"Absinto" é uma bebida destilada feito da erva Artemisia absinthium. Anis, funcho e por vezes outras ervas compõem a bebida. Ela foi criada e utilizada primeiramente como remédio pelo Dr. Pierre Ordinaire, médico francês que vivia em Couvet na Suíça por volta de 1792.É também conhecido popularmente de fada verde em virtude de um suposto efeito alucinógeno. Absinto, o blog, é um espaço para delírios pessoais e coletivos. Absinte-se e boa leitura.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Rafael vai namorar



Rafael tem 15 anos e arrumou namoradinha.

Vai à casa da menina no fim de semana e não volta para a casa.

Rafael leva bronca da assistente social. Rafael é abrigado.

A moça pega Rafael pelo braço e vai até a família da menina.

“Olha”, ela diz, “Rafael é um ótimo menino, espero que o namoro seja muito bom para os dois, mas eu sou responsável por ele e ele tem que voltar para dormir em casa”.

Rafael gosta, fica orgulhoso. Alguém zela por ele.

Daqui a pouco Rafael vai fazer 18 anos e terá que sair do abrigo.

Para onde ele vai? Não se sabe.

Pratica esportes, ganha medalhas.

Sonha em arranjar um bom emprego.

Vai à escola e é esforçado, mas a vida não lhe permitiu notas para passar em um vestibular. 

Mesmo assim Rafael está feliz, porque está amando.

No Brasil a adoção acontece até os cinco anos de idade. 

Depois disso as estatísticas não são nada animadoras. 

E a maioridade oferece a esses meninos e meninas o portão da rua.

Os abrigos sérios fazem esforços para dar condições para que estas crianças e adolescentes tenham o maior contato possível com o outro lado do muro. 

Eles precisam crescer.

Nas primeiras vezes que saem do abrigo eles seguram forte nas mãos dos educadores, têm receio de atravessar uma rua, não sabem como pegar um ônibus.

Há todo um trabalho para que eles se sintam seguros e conquistem independência. Como namorar.

Rafael é o nome do meu filho de sete anos. Se ele estivesse em um abrigo, não teria mais chances de ser adotado.

Penso nos dois e na distância de amor, carinho e atenção. Mas Rafael tem sorte de estar no abrigo em que está. Mesmo de um jeito diferente, ele encontrou um lar.

Perto de você, em sua cidade, há meninos e meninas que precisam de exemplos neste longo caminho para o amadurecimento.

Faça uma visita a eles, leve-os para passear, promova um lanche diferente, um dia de jogos e brincadeiras, cinema com pipoca, pague um curso, dê um curso.

Muito mais do que dinheiro, eles precisam de afeto.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Pecadinhos



Pegou a última garrafa de absinto na estante da sala, colocou um disco na vitrola. 

Ela apreciava a nostalgia dos vinis.  

A mesa posta para dois. 

Cordeiro assado era o prato escolhido. 

Acompanhado de geléia de pimenta e arroz com nozes. 

O vinho chegaria com a visita. Como em todas às noites de terça. 

Ela cumpria o ritual, menos entusiasmada, mais acostumada. 

Ele chega, dispensa o cardápio, prefere o trivial, com algumas variações. 

O fogo renasce. 

Nada como se ter apetite.



Pecadinhos por Zeca Baleiro

Cordeiro de Deus que tirai os pecados do mundo
Tende piedade dos pecadinhos
Que de tão pequenininhos não fazem mal a ninguém

Perdoai nossas faltas
Quando falta o carinho
Quando flores nos faltam
Quando sobram espinhos

Eu que vivo na flauta
Vivo tão pianinho
Vou virar astronauta
Pra aprender o caminho



domingo, 16 de janeiro de 2011

O Telhado de vidro e os guardiões da alma



Há dias em que a angústia pela vida não vivida me abala terrivelmente. 

Tenho me pego assim por muitas vezes, com uma nostalgia do que não me permiti e não me permito ser. 

Nem sempre consigo ser tão otimista, embora saiba perfeitamente que este estado de espírito dependa exclusivamente do meu olhar sobre os acontecimentos.

Ver na varanda o orvalho escorrendo das árvores nem sempre me mata a sede, por vezes me aguça, por vezes me desfalece. 

Excesso de paz deprime, o que me leva a ter uma imagem não tão fascinante do céu.

Quando menina, sonhei em ser monja e viver para sempre ao som de cantos gregorianos. Aí conheci Rolling Stones e tudo mudou. 

Percebi que a paz precisa ser abalada de vez em quando.

Então invento moda de domingo, troco móveis de lugar, saio sem rumo, mudo trajetos e exorcizo rotinas.

Não dá para segurar a vida sendo totalmente sã. 

Não dá para ser normal na normalidade.

É preciso me perder para me reencontrar.









sábado, 15 de janeiro de 2011

Dias tristes





Não há palavras para dizer o quanto ando triste esses dias.

Quando menina, a estação mais esperada era a estação das férias, o que para quem mora abaixo da linha do Equador significa o Verão.

Um verão festivo dividido entre praias cariocas e a casa da avó no interior de Minas Gerais.

