Academia.eduAcademia.edu

GESTAR E PARIR NA PRISÃO: Difíceis caminhos

2013

Atualmente discutir as questoes relacionadas a saude da mulher carcereira e a inexistencia de politicas publicas efetivas tem suscitado questionamentos de educadores e profissionais de saude sobre as acoes relacionadas a integralidade da assistencia no contexto do sistema prisional.Tratou-se de um Projeto de pesquisa-acao que surgiu diante da necessidade de ampliacao dos espacos que promovam articulacao entre os pilares da Universidade - Ensino, Pesquisa e Extensao - com as Politicas e Programas do Ministerio da Saude, tendo como objetivo executar acoes de educacao em saude visando preparar gestantes presidiaria para questoes relativas ao processo de gestacao, parto e puerperio, saude sexual e reprodutiva e prevencao de DST/HIV. Foi realizada uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratoria ancorada na Teoria das Representacoes Sociais. O cenario do estudo foi o Complexo Penitenciario da cidade do Salvador/BA, a amostra foi de 14 mulheres presas em regime fechado. Para coleta dos...

VII Jornadas Santiago Wallace de Investigación en Antropología Social. Sección de Antropología Social. Instituto de Ciencias Antropológicas. Facultad de Filosofía y Letras, UBA, Buenos Aires, 2013. GESTAR E PARIR NA PRISÃO: Difíceis caminhos. BISPO TÂNIA CHRISTIANE FERREIRA, FERREIRA NETO Ezequiel Araujo y FERREIRA Jemyma Jandiroba. Cita: BISPO TÂNIA CHRISTIANE FERREIRA, FERREIRA NETO Ezequiel Araujo y FERREIRA Jemyma Jandiroba (2013). GESTAR E PARIR NA PRISÃO: Difíceis caminhos. VII Jornadas Santiago Wallace de Investigación en Antropología Social. Sección de Antropología Social. Instituto de Ciencias Antropológicas. Facultad de Filosofía y Letras, UBA, Buenos Aires. Dirección estable: https://www.aacademica.org/000-063/187 ARK: https://n2t.net/ark:/13683/evkA/xPe Acta Académica es un proyecto académico sin fines de lucro enmarcado en la iniciativa de acceso abierto. Acta Académica fue creado para facilitar a investigadores de todo el mundo el compartir su producción académica. Para crear un perfil gratuitamente o acceder a otros trabajos visite: https://www.aacademica.org. 1 Gestar e parir atrás das grades: Difíceis caminhos Tania Christiane Ferreira Bispo1 Gleide Regina de Sousa Almeida Oliveira2 Ezequiel Araújo Ferreira Neto 3 Jemyma Jandiroba Ferreira 4 1 Universidade do Estado da Bahia (UNEB)- Salvador- BA/ Brasil. [email protected] Resumo Atualmente discutir as questões relacionadas à saúde da mulher presidiária e a inexistência de políticas públicas efetivas tem suscitado questionamentos de educadores e profissionais de saúde sobre as ações relacionadas à integralidade da assistência no contexto do sistema prisional. Tratou-se de um Projeto de pesquisa-ação que surgiu diante da necessidade de ampliação dos espaços que promovam articulação entre os pilares da Universidade - Ensino, Pesquisa e Extensão - com as Políticas e Programas do Ministério da Saúde, tendo como objetivo executar ações de educação em saúde visando preparar gestantes presidiária para questões relativas ao processo de gestação, parto e puerpério, saúde sexual e reprodutiva e prevenção de DST/HIV. Foi realizada uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória. O cenário do estudo foi o Complexo Penitenciário da cidade do Salvador/BA, a amostra foi de 20 mulheres presas em regime fechado. Para coleta dos dados, realizaram-se grupo focal, observação participante e entrevistas semiestruturadas após aprovação plena pelo comitê de ética em pesquisa. Na análise de dados, evidenciou-se que as ações de saúde prestada às gestantes presidiárias são deficitárias, principalmente no que tange ao acompanhamento do ciclo gravídico puerperal, ao suporte da separação do binômio e à saúde sexual e reprodutiva. Desta forma entendeu-se que este projeto constituiu-se portanto, uma contribuição para o fortalecimento da melhoria da qualidade da assistência à mulher presidiária, através do desenvolvimento de atividades de promoção da saúde de caráter interdisciplinar tendo em vista as práticas e condutas humanísticas, em consonância com os programas e políticas públicas do Ministério da Saúde. Palavras-chaves: Educação em Saúde, Presídio, gravidez, parto e puerpério Abstract Currently discuss issues related to women's health and the lack of jailer effective public policies has raised questions of educators and health professionals about the actions related to comprehensive care in the context of the system prisional.Tratou is an action research project that emerged on the need to increase opportunities to promote Collaboration between the University - Teaching, Research and Extension - with the Policies and Programmes of the Ministry of health , aiming to perform actions of health education in order to prepare pregnant inmate issues process of pregnancy , childbirth and postpartum , sexual and reproductive health and STD / HIV . We conducted a qualitative, descriptive and exploratory anchored in social representations theory . The study setting was the Penitentiary of Salvador / BA , the 2 sample was 14 women prisoners in closed regime . For data collection , there were focus group , participant observation and semi-structured interviews after full approval by the research ethics committee . In data analysis , it became clear that the actions of healthcare provided to inmates are deficient , to support the separation of the binomial,especially with regard to the monitoring of pregnancy and childbirth . Thus it was understood that this project consisted therefore a contribution to the strengthening of improving the quality of care for women inmate , through the development of health promotion activities for interdisciplinary given the humanistic practices and behaviors in line with the programs and policies of the Ministry of Health Keywords: health education; convict; pregnancy, childbirth and puerperium Introdução O crescente aumento da violência e da criminalidade tem sido um dos temas mais debatidos pela sociedade. Um número expressivo de estudiosos vem demonstrando interesse acerca do assunto. Entretanto raramente são percebidas tendências de tais pesquisadores no que se referem ao universo da população prisional. Deste modo, o interesse torna-se menor quando se trata da população feminina encarcerada. No contexto do sistema prisional feminino a saúde da mulher, especificamente a assistência ao pré-natal, parto e puerpério são temas pouco explorado no