BEIJA-FLOR AIRBORNE REDUX
Carlos Estellita-Lins
Fiocruz | Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro
submissão: 14.02.2022 aprovação: 19.08.2022
volume 14 (2) | 301 - 332 | 2022
RESUMO
O trabalho discute a experiência de confinamento na crisecovid, a partir de uma situação autoetnográfica. Assume o desafio de uma etnografia multiespécie mínima em espaço padronizado pelos
modos de existência ocidentais - uma sala e sua janela num apartamento. A questão do Antropoceno e das zoonoses é tematizada neste contexto de impasses escatológicos de adiamento do fim do
mundo. O acontecimento convoca temas afins, partindo de beija-flores e outras espécies agenciadas
por sua presença efêmera, a saber: experiência de adoecimento, solastalgia, empuxo ao discurso,
teoria do claustro. O isolamento, que se tornou político - abriu-se para uma paisagem minimalista
incontornável. Igualmente, indicou como seria preciso acompanhar as etnografias multiespécie com
ênfase tanto nas experiências de “edge”, com animais ameaçados, como de espécies urbanas imperceptíveis ou desvalorizadas.
Palavras-chave: Antropoceno; covid19; etnografia multiespécie; isolamento; solastalgia.
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ABSTRACT
RESUMEN
HUMMINGBIRD AIRBORNE REDUX
COLIBRI AIRBORNE REDUX
The paper discusses seclusion experience
L’article aborde l’expérience de l’enfermement
(“social distance”) during covid19 pandemics
en crisecovid à partir d’une situation autoethno-
from an autoethnographic situation. It faces
graphique. Il relève le défi d’une ethnographie mi-
the challenge of some reduced multi-species
nimale multiespèce dans un espace standardisé par
ethnography within standard space/spaciali-
les modes d’existence occidentaux - une pièce et
zation typical of Western modes of existence
sa fenêtre dans un appartement étroit. La question
- a room and its window in a flat. The ques-
de l’Anthropocène et des zoonoses est thématisée
tion of Anthropocene and zoonosis brings up
dans ce contexte d’impasses eschatologiques et évi-
the context of eschatological impasses and
tement de la fin du monde. L’événement fait appel
necessary postponement of the end of the
à des thèmes connexes des colibris et d’autres espè-
world. The event summons up related themes
ces agencées par leur présence éphémère, à savoir :
from hummingbirds and other species agen-
l’expérience de la maladie, la solastalgie, la poussée
ced by their ephemeral presence, namely: ill-
au discours, une théorie du cloître. L’isolement, de-
ness experience, solastalgia, discursive drive
venu politique - s’ouvre sur un paysage minima-
Amazônica - Revista de Antropologia
Beija-flor airborne redux
and cloister theory revisited. Confinement or
liste incontournable. Comme un jardin zen ou un
isolation, which became political - opened up
désert, il y avait un paysage monotone apparente-
to an unavoidable minimalist landscape appa-
ment pauvre en animaux ou plantes pour être fré-
rently poor in animals or plants, emulating
quenté à ma propre fenêtre. De même, elle a mon-
some zen garden or even a desert. Equally, it
tré à quel point il serait nécessaire d’accompagner
suggests growing emphasis on multi-species
les ethnographies multiespèce en mettant l’accent
ethnographies involving endangered animals,
sur les expériences du “bord”, des animaux en voie
‘edge’ experiences, but also regarding unnoti-
de disparition, des espèces urbaines inaperçues ou
ced or undervalued urban species.
sous-estimées.
Keywords: Anthropocene; covid19; multi-spe-
Mots-clé: Anthropocène; covid19; ethnogra-
cies ethnography; social distance; solastalgia.
phie multi-espèces; clausure; solastalgie.
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1 PANDEMONIO
Descobrimos que somos quase todos habitantes
de enormes cidades, com uma vida cotidiana
A ênfase do texto é a descrição de um modo de
escravizada por rotinas. Esses ritmos foram in-
viver em confinamento durante a crisecovid-19.
terrompidos por uma exigência de monotonia
Pretendo narrar uma experiência de encontro
ainda maior e mais implacável – isolamento,
com animais e plantas a partir de uma situação ao
quarentena, interdito de circulação. A pandemia
mesmo tempo singular e absolutamente comum:
foi mais do que um fato ou evento, foi um acon-
a reclusão voluntária durante os dois primeiros
tecimento1. Estabeleceu uma inédita temporali-
anos da pandemia. Estar em isolamento (“afasta-
dade catastrófica, globalmente compartilhada de
mento ou distância social”) nos apresenta marcos
modo quase sincrônico, a tal ponto que merece-
de caráter escatológico ou de fim-de-mundo, a
ria denominar-se exfermidade (Bourriaud 2017,
saber - o confinamento singular (claustro e lock-
Estellita-Lins 2020; 2021b).
down); um conceito emergente de acontecimento;
Nas querelas da crisecovid emergiram inte-
o empuxo ao discurso como experiência de adoe-
resses conflitantes acerca de exames PCR, uso
cimento; a percepção da solastalgia; a “descober-
de máscaras filtradoras de partículas, distância
ta” de formas de vida tridimensionais, porém infi-
segura e contaminação aiborne (ventilação) en-
nitesimais. Para fugir do contágio, habituei-me a
volvendo o trabalho e o transporte (Rojas-Rueda
um lazareto onde encontrei aves, insetos, plantas
& Morales-Zamora 2021). Uma política pública
e pouquíssimos mamíferos. Pássaros são sentine-
mundial voltada contra um agente patógeno es-
las de eventos zoonóticos de modo planejado, mas
pecífico mais se parece com uma ficção grosseira
também inesperado (Keck 2013, 2014, 2018). Bus-
que só enxerga um único organismo, aquele dos
co contar como a zoonose letal planetária conec-
humanos, abstraído das situações2. O movimento
tou inesperadamente duas espécies aéreas: vírus
One Health, apoiado por organismos internacio-
respiratórios e beija-flores.
nais de saúde pública, reivindica tratamentos de
Observamos a propagação sincrônica da epi-
saúde compartilhados para humanos e animais,
demia globalizada desde abril de 2020, com fo-
atento para uma concepção holista de vida mul-
cos na China, Itália, Alemanha e EUA, foi sendo
tiespécie, cuidados transespecíficos assim como
criada uma experiência “unificada”, bastante se-
para uma ecologia planetária das enfermidades
melhante e monótona, ainda que multifacetada.
(Singer 2014; Murtaugh et al. 2017). Existe o risco
Entre história, estrutura e acaso devemos reconhecer o acontecimento. Neste “agora” da pandemia revela-se um
evénément que não tem o selo do efêmero, mas ao contrário, de um fim-do-mundo continuado ou perene. O acontecimento é sempre mais do que um evento inesperado. Tem caráter de ferida, de cicatriz, nos acena de dentro do
acidente que ocorre. Para Deleuze (1969:175) consiste no conceito nietzschiano de amor fati. Trata-se de “mundos sob
os fins que vem” (Danowski 2019).
2
A metáfora do micróbio inimigo na guerra é uma simplificação heurística nociva, reduz e distorce além de obrigar
a uma escolha forçada.
1
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de que o newsarscovid19 possa tornar-se o agen-
ral. Notável era somente o espanto de humanos
te infeccioso da primeira pandemia panzoótica
com o desrespeito às cercas. Seria preciso acres-
do planeta (Gollakner & Capua 2020). Cabe per-
centar sobre cada imagem a frase: “eu juro que vi
guntar-se sobre a contaminação por Covid-19 de
isso!”, como fez Michael Taussig (2011) em seus
furões, doninhas e visons (mustelídeos), lamen-
desenhos de campo.
tar danos aos primatas maiores e preocupar-se
Enfim, deve-se acompanhar algumas refe-
com cães e gatos domésticos. A contaminação
rências caras à etnografia multiespécie como a
de humanos por gatos foi documentada recente-
literatura do ecocriticismo (Rachel Carson foi
mente (Sila et al. 2022).
pioneira), a ficção científica feminista ambien-
Admitir uma autoetnografia multiespécie
talmente engajada (Le Guin, Octavia Butler, en-
neste estudo justifica-se pelo encontro com um
tre outras), as distopias planetárias no cinema
vírus abstrato3 a partir de uma alerta pandêmico
sci-fi, a poesia ecológica, a filosofia de campo
incluindo os humanos do planeta (exceto alguns
multiespécie, os critical animal studies, a in-
ilhéus e indígenas isolados). É menos usual, caso
clusão de animais vivos nos museus (como es-
não constitua uma contradictio in adjectu. A in-
pectadores e obras), a etologia dos etologistas,
tegridade do ego autobiográfico fica cindida pelo
entre outras tendências. Provavelmente o de-
reconhecimento de companheiros microscópicos
vir-baleia como figura maior do devir animal na
e sua agência multiforme (Latour 1984; Sariola,
obra deleuziana trouxe a literatura de Herman
Butcher & Cañada 2022). Neste circuito, o con-
Melville para outro patamar.
finamento dos humanos permitiu um passeio
O animal (anomal) transforma-se em bale-
multiespécie global ao mesmo tempo em que
eiro ao mesmo tempo em que o capitão Ahab,
rituais variados estabeleceram-se ao longo da
já parcialmente incorporado pelo cachalote, é
desorganização e anomia. A tempestade de ima-
arrastado num devir-baleia. Não se trata de me-
gens virtuais durante os lockdowns mostrava
tamorfose, quimera ou hibridação. No mesmo
dezenas de bichos atravessando cidades vazias
diapasão de temporalidade incorporal, tornar-se
como seus donos legítimos. Ninhos em auto-
animal, por sua vez, transforma a todos: si pró-
móveis. Onças no estacionamento, antílopes na
prio, a presa, a tripulação e o universo de ódio
praia, javalis e macacos pelas ruas vazias. Aves,
entre presa e predador. Não ficamos com entes
abelhas e pardais também poderiam ser encon-
nem seres (animais, humanos, navios etc.), mas
trados nesta iconografia. Selvagens retomando
“blocos de devir”. O canibalismo tupi igualmente
espaço em paisagens de maciça intrusão cultu-
forneceu matéria para reflexão sobre onças, ini-
Chamá-lo de abstrato tem motivos na escalabilidade, sensibilidade, modos de usar ciência, situação político-ideológica etc., mas sobretudo porque permaneci sem enfermidade até a terceira dose de vacina e o aparecimento do
ômicron B.A.5.
