ÁREA TEMÁTICA: Estratégia e Organizações
TÍTULO DO TRABALHO: Criação de sentido e decisão naturalista
AUTORES
ROSÁRIA DE FÁTIMA SEGGER MACRI RUSSO
FIA - Fundação Instituto de Administração
[email protected]
BJORN WERNER BIBEN FREDERICK
Unicamp
[email protected]
CLAUDIA MENDES NOGUEIRA
Universidade de São Paulo
[email protected]
RESUMO:
No monitoramento estratégico antecipativo é importante que se identifique os sinais fracos do
ambiente. Porém, essa não é uma tarefa fácil, dada a ambiguidade e a imprecisão desses sinais
aliada ao ambiente incerto dos dias de hoje. Na inteligência competitiva, usa-se o processo de
criação de sentido para dar uma identidade a esses sinais, o que é feito de uma forma
retrospectiva, contínua e social para gerar uma resposta plausível ao problema, gerando um
plano de ação ou uma decisão. Dentro da teoria de análise de decisão um movimento que
desponta com características muito próximas à criação de sentido, é a decisão naturalista. Ela
se baseia num contexto também incerto e dinâmico, para a solução de problemas
organizacionais mal-estruturados, dentro de normas e objetivos instáveis, e que também se
baseia em múltiplos participantes, principalmente especialistas no contexto do problema. A
junção dessas duas teorias pode gerar resultados interessantes na medida em que forem
propostos modelos, treinamentos e softwares para dar suporte à criação de sentido, gerando
melhores e mais rápidas decisões. Assim, após uma revisão e comparação das características
dessas duas teorias, foram propostas várias alternativas de estudo para aprofundar essa
relação.
ABSTRACT:
In the environmental scanning, identify weak signals is very important. However, this is not
easy, given to the ambiguity and imprecision of these signals allied to the uncertain
environment. In competitive intelligence, the process of sensemaking is used to give an
identity to these signals, what it is made in a retrospect social continuum form. The expected
result is a plausibility story, a plan of action or a decision. Inside of the theory of decision
analysis, a young movement that has some related characteristics with sensemaking is the
naturalistic decision making. It is based also on an uncertain and dynamic context, for the
solution of ill-structured problems, inside of unstable norms and objectives organizational. In
addition, there are multiples participants, mainly specialists in the context of the problem. The
junction of these two theories can generate interesting results in models, training and
softwares. They can give support to the sensemaking, generating better and faster decisions.
Thus, after a review of these theories and a comparative between their characteristic, some
research propositions had been proposals to deepen this relation.
PALAVRAS-CHAVES: decisão naturalista, criação de sentido, monitoramento estratégico
antecipativo.
1 Introdução
O mundo está mudando cada vez mais rápido. Pode-se comprovar isso pela velocidade que
certas tecnologias conseguiram ser utilizadas por 50 milhões de usuários: 74 anos pelo
telefone, 38 anos pelo rádio, 16 anos pelo computador pessoal, 13 anos pela televisão, 5 anos
pelo celular e 4 anos pela Internet (SIQUEIRA; 2006). As organizações precisam estar
sintonizadas com essas mudanças para se manterem competitivas no mercado. Para isso
buscam informações sobre os movimentos de seus competidores, novas necessidades de seus
clientes, novas tecnologias.
O mundo real e o virtual estão inundados de informações, muitas vezes ambíguas, imprecisas
e incompletas. Mesmo assim, elas podem ser transformadas em vantagens significativas para
as empresas, pois muitas delas podem ser sinais fracos de uma interrupção no ciclo vigente,
uma ruptura, benéfica ou maléfica para os negócios (ANSOFF; 1975). O tratamento dessa
ruptura, antes de sua ocorrência, permite minimizar a probabilidade de surpresas estratégicas.
Nesse sentido, a Inteligência Competitiva (IC) tem sido uma competência cada vez mais
perseguida pelas empresas, sua definição segundo a Society of Competitive Intelligence
Professional (SCIP) é:
“Inteligência Competitiva é um programa sistemático e ético para coletar, analisar qualquer
combinação de dados, informações e conhecimento, relacionados com o ambiente de negócios no
qual a empresa opera. Quando aplicada a Inteligência Competitiva confere significativa vantagem
competitiva ou provoca a tomada de decisões importantes. Sua missão primária é gerar alertas
estratégicos antecipativos.”
