POLÍTICA E POTÊNCIA NO REGIME MILITAR BRASILEIRO
Angelo Del Vecchio*
Resumo
Este artigo trata do desenvolvimento da política
externa brasileira no período 1964-79. Nestes
anos, que compreendem as gestões
presidenciais de Castelo Branco, Costa e Silva,
Médici e Geisel, as inflexões na política
exterior do país expressaram diferentes
percepções a respeito de como deveria se dar
a projeção do poder do Estado brasileiro, ou
seja, a sua política de potência. A tese aqui
defendida é a de que neste aspecto, como em
outros, o período é marcado pela
descontinuidade entre as proposições e
práticas relativas à política de potência.
Abstract
This text deals with Brazil’s foreign politics
development from 1964 through 1979. In
those years, during Castelo Branco, Costa
e Silva, Médici and Geisel presidential
terms, the nation’s foreign politics inflection
points expressed different perceptions on
how should Brazilian State power
projection – i. e., its potency politics – be.
The author’s supports the thesis that, in this
as in other matters, that period of time is
marked by discontinuous propositions and
practices relatively to potency politics.
Palavras-chave
Política de potência; política externa; regime
militar brasileiro.
Key-words
Potency politics; foreign politics; brazilian
military regime.
Proj. História, São Paulo, (29) tomo 1, p. 169-196, dez. 2004
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A reflexão aqui desenvolvida restringe-se ao estudo das estratégias para consolidação e projeção da potência brasileira presentes nas gestões militares do pós-64, com foco
no âmbito dos propósitos que orientaram a elaboração destas políticas. Importa, sobretudo, determinar a natureza das idéias que informaram a construção das estratégias de
promoção dos interesses externos do Estado brasileiro, no período em questão. Os atos
de execução, as manobras táticas e seus condicionantes imediatos só serão invocados
incidentalmente, como suporte ao trabalho de recomposição das formulações que orientaram a ação dos dirigentes militares.
A noção de Brasil-potência associou-se ao regime de 1964. A identificação entre
potência e regime militar deve-se, em parte, à apropriação publicística que os governos do
ciclo de 1964, notadamente a gestão Médici, fizeram das atividades de expansão da influência brasileira no âmbito internacional. Mas a proximidade entre a instituição militar e
a política de potência não se inaugurou a partir de 1964. Desde que passaram a intervir na
política nacional, os militares assumiram a missão de ampliar o poderio do Estado brasileiro. Já quando da Guerra do Paraguai, o Exército adquiriu contornos de personagem ativo
e autônomo na vida política, tendo como objetivo a projeção do poder brasileiro, em
especial na América do Sul.1
Desde meados do século passado a corporação militar abraçou a responsabilidade de
construção da grandeza do Estado nacional brasileiro, encargo que se sobrepôs aos
limites das diversas conjunturas, aos regimes políticos e até à forma do Estado.2 Desta
perspectiva, a intervenção militar de 1964 e a própria atuação dos novos governantes à
frente do Estado devem ser vistas como traço constitutivo da nossa tradição política, na
qual, episodicamente, a “missão militar” adquire ao início a forma de movimento, depois
de regime, para finalmente esgotar o próprio fundamento da modalidade de Estado erigida
a partir de 1930.
A descontinuidade, marca distintiva do período 1964-85, pode ser surpreendida tanto
na dinâmica política stricto sensu quanto na economia e em outras esferas da atividade do
Estado, entre as quais a política externa. Esta, manifestação visível e imediata da política
de potência, coerente com a natureza conflituosa do regime, foi, ela também, descontínua.
A concepção da atuação do Estado brasileiro no plano externo, à qual os militares tradicionalmente concederam especial cuidado, revela-se carente de unidade, em relação aos
projetos e no que diz respeito à sua implementação. Este fato despertou a atenção de
intelectuais com aguda percepção da ação dos militares, como é o caso de Oliveiros
Ferreira, autor de trabalho no qual busca determinar um padrão único de atuação do
regime, em algumas áreas fundamentais, entre as quais a política externa.3
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Carlos Estevam Martins permite uma aproximação mais consistente à ação externa do
Estado brasileiro do pós-64.4 O autor parte do suposto da diversidade dos projetos no
âmbito da elite dirigente do regime. De outra parte, Martins focaliza as diversas propostas
de estratégias que orientaram as políticas de projeção do poder nacional ao longo das
gestões militares, relegando a plano subsidiário sua implantação. O regime de 1964 comportou uma pluralidade de projetos, alguns vindo a se materializar em políticas concretas,
outros, abandonados pela derrota de seus idealizadores. Todos tiveram por referência
determinado quadro internacional, incontornavelmente dominado pela guerra fria.
O movimento de Getúlio Vargas em direção ao campo dos Aliados, em 1942, consolidou uma posição privilegiada do país no bloco capitalista ocidental, dada a sua situação
geográfica. Fora do palco da guerra, a adesão à aliança comandada pelos Estados Unidos
proporcionou ao governo brasileiro ao menos dois sólidos benefícios: recursos para impulsionar o desenvolvimento baseado na substituição de importações e, sobretudo, prestígio no concerto dos Estados.
A política de potência sob Castelo Branco
Em decorrência do golpe de 64, retomou-se em novos termos uma “intenção” de
construção da potência – “Embora a intenção de realizar a potência seja anterior a 1964, é
durante o autoritarismo que se vai explicitando a concepção militar a respeito da sua
construção” – que não se deu sem atritos com os Estados Unidos, pois “a condição de
grande potência visará à afirmação da autonomia brasileira, no espaço geopolítico ocupado pela hegemonia norte-americana”.5
Ao lado do conflito que resultou na divisão da Coréia, do envolvimento norte-americano no Vietnã e da Revolução Cubana, o conturbado Brasil de Goulart foi um caso de
subversão que ameaçou a complexa divisão de funções de defesa coletiva entre os membros do “Ocidente”. Esta tensão não passou impune pela potência hegemônica e mesmo
por nossos vizinhos integrantes da aliança ocidental. Há evidências da mobilização de
recursos militares por parte do governo norte-americano, nos dias imediatamente posteriores ao golpe de 1964 (Operação Brother Sam)6, bem como da contribuição financeira e
organizativa para instituições que atuavam no front pró-ocidental na política interna.7 A
Argentina também demonstrava preocupação com o futuro do alinhamento brasileiro,
chegando a cogitar a solicitação de intervenção da Organização dos Estados Americanos
(OEA), caso o golpe de março de 1964 implicasse guerra civil.8
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O golpe que desalojou Goulart provocou expectativas positivas dos Estados Unidos
em relação ao reposicionamento de nossa política externa. Por seu lado, o governo revolucionário ansiava pelo estreitamento de relações que permitisse expressivo aporte de
investimentos produtivos e, para que isso se concretizasse, cuidou de rever a Lei de
Remessa de Lucros promulgada por Goulart.9 Os novos governantes esperavam, também,
empréstimos em condições favoráveis e assistência técnica para a implantação de um
sistema de planejamento nacional, regional e setorial.10
O governo brasileiro revogou as linhas gerais da política externa anterior,11 e com isto
arquivou, por algum tempo, as pretensões de um projeto de desenvolvimento autárquico.
A ambiência adequada ao progresso dos negócios norte-americanos foi constituída por
meio de vantagens proporcionadas pela nova política econômica brasileira. A inflação foi
combatida com medidas que oneraram os setores empresariais tradicionais e os trabalhadores. Estas ações ampliaram as possibilidades de ganhos do capital externo, que já havia
adquirido maior mobilidade com a nova Lei de Remessa de Lucros. Em troca, o governo
militar procurou obter contrapartidas em intercâmbio comercial, com preços mais compensadores para os produtos brasileiros exportados, delimitação de fatias dos mercados regionais para as filiais das multinacionais aqui instaladas e abertura do próprio mercado
norte-americano para os produtos destas mesmas filiais.
A guerra fria limitava definitivamente as possibilidades de alianças que não se orientassem pela lógica bipolar. As relações de interdependência tornaram-se inevitáveis. O
presidente Castelo Branco entendia que
(...) no contexto presente, de confronto bipolar de poderes, com um divórcio político e
ideológico radical, entre os dois grandes centros, a preservação da independência pressupõe
a aceitação de um determinado grau de interdependência, seja no campo militar, econômico
ou político. No caso brasileiro, nossa política externa não pode olvidar que fizemos a opção
pela fidelidade cultural e política ao sistema democrático ocidental. Os interesses do Brasil
coincidem, em muitos casos, com os dos círculos concêntricos da América Latina, do continente americano e da comunidade ocidental. Sendo independentes, não teremos medo de ser
solidários. Dentro dessa independência e dessa solidariedade, a política exterior será ativa,
atual e adaptada às condições de nosso tempo, bem como dos problemas de nossos dias. Será
esta a política externa da Revolução.12
Esse governo, auto-intitulado temporário, tomou medidas de política externa relativas
à posição estratégica do Brasil na América do Sul cuja repercussão desenvolveu-se por
prazo bem superior ao previsto para o mandato do marechal. Os esforços multilaterais do
governo anterior deram lugar a uma política voltada aos desdobramentos da Revolução
Cubana, no âmbito da América Latina; assim, o governo militar logo rompeu relações
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diplomáticas com Cuba e caminhou rumo ao alinhamento com nossos vizinhos do Cone
Sul, com maiores êxitos em relação à Bolívia e ao Paraguai.13 Houve um arrefecimento nas
aproximações com os movimentos africanos de liberação colonial nos países de língua
portuguesa. Além disso, a “política externa da Revolução” produziu um gesto de incontestável alinhamento ao pan-americanismo: a adesão à Força Interamericana de Paz, que
interveio na República Dominicana, em 1965.