3
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migos e cunhados por meio da rica cosmologia
com sua reivindicação da doença e da loucura
incrustada no significante tovaja, ou seja, cunha-
no exercício do pensamento5. No campo da An-
do. Viveiros de Castro sugere que toda etnogra-
tropologia médica emergiu a illness narrative,
fia amazônica poderia ser entendida como mul-
em que a cronicidade despontou enquanto mo-
tiespécie, o que aliás verifica-se com a predação
delo. O conceito de experiência de doença em
e o comensalismo.
Georges Canguilhem sobreviveu incógnito. Se-
Alguns vivendo isolados na crise, quarente-
ria importante notar que a narrative turn e os
nados por mais de 40 dias, confinados, aparta-
questionamentos da etnologia estadunidense
dos. Acredito que descrevo arranjos ecológicos
cristalizados pelo movimento “writing culture”
que tornaram habitáveis alguns mundos pesso-
situam-se precisamente nas origens da autoet-
ais e coletivos. Embora atingidos e devastados
nografia ao questionarem tanto a objetividade
muitos se permitiram reflexões, embora a régua
ficcional quanto o narrado subjetivante. Donna
para lidar com as catástrofes e seus efeitos erráti-
Haraway foi importante no entanglement com
cos esteja desconfigurada, desgovernada (Etelain
não humanos cujo impulso inicial veio da prima-
2017). Nesse sentido conto uma estória bastan-
tologia feminista, de relações imunológicas de
te circunscrita. Ela traz perguntas sobre outras
infecção e descortinou possibilidades com “espé-
histórias e sobre a prática da narrativa durante
cies companheiras”.
o adoecimento. O “isolamento social” permitiu
A autoetnografia cristalizou-se mediante
prestar atenção nos seres vivos imperceptíveis
conjunto de métodos, atitudes e realizações. Em
ou muito discretos que coabitam comigo num
meio a contestações, ela delimita pelo menos
apartamento de espaço restrito (Gillespie 2017).
dois blocos distintos, a “autoetnografia analítica”
Posso admitir que uma arca de Noé foi improvi-
e “autoetnografia evocativa” (Anderson 2006).
sada. Em primeiro lugar, olho para os micróbios
Essas vertentes prolongam-se na performance,
e para os microrganismos chamados vírus, de-
no cinema etnográfico e nas artes visuais. Para
pois para um cortejo de aves, plantas e insetos.
Norman Denzin, pensador do expressivo, sus-
A África Fantasma de Michel Leiris é abso-
peitas acerca do pós-modernismo antropológico
lutamente clara na transgressão das fronteiras
insistem na “analiticidade”, “evitação do narci-
entre etnografia e diário de campo4. Se formos
sismo” (Denzin 2006). Para ele, o pedagógico,
buscar mais atrás devemos pensar em Nietzsche
o performativo e o político justificam o enact-
Trata-se de sua tese de doutoramento. Essa singular etnografia africanista transita do relatório colonial à autoetnografia, abordando o furto de artefatos étnicos, incidentes diplomáticos, fascínio esotérico, sexo com informantes e
psicanálise pessoal, entre outras aventuras.
5
Isto abriu uma ferida no existencialismo, nas filosofias do Dasein (heideggerianas) e do corpo situado-sexuado (Merleau-Ponty), além dos ecos em Maurice Blanchot, Pierre Kossowski, Michel Foucault e Gilles Deleuze.
6
Krizec (2003: 149): “no matter how personal, autoethnography should always connect to some larger element of life”.
4
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ment dos mundos abordados. Seus críticos con-
beleceu-se uma progressiva rotina de visitação
dicionam o caráter pessoal a uma conexão mais
em que eles foram trazendo parentes, amigos e
ampla com a vida . Marylin Strathern admite a
outras espécies. Percebi então que além das aves,
autoantropologia apontando para a escala e o
vinham mamíferos, insetos e também chegaram
perspectivalismo com seu modelo fractal. Outros
plantas estranhas. Entendo que as relações hu-
ainda entendem que quando saberes tradicionais
manos-animais também poderiam ser estudadas
estão a contar histórias teríamos uma prática au-
em uma situação esdrúxula, com recurso a ou-
toetnográfica indígena (Whitinui 2014).
tras referências etnográficas e atenção para a mi-
6
croecologia de uma casa comum (Van Dooren &
2 NÃO TEM BEIJA-FLOR NO JOGO DO BICHO
Bird Rose 2016). Neste nexo fala-se em “filosofia
de campo” (Van Dooren 2017; Despret 2018). Sa-
Aqui proponho percorrer recortes de uma
patos apertados sempre inventam novas danças.
experiência pessoal, biográfica, pretensamente
Acredito que vivemos entre poucos animais
autoetnográfica, já que topei com uma prolife-
na cidade, alguns que têm seu direito de cida-
ração multiespécie que considero incontornável.
dania garantido são espécies companheiras,
Na imobilidade e no ócio7 criados pela pande-
animais de estimação ou xerimbabos8. A enor-
mia busquei a companhia de aves de parapeito
me maioria dos outros animais são considerados
- aquelas que ainda vêm comer nas janelas. Bus-
intrusos. O invasor indesejável modelo é o mos-
co discorrer sobre um isolamento compartilhado
quito, provavelmente senhor soberano dos pân-
com vírus (seu fantasma), aves e outros bichos,
tanos do Rio de Janeiro e da Região dos Lagos.
a partir de um recorte expandido, seja por falta
Recentemente, uma garça apareceu na portaria
de campo multiespécie, seja por excesso. Como
do prédio ao lado, que fica a pouco mais de 1 km
um jardim zen ou um deserto havia uma paisa-
de distância de uma lagoa e equidistante do mar.
gem aparentemente monótona e pobre em ani-
Foi considerado fato incomum e nunca visto, já
mais ou plantas por ser frequentada em minha
que a região fica encrustada entre três morros
própria janela. A rigor resolvi receber a visita de
altos. Capivaras e jacarés são frequentes na Zona
colibris, que considerei isenta de covid-19. Esta-
Oeste do município do Rio de Janeiro, embora
Gostaria de ser o personagem macunaímico que estaria de férias durante a crisecovid. Ainda não consegui cultivar
este ócio anarquista e resplandecente. Possivelmente trabalhei mais e me preocupei muito nesta crise que ainda prossegue. Contudo, devo ter ganho 12 horas de vida por semana e muito mais em tranquilidade. Deixei de ficar exposto
ao trânsito: sacolejos, desconforto, dor lombar, proselitismo religioso, risco de acidentes, conflitos, assaltos.
8
Como disse Felipe Vander Velden (2011), não havia animais domesticados antes do encontro com o europeu invasor
- populações animais mantidas em estreito contato com agrupamentos humanos por meio do controle reprodutivo e
da seleção artificial - “mas eram frequentes animais que chamamos familiarizados, ou amansados (em inglês tamed,
ou francês apprivoisée), isto é, trazidos como filhotes da floresta e criados no convívio com humanos nas aldeias” que
os povos Tupi costeiros denominavam xerimbabos. A questão do parentesco com o pet ou espécie companheira é
relevante nas terras baixas. Para uma problematização detalhada ver Erikson (2012).
7
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difíceis de situar nas lendas urbanas, as cotias
nia de limpeza está voltada prioritariamente para
moram num parque do centro da cidade, e pre-
insetos9. Um país tropical tem muitos insetos. Se
guiças aparecem esporadicamente em algumas
há esforço há recalcitrância. Pode-se adivinhar
comunidades-favela.
que uma fauna predial urbana se esconde ao der-
Um prédio comum na Zona Sul ou central
redor. Vincianne Despret chama atenção para a
desta cidade costuma ter uma coorte de animais
proibição de animais nos museus, muito oportu-
indesejáveis - ratos, lagartixas, aranhas, lacraias,
na quando se admira a obra de Tomás Saraceno
formigas de vários formatos, vespas, marimbon-
(Saraceno & Despret 2021). Habitar, morar, con-
dos e inúmeras aves. O pombo, a rolinha e o par-
viver é necessariamente co-habitar (Despret 2016,
dal sempre foram considerados inimigos (o pardal
2019) Seria preciso ampliar a educação ambiental
sumiu). Micos parecem ter se desenvolvido bem
e tentar aprender algo com sociedades tradicio-
nas cidades, perto de parques ou montanhas, mas
nais - que os brancos racistas consideram “sujas”
tendem a ser hostilizados em epidemias (Garcia
(Almada & Venâncio 2021).