Dentro da IC, para o reconhecimento antecipativo desses sinais fracos é necessária a sua
identificação e a compreensão do seu significado, pela criação de sentido (sensemaking). Esse
processo foca a análise e interpretação de informações e sinais obtidos de forma ativa durante
o ciclo de monitoramento estratégico, podendo ter como resultado decisões e planos de ação
(WEICK; 1995).
Muito se discutiu na literatura sobre como melhorar o processo de tomada de decisão por
processos estruturados e racionais (MARCH; 1988, THALER; 2000). O objetivo da análise
de decisão através de processos estruturados é ajudar o decisor a pensar de forma sistemática
sobre problemas complexos para melhorar a qualidade da decisão (CLEMEN;1996). Segundo
esse autor, a análise de decisão consiste em um arcabouço para lidar com decisões difíceis e a
incorporação
do
julgamento
subjetivo é muito
importante.
Nesse
tipo
de
abordagem existe a decomposição do problema em partes menores e menos complicadas, pois
o entendimento de cada parte e o posterior reagrupamento pode melhor representar a situação
de decisão. No entanto, em geral, os processos de decisão não são programados, os decisores
reduzem a decisão total em subdecisões para as quais encontram "formas de cortar caminho",
usam processos desestruturados que satisfazem, mas não maximizam, os resultados da decisão
(MINTZBERG et al; 1976). A estruturação da tomada de decisão tem dois aspectos que a
torna complexa: os vieses e heurísticas individuais e o baixo grau de estruturação do mundo
real, com incertezas, informações imprecisas e fragmentadas.
Para KEENEY (2004) precisamos encontrar melhores formas de endereçar os aspectos soft da
decisão, denominados como intangíveies e subjetivos. Esses aspectos frequentemente são os
mais importantes no processo e não devem ser tratados apenas como experimento de
laboratórios. Segundo este autor, muito ainda deve ser feito para ajudar as pessoas a tomarem
melhores decisões. Ele ainda sugere que se preocupe com o que é importante para o decisor,
que sejam desenvolvidos conceitos, procedimentos e treinamento para ajudá-lo.
Na teoria de análise de decisão, a decisão naturalista (Naturalistic Decision Making - NDM)
visa avaliar como a tomada de decisão compartilhada ocorre em ambientes incertos e
dinâmicos com restrições de tempo e em problemas mal-definidos (ZSAMBOK; 1997).
No âmbito individual da criação de sentido é importante que se tenha a consciência correta da
situação para a qal a situation awareness (LEEDON; 2001) pode ser valiosa.
Tomando por base a IC, este artigo visa propor temas de pesquisa que podem contribuir
potencialmente para a prática gerencial. Assim, visa-se discutir a importância da utilização da
decisão naturalista para a criação de sentido, com o objetivo de fazer proposições de pesquisas
que englobem os dois temas. As aplicações da Decisão Naturalista podem ser várias:
treinamento, desenho de software que auxiliem a Inteligência Competitiva. Esse auxílio se
dá em um dos seus maiores desafios: dar sentido para as informações obtidas para a tomada
de decisão.
2 Fundamentação Teórica
2.1 Criação de sentido
Em 2001, foi gerado um seminário sobre a criação de sentido, dentro do programa de pesquisa
da Secretaria da Defesa dos EUA, que concentrou pesquisadores e atuantes de diversas áreas
(indústria, academia e governo) para incrementar e compartilhar o conhecimento sobre esse
tema. No seminário, o foco no âmbito do indivíduo foi em situation awareness, no nível
organizacional foi em criação de sentido e nos fatores que a potencializam e a inibem, assim
como em ferramentas e conhecimentos estruturados para modelar e resolver problemas
específicos. Um dos resultados desse simpósio foi a geração da figura abaixo, que representa
o processo de tomada de decisão militar e mostra uma ligação entre criação de sentido e a
tomada de decisão, discutidos nesse estudo.
Figura 1 - Processo de tomada de decisão militar
Fonte: Leedon, 2001
Um dos grandes expoentes no estudo de criação de sentido é Weick (1995) que aponta as
seguintes definições para este termo:
— Envolve colocar certos estímulos dentro de algum tipo de estrutura (Starbuck and
Milliken, 1988 apud WEICK, 1995), permitindo assim compreender, entender,
explicar, atribuir, extrapolar e predizer.
— Processo de pensamento que usa eventos retrospectivos para explicar surpresas (Meryl
Louis, 1980 apud WEICK, 1995), gerando como resultado um significado para a
surpresa.
