segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Momentos especiais só meus....


O Natal foi passado a trabalhar, mas muito feliz.
Rodeada por aqueles que partilham todos os meus dias, que me aturam as birras, a tpm, as más disposições.
Ou que me animam nos dias tristes em que a vida me enfia os dedos pelos olhos adentro e me fura um olho. 
Os meus colegas são especiais, são os meus amigos, a minha família, com eles reparto mais horas do meu tempo do que com quaisquer outras pessoas.
Conhecemo-nos muito bem. Sei identificar as lágrimas nos olhos extremamente brilhantes da Lsd, que ela disfarça olhando para o chão ou dando pequenos estalidos com a língua num ruído irritante e inconfundível, num tique que chega quando todos sabemos que está triste e prestes a desmoronar.
Sei olhar para a Judy a rapariga furacão, e perceber no seu tom de pele branquinho, que quando fica vermelha, a soprar como uma panela de pressão, e morde o lábio, que está pronta a explodir e a arremessar com tudo. 
Ou quando percebo que a Picolé que só diz piadas secas, parvas, e faz os disparates mais idiotas do mundo tenta disfarçar o que a vida lhe tem dado de mão cheia desde os 24 anos...tudo de mau, tudo o que ninguém sabe muito bem como ela tem conseguido aguentar...
E a Tattoo, a menina tatuagem, que tem duas tatuagens enormes na perna e braço esquerdo que se complementam....arrojada, aventureira, decidida, muito independente, leal...muito amiga.
Que tem choro e riso fácil, emotiva, que fica de rastos quando falha, sempre que não consegue recuperar, ou dar vida, e por mais que lhe expliquemos que há coisas que ninguém é capaz, ela não acredita, reclama que a vida é injusta, amua, e revolta-se, e furiosa costuma dar murros na mesa de trabalho e questionar-se em voz alta....Porquê? Porra pá.... Porquê?
E depois das raparigas, falta a Maggy, sim está bem escrito, e tem nome de quadrado de culinária, porque é mesmo assim, ela é o tempero, o ponto certo, o que faz sempre falta,  une, funde e estabelece o equilíbrio, é a mais velha de todas nós, a mais sensata, a mais humana e porque todas nós achamos isso, a mais querida.
Sempre pronta a defender-nos, a ajudar-nos, a prejudicar-se, para que a equipa seja homogénea, coesa e funcional.
E os rapazes... o Pedrinho o mais novinho da equipa, giraço, cheio de músculos, mas também cheio de manias, de inseguranças, sempre cansado das noitadas perdidas, das gajas que não lhe dão tréguas, sempre à espera de ajuda, sempre à espera de mais, de tudo....
O Zeca, perdido, deprimido, triste, rejeitado, a viver uma perda dolorosa da qual ainda não recuperou, que se apoia em nós, que espera sempre por um carinho, que é daqueles homens que não se esconde, que não se faz forte, que não tem vergonha em mostrar as fragilidades e que de mão estendida abre o coração e pede ajuda.
E o Francisco sensato, calado, reservado, e faz jus ao comum dos homens... típico, ouve mais e fala menos. E ri-se muito, abana a cabeça com tudo aquilo que dizemos...e por vezes diz... vocês são doidas varridas... Socorro são loucas!
O Duarte, que passa-se por tudo e por nada, que fuma, ou melhor come cigarros, uns atrás dos outros, vai fumar ao pátio às escondidas e tem uma paixão assolapada por uma médica interna do internato geral, novinha, muito simpática e que quando se ri para ele, estampa-lhe na cara um sorriso feliz de puto reguila que foi apanhado a fazer uma maldade na escola...
No Natal embalados nos risos de cada um de nós ouvimos histórias contadas na primeira pessoa, verdadeiras, deliciosas. Aconchegados ao colo uns dos outros ou sentados nas bancadas, num serviço onde as cadeiras nunca chegam, interrompidos pelo barulho do altifalante da sala de espera, pelos monitores dos pc's da sala de trabalho onde aparecem de tempos a tempos as prescrições terapêuticas e pelo aviso sonoro do besouro da sala de emergência, lá fomos ceando, rindo, trocando carinhos e por fim trocando prendas.
Todas elas divertidas, malandras...cuecas comestíveis, cuecas masculinas com trombinhas e mais bichos estranhos, aventais sexys com corpos de boazonas, algemas, dados dos amor e mais porcarias sem utilidade nenhuma mas que nos proporcionaram momentos de cumplicidade e amizade únicos, só nossos.

E estes são momentos inesquecíveis, perfeitos, e só meus...

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

There is always hope....I hope so!

                                                                           


Mais uma noite muito complicada...