2018). Em suma, os animais são bem-vistos em
A preocupação com a extinção, a sustenta-
estado de imagem quando integrados às suas
bilidade, o chamado responsável ao convívio
devidas paisagens. Comecei a estranhar muito a
com os nãohumanos me questionou de frente.
ideia de que todo prédio é dedetizado por lei, e
A dedicação estética aos hummingbirds era fá-
que anúncios deste serviço anti-inseto são muitís-
cil e conveniente. Desconfiei, introduziu-se uma
simo comuns. Os ricos do Brasil têm por ideal de
dúvida moralista. Não seria mais justo cuidar de
moradia um espaço sem animais ou insetos, em-
uma espécie em extinção? Me respondi que eu
pregando uma ‘mucama’ que deixe tudo limpíssi-
mesmo era um tipo de humano em extinção na
mo, isto é, sem nenhum tipo de ser vivo, inclusive
crisecovid. O fato de alimentar com um come-
quando viajam. Os pobres imitam como podem.
douro-bebedouro plástico e com uma substân-
Limpo significa asséptico como um centro cirúr-
cia industrial não era equivocado? Lembrei dos
gico. A vocação da neurose obsessiva enquanto
artigos recentes sobre micropartículas plásticas
projeto civilizatório se revela - controlar, prever,
em nossas vilosidades intestinais. Como seria
antecipar. Não apenas odiar tudo que é velho, mas
o intestino do colibri? Fiquei por encontrar no-
buscar o plástico, a novidade, o isentão, o reluzen-
vas soluções. Estaria tentando domesticar sem
te e o “cheiro de carro novo”. Produtos de limpeza
perceber? Ou perceber o que seria domesticar
e de higiene são muito vendidos no país. Essa ma-
uma espécie selvagem? Como entender de ou-
Do higienismo republicano ao parque industrial de produtos higiênicos e culto às farmácias circula o argumento
pouco científico da “higiene”, típico da nação da norma, sem esgoto nem alfabetização. |Estudos de microbiota intestinal propõem transplante high-tech de cocô-merda ou comparam a flora oral individualizada de nova-iorquinos com
as bactérias e fungos variados encontradiços na boca de ameríndios aldeados.
9
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tro modo o gesto de oferecer comida em troca
indo-europeias ou asiáticas, mas estão onipre-
de brevíssimo convívio sem usar levianamente
sentes na Mesoamérica ou no alto Xingu junto
a noção de hospitalidade? Não sou capaz de res-
com morcegos. Seu canto é pífio, mas o rufar das
ponder. Mas consigo afirmar que o claustro me
asas é absolutamente fascinante e hipnotizador
leva a refletir sobre convívios.
como o canto da sereia ou um zunidor indígena.
O confinamento prolongado durante uma
Por um lado, temos que reconhecer que os
epidemia, quando associado ao medo de morrer
beija-flores são poderosos ameríndios, que já do-
e ao desenvolvimento de claustrofobia é propício
minaram o território em que me encontrava jun-
às enfermidades classificadas pelo DSM V : es-
to com os tupiniquins e tupinambás. A maioria
tresse pós-traumático (TEPT), formas variadas de
das espécies não se encontra ameaçada nem em
depressão, ansiedade generalizada (TAG), abuso
extinção e parece ter se adaptado à busca de co-
de álcool, violência entre parceiros íntimos, ris-
mida, néctar artificial, em parapeitos no labirinto
co de suicídio. Fui descobrir os pássaros de pa-
de prédios da cidade grande - o que não significa
rapeito seguindo o conselho de alguém que saía
que com a erosão vegetal pelos transgênicos e
de uma longa enfermidade psíquica e se tornou
sua escalada de agrotóxicos não sejam bastan-
cuidador de passarinho e observador de aves. As
te afetados, como algumas espécies de abelhas
primeiras aparições dos beija-flores são bastante
que já foram dizimadas (Straube, Urben-Filho &
impressionantes. Sua chegada é rápida, solene e
Piacentini 2006). As árvores frutíferas do Brasil
ao mesmo tempo sincera. Não têm tempo a per-
estão desaparecendo junto com seu manejo flo-
der. Cortam os ares e fazem sentir o vento como
restal tradicional.
10
uma pipa ou ventilador: “flying marvels”.
Acredita-se que a família dos beija-flores e co-
O isolamento do animal-que-vive-na-pólis
libris (Trochilideae) seja a segunda maior família
não é incomum nem estranho entre muitos po-
de pássaros com aproximadamente 338 espécies
vos. De acordo com Aristóteles, o homem não se
espalhados em todas as Américas. Estima-se
define pelo demos, raiz de pandemia-epidemia,
que 37 espécies estejam ameaçadas de extinção
mas por ser “político” e também bípede como
(10%) sendo que entre as dez mais ameaçadas:
as aves (Aristóteles 1960: 15-16). Para um grego
oito estão na Colômbia, três no Equador e duas
da era clássica somos bípedes implumes assim
no Chile (BirdLife International 2022). No Brasil,
como as sirenes são aladas e emplumadas (só
há preocupação com duas espécies - uma amazô-
mais tarde se tornaram parecidas com peixes).
nica, com rabo-de-raquete e outra nas florestas
Beija-flores não aparecem em narrativas míticas
úmidas do Espírito Santo e da Bahia, chamado
Diagnostic and Statistic Manual ou Manual Diagnóstico e Estatístico, quinta edição. Trata-se da classificação de
“distúrbios mentais” estadunidense que é mundialmente utilizada em pesquisa.
10
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balança-rabo-canela (Glaucis dohrnii). No Rio de
cauda danificada. Sua postura é bastante técni-
Janeiro estima-se aproximadamente 707 espé-
ca e precisa, nunca fica testando ou procurando,
cies diferentes de aves observadas regularmente,
vai direto na boquinha da flor e sai em dispara-
com 30 colibris ou beija-flores nesse contingente.
da. Volta algumas vezes perfazendo um circuito
Há ainda 12 bacuraus-engole vento encontradi-
ou ronda sistemática. Beija-flô cisca? Nem sei...
ços. Um deles canta perto de minha janela regu-
Costuma chegar no crepúsculo também, além da
larmente por volta das quatro horas da manhã de
manhã e do início da tarde, meio misturado com
modo lúgubre e azarento, mas felizmente breve
a expedição regular de morcegos. Os sebinhos-
(Wikiaves 2022).
-cracudos11 esparramam-se com a chegada de
Os visitantes beija-flores são de cinco espé-
qualquer beija-flor. São cantores e barulhentos,
cies distintas, talvez seis. Pude identificar apenas
mas calam-se nesta hora. Afastam-se, descem do
dois com facilidade: o beija-flor-cinza (Aphanto-
poleiro bebedor, sobem na janela e até entram
chroa cirrochloris) que vive em áreas florestais
em casa rapidamente. Não parece medo, mas
bastante degradadas e tem se mostrado bem-a-
obediência a um acordo estabelecido.
daptado; e o beija-flor-rabo-de-tesoura (Eupe-
Nenhum dos colibris tem medo dos humanos
tonemus macroura) considerada a espécie mais
na casa. Tampouco se mostram interessados ou se
comum do Brasil centro-oriental. Costuma habi-
aproximam, exceto em circunstâncias especiais. Um
tar áreas semiabertas, franjas florestais, capoei-
deles, que minha companheira parece ter adotado
ras, parques, jardins, sendo comum inclusive em
e tem uma marca distintiva no peito, nos olha nos
grandes metrópoles. João Guimarães Rosa lhe
olhos mais demoradamente e chega bastante perto.
chama pelo nome mineiro de beija-flor-rabo-de-
No diário, encontro:
-andorinha. Sendo muito brabo, representa toda
a vocação das espécies mais comuns - territorialista, zelosa, ciumenta e agressiva na reprodução.
Corre a história de um deles que atacou um gavião-carijó junto com um bem-te-vi. Ele chega
rápido com um humming forte e desacelera seu
voo de modo impressionante. Já vi algumas escaramuças. Suponho que, pelo menos, um casal
costuma aparecer além de um solitário com a
Um tem a cabeça de pica-pau, outro um
bico de hyeronimus bosch, um se parece
com um garçom do Cervantes (faliu na
crisecovid), nosso chapa, outro tem rabos
de andorinha que fecham em tesoura como
um fraque. Minha companheira adota um
verdolengo furta-cor que tem mancha
assimétrica no peito. Por sua assimetria-gauche acreditamos que não é roupa da
espécie, discutimos se foi customizada por
ele, etc...