Com Castelo Branco, o Brasil, ao lado de México e Argentina, assumiu a condição de
potência regional dominante. Nosso parâmetro nessa disputa foi uma postura de alinhamento aos Estados Unidos, que explica a inusitada posição do governo Castelo Branco,
de apoio à atitude norte-americana na questão da proliferação das armas nucleares, que
seria revista por Costa e Silva, permanecendo, com algumas alterações, até os dias atuais.
Em julho de 1964, o ministro do Exterior, Vasco Leitão da Cunha, dizia que a “recolocação do Brasil num quadro de relações com o Ocidente (...) significa entre outras coisas (...)
a consolidação de laços de toda ordem com os Estados Unidos, o nosso grande vizinho e
amigo do Norte”..14 Laços estes que revertiam o “progressivo desengajamento do Brasil
dos círculos de convivência internacional a que pertence por sua formação cultural e por
sua própria situação geográfica”.15
A expansão da influência brasileira pelo Atlântico Sul, sobretudo na vertente atlântica da África – que, antes de ser deflagrada, no início dos anos 60, já havia sido entrevista
pelo presidente americano Roosevelt, ao mencionar a “ponte estratégica Natal-Dacar”16 –
estava revogada pelo pan-americanismo da política externa de Castelo Branco, o qual, por
sua vez, associava-se ao princípio de segurança coletiva continental e do Ocidente. A
retomada de um vetor tradicional das relações exteriores brasileiras17 foi a linha estrutural
da ação externa do primeiro governo instalado pelo movimento de 1964. Os imperativos da
“segurança coletiva do Mundo Livre” sobrepuseram-se aos princípios da “autodeterminação dos povos” e da “não-intervenção”, que haviam informado nossa ação exterior.
O tema da integração dominou as demais determinantes, tornando relativa a soberania
nacional como fundamento da política externa. A interdependência adquiriu estatuto superior ao da soberania, subordinando seu exercício ao combate à “subversão”. Em maio
de 1965, Leitão da Cunha trazia à luz
(...) um conceito imanente à natureza da aliança interamericana, qual seja, o da interdependência entre as decisões de política internacional dos países do continente. A concepção
ortodoxa e rígida da soberania nacional foi formulada em uma época em que as nações não
enfeixavam, em suas responsabilidades, uma obrigação de cooperaram entre si na busca de
objetivos comuns.18
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O Brasil (que até março de 1964 era foco de contenção dos propósitos norte-americanos de condicionar a política externa de seus aliados “pan-americanos”) tornou-se um
dos propulsores desta política, mas não o fez sem que seus específicos interesses fossem
contemplados.
O movimento militar de 31 de março transformou o Brasil em líder e mantenedor do
“sistema democrático” no Sul do continente, em aliança com a potência hegemônica ocidental. Na heterogeneidade sul-americana, o Brasil surgia como novo e privilegiado ator,
dono do maior mercado regional, do maior território, da maior população, com a perspectiva de um período de estabilidade política garantida pelos militares. Neste movimento,
emergiu a política de potência de Castelo Branco, mesmo recoberta por discurso e práticas
“entreguistas”. A estratégia de potência resumia-se à construção da hegemonia regional
ou da “subegemonia” brasileira no interior do grande bloco pan-americano, liderado pelos
Estados Unidos.
No início de 1965, o ministro do Planejamento, Roberto Campos, empreendeu uma
rodada de negociações com as autoridades do comércio exterior norte-americano, na chamada “segunda fase” do ajuste econômico brasileiro – a primeira compreendera o ajuste
financeiro e fiscal. Nessa segunda fase estava incluída a criação de uma reserva de mercado, nos Estados Unidos, aos produtos de exportação brasileiros. Tentou-se um acordo
com a Argentina para a formação de uma união aduaneira, aberta aos demais países da
região, que teria o efeito de dar coesão ao mercado continental, em benefício do Brasil.
A transição transcendeu os propósitos iniciais do movimento de 1964. Tornou patente o fato de que o 31 de março fora um episódio dentro do processo de mudança que
levaria aos limites o formato estatal vigente desde 1930. As mudanças impulsionadas pelo
governo Castelo Branco indicam que aí se reproduzia uma lição sobre a vontade dos
homens e a dinâmica da História, segundo a qual eles fazem sua história sob circunstâncias que não determinam, mas que lhes são legadas.19
Os indícios de insucesso do pan-americanismo de Castelo são notáveis. O fluxo de
capitais estrangeiros esteve aquém das expectativas brasileiras; o aporte técnico modernizador foi pouco expressivo; a dinâmica do comércio exterior manteve-se gravosa aos
países periféricos; a Associação de Livre Comércio da América Latina (Alalc) não prosperou, em conseqüência da resistência norte-americana; e a suposta parceria privilegiada
com a Argentina degenerou em competição. A dominação tecnológica persistiu e a pretendida reserva de mercado para os produtos brasileiros converteu-se no seu contrário. A
almejada minimização das diferenças entre o mundo desenvolvido e a periferia, propagada
pela Aliança para o Progresso, resultou na maior evidência dessas distâncias.20 O balanço
crítico das realizações externas de Castelo Branco reforçou as convicções nacionalistas
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dos idealizadores da ação internacional de Costa e Silva, que afirmou subir “ao poder
decepcionado com a cooperação dos Estados Unidos e com a fé ingênua do Brasil na
Aliança para o Progresso”.21
O movimento de março transformara-se, desde o AI-2, em outubro de 1965, em regime.
A política econômica ortodoxa e o conjunto de reformas institucionais que desencadeou
haviam custado ao núcleo castelista crescente isolamento no âmbito da coalizão dominante. A obstinação do presidente e de sua equipe em promover o ajuste econômico, embora
tenha preparado terreno para a nova “fuga para a frente”,22 tornou-se o ponto mais vulnerável da gestão, contribuindo para a consolidação da candidatura de Costa e Silva. A
postura do núcleo dirigente do governo ante a potência norte-americana granjeou inimigos e adversários, da extrema-direita à extrema-esquerda. Enfim, ao desencadear uma
dinâmica de mudanças muito mais intensa e profunda do que avaliava ou pretendia, o
comando da Sorbonne presenciou sucessivas adaptações do seu programa à rudeza dos
fatos. A revolução cada vez mais correspondia à imagem que dela fizera o próprio presidente: tornava-se “definitiva, e, como os cursos d’água, abrirá o seu caminho inelutavelmente”.23
Costa e Silva: a retomada nacionalista
As mesmas águas revolucionárias que em 1964 haviam afastado a cadeira presidencial do general Costa e Silva carregaram-no, na crista da onda, ao Palácio do Planalto, em
março de 1967. Símbolo e artífice da derrota da Sorbonne, o eventual representante dos
duros acenava, paradoxalmente, com a “humanização” do regime. Costa e Silva iniciava
nova magistratura sob clima de otimismo.24 As promessas de descompressão política eram
consistentes com a imagem de bonomia do novo presidente25 e com a anunciada retomada
do nacionalismo, compromisso caro aos setores de esquerda. Esses componentes articulavam-se num quadro emoldurado por uma disposição de vigorosa inflexão em relação
ao primeiro governo revolucionário.
O governo Costa e Silva instalou-se informado por um conjunto de percepções e
intenções que, no plano externo, causaram a inversão da postura brasileira, num movimento que aproximou a política externa do período 1967-70 daquela praticada durante o
governo Goulart. Neste período, nossa diplomacia operou uma revisão dos postulados
que a orientavam e da concepção oficial a respeito da dinâmica dos embates entre as
superpotências. Mais do que a vontade subjetiva de se inserir de maneira mais autônoma
no contexto internacional, foi uma leitura atualizada do quadro mundial de poder o que
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provocou a mudança da postura brasileira. A reprodução estática da lógica da bipolaridade impedira que nossos diplomatas considerassem as conseqüências de importantes efeitos da situação de “destruição mutuamente assegurada” – mutually assured destruction
(MAD, num trocadilho crítico) – entre as potências hegemônicas.