coletivo acadêmico. A população prisional feminina encontra-se em constante crescimento na sociedade contemporânea. Esse evento pode ser decorrente da maior inserção da mulher na vida social e no mercado de trabalho. Os crimes cometidos por mulheres até o final do século XIX eram aqueles relacionados à moral e à religião, ou seja, a mulher era punida por não se enquadrar nos ideais de família e de sociedade cristã, sendo os principais crimes relacionados à sexualidade (MARTINS, 2009). O perfil da criminalidade feminina mudou com o passar dos anos, na atualidade ele tende a ser de uma mulher jovem, pertencente a um nível sócio-econômico baixo, com baixo nível educacional e a profissionalização é quase inexistente. A maioria trabalhava na informalidade e poucas relatam histórico de empregos regularizados, solteiras ou separadas, procedentes de centros urbanos. Além disso, os crimes praticados pelas mulheres tendem a ser cometidos contra à propriedade numa proporção muito maior do que contra à pessoa e também o uso de drogas aumenta a probabilidade de se envolverem numa conduta criminal (GUILHERMANO, 2000). Há ainda aquelas que viviam nas ruas e, quando menores de idade, passaram por abrigos ou sofreram medidas sócio-educativas. Não são incomuns os relatos de maus-tratos e de episódios de abuso sexual cometidos principalmente por padrastos. 3 O Ministério da Justiça através do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen), revela que o Sistema Penitenciário Nacional apresentou em 2011 uma população carcerária de 514.582 indivíduos, dos quais 33.289 são do sexo feminino. Os estados brasileiros que apresentam maior população carcerária no mesmo período foram: São Paulo, com 180.059 indivíduos; Minas Gerais, com 48.107 indivíduos; e Paraná, com 33.586 indivíduos; A Bahia é o nono estado com maior índice de reclusos do sistema penal, com 13.867 indivíduos (BRASIL, 2012). O Estado da Bahia possui 709 mulheres presas, o que equivale a 5,11% da população carcerária estadual e 2,13% da população carcerária feminina nacional, custodiadas em 1 estabelecimento prisional (1 penitenciária), que possui capacidade para 341 presas. Porém possui um déficit de 368 vagas existentes (107,91% das vagas femininas do Estado). A maior parte das mulheres encarceradas no estado tem ensino fundamental incompleto, o equivalente a 33,85%. Entre os crimes mais praticados pelas mulheres no Estado da Bahia, o trafico é o delito mais cometido, com um total de 44,42%. Ainda de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, 17,77% das mulheres presas no estado da Bahia possuem entre 18 e 24 anos; 21,43% possuem entre 25 e 29 anos; 13,68% possuem entre 30 e 34 anos. Revelando que a maioria das mulheres com privação de liberdade encontra-se em idade reprodutiva (BRASIL, 2011). A atenção à gestante no sistema prisional é uma área de atuação da Enfermagem ainda pouco conhecida no Brasil. Esta escassa atenção dada ao tema aponta para a relevância da investigação de questões que envolvem a saúde da mulher durante o pré-natal em ambientes prisionais. De acordo com o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (2004), o Ministério da Saúde assegura a inclusão da população privada de liberdade no Sistema Único de Saúde. Entre as áreas estratégicas de atuação está a Saúde da Mulher que prevê a realização de pré-natal, controle do câncer cérvico-uterino e de mama, garantindo assim o mandamento previsto na constituição de que a saúde é um direito fundamental de todo e qualquer ser humano e dever do Estado. A Lei 11.942 estabelece que os sistemas prisionais femininos sejam dotados de seção para gestantes e parturientes e de creches para os menores cuja responsável esteja presa (BRASIL, 2010). Segundo Ramos (2009), esta lei traz inovações à legislação de execução penal, reconhecendo as especificidades de gênero que permeiam o encarceramento feminino e, em especial, reflete a necessária oferta de condições específicas para o adequado cuidado com as mulheres presas gestantes e parturientes e seus recém-nascidos. 4 É preciso compreender que as pessoas presas representam um segmento articular da população em geral, em condições, situações e comportamentos de risco diversos, que convivem e interagem numa mesma dimensão espacial e temporal, fortalecendo com isso as vulnerabilidades em suas várias expressões institucionais, sociais e comportamentais (SILVA, 2009). De acordo com Ministério da Saúde (2004), a atenção às gestantes com restrição de liberdade tem o objetivo de reduzir as taxas de morbimortalidade materna e infantil, adotando medidas que assegurem o acesso, a cobertura e a qualidade do acompanhamento no pré-natal de baixo e alto risco. Entretanto sabe-se que para efetivar as ações de saúde voltada para a população penitenciária feminina é preciso uma reestruturação dos presídios femininos existentes no Brasil. Os discursos sobre gravidez ou sobre população encarcerada são em geral normativos e trazem, embutidas, preconceitos ou prescrições com promessas de um mundo melhor, muitas vezes cura ou extermínio das “sementinhas do mal”. As detentas grávidas, uma vez punidas por um ato ilegítimo que cometeram, não podem ser novamente castigadas pela precária assistência a saúde. Isto é algo que ultrapassa a sua sentença condenatória, tendo em vista que o feto é o principal prejudicado pela ausência de assistência a saúde adequada neste período. De acordo com (Gomes et al, 2009; VIAFORE, 2005; ZIEGEL 1999), o embrião, durante a gestação, absorve para si, todas as angústias, todas as situações físicas e psíquicas que a gestante passa durante a formação do feto. A escolha pela referida temática surgiu durante práticas de atividades educativas decorrentes de projetos de Trabalhos de Conclusões de Curso (TCC) desenvolvidos no Complexo Presidiário de Salvador, momento que foi possível observar o que as mulheres vivenciam quando estão em situação de aprisionamento. Nesta perspectiva, este estudo almeja compreender as mulheres, mães, encarceradas, cujas experiências pretendem-se retratar nesta pesquisa. Desta forma, o interesse decorre da necessidade de promover e alargar o debate sobre a assistência prestada a estas mulheres nos seus diferentes ciclos de vida, os direitos humanos e, mais especificamente, os direitos da mulher e da criança. A atenção pré-natal e puerperal qualificada e humanizada se dá por meio da inclusão de ações acolhedoras e sem intervenções desnecessárias, de acesso a serviços de saúde de qualidade, com condutas que integrem todos os níveis da atenção promoção, prevenção e assistência à saúde da gestante e do recém-nascido, desde o atendimento ambulatorial básico ao atendimento hospitalar para alto risco (BRASIL, 2006). 