Entre alimentar pássaros diariamente e ali-
Cambacica, sebinho, sebito, amarelinho, tem-tem-coroado, guaratã, mariquita, ou picaflor que passamos a chamar
de cracudinhos. Eram tidos por “nossos netinhos”. Os beija-flores são apenas “netos”. Os mamoneiros e as plantas
não foram nomeados com o parentesco.
11
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mentar morcegos se imiscuiu uma ideia daninha
também conhecida como epidemia do Werihi sihipi
- que os morcegos são poços de coronavírus di-
u (Albert 1992; Kopenawa & Albert 2015: 307-309).
versos. Caso contaminassem o bebedouro fariam
Aparece agora a epidemia do morcego ou do tatu,
com que meus testes positivassem por falso po-
sempre conectadas ao invasor garimpeiro na terra
sitivo ao newsarscovi-19 (mesmo o PCR) - assim
indígena (Moura & Estellita-Lins 2021). Pode-se di-
introduziam ruído na resposta ao vírus. Caso hi-
zer que é um inventário das enfermidades do con-
bridizassem meu eventual covid-19 com o deles,
tato onde se acomodou a covid-19.
produziriam monstros, cepas, variação na enfer-
A visita das aves parece e ao mesmo tempo não
midade. Passei a usar álcool para servir a comida
se assemelha com a contaminação. O zunido dos
deles além da minha. Como dizer se acreditava
beija-flores é inesquecível. Coisa fina. Bom para
nisso ou apenas temia? Cabe ficar atento ao pen-
pensar, pois traz a questão dos sentidos no mito,
samento recôndito, pois estabelece uma relação
da música, de silêncio e ruído. Acompanha-se de
entre beija-flores e morcegos através do vírus. O
uma paisagem sonora muito rica, que anotei:
alto Xingu é bastante atento para esses dois regimes de visitação a flores ou frutos. Beija-flor
de dia e morcego de noite. Povo do sol e povo da
lua. No parapeito urbano isto funciona como lei.
Após a descoberta dos morcegos cavernosos
como sendo grandes museus virais e mamíferos
fundamentais nas zoonoses emergentes, virei a
página e descobri gente que alimentava beija-flor e morcego sequencialmente todo santo dia.
Não por desleixo de esquecer recipientes, mas
como prática equitativa. Isso me confundiu ainda mais que o fantasma do coronavírus de morcego. Como praticar o cuidado aos morcegos da
praça, que são muitos, desenxabidos, muitas vezes entram em casa e querem escolher um nicho
para ficar? Como proteger as frutas de comer?
Dilema hospes-hostes multiespecífico.
Em A queda do céu, Davi Kopenawa apresenta
uma exegese quase epidemiológica onde encontramos, por exemplo, a “epidemia do padre”, a “epidemia do Oswaldo”, a “epidemia do helicóptero”,
Carlos Estellita-Lins
Faz um ruído belíssimo, de humming-bird,
uma vibração de asas zunindo em alturas
e tons variados. Também pode guinchar
como a ratinha cantora de Kafka. Canta na
ópera também, é claro. Alguns emitem uns
roncos de jaboti trepando, um pouco mais
baixo e bem mais rápido. Os zunidores Waurá se tornaram ainda mais interessantes.
Como criar a beberagem desses pássaros e
que nome dar a ela? Açúcar não é bacana, não
se deve servir. Méis são finos e apreciados, atraem personagens diferentes, alguns nunca vistos.
Os mitos do mel às cinzas falam de méis que
não existem mais, muitos são gosma-de-vespa e
produtos de abelhas selvagens ou vespídeos inúmeros. Existem 40 méis assim como existem 40
ladrões de mel. Quais agradam aos beija-flores?
Quais insetos compartilham as mesmas flores e
pólens ? São perguntas sobre pólen e agrotóxicos
(Dalsgaard 2018). Anotei:
Li na wikipédia que dependendo da mistura e sua concentração chegam espécies
311
volume 14 (2) | 301 - 332 | 2022
diferentes. A mistura foi sendo comprada
em potes grandes ao longo da pandemia.
Um fino pó rosa-magenta, muito sensível
à umidade. O preço dobrou após dois anos
de crisecovid e inflação mundial. Certas
concentrações ralas trazem pouca gente,
as mais fortes trazem muitos beija-flores e
propiciam o que parece ser briga.
Quem está alimentando colibri? Bisbilhotando janelas visíveis pelas ruas da região encontrei
mais de quatro garrafas de néctar nas janelas que
pareciam operantes e não abandonadas como algumas outras. Muitos jardins sem flores. Muitas
orquídeas nas pouquíssimas árvores frutíferas,
excetuando a praça, que tem belos pés de jamelão,
mas cujas mangueiras avaras ou estão morrendo ou foram derrubadas por uma enchente. Uma
horta-jardim e novos pés de árvores estão sendo
cuidados pela associação de moradores, mas ainda estão jovens demais - virão algumas cítricas,
bananeira, jatobá ou tamarindo, abacateiro12.
Há pelo menos quatro tipos de comedor-bebedor
A bagunça de caldas e frutas no parapeito recebeu uma faixa de plantas e vasos maior e mais
acolhedora, que foi colocada embaixo. Foi enorme surpresa encontrar plantas nascendo. Alguns
recipientes estavam preparados, mas sem semeadura, o que logo foi resolvido pelos visitantes
aéreos. Essa conclusão demorou, mas chegou
logo depois da agradável surpresa. Um pé de feijão nasceu e cresceu rápido. Pequenas plantas
desconhecidas e pouco familiares germinaram e
cresceram. Não era capim. Foram bem-acolhidas.
Sua identificação demorou. Tentamos com amigos e vizinhos sem sucesso. Beija-flores e plantas
formam uma rede filogeneticamente estruturada (Martín et al. 2015). Sem pressa, aguardamos
até que máquinas fotográficas e programas de
identificação de imagem fizessem seu trabalho.
Tarefa cheia de equívocos, mas por isso mesmo
estimulante. Hipóteses geravam novas buscas
para beija-flores à venda em grandes supermerca-
por nomes, semelhanças de formas vegetais e
dos, pet-shops ou lojas de jardinagem. Todos feitos
definições farmacológicas, indo até a surpresa
de matéria plástica e animadamente coloridos. O
de se ter algo ilustre trazido por beija-flores ou
beija-flor vem na janela sugar as flores de plástico
cambacicas e mamoneiros.
do comedouro-bebedouro. O beija-flor é um atleta.
Esse encontro tinha algo de uma tychè, acaso
Diz o ditado que só três coisas param no ar - helicóp-
dotado de finalidade, como uma secreta necessida-
tero, beija-flor e Dadá Maravilha. Tem uma língua
de mágica em que as espécies nascidas poderiam
mais comprida que o tamanduá e costuma funcionar
como um canudo de sorver líquidos.
ter sido enviadas por uma entidade ou mesmo
generosamente doadas pelas aves visitantes. Me-
Outra ave de parapeito passou anos visitar esporadicamente: um mamoneiro verdinho, papa-mamão não identificado. Grande, desconfiado, assustado, em par, com dimorfismo perceptível. Estariam acostumados com a xepa da
feira-livre de quarta? Aves e catadores coletores expõem a complexidade intrínseca do nomadismo. O cinema de Agnès Varda aproximou os catadores de restos da colheita (glaneurs da pintura do século XIX) de personagens sem-teto
urbanos. O Hobo da sociologia de Chicago seria paradigmático. Na série televisiva The Walking Dead vemos como
uma infecção disruptiva da produção engendra scavengers, catadores de víveres em estoques abandonados.
12
312
Amazônica - Revista de Antropologia
Beija-flor airborne redux
nos uma troca e mais de uma mensagem por de-
capazes de enorme precisão nas modificações
cifrar. O caráter terapêutico das espécies tornou-
ambientais. Enfermidades pulmonares, câncer,
-se eloquente. Estabeleceu-se um contato entre a
alimentação ruim e má qualidade de vida são
maravilha do brotamento, sua aventura até nossa
perceptíveis somente a partir de um determina-
janela e os códigos botânicos de saberes tradicio-
do grau de prejuízo insidioso, porém estocastica-
nais que não podíamos entender senão buscando
mente negociado. Alguns entendem que a ciên-
decifração enciclopédica . As plantas trouxeram
cia cidadã emerge na luta contra o negacionismo
novas espécies de formigas. Todas bem escondi-
(Callon, Lascoumes & Barthe 2009).
13
das nos dias frios e exibidas no calor. Anotei num
caderno que precisava estudar ANTs .
