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PAULO FREIRE PARA PEDAGOGIA (25)

A Amílcar Cabral, educador-educando de seu povo " Posso ter minha opinião sobre muitos temas, sobre a maneira de organizar a luta; de organizar um partido; uma opinião que se formou em mim, por exemplo, na Europa, na Ásia, ou ainda em outros países da África, a partir de livros, de documentos, de encontros que me influenciaram. Não posso porém pretender organizar um partido, organizar a luta, a partir de minhas idéias. Devo fazê-lo a partir da realidade concreta do país."

CARTAS À GUINÉ-BISSAU Coleção O MUNDO, HOJE Vol. 22 Ficha catalográfica (Preparado pelo Centro de catalogação-na-fonte do SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ) F934c Freire, Paulo Cartas à guiné-Bissau: registros de uma experiência em Processo. 2ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. 173p. ilust. (O Mundo, hoje, v. 22) 1.Alfabetização 2.Alfabetização – Guiné-Bissau 3.educação de Adultos 4.Educação de adultos – teoria, métodos, etc. I.título II.Série CDD – 374-02 379.24096657 CDU – 371.3:374.7+376.76(665.7) 77-0349 EDITORA PAZ E TERRA Conselho editorial Antonio Candido Celso Furtado Fernando Gasparian Fernando Henrique Cardoso PAULO FREIRE CARTAS À GUINÉ-BISSAU REGISTROS DE UMA EXPERIÊNCIA EM PROCESSO 2.ª Edição Paz e Terra © World Council of Churches, 1977 Capa: Jayme Leão Diagramação: Mario Roberto da Silva Foto da Capa: R.Ribeiro Direitos desta edição reservados à EDITORA PAZ E TERRA S.A. Rua André Cavalcanti, 86 Fátima, Rio de Janeiro 1978 _____________ Impresso no Brasil Printed in Brazil A Amílcar Cabral, educador-educando de seu povo “ Posso ter minha opinião sobre muitos temas, sobre a maneira de organizar a luta; de organizar um partido; uma opinião que se formou em mim, por exemplo, na Europa, na Ásia, ou ainda em outros países da África, a partir de livros, de documentos, de encontros que me influenciaram. Não posso porém pretender organizar um partido, organizar a luta, a partir de minhas idéias. Devo fazê-lo a partir da realidade concreta do país.” Amílcar Cabral SUMÁRIO I N TROD UÇÃO .............................................................................................................. 9 Prim eira part e ............................................................................................................ 9 PRIMEIRO MOMENTO.......................................................................................... 15 SEGUNDO MOMENTO.......................................................................................... 30 TERCEIRO MOMENTO ......................................................................................... 34 Segunda Part e ......................................................................................................... 37 Post script um ........................................................................................................... 63 CARTAS À GUI N E- BI SSAU ................................................................................. 82 Cart a a Mário Cabral ( 26.1.1975) ................................................................... 84 Cart a a Mário Cabral ( abril, 1975) .................................................................. 86 Cart a a Mário Cabral ( 28.7.1975) ................................................................... 87 Cart a a Mário Cabral ( agost o, 1975) .............................................................. 95 Cart a a Mário Cabral ( out ubro, 1975) ........................................................... 96 Cart a a Mário Cabral ( 26.11.1975) ................................................................. 97 Cart a n° 1 a equipe ( 26.11.1975) .................................................................... 99 Cart a a Mário Cabral ( 6.12.1975) ................................................................. 107 Cart a n° 2 a equipe ( 6.12.1975) ..................................................................... 108 Cart a a Mário Cabral ( 5.1.1976) .................................................................... 110 Cart a n° 3 a equipe ( 5.1.1976) ....................................................................... 111 Cart a a Mário Cabral ( 3.2.1976) .................................................................... 131 Cart a n° 4 a equipe ( 3.2.1976) ....................................................................... 132 Cart a a Mário Cabral ( abril, 1976) ................................................................ 137 Cart a n° 5 a equipe ( abril, 1976) .................................................................... 138 Cart a a Mário Cabral ( 7.5.1976) .................................................................... 152 Cart a n° 6 a equipe ( prim avera, 1976) ........................................................ 154 Últ im a página......................................................................................................... 161 A. Escola em um a zona libert ada. Período da lut a de libert ação. ( Publicação aut orizada pelo Com issariado de I nform ação e Turism o da República da Guine- Bissau) I N TROD UÇÃO Pr im e ir a pa r t e ( A) Est a int rodução pret ende ser, sobret udo, um a cart a- relat ório que faço aos prováveis leit oras e leit ores dest e livro, t ão inform al quant o as que o com põem . Nela, com o se est ivesse conversando, t ent arei, t ant o quant o possível, ir fixando est e ou aquele aspect o que m e t em m arcado em m inhas visit as de t rabalho à Guiné- Bissau, at é bem pouco avilt ant em ent e cham ada pelos colonialist as port ugueses de “ província de ult ram ar” . Nom e pom poso com que procuravam m ascarar sua presença invasora naquelas t erras e a exploração desenfreada de seu povo. Meu prim eiro encont ro com a África não se deu, porém , com a Guiné- Bissau, m as com a Tanzânia, com a qual m e sint o, por vários m ot ivos, est reit am ent e ligado. Faço est a referência para sublinhar quão im port ant e foi, para m im , pisar pela prim eira vez o chão africano e sent ir- m e nele com o quem volt ava e não com o quem chegava. Na verdade, na m edida em que, deixando o aeroport o de Dar es Salaam , há cinco anos passados, em direção ao “ cam pus” da universidade, at ravessava a cidade, ela ia se desdobrando ant e m im com o algo que eu revia e em que m e reencont rava. Daquele m om ent o em diant e, as m ais m ínim as coisas – velhas conhecidas – com eçaram a falar a m im , de m im . A cor do céu, o verde- azul do m ar, os coqueiros, as m angueiras, os caj ueiros, o perfum e de suas flores, o cheiro da t erra; as bananas, ent re elas a m inha bem am ada banana- m açã; o peixe ao leit e de coco; os gafanhot os pulando na gram a rast eira; o gingar do corpo das gent es andando nas ruas, seu sorriso disponível à vida; os t am bores soando no fundo das noit es; os corpos bailando e, ao fazê- la, “ desenhando o m undo” , a presença, ent re as m assas populares, da expressão de sua cult ura que os colonizadores não conseguiram m at ar, por m ais que se esforçassem para fazê- lo, t udo isso m e t om ou t odo e m e fez perceber que eu era m ais africano do que pensava. Nat uralm ent e, não foram apenas est es aspect os, para alguns puram ent e sent im ent alist as, na verdade, cont udo, m uit o m ais do que ist o, que m e afet aram naquele encont ro que era um reencont ro com igo m esm o. Teria m uit o o que dizer das im pressões que venho t endo e do aprendizado que venho fazendo nas sucessivas visit as que t enho feit o à Tanzânia. Não é est e, cont udo, o m eu obj et ivo, ao referir- m e agora a est e pais a que m e sint o t ão ligado. Falei da Tanzânia para salient ar, com o disse ant es, o quant o m e foi im port ant e pisar o chão africano e sent ir- m e nele com o quem volt ava e não com o quem chegava. Est e sent ir- m e em casa, no chão africano, se repet iu, em cert os aspect os, de m aneira ainda m ais acent uada, quando, em set em bro do ano passado, visit ei, com a equipe do I nst it ut o de Ação Cult ural – I DAC – pela prim eira vez, a Guiné- Bissau. Poderia dizer: quando “ volt ei” à Guiné- Bissau. Nest a int rodução, falarei do que vem represent ando, não só para m im , m as para os que, em equipe, part icipam os da rica e desafiant e experiência em que, no cam po da educação em geral e, part icularm ent e, no da educação de adult os, t rabalham os com educadores e educandos guineenses e não sobre ou sim plesm ent e para eles. Creio, porém , que ant es de fazê- lo devo dizer duas palavras, t ent ando explicar a razão que m e leva a publicar agora, e não m ais t arde, as poucas cart as que at é est e m om ent o escrevi ao Com issário de Educação e à Com issão Coordenadora dos t rabalhos de alfabet ização em Bissau. A int enção fundam ent al é a de oferecer aos leit ores e às leit oras, at ravés delas, precedidas dest a int rodução, um a visão m ais ou m enos dinâm ica das at ividades que se est ão desenvolvendo naquele país e alguns dos problem as t eóricos que elas suscit am . Daí o t ít ulo do livro: Cart as à GuinéBissau – regist ros de um a experiência em processo. Ent re publicar um livro, em dois ou t rês anos m ais, um a espécie de relat ório final dos t rabalhos hoj e em curso, e revelar a experiência em pleno andam ent o, preferi a segunda hipót ese. Gost aria de afirm ar, porém , que se out ra publicação vier a fazer, com o espero, sobre a m esm a experiência, j á não será const it uída pelas cart as que cont inuarei a escrever. E que prefiro sent ir- m e, ao redigir as fut uras cart as, t ão espont âneas – e não neut ro – quant o m e sent i ao redat ar as que ora publico. E est a espont aneidade – e não neut ralidade – poderia ser prej udicada se, ao escrever as fut uras cart as, eu m e soubesse t rabalhando num segundo volum e de cart as à Guiné- Bissau. Dada est a explicação, com ecem os a falar, sem m uit a preocupação didát ica, em t orno das at ividades na Guiné. Ao fazê- lo, gost aria de sublinhar a sat isfação com que recebem os, os que fazem os o Depart am ent o de Educação do Conselho Mundial de I grej as e a equipe do I DAC, na prim avera do ano passado, o convit e oficial do governo daquele país at ravés do Com issariado de Educação para, em um a prim eira visit a, discut ir as bases de nossa colaboração, no cam po da alfabet ização de adult os. Não nos era est ranha, de m odo algum , a lut a em que o povo da Guiné- bissau e Cabo Verde, sob a liderança ext raordinária de Am ílcar Cabral e de seus cam aradas do PAI GC* , se t inha em penhado para a expulsão do colonizador port uguês. Sabíam os o que havia significado essa lut a, enquant o forj adora da consciência polít ica de grande part e do povo, bem com o da de sua liderança, e enquant o t am bém um dos fundam ent ais fat ores que explicam o 25 de Abril em Port ugal. Sabíam os que iríam os t rabalhar não com int elect uais “ frios” e “ obj et ivos” ou com especialist as “ neut ros” , m as com m ilit ant es engaj ados no esforço sério de reconst rução. de seu país. De reconst rução, digo bem , porque a Guiné- Bissau não part e de zero, m as de suas font es cult urais e hist óricas, de algo de bem seu, da alm a m esm a de seu povo, que a violência colonialist a não pôde m at ar. De zero ela part e, com relação às condições m at eriais em que a deixaram os invasores quando, j á derrot ados polít ica e * Part ido Africano para a independência aa Guiné e Cabo Verde m ilit arm ent e, num a guerra im possível, t iveram de abandoná- la definit ivam ent e após o 25 de Abril, com um legado de problem as e de descaso que diz bem do “ esforço civilizat ório” do colonialism o. Dai a sat isfação com que recebem os o convit e: o de poder part icipar, m esm o com um m ínim o, da respost a ao desafio que t al reconst rução coloca. Sabíam os que t ínham os algo com que cont ribuir para a respost a àquele desafio. Se não o t ivéssem os, não se explicaria a aceit ação do convit e. Mas, fundam ent alm ent e, sabíam os que a aj uda que nos pediam só seria verdadeira na m edida em que, em seu processo, j am ais pret endêssem os ser os exclusivos suj eit os dela, reduzindo, assim , os nacionais que a solicit avam , a puros obj et os da m esm a. A aj uda aut ênt ica, não é dem ais insist ir, é aquela em cuj a prát ica os que nela se envolvem se aj udam m ut uam ent e, crescendo j unt os no esforço com um de conhecer a realidade que buscam t ransform ar. Som ent e num a t al prát ica, em que os que aj udam e os que são aj udados se aj udam sim ult aneam ent e, é que o at o de aj udar não se dist orce em dom inação do que aj uda sobre quem é aj udado. Por isso é que não há real aj uda ent re classes dom inant es e classes dom inadas nem ent re as “ sociedades im periais” e as cham adas sociedades dependent es, de fat o, dom inadas, na com preensão de cuj as relações não se pode prescindir da análise de classe. Por isso é que, só enquant o m ilit ant es, j am ais com o especialist as “ neut ros” , m em bros de um a m issão est rangeira de assist ência t écnica, poderíam os, na verdade, prest ar nossa colaboração, por m ínim a que fosse. A nossa opção polít ica e a nossa prát ica em coerência com ela nos proibiam de pensar, sequer, que poderíam os elaborar, em Genebra, um proj et o de alfabet ização de adult os, elegant em ent e redigido, com seus 1¹,1²,2¹,2² a ser levado por nós à Guiné- Bissau, com o um a dádiva generosa. Est e proj et o, pelo cont