As tensões, que até a crise cubana de 1962 adquiriam dimensões mundiais, passaram
a assumir caráter regional, processo não devidamente considerado pelos diplomatas de
Castelo Branco, mas valorizado sob Costa e Silva. Resgataram-se as estratégias fundadas
nos conceitos de soberania nacional e de segurança nacional, em detrimento da soberania
limitada e da defesa coletiva do Ocidente. O novo diapasão deu prioridade ao desenvolvimento, o que levou a política externa do segundo governo revolucionário à recuperação
de elementos da perspectiva nacionalista terceiro-mundista do período pré-64 e da estratégia de defesa contra o “comunismo”, nos termos em que a propôs, na década de 50, o
general Golbery do Couto e Silva: o subdesenvolvimento brasileiro ameaçava o Ocidente
porque nos tornava vulneráveis à agressão comunista, através da infiltração subversiva,
com o risco de nos tornarmos “entreposto favorável aos vermelhos”.26 Costa e Silva
anunciaria a nova diretriz:
Estamos convencidos de que a solução do desenvolvimento condiciona, em última análise, a
segurança interna e a própria paz internacional. A História nos ensina que um povo não
poderá viver em um clima de segurança enquanto sufocado pelo subdesenvolvimento e
inquietado pelo futuro.27
O desenvolvimento nacional era concebido como condição anterior à própria segurança nacional. Tal responsabilidade não poderia ser confiada sequer ao mais leal dos
aliados, mesmo porque, “ante o esmaecimento da controvérsia Leste-Oeste, não faz sentido falar em neutralismo, nem em coincidências de posições automáticas. Só nos poderá
guiar o interesse nacional, fundamento permanente de um política externa soberana”.28 A
segurança nacional passou a ser entendida como atribuição de cada país e responsabilidade das respectivas Forças Armadas. Esta evolução resultou em contenciosos com os
Estados Unidos. Foi o caso do apoio à resolução produzida na reunião dos países sulamericanos em Buenos Aires, em fevereiro de 1967, que rejeitava a institucionalização de
mecanismos de segurança continental,29 bem como da rejeição ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear, de 1968 (Tlatelolco, México).
A revisão do alinhamento automático aos norte-americanos recuperava o exercício
mais afirmativo das prerrogativas da soberania nacional, mas precisava ser acompanhada
de uma estratégia de alianças consistente. O governo Costa e Silva procurou resolver este
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problema com a adoção da via diplomática que valorizava o conflito interno ao bloco
capitalista – Norte versus Sul –, o que resultou numa política de integração dos subdesenvolvidos, com vistas à diminuição das diferenças e dos desequilíbrios econômicos e
sociais. Duas ordens de razões fundamentavam esta nova orientação do governo brasileiro. Primeiramente, a conjuntura internacional tendia à alteração da geometria do poder
mundial, que adquiriu maior clareza a partir de 1964, com Brejnev na União Soviética. As
possibilidades de cooperação com o mundo subdesenvolvido reduziram-se, pois a crise
do balanço de pagamentos norte-americano agravara-se com o esforço militar do Vietnã,
tornando mais vantajosos os investimentos no próprio mercado americano e europeu. De
outra parte, a nova postura governamental interpelava as afinidades culturais e históricas
com “nossos irmãos latino-americanos [às quais] soma-se a solidariedade que resulta de
um estágio semelhante de desenvolvimento econômico e social”.30
A orientação da nova política externa limitava seu âmbito de referência a pouco mais
do que a área de abrangência do “primeiro dos círculos concêntricos”, ou seja, a América
Latina. Este era o espaço preferencial de integração e de projeção do poder nacional. Além
de nossos vizinhos, constituíam-se em aliados os países subdesenvolvidos, com os quais,
supostamente, compartilhávamos o interesse em diminuir a distância entre as condições
do centro e da periferia do capitalismo. Esta estratégia de alianças, sustentada por uma
concepção nacionalista e integracionista no âmbito latino-americano, acarretou o deslocamento dos Estados Unidos como aliado incondicional, em benefício do terceiro mundo.
Isso se refletiu no esforço brasileiro no sentido de forjar mecanismos de integração do
subcontinente que delimitassem uma área de autonomia ante os Estados Unidos, complementados por uma conduta que rejeitava os alinhamentos determinados de antemão com
a potência hegemônica. Era um equilíbrio difícil de ser obtido, e assim o governo Costa e
Silva, ao exibir sua fisionomia latino-americanista, reafirmando com freqüência a postura
autonomista, acabou por produzir situações de afastamento e até de tensão com os Estados Unidos.
Essa postura agressiva pode ser notada na avaliação negativa que o Ministério das
Relações Exteriores fez das repercussões da Aliança para Progresso na América Latina. O
documento sepultou o entusiasmo do governo anterior pelo programa de auxílio à região,
evoluindo da observação a respeito dos efeitos limitados do “aumento do financiamento
oficial à América Latina” para uma ácida crítica quanto aos resultados desta ação, que,
para os proponentes da nova diplomacia,
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(...) nunca assumiu as características de um programa [e] contribuiu para o agravamento e a
permanência da situação de marginalização da América Latina no comércio internacional [e]
para a limitação das próprias possibilidades do desenvolvimento econômico no longo prazo
pela compressão da capacidade de importar.31
O texto conclui: “Para o Brasil, o período da Aliança [foi] ainda mais difícil do que para
a América Latina em seu conjunto”.32
A “diplomacia da prosperidade” resultou na afirmação de identidade do país fundada
em sucessivas manifestações de autonomia, que beiravam a agressividade em relação à
superpotência americana, e em gestos de condescendência em relação a nossos vizinhos
do Sul que nem sempre produziram avanços do poder nacional. Assim ocorreu quando
nossos diplomatas empreenderam esforços, juntamente com a Argentina, para a criação
da Comissão Especial de Coordenação Latino-Americana (Cecla), que visava à organização de um foro latino-americano para impedir a institucionalização de mecanismos de
integração e cooperação hemisférica, sob os auspícios dos Estados Unidos. A afirmação
dessa política ensejou eventos diplomáticos que levaram à tensão das relações com os
norte-americanos, tais como o ocorrido em 1968, na II Conferência de Comércio e Desenvolvimento de Nova Déli, quando o embaixador Azeredo da Silveira, depois ministro do
Exterior do governo Geisel, destacou-se como defensor das causas do terceiro mundo.
Também soou ameaçadora à manutenção do status quo da região a sugestão de Costa e
Silva, feita no ano anterior, em Punta del Este, para a constituição de uma comunidade
latino-americana do átomo.33 Mas nenhum evento é mais revelador do deslocamento dessa política do que a chamada “crise do café solúvel”.34
Por essa via, descontínuo e errático, tanto na política externa quanto na interna, o
governo do marechal gaúcho iniciou e concluiu um “ciclo de liberalização”,35 ao longo do
qual buscou desenvolver uma estratégia de legitimação fundada na “humanização” da
Revolução. Desta forma, implicitamente, imputava caráter autoritário a Castelo Branco,
mas esta estratégia sucumbiu ante a divisão interna da elite militar dirigente e pela ação
dos sujeitos políticos com quem o governo pretendia estabelecer interlocução – setores
mais radicais do MDB, a Frente Ampla e os movimentos sindical e estudantil –, degradando-se em escalada repressiva, da qual o AI-5 é o marco institucional mais acentuado.
Anunciou uma política econômica de talhe nacionalista e de contenção da expansão
estatal,36 mas empreendeu uma estratégia econômica de aprofundamento do desenvolvimento dependente e associado e de ampliação da intervenção estatal. Pretendeu consolidar uma posição autônoma e agressiva do país no cenário internacional, que levava a
extremos os princípios da autodeterminação e da integração latino-americana. Foi, assim,
compelido a embates com os norte-americanos, que, por vezes, resultaram em recuos
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humilhantes. Seu sucessor cuidaria de promover inflexões em todas essas áreas, delineando um determinado padrão de reprodução do regime que combinava a permanência do
domínio e da autonomia militar com traços de profunda descontinuidade entre cada um
dos governos do ciclo inaugurado em 1964.
Médici: o realismo na política de potência
Curiosamente, a candidatura de Emílio Garrastazu Médici representara a alternativa
que congregava, com prevalência dos “costistas”, partidários dos dois presidentes anteriores, em oposição às pretensões do general Albuquerque Lima.
Ainda antes de ser mortalmente vitimado pela trombose cerebral, em 17 de dezembro de 1969, Costa e Silva viu surgir a candidatura dissidente do seu ministro do Interior,
o general Albuquerque Lima, e se defrontou com movimentos ligados à sua sucessão
que tendiam a fugir do seu controle. Mais uma vez, o nacionalismo de setores da elite
militar dirigente voltou-se contra a política econômica e se lhe combinaram dois vetores
de pressão sobre a condução política do governo: os que pretendiam a estabilização
política pelo restabelecimento dos mecanismos democráticos e os que pregavam o recrudescimento repressivo. Em março de 1968, o marechal Poppe de Figueiredo declarara
à imprensa que o sucessor de Costa e Silva deveria ser um civil, eleito diretamente, e que
era imperativa a implantação de um projeto de desenvolvimento “nacionalista intransigente”.37 Do interior da própria equipe presidencial, em 10 de julho, o ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, contra-atacou e atribuiu a agitação do movimento estudantil à
“atitude paternalista do presidente da República, que lhe tem causado desgaste na área
militar”.38
Com a edição do AI-5, os rumos de progressão do regime em direção a um quadro
autoritário ficaram definidos, assim como pareceu claramente delimitado o nacionalismo
econômico como a ideologia oficial. A partir de então, o general Albuquerque Lima tomou
esta bandeira como plataforma da sua candidatura e elevou o tom das críticas à política
econômica. A confluência de antigos adversários – a Sorbonne e setores duros – operouse exatamente para barrar a alternativa Albuquerque Lima. Em meio à descontinuidade,
buscava-se a base da estabilização.
