os cientistas e os religiosos. Interessante é que se desdizem com grande freqüência e, cada um vai antevendo sua parte da Verdade; abre uma janelinha, onde vê um pedaço do Todo. A partir daí labuta para derrubar as idéias dos outros, às vezes até com maior trabalho do que aquele usado para alcançar a compreensão alcançada. O mundo é isso. O universo funciona assim. Religião, filosofia e ciência ensinam muito, porém revelam pouco de um mundo muito mais misterioso do que o muito que ensinam. Os psicólogos evolucionistas são uma piada; os behavioristas são uma piada; os psicanalistas freudianos e lacanianos são uma piada; os filósofos racionalistas são uma piada; assim também os empiristas e os materialistas dialéticos e os espiritualistas; os cientistas são uma piada; eu sou uma piada! Os físicos estão labutando para encontrar uma força que unifique as quatro forças fundamentais (eletromagnetismo, nuclear forte, nuclear fraca e gravidade). Tenho certeza que se possível alcançarão tal intento. Confio neles, embora eles sejam uma piada. Ocorre que não basta tal unificação. Ocorre que o cogito ergo sun não é suficiente. Nada é suficiente porque o ser humano, o sabiá cujo canto acabo de escutar lá do outro lado da janela, a estrela que ilumina o dia e as demais que adornam o vestido da dama noite, a formiga célere caçando alimento, os morangueiros produzindo (obviamente) morangos, bem, todas as coisas e cada uma delas, são além da nossa possibilidade de explicar. Sou cético. E que não se pense que nisso há condenação àqueles que estudam, que explicam. Bebo-lhes as explicações com sedenta sede de saber. Sua sabedoria é, para mim, saúde. Somos nós, seres humanos, entes curiosos, não como um prazer apenas, mais como uma necessidade intrínseca. Sou assim, humano. Penso que é capital a importância de buscar explicar tudo. Ademais concordo com S. Pinker , quando diz que o nosso aparato neurológico é incompetente per si para compreender o todo e mesmo para compreender a si mesmo (2). Mas tampouco creio que um dia nos encontraremos em um beco sem saída. Acredito que somos tão parte deste mistério que é o mundo que somos dele resumo. Em nós ele está e, portanto, o apreendemos em nosso cotidiano, mesmo que não o percebamos. Pinker e outros especulam sobre o observável, Kant e outros especulam sobre o inominável. Todos têm razão. É que tão grande é o mundo que abarca a todos. Falta-nos com freqüência o reconhecimento de que não passamos de uma piada. Por isso, em excesso, nos levamos a sério; muito mais do que devíamos. No que concerne a mim, é uma pena que a maior parte do tempo não tenha esta consciência de que sou uma piada. Perco tempo em demasia levando-me a sério.
Aureo Augusto.

1.Campbell, Joseph, Reflexões Sobre a Arte de Viver, Gaia, São Paulo, 2001.
2.Pinker, Steve, Como a Mente Funciona, Cia das Letras. Vale, e muito, ver o que sobre ele diz, com razão, John Horgan in A Mente Desconhecida, Cia das Letras.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 17

NOSSA!!! A semana passou e o pique de trabalho foi tanto que nem notei. Não consegui postar nada desde a sexta-feira passada. Mas hoje, nova sexta, mais um artigo. Este escrevi há bastante tempo, em um inverno rigoroso:
CORES, FORMAS, SABORES!
No Vale do Capão umas laranjas douradas – chupa-las pelo prazer da cor!
Os alimentos não apenas entram pela boca, mas também pelos olhos. Observem as crianças quando a elas apresentamos comidas saborosas. Seus olhos se enchem, inferem sabores, antegozam o repasto. Sempre me admiro do quase nunca com que a ciência tem consideração pelo superficial. As cores e a beleza são uma coisa superficial e, por isso, com freqüência são pouco apreciados pelos estudiosos, salvo a exceção de um ou outro cientista/poeta.
Não é por acaso que amamos as cores, os sabores e as formas. Ora, se o que interessa em um alimento é apenas o seu teor nutricional, as árvores deveriam ser todas iguais e trazer pílulas nutritivas. Não haveria necessidade da ampla gama de gostos que atende, diga-se, a todos os gostos. Dizia Lorenz, o estudioso da diversidade (a respeito das paradas nupciais) que “à natureza lhe agrada a variedade”. Aliás, esse tema da variedade merece uma consideração mais aprofundada, mas deixemo-lo para outra oportunidade. Entre as tradições médicas antigas, uma ligada a Teophrastus Felipus Aureolus Bombastus, cognominado Paracelso, nos ensina que há uma correlação entre a forma e cor dos alimentos e a sua utilidade para nós. Diziam seus seguidores (ainda dizem, pois que, todavia, há deles entre nós) que se uma fruta tivesse a forma de um coração, seguramente seria útil no tratamento das enfermidades cardíacas, por exemplo. Esta observação intuitiva, naturalmente será negada pela ciência. É tentador negar o que parece fantasia; porém às vezes a verdade se disfarça de fantasia. O mundo reveste-se entre nós de uma racionalidade (superficial, registre-se), porém que flerta sem notar com o mágico. Se não consideramos os mistérios do mundo como o que eles em realidade são, um mistério, perdemos muito de nossa grandeza. A decantada frase de Hamlet, “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que julga a nossa vã filosofia”, é tão repetida e mal utilizada quanto acertada. Há uma certa arrogância em considerar verdade apenas o que a ciência considera como fato. Mesmo quando aparenta humildade, como S. Pinker quando afirma em seu “Como a Mente Funciona” que a mente humana tem seus limites (e é verdade), mas que o ser humano não pode acessar a compreensão ansiada por aqueles que crêem, por exemplo, na espiritualidade, sendo isso apenas fantasia incompreensível pela mesma mente incompetente. No fundo ele está dizendo que não há mistério, há apenas o fato de que somos uma mente fruto de um corpo dotado de funções cibernéticas. O que pode até ser verdade, mas é verdadeiramente ignóbil não admitir outras possibilidades.
Mas, a despeito do que digamos ou não, as laranjas do Vale, têm a cor alaranjada (ao contrário da maioria das que compramos que estão mais para verdes ou amarelas), e com sua cor, tão solar, nos ajuda a suportar os rigores do frio, chuvoso e ventoso inverno daqui. Sabemos, que a vitamina C, a citrina, o cálcio entre outros elementos presentes em seu suco e polpa, nos fortalece contra os resfriados e gripes tão comuns nesta época. Claro que sempre podemos dizer que o que ocorre não é por causa da cor, mas o fato é que na natureza não há desconexão entre os fatos. E existem outros exemplos, como o das nozes (e outras amêndoas) tradicionalmente consideradas como boas para o cérebro, porque se parecem com aquele órgão. Hoje sabemos que nelas encontramos gorduras essenciais, por alguns conhecidas como vitamina B15 (ácido Aracdônico, ac. Linoléico e ac. Linolênico), sem as quais não se forma uma estrutura das células que compõem o sistema neurológico, denominada bainha de mielina, que tem importante papel na velocidade com que o impulso nervoso é conduzido pela célula.
E, cuidando para não transformar isso em verdade absoluta, vocês não acham que é muito interessante e misterioso?
Aureo Augusto em 2 de Julho de 2006