rário – com o as próprias bases de nossa colaboração –, t eria de nascer lá, pensado pelos educadores nacionais em função da prát ica social que se dá no país. Nossa colaboração ao desenho do proj et o e à post a em prát ica do m esm o dependeria de nossa capacidade de conhecer m elhor a realidade nacional, aprofundando o que j á sabíam os em t orno da lut a pela libert ação, das experiências realizadas pelo PAI GC nas ant igas zonas libert adas, at ravés da leit ura de t odo o m at erial que pudéssem os recolher, privilegiando a obra de Am ílcar Cabral. Est udos que, realizados em Genebra, seriam com plet ados no t erreno, quando de nossa prim eira visit a ao país, e cont inuados nas subseqüent es visit as, no caso em que se definisse a nossa colaboração em t erm os m ais ou m enos prolongados. subseqüent es visit as em que, sobret udo, pensaríam os, com os educadores nacionais, a sua própria prát ica, em sem inários de verdadeira avaliação. Part íam os, pois, de um a posição radical: a da recusa a qualquer t ipo de solução " em pacot ada” ou préfabricada; a qualquer t ipo de invasão cult ural, clara ou m anhosam ent e escondida. A nossa opção polít ica e a nossa prát ica em coerência com ela nos proibiam , t am bém , de pensar sequer que nos seria possível ensinar aos educadores e aos educandos da Guiné- Bissau sem com eles aprender. Se t oda dicot om ia ent re ensinar e aprender, de que result a que quem ensina se recusa a aprender com aquele ou aquela a quem ensina, envolve um a ideologia dom inadora, em cert os casos, quem é cham ado a ensinar algo deve a render prim eiro ara, em seguida, com eçando a ensinar, cont inuar a aprender. Um a experiência com o est a – a de aprender prim eiro para, ensinando depois, cont inuar a aprender – t ínham os t ido, part icularm ent e Elza e eu, no Chile, quando e onde, ao t ravar os prim eiros encont ros com educadores chilenos, escut ávam os m ais do que falávam os e, quando falávam os, era para descrever a prát ica que t ivéram os no Brasil, com suas negat ividades e suas posit ividades e não para prescrevê- la aos educadores chilenos. Foi aprendendo com eles, com os t rabalhadores dos cam pos e das fábricas, que nos foi possível ensinar t am bém . Se algo que fizéram os no Brasil repet im os t al qual no Chile, foi exat am ent e não separar, de um lado, o at o de ensinar do de aprender; de out ro, não t ent ar superpor ao cont ext o chileno o que havíam os feit o de m aneira dist int a nos diferent es cont ext os brasileiros. Na verdade, as experiências não se t ransplant am , se reinvent am . Porque, dist o convencidos, um a de nossas preocupações básicas, perm anent es, durant e t odo o t em po em que nos preparávam os, em equipe, para a prim eira visit a à Guiné- Bissau, foi a de nos vigiar quant o à t ent ação de superest im ando est e ou aquele aspect o dest a ou daquela experiência de que ant es part icipáram os, pret ender em prest ar- lhes validade universal. Daí que a análise, de rest o indispensável, das experiências ant eriores, com o a de experiências realizadas por out ros em cont ext os dist int os, fosse feit a com vist as a um a com preensão cada vez m ais crit ica do carát er polít ico e ideológico da alfabet ização de adult os, em part icular, da educação em geral; das relações ent re a alfabet ização e a pós- alfabet ização de adult os ( da educação em geral) com a produção, com os obj et ivos cont idos no proj et o global da sociedade; das relações ent re a alfabet ização e o sist em a de educação do país. Com preensão crít ica do papel que poderia t er a alfabet ização de adult os num a sociedade com o a guineense, cuj o povo diret a e indiret am ent e t inha sido t ocado pela guerra de libert ação, " um fat o cult ural e um fat or de cult ura” , na expressão de Am ílcar Cabral, e cuj a consciência polít ica t inha sido part ej ada pela lut a m esm a. Um povo que, apresent ando um alt o índice de analfabet ism o, 90% , do pont o de vist a lingüíst ico, é alt am ent e “ let rado” do pont o de vist a polít ico, ao cont rário de cert as “ com unidades” sofist icadam ent e let radas, m as grosseiram ent e “ analfabet as” do pont o de vist a polít ico. Est a sim , durant e t odo o t em po em que nos preparam os para a prim eira visit a ao país, foi um a t em át ica sem pre present e em nossos sem inários, em que j am ais t ivem os um coordenador oficial. Tem át ica igualm ent e present e nas preocupações de cada um de nós, individualm ent e, nas horas dedicadas à reflexão em t orno de nossa cont ribuição à Guiné- Bissau. Dai que j am ais nos t enham os det ido no est udo de m ét odos e de t écnicas de alfabet ização de adult os em si m esm os, m as no est udo deles e delas enquant o a serviço de e em coerência com um a cert a t eoria do conhecim ent o post a em prát ica, a qual, por sua vez, deve ser fiel a um a cert a opção polít ica. Nest e sent ido, se a opção do educador é revolucionária e se sua prát ica é coerent e com sua opção, à alfabet ização de adult os, com o at o de conhecim ent o, t em , no alfabet izando, um dos suj eit os dest e at o. Dest a form a, o que se coloca a t al educador é a procura dos m elhores cam inhos, das m elhores aj udas que possibilit em ao alfabet izando exercer o papel de suj eit o de conhecim ent o no processo de sua alfabet ização. O educador deve ser um invent or e um reinvent or const ant e desses m eios e desses cam inhos com os quais facilit e m ais e m ais a problem at ização do obj et o a ser desvelado e finalm ent e apreendido pelos educandos. Sua t arefa não é a de servir- se desses m eios e desses cam inhos para desnudar, ele m esm o, o obj et o e depois ent regá- lo, pat ernalist icam ent e, aos educandos, a quem negasse o esforço da busca, indispensável ao at o de conhecer. Na verdade, nas relações ent re o educador e os educandos, m ediat izados pelo obj et o a ser desvelado, o im port ant e é o exercício da at it ude crít ica em face do obj et o e não o discurso do educador em t orno do obj et o. E m esm o quando, nest as relações, em que educador e educandos, curiosos, se acercam ao obj et o de sua análise, os segundos necessit am de algum a inform ação, indispensável ao prosseguim ent o da análise, pois que conhecer não é adivinhar, a inform ação deve ser precedida de cert a problem at ização. Sem est a, a inform ação deixa de ser um m om ent o fundam ent al do at o de conhecim ent o para ser a t ransferência que dele faz o educador aos educandos. Est a é um a das razões por que, desde os com eços de m inha busca, no cam po da alfabet ização de adult os, procurei superar as cart ilhas* . As cart ilhas enfat izem - se, e não out ros m at eriais que pudessem aj udar os alfabet izandos no exercício de fixação e de aprofundam ent o de seus achados. Achados que fossem fazendo no dom ínio da língua, quando, a serem post as as palavras geradoras, com eçassem a criar out ras t ant as, at ravés das com binações silábicas. Em defesa desses m at eriais, sim , sem pre est ive. Mat eriais que reforçassem seu aprendizado, enquant o at o criador. I st o não é, infelizm ent e, o que ocorre com as cart ilhas, m esm o com aquelas cuj os aut ores, esforçando- se ao m áxim o em ir m ais além do carát er doador que t êm as m esm as, oferecem aos alfabet izandos algum as oport unidades para que eles t am bém criem palavras e pequenos t ext os. Na verdade, grande part e do esforço a ser realizado pelos alfabet izandos, sobret udo no m om ent o de criação de suas palavras, se encont ra feit o, nas cart ilhas, pelo seu aut or ou por sua aut ora. Nest e sent ido, em lugar de est im ular, nos alfabet izandos, a curiosidade, as cart ilhas reforçam neles a at it ude passiva, recept iva, o que cont radiz o carát er criador do at o de conhecer. Parece- m e que est e é um dos problem as que um a sociedade revolucionária deve se pôr no cam po da educação enquant o at o de * A est e propósit o, ver Paulo Freire – Educação com o Prát ica da Liberdade e Ação Cult ural para a Liberdade e out ros escrit os, Paz e Terra, Rio. conhecim ent o. O do papel criador e recriador, o da re- invenção que o at o de conhecer dem anda de seus suj eit os O da curiosidade diant e do obj et o, qualquer que sej a o m om ent o do ciclo gnosiológico em que est ej am , o em que se busca conhecer o conhecim ent o exist ent e ou o em que se procura criar o novo conhecim ent o. Mom ent os, de rest o, indicot om izáveis. A separação ent re esses m om ent os reduz, de m odo geral, o at o de conhecer o conhecim ent o exist ent e à sua pura t ransferência “ burocrát ica” . A escola, não im port a o seu nível, se t ransform a em " m ercado de saber” ; o professor, num especialist a sofist icado, que vende e dist ribui um " conhecim ent o em pacot ado” ; o aluno, no client e que com pra e " com e” est e conhecim ent o. Se o educador, pelo cont rário, não é levado a " burocrat izar- se” nest e processo, m as a m ant er viva a sua curiosidade, re- desvela o obj et o no desvelam ent o que dele vão fazendo os educandos e, assim , não raro, percebe nele dim ensões at é ent ão despercebidas. É de fat o indispensável que educadores- educandos e educandos- educadores se exercit em const ant em ent e na recusa à “ burocrat ização” que, aniquilando a criat ividade, os t ransform a em repet idores de clichês. Quant o m ais “ burocrat izados” t ant o m ais t endem a ficar alienadam ent e " aderidos” à quot idianeidade, de que j á não “ t om am dist ancia” para com preender a sua razão de ser. A coerência ent re a opção polít ico- revolucionária do educador e sua prát ica lhe é indispensável para que evit e sua “ burocrat ização” . Quant o m ais vigilant e na sua vivência dest a coerência t ant o m ais aut ent icam ent e m ilit ant e se faz, recusando assim , t am bém , o papel t écnico ou de especialist a neut ro, nest e ou naquele cam po. Com o m ilit ant es e não com o especialist as neut ros ou t écnicos frios é que aceit am os, com o disse ant es, o convit e do governo da Guiné- Bissau e nest a condição é que, em set em bro do ano passado, fizem os a nossa prim eira visit a ao país. Dai que t enham os deixado Genebra dispost os a ver e a ouvir; a indagar e a discut ir e não carregando conosco, em nossas valises de m ão, planos salvadores ou relat órios sem i- elaborais. Em equipe, debat êram os, em Genebra, a m elhor m aneira de, na Guiné- Bissau, ver e ouvir, indagar e discut ir, de que result aria o program a de nossa cont ribuição. Program a, port ant o, a nascer lá, em diálogo com os nacionais, em t orno de sua realidade, de suas necessidades e de nossas possibilidades e não em Genebra, feit o por nós para eles. Na m edida em que j am ais t om am os a alfabet ização de adult os em si m esm a, reduzindo- a a um puro aprendizado m ecânico da leit ura e da escrit a, m as com o um at o polít ico, diret am ent e associado à produção, à saúde, ao sist em a regular de ensino, ao proj et o global de sociedade a ser concret izado, ver e ouvir, indagar e discut ir, part indo em bora do Com issariado de Educação, t eriam de prolongar- se a out ros com issariados, ao Part ido, incluindo as suas organizações de m assas. Daí que o nosso plano de t rabalho para a prim eira visit a, em Genebra sim plesm ent e esboçado em suas linhas gerais e, na verdade, elaborado com os nacionais em Bissau, t enha dividido o nosso t em po no país em t rês m om ent os básicos, j am ais rigidam ent e separados ent re si. PRI M EI RO M OM EN TO ( B) No prim eiro m om ent o, em que buscávam os ver e ouvir, indagar e discut ir ent ram os em cont act o, em Bissau, inicialm ent e, com as diferent es equipes do Com issariado de Educação e não apenas com o recém - criado Depart am ent o de Educação de Adult os. Precisávam os conhecer os problem as cent rais e a m aneira com o vinham sendo confront ados, no cam po do ensino prim ário e no do secundário. Que m odificações j á haviam sido int roduzidas no sist em a geral de ensino, herdado do colonizador, e que fossem capazes de est im ular, a pouco e pouco, a sua radical t ransform ação, com a criação de um a nova prát ica educat iva, que expressasse um a out ra concepção da educação, em consonância com o proj et o da nova sociedade que o Part ido e o Governo se propõem criar com o povo. Na verdade, a educação colonial herdada, de que um dos principais obj et ivos era a “ desafricanização” dos nacionais, discrim inadora, m ediocrem ent e verbalist a, em nada poderia concorrer no sent ido da reconst rução nacional, pois para ist o não fora const it uída. A escola colonial, a prim ária, a liceal, a t écnica, est a separada da ant erior, ant idem ocrát ica nos seus obj et ivos, no seu cont eúdo, nos seus m ét odos, divorciada da realidade do país, era, por isso m esm o, um a escola de poucos, para poucos e cont ra as grandes m aiorias. Selecionava at é m esm o a pequena m inoria dos que a ela t inham acesso, expulsando grande part e deles após os prim eiros encont ros com ela e, cont inuando a sua filt ragem selet iva, ia aum ent ando o núm ero dos renegados. Renegados em quem enfat izava o sent im ent o de inferioridade, de incapacidade, em face de seu " fracasso” * . Reproduzindo, com o não podia deixar de ser, a ideologia colonialist a, procurava incut ir nas crianças e nos j ovens o perfil que deles fazia aquela ideologias* * . O de seres inferiores, incapazes, cuj a única salvação est aria em t ornar- se " brancos” ou “ pret os de alm a branca” . Daí o descaso que essa escola necessariam ent e t eria de t er por t udo o que dissesse de pert o aos nacionais, cham ados de “ nat ivos" . Mais do que descaso, a negação de t udo o que fosse represent ação m ais aut ênt ica da form a de ser dos nacionais: sua hist ória, sua cult ura, sua língua. A hist ória dos colonizados " com eçava” com a chegada dos colonizadores, com sua presença " civilizat oria” ; a cult ura dos colonizados, expressão de sua form a bárbara de com preender o m undo. Cult ura, só a dos colonizadores. A m úsica dos colonizados, seu rit m o, sua dança, seus bailes, a ligeireza de m ovim ent os de seu corpo, sua criat ividade em geral, nada dist o t inha valor. Tudo ist o, quase sem pre, t inha de ser * A esse propósit o, ver a crít ica de Julius Nyerere à educação colonial na Tanzânia, em seu excelent e Educat ion for Self- reliance. ** Ver Franz Fanon – Os Condenados da Terra; e Albert Mem m i – Ret rat o do Colonizado Precedido pelo Ret rat o do Colonizador, Edit ora Paz e Terra, Rio, 1977. 