— Interação entre procura de informação, significação e ação (Thomas, Clark e Gioia,
1993 apud WEICK, 1995).
— Mecanismo de atribuição de significado a eventos, que inclui padrões e regras de
percepção, interpretação, acreditando e agindo em determinada cultura estabelecida
(Sackman, 1991 apud WEICK, 1995).
— Processo interpretativo necessário para que os membros da organização entendam e
compartilhem o seu entendimento sobre as funções da organização (Feldman, 1989
apud WEICK, 1995). Sendo que esse processo que não resulta necessariamente em
ação, mas sim em informação, principalmente para questões ambíguas.
— Processo pelos quais indivíduos desenvolvem mapas cognitivos de seu ambiente (Ring
e Rands, 1989 apud WEICK, 1995).
Sintetizando, a criação de sentido é o processo pelo qual as organizações e os indivíduos
trabalham as incertezas, as ambigüidades, as mudanças, as situações problemáticas, gerando
invenções e novas situações, resultando ou não em ações que levem a solução dos problemas
e à estabilidade do ambiente. O principal é que haja sentido no sinal identificado, que ele seja
plausível para os envolvidos. Este processo possui sete propriedades (WEICK; 1995):
1. Sinais: os sinais são vistos e extraídos do ambiente para uma contextualização dentro
de modelos mentais, crenças pessoais, regras, procedimentos e outros fatores. Este
seria o momento inicial do processo. Weick (1995) rejeita a palavra interpretação,
pois para ele isto significaria a tradução e enquadramento do sinal, mas o caso é de
invenção do significado.
2. Identidade: a criação de sentido ocorre pela identificação de um evento, à primeira
vista inexplicável que pode se enquadrar em poucas opções, pois os conceitos e
características pessoais influenciam e limitam esta visão.
3. Retrospecção: o presente é sempre baseado nas experiências passadas, no
conhecimento tático, inclusive decisões passadas na adaptação de planos e objetivos.
Para tornar o abstrato em concreto, muitas vezes, as pessoas agem e depois tentam
identificar a razão para a sua ação, principalmente se o resultado for negativo, o que é
explicado pela teoria da dissonância cognitiva.
4. Representação (enactment): a criação de sentido é baseada na construção de uma
realidade pela designação de autoridade a eventos ou sinais dentro de um contexto
específico, gerando assim uma representação da realidade.
5. Social: como o sentido é criado e não descoberto, o compartilhamento de significado e
conhecimento envolve conversas entre as pessoas. Os decisores podem ter uma visão
mais completa e abrangente do problema e do contexto, já que cada pessoa tem a sua
própria especialização, evitando vieses e heurísticas individuais, predatórias à
solução.
6. Contínuo: o processo de criação de sentido tem como premissa o refinamento do
entendimento, pelas ações tomadas e a restauração do equilíbrio de forma contínua
dentro de um contexto, de forma dinâmica. Pode-se dizer que as ações são tratadas
como um ciclo mais do que são tomadas de forma linear (WEICK et al; 2005).
7. Plausibilidade: o resultado esperado é um significado aceitável e não a verdade. Assim
pode-se avaliar melhor e continuar a observar o ambiente e o sinal até que se tenha
uma situação consistente para agir.
Nas organizações a criação de sentido ocorre por meio de quatro processos interligados
(WEICK et al, 2005): mudança ecológica (ecological change), representação (enactment),
seleção e retenção, demonstrados na Figura 2. A criação de sentido começa quando algum
sinal ou mudança no ambiente organizacional é percebido. Esta informação pode ser
identificada de várias formas como por um processo de busca, coleta e agrupamento ou
recebimento oral de uma fonte confiável.
Figura 2 – Processo de criação de sentido intraorganizacional
Fonte: Adaptado de Weick et al (2005)
Buscar informações não significa que a organização terá acesso a todas elas (ZACK; 1999),
algumas vezes isso pode causar o excesso que também pode levar à ignorância. Esse autor
define que no processo de conhecimento há vários tipos de ignorâncias organizacionais as
quais devem ser aplicadas estratégias distintas de soluções. Uma delas é obter mais
informações ou mais conhecimento para poder identificar o significado e a outra se refere ao
processo de restrição, quando se têm muitas informações. Como demonstrado na Figura 3, ele
as categoriza em:
Figura 3 – Tipos de ignorância organizacional
Fonte: Adaptado de ZACK, 1999
1. Incerteza, quando não há informações suficientes para descrever ou predizer o futuro.
Esta incerteza pode variar conforme o conhecimento da sua probabilidade: certo (que
não cabe neste caso), conhecida (risco), estimada com algum grau de confiança
(probabilidade subjetiva), desconhecida e indefinida (completamente incerto). Há duas
maneiras de lidar com essa situação, buscar mais informações ou buscar mais
conhecimento para tratá-las.