5 A relevância do tema se mostra por diminuir o espaço existente na literatura sobre a temática e no sentido de promover e ampliar as discussões sobre a situação vivenciada pelas gestantes privadas de liberdade. Além de conduzir os profissionais de Enfermagem a refletir sobre a questão da assistência prestada a gestante durante a condução do pré-natal em situação de cárcere. No intuito de contribuir para o desenvolvimento adequado da assistência de enfermagem prestada durante o atendimento às mulheres em situação de cárcere, este estudo tem como objetivo geral executar ações de educação em saúde visando preparar gestantes presidiárias para questões relativas ao processo de gestação, parto e puerpério, saúde sexual e reprodutiva e prevenção de DST/HIV. 2. Metodologia Trata-se de um estudo qualitativo, com abordagem descritiva. A escolha em realizar uma pesquisa descritiva baseou-se no entendimento de que este tipo de pesquisa tem como objetivo básico observar e descrever as características de populações e de fenômenos (GIL, 2002, P.131). “Entrar no campo da pesquisa social é penetrar num mundo polêmico onde há questões não resolvidas e onde o debate tem sido perene e não conclusivo.” (MINAYO, 2007, p. 46) As pesquisas qualitativas trabalham com dados não quantificáveis, coletam e analisam materiais pouco estruturados e narrativos, que não necessitam tanto de uma estrutura, mas em compensação, requerem o máximo envolvimento por parte do pesquisador. (FIGUEIREDO, 2008, p. 85) De acordo com Minayo (2007, p. 57), este modo de abordagem tem como base teórica a elucidação de processos sociais ainda pouco conhecidos, o que proporciona a construção de novas abordagens, revisão e criação de novos conceitos em relação ao grupo de estudo. Participaram deste estudo mulheres detentas de uma penitenciária localizada na cidade de Salvador- Bahia, no período de Junho de 2012 à Julho de 2013. As mulheres foram escolhidas intencionalmente através dos seguintes critérios: estar grávida durante a permanência na penitenciária e/ou ter passado pelo processo de separação do seu filho e aceitar participar da pesquisa. A amostra também foi selecionada pela disponibilidade das mulheres em participar do estudo, sendo que apenas 20 aceitaram fazer parte desta pesquisa. O projeto foi encaminhado 6 e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade do Estado da Bahia- UNEB, segundo os trâmites legais da Resolução No. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que trata de pesquisas envolvendo seres humanos. A coleta de dados ocorreu por meio do Grupo Focal e entrevista semiestruturada, cujo roteiro foi composto por duas partes: a primeira visando caracterizar o sujeito, e a segunda constituída de informações mais específicas sobre o objeto de estudo. Antes da coleta de dados, foi escolhido um local reservado no qual foram explicados, cuidadosamente, ao sujeito da pesquisa os objetivos do estudo, a participação voluntária e que a possível recusa não traria nenhum prejuízo em sua relação com a instituição. As entrevistas foram gravadas após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, sendo assegurado o anonimato em relação à identidade dos sujeitos. Para resguardar a identidade das participantes, todas foram identificadas com a letra “E” e o respectivo número de acordo com a ordem da sua entrevista. Na interpretação dos achados, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo temática (MINAYO, 2007) Neste tipo de análise específica, realizamos os seguintes procedimentos: leitura e releitura das entrevistas; mapeamento dos discursos individuais destacando-se as palavras e frases; análise do discurso mediante síntese das entrevistas, baseada nas palavras e/ou frases interpretadas pelo pesquisador. Os princípios éticos foram respeitados, no intuito de proteger os direitos das entrevistadas ao se levar consideração os aspectos éticos pontuados pelas Diretrizes Reguladoras de Pesquisa em Seres Humanos, em consonância com a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996). 3. Resultados e Discussões Vivenciando a gravidez no presídio De acordo com Maldonado (2000), a gravidez na vida da mulher é um momento de importantes mudanças nos papéis que esta exerce. Neste período, ela passa de filha para mãe, revivendo experiências anteriores. A gravidez nem sempre é planejada. Ao saber da gravidez, a mulher é tomada de emoções e sentimentos confusos, além de comungar diferentes reações do parceiro, família e da sociedade em geral. A confirmação da gestação evoca uma posição materna e aceitação. Tais posições são variáveis dependendo da ótica que a grávida tem sobre o fato. (MOTTA apud DILDA, 2005) 7 [...] Minha gravidez foi inesperada... No começo eu não aceitei ‘né’... Eu acho que a gente pensa tanta coisa quando esta aqui dentro. A principal de eu ter ele aqui dentro. É tudo misturado, têm gente doente e tem gente que não é. (E. 1) [...] Assim, foi acidentalmente... ‘né’? Mas vai ser bem vindo porque sempre quis ter mais não por enquanto... mas já que tou.(E. 4) [...] Foi planejada. Já tava planejando assim, tanto que agente falava sempre, ele me falava, eu quero ter um filho, eu quero ter um filho. Sempre tentando, quando agente desistiu da ‘ideia’, eu engravidei (E. 3) Mesmo havendo uma diversidade nos relatos, a maioria das detentas diz que a gravidez foi inesperada, mas, diante da situação, esperam que o filho venha com saúde. Verificou-se no depoimento de E.3 que ela já vinha planejando ter um filho fora do ambiente prisional, porém devido às circunstâncias isso só foi descoberto na penitenciária. Ficou claro que estar gestante no presídio gera um sentimento desagradável e angustiante. Conviver com a gravidez no presídio é um fator preocupante para as mulheres entrevistadas, conforme se evidencia nos depoimentos das participantes: [...] É difícil, pela falta de atendimento médico. Porque agente sente uma dor, agente quer fazer uma ultrassom, agente quer ver como é que tá a criança. Eu gostaria de estar na minha casa, com meu filho, fazendo meus exames. Fazendo meus ultrassons pra ver como é que ta meu filho, me preparando ‘né’? Porque meu filho ‘ta’ ai na porta já to quase ganhando. (E. 3) [...] É horrível. Porque é alimentação, entendeu? ... Mas assim a alimentação ‘eu me