14
A rigor, o projeto epistemológico tardo-modernista fica bastante perplexo com a subtração
da escala sensível da mecânica clássica pelo in-
3 TEORIA DO CLAUSTRO
finitamente pequeno. A transistorisação retrata
bem o rumo da escalaridade na tecnologia. Com o
Para além das zoonoses surgirem como expressão mais sensível do Antropoceno,
mergulho na microfísica, a tecnociência constrói
artefatos nucleares, DDT, contraceptivos e “quí-
esta infecção tornou visível a fragilidade dos
mica fina” consolidando a suspeita tecnofóbica,
modos de vida. Atuou afetando negócios dos ri-
descrita por Callon Callon, Lascoumes e Barthe
cos e um pouquinho de suas vidas, além de ceifar
(2009: 42-43) através de seus “dois demônios”:
a vida dos pobres, negros, indígenas e comuni-
a fé cega no progresso científico e o mergulho
dades tradicionais autóctones pelo planeta afora.
no relativismo absoluto. O laboratório cientí-
Assim como a conexão (evito falar causalidade)
fico acaba por se tornar recluso e afastado dos
de peidos e arrotos do rebanho bovino com o
mundos. Solucionar o impasse do mononatura-
aquecimento global não é absolutamente evi-
lismo ameaçado pela bifurcação das leis naturais
dente, a vinculação (ainda evito falar etiologia)
é assunto do século XX: na fenomenologia, pela
de enfermidades emergentes com os modos de
filosofia analítica, na epistemologia histórica
vida no Antropoceno tampouco seria facilmen-
francesa, com a virada linguística, jogos de lin-
te perceptível ou sensível. Etnias indígenas são
guagem e por aí afora. Os instrumentos técnicos
13
No alto Rio Negro, Christine Hugh-Jones percorreu os caminhos da mandioca e das serpentes com ênfase na fermentação duplamente “situada” (local geométrico e lugar cosmológico). Algumas hortas femininas da Amazônia atualizam
esses emaranhados interespecíficos incluindo espíritos, sonhos, sementes e micróbios como na metafísica vegetal Jamamadi (Hugh-Jones 1978, Shiratori 2018). Imagino-as compostas por regimes de ritornelos que fazem crescer estas
culturas, que mesclam slash-and-burn com permaculture, desafiando uma tradução comparativista do cuidado. Estão
mais próximas de uma ópera ou de um jardim de infância do que de uma igreja-plantation (pleonasmo).
14
Verifiquei que a Sociobiologia insistia nos coletivos como modelo de sociedade enquanto alguns cladistas tomavam
as colônias como unidade viva simbiótica: achei pouco interessante e fui buscar etimologias de “colônia”. Sophie
Houdart (2008) conta como laboratórios japoneses e havaianos estudando drosófilas estabeleciam novas relações com
insetos. As formigas entram em todos os lugares, vão esperar para entrar aqui no texto...
Carlos Estellita-Lins
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volume 14 (2) | 301 - 332 | 2022
operam enquanto um Cogito dupla-face, regis-
rar evoluindo até a hipóxia importante, confusão
trando aquilo que foge da escala corporal dos
mental e morte. A sufocação de um cidadão es-
humanos. A concepção de cosmopolítica de Isa-
tadunidense negro, vítima de violência policial,
belle Stengers admite que há guerra de ciências
trouxe milhares de jovens pretos, imigrantes e
e conflitos ontológicos advogando a diplomacia.
simpatizantes às ruas. O movimento espontâ-
A questão da escala na etnologia pode ser
neo Black Lives Matter também se disseminou
chamada de holográfica, de acordo com Marylin
no hemisfério norte do mundo, desafiando o su-
Strathern (2018: 278). Poderíamos incluir a esca-
premacismo branco da alt-right. A investigação
labilidade das commodities e seu rastro de ruínas
sobre partículas virais demorou a se tornar de-
por seguir, de acordo com as pesquisas Matsu-
núncia do risco airborne, que significa “no ar”,
take de Anna Tsing (2012; 2015) ou ainda evocar
carregado pelo ar, pelo vento ou transportado
boundary objects resistentes à escalação (Leigh
por aeronave. O eufemismo técnico airborne,
Star 2010). É fácil, contudo, perceber dissenso
tem uso militar desde 1937 significando soldados
nesses conceitos, o que só aumenta ao introdu-
aerotransportados, seguida de triste memória,
zirmos saberes tradicionais e demandas políticas
pois designava tropas estadunidenses invadindo
de animais, plantas e paisagens - sobretudo mul-
vilarejos do Vietnam de helicóptero. Não é difícil
tiespécie. Em contrapartida, a globalização pode
contrastar a expressão de Bob Dylan, “blowing in
ter engendrado um experimento espontâneo
the wind” com a semântica de rota, finalidade e
planetário com o claustro pandêmico. A esquize
função. Ganhou ênfase com os AWACS-E3 desde
capitalista sincopou-se sem escalas (sem sincro-
1977, geringonça voadora que permite patrulhar
nização nem sincronicidade).
o espaço aéreo com equipamentos aerotranspor-
O claustro não foi destinado aos aromas
que sobem ou à interioridade infinita como no
tados: “capaz de detectar, identificar, rastrear e
interceptar ameaças airborne” (Airforce 2020).
cenobitismo15. O claustro exigido pela crise era
A divulgação científica promove o persona-
ausência de bafo, de perdigoto e tosse - era um
gem John Snow como precursor da Epidemio-
esforço em policiar o lixo da respiração alheia
logia. Essa narrativa hagiográfica reage contra
que poderia impedir alguns de respirar. O sopro
os etéreos pântanos miasmáticos e contagiosos,
da vida foi condenado. O SARG espiado por ima-
introduzindo um contato materialista da mão
gens tomográficas faz uma imagem de “pulmão
com os objetos (“fômites”): teria sido o primei-
em vidro quebrado” e tem por sintomas a falta
ro a ligar associativamente um poço artesiano
de ar, sufocação extrema, dificuldade em respi-
com o vibrião colérico, pessoas doentes e ma-
Os cloisters monásticos do tardomedievo, onde se cultivavam ervas aromáticas, eram jardins a imitar o Paraíso.
Respondem pela apreciação renascentista das especiarias, e segundo Roland Barthes ensinavam a “viver junto” num
contexto convivial feito de cabras, plantas e comensais (Bert 2002; Barthes 2015).
15
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Amazônica - Revista de Antropologia
Beija-flor airborne redux
pas de circulação londrina (causalidade em Da-
Durkheim, Freud e Bergson, promove doutrinas
vid Hume). Desse modo, o uso biomédico do
da prevenção do contato (“tabu”) na teoria da
termo contaminação teve ressonâncias: substi-
magia. Para Keck (2020), a questão da propaga-
tuiu-se o éter, o ar e o vazio pelo toque realista.
ção natural ou cultural de duas séries distintas,
A versão da água concreta destituindo o ar abs-
as infecções e as notícias inquietantes sobre elas,
trato guarda alguns traços da lógica do sensível,
já se manifesta no início da Sociologia.
sobretudo se lembrarmos que álcool e sabão nas
As partículas transmissíveis por aerossóis
mãos foram mais divulgados do que máscaras e
que visitam nossos pulmões somente serão
ar livre durante a crisecovid.
assunto no século XX (airborne diseases). O
O desenvolvimento da “medicina fisiológi-
“ar puro” se revela habitado por partículas
ca” moderna reconfigura duas teorias científi-
de tamanhos distintos. É notável que a at-
cas e políticas sobre o adoecimento infecioso,
mosfera aquecida, o ar poluído e o bafo dos
supostamente a partir do contagium de Fracas-
contaminados (SARGs) permaneçam suben-
tori e dos miasmata hipocráticos. Uma defen-
tendidos ou dissimulados no Antropoceno
dia o “contágio” por contato através de germes
(Creutzen 2009, McNeill 2022). A comensali-
misteriosos, propondo quarentenas, enquanto a
dade do sacrifício se transforma na respiração
outra, liberal e industrial, chamada “infeciosa” a
promíscua. Nesse sentido, o claustro da vida
partir da impregnação pelo insalubre, integrava
monástica traz realmente consigo a pergun-
os miasmas do ar com uma inflamação das mu-
ta barthesiana sobre seu avesso: como viver
cosas16. Não há, portanto, mera oposição entre
junto? No esboço de uma teoria do claustro
contato físico (germes, isolamento, superfície
pandêmico, o isolamento se apresenta como
cutânea) e infecção airborne (aéreo, sem conta-
solução e como problema (Bahl et. al. 2022).
to, interior mucoso). Os argumentos da escola
Por um lado, havia a inserção quase perma-
do contágio remetem ao que depois foi caracte-
nente na web. Contatos com outros humanos e
rizado como geração espontânea, mas que era
suas máquinas através de teclado, mouse, dedos
entendido como semente ou fertilização vegetal
deslizantes, microfones e impressões em papel.
“indireta” do solo (Delaporte 1986, 2004). Antes
Telefonia também. Rede e isolamento. Local e
da pasteurização da França, os lazaretos portuá-
global embaralhados por uma epidemia. O con-
rios de quarentena chocavam-se contra o sanea-
finamento não se apresenta como experiência
mento e a ventilação. A Antropologia sacrificial
mística espiritual de “encontro consigo mes-
de Robertson Smith, que iria influenciar Frazer,
mo” etc. Sob a ameaça de quarentena forçada
Complicando a história social da infecção consagrada por Ackerknecht (1948), François Delaporte sustenta que
não há precursores, que uma bifurcação deixa de funcionar e sua complementaridade passa a admitir oposição. Com
a invenção das bactérias pasteurianas, a historiografia modernista faz um movimento retrospectivo para encaixar o
debate num confronto entre liberalismo e antigo regime (Delaporte 1986).