sábado, 12 de dezembro de 2009

MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 16

Acabou que ontem não consegui postar pq tive que fazer uma viagem para participar de um encontro do Instituto Chapada, onde os diversos municípios que fazem parte da empreitada mostraram seus resultados. O esforço dos educadores e políticos locais para superar as enormes dificuldades que enfrenta a educação me emocionaram em diversos momentos. Um dia volto a falar sobre isso.
Há um aspecto oculto da medicina que merece consideração. O conhecimento de si. Veja o que pensei uma vez sobre isso:
CONHECER(-SE)
Não é fácil, e não necessariamente por falta de disposição moral, assumir a proposta socrática de conhecer-se como base para a vida. Como função vital. Estudar a si mesmo do jeito que Montaigne queria. O principal desta não facilidade é o fato de que falta-nos, falta-me, percuciência. Falta competência. Percebo isso quando leio comentários a filmes, a livros, a obras de teatro e outras formas de arte, quando releio livros... É impressionante o quanto deixo escapar, o quanto não vejo. Dito melhor, o que não vi na leitura anterior.
Uma boa parte da população mundial não se interessa por conhecer a si mesmo. Penso, por exemplo, na infinidade de pessoas que, habitando os países muçulmanos satisfazem-se apenas com tocar o chão com a testa cinco vezes por dia e lançar diatribes contra o Ocidente, como se apenas a ambição (que não é pouca) dos países ocidentais fosse a causa de seus males, esquecendo-se dos séculos de estagnação que lhes atingiu pela incompetência em superar os impasses a que levou o poderoso imperialismo árabe, da implícita e mesmo ímpia desigualdade social que sempre os caracterizou, além da ganância de dinheiro e poder dos seus próprios dirigentes (os ayatolás que dominam o Irã rapidamente se fizeram os mais ricos) enquanto ao povo em geral só resta apresentar-se como voluntário para o exército dos homens-bomba. Também me lembro dos palestinos, cujo maior inimigo nominal, Israel, lhes causa menos estrago do que a corrupção e a ação de uma minoria fanática a serviço (freqüentemente inconsciente) de interesses o mais das vezes internacionalistas pan arábicos ou pan muçulmanos, que pouco se interessa pela questão das pessoas que residem na Palestina. Tais interesses nominalmente voltados para salvar as almas muçulmanas, o mais das vezes rezam a cartilha do jogo do poder e da satisfação de processos inconscientes traumáticos, pouco ou nada vinculados à questão árabe, palestina, muçulmana, humana... Penso também nos milhares de cristãos que se crêem compelidos por uma força demoníaca para o mal e que, portanto, necessitam de pastores ululantes e padres sussurrantes capazes de conjurar o mal que, um pensar cuidadoso sobre o si mesmo traria um efeito, no mínimo, gerador de autonomia. Talvez tivesse razão Voltaire ao considerar que a religião caso não existisse teria que ser inventada, pois que tem o forte papel de servir de freio para determinadas ações perniciosas. Sim, talvez tenha razão, mas, Nietzsche também não se enganou ao considera-la uma crueldade. Quantos se martirizam por ela? Quantos desviam seu caminho por ela? Embora tantos nela encontrem conforto, o que é bom e louvável, outros apenas aprofundam os conflitos, como vimos na Irlanda do Norte (católicos contra protestantes), no Paquistão e outros países da Ásia, onde cristãos são massacrados por muçulmanos, no Iraque onde sunitas e xiitas se matam mutuamente etc. Religião, economia e política, salvações que se tornam maquinações do mal... Creio que devido a nossa incompetência de conhecer a si mesmo, tornando-nos alvos fáceis de manipulações. Claro que o mundo não é feito apenas da minha, ou da nossa, subjetividade. No entanto, solipsismos à parte, o fato é que o não entendimento do que somos em si é causa de grande mal.
Os irlandeses estão longe daqui, bem como os conflitos no Oriente Médio. O Vale do Capão, local onde resido, descansa uterino sob a chuva suave e o gorjeio das aves matinais. Mas em sua devida escala aqui se repete o que no mundo transborda. Cá, como lá, vamos vivendo nossas limitações. O desejo de ser aceito, no mínimo, bem como o desejo de ser mais do que se é, em plano intermediário, além da vontade de ter o poder sobre os demais, mandar, dominar estão pautados, lado a lado, com a vontade de viver em paz, estar em harmonia com os demais e com o ambiente. Alguns moradores me impressionam pela sua capacidade de elaborar um sistema de valores baseados em sentimentos e raciocínios cuidadosos, mesmo que não tenham tido a oportunidade da alfabetização. Pessoas como o velho Anísio ou Maninho (Luís Quati). Outro dia, em meio a uma conversa na pizzaria de Daniel (La Piedra), pensei alto que esta coisa de ir a restaurantes é muito antiga. Araci, senhora sofrida e vivida neste vale, mãe e avó, de repente, do nada, me perguntou:
- E Deus, Aureo, existe desde quando?
Surpreso fiquei, confesso, com a pergunta. Ela queria saber. E saber é algo maravilhoso. Claro que já havia aprendido no catecismo e nas missas que Deus é eterno. No entanto, o que é e como é esta eternidade. Melhor seria um filósofo e educador para conversar com ela. Na falta, comentei para ela que dentro desta linha de pensamento que inclui a existência de Deus e sua eternidade, há cerca de 20 dias Deus existia. Claro. Há mil anos também. Há um milhão de anos idem. Para onde quer que viajemos no passado e no futuro ali Ele estará. Disso a conversa derivou para a própria existência humana e a possibilidade de uma alma e de que também seja ela eterna. Os olhos dela brilhavam e mesmo, em dados momentos marejaram, com as descobertas de uma conversa! Ao terminar o papo, ocorria um clima entre nós de descoberta da nossa amplitude. A, por assim dizer, literatura que havia sido experimentada na conversação, nos trouxe a sensação de que há e somos algo maior do que nossos pequenos e grandes egoísmos. E de que podemos conduzir-nos de melhor forma do que o fazemos no dia a dia, na medida em que mais vezes nos portemos com a consciência desta consciência. Que nos pode levar para além da política politiqueira, da religião sectarista, da economia voltada para o mero ‘levar sempre a melhor’. Sem negar política, economia ou religião, como elementos reais e componentes históricos inegáveis da vida e saúde humanas.
Recebam um abraço, Aureo Augusto.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 14