sentindo’ que to passando fome, meu filho deve ‘ta’ desnutrido em minha barriga. Mas fazer o que esperar que o juiz. A alimentação não por aqui, porque a comida não é ruim pra quem come qualquer coisa, mas eu não sou rica. Mas so que antes eu sempre andei na vida errada e eu sempre ‘comi’ do bom. (E.2) No relato das entrevistadas, percebemos que existem dois problemas diferentes enfrentados pelas gestantes em situação prisional. Segundo Viafore (2005), dentre as situações que ocorrem no sistema prisional, a falta de assistência à saúde é uma das mais graves. Durante a gestação, as condições ambientais e os fatores nutricionais vão exercer influência direta no crescimento e desenvolvimento do feto. Outros depoimentos demonstram bastante medo das futuras mães em ter seus filhos dentro da prisão, principalmente entre aquelas que terão o seu primeiro filho. [...] É uma coisa horrível ‘né’, a gente saber que esta grávida, ainda mais sendo o primeiro filho e você ta presa sem saber o que fazer ainda mais sem fazer exame nenhum que até hoje não fiz sem saber como é que ‘ta’. Fica um pouco difícil ‘né’.(E. 4) No depoimento da Entrevistada 4, pode-se notar que há uma incerteza em como será a criação de seu filho num ambiente tão hostil e um desejo de cuidado tanto com a sua própria saúde quanto com a da criança. 8 Apesar de ser uma gestação difícil devido às condições ambientais de saúde e de alimentação, o depoimento das detentas foi bem coerente. Em alguns momentos, foram percebidos sentimentos de tristeza, alegria, dor, angústia, medo, ansiedade, saudade e nervosismo. A grávida pode chorar com mais facilidade, tem tendência a acessos de ansiedade, muda rapidamente de sentimentos (como por exemplo, desde o perdão á raiva), faz uma apreciação do seu estado corporal exaustiva; ao que chamamos de “labilidade emocional”. (SILVA, 2008) Esta labilidade emocional torna-se mais acentuada nas gestantes que estão em situação prisional. A prisão, devido ao seu ambiente tenso e normatizador, transforma a vida de qualquer detenta em um constante estresse. Na detenta grávida é observado que o estresse da prisão é somado aos abalos emocionais intrínsecos à gravidez, o que deflagra uma desestabilização psicológica. No que concerne ao apoio familiar, todas se sentem constantemente apoiadas pelos familiares, tanto a nível material e econômico, como a nível emocional e afetivo. Com este apoio, as mães não se sentem tão abandonadas e desprezadas, adaptando-se mais facilmente à prisão e lidando melhor com a situação, tornando-a menos dramática, o que por sua vez, se vai refletir no comportamento com a criança. (SERRAS; PIRES, 2004) O apoio da família, do companheiro e de amigos é essencial neste momento e importante para as futuras mães, pois suaviza as alterações emocionais e transmite mais segurança, conforme os depoimentos abaixo: [...] Minha família eu não tenho nem o que falar, não tem nem palavras, só pedir perdão mesmo, por ter passado por tudo isso. Não é só agente que sofre a família da gente também sofre, muito...(E.3) [...] O relacionamento com minha família é assim... é um relacionamento saudável né, sadio... minha família mesmo sempre unidas...Eu acho de meu marido, minhas irmãs com certeza não vai me largar, não vai me deixar de mão. Eu tenho certeza absoluta...(E.4) Diante do exposto por Gomes et al. (2008), a experiência da maternidade em situação prisional gera angústia, e este é um tema que acarreta uma modificação no comportamento das detentas. Os autores citados colocam que há uma diferenciação do ambiente de fora da prisão para o de dentro desta; a escassez de visitas e falta do apoio do companheiro influenciam também na volubilidade sentimental. Relativamente, o apoio do marido tem muita importância para a gestante, consoante à descrição dos relatos: [...]O Pai dele eu não vejo, porque tá preso... (E.1) [...]Agente é. Sem palavra. ele me trata super bem nunca me tratou mal, agente tem muito mais assim, amigo, sempre foi muito mais amigo um do outro. (E.3) [...]Eu não tenho família aqui, só tenho meu marido. Meu relacionamento é muito ciúme, eu brigo muito com ele. Porque eu fico agoniada...Minha família mesmo são meus filhos, meu marido. (E.2) 9 Apesar de as mães fazerem pouca referência ao pai da criança, fica claro nos depoimentos das entrevistadas E2 e E3 que o companheiro é a família delas e o porto seguro. Logo, é possível observar que o contexto prisional provoca uma fragilidade dos vínculos afetivos, familiares e de amizade. Para Silva e Guzzo (2007), todos que estejam privados de sua liberdade têm garantido a preservação do direito de manter contato com a família, companheiro (a), filhos e amigos. No entanto, a visitação de amigos é uma exceção, pois o preconizado mesmo são os parentes de 1º e 2º grau e do cônjuge. Ao se iniciar as visitas, são realizados procedimentos de revistas, que trazem muitos constrangimentos aos visitantes. Geralmente este é o motivo pelo qual os pais evitam receber a visita de seus filhos, fato exposto no depoimento abaixo: [...] Eu não quero que ele venha porque é muito constrangimento ele ter que tirar a roupa também pra ser revistado... Por causa de uma todo mundo paga. (E.3) Foi observado no depoimento da entrevistada E3 que é muito doloroso para uma mãe não poder ver seu filho, mas a fim de preservar a dignidade, os fatores emocionais, o desenvolvimento e crescimento saudável do seu filho, a mãe suporta tal situação. As gestantes em situação prisional passam por diversos empecilhos e necessitam de um apoio intenso familiar e dos amigos. Grando (2010) afirma que ser solidário é estar junto, ajudando sempre nos momentos mais difíceis, sem esperar nada em troca. É preciso ser bom, saber ouvir e respeitar o outro sem preconceitos. Nesses momentos a amizade é muito importante, pois atenua a insatisfação, a insegurança e a solidão. [...] Eu não tenho amigos, porque eu acho que hoje em dia agente não tem amigos. (E.2) [...] Eu não tenho amigo, eu digo que eu não tenho amigo nenhum, todo mundo que dizia que era meu amigo quando eu ‘tava’ lá fora, na rua. Aqui ninguém me mandou nem um cordão, pra eu me enforcar, se eu quisesse me matar. (E.3) [...] Relacionamento com amigo eu não tinha muitos amigos, porque amizade não presta! Pra mim amizade não presta entendeu.(E.4) Diante dos relatos, infelizmente, não foi possível perceber o que se coloca acima. Porém, fica visível que existe um sentimento de mágoa e indignação quanto ao trauma decorrente da falta de companheirismo e cumplicidade de um amigo. Observa-se então que houve uma ruptura nos laços de amizade fora da prisão. 