Médici encarnava esse compromisso básico de estabilização e iniciou sua gestão
com promessas de diálogo com a sociedade, com “as universidades livres, os partidos
livres, imprensa livre”.39 O país continuava mergulhado no arbítrio aprofundado pela
Junta Militar, que, escudada no AI-12, substituíra Costa e Silva por 60 dias (de 30 de
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agosto a 30 de outubro de 1969). Médici diria, poucos dias após sua posse, que “esperava
passar ao sucessor o governo democratizado. Esperava, mas se as esperanças não se
realizarem, não terá sido por culpa minha”.40
No plano econômico, a permanência de Delfim Netto à frente do Ministério da Fazenda era a continuidade das linhas mestras de orientação econômica desenvolvidas no
período anterior. A política, a cargo de Leitão de Abreu, conheceu um período de compressão, contrariando cada vez mais os propósitos de “humanização” anunciados e assumidos por Costa e Silva. O general Orlando Geisel, ligado à Sorbonne, garantiu relativa paz
nos quartéis. Instaurou-se um clima político aparentemente tranqüilo, com o recurso a
expedientes de contenção política. Segundo um observador privilegiado, “não havia atividade política, apesar de o Congresso ter sido reaberto e os partidos funcionarem. A Arena
era feita para obedecer, o MDB também, ainda que sob a capa de ‘oposição construtiva’”.41 A sociedade civil tornou-se invisível e inaudível, salvo nos momentos em que a
reprovação ao regime aparecia sob a forma de contestação violenta.
Desde 1964, a expansão dos militares no interior da administração estatal teve um
elemento de interinidade e de excepcionalidade a justificá-la. Castelo Branco enfatizava o
caráter temporário e emergencial da intervenção. Costa e Silva, na perspectiva de institucionalização do regime, prometia “humanizar” a Revolução. Já Médici tão-só acenava para
o entendimento.42 Há uma gradação entre estas três atitudes, na qual o papel da sociedade
civil vai sendo diminuído no âmbito das estratégias de cada governo militar. Castelo
prestava contas à sociedade e estabelecia um compromisso, delimitava as ações do movimento. Costa e Silva apresentava um desenho ideal para o regime, subordinava seu desenvolvimento a um maior grau de interação com o mundo civil. Médici expressava apreço
formal ao vigor das instituições civis, num contexto em que a autonomia militar já era dado
consolidado e constitutivo do próprio regime.
Pela primeira vez no ciclo de 1964, sob Médici, a vice-presidência da República foi
ocupada por um militar, o almirante Augusto Rademaker. Explicitava-se o movimento de
autonomização do setor militar como elite dirigente em relação ao componente civil. O
general-presidente não mais compartilhava o poder com líderes civis do porte de José
Maria Alkmin ou de Pedro Aleixo. O consentimento da sociedade civil não era mais obtido
pelas tentativas de diálogo com setores organizados ou através de negociações parlamentares, mas com a ação da Assessoria Especial de Relações Públicas da Presidência da
República (Aerp), que, sob a coordenação do coronel Octávio Costa, desenvolvia intensa
campanha e alardeava o excelente desempenho da economia brasileira entre 1969 e 1973:
“Ninguém segura esse país”, “Ame-o ou deixe-o”. A elite dirigente fardada não só acredi-
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tava no que era veiculado pela propaganda governamental como encontrou nesta crença
a realização da missão tradicional dos militares.43 Tinha-se, a partir de então, uma política
de potência explícita: mediante “áspera preparação interna para os caminhos do progresso, o Brasil não aspira apenas a crescer. Almeja, no final do século, ser parte integrante do
mundo desenvolvido”.44
A política de potência do governo Médici não estava voltada ao Ocidente, como
propuseram os estrategistas de Castelo, nem ao terceiro mundo, como quiseram os formuladores de Costa e Silva. Referia-se ao “mundo desenvolvido”, procurava estabelecer um
caminho específico ao Estado brasileiro, pragmaticamente orientado para a máxima expansão dos interesses nacionais. A política externa sob Médici objetivava explicitamente a
ascensão do país na hierarquia das potências. A conciliação deste pragmatismo com os
princípios gerais das relações internacionais – direito à autodeterminação, à não intervenção, etc. – deu-se por meio de um artifício retórico-nominativo. O governo Médici passou
a ter – nominalmente – não só uma política externa, como uma política internacional. A
primeira atuava no plano dos princípios, entre os quais a manutenção de relações amistosas com os Estados Unidos. A política internacional fazia a tradução dos princípios genéricos para a linguagem das diretrizes práticas; referia-se ao plano dos problemas concretos entre Estados soberanos, no qual não predominavam “os vagos postulados do direito
internacional, mas os critérios de racionalidade, o cálculo dos custos e benefícios, o valor
instrumental das iniciativas e das omissões tendo em vista o objetivo básico de potencializar e projetar o poder nacional”.45
A construção da potência exigia mudança radical na percepção do país em relação ao
mundo. Com Castelo Branco e Costa e Silva, a ação internacional brasileira buscara localizar o Brasil no cenário mundial, a partir do estabelecimento de identidades com outros
países. No período subseqüente, os problemas comuns aos países subdesenvolvidos
davam-nos uma identificação genérica que seria complementada pelos laços históricoculturais comuns com as demais nações latino-americanas. O governo Médici inaugurou
uma era de realismo, fundada na compreensão de que o Brasil podia e deveria adquirir uma
individualidade histórica que prescindia de alinhamentos determinados por afinidades
históricas, culturais ou éticas. O fundamento da política externa brasileira passou a ser o
da promoção da potência. Foram abandonadas as metas genéricas e altruístas, compartilhadas com outros Estados nacionais, como a “preservação da civilização cristã-ocidental” e o “pan-americanismo”, da primeira gestão militar, ou a “defesa dos direitos econômicos e sociais dos povos subdesenvolvidos”, da “diplomacia da prosperidade”. O período
Médici foi aquele em que a ação oficial aboliu do universo político os conteúdos doutriná-
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rios, com exceção do anticomunismo. A esta compreensão singular somou-se um entendimento realista do quadro internacional: a estabilização da conjuntura do quadro mundial
de poder mantinha-se válida, mas as conseqüências que se extraíam deste fato eram diversas. O relativo congelamento das relações de poder entre as superpotências continuava a
proporcionar ao Brasil razoável margem de ação. Contudo, esta estabilização internacional, que viria a se desenvolver na détente, colocava ao país algumas realidades incontornáveis.
Primeiramente, a constatação de que a hegemonia das grandes potências e a dominação
econômica que lhe é correlata são marcas estruturais do desenvolvimento capitalista em
escala planetária. Em segundo lugar, como corolário, toda estratégia externa brasileira voltada à consecução de alianças entre países subdesenvolvidos para combater as diferenças
entre os hemisférios Norte e Sul resultaria em gravames ao país – seja porque se voltava
contra um fenômeno cuja superação exigia praticamente uma revolução de dimensões globais, seja porque o Brasil teria de se associar, para a realização dessa “missão impossível”, a
Estados nacionais cujas possibilidades de desenvolvimento e posição relativa na hierarquia
das potências eram, em geral, muito mais limitadas do que as nossas. O pragmatismo do
governo Médici arquivou essas linhas de desenvolvimento da política externa e rejeitou a
constituição do chamado “bloco do terceiro mundo” como elemento de expressão autônoma na cena mundial. Nas palavras do ministro das Relações Exteriores,
(...) os ativistas do Terceiro Mundo tentam perpetuar uma divisão estranha e inaceitável
entre os povos que fazem História e aqueles que a sofrem. O Brasil não pertence a esse grupo
e nem acredita na existência de um Terceiro Mundo. Para nós existe a indivisível responsabilidade conjunta das nações ricas e pobres na erradicação do subdesenvolvimento.46
O realismo de Médici recuperou a centralidade dos exclusivos interesses do Estado
brasileiro e colocou como condição para a construção da potência a rejeição ao congelamento do quadro mundial de poder. Nossos pragmáticos diplomatas não o fizeram para
revogar o “imperialismo” ou por outro propósito de natureza grandiosa, mas buscando
condições mais apropriadas para que a expansão do poder nacional se traduzisse em
ascensão brasileira na escala das potências. A política externa ou “internacional”, como
era designada pelo Itamaraty, perseguiu uma linha autonomista contra a cristalização do
status quo, sem alimentar contenciosos de efeito simbólico, como os do governo anterior,
nem produzir alinhamentos que gerassem comunidades de Estados-nação com destino
histórico assemelhado.
