Quim. Nova, Vol. 33, No. 3, 680-693, 2010
Revisão
FULERENO[C60]: QUÍMICA E APLICAÇÕES
Leandro José dos Santos, Guilherme Pereira Rocha, Rosemeire Brondi Alves e Rossimiriam Pereira de Freitas*
Departamento de Química, Universidade Federal de Minas Gerais, 31270-901 Belo Horizonte - MG, Brasil
Recebido em 7/5/09; aceito em 22/9/09; publicado na web em 25/2/10
FULLERENE C60: CHEMISTRY AND APPLICATIONS. Fullerene chemistry has become a very active research field in the two last
decades, largely because of the exceptional properties of the C60 molecule and the variety of fullerene derivatives that appear to be
possible. In this review, a general analysis of fullerene C60 reactivity is performed. The principal methods for the covalent modification
of this fascinating carbon cage are presented. The prospects of using fullerene derivatives as medicinal drugs and photoactive materials
in light converting devices are demonstrated.
Keywords: fullerene C60; nanomaterials; carbon allotropes.
INTRODUÇÃO
Os fulerenos constituem uma classe de nanomoléculas esferoidais estáveis formadas exclusivamente por átomos de carbono. Ao
contrário das outras formas alotrópicas de carbono, como grafite,
diamante e nanotubos, os fulerenos são uma forma molecular de
carbono. Até hoje, oito fulerenos estáveis já foram isolados em
quantidades significativas, sendo os mesmos denominados [60-Ih],
[70-D5h], [76-D2], [78-D3], [78-C2v(I)], [78-C2v(II)], [84-D2(IV)] e
[84-D2d(II)] em função do número de carbonos que os formam, do
grupo pontual de simetria da molécula e do número do possível
regioisômero.1 Dentre estes fulerenos, a molécula de simetria
Ih formada por 60 átomos de carbono, o buckminsterfulereno,
fulereno[C60] ou simplesmente C60 é, sem dúvida, o mais abundante
e representativo. O C60 tem a estrutura de um icosaedro truncado não
regular de 32 faces (20 hexágonos e 12 pentágonos) com 30 ligações
carbono-carbono situadas nos vértices das fusões entre pentágonos
e hexágonos. As ligações entre os anéis de seis membros [6-6] têm
características de ligações π e são mais curtas (1,38 Å) do que as
ligações [6-5] entre os anéis de seis e cinco membros (1,45 Å) que
são melhores descritas como ligações simples (Figura1).
Figura 1. Estrutura do [60-Ih]fulereno, o mais representativo dos fulerenos
Este artigo de revisão teve o objetivo de sistematizar as principais informações relacionadas à reatividade singular desta forma
de carbono e aos principais métodos até então desenvolvidos para a
funcionalização química do fulereno[C60] bem como exemplificar a
grande e versátil gama de aplicações encontradas até hoje para esta
nanomolécula e seus derivados quimicamente modificados.
*e-mail:
[email protected]
HISTÓRICO, MÉTODOS DE OBTENÇÃO E
PURIFICAÇÃO
Embora desde 1966 cálculos teóricos demonstrassem a possibilidade da existência de “gaiolas” estáveis formadas exclusivamente
por átomos de carbono,2 somente em 1985 um experimento realizado
por Kroto et al. comprovou experimentalmente a existência de tais
compostos.3 Nesse experimento, uma placa de grafite foi submetida a
um laser pulsado de alta frequência e os agregados gerados no plasma
foram analisados por espectrometria de massas. O experimento mostrou a formação de moléculas grandes constituídas exclusivamente
por átomos de carbono, com fórmula Cn onde n= 30-190, sendo C60
e C70 os mais abundantes. Sob condições específicas para a formação
destes agregados, o espectro de massas apresentou o pico do C60 como
principal. Esta molécula, excepcionalmente estável e simétrica, foi
chamada pelos pesquisadores de fullerene em homenagem ao arquiteto
americano B. Fuller, responsável pela invenção dos domos geodésicos, forma arquitetônica que segue o mesmo princípio de simetria e
estabilidade. Sir H. W. Kroto, R. F. Curl e R. E. Smalley procuravam,
neste experimento, mimetizar condições interestelares para comprovar
a existência de grandes e excepcionais cadeias de carbono no espaço e
não suspeitavam que, graças a sua descoberta, seriam agraciados com
o Nobel de Química alguns anos mais tarde, em 1996.
A descoberta destas espécies moleculares de carbono excitou
profundamente a comunidade científica. Entretanto, somente em 1990,
R. Taylor, um especialista em cromatografia, foi capaz de obter pela
primeira vez4 amostras puras de C60 e C70 em quantidades mínimas, mas
suficiente para começar a exploração de suas propriedades químicas e
espectroscópicas. No mesmo ano, o desenvolvimento por Krätschmer et
al.5 de um método para a síntese de C60 em quantidades “macroscópicas”
representou uma etapa decisiva para a área que se tornou, nos últimos 20
anos, um tema maior da química contemporânea com reflexos importantes nas áreas de supercondutividade, biologia e ciência dos materiais.
O método desenvolvido por Krätschmer et al. consiste na aplicação de um arco voltaico entre tubos de grafite de alta pureza em uma
atmosfera de hélio a uma pressão de 100-200 Torr. A temperatura
necessária para a formação dos fulerenos é cerca de 2000 oC. O
rendimento do fulereno[C60] na fuligem produzida pelo processo é
de cerca de 5%. Este método permite a obtenção de gramas de C60 e
produz, ainda, C70 e fulerenos superiores (o total de fulerenos produzido é cerca de 10-15%). Obviamente, foi necessária a descoberta de
métodos eficientes para a extração e purificação do C60 e dos fulerenos
superiores da fuligem formada, como mostrado na Figura 2.4
Vol. 33, No. 3
Fulereno[C60]: química e aplicações
681
Figura 2. Protocolo para separação e purificação de fulerenos
Além do método de Krätschmer et al. para obtenção de fulerenos, outros métodos menos usuais são descritos na literatura, com
destaque para aqueles representados pela combustão do benzeno
em uma atmosfera deficiente de oxigênio6 e pela condensação de
hidrocarbonetos aromáticos policíclicos por desidrogenação ou
desidro-halogenação.7
Propriedades físico-químicas
Desde a disponibilização macroscópica do C60 pelo método de
Krätschmer et al., as propriedades físicas desta fascinante forma
alotrópica de carbono têm sido intensamente investigadas. Entre as
descobertas mais surpreendentes, sabe-se que a molécula de C60, embora rica em elétrons, se comporta como uma espécie eletronegativa
capaz de aceitar reversivelmente de um até seis elétrons, formando os
ânions correspondentes.8 Isto foi comprovado por cálculos teóricos,
sendo que o caráter eletrônico deficitário do C60 foi atribuído aos
orbitais moleculares LUMO não-ligantes, que estão num patamar de
energia muito baixo. Outra propriedade interessante é que a molécula
de C60 pode se tornar supracondutora em espécies do tipo M3C60 (M=
metal alcalino)9 além de possuir propriedades ópticas não lineares10 e
um estado tripleto de longa duração.11 Muitas das propriedades do C60
estão relacionadas com sua elevada simetria, na qual os 60 átomos
de carbono são equivalentes, resultando em um espectro de RMN
de 13C com um único sinal em 142,68 ppm (Figura 3).2 O espectro
eletrônico de absorção do C60 é caracterizado por várias absorções
fortes entre 190 e 410 nm, bem como por algumas transições proibidas
na parte visível do espectro, entre 410 e 620 nm, sendo essas últimas
responsáveis pela cor púrpura intensa do C60 em solução (Figura 3).2
Desde a sua descoberta, um dos principais problemas relacionados à molécula de C60 é a sua baixa solubilidade em solventes
usuais, sendo essencialmente insolúvel em solventes polares, como
mostrado na Tabela 1.