2. Ambigüidade, quando falta um modelo conceitual para interpretar a informação,
gerando inabilidade para interpretar ou dar sentido para a situação, isto é identificar o
problema ou a sua causa. Nesse caso, a estratégia é obter mais conhecimentos para
resolver a situação, o que pode ser feito por ciclos coletivos de interpretação,
explanação e consenso.
3. Complexidade, quando existem muitos elementos interligados (variáveis, soluções e
métodos) que devem ser entendidos. Enquanto novatos irão avaliar item a item,
pessoas mais experientes – os especialistas – ou um grupo de pessoas podem ter uma
visão mais completa, o que pode ser um diferencial competitivo.
4. Equivocalidade, quando há vários modelos conceituais, inclusive contraditórios, no
qual a informação pode se enquadrar. Normalmente, isso é gerado por causa da
múltipla interpretação da situação, por se enquadrarem em vários critérios, que podem
ter significados conflituosos entre as áreas. Assim como para a ambigüidade, a
estratégia é ter ciclos coletivos de entendimento até se chegar a melhor alternativa,
dirimindo os conflitos.
As estratégias citadas por Zack (1999) fazem parte dos processos, mostrados na Figura 2, que
darão significado para as mudanças ecológicas. O processo de representação tem a função de
entender e determinar o significado delas, na tentativa de enquadrá-lo em um fluxo conhecido
ou na criação de um novo. Nesse momento, as pessoas envolvidas tentam agrupar ou isolar as
informações e identificar as relações existentes entre elas, o que pode gerar uma série de
alternativas possíveis.
O processo seguinte é o de seleção, como mostrados na Figura 2, que reduz os possíveis
significados identificados naquele ou naqueles mais plausíveis (WEICK et al, 1995), tentando
diminuir a ambigüidade e os equívocos. Essas alternativas tentam explicar o que está
acontecendo e o significado das mudanças para a organização, usando o conhecimento das
pessoas e as experiências passadas, individuais e organizacionais. O resultado esperado é uma
estória plausível, um significado para a mudança.
Quando essa plausibilidade se efetiva, a organização entra no processo de retenção, que
armazena o conhecimento gerado (CHOO, 1996) para uso futuro, tanto para tomada de
decisão quanto para novos ciclos de criação de sentido. Assim, nesse ciclo contínuo, a estória
plausível tende a se tornar cada vez mais substancial, tornando-se parte da experiência como
guia para futuras ações e decisões.
Uma abordagem complementar foi sugerida por Almeida et al (2007), com o uso da
criatividade na criação de sentido, particularmente na tarefa de gerar alertas antecipativos. O
uso da criatividade seria ativada ou enriquecida por meio de uso de técnicas de critiatividade.
Para Choo (1996, 2001), a criação de sentido é o primeiro de três processos complementares
pelos quais uma organização do conhecimento usa as informações de forma estratégica
efetivamente, vide Figura 4. Nesse primeiro processo, as pessoas criam o sentido para as
mudanças, eventos e ações no ambiente organizacional, que podem se tornar conhecimento
tácito (difícil de formalizar e comunicar) e / ou explícito (conhecimento formal).
Nas transformações desses conhecimentos tácitos em explícitos e dos individuais em
organizacionais são gerados novos conhecimentos. Para uma organização que visa a inovação,
isto é primordial. Além disso, elas buscam esses conhecimentos e essas informações para
sustentarem as decisões a serem tomadas, principalmente baseadas em escolhas racionais, que
requerem informações confiáveis sobre alternativas, suas conseqüências e preferências
consistentes para avaliar os resultados.
Figura 4 – Organização do Conhecimento
Fonte: Adaptado de Choo, 2001
A visão racional da tomada de decisão é criticada por Choo (2001), com base em vários
autores, pois elas são limitadas por características indivíduais, extensão do
conhecimento, informações possuídas e por valores e propostas que podem, inclusive,
divergir dos objetivos organizacionais. Ele cita que apesar das pessoas pedirem informações e
relatórios, muitas vezes, a tomada de decisão é feita em reuniões e conversas, e depois
formalizada dentro de rotinas e rituais organizacionais. Nesse momento, a criação de sentido
torna-se o processo de justificação das avaliações, opiniões e decisões tomadas.