2' edição. reprim ido e, em seu lugar, im post o o gost o da Met rópole, no fundo, o gost o das classes dom inant es m et ropolit anas. Por t udo ist o é que, para os colonizados que passaram pela alienant e experiência da educação colonial, a " posit ividade” dest a educação ou de alguns de seus aspect os só exist e quando, independent izando- se, a rej eit am e a superam . Quando, assum indo com seu povo, a sua hist ória, se inserem no processo de “ descolonização das m ent es” , a que faz referência Arist ides Pereira; processo que se alonga no que Am ílcar Cabral cham ava de “ reafricanização das m ent alidades” . E ist o im plica na t ransform ação radical do sist em a educacional herdado do colonizador, o que não pode ser feit o, porém , de m aneira m ecânica. Envolvendo fundam ent alm ent e um a decisão polít ica, em coerência com o proj et o de sociedade que se procura criar, est a t ransform ação radical requer cert as condições m at eriais em que se funde, ao m esm o t em po em que as incent ive. Requer não apenas o aum ent o indispensável da produção m as a sua reorient ação, ao lado de um a diferent e concepção da dist ribuição. A clareza polít ica na det erm inação do que produzir, do com o, do para que, do para quem produzir. Transform ação radical que, ao ser iniciada, m esm o t im idam ent e, e em função das novas condições m at eriais, em um de seus principais aspect os, o da superação, por exem plo, da dicot om ia t rabalho m anual- t rabalho int elect ual, provoca, necessariam ent e, resist ências da velha ideologia que sobrevive, com o um dado concret o, aos esforços de criação da nova sociedade. Aqui, obviam ent e, as resist ências ideológicas são as m esm as que se opõem à sobrepassagem do m odo incorret o de conceber o conhecim ent o com o algo concluído, t erm inado, a que corresponde o papel do educador, enquant o “ possuidor” de t al “ conhecim ent o acabado” , de t ransferi- lo ao educando que dele carece. Resist ências, às vezes, o que é pior, não propriam ent e a um a com preensão, a nível int elect ual, corret a, ao conhecim ent o, m as a um a prát ica em coerência com essa com preensão. Dai que a t ransform ação radical do sist em a educacional herdado do colonizador exij a um esforço int erest rut ural, quer dizer, um t rabalho de t ransform ação ao nível da infraest rut ura e um a ação sim ult ânea ao nível da ideologia. A reorganização do m odo de produção e o envolvim ent o crít ico dos t rabalhadores num a form a dist int a de educação, em que m ais que " adest rados” para produzir, sej am cham ados a ent ender o próprio processo de t rabalho. Nest e cam po ainda, o da t ransform ação do sist em a educacional herdado do colonizador, um a das t arefas a ser levada a cabo será a da capacit ação dos novos quadros do ensino e a da re- capacit ação dos velhos. Ent re eles, sobret udo ent re os segundos, haverá aqueles e aquelas que, percebendo- se “ possuídos” pela velha ideologia, a assum em conscient em ent e, passando a solapar, m anhosa ou ost ensivam ent e, a nova prát ica a esses e dessas nada se pode esperar de posit ivo para o esforço de reconst rução nacional. Mas haverá t am bém aqueles e aquelas que, percebendose “ assum idos” pela velha ideologia, vão dela desfazendo- se na nova prát ica à qual aderem . Com esses se pode t rabalhar. Os segundos são os que aceit am e com et em o “ suicídio de classe” ; os prim eiros, os que o recusam . Referindo- se ao papel da pequena burguesia no quadro geral da lut a de libert ação nacional, afirm ou Am ílcar Cabral: “ Para não t rair est es obj et ivos ( os da libert ação nacional) a pequena burguesia não t em m ais que um cam inho: reforçar sua consciência revolucionária, repudiar as t ent at ivas de aburguesam ent o e as solicit ações nat urais de sua m ent alidade de classe, ident ificar- se com as classes t rabalhadoras, não se opor ao desenvolvim ent o norm al do processo da revolução. I st o significa que, para cum prir perfeit am ent e o papel que lhe cabe na lut a de libert ação nacional, a pequena burguesia revolucionária deve ser capaz de se suicidar com o classe para ressuscit ar com o t rabalhadora revolucionária, int eiram ent e ident ificada com as aspirações m ais profundas do povo a que pert ence. Est a alt ernat iva, prossegue Cabral, – t rair a Revolução ou se suicidar com o classe – const it ui a opção da pequena burguesia no quadre geral da lut a de libert ação nacional" * . Est a alt ernat iva cont inua de pé, em t odos os cam pos de at ividade, hoj e, na lut a pela reconst rução nacional, que é o prolongam ent o daquela. As discussões em t orno da alfabet ização de adult os não poderiam prescindir de out ras t ant as a propósit o dest es problem as, aqui, apenas, sum ariam ent e referidos. I st o não significa, obviam ent e, que as at ividades no set or da alfabet ização de adult os s6 devessem com eçar após a t ransform ação radical do sist em a educacional herdado do coloniza- dor. Significa, porém , que a t ransform ação radical de t al sist em a – e não sua pura reform a – deve ser um obj et ivo que se persiga de m aneira cada vez m ais clara e m ais rápidas. O debat e em t orno dest e problem a fundam ent al – o do sist em a educacional enquant o herança colonial – nos t eria necessariam ent e de levar, em nossa conversa com as equipes do Com issariado de Educação, à análise de um a out ra herança – a da guerra de libert ação. Herança represent ada no acervo de excelent es experiências lideradas pelo PAI GC nas ent ão cham adas zonas libert adas do pais, no set or da produção, da dist ribuição, com os " arm azéns do povo” , no da j ust iça, no da saúde, no da educação. Era preciso saber, sobret udo, com o as equipes nacionais, ao preocupar- se com a t ransform ação do sist em a herdado do colonizador, viam a herança da guerra. É que, na verdade, o novo sist em a a surgir não poderá ser um a sínt ese feliz das duas heranças, m as o aprofunda- m ent o em t odos os aspect os m elhorado do que se fez nas zonas libert adas, em que um a educação em inent em ent e popular e não elit ist a se desenvolveu. * * Em que, * Am ílcar Cabral – Unit é et Lut t e I , L'arm e de la t héorie, Cahiers Libres – Maspéro – Paris. 1975, págs. 302- 303. ** “ Est e t rabalho educat ivo no int erior do país obt eve result ados im port ant es, escolarizando grande núm ero de crianças a part ir dos 10 anos. ( Dadas as condições de guerra era est a a idade m ínim a para a adm issão na inst rução t om ada nas m ãos da população, t ant o quant o est a se deu às t arefas de apoio aos guerrilheiros, um a escola de t rabalho, ligada à produção e preocupada com a form ação polít ica dos educandos, nasceu cm respost a às exigências m esm as da lut a de libert ação e em que as crianças t inham de aprender, inclusive, com o sobreviver aos at aques devast adores dos aviões inim igos. Um a educação que, expressando, de um lado, o clim a de solidariedade que a lut a provocava, de out ro, o est im ulava e que, encarnando o present e dram át ico da guerra, buscava o reencont ro com o aut ênt ico passado do povo e se dava a seu fut uro. Aqui, com o em t odas as dim ensões do processo de libert ação, na Guiné- Bissau, se percebe a visão profét ica de Am ílcar Cabral, a sua capacidade de analisar a realidade do país, de j am ais negá- la, de part ir sem pre dela com o est ava sendo e não com o ele gost aria que ela fosse, de denunciar, de anunciar.Denúncia e anúncio, porém , j am ais est iveram , em Am ílcar Cabral, dissociados, com o t am bém j am ais fora da práxis revolucionária. A denúncia da realidade opressora, da espoliação, da farsa colonialist a, que procurava m ascarar aquela a espoliação, bem com o o anuncio a nova sociedade, const it uindo- se no seio m esm a da velha, at ravés da t ransform ação revolucionária, ele sem pre fez,com seus cam aradas, na prát ica da lut a. Enquant o um hom em que viveu plenam ent e a coerência ent re sua opção polít ica e sua prát ica, a palavra, em Cabral, era sem pre a unidade dialét ica ent re ação e reflexão, prát ica e t eoria. Daí que nunca se t enha deixado t ent ar, de um lado, pelo blábláblá; de out ro, pelo at ivism o. A sua clareza polít ica, a coerência ent re sua opção e sua prát ica, est ão na raiz t ant o de sua recusa ao espont aneism o com o de sua rej eição à m anipulação. Nem as m assas populares, at om izadas, ent regues a si m esm as, m archando ao gost o dos acont ecim ent os, sem um part ido revolucionário e um a vanguarda que esclareçam , que m obilizem , que organizem , que orient em , nem t am pouco um a vanguarda “ propriet ária” das m assas populares. Nem licenciosidade nem aut orit arism o burocrát ico. Nem a vanguarda at rás das m assas populares, perdendo- se na “ poeira” que est as fazem ; nem prim ária. No ano let ivo de 1971 - 1972 o PA I GC t inha nas zonas libert adas um t ot al de 164 escolas, onde 258 professores ensinavam a 14.531 alunos) . Post eriorm ent e, os m elhores alunos eram selecionados para freqüent arem os int ernat os do Part ido, inst alados nos países lim ít rofes, no âm bit o do I nst it ut o da Am izade. Além disso, o PAI GC, t endo em cont a as exigências da reconst rução nacional e não obst ant e as condições da lut a arm ada que obrigava a dedicar m uit os j ovens à preparação m ilit ar, cuidou, part icularm ent e, da form ação de quadros a nível m édio e superior Para isso, cont ou com apoio de países am igos, de t al m aneira que durant e os anos de lut a um núm ero m uit o m aior de guineenses at ingiu os cursos superiores em com paração com o período de ocupação port uguesa. Em 10 anos o PAI GC form ou m uit o m ais quadros que o colonialism o em 5 séculos” . ( " Em 10 anos, de 1963 a 1973, foram form ados os seguint es quadros do PAI GC: 36 com o curso superior, 46 com o curso t écnico m édio, 241 com cursos profissionais e de especialização e 174 quadros polít icos e sindicais. Em cont rapart ida, desde 1471 at é 1961, apenas se form aram 14 guineenses com curso superior e 11 ao nível do ensino t écnico” ) . Luiza Teot ônio Pereira e Luís Mot t a – Guiné Bissau – 3 anos de I ndependência, Edição CI DAC- C, Coleção África em Lut a, Lisboa, 1976, págs. 106- 107. dem asiado à frent e, fazendo- as perder- se na " poeira” da vanguarda, m as est a com aquelas, ensinando e aprendendo m ut uam ent e, na lut a de libert ação. Tal qual Guevara, t al qual Fidel, Am ílcar est eve const ant em ent e em com unhão com seu povo, cuj o passado conhecia t ão bem e em cuj o present e se encont rava t ão radicalm ent e inserido – o present e da lut a a que se deu sem rest rições. Cabral podia, assim , prever e ant ever. Por isso é que, em t odo hoj e que ele int ensam ent e vivia, havia sem pre um sonho possível, um viável hist órico, a com eçar a ser forj ado no hoj e m esm o. " Nós não m orrem os, disse ele cert a vez a m ilit ant es com quem discut ia sobre a força m ágica dos am ulet os, se não fazem os a guerra ou se não at acam os o inim igo em posição de fraqueza. Se com et em os erros, se nos encont ram os em posição débil, m orrem os, não há out ra saída. Vocês m e dirão: " Cabral não o sabe, m as t em os vist o vários casos em que o am ulet o é que salvou os cam aradas da m ort e; as balas vinham e ricochet eavam .” Vocês poderão dizê- lo; espero, porém , que os filhos de nossos filhos, ao ouvirem t ais hist órias e ao ficarem cont ent es por saber que o PAI GC foi capaz de dirigir a lut a de acordo com a realidade de seu país, digam t am bém : " nossos pais lut aram bast ant e, m as acredit avam em coisas est ranhas” . O que lhes digo t alvez não t enha sent ido agora; falo para o am anhã...” * Am ílcar Cabral sabia que os canhões sozinhos não faziam a guerra e que est a se resolve quando, em seu processo, a debilidade dos oprim idos se faz força, capaz de t ransform ar a força dos opressores em fraqueza. Dai a preocupação const ant e, a pacient e im paciência com que invariavelm ent e se deu à form ação polít ica e ideológica dos m ilit ant es, qualquer que fosse o nível e o set or de sua ação. Dai a at enção especial que dedicou aos t rabalhos de educação nas zonas libert adas e t am bém o carinho com que, ant es de ir à frent e de com bat e, visit ava as crianças das escolinhas e com part ia com elas de seus j ogos e de seus brinquedos e a quem t inha sem pre um a palavra corret a a dizer. Crianças a quem cost um ava