Doente de 46 anos,  sexo masculino, entrado na sala de emergência, por tentativa de suicídio por enforcamento, marcas visíveis de estrangulamento no pescoço, edema extenso das partes moles, suspeita de lesão cervical com compromisso vertebro-medular, provável anóxia cerebral, score 8...parametros vitais reduzidos, 74 de oximetria.
Doente não responde a ordens simples, midriase, coma...

Após a  intervenção da equipa de anestesia e de cirurgia geral, e depois de várias tentativas de entubação oro traqueal pela anestesia que se revelaram infrutíferas bipámos a equipa de maxilo-facial que iniciou manobras para nova entubação...doente com lesões graves na traqueia o que impediu a passagem do tubo...Depois de muitas tentativas feitas com a oxigenação do sangue sempre a baixar e os valores de oximetria muito inferiores ao desejável, a cirurgia optou pela traqueostomia...perfuração do pescoço para introdução de uma canula que vai permitir ventilar mecanicamente o doente com o apoio de um ventilador na forma de respiração artificial.

Cá fora estavam a mulher e dois filhos do paciente que tínhamos na sala e que apesar de todos os esforços  desenvolvidos estava, clinicamente morto. Saí da sala por momentos para ir buscar material à pequena cirurgia, e cruzei-me com a senhora que lavada em lágrimas, me puxou um braço e disse:
Diga-me, ele salva-se? Já dei por ele tarde demais...estava roxo.
Parei, e disse: Vamos ver, mas está muito complicado, e fugi dali rápido...ainda a ouvi ao longe dizer...
Mas porquê isto.... havia esperança,  tudo se ia resolver....

Não indaguei os problemas que levaram o senhor a cometer tamanha loucura, não julgo ninguém, e reconheço que por vezes a razão prega-nos partidas, mas tenho por norma que todos os problemas têm solução, e os que não têm solução à partida já estão resolvidos...
E esta não é de certeza a solução.

Uma coisa é certa, cada vez mais nós profissionais de saúde somos confrontados com verdadeiras tentativas de suicídio, de quem quer muito morrer e sabe a maneira certa de fazê-lo.
Nesta altura do ano onde a solidão bate mais forte, a miséria se exponencia, e a falta de dinheiro, dos amigos ou da família se sentem com mais intensidade, acontecem mais tentativas de suicídio, em todos os turnos as há, a grande maioria são apenas ameaças, tentativas, mas outras vezes tal como hoje....a tentativa resulta em sucesso.

Para mim, ficou mais uma vez a verdade da realidade escondida, por detrás da alegria do Natal....
Yo no creo em brujas, pero que las hay, las hay!!!!

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Diálogos parvos...de meninos espertos.

                                                                             
                                                                             

                                                                                     
Adoro bêbados...E gosto ainda mais de gajos bêbados armados em espertos às 5 da manhã.
Uiiiiiii...........

Doente etilizado, sinais evidentes de agressão física, escoriações várias, ferida incisa no sobrolho direito, com indicação para sutura na pequena cirurgia, possível fractura dos ossos próprios do nariz, pequeno hematoma no olho direito, e sangramento do lábio...
Prescrição terapêutica de analgésico intra-muscular para controlo da dor, e anatoxina.

eu: Vai deitar naquela marquesa de barriga para baixo, tira a camisa e baixa as calças e as boxers se faz favor.(a intra muscular é no quadrante superior externo da nádega, a anatoxina no bicípede do braço)
menino esperto: Então isso é assim? Ao primeiro encontro é logo mandar deitar e tirar as calças, e não há conversa?
eu: Aqui trabalha-se, vamos lá a baixar as calças e menos conversa...

Viro-me para preparar os injectáveis, e quando me volto menino esperto deitado de barriga para cima, boxers e calças puxadas para baixo...
eu: Mau, mas você é surdo? Eu disse de barriga para baixo, vire-se...
menino esperto: Tu és linda, eu mostro tudo...Anda cá que eu não te aleijo!
eu: Ouve lá pá, (eu já no modo tu cá tu lá badamerda) são 5 da manhã, e eu a esta hora já não me apetece gramar gente parva, vira-te de barriga para baixo já, e deixa-te de coisas.
Menos conversa e mais acção.

Menino esperto vira-se de barriga para baixo, enquanto diz: olha não queres...tu é que perdes! e eu tungas, afinfo-lhe com garra, enquanto aviso: Vai doer!
menino esperto : Fodaaaa-se. Bruxa do car@lho!
eu: Ainda bem que já estás melhor...Nada como a medicação certa. O álcool que tens nas veias e o sangue que escorre do sobrolho toldavam-te a visão, mas agora ó ó, já vês muito melhor...

Que maravilha... continuas bêbado e calhau com dois olhos, mas vês na perfeição!
Para a próxima que tal, águinha da épalis...digo eu.