A difícil manipulação da molécula de C60 devido à sua baixa
solubilidade foi, desde sua descoberta, um sério obstáculo para sua
aplicação prática. Este obstáculo tem sido superado, nos últimos anos,
seguindo duas vertentes principais de pesquisa: a modificação química
da superfície da esfera de carbono para obtenção de fulerenos funcionalizados covalentemente13 e a complexação do C60 ou derivados
com moléculas como ciclodextrinas14 e calixarenos,15 dentre outras.
A maioria dos trabalhos da literatura consiste na síntese de derivados
covalentemente modificados, com o objetivo de se produzir novos
Figura 3. a) Espectro eletrônico de absorção do C60 em hexano e b) espectro
de RMN de 13C do C60
Tabela 1. Solubilidade do C60 em vários solventes12
Solvente
Metanol
THF
Acetona
Hexano
Clorofórmio
Diclorometano
* (mg mL-1)
Solubilidade*
0,000
0,000
0,001
0,043
0,160
0,260
Solvente
Benzeno
Tolueno
CS2
Clorobenzeno
1,2-Diclorobenzeno
1-Cloronaftaleno
Solubilidade*
1,7
2,8
7,9
7,0
27,0
51,0
compostos com solubilidade adequada e/ou propriedades intrínsecas.
Assim, nesta parte da revisão se enfatizarão os principais tipos de
reação usados para a obtenção de fulerenos exoédricos modificados.
REATIVIDADE QUÍMICA DO C60
A molécula de C60 possui seis subunidades, denominadas piracelênicas, constituídas por dois pentágonos e dois hexágonos,
sendo que é nesta parte da molécula que ocorrem as reações,
geralmente na posição 1,2 (Figura 4). A maioria dos autores considera a molécula do C60 como não sendo aromática e, por isso,
não apresenta reatividade típica de arenos.16 A não aromaticidade
dos anéis de seis membros é resultado do desvio substancial do
ângulo de 120o esperado para os carbonos sp2, que estão consideravelmente “piramidalizados”,17 o que faz com que não possa existir
uma superfície totalmente planar com possibilidade de circulação
de elétrons. A tensão associada à piramidalização dos átomos é a
razão da alta reatividade do C60 quando comparado a outras formas
de carbono, uma vez que ao reagirem, estes átomos passam a ser
sp3. Como já citado, as ligações [6-6] duplas são mais curtas do
que as ligações [6-5] simples na molécula. Na verdade os anéis
de seis membros se parecem com o ciclo-hexatrieno com duplas
localizadas e os anéis de cinco são topologicamente relacionados
com o [5]-radialeno.
682
dos Santos et al.
Quim. Nova
duplas endocíclicas no anel de cinco membros (a e b) nos isômeros
1,4; 1,6 e 1,16 faz com que estes sejam energeticamente desfavoráveis
em relação ao isômero 1,2.2,17
Figura 4. Fulereno[C60] e seus fragmentos estruturais: a) unidade piracelênica; b) ciclo-hexatrieno e c) [5]-radialeno
A já citada habilidade do fulereno em aceitar elétrons faz com
que a molécula se comporte quimicamente como uma olefina eletrodeficiente e praticamente toda a química de fulerenos é baseada
nesta importante característica. Assim, o fulereno reage facilmente
com nucleófilos em reações de adição, mas não sofre reações de
adição eletrofílica típicas de alcenos simples (Esquema 1). Ainda,
reações envolvendo espécies radicalares são comuns (Esquema 1).
A molécula de C60 pode sofrer ainda várias reações de cicloadição.
A cicloadição [4+2] foi um dos primeiros tipos de reação descoberta
para este material carbonoso (Esquema 1), mas vários outros tipos
têm sido relatados até os dias atuais.2
Esquema 2. Possíveis isômeros formados nas reações de adição ao C60
As reações de adição são normalmente exotérmicas e favorecidas
pela diminuição da tensão na molécula de C60.13 Considerando a variedade de espécies nucleofílicas existentes, este é um método muito
utilizado na funcionalização do C60. A seguir, serão apresentados
alguns exemplos importantes de adição nucleofílica ao C60.
Ciclopropanação
Uma das metodologias mais utilizadas para a obtenção de fulerenos exoédricos, via adição nucleofílica, é a reação do C60 com
compostos contendo metileno ativo na presença de base (Esquema
3).17 Nesta reação o produto é formado seletivamente na posição 1,2
entre os anéis de seis membros.19 O mecanismo desta reação envolve a
formação do carbânion 1, promovida pela base, com posterior ataque
ao carbono da dupla piracelênica seguido de uma SNi para formação
do monoaduto 2.19,20
Esquema 1. Principais tipos de reações envolvendo o C60
Além das reações de adição nucleofílica e radicalar e das cicloadições, hidrogenações, reduções, oxidações e obtenção de complexos
com metais de transição são bastante usuais.18 Nesta parte da revisão
serão enfatizadas as reações de adição nucleofílica e cicloadições mais
utilizadas para funcionalização da molécula de C60.