CONHECER(-SE)
Não é fácil, e não necessariamente por falta de disposição moral, assumir a proposta socrática de conhecer-se como base para a vida. Como função vital. Estudar a si mesmo do jeito que Montaigne queria. O principal desta não facilidade é o fato de que falta-nos, falta-me, percuciência. Falta competência. Percebo isso quando leio comentários a filmes, a livros, a obras de teatro e outras formas de arte, quando releio livros... É impressionante o quanto deixo escapar, o quanto não vejo.
Uma boa parte da população mundial não se interessa por conhecer a si mesmo. Penso, por exemplo, na infinidade de pessoas que, habitando os países muçulmanos satisfazem-se apenas com tocar o chão com a testa cinco vezes por dia e lançar diatribes contra o Ocidente, como se apenas a ambição (que não é pouca) dos países ocidentais fosse a causa de seus males, esquecendo-se dos séculos de estagnação que lhes atingiu pela incompetência em superar os impasses a que levou o poderoso imperialismo árabe, da implícita e mesmo ímpia desigualdade social que sempre os caracterizou, além da ganância de dinheiro e poder dos seus próprios dirigentes (os ayatolás que dominam o Irã rapidamente se fizeram os mais ricos) enquanto ao povo em geral só resta apresentar-se como voluntário para o exército dos homens-bomba. Também me lembro dos palestinos, cujo maior inimigo nominal, Israel, lhes causa menos estrago do que a corrupção e a ação de uma minoria fanática a serviço (freqüentemente inconsciente) de interesses o mais das vezes internacionalistas pan arábicos ou pan muçulmanos, que pouco se interessa pela questão das pessoas que residem na Palestina. Tais interesses nominalmente voltados para salvar as almas muçulmanas, o mais das vezes rezam a cartilha do jogo do poder e da satisfação de processos inconscientes traumáticos, pouco ou nada vinculados à questão árabe, palestina, muçulmana, humana... Penso também nos milhares de cristãos que se crêem compelidos por uma força demoníaca para o mal e que, portanto carecem de pastores ululantes e padres sussurrantes capazes de conjurar o mal que, um pensar cuidadoso sobre o si mesmo traria um efeito, no mínimo, gerador de autonomia. Talvez tivesse razão Voltaire ao considerar que a religião caso não existisse teria que ser inventada, pois que tem o forte papel de servir de freio para determinadas ações perniciosas. Sim, talvez tenha razão, mas, Nietzsche também não se enganou ao considera-la uma crueldade. Quantos se martirizam por ela? Quantos desviam seu caminho por ela? Embora tantos nela encontrem conforto, o que é bom e louvável, outros apenas aprofundam os conflitos, como vimos na Irlanda do Norte (católicos contra protestantes), no Paquistão e outros países da Ásia, onde cristãos são massacrados por muçulmanos, no Iraque onde sunitas e xiitas se matam mutuamente etc. Religião, economia e política, salvações que se tornam maquinações do mal... Creio que devido a nossa incompetência de conhecer a si mesmo, tornando-nos alvos fáceis de manipulações. Claro que o mundo não é feito apenas da minha, ou da nossa, subjetividade. No entanto, solipsismos à parte, o fato é que o não entendimento do que somos em si é causa de grande mal.
Os irlandeses estão longe daqui, bem como os conflitos no Oriente Médio. O Vale do Capão, local onde resido, descansa uterino sob a chuva suave e o gorjeio das aves matinais. Mas em sua devida escala aqui se repete o que no mundo transborda. Cá, como lá, vamos vivendo nossas limitações. O desejo de ser aceito, no mínimo, bem como o desejo de ser mais do que se é, em plano intermediário, além da vontade de ter o poder sobre os demais, mandar, dominar estão pautados, lado a lado, com a vontade de viver em paz, estar em harmonia com os demais e com o ambiente. Alguns moradores me impressionam pela sua capacidade de elaborar um sistema de valores baseados em sentimentos e raciocínios cuidadosos, mesmo que não tenham tido a oportunidade a uma alfabetização. Pessoas como o velho Anísio ou Maninho (Luís Quati). Outro dia, em meio a uma conversa na pizzaria de Daniel (La Piedra), pensei alto que esta coisa de ir a restaurantes é muito antiga. Araci, senhora sofrida e vivida neste vale, mãe e avó, de repente, do nada, me perguntou:
- E Deus, Aureo, existe desde quando?
Surpreso fiquei, confesso, com a pergunta. Ela queria saber. E saber é algo maravilhoso. Claro que já havia aprendido no catecismo e nas missas que Deus é eterno. No entanto, o que é e como é esta eternidade. Melhor seria um filósofo e educador para conversar com ela. Na falta, comentei para ela que dentro desta linha de pensamento que inclui a existência de Deus e sua eternidade, há cerca de 20 dias Deus existia. Claro. Há mil anos também. Há um milhão de anos idem. Para onde quer que viajemos no passado e no futuro ali Ele estará. Disso a conversa derivou para a própria existência humana e a possibilidade de uma alma e de que também seja ela eterna. Os olhos dela brilhavam e mesmo, em dados momentos marejaram, com as descobertas de uma conversa! Ao terminar o papo, ocorria um clima entre nós de descoberta da nossa amplitude. A, por assim dizer, literatura que havia sido experimentada na conversação, nos trouxe a sensação de que há e somos algo maior do que nossos pequenos e grandes egoísmos. E de que podemos conduzir-nos de melhor forma do que o fazemos no dia a dia, na medida em que mais vezes nos portemos com a consciência desta consciência. Que nos pode levar para além da política politiqueira, da religião sectarista, da economia voltada para o mero ‘levar sempre a melhor’. Sem negar política, economia ou religião, como elementos reais e componentes históricos inegáveis da vida e saúde humanas.
Recebam um forte abraço,
Aureo Augusto