cham ar de “ flores de nossa revolução” . Não nos surpreendeu a m aneira clara com o, de m odo geral, t odos esses pont os foram analisados pelas equipes nacionais, com a presença do Com issário de Educação que se sent e a elas incorporado, conscient es t odos do que significa o em penho de recriar um a sociedade. Dos obst áculos diários a enfrent ar, desde a falt a dos m ais m ínim os m at eriais – um a sim ples m áquina de escrever – à necessidade im periosa de form ação de quadros nos m ais diferent es cam pos, para a post a em prát ica de seus proj et os. Percebem os a lúcida com preensão que o Com issário Mário Cabral t inha da rica experiência educat iva desenvolvida durant e a guerra, bem com o a m aneira carret a com o encarava a t ransform ação radical do sist em a educat ivo herdado do colonizador que ele, cont udo, sabia não poder ser superado m agicam ent e. Cabral sabia e o sabe cada vez m elhor, em função de sua prát ica * Am ílcar Cabral – Obra cit ada, págs. 200- 201. m ilit ant e à frent e do Com issariado de Educação, que as relações ent re o sist em a educacional e a sociedade global são dialét icas e não m ecânicas. Reconhecendo os lim it es da educação form al, enquant o subsist em a de um sist em a m aior, reconhecia t am bém o seu papel fundam ent al na form ação de um a nova m ent alidade em coerência com os obj et ivos da nova sociedade a ser criada. Papel fundam ent al, cont udo, que não poderia ser cum prido se, em vez de se t om ar a prát ica social vigent e no país, se t ent asse um a educação que correspondesse à fut ura sociedade, em processo de gest ação. Um a t al t ent at iva, rigorosam ent e idealist a, não poderia, por isso m esm o, ser concret izada. Daí que, por exem plo, ent re fechar bruscam ent e as escolas herdadas do colonizador, ao nível prim ário e liceal, enquant o se reorient ava o sist em a educacional, ou anunciar m edidas im possíveis e int roduzir, no velho sist em a, reform as fundam ent ais, capazes de acelerar a sua fut ura t ransform ação radical, em função das m odificações que se fossem operando nas bases m at eriais da sociedade, preferiu a segunda hipót ese. Nest e sent ido, a reform ulação dos program as de Geografia, de Hist ória e de língua port uguesa, ao lado da subst it uição dos t ext os de leit ura, carregados de ideologia colonialist a, era um im perat ivo. Fazia- se necessário que os est udant es guineenses est udassem , priorit ariam ent e, sua geografia e não a de Port ugal, que est udassem seus braços de m ar, seu clim a e não o Rio Tej o. Era preciso que os est udant es guineenses est udassem , priorit ariam ent e, sua hist ória, a hist ória da resist ência de seu povo ao invasor, a da lut a por sua libert ação que lhe devolveu o direit o de fazer sua hist ória, e não a hist ória dos reis de Port ugal e das int rigas da Cort e. Era preciso que os est udant es guineenses fossem cham ados não a “ exercícios de m oldagem em barro, do poet a cego de um olho e coroado de louros” * , m as a part icipar do esforço de reconst rução nacional. Era preciso, por isso m esm o, com eçar a pensar em cam inhos at ravés dos quais fosse possível provocar, m esm o t im idam ent e, no início, as prim eiras int im idades ent re os est udant es liceanos de Bissau e a at ividade produt iva. A " Escola ao cam po” , proj et o que consist ia em deslocar, t em porariam ent e, as escolas urbanas, com seus professores e seus est udant es, a áreas rurais, em que, vivendo em acam pam ent os, part icipariam da at ividade produt iva, aprendendo com os cam poneses e a eles algo ensinando, sem que se suprim issem as dem ais at ividades escolares, era um desses cam inhos de que nos Talava o Com issário Mário Cabral. Assim é que, j á no ano let ivo de 1975 t inham sido iniciadas experiências a prolongar- se, com o de fat o se deu, no de 1976, de int egração do t rabalho produt ivo às at ividades escolares norm ais, no int uit o de com binar t rabalho e est udo, de t al m aneira que aquele fosse, t ant o quant o possível, const it uindo- se com o font e do últ im o, em unidade com ele. Na m edida em que essas experiências se * I V Cent enário da Publicação d’Os Lusíadas – Com issão das Com em orações na Guiné. Os Lusíadas e a Guiné, Bissau, 1972. forem sist em at izando e aprofundando é possível fazer derivar da at ividade produt iva, cada vez m ais, os cont eúdos program át icos de " n” disciplinas que, no sist em a t radicional, são " t ransferidos” , quando são, verbalist am ent e. Em cert o m om ent o j á não se est uda para t rabalhar nem se t rabalha para est udar; est uda- se ao t rabalhar. I nst ala- se ai, verdadeiram ent e, a unidade ent re a prát ica e t eoria. Mas, insist ase, o que a unidade ent re prát ica e t eoria elim ina não é o est udo enquant o reflexão crit ica ( t eórica) sobre a prát ica realizada ou realizando- se, m as a separação ent re am bas. A unidade ent re a prát ica e a t eoria coloca, assim , a unidade ent re a escola, qualquer que sej a o seu nível, enquant o cont ext o t eórico, e a at ividade produt iva, enquant o dim ensão do cont ext o concret o. Ent re as experiências, j á àquela época bast ant e posit ivas, apesar das dificuldades com que se defront ava o Com issariado de Educação para im plem ent á- las m as de ordem ideológica – resist ências de est udant es que não aceit avam a idéia de usar suas m ãos; out ras, de carát er m at erial – falt a de t ransport e, por exem plo – podiam dest acar- se as seguint es: Trabalho aos dom ingos, pela m anhã, com 120 alunos concluint es do liceu de Bissau, nas granj as do Est ado. Part icipação de alunos do 2° e 3° anos do liceu de Bissau em at ividades produt ivas, em hort as do I nst it ut o da Am izade. Dois m eses de t rabalho no set or da pecuária pelos alunos do 2° ano da Escola Salvador Allende. Jardins feit os pelos alunos de um grande núm ero de escolas prim árias da capit al. É int eressant e salient ar que, ant es e depois das idas ao cam po para a part icipação na at ividade produt iva, os alunos do liceu discut iam com os t écnicos agrícolas, que os acom panham sem pre nas visit as, um a série de aspect os ligados àquela prát ica. Os sem inários de avaliação, realizados na volt a de cada ida ao cam po, confirm am , aprofundam ou corrigem a visão de alguns dos pont os discut idos na reunião preparat ória. É int eressant e, t am bém , salient ar a m aneira abert a com que os cam poneses recebiam a visit a de est udant es urbanos, dispondo- se a com eles algo aprender e a eles algo ensinar. No fundo, porém , deve- riam ser os est udant es os que m ais aprendiam , ao fazer a sua int im idade, pela prim eira, vez, com o t rabalho duro de lavrar a t erra, de colher, de produzir. Est as experiências eram feit as, não só em Bissau, onde as dificuldades são m aiores, m as nout ras áreas do país, em que as condições são m ais favoráveis. No m om ent o, elas se est endem à quase t ot alidade das escolas, havendo algum as, com o o liceu de Bafat á, que t êm dois cam pos agrícolas, sem falar- se das escolas das ant igas zonas libert adas, que cont inuam a ser aut o- suficient es, at ravés da at ividade produt ora de seus alunos e de seus professores. Na região de Bafat á, acrescent e- se, em 106 escolas, 96 t êm cam po agrícola. Medidas com o est as, a que se j unt avam a organização do Com issariado de Educação, evit ando- se, porém , a sua rígida cent ralização, e para o que se cont ava, na época de nossa visit a, com a colaboração m ilit ant e de dois educadores cubanos e o esforço j á iniciado no sent ido da capacit ação e recapacit ação dos professores, anunciavam t ransform ações m ais profundas que viriam a seu t em po. Transform ações j á agora em curso e de que falarei m ais adiant e. ( C) Quant o à alfabet ização de adult os, duas iniciat ivas básicas haviam sido com eçadas – um a, ligada às Forças Arm adas do Povo,FARP, e a out ra ao Com issariado de Educação que j á criara o seu Depart am ent o de Educação de Adult os. A t endência, porém , respeit adas em bora cert as especificidades de cada um a dessas iniciat ivas, era para a unificação dos esforços, indispensável à eficiência do Program a Nacional. É int eressant e salient ar que, quer do pont o de vist a das FARP, quer do Com issariado de Educação, a alfabet ização era t om ada com o um at o polít ico, em cuj o processo os alfabet izandos se engaj am com a aj uda dos anim adores – alfabet izadores – enquant o m ilit ant es uns e out ros, no aprendizado crít ico da leit ura e da escrit a e não na m em orização m ecânica e alienant e de sílabas, palavras e frases que lhes fossem doadas. Posição, de rest o, em t ot al coincidência com a nossa. Os seus problem as, pois, não se punham ao nível da visão corret a do processo, m as ao nível de sua concret ização. O im port ant e, de fat o, na alfabet ização de adult os não é o aprendizado da leit ura e da escrit a de que result e a leit ura de t ext os sem a com preensão crit ica do cont ext o social a que os t ext os se referem Est a e a alfabet ização que int eressa às classes dom inant es quando por diferent es razões, necessit am est im ular, ent re as classes dom inadas, a sua " int rodução ao m undo das let ras” . E quant o m ais “ neut ras” fizera est as classes sua “ ent rada” nest e m undo, m elhor para aquelas. Num a perspect iva revolucionária, pelo cont rário, im põe- se que os alfabet izandos percebam ou aprofundem a percepção de que o fundam ent al m esm o é fazer hist ória e por ela serem feit os e refeit os e não ler est órias alienant es. Correndo o risco de parecer esquem at icam ent e sim ét rico, diria que, no prim eiro caso, os educandos j am ais são cham ados a pensar, crit icam ent e, os condicionam ent os de seu próprio pensam ent o; a reflet ir sobre a razão de ser de sua própria sit uação, a fazer um a nova “ leit ura” da realidade que lhes é apresent ada com o algo que é e a que devem sim plesm ent e m elhor adapt ar- se pensam ent o- linguagem , absurdam ent e desligado da obj et ividade os m ecanism os de int roj eção da ideologia dom inant e, j am ais discut idos. O conhecim ent o é algo que deve ser “ com ido” e não feit o e re- feit o. O analfabet ism o é vist o ora com o um a erva daninha, ora com o um a enferm idade, dai que se fale t ant o de sua " erradicação” ou dele com o um a " chaga” . Obj et os no cont ext o geral da sociedade de classes, enquant o oprim idos e proibidos de ser, os analfabet os cont inuam obj et os no processo da aprendizagem da leit ura e da escrit a. É que com parecem a est e processo não com o quem é convidado a conhecer o conhecim ent o ant erior que sua prát ica lhes deu para, reconhecendo as lim it ações dest e conhecim ent o, conhecer m ais. Pelo cont rário, o que a eles se lhes propõe é a recepção passiva de um “ conhecim ent o em pacot ado” . No segundo caso, na perspect iva revolucionária, os educandos são convidados a pensar. Ser conscient e não é, nest a hipót ese, um a sim ples fórm ula ou um m ero “ slogan” . É a form a radical de ser dos seres hum anos, enquant o seres que não apenas conhecem , m as sabem que conhecem . O aprendizado da escrit a e da leit ura, com o um at o criador, envolve, aqui, necessariam ent e, a com preensão crit ica da realidade. O conhecim ent o do conhecim ent o ant erior, a que os alfabet izandos chegam ao analisar a sua prát ica no cont ext o social, lhes abre a possibilidade a um novo conhecim ent o: conhecim ent o novo, que indo m ais além dos lim it es do ant erior, desvela a razão de ser dos fat os, desm ist ificando assim , as falsas int erpret ações dos m esm os. Agora, nenhum a separação ent re pensam ent o- linguagem e realidade obj et iva, daí que a leit ura de um t ext o dem ande a " leit ura” do cont ext o social a que se refere. Nest e sent ido, a alfabet ização de adult os se inscreve com o um a int rodução ao esforço de sist em at ização do conhecim ent o que t rabalhadores rurais e urbanos alcançam em decorrência de sua at ividade prát ica, que j am ais se explica por si m esm a, m as pelas finalidades que a m ot ivam . Sist em at ização que se vai aprofundando nas et apas que se seguem à alfabet ização. Ao lado da reorganização do m odo de produção, est e é, enfat ize- se, um dos aspect os cent rais a ser crit icam ent e com preendido e t rabalhado por um a sociedade revolucionária: o da valoração, e não idealização, da sabedoria popular que envolve a at ividade criadora do povo e revela os níveis de seu conhecim ent o em t orno da realidade. O que se im põe, de B. Escola num a zona libert ada. Período da lut a de libert ação. ( Publicação aut orizada pelo Com issariado de I nform ação e Turism o da República da Guiné- Bissau) fat o, não é a t ransm issão ao povo de um conhecim ent o previam ent e elaborado, cuj o processo im plicasse no desconhecim ent o do que o povo j á sabe e, sobret udo, de que o povo sabe, m as a ele devolver, em form a organizada, o que ele nos oferece em form a desorganizada * . O que vale dizer, conhecer com o povo a m aneira com o o povo conhece e os níveis de seu conhecim ent o. I st o significa desafiá- lo, at ravés da reflexão crit ica sobre sua própria at ividade prát ica, port ant o sobre as finalidades que a m ot ivam , a organizar os seus achados, superando, assim , a m era opinião sobre os fat os por um a cada vez m ais rigorosa apreensão e explicação dos m esm os. Desafio a que Am ílcar Cabral dava séria at enção