Reações de adição nucleofílica
O fulereno[C60] reage com uma grande variedade de nucleófilos,
incluindo carbânions, compostos fosforados, nitrogenados e oxigenados, dentre outros. Após o ataque inicial do nucleófilo é formado
um intermediário NunC60n- que pode ser estabilizado por: a) adição
de eletrófilos E+, formando o produto genérico C60EnNun; b) adição
de eletrófilos neutros; c) reação SNi ou reação de adição interna, fornecendo metanofulerenos e ciclo-hexenofulerenos ou, d) reação de
oxidação para formação de C60Nu2. Por possuir um grande número
de ligações duplas reativas, o C60 possibilita a formação de diferentes
produtos de adição. Apesar de vários isômeros serem possíveis na
adição, são formados preferencialmente os de adição 1,2. A combinação de fatores estéricos dos grupos adicionados faz com que, em
alguns casos, possam ser obtidos preferencialmente os produtos de
adição 1,4 ou 1,6 e 1,16 (Esquema 2), mas o aparecimento de ligações
Esquema 3. Ciclopropanação do C60
Este tipo de ciclopropanação do C60, relatado pela primeira vez
na década de 90, ficou conhecido como reação de Bingel.21 Este autor
utilizou bromomalonato de dietila (3), NaH como base e tolueno
como solvente, obtendo o monoaduto 4 com 45% de rendimento
(Esquema 4).
Esquema 4. Ciclopropanação descrita por Bingel (1993)
A metodologia de funcionalização do C60 descrita por Bingel,
em 1993, foi modificada ao longo dos anos pelo uso de diferentes
Fulereno[C60]: química e aplicações
Vol. 33, No. 3
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substratos contendo metileno ativo (ao invés de α-haloésteres),22-24
iodo molecular (ou CBr4)25 e o uso de outras bases como DBU,26
LDA,27 NEt3 e piridina,28 além de Na2CO3.29 A Tabela 2 apresenta
alguns exemplos de reação usando esta metodologia.
Tabela 2. Exemplos de reações de compostos contendo metileno ativo com o C60
Reagente
Condições
Produto
Rdt. (%) Ref.
Na2CO3, HSVM, t.a.,
30 min
51
29
DBU, I2, tolueno,
t.a., 2 h
53
23
Tolueno, t.a., 18 h
53
24
CBr4, DBU, tolueno,
t.a., 6 h
65
25
Esquema 5. Formação de bis e tris-adutos
Tolueno, de -78 ºC a
t.a., LDA, 3 h
15
27
NEt3, o-DCB, t.a.,
durante a noite
19
28
De forma geral, nas reações para formação de monoadutos, é
possível obter ainda bis e tris-adutos por meio de reações sequenciais. O C60 monofuncionalizado tem nove ligações duplas distintas
entre os hexágonos, que podem reagir em uma segunda adição e
formar até nove regioisômeros, conforme representado na Figura
5. Para compostos que possuem dois grupos idênticos a serem
adicionados, o número de regioisômeros diminui para oito, sendo
que neste caso os adutos nas posições equatoriais e’ e e’’ serão
idênticos. Para a formação de tris-adutos são esperados um total
de 46 regioisômeros.13,30
Uma metodologia eficiente para a preparação regiosseletiva
de múltiplos adutos do C60 foi introduzida por Diederich et al., em
1994, e baseia-se na direta funcionalização do C60 por compostos
que possuem dois ou mais grupos reativos na mesma molécula. Esta
seletividade está diretamente relacionada com o espaçamento entre os
grupos reativos da molécula que vai reagir com o C60 (Figura 6).30-32
Figura 6. Dependência do espaçamento entre os GR com a regiosseletividade
Figura 5. Notações usuais para os possíveis bis-adutos do C60
Bis e tris-adutos foram isolados pela primeira vez em 1994 por
Hirsh et al. (Esquema 5).20 Os bis-adutos foram sintetizados a partir
do monoaduto 4 usando o protocolo de Bingel, sendo isolados por
HPLC sete dos oito regioisômeros possíveis. O isômero cis-1 não
foi detectado, possivelmente devido a fatores estéricos. A partir dos
regioisômeros 15 e 17, foram obtidos ainda os tris-adutos 16 e 18
(Esquema 5).
Utilizando esta metodologia Nierengarten et al. descreveram
a obtenção regiosseletiva de bis-adutos a partir da reação de bis/βcetoésteres com o C60, utilizando-se I2, DBU como base e tolueno
como solvente (Esquema 6).33 A bis-funcionalização foi altamente
regiosseletiva, obtendo-se apenas um dos possíveis isômeros, em
cada caso.
Além de bis34 e tris-adutos35 podem ser obtidos múltiplos adutos
do C60 como, por exemplo, hexaquis adutos. Embora seja considerado um desafio, diversos grupos de pesquisa têm obtido êxito
na síntese desses derivados.36 Por exemplo, recentemente, Li et al.
relataram um método eficiente para a obtenção de hexaquis adutos
do C60 com bons rendimentos.37 Neste método são utilizados um
grande excesso de CBr4 (100 eq.), DBU (10 eq.), o malonato 23
(10 eq.) e o-diclorobenzeno como solvente, conforme apresentado
no Esquema 7.
684
dos Santos et al.
Quim. Nova
Tabela 3. Exemplos de adições de organometálicos ao C60
Reagente
Adição de organometálicos
Uma das primeiras reações envolvendo o C60 e organometálicos
foi relatada em 1994 por Komatsu et al..38 Os compostos organolítios
25 e 26 (Esquema 8) foram adicionados ao C60 fornecendo, após
elaboração com TFA, os monoadutos correspondentes 27 e 28 com
45 e 33% de rendimento, respectivamente. A obtenção destes monoadutos foi altamente dependente das condições de reação como, por
exemplo, eficiência da agitação, ausência de oxigênio e umidade na
mistura de reação.
Esquema 8. Funcionalização do C60 com organolítio
Além da adição de organolítio,39,40 também são relatadas a adição
ao C60 de compostos organomagnésio41,42 e organozinco43 para a formação do correspondente ânion RC60- como intermediário da reação,
que pode ser protonado ou alquilado.44 Estas adições podem ser
realizadas pela geração in situ do organometálico45,46 ou diretamente
pela adição de um reagente organometálico comercial. A Tabela 3
apresenta alguns exemplos destas adições ao C60.
Além destes organometálicos, também são relatados exemplos
de múltiplas adições de compostos organocobre ao C60,47 sendo que
uma discussão detalhada destas reações e de sua seletividade pode
ser encontrada na revisão escrita por Matsuo e Nakamura.44
Adição de outros nucleófilos
Outros nucleófílos também têm sido adicionados ao C60, sendo que
R
Rdt. (%) Ref.