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

NÃO SENTIR DOR É UMA MARAVILHA

Não sentir dor é uma coisa maravilhosa!
Ultimamente tenho tido problemas na coluna. Além de já tê-la de longa data meio requenguela, há alguns meses, uma sucessão de eventos, que vão desde a mera bobeira de pegar pesos na posição errada até bancos que quebraram quando sentei, complicou o funcionamento da minha coluna. Vai daí que as dores têm participado de meu dia-a-dia, dificultando movimentos, colando-se a cada uma das minhas tarefas, sublinhando os momentos dos dias. Faço quiropraxia com Ian, um cara gigantesco, mas um doce, cujo cotovelo pode ser um dos mais poderosos instrumentos de tortura terapêutica que já existiu na face da Terra. Quando saiu das sessões parece que não tenho peso sobre os ombros. É uma delícia. Também após as aulas de Pilates a sensação é muito boa!
Aliás, vale um parêntesis: Imaginem vocês que o Vale do Capão, conquanto seja um lugarejo de nada nesta imensidão quase erma que é a Chapada, com cerca de 1500 almas vivendo aqui, oferece a seus moradores coisas insuspeitas. Ademais da beleza inacreditável, dos eventos meteorológicos inesperados, como céus e postas de sol de surpresa surpreendente naqueles invernos frígidos, ou os mesmos céus completamente azuis em primaveras ventosas, cachoeiras rompendo o silêncio das serras como dentes brancos risonhos nas chuvas dezembrinas... Bom, não vai dar para dizer tudo! Pois é, como se não bastasse a beleza natural ainda somos brindados com uma escola de circo, dois grupos de capoeira, coral, reizado, drama (um fenômeno cultural tradicional aqui no Vale), Pilates, Quiropraxia etc. E esse ‘etc. ’ não é pouca coisa. Embora para mim, o melhor de tudo mesmo é receber um abraço de Beli, uma gozação de Lili e Luís, conversar com Salvador, Luís Quati, Dozinho, Gilsinho, Dalva, Beli e tantos outros antigos daqui... Mas voltando à dor:
Muito devargazinho meu organismo vem se descolando da mazela nas costas. Acompanho a melhora no uso do cataplasma de argila, do gelo, das mãos enormes de Ian, dos movimentos no Pilates. Aos poucos os movimentos começam a aerear-se do sofrimento. Hoje saí para caminhar pela manhã e contatei com a não-dor. Uau! Indiscutivelmente nada como o contraste! Não estou livre do desconforto, mas só a melhora me diz de um mundo de horizontes dourados.
Quando era jovem padecia de dores abdominais, diarréias e desconfortos muito desagradáveis. Era atroz. Porém com o naturismo minha vida mudou radicalmente. Hoje, muitas vezes estou fazendo qualquer coisa, nadando ou roçando, cuidando de doentes... O que seja. De repente me dou conta de que não mais sinto aquelas dores. Livrei-me delas há mais de 30 anos e ainda não me acostumei, no sentido de que ainda me surpreende esta extraordinária liberdade que é estar sadio.
Em 26 de novembro de 2009 recebam um abraço sadio de Aureo Augusto.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 11