16
Carlos Estellita-Lins
315
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emerge a recusa de uma vida digital exclusi-
negativa e da mística judaica, essa peregrinação
va. A saúde do corpo reclama, os contatos são
estrangeira para com todos e com a pandemia
mais pobres de sensações e secreções, os órgãos
não é reclusão espiritual, mas reordenação do
dos sentidos restringem-se ao visual e auditivo
combate político - estranhamento da ordem. A
(emulando significante, significado e referente).
crise falastrona e catártica permite paradoxal-
O desespero com a paisagem forçada aparece e
mente enxergar fins de mundo por vir: reclusos,
a nostalgia da novidade se intensifica.
mas sobretudo errantes, nômades, peregrinos.
De qualquer modo, a experiência quase
Cantos e ritornelos são mais apropriados.
mística deste delírio viral, sua deixis de dervi-
O debate filosófico sobre o claustro ficará
xe, não se desvinculou do falar pelos cotove-
compreendido entre o luto pela finitude do co-
los (escrever-postar nas redes). Das confissões
nhecimento, que Schopenhauer tematiza por
de Agostinho tratando da concupiscência de
meio do abandono do mundo no ascetismo; e a
ver (Santo Agostinho 1987) ao seu cripto-co-
dança desenfreada com a Terra, que Nietzsche
mentário sobre a curiosidade em Ser e Tempo
explora no dionisíaco, sobretudo através da co-
(Heidegger 1997) há uma forte suspeita em
orte dos animais de Zarathustra, que emolduram
relação à “palavra vazia” (Geredete) ou blah-
sua solidão radical (Deleuze 1965, Bleakley 1999,
-blá-blá, que Greta Thunberg assinala de modo
Lemm 2009). Trata-se evidentemente de conver-
charmoso. Qualquer uso da palavra é por de-
sar com abismos.
finição estranho à vida monástica, mesmo em-
As aves também ficam presas e reclamam. As
poderado. Como disseram Tronti e Tari (2020:
gaiolas têm sido condenadas como práticas no-
7): “Enquanto a ideia de que estamos vivendo
civas e absolutamente indesejáveis no cotidiano,
em tempos apocalípticos hoje se tornou senso
marcadas pela segregação, isolamento, contu-
comum (na pandemia), sua verdade permanece
do sobrevivem como as touradas. Mercados de
altamente questionável”. Observando a espeta-
aves canoras são ilegais em função da captura
cularização apocalíptica da infosfera, deduz-se
indiscriminada e geram tráfico por causa dos al-
que não se trata de um senso profético genu-
tos preços praticados. Em setores urbanos dedi-
íno, mas de imagens provenientes de filmes
cados, muitos praticantes de saberes da floresta,
hollywoodianos e séries televisivas estranhas
cerrado ou da caatinga mantêm a criação de aves
17
apocalipse de São João . Para ambos, ensaian-
canoras, que podem ser legalizadas em certas
do uma reflexão marxista variante da dialética
circunstâncias. As gerações que originalmen-
“grande livro que João escreveu durante seu exílio em Patmos. (...) Por estarmos tão envolvidos e atravessados pelo
espírito mundano as evidências se tornam invisíveis (“le evidenze diventano come invisibili”) sendo hoje necessário
adotar a postura dos primeiros monges da era cristã, ou seja, o estranhamento (estraniamento), xeniteia em grego
patrístico ou peregrinatio em latim, com relação à sociedade dominante e sua própria identidade social” (Tronti &
Tari 2020: 4).
17
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Amazônica - Revista de Antropologia
Beija-flor airborne redux
te se deslocaram interessam-se vivamente por
Transcrevo um bilhete de minha companheira,
aves. Os únicos interlocutores que encontrei em
anexado ao diário de campo:
Copacabana tinham vivido no campo. O racismo voltado contra os pretos, contra indígenas e
quilombolas também se volta contra imigrantes
nordestinos que se estabeleceram nas metrópoles
do Sul do país. Em duas ocasiões fomos chamados para participar de questões na rua defronte
ao prédio. Numa admirava-se o canibalismo de
um tucano bem grande (aparecem por 2 meses
no verão): cheguei quando já devorava as partes
finais da pomba-rolinha, sei lá. Noutra situação
deliberava-se o que fazer com um mico caído de
árvore alta, numa escaramuça inexplicada. Tinha traumatismo craniano evidente. Morreu no
asfalto como um personagem de Nelson Rodrigues (de algum modo creio que o beijei)18.
Colibris de parapeito podem ficar retidos
Rio, 03.05.2021
Estava dormindo num sono pesado. Comecei a escutar aquele barulho típico dos cracudinhos andando em cima da janela. Um
barulho metálico. Logo em seguida, começa um piar, muito alto e forte, totalmente
diferente do comum. O barulho me incomoda, começo a acordar, mas estou com
muito sono, só tenho vontade de fazer um
psiu para eles pararem. Mas o som é muito forte e me pareceu um barulho de sofrimento. Me dou conta que o pássaro está
dentro de casa, preso na parte de dentro
da janela. Acordo sobressaltada. Lá estava ele, preso. Abro a janela imediatamente e afasto a cortina, mas ele não entende
e voa em direção ao espelho do armário.
Bate com a cabeça. Assustado retorna para
cortina, faz isso por duas vezes mais. Abro
bem as cortinas e tampo o espelho com a
camisa branca de X. Nesse interim ele sai
pela janela. Acho que era um filhote, era
bem miudinho e não era tão amarelinho.
A fresta por onde entrou dentro de casa era
bem pequena. Estreita. Foi.
por acidente e costumam morrer em menos de
uma hora debatendo-se e extenuando-se ao ten-
Não era colibri era sebito, caga-sebo filhote
tar sair. Animal resistente por excelência, não
(Coereba flaveola). Tivemos algumas entradas
mora em gaiolas nem aceita reclusão. Todos os
de beija-flor no claustro. As mais gloriosas eram
Trochilideae recolhem-se e dormem hibernando
uma visita até a cozinha com paradinha pros-
durante a noite, fenômeno pouco comum. Gas-
pectiva ou uma bisbilhotagem na tela grande
tam muita energia em deslocamentos longos e
do computador, para consultar algo que eu lia.
permanentes em busca de alimentos super-gli-
Tivemos no início, ainda sem nenhuma familia-
cídicos. A medição dos batimentos cardíacos e
ridade com os bichos, momentos de susto e até
de asas deste pequeno pássaro fornece números
desespero. Na sua maioria, quando entravam
de três dígitos - espantosa, única, absurdamen-
atraídos por luminosidade na hora do crepúsculo
te elevada. Seus músculos são especializados e
- choques contra espelho e vidro, contra abajur
dedicados a essa tarefa brutalmente repetitiva.
pequeno, dificuldade com panos da cortina ou
Estranhos animais capazes de voar para trás.
altura da janela, e outras ainda. Os maiores so-
Acredito que me tomaram por opinião capaz porque no ano anterior havia lamentado muito a morte do motoboy
com trauma grave no crânio numa rua adjacente, defronte à emergência do maior hospital
18
Carlos Estellita-Lins
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bem muito e não acham a janela. O truque mais
sagismo (Lustgärtnerei) como uma das belas-ar-
rápido e eficaz era similar àquele com os insetos:
tes, que se contrapunha à pintura. Na pintura,
apaga-se tudo e abre-se a janela. Anotei:
as imagens da natureza são imitadas usando
Beija flor faz fila? Com boa nectaragem chegam ordenadamente em sequência. Parecem
aeronaves ordenando-se para aterrissar.
formas e imagens coloridas por meio de um
artifício da cultura: “bela figuração (Schilderung) da natureza”. No paisagismo, compõe-se
particular da cidade. Ficou esperando o Samu,
artificialmente imagens ou panoramas com ele-
no protocolo devido, que veio menos rápido do
mentos da natureza (arbustos, árvores, pedras)
que viria a maca vedada ao integrante do SUS.
utilizando técnicas da jardinagem: “belo agrupamento (schönen Zusammenstellung) dos pro-
4 CONCEITOS DE FIM-DE-MUNDO: SO-
dutos da natureza” (Kant 2015: 310; 2004: 261).
LASTALGIA
Não cabe discutir se nosso velho Kant de peruca
suportaria a barbárie dos outdoors ou a sono-
A experiência de isolamento, que se tornou
plastia de um churrasco enquanto formas de
política, intransigente, orgulhosa - abriu-se
paisagismo. Cabe, contudo, notar que para os
para uma paisagem minimalista incontornável.
humanos modernos da Aufklärung, a paisagem
Como um jardim zen ou a contemplação de um
é algo tão domesticado quanto um cão de caça,
deserto havia uma paisagem por ser descrita e
um quadro ou uma plantação de batatas, quase
frequentada em minha própria janela. Posso di-
tendo sido caracterizada na terceira crítica kan-
zer que o retiro me restringiu a dois elementos
tiana pela natureza “imitando” a forma-quadro
visuais bastante monótonos. Continuava vendo
da cultura. O tabaco está para o mel assim como
apenas dois tipos de quadro: as telas planas com
a pintura está para o paisagismo etc.
ilusão de profundidade, no truque das imagens
Para Elizabeth Povinelli, podemos tomar uma
em movimento; uma janela hospitaleira voltada
paisagem como geo-ontologia própria, autôno-
para prédios e muro, porém visitada por estran-
ma e independente. As relações mutuamente
geiros. No primeiro enquadramento, televisivo
constitutivas das geografias (locais) e biografias
e computacional, mostra-se o mundo do mo-
(vidas humanas) são geo-ontologias que funcio-
vimento. O vivo se confunde com o movente.
nam como estratégias indígenas de sobrevivên-
No segundo quadro, fixo, encena-se paulatina-
cia (Povinelli 2006, 2016; Povinelli, Coleman &
mente um desfile ou uma parada exibicionista
Yusoff 2017). Igualmente, as pedras podem ser
e voyeur com aves de parapeito. A composição
pensadas como uma forma de ser terrano - pa-
lentíssima de uma paisagem que cresce no nexo
rente das grandes montanhas e vulcões dos
multiespécie faz pensar.
