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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

DILMA E O FEMININO

Lembro-me que nos tempos do regime militar comentava-se a boca pequena (e não poderia ser de outra forma) que no tempo em que Costa e Silva ocupou o cargo de presidente imposto, sua mulher deitava e rolava na governança. Inclusive naquela época se dizia que “a diferença entre o Brasil e um trem é que o trem vai pra frente e apita e o Brasil vai de costa e silva”. O povo sempre encontra uma forma de inventar alguma piada sobre quem está no poder. Isso é uma mostra da resistência, mas também denuncia o medo de se colocar ostensivamente. É verdade que naquela época quem ostensivamente colocava-se na oposição tinha alta possibilidade de desaparecer, ser torturado e morrer. Coisas, convenhamos, desagradáveis. Mas, ainda que a mulher de Costa e Silva realmente tivesse algum papel no poder, ela não era efetivamente presidente da república. Agora temos oficial e efetivamente uma mulher como dirigente maior da Nação. O que tenho pensado é quanto ao quanto esta mulher representará verdadeiramente um caráter feminino no governo. Devo dizer que dois livros me vêem à mente quando inscrevo no papel virtual estas letras. Um deles escrito por uma mulher, O Cálice e a Espada de Rhiane Eisler, Ed. Imago, um livro de leitura obrigatória. Uma das vezes que o li tomei o cuidado de fazer comparações com outros livros de história o que me causou maior certeza do seu valor. Deveria ser livro de texto nas escolas. Acho-o essencial para conhecermos nosso tempo e os tempos passados. O outro é A Teia da Vida de Fritjof Capra, Ed. Cultrix/Amana Key, que nos remete ao futuro em termos de compreensão da vida. Penso que a leitura destes dois livros podem contribuir significativamente para que consigamos superar este momento da humanidade onde as mudanças partilham presença com o sofrimento e a incerteza. Além disso podem trazer luz sobre o papel da mulher (e consequentemente do homem) no mundo hodierno, seja no dia-a-dia, seja no governo de empresas ou nações, como é o caso de Dilma Rouseff. Há que registrar que estes comentários nada têm a ver com a qual partido a presidente esteve ou está vinculada. A presidente é de todos, inclusive daqueles que não votaram nela. Outrossim não estou aqui (e neste momento) tratando do bom ou do ruim da continuidade do governo Lula, ou da pessoa de Dilma enquanto indivíduo particular com ou sem competência para governar. Quero tratar agora da mulher no governo e de se esta mulher no governo traz uma governança feminina. Apenas como esclarecimento acrescento que caso Marina fosse eleita o artigo teria a mesma pertinência.
Temos dois exemplos marcantes de mulheres governando países em período recente. Margaret Tatcher e Golda Meyr. Sempre me pareceu que, embora mulheres, não eram distinguíveis dos homens quando de sua ação política. Ou seja, travestiram-se. Contingências do cargo e do tempo? Talvez. Penso que não teriam alcançado os postos que ocuparam se não tivessem se adaptado ao jeito masculino de fazer política. A feminilidade dessas mulheres impressionantes seguramente ficou reservada para os seus esposos, filhos e netos. Mas, repito, enquanto governantes, foram homens.