TURNER E A VELHICE
Tenho um livro de Michael Bockmühl sobre o pintor inglês J.M.W. Turner. O subtítulo do livro é “o mundo da luz e da cor”. E esta frase define Turner, que pode ser considerado um precursor do impressionismo, movimento artístico que resultou em obras de beleza ímpar, centradas na observação e reprodução dos jogos de luz impressionando as coisas. Como também aprecio labutar com os pincéis, levo horas bebendo a luz presente nas ilustrações do livro. Turner foi um dos pintores mais extraordinários, não só pela sua enorme produção quanto pela qualidade e liberdade desta produção. Há pouco, lendo o livro de Paul Johnson, Os Criadores, descobri que as obras do grande pintor estão se deteriorando rapidamente. O processo de envelhecimento começou desde que foram pintadas. Johnson nos informa que poucas delas ainda conservam seu brilho e frescor (dia que ‘The Temeraire’ como uma das que estão bem preservadas, o que me deu conforto ao coração já que é das minhas prediletas). Cita palavras de Ruskin, grande crítico, que comentou que Turner pintava “para deleite imediato” e que “não pensava no futuro”. E desde este momento podemos fazer um paralelo conosco e o nosso procedimento quando tratamos do corpo.
A maior parte de nós lida com o corpo como Turner lidava com a pintura, para deleite imediato. Lembro-me que certa feita fiz um quadro, uma aquarela. Cerca de cinco anos depois, de passagem pelo Rio de Janeiro, coincidiu de passar pela casa da pessoa que comprou o quadro e consternado percebi que a rósea pele do retrato agora era de uma anêmica palidez. Foi aquela experiência que me fez interessar por ter mais cuidado no uso das tintas. A partir daí procurei saber a durabilidade dos pigmentos e também a usar para aquarela papel livre de ácidos, pois estas substâncias reduzem a vida das cores com o passar do tempo. Turner não estava nem aí, como se diz hodiernamente. E, como ele, pelo prazer imediato prejudicamos o nosso futuro. É gostoso ficar se enchendo de sanduíches diante da televisão, ou, deixar-se levar pelo hábito de comer todos os dias as mesmas e restritas comidas. De cada um desses costumes vêm os males do sedentarismo (problemas cardiocirculatórios e obesidade) e deficiências nutricionais. Como resultado disso, deterioramos mais rapidamente, ou seja, somos presas fáceis de radicais livres e outros fatores de envelhecimento. Não cometer certas loucuras durante a adolescência e o início da vida adulta é também não cuidar do futuro, pois que carecemos de atitudes não alinhadas como forma de experimentar para encontrar o equilíbrio quanto ao que somos, ou seja, assim como não devemos sacrificar o futuro pelo gozo do presente, também não devemos sacrificar o presente pelo futuro. Devemos viver, todo o tempo, e não apenas sobreviver. Viver o presente (com vistas ao futuro) e não viver o futuro (perdendo de vista o presente).
A velhice não é a melhor idade. As limitações que nos são impostas pelo desgaste, fruto do tempo, não são necessariamente agradáveis. Mas, se tomamos alguns cuidados em tempo hábil, tais limitações tendem a ser menos imperativas e, assim podemos aproveitar certas vantagens que a velhice nos oferece, como a possibilidade de exercer a vida sob a ótica da experiência de quem viveu. Borges, o escritor argentino, em uma entrevista comentava que durante sua vida sempre fizera mais ou menos as mesmas coisas, lia os mesmos livros e escrevia do mesmo jeito desde que era muito jovem, porém a criança e o jovem, registrou, não sabem o que não podem fazer e o que podem. Para que alguém saiba dos próprios limites, precisa experimentar a vida. E conhecer os próprios limites é um grande dom.
Aureo Augusto, em 25/7/06.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 11

DEVO MORRER
Devo morrer. Mais uma vez chegou um momento destas transformações tais que a pessoa que por isso passa, passa por uma morte! De quando em vez isso acontece, por isso deixamos de ser crianças e depois abandonamos o corpo da adolescência e por aí vai. Às vezes a mudança é mais profunda, pois não se revela na alteração dos corpos. Trata-se da descoberta e compreensão da necessidade de superação de determinados padrões de comportamento ditados pelo bom senso em dado período, tornados neuróticos (que é o mesmo que dizer: anacrônicos) com a passagem do tempo.
Mas, também devo acrescentar que aquilo que se tornou neurótico, portanto um peso, é aquilo a que estou acostumado. Se por um lado experimento o alívio por haver deixado para trás algo que desde há muito me causava incômodo, me custava muita energia manter, de outra maneira é também algo que configurava uma rotina de identificação. Olho-me no espelho e descubro-me outro. Desacostumado deste outro, estranhado entristeço. Vem a mim uma xenofobia de mim, ou melhor, deste eu que é novo, estranho, estrangeiro na terra daquilo que eu sou. Pior, aqueles que me conhecem pensam que eu sou o eu ao qual se acostumaram. Acreditam que ainda serei o mesmo no qual sempre depositaram suas esperanças de carinho, de brigas, de birras, de irascibilidade, de infantilidade, de jogos de dominação etc. Que não nos enganemos: No outro quando o encontramos esperamos aquilo que cremos seja o melhor para nós, ainda que esta crença tenha o silêncio das coisas do inconsciente. Existem algumas pessoas das quais esperamos sempre uma guerra. É horrível quando nos decepcionam. D’outras preferimos esperar um eterno ombro amigo. É horrível quando nos decepcionam. Há aquelas de onde nos nutrimos de pirraças discretas, e aquel'outras donde haurimos jogos de sedução, fingidas recompensas, falsas complementações, fugazes amores irrealizáveis, inigualáveis, porém inexistentes promessas de futuros adoráveis... Quando o outro muda e não nos avisa caímos no vazio do inesperado. Por isso aviso: Estou mudando!
Soma-se aos meus impedimentos que atrapalham meu processo de mudança, minha tão cara procrastinação, meu adorável tradicionalismo, minha companheira de tantas horas solitárias, a preguiça e meu amado conservadorismo. Minha diligência nas tarefas cotidianas me ajuda no esconder de mim o caminho da saída deste emaranhado de rotinas psíquicas que me foram tão úteis, mas que agora se mostram um estorvo. Também, minha habitual cegueira revela-se um forte apoio na manutenção do fardo mofado que devo abandonar. Soma-se aos meus próprios impedimentos o fato de que meus amigos, parentes, a gente que amo e também a que detesto, segue olhando para mim como se a morte não rondasse os meus passos, como se a transformação fosse apenas uma miragem no horizonte. Por isso aviso, mudei!
Um eu que era o eu a que se acostumaram descobriu certas coisas de si e existem certas coisas que uma vez descobertas tornam-se incômodas (como a roupa nova do rei) e, pior, impossíveis. Tem determinados aspectos de si que só se mantêm enquanto inconscientes, uma vez descobertos tornam-se insustentáveis, por isso não posso sequer mais dizer que estou mudando, daí repito: Mudei!
Por isso, vocês que me conhecem, não me tratem como se eu fosse aquela pessoa que conheceram e não esperem de mim as mesmas respostas. E, se os aviso, devo dizer que apenas sigo o conselho da escritora americana Lillian Hellman, falecida em 1984, que disse: “As pessoas mudam e, geralmente se esquecem de comunicar a mudança aos outros”.