Os resultados de Ehringer (1995) ao analisar o comportamento decisório de empreendedores
são particularmente interessantes como evidência prática do uso da intuição. Após um extenso
trabalho de entrevista de 60 executivos empreendedores, Ehringer (1995) identificou dois
padrões de comportamento decisório dos empreendedores. Um dos padrões é a intuição
suportada pela análise, ou seja, o empreendedor primeiramente utiliza sua intuição para
avaliar a oportunidade e depois confirma seu palpite através da análise de informações
objetivas. O outro padrão é inverso, onde o empreendedor primeiro utiliza métodos objetivos
de análise para depois escolher a melhor alternativa com o uso da sua intuição. Em ambos os
padrões identificados, os empreendedores afirmaram utilizar a intuição como ferramenta
definitiva da decisão.
Este estudo visa justamente avaliar uma alternativa à tomada de decisão racional, a decisão
naturalista, definida a seguir, como uma opção para que os sinais possam ser entendidos de
maneira antecipativa de forma ágil e por várias pessoas dentro da organização.
2.2 Decisão naturalista
A análise de decisão pode ser dividida, não muito rigorosamente, em dois ramos: teoria
prescritiva e teoria descritiva (Bazerman, 2004, p.6). Na teoria prescritiva, os pesquisadores
desenvolvem modelos e métodos que levem à tomada de decisão ótima. Essa teoria se baseia
no conceito que os indivíduos tentam ser racionais em suas decisões, apesar do ambiente de
incerteza. Na teoria descritiva, os pesquisadores descrevem como as decisões realmente são
tomadas, avaliam os julgamentos pessoais que são afetados por heurísticas e vieses cognitivos
e emocionais.
Dentro das teorias descritivas, o termo decisão naturalista (Naturalistic Decision Making NDM) foi desenvolvido em 1989, durante um congresso organizado por pesquisadores. A
definição de Zsambok (1997, p. 4) explica que “é a forma que as pessoas usam sua
experiência para tomar decisões no seu campo de atuação”. O foco de pesquisa, naquela
época, eram os bombeiros, pilotos de aviões de caça, executivos corporativos e outros. No
congresso, os pesquisadores perceberam que os processos e as estratégias dessas pessoas
focavam mais em examinar a situação cuidadosamente e usavam o feedback para atualizar e
tomar consciência da situação. Assim como a inteligência competitiva, esta área ainda está
bastante ligada à área militar, devido ao seu apoio em várias pesquisas.
Alguns pesquisadores (HOWELL, 1997, ZAMBOK, 1997) consideram a decisão
naturalista como um movimento na análise de decisão, que tem como um de seus pilares o
contraponto aos modelos racionais de tomada de decisão. A escolha racional envolve dois
tipos de suposições: a conseqüência futura das ações atuais e a preferência futura para esta
conseqüência, porém a racionalidade ou inteligência dos indivíduos é limitada por fatores
como preferências (MARCH, 1988). Há, também, desvios do padrão comportamental,
sensíveis a uma série de condições como ambigüidade, que não é necessariamente uma falha
na escolha humana a ser corrigida, mas uma forma de inteligência a ser refinada pela
tecnologia de escolha, mais do que ignorada por ela (ZAMBOK, 1997).
As pesquisas sobre as decisões naturalistas são feitas no seguinte contexto:
• Problema mal-estruturado: problemas reais sem uma definição completa, como um
bombeiro enfrentando o fogo dentro de um ambiente fechado;
• Ambiente incerto e dinâmico: o foco são situações do mundo real, sem a simplificação
das avaliações em laboratório;
• Objetivos e normas organizacionais: sendo que estão mal definidos ou são
competitivos ou em mudança;
• Ação/Reação em cadeia: em contraste com decisões únicas;
• Restrição de tempo: não há tempo para geração de múltiplas alternativas e para
compará-las;
• Alto impacto: situações onde a decisão tem um grande impacto para os participantes
do processo;
• Múltiplos participantes: a decisão não é individual.