THF, t.a., <
5 min
41
40
THF, t.a., 5 h
73
41
53
42
9
43
o-DCB, t.a.,
30 min*
52
45
THF, t.a.,
1h*
42
46
o-DCB,
DMSO, 25
ºC, 15 min
DMF, 35 ºC,
30 min*
Esquema 6. Bis-funcionalização regiosseletiva do C60
Esquema 7. Hexaquis-aduto do C60
Condições
* reagentes organometálicos preparados in situ
Tabela 4. Adição de outros nucleófilos ao C60
Reagente
Condições
Produto
Rdt. (%) Ref.
o-DCB, DMF, t.a. 3 min;
brometo 4-t-butilbenzila 70
ºC, 15 min
11
48
Titulação espectrofotométrica
com
Bu4NOH em PhCN e atm. de
Ar a t.a.
-
49
Bu4NOH, benzeno, t.a., 10 h
89-92
51
Refluxo de tolueno, 2 h
16
Tolueno, -78 ºC, atm Ar, 30
min;
EtOH, de -78 ºC para t.a.
52
M= Si,
78
53
M= Ge,
76
dentre eles podem ser citados o cianeto,48 hidróxidos e alcóxidos,49-51
nucleófilos fosforados,52 silíl-lítios e germanolítios53 (Tabela 4).
Adição de aminas
Uma das primeiras reações investigadas de adição ao C60 foi a
que envolvia aminas alifáticas.54 Embora nestas reações os produtos
de adição 1,2 e 1,4 sejam formados majoritariamente, normalmente
Vol. 33, No. 3
Fulereno[C60]: química e aplicações
685
são obtidas misturas complexas de isômeros, o que faz com que a
adição de aminas primárias diretamente ao C60 seja pouco explorada
como método de funcionalização. Entretanto, alguns trabalhos com
aminas secundárias e terciárias têm se destacado nos últimos anos.54
Evidências experimentais sugerem que o mecanismo envolvido
nestas adições passa por um intermediário aniônico ou radicalar e o
favorecimento de um processo sobre o outro depende do derivado
aminado utilizado e das condições de reação (Esquema 9).55
Esquema 11. Alguns métodos de obtenção de o-quinodimetano
diferentes métodos como, por exemplo, eliminação redutiva 1,4 a partir
de derivados do α,α’-dibromo-o-xilenos, pela termólise de derivados do
benzociclobutano, eliminação térmica de dióxido de enxofre a partir dos
correspondentes sulfinatos cíclicos ou sulfonas e através da eliminação de
dióxido de carbono a partir dos derivados de lactonas (Esquema 11).58,59
A cicloadição [4+2] destaca-se como um dos métodos mais
utilizados para a funcionalização do C60. Alguns exemplos são apresentados na Tabela 5.
Tabela 5. Cicloadição [4+2] ao C60 usando diferentes dienos
Esquema 9. Adição de aminas alifáticas ao C60
Além das aminas, outras adições ao C60 ocorrem provavelmente
via mecanismo radicalar56 levando à formação de polímeros e outros
materiais com importância tecnológica.2
Reações de cicloadição
O C60 participa de diversas reações de cicloadições, incluindo
reações do tipo [2+1], [2+2], [3+2], [4+2], [6+2] e [8+2].57 Dentre
estas, as que merecem maior atenção são as cicloadições [3+2] com
1,3-dipolos e a cicloadição [4+2] com dienos. Nestas cicloadições,
além de monoadutos também podem ser formados adutos múltiplos por
meio de reações sequenciais ou seletivamente pelo uso de espaçadores,
da mesma forma que nas reações de ciclopropanações citadas anteriormente. Uma abordagem mais detalhada da formação destes múltiplos
adutos pode ser encontrada em alguns artigos de revisão.17,31,58,59
Cicloadição [4+2]
A cicloadição [4+2] envolve a reação regiosseletiva de dienos
com a ligação central [6,6] da unidade piracelênica do C60, sendo a
reação extremamente dependente da reatividade do dieno.2 Uma das
primeiras cicloadições [4+2] ao C60 foi descrita por Schlueter et al..60
Nesta reação foi usado o antraceno como dieno e a reação permaneceu
sob refluxo de tolueno durante 3 dias. O monoaduto 53 (Esquema
10), termicamente instável, foi obtido com 13% de rendimento. Para
otimizar esta cicloadição, De la Cruz et al. utilizaram a irradiação
por micro-ondas (IMO) obtendo após 15 min o monoaduto 53, com
35% de rendimento.61
Os dienos utilizados nestas cicloadições variam desde os mais simples até os mais complexos e estas reações podem ser realizadas com
diferentes fontes de energia. Dentre os dienos utilizados destacam-se
os derivados do o-quinodimetano 54 (Esquema 11), gerados in situ por
Esquema 10. Primeira cicloadição [4+2] ao C60
Reagente
Condições
KI, éter 18-coroa-6, refluxo
de tolueno,
atm. de N2 em tubo selado,
2h
Produto
Rdt (%)Ref.
36
62
PhCl, 110 ºC, 48 h
51
63
Benzeno, hv, t.a., 6 h
15
64
Benzeno, hv, t.a., 30 min
18
65
Refluxo de 1,2,4-triclorobenzeno, 3 h
56
66
Tolueno, 120 ºC, 40 min
48
67
Cicloadição [3+2]
Nestas reações o C60 se comporta como dipolarófilo reagindo com
diversos 1,3-dipolos como, por exemplo, azidas (a), óxidos de nitrila
(b), iminonitrilas (c), diazocompostos (d) e ilídeos de azometina (e),
de nitrila (f) e de carbonila (g) (Esquema 12).68
Os 1,3-dipolos mais usados na cicloadição ao C60 para sua funcionalização são os derivados de azidas (a) e ilídeo de azometina (e).
Adição de azidas
A reação de azidas orgânicas com a ligação dupla [6,6] da esfera
686
dos Santos et al.
Quim. Nova
como, por exemplo, irradiações na região do UV, das micro-ondas
e do ultrassom.
Tabela 6. Cicloadição [3+2] ao C60 usando azidas orgânicas como 1,3-dipolos
R
Refluxo PhCl, atm. N2, 24 h
Esquema 12. 1,3-dipolos usados na cicloadição 1,3-dipolar ao C60
do C60 leva à formação de triazolinas 68 (Esquema 13). Estes intermediários podem ser clivados termicamente ou fotoquimicamente para
formar o aduto [5,6] (azafuleroide) e/ou o aduto [6,6] (aziridinofulereno), sendo o aduto [5,6] geralmente obtido de forma majoritária.
O aduto [5,6] pode ainda ser convertido no aduto [6,6] por clivagem
térmica ou fotoquímica (Esquema 13).2,69
N
C60 + RN3
N
NR
∆
N
∆
- N2
68
R
Condições
N
R
+
[6,6] minoritário
[5,6] majoritário
aquecimento
ou hv
Rdt (%)
Produto
[5,6]
[6,6]
Ref.