Isso, queridos, é mto forte qdo resolvemos cuidar de nossa saúde de uma forma profunda. Cuidar mesmo é mudar!
Aureo Augusto.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

AYRÃ SEM MEDO

Ayrã chegou no posto e procurou a avó, Marilza, auxiliar de enfermagem, e perguntou se eu estava atendendo. Com a resposta positiva ele novamente perguntou se ela poderia “encaixar” ele entre as consultas. Escutei as risadas lá fora, com a pergunta dele. Logo ele estava sentado a minha frente, dizendo que não precisava a presença da avó na consulta apesar de contar apenas 8 anos. Conversamos animadamente e depois negociamos o tratamento. Ele não gosta de tomar remédios porque não lhe agrada o sabor, mas o mesmo acontece com os chás ou xaropes. Vai daí que tivemos que descobrir quais são as folhas cujo sabor eram mais aceitáveis – escolhemos hortelã e pitanga – depois consegui acrescentar limão. Entre mel e rapadura, optou pela última e por fim foi a discussão quanto à quantidade de gotas de extrato de própoles. Definimos por 9 – ele não quis 10 de jeito nenhum. Para mim foi muito divertida a consulta e depois, a negociação; no final saiu com a orientação do chá e do gargarejo, feliz porque pôde discutir comigo de igual para igual.
Admiram-me estas crianças de hoje em dia, com seu destempero, sua falta de medo ao lidar com o adulto. No caso de Ayrã ainda temos o fato de que sua avó, que o ama muito, trabalha no posto, local que visita com freqüência. Porém, ficou surpreso com os pequenos que aqui chegam. Com a claridade com que me olham, nos olhos, perguntam, informam... A filha de Ivone, com 11 meses, fez uma que quase me fez cair o queixo sobre a mesa: Estava a mãe descrevendo os problemas pelos quais trouxera a criança. Fui perguntando para entender, mas em dado momento entrou por detalhes da própria vida, sua relação com os pais e até do espaço físico de sua casa. Até certo ponto incentivei isso porque encontrei que tinha a ver com os problemas da criança. Em dado momento dispus-me a interromper para retornar ao fio, mas em um átimo, peguei a lapiseira e fiz um pequeno esboço do rosto da criancinha que me olhava com muita ternura. Não demorei nem um minuto, bem menos, portanto, não era uma coisa muito bem feita. Então fiz outras perguntas à mãe e seguimos a conversa quando a menina apontou para o desenho e disse em alto e bom som o próprio nome: Ana. Como fazia quando olhava no espelho. Ficamos a mãe e eu parados sem acreditar. Então ela olhando pra mim e sorrindo repetiu: Ana.
Outro dia uma criança de 5 meses foi trazida pela mãe. Quando me aproximei com o estetoscópio ela rapidamente pegou o aparelho de minha mão. Eu já estava com a parte superior no ouvido e ela pegou apenas aquela parte circular que encosta-se à área a ser auscultada. Imaginei que fosse brincar, levar à boca, coisas deste tipo. Não. Ela pegou o aparelho e colocou-o sobre o próprio tórax. Então auscultei e pedi para colocar em outro lugar, e em outro, e por aí foi. Quando fui passar às costas ela me entregou para que eu pudesse fazer.
Observo também que elas, as crianças já não se sentem mais tão ameaçadas com os estranhos. Não são todas e nem sempre, porém com freqüência. Admiro-me. Alguém dirá que tem a ver com a televisão que onipresenciou-se em nossas vidas. A influência ocorre inegável. Mas e quando aqui não tinha luz elétrica? Logo que aqui cheguei as crianças eram muito retraídas, mas em pouco tempo a mudança manifestou-se e logo tinha uns pequerruchos se mostrando. O mundo está mudando e não é só no clima.
Agora me lembrei de uma criança lá de Salvador. Tinha seis anos e eu estava no consultório lendo quando bateu à porta. Abri e aquela bolinha terna perguntou-me: Você é o médico que não dá injeção? Disse que não, então ela perguntou: Você quer ser meu médico? A menina havia escutado em uma casa próxima sua mãe conversando com minha irmã sobre coisas de medicina natural. Nem pensou duas vezes. A boa notícia é que não mais precisou tomar injeção.
Um abraço, Aureo Augusto.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