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O ministro das Relações Exteriores, Mário Gibson Barbosa, atacou as “três falácias”
que dificultavam a expressão e expansão dos interesses brasileiros.47
a) A “falácia do subdesenvolvimento autogênico”, segundo a qual o subdesenvolvimento seria fruto de um acidente histórico e do determinismo geográfico. O “mundo
desenvolvido” não teria qualquer inter-relação com os países subdesenvolvidos, apenas
coexistiria com estes. Barbosa desmontou esta falácia e expôs o mecanismo de transferência de recursos da periferia para o centro do sistema capitalista, conseqüência da divisão
internacional do trabalho;
b) A “falácia paternalista”, cuja proposta era que o desenvolvimento poderia ser
atingido mediante “laços especiais que ligam certos países desenvolvidos a certos países
em desenvolvimento”;
c) A “falácia do desenvolvimento como um processo de longo prazo”, que o ministro
via como transposição da experiência histórica dos países desenvolvidos.
Nada é mais contraditório em relação a essas “falácias” do que a determinação de
aceleração do crescimento econômico que dominou as estratégias econômicas do regime,
a partir de 1967. As posturas oficiais do governo Médici, notadamente as das áreas econômica e diplomática, colocavam o desenvolvimento nacional como meta e como requisito
da construção da potência, cuja implementação seguiria um trajeto singular e específico
do país, de forma que “o modo brasileiro de organizar o Estado e moldar as instituições,
para no período de uma geração transformar o Brasil em nação desenvolvida, constitui o
modelo brasileiro de desenvolvimento”.48 Essa singularidade do “modelo” apontava para
uma linha de ação que não colidia com as bases da ordem mundial estabelecida, mas
pretendia a alteração da posição relativa ocupada pelo Brasil. No período 1970-73, a diplomacia brasileira assumiu posições que colocaram o país em destaque na ordem internacional. Essas ações não resultaram em tensões significativas com os Estados Unidos, nem
significaram o abandono de um posicionamento genérico pró-ocidental.
Médici firmou posições que resultaram em avanços no campo internacional. A declaração do limite territorial marítimo de 200 milhas, em 25 de março de 1970, embora tivesse
forte carga simbólica de afirmação da grandeza e da soberania nacional, não se revestia de
maior importância para o parceiro hegemônico norte-americano, que logo reconheceu o
direito brasileiro. Numa linha mais agressiva, o embaixador Araújo de Castro tornou públicas as críticas brasileiras ao espírito da Carta das Nações Unidas, reivindicando sua
atualização para o contexto dos anos 70.49 A política internacional brasileira manteve a
postura que vinha desde Jânio Quadros e rejeitou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear,
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que era elemento de manutenção do quadro de poder internacional. Note-se a oposição
brasileira às políticas dos organismos internacionais que se projetavam como condicionantes do desenvolvimento, tais como o controle demográfico e o combate à poluição.
Essa busca de um espaço entre as potências hegemônicas do hemisfério ocidental e
o chamado terceiro mundo foi exposta pelo ministro das Relações Exteriores, Mário
Gibson Barbosa. Em documento datado de 1972,50 o chanceler brasileiro sintetizou o balizamento da ação externa brasileira e afirmou a posição brasileira em defesa da “mudança
das regras de convivência internacional (...) contra a cristalização de posições de poder”.
Além disso, reivindicou para o país “uma parcela de decisão cada vez maior, dentro da
comunidade internacional”. Ao declinar “solidariedade com os países em desenvolvimento”, lembrou que “nossa política externa deve ser global, de intensa cooperação com os
países desenvolvidos”.51
A política de construir uma potência – “ouvida no concerto dos fortes e respeitada
naquele dos fracos”52 – produziu acomodações desejadas, mas também causou contenciosos inesperados. O expansionismo brasileiro tornou-se permanente preocupação dos
demais países do subcontinente, pois implicava, em alguma medida, o condicionamento
de pretensões dessa mesma natureza por parte de qualquer outro Estado sul-americano.
Daí decorreram alguns conflitos pontuais, potencializados pela dinâmica política interna
de alguns países do continente.
Com a eleição à Presidência do socialista Salvador Allende, em setembro de 1970, o
Chile surgiu como ameaça ao status quo regional, aos olhos dos norte-americanos e dos
governos direitistas da América Latina, em especial o brasileiro. A possibilidade de intervenção militar brasileira, no Chile e em situações semelhantes na América do Sul, com
apoio norte-americano, ganhou consistência. Consolidou-se internacionalmente
(...) a imagem de um Brasil ávido em assumir o poder hegemônico regional. Seu desengajamento dos programas integracionistas e sua opção pela diplomacia bilateralista (...) geraram
a percepção entre os países vizinhos de que o Brasil, com o beneplácito dos Estados Unidos,
havia se convertido no “gendarme” da América Latina.53
O pronunciamento do presidente Nixon – “onde for o Brasil, irá o restante do continente latino-americano”54 –, quando da visita de Médici a Washington, em 7 de dezembro
de 1971, reforçaria em nossos vizinhos essa suspeita. Nossas autoridades não faziam
grande esforço para desfazer tal imagem. O porta-voz Murilo de Melo Filho, ao expor
nossa política de boa vizinhança, afirmaria:
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Nossas esperanças voltam-se para os presidentes Pastrana, Caldera, Ibarra, Banzer, Alvarado, Allende, Stroessner, Areco e Lanusse (...). No caso de que algum deles fracasse, estará
entregando-se ante a subversão e abrindo as portas do caos. É para a eventualidade desse
perigo que necessitamos estar sempre preparados. Mais ainda: precisamos ser fortes em
todos os sentidos.55
O zelo brasileiro pela democracia seria demonstrado na controversa Operação Trinta
Horas, que consistiria da intervenção militar brasileira no Uruguai, preparada pelo EstadoMaior das Forças Armadas, caso o grupo guerrilheiro de extrema-esquerda Tupamaros
tentasse impedir a posse do presidente Juan María Bordaberry.56 Foi confirmada em depoimentos como o do brigadeiro Sérgio Luiz Burger, chefe do Estado-Maior da Aeronáutica no governo Médici.57
A política de potência de Médici significou crescimento econômico no plano interno
e melhoria de situação no cenário do poder mundial. O país consolidou-se como liderança
subcontinental, candidatou-se à situação hegemônica no hemisfério Sul e projetou sua
política de poder em direção à África e ao Atlântico Sul. Ao final do governo Médici, o
Brasil desfrutava da “condição de maior potência sul-americana, de primazia entre os
países em desenvolvimento e de oitava economia do mundo capitalista [que] passou a
definir, na visão geopolítica, o perfil do país”.58
No plano econômico, objetivos como a taxa de crescimento do PIB (prevista para 6%
ao ano) foram largamente ultrapassados.59 O período Médici significou a redefinição dos
termos da dependência, porque o ritmo de expansão da economia era mantido com base no
maciço ingresso de capitais estrangeiros. Esta realidade era reconhecida até pelo governante mais poderoso do mundo: em reunião na Casa Branca, em 7 de dezembro de 1971,
entre os presidentes Médici e Nixon, dois temas destacaram-se, segundo afirmação do
presidente norte-americano:
a) O Brasil é aceito como líder do hemisfério Sul, o que põe fim à ficção política americana,
segundo a qual a América Latina constitui um todo de membros iguais; b) o Brasil é reconhecido como aliado principal dos Estados Unidos na América Latina e seu governo será mantido e respeitado quer haja eleições diretas ou não.60
O segundo item da pauta, entretanto, merece mais atenção: primeiro, porque a promessa de manutenção do governo brasileiro, “quer haja eleições diretas ou não”, reconduziu o Brasil a uma condição subalterna em face da superpotência americana, incompatível com sua situação de liderança na América do Sul e, talvez, no hemisfério. Em segundo
lugar, a oratória do norte-americano denunciou uma debilidade estrutural do regime: a
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insuficiência dos mecanismos de legitimação, a qual o confinava a uma situação de autoritarismo. Ao contrário da política de potência, que oscilava entre extremos, ao sabor das
idéias daqueles que se tornavam dominantes, a institucionalização do autoritarismo faziase incremental e sistematicamente orientada para a compressão política, movida pela contingência e, muitas vezes, ao arrepio das vontades e convicções dos governantes.
Médici passou a Geisel um Brasil privilegiadamente situado no plano internacional e
com uma economia expandida e complexa. Cabia ao novo presidente manter o “impulso
que a Revolução vem procurando gerar, para cobrir a área de fronteira entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento”.61 Era o limiar da condição de potência regional da América do Sul, após uma década de avanços, em que “mostrou a Nação ter condições de
realizar política de país grande, com senso de seu próprio valor e consciência de responsabilidade – o habitual preço da grandeza”.62
Geisel: “O Brasil se sente plenamente ocidental,
mas não ao ponto de ser antibrasileiro”
O projeto de potência contido no II PND desde logo evitou o resgate retórico da
experiência dos governos militares e sinalizou descontinuidades importantes, especialmente no que se refere à adoção da estratégia bilateralista.
A estratégia desenvolvida no governo Médici foi superada em pontos sensíveis, em
função de alterações no contexto internacional que se tornaram maduras durante 1973: em
janeiro, os Acordos de Paris, que levaram à retirada das tropas norte-americanas do
Vietnã; entre outubro e novembro, o conflito árabe-israelense, com repercussão no fornecimento de petróleo. Ademais, a desmontagem do colonialismo na África redesenhou-lhe
o perfil político. Enfim, a criação do chamado Grupo dos Não-Alinhados formalizou um
campo político internacional a partir da degradação do sistema bipolarizado pelas superpotências.63 A existência desse novo espaço para as relações de poder entre os Estados
tornou obsoleta a política de potência de Médici, calcada na via diplomática bilateralista.