quando, analisando a lut a de libert ação com o " um fat o cult ural e um fat or de cult ura” sublinhava a necessidade de que essa cult ura se fosse t ornando cada vez m ais cient ifica e não cient ificist a – sobrepassando, ent ão, o que ele cost um ava cham ar de " fraquezas da cult ura” . Um t rabalho com o est e, fundado sem pre na prát ica de pensar a prát ica, com que a prát ica se aperfeiçoa, proporcionaria o surgim ent o de verdadeiros cent ros de est udos que, girando em bora em t orno de um t em a cent ral – agricult ura, saúde, por exem plo – desenvolveriam análises globais dos m esm os. Cent ros que se iriam convert endo a pouco e pouco, em função m esm a de t rabalho sist em at izador do conhecim ent o, em perm anent e processo de aprofundam ent o, em fut uras unidades universit árias m as de um a universidade que nasceria das classes t rabalhadoras e com elas não sobre elas, o que significaria cont ra elas. O im port ant e, na verdade, num t al t rabalho com o povo, é o exercício daquela post ura crít ica diant e da realidade, em que est a com eça a ser t om ada, cada vez m ais rigorosam ent e, com o obj et o de conhecim ent o, na análise da própria ação t ransform adora sobre ela. É t er na at ividade prát ica um obj et o perm anent e de est udo de que result e um a com preensão da m esm a que ult rapasse o seu carát er im ediat am ent e ut ilit ário. É t er nela não apenas a font e do conhecim ent o de si m esm a, da sua razão de ser, m as de out ros conhecim ent os a ela referidos. A quest ão que se coloca, pois, a um a sociedade revolucionária, não é a de apenas “ t reinar” a classe t rabalhadora no uso de dest rezas consideradas com o necessárias ao aum ent o da produção, dest rezas que, na sociedade capit alist a, são cada vez m ais lim it adas, m as aprofundar e am pliar o horizont e da com preensão dos t rabalhadores ( t rabalhadoras) com relação ao processo produt ivo. Mas digam os algo de que se fazia, no m om ent o de nossa visit a, no set or da alfabet ização de adult os. Com o era de se esperar, os t rabalhos nos seios das FARP, pelo alt o índice de clareza polít ica de seus m ilit ant es, em decorrência da lut a de libert ação, j á apresent avam result ados verdadeiram ent e posit ivos, apesar das inúm eras dificuldades a serem t ranspost as e de que se achavam conscient es os responsáveis. Dificuldades ora * " Nós devem os ensinar às m assas com precisão o que delas recebem os confusa mente", disse Mao em entrevista a Malraux. André Malraux – Antimémoires, Gallimard, Paris, 1967, pág. 531. quant o à falt a de m at erial, ora no que respeit a à pouca eficiência de cert os anim adores ( alfabet izados) , a dem andar um perm anent e aperfeiçoam ent o. Em j unho de 1975, dois m eses ant es de nossa prim eira visit a e após um curso de capacit ação inicialm ent e sob a responsabilidade de um a única m ilit ant e * , 82 anim adores e 7 coordenadores ( supervisores) pert encent es às FARP se encont ravam em at ividade, em quart éis de Bissau, enquant o 150 out ros m ilit ant es t erm inavam sua form ação. O proj et o das FARP, pensando pelo Com issário polít ico das m esm as, Júlio de Carvalho, e seus assessores, previa t rês m om ent os ligados ent re si. O prim eiro, o de um int enso esforço de alfabet ização at ravés do qual, t ão rapidam ent e quant o possível, se buscaria superar o problem a do analfabet ism o ent re seus m ilit ant es, na zona de Bissau. No segundo, no m esm o t em po em que, em Bissau, se com eçasse a pós- alfabet ização, aprofundam ent o diversificado do que se faria no prim eiro, se est enderia a alfabet ização às unidades m ilit ares por t odo o país. No t erceiro, finalm ent e, “ as FARP, t ransbordando- se a si m esm as, para repet ir as palavras de Julio de Carvalho, alcançariam a população civil” . Est e “ t ransbordam ent o” se daria ora at ravés de m ilit ares da FARP que, em bora desm obilizados e incorporados à at ividade produt iva, cont inuariam a elas ligados, ora por m eio daqueles que, na at iva, dariam sua cont ribuição às t arefas de m obilização e de alfabet ização de adult os e civis. Ao escrever est a int rodução, posso afirm ar que os dois prim eiros m om ent os se acham em pleno desenvolvim ent o. A pósalfabet ização se inicia nos quart éis de Bissau, onde j á não há, prat icam ent e, analfabet os, enquant o a alfabet ização at inge a 80% dos m ilit ant es das Forças Arm adas Revolucionárias do Povo nas dem ais zonas do país. O t erceiro m om ent o est á em seus com eços. Cinge- se, at é agora, à colaboração que represent ant es da Equipe Cent ral das FARP vêm dando à Com issão Coordenadora de Alfabet ização, enquant o m em bros da m esm a. Com issão que, acrescent e- se, de acordo com as linhas gerais da polít ica do Part ido e do Governo, planej a e supervisiona os t rabalhos de alfabet ização de adult os nas áreas civis. Obviam ent e, era necessário que os cinco com ponent es da equipe * nos dividíssem os e, assim , visit ássem os alguns, pelo m enos, dos Círculos de Cult ura em funcionam ent o. Era indispensável, no inst ant e em que nos achávam os, o de ver e ouvir, indagar e discut ir, que observássem os com o se " m oviam ” , nos Círculos, os seus part icipant es, de um lado, os alfabet izandos, de out ro, os anim adores. At é que pont o sua prát ica est aria sendo preponderant em ent e criadora ou, pelo cont rário, enfadonham ent e * Est a m ilit ant e part icipara, em Lisboa, de um sem inário de form ação, coordenado pelo professor Cint ra, em que s e analisariam os aspect os fundam ent ais da experiência do aut or, sobret udo no Brasil. * No m om ent o da visit a, com punham a equipe Miguel D’Arcy de Oliveira, Claudius Ceccon, Marcos Arruda, Elza Freire e Paulo Freire. Post eriorm ent e, se incorporaram , vivendo em Guiné- Bissau, José Barbosa e Gisèle Ouvray e, ao nível de Genebra, Rosisca D’Arcy de Oliveira. repet idora e alienadam ent e m em orizadora. At é que pont o est ariam os alfabet izandos apropriando- se de sua palavra, exercit ando a sua expressividade, conscient em ent e envolvidos num at o polít ico ou se, pelo cont rário, est ariam sim plesm ent e “ aprendendo a ler e a escrever” . É int eressant e sublinhar que a nossa at it ude, ao visit ar os Círculos de Cult ura, não era, de um lado, a de quem se inclinasse a superest im ação do que fosse observado nem , de out ro, a de quem , fixado em m odelos ideais, não fosse capaz de perceber a dist ância ent re eles e a realidade concret a. Nem euforias incont idas diant e dos acert os, nem negat ivism os em face dos equívocos que fiássem os encont rar. O im port ant e era ver o que se fazia, nas condições m at eriais lim it adas que sabíam os exist ir, para, em seguida, ver o que se poderia fazer de m elhor, nas m esm as condições, caso não fosse possível, de im ediat o, t orná- las m ais favoráveis. O que a observação da prát ica nos Círculos de Cult ura revelou é que, apesar dos desacert os, os seus part icipant es, alfabet izandos e anim adores, se achavam engaj ados num t rabalho preponderant em ent e criador. Em algo m ais que sim plesm ent e aprender e ensinar a ler e a escrever. E ist o é que era fundam ent al. Ent re os desacert os m ais flagrant es poderia cit ar, por exem plo, a im paciência ou a pressa com que cert os anim adores, às vezes, criavam , eles m esm os, as palavras em lugar de desafiarem os alfabet izandos a fazê- lo, ou a ênfase que davam à repet ição em coro, dem asiado dem orada, de um conj unt o silábico, cert am ent e convencidos de que t al repet ição cadenciada seria o m elhor m eio pelo qual os alfabet izandos conheceriam as sílabas, ou ainda a falt a de vivacidade com que alguns anim adores part icipavam dos debat es em t orno da t em át ica referida à palavra geradora. Tais desacert os, cuj a inexist ência, est a sim , nos t eria surpreendido, considerando- se, sobret udo, o pouco t em po de prát ica e de form ação t eórica dos anim adores, deveriam ir sendo superados at ravés de sem inários de avaliação perm anent e, coordenados pelos supervisores. Sem inários em que est es, fundados na observação const ant e da prát ica dos anim adores, fariam a avaliação, com eles, dessa prát ica, reforçando os acert os e procurando sobrepassar os erros. E int eressant e salient ar, t am bém , a im aginação criadora que nos foi possível observar ent re alguns anim adores. Um deles, por exem plo, chega ao local do Circulo de Cult ura, cum prim ent a os cam aradas alfabet izandos e com eça, em seguida, a varrer, com um a vassoura rúst ica, a sala t oda. Pacient em ent e, fazia que sua vassoura passeasse de um cant o a out ro. Às vezes, det inha- se, curvava- se para olhar sob os bancos em que, sent ados, os alfabet izandos com eçavam j á a revelar sinais de inquiet ação. Não podiam com preender a razão de ser do com port am ent o do anim ador, a insist ência com que ia e vinha com sua vassoura, lim pando o que lhes parecia j á lim po. Em cert o m om ent o, um deles, expressando o est ado de espírit o dos dem ais, disse: "Cam arada, quando com eçam os a nossa ‘aula’?” “ A ‘aula’ com eçou desde que cheguei” , respondeu o anim ador, pergunt ando em seguida: " que fiz eu at é agora?” " A lim peza da sala” , disseram . Dirigindo- se, ent ão, ao quadro negro im provisado, escreveu, lent am ent e, o anim ador, a palavra Lim peza e disse: “ exat am ent e, lim peza é a palavra geradora que est udarem os hoj e” . Na verdade, o educador é um polít ico e um art ist a, que se serve da ciência e das t écnicas, j am ais um t écnico friam ent e neut ro. Se a nossa at it ude, ao visit ar os Círculos de Cult ura, t ivesse sido um a das duas ant eriorm ent e referidas – a das euforias fáceis diant e dos acert os ou a dos negat ivism os em face dos erros e dos equívocos, t eríam os, na prim eira hipót ese, idealizado o que vim os, na segunda, decret ado a invalidade da experiência. Em am bas, seríam os nós os redondam ent e em erro. No que diz respeit o às poucas experiências na área civil, ist o é, nos bairros populares de Bissau, a sit uação era com plet am ent e diferent e, m as, ao m esm o t em po, com preensível. Um a coisa é t rabalhar no seio das FARP, com m ilit ant es forj ados na lut a de libert ação, claros com relação ao que significa o em penho de reconst rução nacional, com o cont inuação daquela lut a, e out ra é t rabalhar em bairros populares de Bissau, int ocados, de m aneira diret a, pela guerra, e fort em ent e m arcados pela ideologia colonialist a, com o t ent ei esclarecer em um a das cart as que com põem est e livro. Assim , enquant o que, no m om ent o da prim eira visit a, havia 82 Círculos de Cult ura funcionando nos quart éis de Bissau, nos bairros populares da cidade t udo est ava por fazer ou refazer. O que am bas as experiências – a que se dava no seio das FARP e a que se buscava desenvolver nos bairros populares – sublinhavam era a necessidade do est abelecim ent o de um a polít ica de prioridades para o Program a de alfabet ização de adult os. Program a que, em bora nacional em seus obj et ivos, part isse de cert as áreas e set ores det erm inados, cuj os crit érios de escolha deveriam ser bem definidos. Para que a alfabet ização pudesse cum prir o seu principal obj et ivo – o de inserida no esforço de reconst rução nacional, cont ribuir, efet ivam ent e, para est e esforço – era necessário que se encont rasse em dinâm ica relação com out ras form as básicas de int ervenção social, capazes de inscrevê- la com o um a necessidade. A alfabet ização de adult os, com o a educação em geral, não pode superpor- se à prát ica social que se dá num a cert a sociedade, m as, ao cont rário, deve em ergir dest a prát ica, enquant o um a de suas dim ensões. Não t eria sent ido – e dist o est ava bast ant e conscient e o Com issário de Educação, Mário Cabral – t ransform ar- se o nascent e Program a Nacional de Alfabet ização de Adult os, na Guiné- Bissau, em m ais um a cam panha, nos m oldes t radicionais que t odos conhecem os, em que, à alfabet ização, idealizada, por ingenuidade ou ast úcia, se em prest a um a força que ela não t em . A quest ão fundam ent al que se colocava, pois, não era a de se fazer a alfabet ização de adult os por ela m esm a ou a de fazê- la com o se fosse ela, em si, um inst rum ent o de t ransform ação da realidade, m as a de pô- la a serviço, reinsist a- se, da reconst rução nacional. Dest a form a, os proj et os de alfabet ização de adult os, no cam po civil, deveriam concret izar- se, de um lado, naquelas áreas em que, de acordo com a polít ica do Part ido, realizada pelo Governo, cert as alt erações nas relações sociais de produção est ivessem verificandose ou por verificar- se, a curt o prazo; de out ro, no int erior de órgãos da adm inist ração do Est ado – hospit ais, correios e t elégrafos, oficinas de obras públicas et c. – cuj os servidores t ivessem , na alfabet ização, a int rodução a out ros conhecim ent os, necessários ao cum prim ent o das novas t arefas im post as pela reconst rução nacional * . Daí a necessidade, sublinhada pelo Com issário Mário Cabral, de um a est reit a relação ent re seu com issariado e o de Planej am ent o, o de Agricult ura, o de Saúde. Necessidade de est reit a relação, igualm ent e, ent re o Com issariado de Educação e as organizações de m assa do Part ido, com o a Juvent ude Africana Am ílcar Cabral – JAAC – cuj os m ilit ant es poderiam dar, com o o fazem agora, um a im port ant