Há mais de cinco mil anos, na Eurásia encontramos civilizações que se caracterizaram por uma especial consideração pelos aspectos femininos da existência, que traçavam neste aspecto uma linha direta com os povos coletores caçadores, nos quais a mulher tem um papel bastante especial, conforme encontramos (por exemplo) no belíssimo livro de R. Leakey, A Evolução da Humanidade (Ed. Melhoramentos/Un. de Brasília). Na Sociedade Européia Primitiva as pessoas não escolhiam construir suas casas em lugares inacessíveis para proteção contra invasores e sim em recantos aprazíveis. Esta sociedade fomentava e valorizava a fertilidade, a construção de elementos que melhorassem a vida, em detrimento daquilo que a destruía, como as armas. Cidades como Çatal Huyük, na península anatólica, existiram por longos períodos sem guerras, assim assinalam os registros arqueológicos. Até que invasões de povos patriarcais (os kurgas ou kurganas) eliminaram este status quo e produziram novas sociedades com maior ou menor proeminência do elemento masculino, e com variadas formas de dominação de uns sobre os demais. Cidades como Mohenjo Daro na península indiana não tinham extremos de pobreza e de riqueza e seus habitantes contavam com sistema de eliminação de águas servidas há 9000 anos atrás. A última civilização com fortes características gilânicas (ou seja, de igualdade entre os sexos), os minóicos de Creta, nos legou cidades sem muros, um cuidado com o bem estar, expresso, por exemplo, no sistema de água para a população e uma arte totalmente desprovida de elementos guerreiros. Mas tudo isso foi substituído pelos povos patriarcais e nós, habitantes do século XXI, somos os produtos dessa radical mudança. Os nossos sistemas de pensamento têm embutidos a concepção de que a dominação de uns sobre outros é algo natural e interpretamos os fenômenos naturais e sociais como acontecimentos centrados na luta, na guerra, no confronto e na hierarquia de dominação. O filósofo grego Heráclito, filho de uma sociedade tremendamente machista – para os gregos a mulher era inferior a ponto de sugerirem que as relações homossexuais masculinas eram preferíveis às heterossexuais (veja isso n’O Banquete, de Platão) – considerava que o próprio ato de existir era fruto da luta entre os elementos da natureza. A idéia de interação dos opostos não era tão cara ou comum em uma sociedade onde a guerra era uma constante. Para os gregos a Ilíada, o livro de Homero que descreve os últimos momentos da Guerra de Tróia, era o texto onde aprendiam ética e moral, daí ser-lhes difícil compreender o mundo em termos pacíficos. O livro permanece hoje como fundante da nossa cultura, porém já começamos a, sem deixar de reconhecer-lhe o valor, criticar os princípios sobre os quais se assenta.
Nos últimos anos do século XX, principalmente no mundo Ocidental, onde é possível, graças ao pensamento democrático, a crítica, começou uma mudança deste paradigma. As percepções, técnicas, valores etc. que aprendemos têm sido questionados profundamente e iniciamos uma época difícil por trazer a insegurança do novo (e não estabelecido), porém fértil e rica em possibilidades para uma sociedade cansada (porém viciada) de injustiças. Daí, surgiram movimentos que propugnam novas relações entre as pessoas e insistem na percepção de que a diversidade é desejável, de que somos parte do meio-ambiente e também no reconhecimento da igualdade inerente a todos os seres. Neste novo paradigma não cabe avanços científicos ou econômicos sem avaliação de seu impacto social e ambiental. Nos estudos sobre ganhos de certas tecnologias há que incluir os prejuízos ambientais que a sociedade como um todo paga. A exemplo: Produzir energia com petróleo tem sido considerado mais barato do que a energia eólica ou solar (por causa do custo inicial dos equipamentos), mas não se incluía até agora nas contas o impacto da poluição decorrente do uso de combustíveis fósseis, custos estes que nós, pessoas comuns, pagamos, e pelos quais as empresas não são cobradas. Mas o principal são as relações interpessoais. Aqui não cabe dominação. E isso ainda é bem difícil para todos nós, mesmo aqueles que conscientemente querem um mundo melhor. Ainda estamos acostumados a mandar e/ou sermos mandados. Confundimos liberdade com irresponsabilidade, direitos com satisfação de desejos etc.
Dilma em sua juventude participou da luta contra as graves discrepâncias sociais. Diferentemente de personagens como Gandhi, que optaram por uma não luta contra a injustiça, ela optou por fazer parte de grupos clandestinos guerrilheiros. Àquela época eu estudava medicina e admirava a coragem destas pessoas, conquanto admirasse também a enorme coragem do Mahatma. Ainda os admiro, porque me lembro que os governos militares nos impuseram uma vida indigna e subhumana, uma vez que o ser humano existe, entre outras coisas, na medida da sua autonomia, da sua liberdade e responsabilidade. Dilma, como eu, ou como você que me lê, aprendeu que competir é mais aconselhável nas relações políticas do que cooperar. Ela alcançou o lugar que agora ocupa competindo arduamente contra outros grupos. Nesta competição, não apenas ela, mas eu e você, leitor, esquecemos que os adversários são pessoas da mesma forma que nós e que estão aprisionados no mesmo sistema de valores que nós. Os inimigos, de regra, são nossos espelhos reversos. Vejam, por exemplo, Franco e Salazar na Espanha e em Portugal e compare-os com Stálin ou Pol Pot na Rússia e no Cambodja. Os dois primeiros estabeleceram cruéis ditaduras de direita e, os dois outros, cruéis ditaduras de esquerda. Para as pessoas que sofreram perseguições, torturas, morte, perda de amigos, familiares e liberdade, qual a diferença entre esquerda e direita?