ENCONTRO DE SAÚDE NO VALE

Estamos aqui no Posto de Saúde da Família (PSF-Vale do Capão) no corre-corre porque logo mais nos dias 22 e 23 teremos o II Encontro de Profissionais de PSF do Vale do Capão. Já estamos no segundo encontro! Foi uma idéia que surgiu no seio da equipe. Uma grande novidade, um posto de saúde promover um encontro de saúde. Um dos maiores motivos é que temos muitas dúvidas quanto a condutas de um posto e mais ainda de um posto que faz parte da Estratégia de Saúde da Família, um sistema muito interessante, mas que, embora exista em profusão no Brasil, a realidade é que nós, médicos, enfermeiros, atendentes etc. ainda estamos precisando aprender um bocado sobre isso. Como não podemos convidar profissionais para nos ensinar, fica mais viável convidar profissionais para ensinar a 50 pessoas que trabalham em PSF. Não é uma boa idéia? Por outro lado teremos a oportunidade de partilhar com os colegas nossas experiências, dúvidas, soluções, dificuldades enfim, tudo!
Vejam o programa:
Dia 22 de outubro de 2009, quinta-feira:
8h: Distribuição de pastas e credenciais.
9h: Abertura: Apresentação e Boas Vindas.
Fala das Autoridades.
Palestra: Humanizar o Atendimento por Maria Caputo (Diretoria de Gestão da Educação e do Trabalho na Saúde-SESAB).
12h: Almoço.
12:30h: Espaço para práticas de relaxamento e massagem. Aqui você, participante, poderá receber massagem de relaxamento, Reike, ou outras práticas por profissional residente no Vale do Capão. Inscreva-se, pois as vagas são limitadas.
14h: Apresentação - Como Estamos Cuidando das Pessoas com Hipertensão em nossa Área de Atuação pela Equipe do PSF-Vale do Capão.
15h: Stress e Qualidade de Vida, por Dr. Sérgio Carneiro (LAC-Seabra).
16h: Merenda.
16:30h: Fitoterapia, Plantas Medicinais e SUS, por Dra. Mayara Silva(SESAB/UFBa).
17:30h:O SUS é uma escola - o Curso Técnico dos ACS, uma Proposta de Inclusão, por Dra. Tércia Lima(Escola de Formação Técnica em Saúde-Ba).
19h: Jantar.
Dia 23 de outubro de 2009, sexta-feira:
7:30h: Prática de Tai-chi-chuan. Conheça esta antiga arte chinesa composta de movimentos harmônicos que, além da beleza, contribui para um melhor funcionamento do físico e tranquiliza o mental (nos jardins da pousada).
9h: Debate - Lidando com o Cliente Difícil. 15 minutos de introdução por Dr. Aureo Augusto (PSF-Vale do Capão, Palmeiras) e em seguida debate com todos os participantes. O mote é a pergunta: Como você age ou reage ao cliente difícil?
10h: Dermatologia Sanitária pela Dra. Shirlei Moreira (Ministério da Saúde).
12h: Almoço.
12:30h: Espaço para práticas de relaxamento de massagem. Inscreva-se.
14h: Uma Medicina para Escravos, por Dr. Aureo Augusto.
15h: Epilepsia, o Atendimento Pensando na Pessoa pela Dra. Vera Lúcia Rocha (Ministério da Saúde).
16h: Merenda.
16:30h: A Política Estadual da Atenção Básica em Saúde para o Estado da Bahia, por Dr. Ricardo Heinzelmann (SESAB)*.
17:30h: A Síndrome Metabólica, por Dr. Manoel Alfonso (Clínica Santa Bárbara-Seabra).
19h: Jantar.
*O Dr. Ricardo Heinzelmann não poderá participar e virá outra pessoa da equipe substituilo.
Não é um programa bem legal? Claro que nem pensamos em esgotar tudo em um ou dois encontros. Mas teremos muitos outros. Assim pretendemos.
Devo dizer que a nossa equipe é muito legal. Todos muito animados e dispostos a contribuir efetivamente para melhorar a saúde dos residentes em nossa área de atuação. Para mim tem sido uma alegria trabalhar com esta turma.
Recebam um abraço,
Aureo Augusto