e cont ribuição aos proj et os de alfabet ização. ( D) Ainda no prim eiro m om ent o de nossa visit a ent ram os em cont act o, em Bissau, com o Com issariado Polít ico das FARP, a que j á fiz referência, com o Com issariado de I nform ação, com o de Agricult ura, com o de Saúde, com a JAAC, àquela época em fase de reest rut uração, e fom os recebidos, em visit a m ais de t rabalho do que prot ocolar, pelo Cam arada Francisco Mendes, Com issário Principal, e pelo President e do Conselho de Est ado, Cam arada Luiz Cabral. Quant o ao Com issariado de I nform ação, cuj o papel no processo de reconst rução nacional é indiscut ível, sobret udo na m edida em que a inform ação, não se reduzindo a um a pura t ransm issão ou t ransferência de m ensagens se vá t ornando, com o é o caso da Guiné- Bissau, form ação e com unicação, int eressava- nos ver só t ipos de aj uda que poderia oferecer ao fut uro program a de alfabet ização. Program a cuj a eficiência dem andaria, const ant em ent e, esforços de m obilização e de part icipação popular que poderiam t er, na rádio e no j ornal, eficient es m eios de aj uda. Das conversações m ant idas, por out ro lado, com os responsáveis pela Saúde e pela Agricult ura, m enos prolongadas, com o era nat ural, do que as que t ivem os com as equipes do Com issariado de Educação, dois aspect os fundam ent ais se ressalt aram , em vist a das relações necessárias ent re alfabet ização, produção e saúde. De um lado, a polít ica de saúde, privilegiando a m edicina prevent iva, em cuj a prát ica a educação sanit ária ocupa papel dest acado; de out ro, a preocupação do Com issariado de Agricult ura com o est im ulo à form ação de cooperat ivas e de fazendas do Est ado, em que o t rabalho baseado na aj uda m út ua seria im port ant e e com a diversificação da cult ura. Medidas, em últ im a análise, indispensáveis ao desenvolvim ent o do país. * Se est e problem a com eçou a ser discut ido na et apa a que m e refiro, a de nossa prim eira est ada na Guiné- Bissau, foi, porém , na segunda visit a, em fevereiro dest e ano, que veio a definir- se claram ent e. A quest ão, port ant o, que se colocava ao Com issariado de Educação, com o lucidam ent e anot ava Mário Cabral, seria a de est ar present e, at ravés de proj et os de alfabet ização de adult os, a t oda iniciat iva do Com issariado de Agricult ura, no dom ínio das cooperat ivas de produção e no das fazendas do Est ado e a de incluir, nos program as de alfabet ização, aspect os ligados à m edicina prevent iva, de acordo com o Com issariado de Saúde. Servindo- se dest a ou daquela experiência no cam po de um a cooperat iva de produção, os m ilit ant es, envolvidos nos proj et os de alfabet ização, com o anim adores, deveriam est ar at ent os a com o relacionar t ais experiências com a alfabet ização. Sim ult aneam ent e com o aprendizado da escrit a e da leit ura, os alfabet izandos deveriam ser convidados a pensar sua prát ica e as finalidades que a m ot ivam no com bat e, por exem plo, aos m osquit os, na lut a cont ra a m alária, ou cham ados ao debat e em t orno das vant agens do t rabalho baseado na aj uda m ut ua sobre o t rabalho de carát er individualist a, na criação da cooperat iva. Seria do m ais alt o proveit o, por out ro lado, se pudesse preparar m at erial visual, inicialm ent e sobre experiências realizadas em out ros países da África, com a análise das quais se sobrepassariam os lim it es geográficos da área e do próprio país e se iria ganhando um a visão m ais am pla da realidade. Debat er a prát ica do com bat e ao m osquit o num a área rural da Guiné- Bissau e depois discut ir a m esm a prát ica num a com unidade cam ponesa de Moçam bique, da Tanzânia ou de São Tom é e Príncipe significa possibilit ar a análise de um sem - núm ero de problem as ligados a esses países. SEGUN D O M OM EN TO ( E) O segundo m om ent o de nossa prim eira est ada na Guiné- Bissau foi dedicado a rápidas visit as a algum as das ant igas zonas libert adas. Zonas em que o PAI GC realizara, com o salient ei ant eriorm ent e, experiências de alt a im port ância, no dom ínio da educação, da saúde, da j ust iça, da produção, da dist ribuição, com os “ arm azéns do povo” que, depois da independência t ot al do pais, " no espaço de um ano chegaram a cont rolar t odo o seu com ércio” * . Em bora, em part e, sacrificadas pelo m au t em po, as visit as nos facilit aram im port ant es cont act os com com issários polít icos locais, que nos falavam de sua m ilit ância j unt o ao povo e com ele; alguns, de suas experiências durant e a lut a, do aprendizado em que ela im plica, não apenas para sobreviver durant e ela e vencer o inim igo, m as t am bém para a out ra lut a, a da reconst rução nacional. Cont act os com t écnicos nacionais e est rangeiros, com professores prim ários que part icipavam , num dos cent ros em que est ivem os, do prim eiro sem inário de form ação em t orno da Pedagogia de Freinet . Só, porém , a part ir da segunda visit a ao país, em fevereiro dest e ano, é que nos seria possível com eçar a ir aprofundando a visão das zonas int erioranas, não apenas percorrendo áreas * Discurso pronunciado pelo President e do Conselho de Est ado, Luiz Cabral, na abert ura da segunda sessão da prim eira legislat ura da Assem bléia Nacional Popular, em 22 ce abril de 1976 – Bissau. cult ivadas, m as t am bém conversando com alunos e populações cam ponesas. De qualquer m odo, cont udo, gost aria de fixar, aqui, pelo m enos um aspect o que a m im m e t ocou naquelas visit as: a conversa que t ivem os Elza e eu com um j ovem diret or de um I nt ernat o. Falava m anso, calm o, obj et ivam ent e. Cont ava pedaços da hist ória de que part icipara com o fazedor e revelava com o vinha igualm ent e por ela sendo feit o. Sem ret órica, sem adj et ivos veem ent es, m as sem frieza e profundam ent e hum ano, ia nos dizendo do t rabalho educat ivo do I nt ernat o, na zona libert ada. I a nos falando de com o a escola e a com unidade se int egravam no esforço com um de sust ent ar a lut a e, sent indo- se e sabendo- se igualm ent e pela lut a sust ent adas, se davam à t arefa apont ada pelo PAI GC, a de vencer, a de expulsar o invasor, a de libert ar o país. Referia- se a Am ílcar Cabral não com um a saudade sent im ent al, nem , por out ro lado, t am bém , com o se ele fosse um m it o a ser cult uado, m as com o um sím bolo, um a " presença” m arcant e na hist ória de seu povo. Não foi preciso que nos falasse de sím bolo ou de presença m arcant e para que eu soubesse que era assim que ele ent endia Cabral. E est a com preensão, que é geral na Guiné- Bissau e Cabo Verde, é o result ado da aut ent icidade do t est em unho do grande líder, da m aneira com o int ensam ent e se experim ent ou na com unhão com seu povo, sem a qual não poderia t er feit o o que fez nem t er sido o que foi e cont inua a est ar sendo. Ninguém é ou cont inua a est ar sendo sozinho. Muit o ant es de t er sido considerado com o " Pai da Nacionalidade” , Cabral se fez “ Filho do Povo” , com ele aprendendo e a ele ensinando, na prát ica revolucionária * . Enquant o o j ovem m ilit ant e nos ia falando, a Elza e a m im , da experiência do I nt ernat o, dos alunos e professores t rabalhando j unt os, aprendendo j unt os, inclusive a com o defender- se dos bom bardeios cruéis dos inim igos, ia ficando cada vez m ais claro o papel que aquela experiência t oda t eria a j ogar, com o de fat o est á j ogando, hoj e, na lut a pela reconst rução nacional. O seu papel na superação do sist em a educacional herdado dos colonizadores. Durant e t odo o t em po em que est ivem os j unt os, am parados cont ra a chuva fort e que caía, no t erraço est reit o de um a pequena casa, ouvíam os m ais do que falávam os. De vez em quando, um a pergunt a, apenas, com que possibilit ávam os o j ovem educador a esclarecer m elhor um pont o, a recordar um out ro. " Tínham os sem pre, disse ele, em dado m om ent o, não m uit o longe do local dos I nt ernat os, sít ios seguros, dent ro do m at o, onde, no caso de bom bardeios, pudéssem os abrigar as crianças e os adult os que viviam em t orno. Ainda bem não se com eçava a perceber o barulho dos aviões, j á t odos, rapidam ent e, quase inst int ivam ent e, se organizavam para abandonar a área. Cada um * É significat ivo, a esse respeit o, o que disse out ro m ilit ant e, num m om ent o dram át ico, o do assassinat o de Am ílcar Cabral pelos colonialist as, e que nos foi referido pelo President e Luiz Cabral: " Eu não choro o cam arada Cabral” , disse o m ilit ant e diant e de seu corpo t om bado. " O cam arada Cabral não m orreu. Quem fala agora não sou eu, m as ele, at ravés de m im . O cam arada Cabral vai cont inuar a falar at ravés do povo, cham ando- nos para a lut a, para a vit ória cont ra o opressor." sabia o que devia fazer e fazia, naquelas ocasiões. Cert a vez, cont inuou, ao regressarm os do esconderij o, após um bom bardeio, encont ram os, no pát io do I nt ernat o, t rês cam aradas nossas, duas j á m ort as, a t erceira m orrendo, as barrigas abert as. Junt o a elas, t rês fet os varados por baionet a.” Não lhe pergunt ei com o t inham chegado à zona libert ada os aut ores daquele crim e. Não quis saber se haviam vindo no avião, que depois do bom bardeio t ivesse descido em um cam po qualquer ou se t eriam sido soldados de um a pat rulha avançada do exércit o colonialist a. Nada dist o m e int eressou naquele inst ant e. Pergunt ei apenas, m ãos crispadas, o que faziam quando conseguiam aprisionar assassinos t ão perversos. Tenho a im pressão de que o j ovem m ilit ant e percebeu, na t onalidade de m inha voz, nas m inhas m ãos crispadas, na m inha face, em m im t odo; no olhar de Elza, no seu silêncio que grit ava, a revolt a im ensa que nos assalt ava. Com voz sem pre m ansa e calm a, sua respost a foi um ensinam ent o. " Gent e ruim com o essa, disse ele, quando pegada, era punida, de acordo com o t ribunal popular. A revolução pune m as não t ort ura. O cam arada Cabral falava sem pre do respeit o que se devia t er ao inim igo. Era um a palavra de ordem do nosso Part ido, do PAI GC.” Ai est á um a diferença radical ent re a violência dos opressores e a violência dos oprim idos. A daqueles é exercida para preservar a violência, im plícit a na exploração, na dom inação. A dos últ im os, para suprim ir a violência, at ravés da t ransform ação revolucionária da realidade que a possibilit a. A m at uridade polít ica revelada por aquele m ilit ant e e que a lut a pela libert ação, com o " fat o cult ural e fat or de cult ura” provoca, é um a const ant e na Guiné- Bissau, com exceção de alguns set ores da população de cert as áreas m enos t ocadas pela lut a m esm a. Na Guiné- Bissau se fala da lut a sem t iradas orat órias, sem exuberâncias. Fala- se do que ela ensinou, do que ela exigiu; do que cont inua a ensinar, a exigir, enquant o processo perm anent e. Do engaj am ent o em que ela im plica; da vigilância que ela dem anda. Na verdade, essa sim plicidade e essa ausência de t riunfalism o revelam , de um lado, um bem enraizado sent im ent o de segurança; de out ro, um a verdadeira hum ildade que, por isso m esm o, j am ais se alonga em falsa m odést ia. Segurança e hum ildade que foram aprendidas na lut a difícil, na superação dos obst áculos, na vit ória sobre o inim igo. Por isso é que, envolt a nelas, o que se percebe é a firm e decisão do povo e de sua vanguarda, o PAI GC, no sent ido de concret izarem o sonho possível que perseguem desde o com eço da lut a – o de re- invent arem saia sociedade, banindo a exploração de uns por out ros e superando as inj ust iças. Discret am ent e, com pudor revolucionário e, em coerência com est e pudor, absolut am ent e conscient e do papel hist órico de seu povo, é que aquele j ovem m ilit ant e falou a Elza e a m im da prát ica em que se re- fez e da em que cont inuava a re- fazer- se, j unt o com seus cam aradas; da alegria de haver part icipado da dureza da lut a, da alegria de est ar part icipando da reconst rução de seu país. Na volt a a Bissau, olhando pela j anela do helicópt ero dirigido por pilot os soviét icos, j unt o aos quais dois j ovens nacionais cont inuavam sua aprendizagem , via, lá em baixo, as frondes das árvores queim adas de napalm . Olhava at ent am ent e, curiosam ent e. Nenhum anim al. Um a ou out ra ave m aior voava calm am ent e. Lem brava- m e do que nos dissera o President e Luiz Cabral, em nosso prim eiro encont ro, quando nos falava de diferent es inst ant es e aspect os da lut a, com a m esm a sobriedade com que o j ovem diret or do I nt ernat o conversava com Elza e com igo. “ Houve um m om ent o, disse o President e, em que os anim ais da Guiné “ pediram asilo” aos países vizinhos. Som ent e os sagüis perm aneceram , refugiando- se nas zonas libert adas. Tinham horror aos " t ugas” . Depois, coit ados, passaram a t em er- nos. E que nos vim os forçados a com eçar a com ê- los. Espero que, em breve, os nossos anim ais ret ornem – concluiu o President e – convencidos de que j á não há guerra” . Da j anela do helicópt ero olhava at ent am ent e, curiosam ent e. Não havia ainda, pelo m enos naquelas bandas do país, indícios daquele ret orno... ( F) Já em Bissau, enquant o nos preparávam os, em equipe, para a últ im a fase de nossa visit a, houve um fat o que nos m arcou profundam ent e e que t em que ver com m uit as das considerações feit as nest a int rodução. Sobre ele, desde