36
-
76
-
12
77
Refluxo PhCl, atm. N2, 10 h
28
-
78
IMO (700 W), 20 min
21
-
79
o-DCB, 180 ºC, 4 h
-
20
80
Ultrassom, benzeno, t.a., 2
dias
6
-
81
Refluxo de tolueno, 48 h
Esquema 13. Obtenção de azafuleroide e aziridinofulereno
O primeiro exemplo de cicloadição de azidas orgânicas ao C60
foi descrito por Prato et al. em 1993.70 Nestas reações foram usadas
quantidades equimolares de silil ou benzil azidas que reagiram com
o C60, sob refluxo de clorobenzeno, para formar os derivados triazolínicos 69(a-d) e os azafuleroides 70(a-d), conforme apresentado
no Esquema 14. Os derivados triazolínicos 69(a-d) apresentaram-se
estáveis à temperatura ambiente, entretanto foram facilmente convertidos nos respectivos azafuleroides 70(a-d), após refluxo com
clorobenzeno ou pelo aquecimento do sólido a 180 ºC.
Adição de ilídeos de azometina
Ilídeo de azometina é um 1,3-dipolo que também reage seletivamente nas ligações [6,6] do C60, formando fuleropirrolidinas com
bons rendimentos (Esquema 15).2 Trata-se de uma das reações mais
usadas para funcionalização da esfera do C60.
Esquema 15. Cicloadição de ilídeo de azometina ao C60
Esquema 14. Primeira cicloadição de azidas orgânicas ao C60
A partir desta primeira reação e apesar dos baixos rendimentos
alcançados, a adição de azidas orgânicas ao C60 tem possibilitado
a síntese de monoadutos estruturalmente diversificados, derivados
de carboidratos,71 do tetratiafulvaleno,72 de heterociclos,73 de dendrímeros74 além de bis e tris-adutos.75 Como pode ser observado
na Tabela 6, além do aquecimento convencional, diferentes fontes
de energia também são utilizadas para a obtenção destes derivados
Os ilídeos de azometina podem ser obtidos, dentre outros métodos,
pela condensação de α-aminoésteres ou α-aminoácidos com compostos
carbonílicos,82 pela tautomerização de iminas contendo metileno ativo83
e, também, pela clivagem de aziridinas.84 Geralmente estes ilídeos são
gerados in situ no meio da reação utilizando o aquecimento convencional,85 irradiação por micro-ondas,86 luz87 ou irradiação ultrassônica.88
Prato et al. descreveram pela primeira vez, na década de 90, a
cicloadição de ilídeos de azometina ao C60, sendo estes ilídeos gerados
por dois métodos89 (Esquema 16). O primeiro método foi pela reação
da N-metilglicina (77) com o formaldeído e subsequente cicloadição
com o C60. Esta reação foi realizada sob refluxo de tolueno fornecendo
após 2 h a N-metilfuleropirrolidina (78) com 41% de rendimento
(82% considerando C60 recuperado). O outro método envolveu a de-
Vol. 33, No. 3
Fulereno[C60]: química e aplicações
composição térmica da aziridina 79 e subsequente cicloadição com o
C60, obtendo-se a fuleropirrolidina 80 com 40% de rendimento (73%
considerando o C60 recuperado).
Tabela 7. Cicloadição 1,3-dipolar de ilídeos de azometina ao C60
Reagentes
Esquema 16. Primeiro relato da cicloadição de ilídeos de azometina ao C60
Dentre os compostos que são adicionados ao C60 por este método
podem ser citados: porfirinas,90 ferroceno,91 carboidratos,92,93 anilina
e seus derivados,94 oligômeros,95 calixarenos,96 aminoácidos,97 dentre
outros,98,99 Tabela 7.
Além do método clássico, outros métodos não usuais para formação de fuleropirrolidinas por cicloadição 1,3-dipolar também podem
ser encontrados na literatura.88,102
APLICAÇÕES DO FULERENO[C60] E DERIVADOS
QUIMICAMENTE MODIFICADOS
Quando os fulerenos foram descobertos há mais de duas décadas,
existia uma grande excitação sobre as possíveis aplicações práticas
para este novo material molecular. A despeito das especulações
iniciais, nos dias atuais os pesquisadores estão muito mais seguros
sobre a potencialidade e as limitações deste material. Nesta parte da
revisão serão abordados os mais promissores campos de aplicação
para os fulerenos funcionalizados, com ênfase no seu uso nas áreas
de ciências de materiais e biológica. O objetivo não é fazer uma revisão exaustiva, mas mostrar alguns dos mais ilustrativos exemplos
em cada caso.
Aplicação em ciência de materiais
Derivados de C60 como limitadores ópticos
A limitação óptica é um fenômeno não linear no qual a absorção
de um material aumenta e a transmissão diminui à medida que a
intensidade da radiação incidente aumenta. Materiais ou dispositivos
com essas características são chamados de limitadores ópticos e são
potencialmente úteis para proteger sensores ópticos (incluindo o olho
humano) dos perigosos raios lasers, por exemplo. Durante os últimos
anos, têm sido investidos esforços na procura de materiais orgânicos
com este comportamento uma vez que estes materiais são, em geral,
fáceis de serem manipulados e integrados nos dispositivos ópticos. O
C60 tem sido extensamente investigado para aplicação em limitação
óptica, pois uma das primeiras descobertas na área foi a de que a
transmissão por soluções de fulerenos diminui com o aumento da
intensidade da luz incidente.10 Para pulsos mais curtos (ps) a ação é
atribuída ao fenômeno de absorção saturada reversa (RSA), enquanto
para que pulsos maiores efeitos térmicos parecem estar envolvidos.
Embora soluções de fulerenos funcionem como limitadores
ópticos, o uso de dispositivos sólidos é largamente preferido no
687
Condições
Produto
Rdt (%) Ref.