Hoje somos, enquanto espécie, muito poderosos e podemos destruir o nosso planeta. Em realidade o estamos destruindo. Movimentos pacifistas, ecológicos, eco-feministas, de economia solidária entre outros estão atuando na criação de um mundo novo. Dentre estes destaco os movimentos pelo diálogo reflexivo, franco, responsável e aberto (v. Adam Kahane, Como Resolver Problemas Complexos – Uma Forma Aberta de Falar, Escutar e Criar Novas Realidades, Ed. Senac). Os nossos governantes estão muito longe destes movimentos, ou de levar em consideração suas conclusões e propostas. Agradar-me-ia em grande medida se Dilma entendesse oposição como possível complementaridade (aliás, que a oposição também entendesse isso), percebesse que o desejável crescimento econômico só se justifica na medida em que as próximas gerações não tenham suas possibilidades de bem estar e de sobrevivência negados e, mais ainda, que educação é mais do que repetição de sílabas ou palavras preestabelecidas e sim a construção de leitores e escritores capazes, dotados de autonomia (inclusive para questionar nossos valores). Em realidade, a questão não é o sexo do governante e sim o quanto ele já compreendeu da necessidade que o mundo tem de que os seres humanos percebam-se dentro e não fora, participantes e não observadores, juntos e não contra. Mas antes de exigir algo de Dilma, devemos procurar em nós os sinais de um novo tempo. Quando queremos impor nossas idéias, mesmo que elas sejam corretas e imbuídas das melhores intenções, estamos mantendo um padrão de dominação (em muito semelhante à conduta dos colonizadores cristãos na África ou América, obrigando os moradores a usarem roupas européias porque consideravam os trajes nativos ofensivos à moral), quando insultamos àqueles que por ignorância, por preconceito, ou por qualquer outro motivo, têm propostas diferentes das nossas, estamos dando continuidade ao pensamento colonizador, dominador, elitista, onde alguns são os donos da verdade e os demais não passam de uma massa amorfa, sem nome e sem vontade, sem valor e sem rumo. Queridos amigos e amigas, a ignorância é algo conspícuo no mundo; os mais sábios, algo não sabem e os que menos conhecem algo sabem para ensinar até ao sábio. Não espero uma mudança rápida nos modos de comportamento e na filosofia de vida de nossa população, nem de nossos governantes, e, claro, nem mesmo de mim (porque, lembro, fui criado dentro de um sistema e mesmo vendo suas fragilidades filosóficas e estruturais, estou impregnado de seu modelo), mas convido a todos a que continuemos a mudar a nós mesmos no sentido de praticar democracia, e, consequentemente, tolerância.
Recebam um abraço gilânico, de Aureo Augusto

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

CONGRESSO NACIONAL E DEMOCRACIA

Recentemente recebi um e-mail com este conteúdo:
"O Congresso Nacional é um local que: se gradear vira zoológico, se
murar vira presídio, se colocar uma lona em cima vira circo, se colocar lanternas vermelhas vira prostíbulo, e se der descarga não sobra ninguém”.
O triste é que há bastante verdade nisto. Mas há também existem riscos nesta avacalhação. Podemos confundir a qualidade das pessoas ali presentes com a democracia e, também podemos esquecer que naquela casa existem pessoas decentes, conquanto não sejam a maioria.
Notem que uma parte dos congressistas era aliada do regime militar que ditou as regras do jogo político em nosso país. Para eles, o nome do congresso pode ser jogado na lama, pois isso ativa naqueles que têm pouca memória o desejo de um regime forte, de direita, que teoricamente acabe com a lambança suposta ou realmente generalizada. Outra importante parcela dos congressistas tem pouca claridade quanto ao que é e como é democracia e, na realidade, não se sentiria constrangida no caso em que nosso país fosse acometido por um regime forte de esquerda. Uma ditadura dominada por um partido único, que não admitisse oposição, como na China ou na ex-União Soviética seria desejável para estas pessoas, desde que eles estivessem no partido dominante. Daí não se espere da maioria dos deputados e senadores uma postura em que a casa que eles freqüentam fique acima de qualquer suspeita.
