Palavras de um pregador (assumiremos que seja Salomão, mas não se tem certeza). O livro é basicamente isso: palavras de um qohelet, alguém que convoca uma assembleia (ekklesia, da qual vem a palavra Eclesiastes). É uma incursão pra...
morePalavras de um pregador (assumiremos que seja Salomão, mas não se tem certeza). O livro é basicamente isso: palavras de um qohelet, alguém que convoca uma assembleia (ekklesia, da qual vem a palavra Eclesiastes). É uma incursão pra dentro, pra se perguntar o porquê de se fazer as coisas. O pra quê de se fazer as coisas. E, principalmente, o resultado delas, qual o sentido de se viver e fazer tudo o q se vive e faz. Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade. Eclesiastes 1:2 Segundo o pregador, tudo é vaidade. O termo hebraico é hebel, que quer dizer fôlego. Salomão está dizendo que tudo passa, e rápido, como o ato de alguém inspirar e expirar. É um sopro de sopros. A constatação é de que tudo é assim, tudo passa. As obras, as palavras, os trabalhos... o homem. Tudo passa. Nada permanece para sempre. Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho, que faz debaixo do sol? Eclesiastes 1:3 Que vantagem, que valor, que yitron tem o homem com todo o seu trabalho debaixo do sol? Nenhum. Se tudo vai passar, e eu inclusive, de que adianta fazer qualquer coisa? Tudo é como um sopro. Debaixo do sol, ou seja, nesta vida, nada tem sentido em si mesmo. É importante reparar que toda a argumentação está em ver a vida como meramente uma existência terrena e transitória. Nada de divino aqui, por enquanto. A intenção do pregador é transmitir a angústia que ele mesmo teve (como diz várias vezes no livro) ao experimentar e viver tudo o que teve vontade. No fim, nada fez sentido. Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece. Nasce o sol, e o sol se põe, e apressa-se e volta ao seu lugar de onde nasceu. O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento, e volta fazendo os seus circuitos. Todos os rios vão para o mar, e contudo o mar não se enche; ao lugar para onde os rios vão, para ali tornam eles a correr. Todas as coisas são trabalhosas; o homem não o pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos se enchem de ouvir. O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol. Eclesiastes 1:4-9 As pessoas nascem e um dia morrem. E não parece que isso faz tanta diferença assim. Ninguém parece notar. Ainda que pessoas na história da humanidade tenham dado contribuições fantásticas, a transitoriedade da pessoa fala mais alto que suas obras, pelo menos pra ela mesma. Afinal, tudo que ela fez não será usufruído por ela, mas por outros. As coisas acontecem em ciclo, num ciclo interminável e incansável, sem novidades, e ainda assim o olho nunca se farta de ver e o ouvido de ouvir. Parece que nunca nenhum som satisfaz por completo, como também nenhuma comida, nenhuma bebida, ou nenhum bem, ou nenhum relacionamento. E isso se repete há tempos, desde que o mundo é mundo. O que foi um dia tornará a ser; o que se fez, se tornará a fazer. Em 07/04/2015 Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos passados, que foram antes de nós. Eclesiastes 1:10 O fato de Salomão ter experimentado poder, riquezas, prazeres, sabedoria e trabalho de uma maneira intensa, fez com que tudo parecesse incrivelmente entediante e repetitivo. Por isso ele pergunta: "há algo de que se possa dizer, 'veja, isto é novo!' Não, já existiu há muito tempo...". Como é um livro filosófico, existencial, temos que entender o que está por trás desta afirmação. Salomão não está dizendo que não havia novidades tecnológicas (como o sistema de irrigação de sua cidade) ou arquitetônicas (como seu palácio), mas que nada disso lhe fazia sentir novo. Nenhuma novidade era algo de fato novo, que renovasse a expectativa dele em viver. A penicilina (antibiótico descoberto em 1928), a TV a cores, a internet e a inteligência artificial foram descobertas e invenções revolucionárias com as quais Salomão nunca sonharia. Mas se ele vivesse hoje, diante disso tudo, ainda diria: "Há algo de novo? Não". Por quê? Porque o problema persiste: os olhos nunca se cansam de ver e os ouvidos de ouvir. Já não há lembrança das coisas que precederam, e das coisas que hão de ser também delas não haverá lembrança, entre os que hão de vir depois. Eclesiastes 1:11 Bom, se isso fosse verdade ao pé da letra, não deveríamos lembrar do próprio Salomão, que viveu em aproximadamente 950 a.C. Ele mesmo vivia em uma cultura onde os antepassados eram lembrados constantemente (Moisés, Davi, Abraão, Isaque, Jacó, José), em ritos e festas comemorativas. O que ele está querendo dizer, então? Que acabou. Que a vida dessas pessoas se foi. Que a memória delas é lembrada apenas algumas vezes. Ainda que se diga que a memória de alguns é preservada, é somente a de alguns. Muito poucos. A maioria esmagadora das pessoas vem e vai sem qualquer lembrança significativa e sua história de realizações se vai nas poeiras do tempo. Eu, o pregador, fui rei sobre Israel em Jerusalém. E apliquei o meu coração a esquadrinhar, e a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede debaixo do céu; esta enfadonha ocupação deu Deus aos filhos dos homens, para nela os exercitar. Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito. Eclesiastes 1:12-14 O pessimismo do pregador, o Eclesiastes, só se aprofunda. Foi rei em Israel e se ocupou de estudar tudo o que se passava nas realizações humanas. Ao fazer isso se viu extremamente cansado e desanimado. Tudo o que se faz é vaidade, é correr atrás de alguma coisa que parece estar ali, mas não está. Como uma miragem no deserto, que quando dela você se aproxima, some e reaparece mais uns metros à frente. E mais uma vez você corre até lá apenas para perceber que novamente ela se transportou para outro lugar. Este ciclo de expectativa/realidade se abateu sobre Salomão de tal maneira que sua conclusão foi: Tudo é vaidade, é sopro, é inútil, é uma aflição de espírito que, não importa o que você faça, nada vai saciar. Em 09/04/2015 Aquilo que é torto não se pode endireitar; aquilo que falta não se pode calcular. Falei eu com o meu coração, dizendo: Eis que eu me engrandeci, e sobrepujei em sabedoria a todos os que houve antes de mim em Jerusalém; e o meu coração contemplou abundantemente a sabedoria e o conhecimento. E apliquei o meu coração a conhecer a sabedoria e a conhecer os desvarios e as loucuras, e vim a saber que também isto era aflição de espírito. Porque na muita sabedoria há muito enfado; e o que aumenta em conhecimento, aumenta em dor. Eclesiastes 1:15-18 Estudando e observando, Salomão tentou ver se dava pra consertar o que é torto. Em conhecimento, ele passou todos os governantes da época, se esforçando para compreender a sabedoria e a falta dela (insensatez). E chegou a uma conclusão: tudo isto também é inútil. Pois o que é torto não pode ser consertado, distinguir sabedoria de loucura não se aproveita. Porque quem conhece mais, e com profundidade, sofre mais. O grau de conhecimento e sabedoria a que Salomão estava submetido por dom divino (veja a história em 2 Crônicas 1: 7 a 12) levou-o ao colapso e desespero. Qualquer dom que Deus possa nos dar, sem Deus, se torna nosso maior inimigo. Simplesmente pelo que Salomão está dizendo, que a sabedoria não fazia dele Deus, com o poder de transformar tudo ao seu redor e dentro de si, mas apenas o fazia enxergar. A idolatria que suas mil mulheres o levaram, a escravatura de seu próprio povo, a luxúria, a busca pelo prazer fizeram Salomão sucumbir. Sua idade avançada mostrou a ele que tudo o que viveu, na parte que se esqueceu de Deus, simplesmente não valeu a pena. Passou, como fôlego. Inclusive sua sabedoria. O que é torto, não se endireita. A não ser que Deus o endireite. CAPÍTULO 2 Em 10/04/2015 Disse eu no meu coração: Ora vem, eu te provarei com alegria; portanto goza o prazer; mas eis que também isso era vaidade. Eclesiastes 2:1 O que é, já foi; e o que há de ser, também já foi; e Deus pede conta do que passou. Eclesiastes 3:15 O que é, um dia, já foi, já aconteceu. E o que ainda nem aconteceu, também já foi. Não há nada novo. Mas Deus pede conta do que se passa na sua vida. Ele não é apenas o Criador, mas o Mantenedor. Não apenas o Legislador, mas o Juiz de todas as coisas. Ele fala e cumpre. Cria e fiscaliza. Dá e observa. Vi mais debaixo do sol que no lugar do juízo havia impiedade, e no lugar da justiça havia iniqüidade. Eclesiastes 3:16 Deus pede conta e julga com retidão. E o homem? Limitado demais para isso. Ainda que Deus use as autoridades humanas e nós devamos obedecê-las (Rm 13: 1 a 8), no lugar da justiça sempre há injustiça, em algum grau. No lugar do juízo há iniquidade. O confronto entre a obra divina e a humana não para nas construções e realizações, mas abrange tudo. Deus e o homem são infinitamente diferentes em qualidade. Deus não erra, não falha, não se equivoca, não julga mal, não estabelece coisas absurdas. Nós é que, inevitável e irremediavelmente limitados, julgamos Suas obras mal feitas, seus juízos precipitados e suas recompensas absurdas, enquanto nos gabamos de nossas obras maltrapilhas e juízos ridículos. O pregador, ao fim da vida, enxerga que a cegueira humana só se aprofunda, e ao invés de reconhecer sua pequenez, o ser humano se torna mais e mais arrogante, mais e mais distante de Deus. Em 21/04/2015 Eu disse no meu coração: Deus julgará o justo e o ímpio; porque há um tempo para todo o propósito e para toda a obra. Eclesiastes 3:17 O justo e o ímpio também são julgados em um tempo determinado. Deus deixa as pessoas conduzirem suas vidas de maneira ímpia ou justa e, mais cedo ou mais tarde, pede contas de cada de cada um. Deus não julga como nós. Tendo todo o conhecimento de todas as circunstâncias, história, legado, capacidade de conhecer o que seja certo ou errado, lugar de nascimento, condição financeira etc, Deus é o único que pode julgar os homens. Jesus diz que aquele que sabe a vontade do Senhor e não a faz será castigado com muitos açoites, e o que não sabe não é poupado,...