Além disso, há outros três diferenciadores: os participantes, a proposta da pesquisa e o foco de
interesse no episódio de decisão. Os participantes são pessoas especialistas na área de
aplicação na qual está sendo tomada a decisão, sabem o que precisa ser feito e quais objetivos
precisam ser alcançados (DREYFUS, 1997, p.22). Esse autor afirma que as pessoas passam
por cinco fases: principiante, que conhece as atividades, mas sem dominar o contexto;
iniciante avançado, que já domina algumas situações reais, no âmbito de suas atividades;
competente, que, dominando as técnicas e processos, procura novas regras e procedimentos
adequados para um planejamento ou perspectiva futura; proficiente, para o qual a experiência
adquirida se torna intuitiva, com a discriminação de situações ou variáveis, ininteligível para
os principiantes; e finalmente o especialista, aquele que não apenas sabe o que deve ser feito,
mas também como fazê-lo, podendo-se chamar esse saber de intuição, percepção e
discernimento independente de raciocínio ou análise (HOUAISS, 2001, p. 1641).
O outro diferenciador, a proposta de pesquisa, tenta descobrir como essas pessoas realmente
decidem em um ambiente rico e o mais próximo possível da realidade, o que requer que uma
mudança dos métodos tradicionais de desenho experimental e análise estatística para métodos
de observação em campo, como o etnográfico, e métodos de análise observacional, que
requerem muito tempo (ROTH, 1997, p.122). O foco de interesse não está apenas no processo
de opção entre várias escolhas, mas também na consciência da situação (situation awareness).
Se o decisor não identificar a situação correta, poderá tomar uma decisão acertada, mas para
uma situação errônea.
Zsambok (1997) cita vários modelos de decisão naturalista como: o
Recognition/Metacognition (R/M), usado em treinamento de militares que avalia as
habilidades metacognitivas no evento de decisão em situações novas; Recognition-Primed
Decisions (RPD), que tem função de diagnóstico em situações incertas por especialistas; o
Situation Awareness (SA) que representa uma tentativa de prover um sistema geral de
entendimento dos processos e fatores que impactam a consciência da situação.
Esse último modelo tem como precursora Endsley (1995, 1997) que o propõe para apoiar a
tomada de decisão. Sua definição formal é: “a percepção dos elementos do ambiente dentro
do tempo e espaço, com a compreensão de seu significado e a projeção da sua situação em um
futuro próximo”. O conceito de SA pode ser aplicado no desenvolvimento de vários tipos de
sistemas como: na aviação e em controles aéreos; sistemas operacionais; sistemas tácitos e
estratégicos, ou outros tipos que implicam atividades que requerem uma rápida atualização da
situação para que funcione efetivamente. Nessas situações, os operadores devem fazer mais
do que simplesmente perceber o estado de seus ambientes. Eles devem compreender o
significado integrado do que estão procurando, à luz dos seus objetivos. Desta forma, a SA
incorpora a compreensão do operador da situação como um todo, formando as bases para a
tomada de decisão.
Este modelo considera que o processo de consciência da situação tem três níveis:
• Nível 1: percepção dos fatores críticos do ambiente com respectiva identificação do
status, atributos e a dinâmica dos fatores relevantes no ambiente. Exemplificando, um
executivo precisa identificar os vários fatores que podem impactar a sua organização e
o nível de influência de cada um deles, como os competidores, as inovações
tecnológicas, etc;
• Nível 2: compreensão do seu significado, que pode ser considerada a síntese dos
elementos que podem estar desconectados e a sua ligação com determinados objetivos.
Prosseguindo com o exemplo do executivo, a contratação por um competidor de
serviços de consultoria de uma empresa com sócios que desenvolveram algumas
inovações tecnológicas, pode indicar certos direcionamentos estratégicos desse
competidor;
• Nível 3: projeção de como as varias ações irão afetar o atendimento dos objetivos,
pelo menos em futuro próximo. Este nível é crítico para a tomada de decisão, pois
baseado na percepção e compreensão dos sinais do ambiente, o executivo poderá
tomar alguma ação. Por exemplo: em relação ao competidor (como um
acompanhamento maior), em relação à tecnologia (verificando melhor seu impacto
para os negócios) ou simplesmente constatando que essas informações ainda não
fazem sentido suficiente para se tomar alguma ação, devendo-se aguardar.
Uma das críticas feitas à esse modelo é ele ser um processo passivo de descoberta, de padrão
de natureza prescritiva (LEEDON, 2001), isto é, o domínio das atividades, para as quais o
operador tem objetivos, estão claramente definidas e o comportamento é regido por regras
procedurais. Assim o objetivo não é a criação de novos padrões. Assim esse autor define a
SA como um conhecimento dinâmico da situação ou a capacidade de agir efetivamente em
dada situação.