Por isso, caro leitor, não espere que nossos representantes no Congresso Nacional (salvo algumas exceções honrosas) estejam real e efetivamente preocupados com isso ou aquilo que esse ou aquele dos seus membros pratica de imoral, ilegal, irregular. Enquanto nós, aqueles que acreditamos no regime democrático, queremos um congresso forte, capacitado a apoiar e a confrontar o poder executivo, preparado para legislar pelo bem comum, os deputados e senadores não entendem a necessidade disso. Importa, isso sim, que estejam no poder, pois, dessa maneira, arrancam nacos do erário público, ou locupletam-se com as benesses que o poder proporciona. Quando ficamos horrorizados com absurdos inadmissíveis como o Jetom, com combinações e maquinações secretas, eles apenas ficam constrangidos porque foram apanhados com a mão na massa. Tal qual o ladrão contumaz que foi apanhado roubando galinha. O problema para ele, não é a própria honra ou coisa parecida, é que a partir daquele momento ficou marcado e pode ser que os vizinhos fiquem de olho. Contará apenas com a memória falha dos observadores para poder aproveitar os descuidos. É muito triste ver as coisas deste modo, que é o mais realista. Os nossos representantes no poder legislativo, infelizmente são, na melhor das hipóteses, despreparados. Nos municípios, nos estados e no nível federal. As exceções existem, mas apenas confirmam a regra, segundo a qual, toda regra (menos esta) tem exceção.
Ainda não nos acostumamos com a democracia. Neste sistema a nação pertence a cada um de nós. Somos nós que legislamos pelo bem de todos. Como o país é muito grande (bem como sua população) não é possível que cada um de nós freqüente o Congresso. Por isso elegemos os nossos representantes. Estes deveriam postar-se ali não como defensores do próprio emprego e sim como arautos de soluções para nossas necessidades comuns. Porém, o próprio processo de eleição está sobrecarregado de ranço clientelista, tornando-se um toma-lá-dá-cá, onde a compra de votos ou a negociação de vantagens toma o lugar da discussão de princípios ou de programas. A atividade política em nosso país ainda é excessivamente conspurcada pelo jogo de interesses pessoais. Isso dá margem (entre cidadãos incautos) a desejos fantasiosos de que surja um personagem forte, bom e santo, que liderará as massas e as conduzirá ao paraíso. O paraíso não existe. Existe apenas a nossa responsabilidade pessoal. Hitler, Mussolini, Pol Pot, Lênin, Stálin, Perón, Napoleão Bonaparte, Napoleão III, Idi Amin… estes são alguns exemplos de nosso passado triste. O que eles têm em comum? Muitas promessas e milhares ou milhões de mortos. Justiça, talvez no início, em alguns casos, depois, o de sempre; os aliados do ditador dividem entre si o melhor, mas poucas vezes participam do sofrimento da grande maioria. O salvacionismo, como o sebastianismo, é sempre para as massas, e, como sabemos, as massas são para serem conduzidas. Gado, alcatéia, cardume. Seja para sair a matar, seja para correrem desesperados sem direção; a massa não pensa, e é fácil de dominar (e assustar); basta encontrar alguém em quem por a culpa (com justiça ou não) e em quem descarregar a raiva. O remédio para isso é educação e democracia.
Vivemos uma democracia. O dito acima mostra que não tenho fantasias quanto ao caráter daqueles que nos representam. Mas isso não me deprime. O processo é este. É assim que as coisas acontecem. Trata-se de uma educação. E educação é aos poucos. Devagar as pessoas vão aprender que quem compra voto quer de volta o que gastou com grande lucro, quem hoje rouba aproveitando-se das vantagens do poder, amanhã roubará muito mais. Aos poucos nós os brasileiros iremos tirando os votos daqueles que não os merecem.
Meu voto é caro demais para ser comprado. Tão caro que só pode ser dado, e escolherei com cuidado quem receberá este presente, que é uma procuração. Não votarei nos vereadores, deputados estaduais ou federais e senadores que não merecem minha confiança, que estão envolvidos com situações escusas. Eles são em grande parte os responsáveis pelas dificuldades que eu mesmo enfrento no dia-a-dia de estradas esburacadas, excesso de imposto, criminalidade etc.
Há uma campanha correndo a internet, solicitando que mudemos a cara do Congresso. Muito bem. Estou nessa. Não vou votar em quem não merece minha confiança. Não vote em quem você não confiaria sua carteira. Vamos mudar o Congresso!
Em 28/9/09