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

UMA ESQUIZOFRENIA BRASILEIRA

Há pouco postei um texto (v. É Ferro) onde comentava a postura de uma mulher, ou melhor, de uma comunidade de Palmeiras com relação ao atendimento médico. Disse de sua dependência às medicações e como reparei que naquela localidade as pessoas são ansiosas e tristes. Ontem (sábado, 15/8/09) fui a pizaria La Piedra aqui no Vale do Capão com um amigo pelo qual tenho muito carinho, o Dr. Ricardo, que também é médico. Enquanto saboreávamos uma deliciosa Marguerita integral, ele comentou sua estupefação diante do que encontrava em comunidades camponesas nas áreas onde atua (também trabalha em PSF). Disse que as pessoas já chegam na consulta dizendo que ali está para que o médico receite tal ou qual medicação (um cara com dor muscular exigiu uma Benzetacil) e esse ou aquele exame (“tou com uma dor aqui na cabeça e quero um raio X”). Ricardo disse que quando ele mostra para as pessoas que naquele caso não está indicado a medicação pedida, as pessoas se enervam. Ele está estarrecido com a quantidade de pessoas neuróticas no meio rural. Muitas pessoas são usuárias de medicações “tarja preta” e perderam a noção de perigo com relação ao uso de medicações. Acontece que os médicos que freqüentaram antes dele a área, obedeciam aos pacientes em um processo de inversão de atitudes impressionante. Enquanto em muitos lugares os médicos exercem autoritariamente sua autoridade, ali, na realidade por desprezo à população assistida (uma postura do tipo: quero me livrar), faziam o que esta mesma população pede. Não se deram ao trabalho de conversar, explicar, exercer o papel pedagógico que em muita medida a medicina pede. Claro que fica difícil conversar quando se tem trinta ou mais pessoas para atender, mas daí à irresponsabilidade que é abdicar seu papel de orientador das pessoas que sofrem... Comentei com Ricardo que o PSF é um programa maravilhoso, onde se exige que o médico lance mão de ações educativas, mas o mesmo governo que quer isso do médico, só leva em consideração, na hora de avaliar um posto, o número de atendimentos. Trata-se de um equívoco espantoso. Não é o número de doentes atendidos que mostram a saúde da população e sim o número de pessoas que não adoeceram.
Obviamente temos pessoas doentes e estas devem ser atendidas, porém se o sistema pede ações preventivas e educativas, estas têm que ser consideradas como ponto capital. Todos sabem que a educação é essencial para a saúde e um exemplo disso é o estudo dos pesquisadores do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Mário Jorge Cardoso de Mendonça e Ronaldo Seroa da Motta, apresentaram no final de 2005; um estudo onde fazem uma avaliação das melhores formas de reduzir a mortalidade infantil (uma das metas do milênio) e chegaram à conclusão que “a pesquisa mostra que a redução do analfabetismo das mulheres é a maneira mais barata de combater a mortalidade infantil”. E Márcia Fuquim de Almeida, professora de epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da U. F. de São Paulo (USP) afirma: “A educação é o meio mais abrangente de combate à mortalidade infantil porque age em todas as componentes do problema”. Já sabemos disso, porque fingimos que não sabemos?
O Brasil precisa sair da postura esquizofrênica quando trata dos seus problemas: Por um lado ainda mantém o antigo paternalismo autoritarista, tratando o povo como crianças tuteladas e por outro investindo na construção de uma sociedade onde as pessoas comuns participam ativamente da governança. O nosso país joga nos dois times, como se fosse possível a um jogador de futebol atuar nas duas equipes ao mesmo tempo. Ou queremos uma sociedade adulta e responsável ou criaremos um país de dependentes, como se o governo fosse papai e mamãe. Resta saber se o SUS terá condições financeiras de suportar ser papai e mamãe.
Um abraço para todos vocês.
Em 16/8/09.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 2

CONTRA AZIA
“O sol
Espatifou-se no mar
Foi noite pra todo lado!”
Nildão
Penso que ainda não nos demos conta do real valor da poesia. Talvez seja conveniente esclarecer o que é poesia aqui, neste opúsculo. Quando, em determinados momentos estabelecemos um estado de consciência onde estamos identificados com um objeto de observação seja ele um elemento do mundo ou de nós mesmos, estamos em estado de poesia e podemos ou não manifesta-lo sob a forma de um poema, texto em prosa ou outras formas de arte. Para mim o estado poético é uma conexão saudável e profunda, situação imprescindível para o nosso bem estar. Poesia implica ‘desalienação’. Para estar em poesia faz-se necessária uma atenção, uma consciência e/ou uma identificação com algo que tanto pode estar fora quanto dentro. Isso implica que poesia é diferente de análise e, mesmo quando a poesia é bem ‘intelectual’, aquele que a fez não percebeu que enquanto produzia ‘desidentificou-se’ do ego, esqueceu deste si superficial e mergulhou no trabalho, tornando-se um com o mesmo. Em outras palavras mergulhou na contemplação, outro aspecto da poesia. Deve ser por isso que um humorista baiano muito arguto colocou como título de um de seus livros: “Poesia, Remédio Contra Azia”. Não é tarefa dos poetas, nem dos humoristas e muito menos dos humoristas poetas (como Nildão) explicar cientificamente as coisas. A poesia como muitas piadas comungam desta característica: Não se propõe a explicar nem a definir tudo, mas de uma maneira incógnita define e explica senão tudo, mas muito do tudo ou de um assunto. O próprio título do livro é perfeito. Azia, explica a ciência, é um sintoma decorrente do aumento da produção de ácidos no estômago com concomitante redução do muco protetor do mesmo (este muco impede a ação dos próprios ácidos sobre as células que revestem internamente o estômago), decorrente de um desequilíbrio dos mecanismos de controle do sistema nervoso central. Isso acontece no mais das vezes quando estamos alienados de nós mesmos, graças a nossas reações às pressões da vida cotidiana e pode resultar em gastrites e úlceras gástricas e duodenais. A influência das emoções desequilibradas (devidas a sensações onde impera o sentimento de não conexão sadia com o mundo) sobre a mucosa digestiva é de muito conhecida. O psicanalista Angel Garma lembra que durante a Segunda Guerra Mundial observou-se que a incidência de úlceras nos habitantes da Londres sob bombardeio foi muito mais alta do que em tempos de paz. Hans Seyle , o grande estudioso do estresse, nos mostra que tendemos a nos adaptar às situações, mas os excessos de hostilidade ou de reações à submissão são bastante lesivos ao organismo. Quando em uma situação nova reagimos intensamente contra aquela situação, como os bombardeados de Londres, o organismo sofre. Já quando contemplamos nós aceitamos. Claro que nem sempre é possível aceitar, muitas vezes há que lutar; mas se na vida permanecemos coligados apenas com a não aceitação (reativos) perdemos o equilíbrio. Daí, “poesia contra azia”. Não é desejável nem praticável afastar-se de tudo o que nos agasta na vida, daí que o sistema gástrico pode sofrer se não cuidamos também de fortalecer aquilo que nos faz sentir parte de uma totalidade, como a poesia.
Além da inegável proteção contra azia, a poesia (e a piada) pode nos ajudar a perceber diferente, ver o mundo com outros olhos tão reais quanto os olhos da análise. De outro livro (Colíricas – Nildão em Gotas) tiro uns versos que merecem atenção:
“De uma coisa / estejamos certos: / quem tem vida interior / desconhece desertos”.