2.3 Comparação entre criação de sentido e decisão naturalista
Como o objetivo do trabalho é tentar verificar a compatibilidade das características da decisão
naturalista com a criação de sentido, foi gerado o Quadro 1. A primeira característica é que
ambos ocorrem e são pesquisados, principalmente, em um ambiente incerto, ambíguo e
dinâmico. Pode-se dizer que a restrição de tempo está implícita na criação de sentido, pois
quando se pensa em estratégia, um dos principais desafios é se antecipar a situação futura.
Criação de Sentido
Ambiente ambíguo e incerto
Decisão Naturalista
Ambiente incerto e dinâmico
Restrição de tempo
Sinais
Problema mal-estruturado
Identidade
Normas e objetivos organizacionais
Representação
Objetivos competitivos instáveis e não claros
Altas conseqüências em jogo
Retrospectivo
Participantes como pessoas especialistas
Social
Múltiplos participantes
Contínuo
Decisões contínuas por ações e feedback em loop
Plausibilidade
Uso da intuição
Quadro 1 – Comparação entre as propriedades de criação de sentido e decisão naturalista
Os sinais que são extraídos do ambiente e constituem o símbolo da mudança ecológica podem
se refletir em problemas mal-estruturados, objeto de estudo da decisão naturalista. Weick
(1995) menciona que na vida prática a criação de sentido pode ser usada para definir os
problemas, já que estes não são claros a princípio, mas sim as situações problemáticas,
confusas e incertas. Nesse processo ocorre a identificação do evento ou do problema a ser
tratado.
A representação que é a construção da realidade, quando focada em situações organizacionais,
deve ser enquadrada dentro dos objetivos competitivos, que nem sempre são estáveis e claros.
Um exemplo é o surgimento, ou melhor, a identificação de um novo mercado que pode
proporcionar um novo uso para um produto existente. Nesse sentido, há altas conseqüências
em jogo para os participantes do processo. A decisão naturalista visa, principalmente, avaliar
como as decisões ocorrem neste ambiente e não em uma situação montada em laboratório.
A retrospectividade da criação de sentido leva em conta todo o cabedal de experiência dos
participantes do processo. Neste ambiente incerto e ambíguo, nem sempre com regras e
procedimentos pré-definidos, a presença de especialistas com ampla experiência no assunto,
pode trazer uma visão mais completa do problema.
A criação de sentido coletiva traz muitas vantagens (LESCA, 2003), pois a realidade que um
indivíduo vê em uma informação não é a única realidade existente. Cada indivíduo tem
apenas uma visão parcial das coisas, devido a sua experiência pessoal e profissional, além dos
efeitos deformadores dos vieses cognitivos. Com isso, a interpretação coletiva pode trazer
uma visão mais completa do problema além de diminuir a miopia gerencial – visão de curto
prazo, em detrimento ao longo prazo. A decisão naturalista também visa às decisões tomadas
em grupo e não somente as individuais.
Nas duas linhas de pesquisa o foco não está em decisões únicas, mas sim em um processo
contínuo com o refinamento das informações pelas ações e feedback recebido. Pode-se
perceber na Figura 2, pelas setas que voltam nos processos, o sentido de ciclo no processo
intraorganizacional. Os modelos mencionados da decisão naturalista também envolvem o
recebimento de feedback e uma contínua fase de diagnóstico e entendimento das ações
passadas para melhoria do processo.
A plausibilidade, explícita na criação de sentido, se por um lado não pode ser citada como
característica da decisão naturalista, por outro lado, não se pode dizer que há busca de uma
verdade. O objetivo maior é verificar como os experientes tomam a decisão, com base na
experiência no seu campo de atuação, ou seja, a intuição.
3 Proposições de estudo
A comparação entre a criação de sentido e a decisão naturalista, feita no item anterior,
mostrou uma ligação forte entre os dois temas. Isso pode levar a dedução que o uso da decisão
naturalista no estudo do funcionamento do processo de criação de sentido poderia ser útil em
vários sentidos. Assim, a seguir são propostas algumas alternativas de estudos, com foco no
monitoramento estratégico antecipativo nas organizações.
P1: A avaliação da tomada de decisão de executivos mais experientes, por meio da decisão
naturalista, pode gerar desenho de softwares e geração de relatórios mais efetivos.
Dentro do processo de busca, coleta e tratamento das informações a serem usadas na
inteligência competitiva, pode-se agilizar o processo de criação de sentido se as informações
forem dispostas de forma a que os participantes do processo melhor identifiquem os sinais de
mudança e sua relação com o contexto.