ent ão, t enho falado sem pre em sem inários e não gost aria, agora, de silenciá- lo. Manhã quent e de set em bro. Asfixiant e, quase. Com em orava- se a independência do país. Um a grande praça. No fundo, o palanque em que se achavam as aut oridades nacionais, o corpo diplom át ico, convidados e delegações de países am igos. Grupos variados desfilam . Represent am organizações populares de Tabancas e bairros de Bissau. Crianças, j ovens, m ulheres, hom ens coloridam ent e vest idos. Cant am e bailam . Movem - se. Vão e vêm , curvando- se e recurvando- se, num a riqueza ext raordinária de rit m os. A m ult idão t oda, ao longo da avenida que desem bocava na praça, part icipava, at ivam ent e, do desfile. Não est ava ali apenas para olhar e escut ar, m as para expressar, conscient em ent e, a alegria de poder est ar ali, com o um povo que conquist ara o direit o de ser. A m ult idão cant ava t am bém , m ovia- se t am bém . Não se t rat ava de um "espet áculo folclórico” a que uns poucos, à dist ância, assist issem . Era um a fest a do povo, que vivia o seu dia m aior. Após o desfile, encerrado com a apresent ação de unidades das FARP, o President e Luiz Cabral com eçou ent ão o seu discurso. Exat am ent e em frent e ao local do palanque em que se achava o President e, um grupo da banda m ilit ar, perfilado. Em cert o m om ent o, um dos soldados da banda, com o se est ivesse caindo sobre si m esm o, desfalece. O President e pára o seu discurso. Olha fixo o m ilit ant e que est á sendo am parado por seus cam aradas. A m ult idão percebe. Abre cam inho a um carro que se aproxim a e em que o soldado é conduzido ao hospit al. O President e acom panha com o olhar o carro que part e e logo desaparece. Só ent ão volt a a falar. A m eu lado, em voa baixa, disse Elza: “ Est e foi o m om ent o m ais bonit o de nossa visit a a est e país. Tem os realm ent e m uit o que aprender de um povo que vive t ão int ensam ent e a unidade ent re a palavra e o gest o. O indivíduo aqui vale enquant o gent e. A pessoa hum ana é algo concret o e não um a abst ração.” O President e prosseguia no seu discurso. Tudo nele era aut ênt ico. Sua palavra ao povo, com o seu gest o coerent e com sua palavra, diant e do fat o que ocorrera. Alguns segundos, apenas, envolveram aquele fat o. Muit os anos de lut a o explicam . Não era aquela por cert o, a prim eira vez em que o m ilit ant e Luiz Cabral expressava, não im port a de que form a, a sua solidariedade a um com panheiro em dificuldade. Muit o ant es que o President e Luiz Cabral parasse o seu discurso e, preocupadam ent e, acom panhasse com os olhos o cam arada desfalecido naquela m anhã quent e de set em bro, o m ilit ant e Luiz Cabral se t eria det ido, vezes inúm eras, para at ender a um com panheiro t om bado na lut a com um de libert ação de seu povo. Fat os com o est e cuj a significação m ais profunda é indiscut ível, não são, na Guiné- Bissau, acont ecim ent os isolados ou ext raordinários. Const it uem a m aneira de est ar sendo de seu povo. De est ranhar seria que o President e, " dist ant e e frio” , t ivesse cont inuado o seu discurso enquant o seu cam arada das FARP se sent ia m al. O que m e parece fundam ent al – e sem pret ender idealizar a revolução guineense, pois que ela vem sendo feit a por hom ens e m ulheres e não por anj os – é que valores que se vieram encarnando na dureza da lut a, em que o PAI GC se forj ou com o vanguarda revolucionária do povo, cont inuam de pé. E quant o m ais conscient e est ej a est a vanguarda em t orno da necessidade de preservar sua com unhão com o povo, em cuj o seio selou a sua própria condição de vanguarda, t ant o m ais a revolução será defendida das am eaças de dist orção. Assim , um dos grandes desafios que est a vanguarda vem se fazendo a si m esm a, em coerência com o pensam ent o de Am ílcar Cabral * na m edida era que m ais e m ais busca preservar e desenrolar aquela com unhão com as classes t rabalhadoras, é o de aprofundar o " suicídio de classe” , iniciado há m uit o, na lut a de libert ação. É, que, se est e “ suicídio” se " perde” , assist e- se ao surgim ent o de um a “ burguesia burocrát ica” no poder, dist anciada das classes t rabalhadoras m esm o que at é em seu nom e falando. TERCEI RO M OM EN TO ( G) Afirm ei, no com eço dest a int rodução, que o nosso t rabalho para a prim eira visit a à Guiné- Bissau, em sim plesm ent e esboçado em suas linhas gerais, na elaborado em Bissau com os nacionais, t inha dividido * plano de Genebra verdade o nosso Am ílcar Cabral – " Sur la Pet it e Bourgeoisie” em L'arm e de la t héorie, François Maspéro, Paris, 1975, págs. 301- 3. t em po no país em t rês m om ent os básicos, j am ais separados ent re si. Os dois prim eiros, que procurei caract erizar com o sendo os em que buscávam os ver e ouvir, indagar e discut ir, foram m om ent os de análise, em que, necessariam ent e, o últ im o se gerava – o da sínt ese. Na verdade, est a vinha se fazendo a cada passo, no m om ent o m esm o da análise, de que não pode dicot om izar- se. É por est a razão que m uit o do t erceiro m om ent o de nossa visit a j á foi dit o na descrição, de rest o precária, que t ent ei das et apas ant eriores, as de análise. Durant e est as, t om ando t ant o quant o possível, a realidade do país, enquant o t ot alidade, com o obj et o de nossa curiosidade, procuram os cindi- la em suas part es para m elhor conhecê- la. No m om ent o da sínt ese, gerando- se, com o disse ant es, na própria análise, o esforço seria o da ret ot alização da t ot alidade cindida. No fundo, os dois m om ent os se int egram num dinâm ico m ovim ent o que vai da cisão do obj et o à suas ret ot alização. Em últ im a inst ância, nos dois prim eiros m om ent os, t ornávam os a realidade com o um a " codificação” que procurávam os descodificar, ora com os diferent es grupos nacionais, ora ent re nós, enquant o equipe visit ant e, em nossas reuniões de avaliação do t rabalho em andam ent o. Nest a últ im a hipót ese, realizávam os, às vezes, um a dupla t arefa. Em cert as ocasiões, t ornávam os a realidade m esm a com o obj et o de nossa análise t ent ando " lê- la” crit icam ent e; em out ras, era o próprio esforço ant erior de análise da realidade feit o com as equipes nacionais o que nos propúnham os com o obj et o de nossa reflexão. Dest a form a, analisávam os a análise ant erior, reconhecendo, assim , em t erm os crít icos, a m aneira com o havíam os percebido a m esm a realidade, obj et o de nossa curiosidade. Nat uralm ent e, enquant o part icipant es do m esm o processo de descodificação da realidade, em diálogo com as equipes nacionais, não poderíam os, de um lado, ser m eros espect adores silenciosos; de out ro, ser suj eit os exclusivos do at o de descodificar. Teria sido t ão cont radit ório com os princípios que m ot ivaram a nossa ida à Guiné- Bissau pret enderm os ser os exclusivos suj eit os da descodificação da realidade quant o encarnar o papel de recipient es da descodificação, feit a, no caso, pelas equipes nacionais, para, no últ im o m om ent o, o da sínt ese, quase m ist eriosam ent e, fazer o nosso discurso. Um a espécie de discurso zelosam ent e guardado. De discurso surpresa. Na verdade, nos achávam os envolvidos, com as equipes nacionais, num at o de conhecim ent o, no qual, t ant o quant o elas, devíam os assum ir o papel de suj eit os cognoscent es. O diálogo ent re nós e as equipes nacionais, m ediados pela realidade que buscávam os conhecer, era o selo daquele at o de conhecim ent o. Seria conhecendo e reconhecendo j unt os que poderíam os com eçar a aprender e a ensinar j unt os t am bém . Sublinho est e pont o, não apenas com o algo que deveria ser referido na seqüência dest a int rodução, m as t am bém para, um a vez m ais, aclarar a m inha posição, nem sem pre bem com preendida, em face dele, ist o é, do diálogo com o selo do at o de conhecim ent o, bem com o do papel dos suj eit os cognoscent es nest e at o. Foi, porém , no prim eiro m om ent o de nossa visit a, principalm ent e nos encont ros de est udo com Mário Cabral e suas equipes do Com issariado de Educação, que fom os debat endo e aprofundando um a rica t em át ica a que sem pre t em os volt ado em nossas sucessivas idas ao país. Tem át ica referida, às vezes, de m aneira m ais ou m enos am pla na prim eira part e dest e t rabalho e que, por isso m esm o, prescinde de ser agora m encionada. Dividindo o t erceiro m om ent o de nossa presença na GuinéBissau em duas part es, reservam os a prim eira para, com Mário Cabral e seus auxiliares, realizarm os a recapit ulação do esforço ant erior, feit o em com um , de análise da realidade – o da descodificação que dela fizéram os. A recapit ulação que nos coube a nós iniciar im plicava em que t ornássem os clara a " leit ura” que fazíam os da realidade nacional. Nossa " leit ura” , por sua vez, se punha às equipes do Com issariado de Educação com o um novo desafio a que deveriam responder, aceit ando- a ou recusando- a, t ot alm ent e ou em part e; m elhorandoa, aprofundando- a. Na sínt ese se volt ava, assim , à análise, para alcançar um a nova sínt ese. Finalm ent e, na segunda part e do últ im o m om ent o de nossa est ada na Guiné- Bissau, baseados no que viram os e no que ouvíram os; nas respost as ao que indagáram os e nos achados feit os em t orno do que discut íram os; no aprendizado diret o que fizéram os do país, na com preensão com um sobre o papel da educação em geral e da alfabet ização em part icular no em penho de reconst rução nacional, nos dedicam os, m ais um a vez em diálogo com os nacionais, a est abelecer os princípios de nossa cont ribuição, cuj a cont inuidade nos foi solicit ada pelo Com issário Mário Cabral, em nom e do governo e com a concordância do Part ido. Em sínt ese, o proj et o elaborado em com um previa, com o era nat ural, at ividades a serem realizadas por nós em Genebra e out ras na Guiné- Bissau. Assim , t rês visit as foram acert adas para o ano em curso – t odas cum pridas – e aceit a igualm ent e a propost a para a fixação em Bissau, sem ônus para o Governo, de um m em bro da equipe do I DAC, que t rabalharia, com o de fat o o vem fazendo desde fevereiro dest e ano, a t em po int egral, j unt o à Com issão Coordenadora dos Trabalhos de Alfabet ização de Adult os. Com issão criada, na m esm a reunião de sínt ese, pelo Com issário Cabral. Em nossas fut uras visit as, deveríam os, fundam ent alm ent e, em diálogo com a Com issão Coordenadora e servindo- nos dos relat órios a serem recebidos nos int ervalos das idas ao país, fazer a avaliação da prát ica realizando- se no cam po da alfabet ização de adult os, em cuj o processo cont inuaríam os aprofundando alguns dos aspect os cent rais que haviam sido discut idos na prim eira visit a. O m ét odo de t rabalho para as subseqüent es idas ao país deveria ser subst ancialm ent e o m esm o adot ado na prim eira. Um m om ent o de análise, no sent ido dinâm ico a que ant es m e referi, e um m om ent o de sínt ese, de que result aria a necessidade de nova análise. Em Genebra, cont inuaríam os, em equipe, aprofundando a com preensão da problem át ica educat iva do pais, part icularm ent e no cam po da alfabet ização de adult os, na perspect iva global sobre que venho insist indo nest e t ext o. Por out ro lado, ainda em Genebra, ora elaboraríam os m at eriais didát icos que nos fossem solicit ados e que, rem et idos a Bissau, seriam provados pela Com issão Coordenadora, ant es de generalizado seu uso, ora daríam os a nossa opinião em t orno de out ros m at eriais que, realizados em Bissau, fossem subm et idos à nossa apreciação. Dest a form a, nasceu o proj et o que põe j unt os, hoj e, de um lado, o Com issariado de Educação da Guiné- Bissau, de out ro, a Com m ission on Churches’ Part icipat ion in Developm ent , que o financia, o I nst it ut o de Ação Cult ural e o Depart am ent o de Educação do Conselho Mundial de I grej as. Há um ano que, sem pre em diálogo com os nacionais, prest am os a m ínim a cont ribuição que podem os, e de que vem result ando um aprendizado com um que nos enriquece a t odos. Segunda Parte ( A) Est a int rodução ficaria dem asiado incom plet a, m ais do que vem sendo, se, agora, não m e alongasse um pouco m ais em com ent ários em t orno, pelo m enos, de algum as das principais at ividades que se desenvolveram de set em bro do ano passado para cá. O prim eiro dest es com ent ários incide sobre as m odificações que o e que serão int roduzidas no sist em a educacional do país, m odificações que se acrescent am às que fiz referencia na prim eira part e dest a int rodução e com as quais o Com issário de Educação, fiel aos obj et ivos do Part ido e à orient ação do Governo, prepara a radical t ransform ação do sist em a herdado dos colonizadores. Com eço por com ent ar est as m odificações pela repercussão que necessariam ent e t êm sobre os t rabalhos de educação de adult os que não podem , com o sublinhei no início dest e t ext o, est ar sequer indiferent es à propost a educat iva, cont ida no sist em a regular de ensino do País. A oposição ent re um esforço no set or da educação inform al de adult os e o sist em a educacional de um a dada sociedade se dá quando aquele esforço, em ant agonism o com o sist em a global da sociedade, é um inst rum ent o de que um m ovim ent o ou um part ido revolucionário se serve para, t at icam ent e, organizar as classes dom inadas no sent ido da chegada ao