10 Mãe e filho atrás das grades: contrastes vivenciados pelo binômio Diante da proximidade do momento do parto, Eizirik; Kapczinski e Bassols (2001) asseguram que ao chegar a hora do trabalho de parto, em meio à incerteza, surgem crises de ansiedade e reaparece o temor da dor, da morte e do parto traumático e, até mesmo, do filho disforme e a morte dele. Todavia, deve-se lembrar sempre que amenização dos desconfortos vai além das intervenções biológicas. Por conta de tais aspectos, a futura mamãe necessita de apoio e de tranquilidade desde a preparação e a realização do parto. Tais condições não se observaram nos relatos abaixo: [...] Eu sentir medo, a gente nem aqui não tinha nem médico né! Eu comecei a sentir dor dez horas da noite, sair daqui cinco horas da manhã, por causa do carro... tinha que esperar amanhecer por causa das cotas...(E.1) [...] Eu imagino ter que bater portão, até a policia vim, chegar a escolta pra ter que levar agente pro médico, o problema todo é esse, né? uma precisa de todo mundo, precisa da outra. Ai vai todo mundo bate os cadeados, bater portão, pra poder chamar a polícia, pra poder vim, pra poder pedir a escolta, pra poder levar pro médico. É um sofrimento, muito..(E.3) É perceptível que as gestantes que iniciam o trabalho de parto no sistema prisional sentem-se inseguras, cheias de medo, ansiosas, com dúvidas e apreensivas pela falta de atendimento médico. No entanto, mesmo sendo um momento de grande felicidade, após o parto, os sentimentos predominantes são: amor, emoção, receio, dúvidas e medo. [...]Emocionante. Agente já fica ansiosa pra ver, quando agente ver...” “Emocionante...(E.1) [...] Um amor que eu acho que vou sentir um amor que nunca sentir antes por ninguém, porque é o meu primeiro filho... (E.4) A atenção dessa mulher volta-se para a criança em forma de amor, carinho e cuidado. Quando o direito a uma maternidade saudável lhe é destituído, a mulher fica amargurada, revoltada e melancólica. É de conhecimento das detentas o art.5º da Constituição Federal de 1988 que prescreve o seguinte: “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”. (MIRABETE; FABBRINI, 2004, p. 271) [...]Eu acho isso errado, né’? Porque é na hora que ele mais precisa é nos seis meses, aí tira. Eu acho ‘tipo’ tirar um pedaço da gente, né!(E.1) [...] na fase que ele, que a criança mais precisa da gente ter que separar. Eu acho assim muito difícil. Esse tempo vai ser bom mais vai ser doloroso na hora de ter que levar.(E. 3) 11 [...]Eu não gosto nem de imaginar isso. Eu não sei, eu acho que vou ficar maluca, vou precisar ir logo pro manicômio ficar internada. Eu não consigo imaginar isso não. Eu acho que vai ser uma dor muito grande pra mim...(E.4) Nesta análise, muitas das mulheres não concordam com o que é preconizado pela Constituição Federal de 1988, por acharem este tempo insuficiente. “Segundo estudos realizados, a separação do binômio mãe e filho provoca danos futuros ao bebê que, de alguma maneira, é privado dos cuidados maternos [...]”.(SCHNEIDER; MACHADO; COLLET, 2002) Frente a isso, destacamos alguns depoimentos em relação ao que essas mães sentiram ou poderão sentir quando se separam do seu filho. [...] Acho que é um desespero, uma dor, sei lá. Uma perda!..(E.1) [...] vai ser difícil. Medo de perder ele, não ter mais o amor dele.(E.2) [...] da até vontade de não deixar ir. E falar que não vai e segurar aqui o maximo de tempo que puder. Dá uma angustia, eu tava falando isso hoje com as meninas, vai ser uma tristeza muito grande.(E. 3) [...] Um sentimento muito ruim ‘né’, é horrível! (E.4) Em consonância com o que foi dito, o estado emocional dessas mães nesta fase de rompimento fica completamente abalado. Este foi o momento mais crítico da entrevista, pois as mulheres ficam fragilizadas. Houve momento de choro, de tristeza, de melancolia, de dor, de angústia, de dúvida, medo da perda de pena, de saudade, de ansiedade, dentre outros. Os sentimentos dessas mulheres são muito mais expressivos por elas estarem neste ambiente tão hostil, que não proporciona nenhum suporte para amenizar esta dor. De acordo com Dilda (2005), ao se aproximar o prazo estabelecido para a permanência do filho, as reclusas ficam bastante apreensivas. Neste momento, as crianças devem ser entregues aos cuidados de familiares ou a um abrigo de menores. Quando a detenta tem contato direto com os familiares, estes fornecem um suporte desde a gestação até o momento da separação. Lopes (2004) mostra que as mães, embora tenham uma pessoa de sua confiança para cuidarem de seus filhos, apresentam certo medo em perder o lugar mais genuíno que experimentam: o “poder de ser mãe”. A entrega do filho à família é planejada e estruturada, com o intuito de manter contato com a criança. A maioria das entrevistadas disse que as crianças ficariam com a sua mãe, fato que as deixa mais confortadas. [...] Com minha mãe. (E.1) [...] Vai ser uma coisa ruim, mas eu vou de varias formas vou tentar me conformar pelo fato de ele esta sendo criando pela minha família e quando eu sair daqui eu vou ver ele... Porque eu que eu quero mesmo de não separar do meu filho nunca da minha vida, mas se tiver que acontecer..(E.4) 12 [...] É minha mãe que vai cuidar dele. Porque eu não teria coragem de deixar ele na mão de outra pessoa. Se fosse pra mim entregar pro abrigo, eu acho que eu não mandaria e faria uma besteira. Só ia tirar com a GEOP, como as meninas mesmo falam. A GEOP ‘ia’ ter que entrar pra poder tirar meu filho daqui de dentro... (E.3) Com estes relatos, fica claro que as mulheres já têm um determinado apego ao seu filho e medo que esse vínculo afetivo seja rompido, ainda que seja um membro da família, neste caso, a avó da criança, o responsável pela continuidade dos cuidados. No depoimento da entrevistada E3 é possível observar que caso a detenta não tivesse um bom relacionamento familiar e precisasse mandar a criança para o abrigo, ela não o deixaria. Comprovando o seu relato, o fato só iria acontecer se o Grupo de Operações Especiais entrasse e o retirasse de lá à força, causando assim uma agitação no grupo das presidiárias. Ribas e Moura (2004) afirmam que o apego é uma tendência em buscar proximidade e contato com um a pessoa conhecida, sendo o seu objetivo central o estabelecimento do senso de segurança. Geralmente comportamentos de apego são observados e organizados nas interações das crianças com seus