Glicina, o-DCB,
IMO, 2 h
37
61
Tolueno/metanol,
hv, 30 min
70*
87
N-Metilglicina,
refluxo de tolueno, 1 h
14
93
N-Metilglicina,
refluxo tolueno,
10 h
45
94
N-Metilglicina,
refluxo de tolueno, 16 h
47
96
Refluxo de oDCB, 2,5 h
30
100
16
101
NH3 (25%),
PhCl, 50-60 ºC,
48 h
Rendimento considerando C60 recuperado
caso de aplicações práticas para este material. O primeiro problema
encontrado pelos pesquisadores da área é que filmes cristalinos de
C60 não apresentavam as mesmas propriedades de limitação óptica
(provavelmente devido a interações com moléculas de C60 vizinhas
na fase sólida), sendo ineficiente contra pulsos maiores que dezenas
de ps. Assim, os primeiros estudos visaram a síntese de derivados
de C60 solúveis, que pudessem ser incorporados em matrizes sólidas, como vidros ou compósitos vidro-polímeros pelo processo
sol-gel. O composto 95 (Figura 7), solúvel em água e, portanto,
compatível com o processo sol-gel, foi sintetizado e incorporado
de forma eficiente em um material produzido por este processo. A
transmissão da amostra a 532 nm mostrou que, com o aumento da
energia do pulso do laser incidente, a transmissão diminuiu, o que
demonstra que as propriedades de limitação após inclusão na matriz
sólida foram mantidas.103
Vidros sol-gel estáveis também têm sido preparados a partir de
derivados de fulerenos modificados com cadeias solubilizantes contendo grupos siloxanos.104 As propriedades ópticas limitantes destes
derivados têm sido investigadas em solução e em vidros sol-gel. Por
irradiação a 652 nm os compostos 96-99 deram melhores resultados
que o C60 (Figura 8).
No campo da limitação óptica, a combinação de ftalocianinas e fulerenos tem sido explorada por diferentes pesquisadores que procuram
um efeito sinérgico, visto que ambos separadamente já apresentam
esta propriedade. O comportamento óptico de 100 (Figura 9) foi
investigado em solução e em uma dispersão nanoparticulada usando
688
dos Santos et al.
Figura 7. Transmissão versus densidade de energia a 532 nm de uma amostra
sol-gel contendo o composto 95
Quim. Nova
aceptores de elétrons em células orgânicas solares. O desenvolvimento
destes dispositivos é estimulado pelas vantagens inerentes relacionadas aos materiais orgânicos, como o seu baixo peso, o seu relativo
baixo custo e a possibilidade de construir grandes superfícies ativas
devido à sua fácil processabilidade.
Tipicamente, uma célula orgânica solar é constituída de no
mínimo quatro camadas distintas,110 sem contar o substrato, o qual
pode ser vidro ou um polímero transparente e flexível (Figura 10).
Sobre o substrato está depositado o anodo. Óxido de índio e estanho
(ITO) é o material anódico mais popular devido à sua transparência e
porque vidros cobertos com ITO já são disponíveis comercialmente.
O catodo é frequentemente alumínio, mas cálcio, magnésio e ouro
também são usados. Inserido entre os dois eletrodos está a chamada
“camada fotoativa” responsável pela absorção de luz, geração e
dissociação dos éxcitons e difusão das cargas. Quando esta camada
é constituída por uma p-camada semicondutora doadora (D) de
elétrons e uma n-camada semicondutora aceptora (A) dá-se a ela o
nome de heterojunção p-n. Sob iluminação, ocorre a transferência de
elétrons do doador para o aceptor e a geração de éxcitons, seguida
pela separação de cargas e transporte dos carreadores aos eletrodos,
o que induz a produção de uma fotocorrente. Nos dias de hoje, um
dos aceptores mais usados na heterojunção de células fotovoltaicas
são derivados de C60, sendo consenso entre os pesquisadores que estes
compostos são os mais importantes candidatos para a expansão das
células orgânicas solares como fonte renovável de energia elétrica.
Figura 8. Derivados de fulereno contendo grupos siloxanos
pulsos laser de nanossegundos a 532 nm.105 O melhor resultado foi
da amostra constituída por nanopartículas, justificada pelos autores
pela formação de agregados especialmente ordenados.
Figura 10. Representação esquemática de uma heterojunção doador-aceptor:
a) estrutura de uma célula solar; b) sob iluminação, ocorre transferência de
elétrons do doador para o aceptor, geração de éxcitons, separação de cargas
e transporte dos carreadores aos eletrodos com produção de fotocorrente
Figura 9. Exemplo de combinação de ftalocianina e fulereno para dispositivo
de limitação óptica
Vários outros exemplos de aplicação de derivados fulerênicos em
óptica não linear podem ser encontrados na literatura destacando-se
a síntese de C60-tetratiafulvalenos,106 de fulerodendrímeros107 e de
C60-oligo-p-fenilenoetinileno,108 dentre outros.
Derivados de C60 para aplicações fotovoltaicas
A interação do C60 com luz tem atraído os pesquisadores na
exploração de aplicações relacionadas às propriedades fotofísicas,
fotoquímicas e de transferência de carga fotoinduzida de derivados
de C60. Tudo começou após a observação feita por Sariciftci,109 em
1992, de que ocorria uma ultrarrápida transferência fotoinduzida de
elétrons de polímeros π-conjugados para o C60 e que esta transferência
criava um estado de separação de cargas de longa duração. Após esta
descoberta, programas intensivos de pesquisa em todo o mundo têm
focado na síntese de derivados de C60 que possam ser usados como
A primeira heterojunção constituída de um polímero conjugado
e de C60 foi relatada em 1993.111 Neste trabalho, o dispositivo ITO/
MEH-PPV C60/Au (ou Al) foi fabricado por sublimação do fulereno
em uma camada de MEH-PPV [poli[2-metoxi-5-(2’-etil-hexiloxi)1,4-fenilenovinileno] finamente depositada em um vidro coberto
com ITO. Esta célula solar mostrou uma eficiência de conversão de
potência (PCE) de 0,04%.
O maior problema associado com tais heterojunções do tipo
bi-camadas é que a interação efetiva entre doador e aceptor ocorre
somente na interface de contato e é limitada pelo comprimento de
difusão do éxciton (próxima a 20 nm). Para superar este problema,
dispositivos onde pudesse ocorrer uma rede interpenetrante entre os
semicondutores foram propostos. Yu et al.112 desenvolveram o conceito
de bulk-heterojunction (heterojunção dispersa) onde ocorre uma mistura
de doador e aceptor para formação de uma rede interpenetrante entre os
dois, ocorrendo uma interação efetiva em todo o volume do dispositivo.