Também me recordo da chuva. Algumas muito fortes e que causavam mortes.

Mas não me recordo de verões com tantos enterros.

Me recordo de outras campanhas de solidariedade – inúmeras.


E também me lembro - com muito pesar - de descarados desvios de dinheiro, de roupas e de mantimentos promovidos por homens cuja moral é tão curta quanto a memória dos eleitores de nosso país.

Outro dia mesmo ouvi um rapaz dizendo que não compreendia como algumas pessoas se preocupavam em salvar baleias mesmo morando em cidades onde se quer existe um mar.


Quer saber, não dei resposta alguma. Qualquer argumentação me pareceu inútil para conversar com alguém tão raso de compreensão da coletividade.

Mais uma vez a solidariedade humana irá ajudar a reerguer centenas de famílias.


E com tal ambudância de amor e provimentos que milhares deles serão usurpados de seu nobre destino. (Acreditem em mim, alguns comprimidos para dormir fariam toda a diferença nesta cesta-básica.).

Mas isso na verdade não importa. Importante é o ato solidário que salva. O ato de coletividade.

E mais uma vez seguimos à reboque dos acontecimentos.

A chuva, as encostas, os desmatamentos, os asfaltos, os bueiros, as leis permissivas que possibilitam a regularização de construções irregulares, os coeficientes de construção modificados contribuindo para o densamento urbano, o dinheiro.


E depois, apenas as lágrimas. Os mortos. A vida interrompida.


Para ajudar os desabrigados da região serrana no Rio de Janeiro


Para ajudar os desabrigados da região serrana em São Paulo


Fotos: Portal Terra e G1

sábado, 8 de janeiro de 2011

O menino do final do beco


Franzino e de olhos assustados,

Ele não fazia parte do time da rua, 

não tinha bolinhas de gude e não subia em árvores.

Nunca molhou os pés nas poças formadas pelas chuvas.

Eu me encontrava com ele todos os dias na padaria no final da tarde.

Eu comprando pão. Ele balas.

Eu esperava um sorriso. Ele sempre distante.

Um dia o menino chegou não tão menino.

Tinha um jeito diferente e pela primeira vez ousou me olhar.

Senti sua respiração em meus cabelos enquanto falava comigo.

Não sei o que ele disse, nem me lembro o que respondi. 

Apenas repeti palavras desconexas.

O menino sorrindo,

O sorriso dourado.

Levei três meses, quatro dias e cinco noites 
para ter coragem de olhá-lo novamente.

Levamos seis anos, oito meses e sete dias para nos falarmos.

Então, começou a chover. 

E com pés descalços, descemos a Rua Direita de mãos dadas.

Crescer, às vezes, leva tempo. Às vezes, nunca acontece.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Ano Novo de novo

Feliz 2011

E com suas mãos pequenas enroscada nas minhas,
me conduz até seu esconderijo secreto e me mostra sua mais nova invenção.


Ela, a máquina, era composta de um relógio do Bem 10, fixado em uma bancada de madeira com uma ampulheta de brinquedo cuidadosamente equilibrada no relógio.


Funciona assim: Ele aperta o relógio, vira e equilibra a ampulheta. A areia desce para a outra extremidade ao som do pequeno relógio alienígena.


Que legal! Digo, realmente encantada com a sua criatividade. O que essa máquina faz? Há, faz mil coisas!!!


E eu fico a imaginar com seria bom uma máquina de fazer mil coisas. 


E, como é ano novo, me pego pensando na lista de mil desafios que me proponho todos os anos e das quais me despeço antes que o ano acabe. 


Não porque eu seja indisciplinada, mas simplesmente porque me dá preguiça fazer planos tão longos.



De repente me vejo com lápis na mão planejando 2011. Mas dessa vez de uma maneira (inovadora??). 


Escrevo apenas três desafios a serem cumpridos até junho: Emagrecer, é óbvio que este seria o primeiro item desta lista feminina; aprender a meditar e aprender a andar de bicicleta.


Ganhei uma bicicleta neste Natal. Papai Noel não está atrasadinho, ganhei a primeira aos oito anos de idade em um concurso na minha escola, mas minha mãe a vendeu com medo de eu me machucar. Nunca aprendi. 


O dinheiro da bicicleta foi usado para comprar malas para minha primeira viagem fora do Brasil.


Meu filho deu a idéia: Pai, vamos comprar uma bicicleta de Natal para a mamãe? 


E agora não tem jeito, vou ter que aprender ou ouvir gozação o resto da vida.


Então, eis-me aqui neste início de ano fazendo promessa. 


Não vou planejar mais do que dependa apenas de mim. 


A vida anda me ensinando que planos que envolvem terceiros podem se tornar totalmente imprevisíveis.


Vou seguindo o curso do rio, sem muitas expectativas. Apenas com alguns sonhos bem guardadinhos e semeados. Estes eu não conto, ainda.


E volto a pensar na máquina de fazer mil coisas. 


Aquela que não está à venda pelo Shop Time, mas que construímos dentro do peito e ressurge a cada janeiro.