cuidadores, o que permite a manutenção de uma determinada proximidade. [...] Foi como agora ‘né’? Quando eu vim pra ‘cá’ ele tinha 4 vai fazer 7meses no dia 29. Então eu senti que segunda feira quando ele veio, já não era mais a mesma coisa de eu pegar ele e ele vim pra mim. Era como se eu fosse uma estranha. Foi horrível... (E.2) Este depoimento, em concordância com o que Ribas e Moura (2004) disseram acima, nos revela que quando ocorre uma separação, consolida-se uma fissura no vínculo afetivo entre a detenta e o seu filho. Isso faz com que a detenta se sinta receosa, triste e amargurada por achar que está perdendo o amor do seu filho. De acordo com J. Bowlby (apud DALBEM; DELL'AGLIO, 2005), o relacionamento da criança com os pais é delimitado por um conjunto de sinais inatos do bebê, que demandam proximidade. Com o passar do tempo, um verdadeiro vínculo afetivo se desenvolve, garantido pelas capacidades cognitivas e emocionais da criança, bem como pela consistência dos procedimentos de cuidado, pela sensibilidade e responsabilidade dos cuidadores. Por isso, um dos pressupostos básicos da Teoria do Apego é de que as primeiras relações de apego, estabelecidas na infância, afetam o estilo de subjetividades do indivíduo ao longo de sua vida. A Teoria do Apego explana justamente o que essas mulheres em situação prisional apresentam: perda do vínculo afetivo com seu filho. No entanto, cuidadores devem sempre incentivar, na vida desta criança, a presença da mãe, através de cartas, visitas ou telefonemas. 13 Atenção à saúde sexual e reprodutiva no presídio Em 2003, através da Portaria Interministerial nº 1.777, foi implantado o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP). Como a própria portaria salienta “as pessoas estão privadas de liberdade e não dos direitos humanos inerentes à sua cidadania” (BRASIL, 2004, pp. 12). O artigo 41 da Lei de Execução Penal, além de ressaltar o direito dos presos à assistência à saúde, constitui entre os seus direitos a visita do conjugue em dias determinados. Faz a ressalva em parágrafo único que esse direito pode ser suspenso ou até mesmo restringido “mediante ato motivado do diretor do estabelecimento” (BRASIL, 1984). Viafore (2004) ressalta a permissão para prática sexual com o conjugue através da visita íntima é muito importante para os presos, pois permite o estabelecimento de um vínculo estável. Sendo que, o direito sexual e reprodutivo é um dos Diretos Humanos fundamentais e que deve ser respeitado sem discriminação de religião, etnia/raça, orientação sexual ou classe social (BRASIL, 2010b). Ressalta-se ainda que todos os Direitos Humanos devem ser respeitados de forma igualitária, pois todos possuem o mesmo nível de importância (BRASIL, 2010b). São definidos como direitos sexuais: O direito de viver e expressar livremente a sexualidade sem violência, discriminações e imposições, e com total respeito pelo corpo do(a) parceiro(a); O direito de escolher o(a) parceiro(a) sexual; O direito de viver plenamente a sexualidade sem medo, vergonha, culpa e falsas crenças; O direito de viver a sexualidade, independentemente de estado civil, idade ou condição física; O direito de escolher se quer ou não quer ter relação sexual; O direito de expressar livremente sua orientação sexual: heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade; O direito de ter relação sexual, independentemente da reprodução; O direito ao sexo seguro para prevenção da gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e Aids; O direito a serviços de saúde que garantam privacidade, sigilo e um atendimento de qualidade, sem discriminação; O direito à informação e à educação sexual e reprodutiva.” (BRASIL, 2010b, pp.16) No Brasil, a lei 9.263 (BRASIl, 1996b) regula o planejamento familiar e o garante como um direito de todo cidadão como parte integrante da atenção à saúde da mulher e do homem. Lembrando que o planejamento familiar não restrige-se a ações de anticoncepção e concepção (BRASIl, 2010b), como pode ser melhor entendido no Art. 3º da lei 9.263: Parágrafo único - As instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde, em todos os seus níveis, na prestação das ações previstas no caput, obrigam-se a garantir, em toda a sua rede de serviços, no que respeita a atenção à mulher, ao homem ou ao casal, programa de atenção integral à saúde, em todos os seus ciclos vitais, que inclua, como atividades básicas, entre outras: I - a assistência à concepção e contracepção; II - o atendimento pré-natal; III - a assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato; IV - o controle das doenças sexualmente transmissíveis; V - o controle e 14 prevenção do câncer cérvico-uterino, do câncer de mama e do câncer de pênis (BRASIL, 1996). Dentro das linhas de cuidado do PNSSP está incluído a distribuição de preservativos para 100% dos reclusos, elaboração de material educativo e instrucional (BRASIL, 2004). Essa medida esta associada ao fato do presídio oferecer uma maior risco a transmissão de doenças infecciosas, podendo tanto ser originada de fora do presídio como de dentro (STRAZZA et al, 2007). Pode-se caracterizar a visita íntima como uma oportunidade de se adquirir uma doença infecciosa cuja origem é externa ao presídio. Assim quando foi questionado sobre a saúde sexual e reprodutiva dentro do presídio, o depoimento das presidiárias foi unânime em relatar às dificuldades para a efetivação da visita íntima, bem como o descaso da instituição no que se refere a assistência sexual e reprodutiva. Em alguns momentos, foram percebidos sentimentos de revolta em suas falas, é o que mostra os depoimentos abaixo. [...] Tenho aqui seis meses e desde que cheguei aqui não conseguir ter visita íntima com meu companheiro, ele também estar preso e nunca tem viatura para trazê-lo. Antes alegavam que só poderia te visita íntima depois de três meses presa,nãosei onde é que está inscrito isso. Isso é revoltante... (E.5) [...] Desde que cheguei aqui que nunca assistir nenhuma aula que falasse de doença, de camisinha, nem de anticoncepcional nenhum. Logo que cheguei aqui falei com a carcerária que precisava de uma lâmina de barbear para fazer minha higiene íntima e ela disse que não podia fazer nada, que o presídio não disponibilizava não, e agente acaba usando de uma outra detenta que tem e que empresta.... (E.5) Da mesma forma que a prática sexual ou outros comportamentos de riscos entre as reclusas configuram-se como formas de adquirir uma doença infecciosa cuja origem é interna. Esses comportamentos foram descritos no Caderno de Atenção Básica sobre Saúde Sexual e Reprodutiva (2010b) como compartilhamento de material usado em tatuagens, piercing, ou lâminas de barbear, além da esterilização inadequada de materiais utilizados no serviço de saúde da unidade penitenciária. Apesar do sistema carcerário se caracterizar como um local de risco para a transmissão de doenças infecciosas e de existir uma linha de cuidado relacionado às doenças sexualmente transmissíveis no PNSSP, Nicolau et al (2012) afirmam que ele carece de medidas preventivas em suas unidades. As Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST)/HIV/Aids estão entres as doenças infectocontagiosas mais frenquentes no sistema carcerário (BRASIL, 2010b). Considerando apenas as mulheres, também são frequentes as vulvovaginites, câncer de colo de útero e câncer de mama (BRASIL, 2010b). 