O maior problema nos primeiros dispositivos deste tipo que usavam o
C60 é que o mesmo apresentava uma grande tendência em se agregar e
se cristalizar. Por esta razão, esforços foram voltados para a constru-
Vol. 33, No. 3
Fulereno[C60]: química e aplicações
689
ção de heterojunções dispersas formadas por polímeros conjugados e
derivados solúveis, como o derivado fulerênico 1-(3-metoxicarbonil)
propil-1-fenil-[6,6]metanofulereno ([60]PCBM) 101 (Figura 11). Este
composto, inicialmente sintetizado por Wudl et al., mas já disponível
comercialmente, é solúvel em solventes orgânicos, o que facilita a
construção da rede interpenetrante. O primeiro exemplo de mistura
entre MEH-PPV e [60]PCBM 101 exibiu uma PCE de 2,9%.113
Figura 12. Fuleropirrolidinas OPV-C60: exemplo de heterojunção molecular
para conversão fotovoltaica
altamente organizada destes derivados e sua capacidade de formar
arquiteturas bem controladas em escalas nano e mesoscópica.120
Aplicações biológicas para derivados do fulereno[C60]
Os primeiros estudos sobre as atividades biológicas de fulerenos
tiveram início há 15 anos com os trabalhos de Tokuyama et al.121 e
Friedman et al.122 que sintetizaram, respectivamente, os derivados carboxílicos 104 e 105 (Figura 13), solúveis em água. Esses compostos
mostraram-se efetivos na clivagem fotoinduzida do DNA e inibição
enzimática, apresentando ainda citotoxicidade durante os testes.123
Figura 11. Estrutura do [60]PCBM e de polímeros conjugados usados na
preparação de células orgânicas solares
Desde esta descoberta, inúmeros grupos de pesquisa têm trabalhado
no desenvolvimento de derivados de fulerenos com potencial aplicação
na construção de pilhas fotovoltaicas. Dispositivos constituídos de
poli[2-metoxi-5-(3,7-dimetiloctiloxi)]-p-fenilenovinileno (MDMOPPV) e [60]PCBM obtiveram um PCE de 3%.114 Uma eficiência de
conversão de potência de 5% foi conseguida recentemente por alguns
grupos em células orgânicas do tipo “heterojunção dispersa” constituídas de [P3HT = poli(3-hexiltiofeno)] (P3HT) e [60]PCBM.115 Um
trabalho recente envolvendo a síntese de 37 derivados de C60 inéditos
análogos do PCBM mostrou que a solubilidade do derivado fulerênico
influencia diretamente na eficiência do dispositivo solar.116
Apesar do avanço, para usos comerciais a eficiência e estabilidade deste tipo de célula têm que ser ainda melhoradas. Em
paralelo ao desenvolvimento de heterojunções dispersas formadas
por polímeros/fulerenos, uma outra linha de pesquisa investe na
síntese de macromoléculas do tipo fulereno ligado covalentemente
a cadeias de polímeros para a preparação de células solares do tipo
all-polymer (toda polimérica). O composto 102 (Figura 12), no qual
uma parte oligofenilenovinileno (OPV) foi quimicamente ligada à
esfera do C60, foi o primeiro exemplo de uma heterojunção molecular especificamente planejada para conversão fotovoltaica. Os
dispositivos ITO/OPV-C60 102/Al e ITO/OPV-C60 103/Al alcançaram
baixos valores de PCE de 0,01 e 0,03%, respectivamente (Figura
12).117 Vários outros trabalhos seguindo esta linha de pesquisa têm
sido desenvolvidos desde então.118
Derivados de C60 para outras aplicações em ciências de materiais
Além das aplicações acima citadas, o uso das propriedades
eletroaceptoras do C60 tem sido intensamente investigado por vários
grupos na construção de dispositivos fotoeletroquímicos.119 Nestes
estudos destacam-se os trabalhos envolvendo derivados fulerênicos
modificados com um ou vários núcleos porfirínicos ligados covalentemente à superfície da esfera.119
Outra área que tem sido explorada mais recentemente é o uso de
hexa adutos de C60 na obtenção de cristais líquidos, devido à estrutura
Figura 13. Derivados carboxílicos utilizados na clivagem fotoinduzida do DNA
Desde então, vários grupos de pesquisa têm investigado propriedades biológicas de fulerenos e derivados, tais como, uso em terapia
fotodinâmica, atividade neuroprotetora, atividade antimicrobiana,
antiviral e outras interações com vários alvos biológicos.
USO EM TERAPIA FOTODINÂMICA
A terapia fotodinâmica (TFD) é um processo que necessita da
presença de luz para excitar uma espécie capaz de absorver essa
energia, a qual é designada fotossensibilizadora. O fulereno apresenta
esta propriedade, e quando fotoexcitado, passa do estado fundamental
singleto (1C60) para o estado excitado tripleto (3C60), cuja energia
pode ser transferida para outras espécies como, por exemplo, para
o oxigênio (Figura 14). O oxigênio no estado fundamental tripleto
3
O2 é, então, excitado para o estado singleto 1O2, uma espécie muito
reativa e citotóxica, que pode reagir com outras espécies do meio
ou gerar espécies reativas de oxigênio (EROs), também citotóxicas.
As espécies reativas de oxigênio podem ser utilizadas, por
exemplo, na ruptura do DNA. O primeiro estudo de fotoclivagem do
DNA, com o composto 104 (Figura 13), como descrito anteriormente,
foi realizado por Tokuyama et al..121 Outros estudos com derivados
fulerênicos, visando a aplicação na TFD, foram realizados.119, 124-130
Observa-se claramente que o ponto central destes trabalhos é a busca
por compostos mais hidrossolúveis. Neste contexto, podemos destacar
os derivados fulerênicos contendo sacarídeos sintetizados por Mikata
et al.130 (Figura 15).
690
dos Santos et al.
Figura 14. Formação de 1O2 a partir do C60 na terapia fotodinâmica
Quim. Nova
Figura 16. Regioisômeros do ácido tris-malônico utilizados como neuroprotetores
o derivado catiônico e anfifílico 112 (Figura 17), hidrossolúvel, para
investigar a propriedade de capturar radicais livres. Este composto
foi testado para prevenir a morte neuronal induzida por glutamato em
um teste in vitro. Contudo, essa substância demonstrou ser altamente
tóxica, induzindo a morte celular.
Figura 17. Derivado catiônico hidrossolúvel
Figura 15. Derivados contendo mono e dissacarídeos capazes de clivar o
DNA por fotoirradiação
Além deste estudo, podemos citar ainda os trabalhos de Ros
et al.125 para aumentar a solubilidade dos fulerenos com o uso de
tensoativos, como ciclodextrinas e polivinilpirrolidona (PVP). Estes
autores observaram que o derivado de fulereno misturado com a PVP
teve sua atividade reduzida devido à competitividade da ligação do
DNA com o PVP, enquanto que o derivado de fulereno associado
com a γ-ciclodextrina teve um aumento de sua atividade. Uma possível alternativa, pesquisada por Yamakoshi e Iwamamoto128 para
aumentar a hidrossolubilidade e manter a atividade com a PVP foi
a incorporação deste composto covalentemente ao fulereno. O uso
de um polímero não iônico, como o PVP, na terapia fotodinâmica
é promissor, uma vez que testes demonstraram que esta classe de
compostos não apresenta toxicidade.