A fragilidade brasileira no campo energético e o escasso acesso aos centros decisórios
geopolíticos e financeiros evidenciaram a distância entre o Brasil e os países desenvolvidos. O “individualismo típico do período Médici”64 teria de ser substituído por uma aproximação com os países componentes deste novo campo internacional, sem, no entanto,
reeditar o terceiro-mundismo difuso vigente no governo Costa e Silva.
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As fronteiras ideológicas, definidas até 1973, tornaram-se mais fluidas, desaguando
na aproximação econômica e política do governo brasileiro com parceiros até então tratados com reserva. O governo Geisel ultrapassou tradicional fronteira ideológica com o
estabelecimento de relações diplomáticas entre o Brasil e a República Popular da China e
com o reconhecimento pioneiro do governo instituído pelo marxista Movimento pela
Libertação de Angola (MPLA). Esta inflexão colidia com postulados da doutrina do Conselho de Segurança Nacional (CSN), em que preponderavam os chefes das forças militares
e que mais de uma vez se manifestou contrariamente ao rumo imprimido pelo governo às
ações externas. Quando o núcleo governamental decidiu restabelecer laços com a China
Continental, os sete ministros militares opuseram-se; depois, cinco deles, entre os quais o
ministro Frota, foram demovidos desta posição por intervenção pessoal do presidente.65
Após muito tempo, o Itamarati, com o prestígio delegado por Geisel, recuperava o papel de
centro de formulação da política externa e ganhava autonomia frente ao CSN. Este processo não foi marcado só pela disputa, pois, acima dos posicionamentos de cada instituição,
sempre prevaleceu a capacidade de comando presidencial.66
A liderança de Geisel foi notável em quase todas as instâncias de governo, adquirindo particular visibilidade na política exterior. Na primeira reunião do seu Ministério, em 19
de março de 1974, ele desenhou um panorama sombrio para a ação externa brasileira e
disse que as
(...) drásticas mudanças ocorridas no cenário mundial – como a grave crise de energia, a
escassez de alimentos e matérias-primas essenciais, em geral, a do petróleo e seus derivados,
em particular, a instabilidade do sistema monetário internacional, ainda em dolorosa busca de
nova ordenação, a inflação que se generaliza pelo mundo todo a taxas alarmantes, as tensões
políticas e sociais, exacerbadas pelo fermento do apelo irresponsável à violência e que intranqüilizam a vida das nações, num cenário de transição para nova ordem internacional de
contornos ainda indefinidos determinarão sérias repercussões no panorama nacional, sobretudo num ano de intensa atividade política, como este de 1974, em que significativos eventos
ocorrerão na vida nacional.67
A tônica dos primeiros discursos de Geisel era que o Brasil ingressava naquele momento em nova fase, marcada pela maturidade da obra revolucionária. A menção freqüente ao ingresso do país na idade “adulta”68 prenunciava o projeto de potência que pretendia transmutar a dependência, aprofundada no governo Médici, em situação de afirmação
da autonomia nacional. As novas possibilidades do quadro mundial só se materializaram
com os prenúncios da multipolaridade. O pequeno recuo da hegemonia norte-americana
permitia a implementação de dupla linha de expansão dos interesses externos do Estado
brasileiro.
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No plano genérico do quadro de poder mundial, a afirmação de potências nucleares
médias (China, França e Inglaterra), de potências econômicas (Japão e Alemanha) e dos
países árabes proporcionou ao Brasil o estabelecimento de parcerias e acordos bilaterais
que fortaleceram as posições nacionais. E a importância da questão árabe concentrava os
focos da atuação diplomática das superpotências, o que, em interação com outros efeitos
da détente, permitia a afirmação da hegemonia brasileira nos “círculos concêntricos” mais
próximos: as Américas do Sul e Latina.
Logo ao início de seu governo, Geisel explicitou o fundamento autonomista da
“diplomacia do pragmatismo responsável”. Em saudação ao presidente Figueres, da Costa Rica, em 4 de abril de 1974, afirmou que o Brasil não pretendia “de forma nenhuma
predominar, porquanto não aceitamos hegemonias no seio da comunidade das nações”.69
Entre abril e setembro de 1974, foram mantidos encontros em nível presidencial com Bolívia, Costa Rica, Japão, México e Paraguai, dos quais resultaram acordos bilaterais com a
Bolívia, o México e o Paraguai (por exemplo, a instalação da Usina de Itaipu, em solo
paraguaio). De outra parte, os estrategistas de Geisel formularam a projeção do poder
nacional para a África, que,
(...) hodiernamente, interessa muito mais ao Brasil do qualquer outra área do universo. É ali
que passam as principais linhas do tráfego marítimo, essenciais à nossa segurança, entre elas
a chamada “rota do Cabo”. Será ali que teremos que proteger o nosso próprio território.
Ocupada a vertente atlântica da África por uma potência militar hostil, o grau de ameaça que
nos envolverá será permanente.70
O distanciamento das gestões anteriores quanto à questão colonial africana teve de
ser revisto. O Brasil, maior país de língua portuguesa, qualificava-se como porta-voz dos
Estados recém-emancipados para os temas do desenvolvimento e da autodeterminação.
Em contrapartida, o arco de alianças que incorporava Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau
e Moçambique colocava nossa diplomacia numa posição antagônica, ainda que não explicitamente, à da África do Sul. A projeção dos interesses nacionais brasileiros na África
levou a diplomacia do pragmatismo responsável a mover-se em sentido oposto ao dos
Estados Unidos, que se aproximavam da África do Sul.
O pragmatismo responsável tentava conciliar posições como a da política africana,
que conduziam à tensão com os Estados Unidos, com iniciativas conciliadoras como o
“memorando de entendimento” Kissinger-Silveira (de que falaremos adiante), que reconhecia o papel do Brasil na América Latina, sintetizado na frase de efeito do presidente
Nixon: “Para onde se inclinar o Brasil, irá a América Latina”.71 Mas o progresso da relação
entre os dois países exigia muito mais do que frases de efeito e tratativas do Itamarati. À
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postura agressiva dos brasileiros no continente africano somaram-se outras ações de
natureza multilateralista, que resultaram em maior comprometimento das relações com os
nossos “parceiros do norte”. Em vista da crise do petróleo, o Oriente Médio tornou-se
palco de uma política tão ousadamente autônoma quanto a desenvolvida na África. A
intensificação de intercâmbio comercial na delicada área de armamentos foi a pedra de
toque de nossa ofensiva entre os países árabes. O Brasil projetou-se como grande fornecedor de armamentos, “competindo com sucesso com produtos americanos, britânicos,
franceses e alemães ocidentais”.72 Mais uma vez, nossos parceiros no Oriente conflagrado situavam-se à margem do campo de influência norte-americana. O choque foi, por
assim dizer, formalizado quando da votação na ONU da reivindicação palestina por um
Estado nacional: numa manifestação não só de reconhecimento da justiça do pleito palestino como de condenação ao sionismo, o embaixador Sérgio Correa da Costa declarou que
“o voto brasileiro não é, nem poderia ser, em qualquer hipótese, interpretado como hostil
aos judeus ou ao judaísmo. O Brasil reconhece plenamente a valiosa contribuição dada
pelos judeus que, nascidos ou não em nosso país, “vivem em comunidade”.73
A questão nuclear sempre foi um ponto de entrechoque entre as posições brasileiras
e norte-americanas. Em 1953, o presidente do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq),
almirante Álvaro Alberto, já havia entrado em conflito com as autoridades dos Estados
Unidos, na sua tentativa de adquirir ultracentrífugas para o enriquecimento de urânio.74
Na mesma linha autonomista, 15 anos depois, em 1968, o Brasil recusou-se a assinar o
Tratado de Não-Proliferação Nuclear e, em 1971, foi criada a Companhia Brasileira de
Tecnologia Nuclear.75 No ano seguinte, a Westinghouse Electric foi contratada para construir a primeira usina nuclear brasileira, com o compromisso de fornecer suficiente combustível, urânio enriquecido ou yellow cake.76
Em 1973, o governo brasileiro pressionou a empresa a fornecer a tecnologia completa
do processamento do combustível, o que possibilitaria a construção de artefatos bélicos
nucleares. A Westinghouse, obedecendo a determinações do governo norte-americano,
não atendeu a este pedido brasileiro e se limitou a ampliar a oferta de reatores dependentes do combustível que elaborava. Tal restrição, muito mal-recebida pela elite militar, foi
agravada quando a Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos anunciou, ainda
em 1974, a suspensão da garantia de fornecimento de combustível nuclear.77 Neste mesmo
ano, em 12 de julho, o vice-presidente do Atomic Energy Bureau sul-africano, Louw
Alberts, havia anunciado à imprensa de todo o mundo que a África do Sul já dominava o
ciclo atômico para fins bélicos, graças à transferência de tecnologia alemã.78 O governo