15 Um estudo realizado em São Paulo demonstrou que 14% das presidiárias eram HIV positivo e que essa população tinha um bom conhecimento a respeito do tema, porém as ações de prevenção da penitenciária era inadequado (BRASIl, 2010b). Outro estudo realizado por Nicolau et al (2012) em uma penitenciária feminina mostrou uma prevalência de HIV positivo em 13,9%, através de um exame sorológico, sendo que dessas, 22% se avaliaram no questionário do estudo como “ausência de riscos para HIV”, ou seja, não se consideravam com chances de ter contraído o vírus. A partir desse fato supõe-se duas alternativas: ou essas mulheres não tiverem acesso a informações de comportamentos de risco para se contrair DST ou as informações foram passadas de uma forma que não foi compreendida por elas. Comparando a população em prisão com a população em liberdade, o número de casos de HIV costuma ser duas vezes maior na primeira nos países em que a principal forma de transmissão é a via sexual, e vinte vezes maior quando outros comportamentos de riscos são as principais vias de transmissão (BRASIL, 2010b). Considerando todas essas condições em que a mulher presidiária está inserida, constrói-se um contexto bastante hostil, onde seus direitos muitas vezes não são respeitados e a assistência à saúde não se concretiza da forma adequada. Ao inserir gestantes nesse contexto, pode-se convir que para elas essa realidade se torna muito mais intensa e preocupante. Situar todo esse contexto da gestação a uma penitenciária configura um quadro que necessita de atenção diferenciada. A gestante em reclusão ainda apresenta um fator preocupante associado a sua condição, pois a prática sexual desprotegida culmina no risco de se contrair uma doença infecciosa que pode ser passada ao feto durante o parto, através da transmissão vertical. Apesar de todas essas considerações, essa população é pouco vista pelas políticas de saúde e por estudos que abordem esse enfoque. 4. Considerações Finais A prisão não deve ser implementada como um castigo, mas sim como forma de orientação para que os detentos possam ser reintegrados à sociedade de maneira efetiva, evitando a reincidência. Percebeu-se a partir dos relatos que nestes estabelecimentos, as condições de saúde são precárias principalmente no que diz respeito à saúde da mulher encarcerada. Deste modo, o ambiente prisional é um local estressante onde a mulher fica extremamente vulnerável, principalmente quando está grávida. 16 Conviver com a gestação no presídio é referido pelas mulheres como um período horrível e de grandes dificuldades, especialmente no que diz respeito ao atendimento médico e à alimentação de qualidade. O apoio familiar, do companheiro e dos amigos é muito valoroso, sempre com mensagens de carinho, amor e afeto. Com a aproximação do parto e com a iminência de separação do filho, as detentas ficam apreensivas e receosas. Esse momento é tão sério que muitas delas ficam depressivas e com problemas de saúde. A assistência prestada neste momento deve ser diferenciada para um cuidado materno - infantil com qualidade. O acompanhamento psicológico desta mãe é essencial, a fim de amenizar um pouco esse processo doloroso e de perda. É possível observar na legislação que a politica nacional de saúde no sistema penitenciário existe, porém através dos depoimentos percebe-se uma falha na sua implantação e implementação. As mulheres em situação prisional relataram vivenciar grandes dificuldades no ambiente carcerário, no entanto esperam que seu filho nasça com saúde e tenha um futuro diferente do seu. Apesar de todos os pré-conceitos formalizados em torno dessas mulheres, que ingressaram na ilegalidade, a saúde é um direito de todos, independentemente de quem seja ou do que tenham feito; é dever do Estado prestar este atendimento humanizado. Tais considerações requerem uma abordagem multiprofissional, sendo de extrema importância para a vida da mãe, do seu filho e da sociedade em geral. Respondendo aos objetivos propostos pelo estudo e entendendo a importância do tema estudado, sugerimos a implantação e execução de políticas públicas que respeitem as questões de gênero e contemplem as peculiaridades inerentes à mãe presidiária e seu filho. Sabemos que o tema é bastante polêmico, porém é a forma viável de contribuir para evitar o abandono e separação do filho numa fase vital da infância. As considerações aqui expostas merecem ser observadas para que sirvam como ponto de partida a uma nova discussão em nível acadêmico, social e político, no sentido de operacionalizar essa nova política, com ações intersetoriais e multiprofissionais. A abordagem da equipe multiprofissional deve ser constante, singular e ampla, a fim de amenizar a dor produzida pelo processo de separação. Os sentimentos envolvidos com o afastamento entre mãe e filho é um ponto importante para uma intervenção mais humanizada e de melhor qualidade, ajudando a superar a ansiedade, o medo e as angústias dessas mulheres. Conclui-se, mediante aos relatos das entrevistadas, que existe uma deficiência evidente no cuidado direcionado às detentas, pelos profissionais que deveriam concretizar o direito dessas mulheres encarceradas, mantendo os laços afetivos com seus filhos. 