Recentemente, foi lançada uma patente que descreve a incorporação covalente de um derivado do aminoadamantil na superfície
do fulereno para o tratamento do mal de Parkinson.133 Derivados do
aminoadamantil são eficientes para tratar a fadiga associada à esclerose múltipla, doença de Parkinson e Alzheimer. Assim, derivados
híbridos de fulerenos com aminoadamantil constituem potenciais
agentes terapêuticos para o tratamento dessas doenças.
Hu et al.134 estudaram o derivado fulerênico 113 contendo cinco
resíduos de cistina como possível protetor contra o estresse oxidativo e
apoptose (Figura 18). Esta associação oferece vantagens, pois o fulereno
é uma “esponja” de radicais, e a cistina tem alta hidrossolubilidade,
biocompatibilidade e mantém altos níveis de glutationa, um composto
que protege as células do estresse oxidativo e de várias toxinas. O resultado final observado foi uma redução apoptótica das células PC12
na presença do peróxido de hidrogênio, sem evidência de toxicidade.
ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E NEUROPROTETORA
Figura 18. Híbrido de cistina e C60
A formação de radicais livres no meio biológico como superóxidos (O2.-) e radicais hidroxila (.OH) pode danificar estruturas
celulares como lipídeos, proteínas, DNA, macromoléculas e causar
desordens neurodegenerativas como Parkinson, Alzheimer e Lou
Gehrig.126 Assim, o uso de substâncias que possam capturar radicais
livres pode diminuir ou, até mesmo, eliminar a morte de células
neurais. Como o fulereno é um excelente aceptor de elétrons no
seu estado fundamental, possui uma grande habilidade em capturar
radicais livres gerados no meio biológico.119 Dugan et al.131 iniciaram
estudos envolvendo fuleróis (ou fulerenóis), derivados hidroxilados
do C60 que representam uma nova classe de agentes neuroprotetores.
Os fuleróis têm solubilidade satisfatória, capacidade de atravessar a
barreira hematoencefálica e demonstraram surpreendente atividade
antioxidante por reduzir a apoptose em culturas de neurônios. Esses
mesmos autores investigaram ainda os carboxifulerenos 110 e 111 e
obtiveram resultados satisfatórios na proteção contra neurodegeneração nos estudos in vitro (Figura 16).132,133
Além dos fuleróis e dos carboxifulerenos, derivados catiônicos foram investigados para a atividade antioxidante. Bosi et al. sintetizaram
ATIVIDADE ANTIMICROBIANA
A atividade antimicrobiana de fulerenopirrolidinas foi demonstrada pela primeira vez por Ros e Prato.135 Na tentativa de associar
as propriedades farmacológicas da nicotina e do fulereno em apenas
uma molécula sintetizou-se inicialmente a fuleronicotina 114 (Figura
19). Contudo, a insolubilidade desse híbrido em solventes polares
gerou a necessidade de produzir novos compostos hidrossolúveis.
Os derivados fulerênicos 115(a-c) foram obtidos e se revelaram mais
solúveis em solventes polares, o que possibilitou a realização dos
primeiros testes biológicos. Estes compostos apresentaram atividade
bactericida para alguns micro-organismos.
Outra importante classe de fulerenos com atividade antimicrobiana é aquela representada por derivados catiônicos. Por exemplo,
Mashino et al.136 estudaram a atividade dos regioisômeros do sais de
C60-bis(N,N-dimetilpirrolídio) 116-118, 119(a-c) (Figura 20) contra
bactérias. Os compostos 116, 117 e 118 apresentaram atividade
excelente e semelhante à da vancomicina.
Além destes pesquisadores, outros grupos têm se interessado
Vol. 33, No. 3
Fulereno[C60]: química e aplicações
691
Figura 19. Primeiros derivados fulerênicos com atividade antimicrobiana
Figura 22. Promissor candidato para a terapia da AIDS
Brettreich e Hirsch141 sintetizaram o dendrímero 123, um composto altamente hidrossolúvel e com atividade antiprotease, promissor
candidato para a terapia da AIDS. A síntese e o uso deste composto
foram patenteados e encontra-se em testes clínicos (Figura 22).139
Além destas aplicações biológicas citadas, outras importantes são
descritas na literatura para derivados fulerênicos, tais como terapia
da osteoporose, produção de anticorpos monoclonais antifulereno,
preparação de agentes de contraste e marcadores radiológicos.126
Figura 20. Isômeros do C60-bis (iodeto de N,N-dimetilpirrolidínio) com
atividade biológica
pela busca de derivados fulerênicos catiônicos com atividade antimicrobiana.137
ATIVIDADE ANTIRETROVIRAL
Os primeiros estudos com fulerenos para atividade antiretroviral
foram feitos por Schinazi et al.138 com o derivado fulerênico hidrossolúvel 104 (Figura 13). Este composto mostrou uma atividade seletiva e
moderada contra o Vírus da Imunodeficiência Humana tipo 1, (HIV-1)
e teve efeito em células infectadas crônica e agudamente. Friedman et
al.122 também realizaram estudos pioneiros com modelagem molecular
envolvendo derivados fulerênicos e proteínas virais. Nestes estudos,
determinou-se que a complexação do fulereno com a enzima protease
(HIVP) gera uma ação inibitória desta enzima. Os efeitos inibitórios
são causados por interações de van der Waals da estrutura esférica do
fulereno e da cavidade catalítica da protease, enzima viral com função
fundamental para a sobrevivência do vírus.17,124,139 Estes estudos de
atividade antiviral estimularam outros pesquisadores na área.
Bosi et al.126 sintetizaram os compostos fulerênicos 120 e 121
(Figura 21) contendo grupos amino e observaram que a energia de
complexação entre a enzima protease e os compostos tiveram resultados promissores. Toniolo et al.140 também obtiveram o derivado
122 (Figura 21) com capacidade de quimiotaxia e inibição da HIVP.
Figura 21. Compostos com atividade antiviral
CONCLUSÕES
Os fulerenos, e em particular a molécula de C60, são atualmente um campo de pesquisa bem estabelecido em muitas áreas
da química. Muito já se sabe sobre o potencial e as limitações
desta classe de nanocompostos. Este artigo procurou mostrar a
reatividade ímpar da molécula de C60, bem como ilustrar alguns
dos mais promissores campos de aplicação para os seus derivados
quimicamente modificados.
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq e FAPEMIG pelo apoio financeiro concedido para
execução de projetos na área de modificação química de fulerenos.
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