brasileiro rompeu prontamente o acordo com a empresa norte-americana e reativou a velha
afinidade com os alemães na questão atômica. Após intenso e secreto processo de negoProj. História, São Paulo, (29) tomo 1, p. 169-196, dez. 2004
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ciações, no qual oficiais da Marinha de Guerra tiveram papel determinante, o Brasil assinou, em 27 de junho de 1975, o Acordo Nuclear com a Alemanha.79 Este movimento autonomista, ao qual viriam se somar outras manifestações de “não-alinhamento” à liderança
dos Estados Unidos, contribuiu para agravar as relações entre os dois países. Embora
nenhuma autoridade governamental houvesse admitido o uso militar da energia nuclear, o
próprio general Geisel deixou entrever esta possibilidade, ao afirmar que o Tratado de
Não-Proliferação
(...) representava uma discriminação. O Brasil não podia ter tecnologia nuclear, mas os
Estados Unidos, a Inglaterra, a França, a Rússia e mais tarde a China podiam? Considerou-se,
para não assinar, o imperativo da soberania do país. O Brasil iria se colocar a priori numa
posição de inferioridade em relação aos outros? Seria acertado? O sentimento nacional pode
aceitar isso? Somos inferiores aos outros? (...) Suponham que o Brasil tenha uma guerra e nos
bombardeiem com a bomba atômica. O Brasil vai abrir mão a priori, de poder revidar? Será
que isso é lógico?80
Essa a lógica que informava as ações da área nuclear no governo Geisel e que se
mantinha íntegra, mais de duas décadas depois, quando o general concedeu a entrevista
aqui parcialmente transcrita. A autonomia nacional requeria o domínio integral do ciclo de
processamento do combustível nuclear, e a satisfação desse requerimento justificava até
o abalo das relações com os Estados Unidos.81
A progressão desses embates, contudo, não ocorreu de maneira linear. Em 21 de
fevereiro de 1976, poucos meses depois da assinatura do acordo nuclear com a Alemanha
Ocidental, o chanceler Azeredo da Silveira conseguiu firmar com o secretário de Estado
norte-americano, Henri Kissinger, um memorando de cooperação brasileiro-americana.82
Este documento, que dispunha sobre um rol de questões, objetivava a criação de uma
dinâmica de mútuas e sucessivas consultas entre as duas chancelarias, de forma a “assegurar que problemas vitais (e não vitais) fossem discutidos rotineiramente, antes que se
avolumassem os mal-entendidos”.83 Tal iniciativa, ao tempo que permitia a amenização de
conflitos com os norte-americanos, servia de contraponto à aproximação diplomática com
os países socialistas africanos. Esta linha de ação surtiu os efeitos esperados durante os
meses finais da gestão republicana de Gerald Ford. Com a eleição do democrata Jimmy
Carter e sua posse, em janeiro de 1977, o memorando perdeu boa parte de sua eficácia, com
a revisão da política externa norte-americana pela nova gestão, que adotou posturas mais
duras em relação à questão nuclear e aos direitos humanos.
O governo Carter atingiu dois temas sensíveis da política interna brasileira. O programa nuclear e as manifestações de autonomia ante os Estados Unidos nos organismos
internacionais foram vistos com dissimulada simpatia por setores da oposição, pois inter190
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pelavam determinado nacionalismo desenvolvimentista muito difundido no pré-64.
Lysâneas Maciel, combativo deputado do MDB da Guanabara, considerou que o “acordo
atômico Brasil-Alemanha representa[va] no momento uma possibilidade de evolução no
setor nuclear brasileiro [pois] se o acordo firmado com a Alemanha significar uma real
transferência de tecnologia isto poderá implicar uma queima de etapas”.84
Geisel conseguira capturar as bandeiras oposicionistas da autonomia nacional e da
aceleração do desenvolvimento. Setores expressivos do MDB viam-se obrigados a reconhecer méritos ou até afinidades inconfessadas na política de potência do governo, mesmo porque esta política contemplava a aproximação com os países socialistas da África e
com a China, numa postura que poderia ser qualificada como de um país “não-alinhado”.
A iniciativa do governo Carter de encampar as acusações da Anistia Internacional aos
governos militares produziu, entre outros, o efeito de aglutinar em torno do governo
brasileiro o apoio de quase todos os setores militares.85 Os mesmos segmentos da oposição que viam avanços na política externa utilizaram as censuras norte-americanas para
combater o regime. No entanto, é razoável supor que isto acabou por fornecer ao governo
maior base de consenso. As pressões contra a política nuclear brasileira e o patrocínio aos
relatórios da Anistia Internacional por parte do Departamento de Estado dos Estados
Unidos não surtiram efeito: ao contrário, foram rechaçados como “ingerência inaceitável
em questões afetas à soberania nacional”.86 Dando conseqüência prática a tal discurso, o
governo brasileiro denunciou, em março de 1977, o Acordo Militar com os Estados Unidos, em vigência desde 1952.87 Segundo o general Geisel, este instrumento havia sido
alterado em seus termos originais, pois, em 1976,
(...) o Senado americano resolveu (...) estabelecer que todo auxílio que o governo americano
prestasse na área militar dependeria de uma prévia apreciação dos direitos humanos no país
interessado. O Senado americano passava a ser juiz para decidir se o Brasil podia ou não
receber os recursos previstos no Acordo Militar. Era uma intromissão dos Estados Unidos
na nossa vida interna, à margem das cláusulas do acordo.88
Ademais, os próprios benefícios do acordo eram discutíveis, pois
(...) o que eles nos mandavam não era o melhor armamento (...). Mandavam aquilo que era
obsoleto para eles, quando já havia coisa muito melhor. Quanto às missões que mantinham
aqui, uma do Exército e uma naval, na realidade elas funcionavam como agência de informações dos Estados Unidos.89
Pesou nesta decisão o fato de que nossa indústria bélica, em franca expansão, poderia suprir, em médio prazo, boa parte das necessidades das Forças Armadas.
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Talvez o acordo não produzisse resultados tão pífios como afirmou o ex-presidente,
mas sua denúncia pelo Brasil exigiu esforços significativos do governo norte-americano
no sentido de sanar o abalo nas relações bilaterais. Em julho de 1977, a primeira-dama dos
Estados Unidos veio ao Brasil em missão diplomática. Não obteve os resultados esperados: o Acordo Militar não foi reativado e a opção nuclear brasileira manteve-se inalterada.
O general Geisel não apreciou a visita de “dona Rosalyn”, que, “sentava, abria o caderno
e apresentava sucessivamente os itens da nossa conversa. Eram itens sobre direitos
humanos, sobre energia nuclear (...). Ela se envolvia em tudo”.90 Em março de 1978, o
próprio Carter viria ao Brasil, com a mesma agenda de recomposição das relações bilaterais, e colheria, a julgar pela avaliação do ex-presidente brasileiro, os mesmos resultados.
Geisel, interpelado se estava disposto a retomar o Acordo Militar, afirmara: “Estou sim,
com uma única condição: que se acabe com a intromissão do Senado americano, fiscalizando o Brasil. Se o senhor acabar com aquilo, faço com muito prazer um novo acordo
militar. O que não posso é fazer um acordo que humilhe meu país”.91
A dureza retórica do então presidente brasileiro espelhava a perspectiva fortemente
autonomista da política externa de sua gestão, cuja marca distintiva foi o não reconhecimento das “fronteiras ideológicas”. O país era projetado no concerto internacional como
potência emergente, que ansiava pela construção de uma órbita própria de alianças, independentemente do poder de delimitação e interdição que detinham as superpotências.
Talvez a mais feliz síntese desta postura tenha sido feita pelo chanceler Azeredo da Silveira, ao declarar: “O Brasil se sente plenamente ocidental, mas não ao ponto de ser antibrasileiro. É por isso que, atualmente, nos organismos internacionais, 90% dos nossos votos
são os mesmos do grupo dos não-alinhados”.92
Recebido em setembro/2004; aprovado em outubro/2004
Notas
*
Professor do Departamento de Antropologia, Política e Filosofia – FCL.Ar.-Unesp.
1
Cf. LIMA FILHO, P. A. A economia política do complexo industrial-militar: o caso do Brasil. Tese
de doutorado em Ciências Sociais apresentada ao Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 1993, pp. 49-50.
2
Cf. SODRÉ, N. W. História militar do Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, p. 142.
3
Cf. O Estado de S. Paulo, 28 nov. 1974.
4
Cf. MARTINS, C. E. Capitalismo de Estado e modelo político no Brasil. Rio de Janeiro, Graal, 1977,
pp. 363-367.
192
Proj. História, São Paulo, (29) tomo 1, p. 169-196, dez. 2004
5
CAVAGANARI, G. L. “Autonomia militar e construção da potência”. In: RIZZO, E. et al. As Forças
Armadas no Brasil. Rio de Janeiro, Espaço Tempo, 1987, pp. 57-58.
6
Cf. CORREA, M. S. 1964 visto e comentado pela Casa Branca. Porto Alegre, L&PM, 1977, pp. 1518.
7
Cf. DUTRA, E. Ibad: sigla da corrupção. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1963, p. 52;
DREIFUSS, R. A. 1964: a conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis,
Vozes, 1981, p. 235.
8
Cf. CORREA, op. cit., p. 18.