17 A Constituição Federal e a Lei de Execução Penal não apontam uma definição exata do período de tempo mínimo para que a criança permaneça junto à sua mãe detenta; faz-se referência somente ao direito que essas mães têm de amamentar os seus filhos. Legalmente, a mulher detenta possui o direito de ficar com o filho durante o período de amamentação, inclusive em berçário. No entanto, essa norma de conduta moral contradiz-se com o ponto de vista da gestão prisional. Estar grávida ou com o seu filho na prisão, pode se apresentar como duas faces: a felicidade e alegria de ser mãe e, ao mesmo tempo, do outro lado, a tristeza da separação mãe/filho sendo caracterizada como dupla penalização. Esperamos com a nossa pesquisa poder contribuir para dar uma ampla visibilidade da temática em questão, uma vez que o sistema penitenciário tem imposto uma situação desumana com a criança “presidiária”. Referências BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Perfil da população carcerária. Disponível em: <http:// www.mj.gov.br/depen/ sistema_brasil. htm>. Acesso em: 15. jul. 2012. ______. Ministério da Justiça. Diretoria de Políticas Penitenciárias. Mulheres Presa - Dados Geras. Projeto Mulheres/DEPEN. Departamento Penitenciário Nacional. Brasília; DF, 2011. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção em Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Legislação em saúde no sistema penitenciário. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção em Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília; DF, 2010. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde da Mulher. Pré-Natal e Puerpério: Uma atenção qualificada e humanizada, 3º. Ed. Brasília; DF, 2006. ______. Ministério da Saúde. Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário. Portaria Interministerial nº 1.777 de 09 de novembro de 2003. Brasília; DF, 2004. ______. Conselho Nacional de Saúde. Resolução Nº196, de 10 de Outubro de 1996. Disponível em: <http://www.conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.htm>. Acesso em: 05 de março 2012; DALBEM, Juliana Xavier; DELL’ AGLIO, Débora Dalbosco. Teoria do apego: bases conceituais e desenvolvimento dos modelos internos de funcionamento. Arquivo Brasileiro de Psicologia, vol. 57, n.1, p.12-24, 2005. DILDA, Juliana. A mulher aprisionada e o exercício da maternagem: um estudo no presídio feminino de Florianópolis. Biguaçu, 2004. Disponível em: <siaibib01.univali.br/pdf/Juliana%20Dilda.pdf>. Acesso em 05 de março de 2012; 18 EIZIRIK, Cláudio Laks; KAPCZINSKI, Flávio; BASSOLS, Ana Margareth Siqueira. O Clico da vida humana: uma perspectiva psicodinâmica. 1ª. ed. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001; FIGUEIREDO, Nébia Maria Almeida de. Método e Metodologia na Pesquisa Científica. 3 ed. São Paulo: Yendis, 2008. P. 73-89; p. 91-117; p. 131; GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas , 2002. p. 131; GOMES, A. B. F. et al. Reflexões sobre a maternidade no sistema prisional: O que dizem técnicas e pesquisadoras. Revista de Atualização Científica. SEAP/UERJ. Rio de Janeiro, v.22,n.1,2009. GOMES, Aline Barbosa Figueiredo et al; Reflexões sobre a maternidade no sistema prisional: o que dizem técnicas e pesquisadoras. Rio de Janeiro, 2008. Disponível em: <http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/images/Anais_XVENABRAPSO/366.%20reflex%D 5es%20sobre%20a%20maternidade%20no%20sistema%20prisional.pdf>. Acesso em 05 de março de 2012; GRANDO, Tamara. O principio da dignidade da pessoa humana e o direito à convivência familiar da criança com a genitora carcerária. Chapecó (SC), 2010. Disponível em: <http://www.unochapeco.edu.br/static/data/portal/downloads/937.pdf>. Acesso em 05 de março de 2012; GUILHERMANO, Thais Ferla. Fatores associados ao comportamento criminoso em mulheres cumprindo pena em regime fechado na Penitenciária Feminina Madre Pelletier. Porto Alegre, RS: PUCRS, 2000. Originalmente apresentada como dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul, set. 2000. LOPES, Rosalice. Prisioneiras de uma mesma história: o amor materno atrás das grades. São Paulo, 2004. Disponível em: MALDONADO, Maria Tereza. Psicologia da gravidez: parto e puerpério. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2000; MARTINS, S. A mulher junto às criminologias: de degeneradas à vitima, sempre sob controle sociopenal. Fractal: Revista de Psicologia, 21 Jan. 2009. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 10 ed. São Paulo: Hucitec, 2007. p. 46 – 47\ 56 – 57; MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Execução Penal. 11 ed. São Paulo: Atlas S.A. p. 271, 2004; RAMOS, L.S. Direito à amamentação e à convivência familiar: possibilidade de afeto e resignificação do cárcere. Revista do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero. 1ª Impressão. Brasília, DF. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2009. 19 RIBAS, Adriana F. Paes; MOURA, Maria Lucia Seidl. Responsividade materna e teoria do apego: uma discussão crítica do papel de estudos transculturais. Psicologia: reflexão crítica, vol.17, n.3, p.315-322, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/prc/v17n3/a04v17n3.pdf >. Acesso em: 25 de setembro de 2012; SCHNEIDER, Jacó Fernando; MACHADO, Marilana Aparecida; COLLET, Neusa. Separação mãe-filho: aspectos emocionais da mãe. Arq. Ciênc. Saúde Unipar, vol.6, n.2, p. 145-150, 2002. Disponível em: <http://revistas.unipar.br/saude/article/view/1171/1032>. Acesso em: 25 de setembro de 2012; SERRAS, Dinora; PIRES, Antônio. Maternidade atrás das grades: comportamento parental em contexto prisional. Análise Psicológica, ano XXII, vol.2, p. 413-425, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/pdf/aps/v22n2/v22n2a09.pdf>. Acesso em 10 de mar de 2012; SILVA, Mônica Ferreira; GUZZO, Raquel S. L. Presidiários: percepções e sentimentos acerca de sua condição paterna. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum, v.17, n.3, p.48-59, 2007. Disponível em: <http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/rbcdh/v17n3/05.pdf>. Acesso em 15 de março de 2012; SILVA, Alexandre Calixto da. Sistemas e Regimes Penitenciários no Direito Penal Brasileiro: Uma Síntese Histórico/Jurídica. Maringá, SP: UEM, 2009. Originalmente apresentada como dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2009. SILVA, Susana Cristina Fernandes. Ansiedade da mulher durante o último trimestre de gravidez: numa amostra da área abrangente do porto. Porto, 2008. Disponível em: <http://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/1375/1/mono_%20SusanaSilva.pdf>. Acesso em 05 de mar de 2012; VIAFORE, D. A gravidez no cárcere Brasileiro: uma análise da Penitenciária Feminina Madre Pelletier. Direito & Justiça, ano XXVII, v. 31, n.2, p. 91-108, 2005. ZIEGEL, E. E. e CRANLEY, M. S. Enfermagem Obstétrica. 8ª edição. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan, 1999.