Andes, cuja existência geológica tece tramas
Sob o império da visão, Kant entendia o pai318
entre animais, plantas, terra, humanos e objeAmazônica - Revista de Antropologia
Beija-flor airborne redux
tos da cultura material. Montanhas interseccio-
nhecem ou podem ver, entidades muitas vezes
nam com as vidas de seus habitantes humanos
responsáveis pelo entorno - floresta, rio, meio
de maneiras complexas, irredutíveis a um mero
ambiente, mundo circundante. Entendo ainda
entendimento geológico das pedras (De la Ca-
que o canto dos pássaros constitui uma arquico-
deña 2015). Por que não lembrar dos Wai Wai,
nhecida paisagem auditiva. O alcance, importân-
cujos xamãs guardavam seus poderes em pedras
cia e força desse agenciamento estético-sonoro
dentro de uma bolsinha? Na ocasião do encon-
têm dois espaços de acolhida urbana: o parque
tro com agentes evangélicos, Euká, poderoso e
(praia, morro, arrabalde) e a janela domiciliar. O
último xamã, entregou suas pedrinhas ao mis-
cinema etnográfico multiespécie vem oferecen-
sionário depois de ter sido curado por remédios
do uma reflexão transversal sobre a paisagem
ocidentais. Acreditou no crente como xamã mais
sensorial na pesca e no pastoreio bastante ins-
poderoso. Trocou suas pedras para seguir ao
tigantes (Barbash & Castaing-Taylor 2011, Cas-
papel e ao deus único crucificado. Os wai wai
taing-Taylor & Paravel 2013, Gras 2012).
são hoje predominantemente evangélicos, tor-
Os mundos aborígenes australianos têm sido
naram-se pedras sobre as quais Pedro construiu
atravessados por catástrofes ambientais generali-
igrejas (Câncio & Araújo 2018). Os poderes das
zadas nas últimas décadas, do mesmo modo que
pedras sieidi dos povos nórdicos tradicionais
os Andes e a floresta amazônica. A mineração
de Finnmark, como o povo Saámi, por sua vez,
também é praticada por lá de modo exaustivo, no-
integram um elenco de investigações indígenas
civo, insalubre, com rejeitos químicos de toxici-
sobre a convivialidade com as pedras. Permitem
dade longa, tanto legalmente quanto ilegalmente
igualmente pensar humanidade e ontologias pa-
ou nas franjas da lei. Não por acaso, os aborígenes
radoxalmente relacionadas com a noção de vida:
iniciaram um debate público importante sobre
“Caso levada realmente à sério, [a pedra, para al-
a personalidade jurídica de ancestrais, avatares,
guns povos] existe de maneira que desestabiliza
personagens míticos geolocalizáveis, todos seus
muitas suposições acerca do que é uma paisagem
parentes, que para os anglo-saxões invasores se-
e o que pode conter” (Reinert 2016: 101).
riam “acidentes geográficos” (Whittaker 1994; Hill
Panorama e paisagem não são feitos apenas
1995). Uma vitória na corte suprema australiana
de plantas e pedras, pois têm animais e entes so-
abriu precedente e tende a reconfigurar o cam-
brenaturais em seu interior. Uma paisagem pode
po das disputas jurídicas de direitos de animais,
igualmente ser sonora ou olfativa, envolvendo
nãohumanos e elementos geográficos, com reper-
outros canais de informação. As paisagens con-
cussão internacional (Lockie 2004; Woo 2011).
têm animais, seres moventes, animados e na
É nesse contexto que emerge uma atenção em
maior parte das ontologias ameríndias contém,
saúde mental voltada para novas configurações da
igualmente, seres especiais que nem todos co-
paisagem, verdadeira metamorfose cosmopolítica
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dos problemas da ciência romântica acerca da pai-
etnológicas e climatológicas. Como tampouco
sagem familiar originária ou de seu valor estético.
de buscar decisão ambiental respeitando ensaios
O canto performático dos pássaros cria territórios
clínicos randomizados, em época de crise da ex-
estéticos. Uma semiótica do ritornelo codifica re-
pertise e negacionismo muito bem pago (Kelly
-des-territórios que vão da Terra (ponto cinza) ao
& Mcgoey 2018), ou ainda menos, desestimular
buraco negro no Cosmos (Deleuze 1980). O aforis-
a prestação de contas e responsabilidade epide-
mo deleuziano: “O território é alemão mas a terra
miológica num contexto de auditagem governa-
é grega” (Deleuze 1980: 384) produz equivocação
mental e justiça ambiental (Reubi 2018). Alguns
à medida que busca reapropriar-se da esquize do
se referiram a esses estados como psychoterratic
primeiro romantismo (retomada), contra o nacio-
(psicoterranos) ou efeitos terra-orientados (Albre-
nalismo do segundo romantismo (por ser expro-
cht et al. 2007; Albrecht 2011; Mcmanus, Albrecht
priado mediante desintrusão). Contudo, falta-lhe
& Graham 2014; Riley et al. 2020).
um Povo, um regime de forças. É sempre vivido
O termo solastalgia foi introduzido por um
como um “solitário” no território natal: “tudo se
filósofo ambientalista na Ecohealth Conference
passa entre o Um-Só da alma e o Um-Todo da Ter-
de Montreal de 2003. Em 2005, Glenn Albrecht
ra” (Deleuze 1980: 418-420).
publica o primeiro paper relevante, contudo, al-
Um estudo pioneiro buscou avaliar o impac-
guns ecologistas e antropólogos já haviam dado
to na saúde provocado por transformações radi-
anteriormente destaque aos aspectos espirituais,
cais no meio ambiente efetivamente vivido, seu
vivenciais e mentais das perturbações climáticas
panorama danificado, a perda de configurações
antrópicas ocasionadas pela tecnologia (Bate-
e formas existenciais. Nessa agenda, começou a
son 1972; Antonioli 2004; Albrecht 2005; Guat-
desenhar-se uma categoria nosológica intitulada
tari 2014). Sempre caberá mencionar dois livros
solastalgia, com uma literatura científica ainda
publicados em 1962 com certo impacto, mas
escassa, porém precisa. A noção pertence a um
logo sepultados pelo culto do progresso – “Si-
conjunto de conceitos que procura descrever e
lent Spring”, de Rachel Carson, que descreve de
aferir as implicações da catástrofe climática no
modo literário a experiência do desaparecimento
bem-estar e na saúde mental (Eisenman et al.
das aves na primavera em função do diclorofe-
2015, Askland & Bunn, 2018). Há importante dis-
nilcloroetano, o DDT insect killer (insípido, ino-
cussão sobre a questão, que permanece, contudo,
doro e incolor “pai de todos agrotóxicos”); e “The
colocada prioritariamente em termos biológicos e
Drowned World”, de James Graham Ballard,
epidemiológicos, além de bloqueada pelo mains-
autor de extensa obra de ficção científica e uma
tream psiquiátrico. A construção dessa entidade
trilogia distópica, anunciando secas e inunda-
nosológica sob risco de habitual engessamento
ções tomando a superfície do planeta. Em ambos
quantitativo não a impede de estimular reflexões
emerge claramente a experiência de angústia,
Amazônica - Revista de Antropologia
Beija-flor airborne redux
ansiedade e sofrimento psíquico com o dano
acelerada, ignorante do epadu, paricá e daime,
ambiental circunvizinho - a eco-ansiedade. Em
que são holobiontes espirituais da floresta de
contrapartida, embora sob risco de ingenuidade
cristais. Fomos ao encontro do paradoxo de Thi-
antropocentrada, Albrecht enxerga a importân-
mothy Leary, cuja aposta nos videogames como
cia de cultivar sentimentos positivos em relação
tradução do LSD apontava para uma virtualiza-
à Terra, que estariam quase extintos no que cha-
ção completa da experiência, porém valorizando
ma de Simbioceno (Albrecht 2020).
os simulacros como resistência ao mental puro
Uma aposta na solastalgia não busca adoecer
e ideal da inteligência artificial (Berdayes 2015).
ou medicalizar o incômodo persistente da pai-
Use a paisagem virtual, mas sempre como uma
sagem danificada, saturada (mineração e planta-
droga perigosa, estava a dizer. Ao fazer um elo-
tion), desestabilizada por profusão de informação
gio rasgado do virtual, em detrimento dos por-
que se torna ruído. É bastante claro seu caráter
tais da percepção que tanto defendeu, acabaria
potencial de resistência. Aqui poderíamos pen-
por tropeçar na ecologia da mente. Felizmente. A
sar uma arena de disputas por neurodiversidades
alegria é ainda e sempre a prova dos nove.