O desenho de sistemas de monitoramento poderia ser melhorado gerando sistemas de suporte
a decisão mais efetivos. Klein (1997, p 56) sugere que a abordagem do desenho de softwares
centrados na decisão, invés de centrado no sistema (foco na tecnologia) ou centrado nos dados
(foco na identificação das informações mais relevantes) geram melhores ferramentas. Isto
porque a abordagem por decisão identifica os requisitos em dado trabalho ou atividade,
podendo gerar maior facilidade e efetividade no uso dos softwares.
P2: Entender como o uso da intuição dos decisores especialistas ocorre na criação de sentido,
na inteligência competitiva.
Estudar como o trabalho essencialmente analítico da inteligência competitiva é usado pelos
decisores especialistas, usando algum os modelos de decisão naturalista como o
Recognition/Metacognition (R/M); o Recognition-Primed Decisions (RPD) ou Situation
Awareness (SA). Outra abordagem para essa análise é avaliar se os especialistas decidem
primeiro e usam a criação de sentido para confirmar a decisão ou se usam a criação de
sentido para formar alternativas que serão escolhidas com o uso da intuição, como foi feito no
estudo de Ehringer (1995). Essa avaliação traria subsídios para a inteligência competitiva na
escolha de modelos, de processos e de ferramentas a serem usadas.
P3: O treinamento de equipes para o processo de criação de sentido pode ser mais efetivo,
com o conhecimento prévio do processo de tomada de decisão naturalista dos executivos da
organização.
As habilidades que podem ser treinadas (KLEIN, 1997, p. 54) são: situation awareness,
combinação de padrões, identificação de sinais, causas e anomalias típicas, modelos mentais,
gerenciamento de incerteza e pressão de tempo. O entendimento de como os especialistas
decidem também pode auxiliar na montagem dos cenários de treinamentos, facilitar o
feedback após os exercícios utilizados, contrastando as atuações de novatos com os dos
especialistas.
P4: O modelo de situation awareness (SA) pode auxiliar e aperfeiçoar o processo de criação
de sentido, de maneira a solucionar ou identificar a problemática real.
Muitos dos erros humanos ocorrem pela identificação errada do problema e não pela má
escolha dentre as alternativas (ENDSLEY, 1997, p. 271). A percepção dos elementos do
ambiente (SA nível 1), a compreensão da situação corrente (SA nível 2) integrando-a a
objetivos e a projeção da situação futura do ambiente (SA nível 3) podem trazer subsídios
para facilitar a criação de sentido.
P5: Analisar o comportamento dos decisores com relação ao montante de informações
minimamente necessárias para a tomada de decisão.
Estudar como os decisores avaliam o trade-off entre tempo e quantidade de informações. Em
outras palavras, em quanto tempo o decisor permitiria adiar a decisão em troca de uma
quantidade adicional de informações que potencialmente aumentaria a qualidade da decisão.
Este assunto foi explorado de forma central por Gladwell (2005), tem fortes implicações
gerenciais, e está relacionado diretamente com a capacidade de extrair o máximo sentido de
poucas informações, chamado de teoria das fatias finas (GLADWELL, 2005).
4 Conclusões
Assim como Thaler (2000) sugere que os economistas devam utilizar mais a teoria descritiva
em comparação com a teoria normativa, poderíamos sugerir isso aos estudiosos da
inteligência competitiva e os da criação de sentido. Normalmente as teorias normativas estão
vinculadas a escolhas racionais, como a teoria do valor esperado. As teorias descritivas tentam
caracterizar as escolhas e são dirigidas por dados. Dentro dessa última, a decisão naturalista é
um movimento que visa conhecer mais como os especialistas tomam decisão com base na sua
experiência. Essa experiência pode ser chamada também de intuição.
Este artigo sugere cinco futuras proposições de estudos que poderiam avaliar a contribuição
da decisão naturalista, para o entendimento, treinamento e criação de softwares a serem
usados na inteligência competitiva, principalmente no processo de criação de sentido. Tanto
no treinamento como no desenho de softwares, a abordagem centrada na decisão pode trazer
benefícios como a obtenção do conhecimento de maneira mais rápida e efetiva. A rapidez do
processo da conversão dos sinais fracos, desde a sua busca, coleta, criação de sentido,
interpretação, disseminação e resultado em ações estratégicas pode significar a sobrevivência
das organizações que são baseadas no conhecimento, como as empresas de serviço.
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