9
Cf. BRASIL. Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica. Programa de Ação Econômica
do Governo 1964-1966. Brasília, 1965, p. 49 (Documentos do Escritório de Pesquisa Econômica
Aplicada, 1).
10
Cf. MARTINS, op. cit., p. 372.
11
Cf. SKIDMORE, T. E. Brasil: de Castelo a Tancredo (1965-1985). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988,
p. 397.
12
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. A política da revolução brasileira. Brasília, 1966.
(documento xerocopiado).
13
Cf. MIYAMOTO, S. A política externa brasileira e o regime militar: 1964-1984. Campinas, IFCH/
Unicamp, 1991, pp. 20-21.
14
Apud MARTINS, op. cit., p. 378.
15
Apud id., ibid.
16
Cf. MATTOS, C. M. A geopolítica e as projeções do poder. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército
Editora, 1977, p. 120.
17
Cf. LOBO, H. O pan-americanismo e o Brasil. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1939, pp. 143-144
(Coleção Brasiliana, 169).
18
CUNHA, V. L. Discurso de saudação ao chanceler equatoriano Gonzalo Escudero em 19 de maio
de 1965. Brasília, 1965 (documento xerocopiado).
19
Cf. MARX, K. O 18 brumário e cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1969, p. 17.
20
Cf. MARTINS, op. cit., p. 384.
21
LOHBAUER, C. Os desafios para a inserção internacional do Brasil: passado, presente e futuro.
Cadernos Adenauer. São Paulo, Fundação Konrad Adenauer, n. 2, p. 88, 2000 (O Brasil no cenário
internacional).
22
FIORI, J. L. O vôo da coruja: uma leitura não-liberal da crise do Estado desenvolvimentista. Rio de
Janeiro, Editora da Uerj, 1995, p. 104.
23
Apud SILVA, H. e CARNEIRO, M. C. R. Os presidentes: Castelo Branco – a tomada do poder. São
Paulo, Grupo Comunicação Três, 1983, p. 136.
24
Cf. FIECHTER, G. A. O regime modernizador do Brasil, 1964/1972: estudos sobre as interações
político-econômicas em um regime militar contemporâneo. Rio de Janeiro, Editora da FGV, 1974,
p. 179.
25
Cf. SKIDMORE, op. cit., p. 138.
Proj. História, São Paulo, (29) tomo 1, p. 169-196, dez. 2004
193
26
Cf. SILVA, G. C. Conjuntura política nacional: o poder executivo & Geopolítica do Brasil. Rio de
Janeiro, J. Olympio, 1981, p. 247.
27
SILVA, A. Costa Discurso no Palácio Itamaraty em 5 de abril de 1967. Brasília, Secretaria de
Imprensa da Presidência da República, 1967 (documento xerocopiado).
28
Id., ibid.
29
Cf. MARTINS, op. cit., p. 388.
30
Apud MARTINS, op. cit., p. 390.
31
Apud id., ibid., p. 392.
32
Apud id., ibid., p. 393.
33
Cf. MARTINS, op. cit., p. 392.
34
Cf. Jornal do Brasil, 12 abr. 1968.
35
CODATO, A. N. O golpe de 1964 e o regime de 1968: aspectos conjunturais e variáveis históricas.
Trabalho apresentado no Simpósio Internacional “40 anos do golpe de 64: Novos diálogos, novas
perspectivas”, p. 3, 14 jun., 2004.
36
Cf. BELTRÃO, H. Uma nova estratégia para o desenvolvimento nacional. Problemas Brasileiros.
São Paulo, Sesc/Senac, n. 6/67, p. 42, out., 1968.
37
Jornal do Brasil, 24 mar. 1968.
38
GOMES, L. M. G. Cronologia do 1° ano do governo Costa e Silva. Dados. Rio de Janeiro, Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, v. 4, p. 161, 1968.
39
Apud CHAGAS, C. A guerra das estrelas (1964/1984): os bastidores das sucessões presidenciais.
Porto Alegre, L&PM, 1985, p. 199.
40
Apud id., ibid., p. 200.
41
CHAGAS, op. cit., p. 201.
42
Cf. id., ibid., p. 199.
43
Cf. BRASIL. Presidência da República. Metas e bases para a ação de governo. Brasília, set. 1970,
p. 4.
44
Id., ibid., p. 5.
45
MARTINS, op. cit., p. 401.
46
CARLOS, N. Silveirinha, o pragmático. Opinião. Rio de Janeiro, Inúbia, n. 89, p. 15, 1 ago., 1974.
47
Cf. MARTINS, op. cit., pp. 406-7.
48
BRASIL. Presidência da República. I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND): 1972/74. Brasília,
dez. 1971, p. 14.
49
Cf. CASTRO, A. Revista Segurança e Desenvolvimento. Rio de Janeiro, Associação dos Diplomados
da Escola Superior de Guerra, n. 32, 1971.
50
Cf. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Relatório 1972. Brasília, 1972.
51
BRASIL, op. cit., s.p.
194
Proj. História, São Paulo, (29) tomo 1, p. 169-196, dez. 2004
52
FERREIRA, O. S. Política externa a serviço de uma idéia messiânica. O Estado de S. Paulo. São
Paulo, 31 mar. 1974, p. 3.
53
MIYAMOTO, op. cit., p. 37.
54
Apud FIECHTER, op. cit., p. 268.
55
Apud SCHILLING, P. R. O expansionismo brasileiro. Rio de Janeiro, Global, 1981, p. 79.
56
Cf. SCHILLING, op. cit.
57
Cf. CONTREIRAS, H. Militares: confissões (histórias secretas do Brasil). Rio de Janeiro, Editora
Mauad, 1998, p. 98.
58
CAVAGANARI, op. cit, p. 77.
59
Cf. LAGO, L. A. C. “A retomada do crescimento e as distorções do ‘milagre’”. In: ABREU, M. R.
(org.). A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana, 1889-1989. Rio de
Janeiro, Campus, 1997, p. 293.
60
FIECHTER, op. cit., p. 268.
61
BRASIL. Presidência da República. Ernesto Geisel: discursos. Vol. I. Brasília, 1975, p. 15.
62
Id., ibid., p. 23.
63
Cf. MIYAMOTO, S. e GONÇALVES, W. S. A política externa brasileira e o regime militar: 19641984. Primeira Versão. Campinas, IFCH/Unicamp, n. 38, p. 42, 1991.
64
MIYAMOTO e GONÇALVES, op. cit., p. 43.
65
Cf. GOÉS, W. O Brasil do general Geisel: estudo do processo de tomada de decisão no regime
militar burocrático. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1978, p. 32.
66
Cf. id., ibid., pp. 38-9.
67
BRASIL, op. cit., p. 36.
68
Cf. BRASIL, op. cit., pp. 15, 21, 37.
69
BRASIL, op. cit., p. 68.
70
MATTOS, C. M. Brasil: geopolítica e destino. Rio de Janeiro, José Olympio, 1975, p. 75.
71
Apud LIMA, M. R. S. e MOURA, G. A trajetória do pragmatismo: uma análise da política externa.
Dados. Rio de Janeiro, Instituto Universitário do Rio de Janeiro/Campus, v. 25, n. 3, p. 353, 1982.
72
MCCANN, F. A nação armada. Rio de Janeiro, Vozes, 1982, p. 214.
73
O Estado de S. Paulo, 11 nov. 1975.
74
Cf. ROSA. L. P. A evolução da política nuclear brasileira. Encontros com a Civilização Brasileira. Rio
de Janeiro, Civilização Brasileira, n. 7, p. 29, jan. 1979.
75
Cf. id., ibid.
76
Cf. SKIDMORE, op. cit., pp. 377-378.
77
Cf. FÜLGRAFF, F. A bomba pacífica: o Brasil e a corrida nuclear. São Paulo, Brasiliense, 1988,
p. 67.
78
O Estado de S. Paulo, 11 mai. 1976.
Proj. História, São Paulo, (29) tomo 1, p. 169-196, dez. 2004
195
79
Cf. FÜLGRAFF, op. cit., p. 57.
80
Apud D’ARAÚJO, M. C. C. e CASTRO, C. (orgs.). Ernesto Geisel. Rio de Janeiro, Editora da FGV,
1997, pp. 340-341.
81
Cf. TEMPESTINI, P. As relações militares Brasil-Estados-Unidos: do confronto à cooperação.
Tese de doutorado apresentada ao Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.
82
Cf. O Estado de S. Paulo, 28 fev. 1976.
83
SKIDMORE, op. cit., p. 381.
84
Opinião, 18 jul. 1975.
85
Cf. SKIDMORE, op. cit., p. 383.
86
LIMA e MOURA, op. cit., p. 354.
87
Cf. BANDEIRA, M. Estado nacional e política internacional na América Latina: o continente nas
relações Argentina–Brasil (1930-1992). São Paulo, Ensaio, 1993, p. 258.
88
Apud D’ARAÚJO e CASTRO (orgs.), op. cit., p. 350.
89
Apud id., ibid.
90
Apud id., ibid., p. 351.
91
Apud id., ibid., p. 352.
92
Opinião, 31 out. 1975.
196
Proj. História, São Paulo, (29) tomo 1, p. 169-196, dez. 2004