e reapropriações do ambiente sensível - paisa-
Alguém protesta no tweet afirmando que: “Cli-
gem é visual, sonora, olfativa, tátil, gustativa, em
mate anxiety isn’t mental illness. It’s a rational
suma, é estética e existencial. Essa agenda polí-
response to trauma”, o que é justo com o prejuízo
tica não seria possível sem os saberes tradicio-
climático, porém injusto com os sofrimentos psí-
nais das etnias indígenas. Sob a solastalgia em
quicos. Enfermidade mental não é nem mais nem
questão emerge a saturação com a monotonia da
menos racional. Não seria tão interessante retomar
novidade, da diferença meramente comparativa,
um elogio da desrazão quanto aprofundar a reivin-
do colapso da escolha e da vontade digitalizadas.
dicação política daqueles que estão incomodados
O espaço fica, portanto, limitado ou confinado,
pelas transformações climáticas de seu entorno,
porém mentalmente ampliado, sob promessa de
ambiente e paisagem. Não ocorre tanto uma me-
uma vida eterna com recursos infinitos dentro
dicalização dos sofrimentos da catástrofe climática,
do mundo virtual, dentro das telinhas, dentro
aliás concentrada nas grandes migrações climáti-
das comunidades transumanistas ou red pilling
cas, mas uma articulação dos grupos de pressão
alt-right. Essa experiência ocorre num espaço
afetados em torno de uma causa comum.
exíguo, porém incomensurável.
A solastalgia ainda não integra classifica-
Há, portanto, um claustro solastálgico colo-
ções internacionais de enfermidade, mas já
nizado por regimes de imagens. No confinamen-
deveria ser incluída entre as doenças negli-
to das telas digitais fabricam-se mundos para a
genciadas. No vir a ser de políticas indígenas
imaginação preguiçosa, desprovida de frutas,
e guerras do Antropoceno pode oferecer uma
cascas e pólens alucinógenos. Especularidade
clínica e uma política indispensáveis19. A et-
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nologia das terras baixas sul-americanas tem
cation dos alimentos (Mestres & Lien 2017) e sua
destacado o papel do xamanismo nos territó-
reabertura perspectivista para a transcendência.
rios existenciais, nas paisagens ontológicas e
Aliás, a crisecovid seguiu um padrão usual:
curas cosmopolíticas (Albert 2002).
“that pandemics are lived forwards and understood
backwards” (Phin 2011: 541). Não é preciso levar
5 PARA TERMINAR
muito longe a biopolítica de Michel Foucault para
ver que mais de dois times estão em confronto
Antropoceno e doença apareceram fortemente conectados por zoonoses da crisecovid. Em
numa epidemia (Foucault 2006, Rabinow & Rose
2006; Povinelli, Coleman & Yusoff 2017).
duas décadas, passamos da malária, aids, dengue
Bastava ter parado tudo para evitar a propa-
e zika para viroses respiratórias letais, ebola e
gação planetária do vírus, afirmam alguns espe-
varíola do macaco (Shepard et al. 2016). Ailton
cialistas. Mas é ainda mais evidente que parar ou
Krenak diz em algum momento que precisamos
desacelerar ofende o “progresso” e contradiz o
de paraquedas cor-de-rosa para cair, se não der
mercado. Muitas pessoas conseguem enxergar
para aterrissar. Bruno Latour lembra que o fra-
o impasse dos “negócios-de-sempre” (BAU)20
casso da globalização exige aterrisagem dos mo-
na pandemia, novo-velho problema que está
dernos, antes de um acidente fatal. Com proprie-
diretamente influindo em seus modos de viver
dade, etnólogos têm lembrado que as sociedades
e produzir. Entretanto, qualquer resposta tri-
tradicionais estão sob ataque há muito tempo,
vial obedece à dicotomia: viver de outro modo
não se trata de fim de mundo, mas sempre de
ou conservar os negócios de sempre. A atitude
prosseguir e resistir. Não há dúvida de que a es-
negacionista colocou-se contra a vida e incondi-
tranha narrativa kantiana sobre o Fim de todas as
cionalmente em favor dos negócios inalterados:
coisas (1985) é central para a Aufklärung, assim
para nada perder, para continuar calculando,
como o cosmopolitismo e a im-possibilidade de
para não olhar seus dejetos. O ultrapassamento
paz perpétua. De qualquer modo, a grande extin-
do espaço operacional humano seguro motiva
ção dos animais faz balançar o antropocentris-
qualquer enunciado crítico do BAU, que, acaba
mo onipresente. Junto com água, mar, terra e ar
sendo mera aceitação do status quo hipertecno-
compõe mais uma luta dos comuns dentro das
lógico. Não se conseguiu exigir o fim do BAU no
guerras do Antropoceno (Dietz, Ostrom & Stern
Painel Intergovernamental dedicado à Mudança
2003, Casarino & Negri 2008, Dardot & Laval
Climática, IPCC21 (Dyllick & Muff 2016, Sendroiu
2015). Sem deixar de mencionar a de-commodifi-
2022). Mas, quem poderia imaginar uma semipa-
“- Nenhuma teoria do suicídio Guarani sem nós, jovens guaranis, pensando de dentro!” Esbocei uma discussão
sobre paisagem e suicídio em “O suicídio indígena Guarani-Kaiowá no antropoceno: solastalgia e schlammbugrismo”
(Estellita-Lins 2021a).
19
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Amazônica - Revista de Antropologia
Beija-flor airborne redux
ralização mundial dos meios de transporte aéreo
mais, plantas, vírus, paisagens e claustro-isola-
por 30 dias? Cabe, portanto, admitir regimes de
mento. Retomando Gayatri Spivak, poderíamos
cuidado inesperados e revolucionários. Não se
dizer que é absolutamente imperativo pensar
pode mais viver de modo sustentável e ambicio-
que nosso domicílio individual está escrito no
nar crescimento indeterminado (Cafaro 2011).
planeta enquanto planeta, tal como aprendemos
Esses eventos zoonóticos trouxeram animais
na escola sobre Astronomia. O Unheimlich tor-
da floresta para as bordas das cidades, permitiram
na-se ainda mais freudiano com a teoria do mito
mais privacidade para o sexo nos zoológicos, dimi-
em Schelling: aquilo que devia permanecer es-
nuíram o ruído de máquinas e o deslocamento sis-
condido no lar irrompe com dano para o pensa-
temático dos humanos na superfície planetária, dei-
mento, como se viesse de fora.
xaram aviões no solo como no onze-de-setembro
A pandemia é uma crise de certos modos de
estadunidense (9/11). A paisagem urbana se tornou
vida dos humanos durante o Antropoceno. Mais
restritiva para humanos em função da proibição ou
circunscritos à paisagem de telas digitais do que
dificuldade nos deslocamentos. Os humanos qua-
nunca, se tornou possível falar abertamente de so-
rentenados deixaram os animais livres. Abordei
lastalgia - da destruição das paisagens com reper-
esse panorama de dentro de uma extrema restrição
cussão na vida orgânica, na saúde, em modos de vi-
da paisagem. Tentei indicar como a grande extin-
ver e estratégias de olhar preciosas e sine qua non.
ção e a exclusão urbana dos animais gravitou em
O C19, ao promover isolamento também exorta à
torno de um devir-viral. Esse prolixo quase-vivente
superutilização do mundo virtual, protético, ago-
cujas mutações velozes desafiam a noção usual de
ra como complemento e não mais suplemento do
especiação. A irrupção do vírus possibilitou a con-
contato perdido com alguns mundos. Seria apenas
vivência com outros viventes.
um falatório oportunizado por teclados ao alcance
O “afastamento social” no Antropoceno não
dos dedos nervosos? Parto do princípio de que uma
é político apenas porque mostra o paralogismo
experiência de fim de todas as coisas se mostra e
da liberdade no direito liberal, mas sobretudo
fica demonstrada, ou pelo menos indicada, - no
porque interroga noções usuais de sociedade (e
luto, nas restrições e no confinamento. Ambos, o
globalização) através dos agenciamentos de ani-
coronavírus e o colibri, são aparições caipora.
“Business as usual” ou BAU, conceito criado por ambientalistas, economistas e juristas há mais de dez anos, situava-se na corrida entre dinâmica climática e política climática, ostentando o advento de uma nova “revolução industrial
de sustentabilidade” que dispensaria a desaceleração deliberada da economia mundial e o abandono de métricas,
como o PIB, não afetando, portanto, o lucro. Mostrou-se falacioso, contudo, abriu frentes para discutir “crescimento
zero” e política dos comuns. Tende a ser substituído por “políticas de mitigação”. Isto se depreende das cimeiras climáticas que recusam a noção e preferem adotar limites quantificados em graus Celsius de aquecimento (Teng & Xu
2012; Dyllick & Muff 2016).
21
O Intergovernmental Panel for Climatic Change (IPCC) é um órgão das Nações Unidas (UN) para avaliação da
ciência relacionada com a mudança climática.
20
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