poder. No caso da GuinéBissau, que não é est e, o im port ant e é a harm onia ent re o que se pret ende com a educação de adult os e o que se busca realizar com o sist em a regular de ensino do país. Ao t ocar nest e pont o, ist o é, nas m odificações que est ão sendo e que serão int roduzidas no sist em a de educação da Guiné- Bissau, est arei baseando- m e não apenas no que t enho ouvido diret am ent e do Com issário Mário Cabral, em nossas reuniões de t rabalho em Bissau, quando nos t em falado, cada vez m ais lucidam ent e, de com o vem , com seus auxiliares, enfrent ando a t ransform ação da educação no país, m as t am bém em recent e ent revist a que deu ao Nô Pint cha, j ornal de Bissau. Ent revist a de que cit arei um ou out ro t recho. Tom ando a educação não com o algo em si, m as com o expressão supra- est rut ural, em suas relações dialét icas e não m ecânicas com a infra- est rut ura da sociedade, é que o Com issariado de Educação vem int roduzindo t ais m odificações no sist em a educacional herdado e de que vai result ando a const it uição do novo. Por out ro lado e coerent em ent e com est a visão, percebe- se a preocupação com superar a concepção e a prát ica da educação segundo as quais cada “ província” do sist em a educacional, descurando a real form ação dos educandos, nela experim ent andose, se faz um sim ples m om ent o, alienado e alienant e, de preparado para o seguint e. O proj et o em que o Com issário de Educação da Guiné- Bissau se engaj a, proj et o realist a, em consonância com a realidade do país, re- conhecendo em bora as relações ent re seus diferent es níveis, prevê, pelo cont rário, que, em cada um , a t arefa form adora se realiza ao m áxim o. Assim , as relações que possam exist ir ent re o Ensino Básico e o Ensino Geral Polivalent e ou o Médio Polit écnico não são relações que reduzam o prim eiro a um " corredor” por onde uns poucos passem com o obj et ivo, apenas, de alcançar os seguint es que, por sua vez, os conduzissem à “ paisagem ” selet a da universidade. “ O nosso ensino, diz Mário Cabral, será dividido em t rês níveis. Ensino Básico, de seis anos, com dois ciclos: um de quat ro, o out ro de dois anos. Ensino Polivalent e, de t rês anos. Ensino Médio Polit écnico, que, variando de acordo com as próprias exigências da form ação m édia, t erá um a duração nunca inferior a dois ou t rês anos” . O Ensino Básico, de seis anos, com dois ciclos, e que se pret ende universalizar em função das possibilidades do Part ido e do Est ado, se propõe um a form ação fundam ent al, indispensável à part icipação conscient e de qualquer cidadão ou cidadã na criação e no desenvolvim ent o da nova sociedade. Não se t rat a, pois, de um ensino que se dá num a escola que sim plesm ent e prepara os educandos para out ra escola, m as de um a educação real, cuj o cont eúdo se acha em dialét ica relação com as C. Escola num a zona libert ada. Período de lut a de Libert ação. ( Publicação aut orizada pelo Com issariado de I nform ação e Turism o da República da Guiné- Bissau) necessidades do país. O at o de conhecim ent o post o em prát ica por um a t al educação se dá na unidade da prát ica e da t eoria, por isso m esm o não pode prescindir, cada vez m ais, de t er no t rabalho dos educandos e dos educadores sua font e. Os valores que est a educação persegue se esvaziam se não se encarnam e só se encarnam se são post os em prát ica. Dai que, desde o prim eiro ciclo dest e nível de ensino, o de quat ro anos, part icipando de experiências em com um , em que se est im ula a solidariedade social e não o individualism o, o t rabalho baseado na aj uda m út ua, a criat ividade, a unidade ent re o t rabalho m anual e o t rabalho int elect ual, a expressividade, os educandos irão criando novas form as de com port a m ent o de acordo com a responsabilidade que devem t er diant e da com unidade. No segundo ciclo do Ensino Básico, o de dois anos, envolvidos no m esm o at o de conhecim ent o em que se experim ent aram no prim eiro, t rabalhando sem pre em com um e em com um buscando, os educandos não apenas alargam as áreas de seus conhecim ent os m as aprofundam aqueles em cuj o processo, t ant o quant o os educadores, assum em o papel dos suj eit os. Na verdade, não seria realizável um a educação volt ada para a concret ização de valores com o a solidariedade, a responsabilidade social, a criat ividade, a disciplina a serviço do int eresse com um , a vigilância, o espírit o crít ico, valores em que forj ou o PAI GC, em t odo o processo da lut a de libert ação, se nest a educação os educandos cont inuassem a ser, com o na educação colonial, m eros recipient es de “ conhecim ent os em pacot ados” , a eles t ransferidos pelos educadores. Puros obj et os, incidências da ação “ educat iva” dos educadores. I dent ificada, reinsist a- se, com a realidade do país, est a é, por out ro lado, um a educação que não poderia deixar de cent rar- se no rural. “ Sabem os, diz Mário Cabral, que 90% de nossa população, ou um pouco m ais, são cam poneses. O ensino que vam os organizar vai levar est e fat o em consideração e será, port ant o, dirigido para o cam po. O aluno, at ravés dele, deverá poder part icipar, com o suj eit o, enfat iza Cabral, das t ransform ações necessárias de sua com unidade” . Mais adiant e, referindo- se, sem dúvida, à necessidade de am pliação das áreas de conhecim ent o no segundo ciclo do Ensino Básico, em relação ao prim eiro, cont inua Mário Cabral: " Desde logo, podem os dizer que vam os int roduzir nest e ciclo noções básicas de Física e de Quím ica para a com preensão dos processos da nat ureza e a Biologia no lugar das cham adas ciências nat urais” . Refere- se ainda ao est udo da Hist ória, indispensável à form ação m ilit ant e e que será “ englobado no que cham am os de ciências sociais” , diz ele. “ Com as cadeiras que vam os int roduzir nest e nível, incluída a Geografia – e com a orient ação a ser dada no est udo das m esm as, acrescent aria eu – qualquer aluno que saia do curso poderá t er os conhecim ent os que lhe servirão para ser um agricult or, um m ecânico ou um enferm eiro progressist a” . Com o segundo nível, o do Ensino Geral Polivalent e, ao m esm o t em po em que se busca responder, pela capacit ação de quadros, a diferent es necessidades do país, se oferece t am bém aos j ovens a possibilidade de opções nest e ou naquele set or. Sua form ação cient ifica se int ensifica, lado a lado com sua form ação geral, int egral, de que o engaj am ent o m ilit ant e e a responsabilidade social, vividos num quefazer perm anent em ent e dando- se à reflexão crit ica, são indispensáveis. “ Mas, sobret udo, declara o Com issário, serão desenvolvidas at ividades prát icas que variarão de acordo com as caract eríst icas da região onde se sit ue a escola. Não poderem os prescindir de noções de carpint aria, de elet ricidade, de agricult ura, incorporadas pelos educandos at ravés da prát ica” . O proj et o prevê, ainda, a criação de escolas profissionais, em que a especialidade, porém , j am ais se dist orce em especialism o. “ Escolas de form ação de professores para o prim eiro ciclo do Ensino Básico, de auxiliares de enferm agem , de prát icos agrícolas, de carpint eiros, de serralheiros, t udo de acordo com as necessidades do país” . Escolas que deverão est ar ligadas t am bém aos Com issariados diret am ent e int eressados pela form ação que nelas se realizará e não apenas ao de Educação. Com o Ensino Médio Polit écnico, at ravés de um a série de I nst it ut os, em consonância com as necessidades do m om ent o, se pret ende cont inuar, aprofundar e diversificar, m ais ainda, a form ação realizada nos ant eriores. O obj et ivo principal é o da form ação de t écnicos m édios, em diferent es cam pos, indispensáveis à t ransform ação do país. Técnicos em cuj a form ação, porém , se evit e sua desfiguração em t ecnicist a, perdidam ent e alienados num a visão est reit a e focalist a de sua especialidade. Ent re os I nst it ut os previst os nest e nível, se encont ram o I nst it ut o Técnico de Form ação profissional, o de Pedagogia, que será a escola de form ação de professores prim ários e secundários, o de Enferm agem e o de Ciências Sociais. Pensa- se, igualm ent e, na criação de um I nst it ut o de Adm inist ração e Secret ariado, bem com o num out ro de Ciências Agrárias, para a capacit ação, est e últ im o, de t écnicos a nível de regent e agrícola. Em t odos esses I nst it ut os se irão form ando j ovens t écnicos que, de acordo com as necessidades reais do país, poderão seguir cursos universit ários no ext erior. Muit os, porém , t erão de cont inuar engaj ados diret am ent e no esforço de reconst rução nacional. De qualquer m aneira, a passagem de um desses I nst it ut os para um a universidade est rangeira dem anda o cum prim ent o de cert as exigências. “ Apenas os que se revelarem m ais com pet ent es no t rabalho, os m ais com prom et idos, os m ais capazes, os m ais devot ados serão os indicados para t ais cursos no ext erior” , afirm a o Com issário Mário Cabral. Por out ro lado, há crit érios t am bém , com o não poderia deixar de haver, que regulam a passagem de um nível de ensino a out ro. Do Ensino Básico ao Geral Polivalent e, com o dest e ao Médio Polit écnico. Os candidat os passarão de um a out ro, “ de acordo com as qualidades re- veladas no nível ant erior” . I m põe- se a com provação de sua seriedade nos est udos, a sua qualificação cient ifica e t écnica, em função do nível de onde vêm , bem com o a com provação de " suas qualidades m orais e de m ilit ant es” . Um dos aspect os im port ant es dest e proj et o, a que j á fiz referência, é o fat o de que as relações ent re os diferent es níveis de ensino não reduzem o sist em a de educação que os cont ém a um “ funil” . Não são relações em que um nível “ form a” ou prepara para o out ro. Assim , o est udant e que não ult rapasse o nível do Ensino Básico, m esm o que não t enha a oport unidade de am pliar seus conhecim ent os de form a sist em at izada, nem por isso t erá deixado de t om ar part e de um a experiência form adora fundam ent al, que lhe possibilit a part icipar da reconst rução de seu país com o um m ilit ant e conscient e. A post a em prát ica de um t al proj et o, que j á com eçou em alguns de seus aspect os, exige um esforço indiscut ível na form ação de professores, capazes de m ult iplicar- se pela capacit ação de out ros. Eis o que diz Mário Cabral a esse respeit o: “ A form ação de professores é um a das t arefas principais do Com issariado de Educação. Não farem os nada na form ação de quadros para os diversos set ores da reconst rução nacional, se não t iverm os professores suficient es, do pont o de vist a da quant idade e da qualidade. Já conseguim os fundos para a criação de um I nst it ut o com est e obj et ivo. Pensam os em sit uá- lo no cent ro do país, t alvez em Mansabá” . A int enção do Com issariado é form ar inicialm ent e 250 m onit ores que, após um ano de experiência no cam po, part icipariam de sem inários de reciclagem , fundados na avaliação de sua própria prát ica. O I nst it ut o se preocupará com a form ação de professores para os diferent es níveis de Ensino, para a adm issão de cuj os candidat os há exigências diferent es em função do nível para o qual serão capacit ados. Assim , àqueles e àquelas que se form arão para o prim eiro ciclo do Básico se exige a sext a classe, com o condição de ingresso. O t em po de duração de seu curso será de t rês anos. Aos que at uarão no segundo ciclo do Básico se exigirá a nona classe e seu curso, com o o ant erior, será igualm ent e de t rês anos. Para o Geral Polivalent e será requerida aos candidat os, com o condição de ingresso, a décim a prim eira classe e seu curso será t am bém de t rês anos. “ Podem os dizer, afirm a Cabral, que est e I nst it ut o será um dos em briões da prim eira universidade do país. Vam os t er ainda professores para a escola de form ação de professores. Est es t erão onze anos de escolaridade a que se j unt arão m ais quat ro de form ação num I nst it ut o de Pedagogia.” Creio, direi agora num quase parênt ese, que não t rairei o espírit o do Com issariado de Educação da Guiné- Bissau, afirm ando que a im port ância, várias vezes ressalt ada nest as páginas, que ele vem dando e pret ende dar à gradual form ação cient ífica dos educandos, de que result e cada vez m ais um a com preensão crit ica de sua realidade, ao at uar sobre ela, não t em nada que ver com um a posição cient ificist a. Posição que im plicaria na m it ificação da ciência e na dist orção da razão. Da m esm a form a, o seu reconhecim ent o das relações necessárias ent re educação e produção, em que fundam ent a aquela, não o faz resvalar para a m it ificação da produção e, com a dest a, a do consum o. Tant o quant o venho aprendendo da experiência guineense, m e parece que um dos aspect os básicos do sist em a de educação const it uindo- se é o cham am ent o que vem fazendo aos educandos para, ao lado de sua indispensável form ação cient ifica e concom it ant em ent e com ela, num a prát ica adequada, desenvolverem a solidariedade, a responsabilidade social, o gost o do t rabalho livre, com o font e de conhecim ent o, na produção do socialm ent e necessário, a cam aradagem aut ênt ica e não a com pet ição que o individualism o gera. E é ent regando- se a est a t arefa que o Com issariado de Educação vem cont ribuindo para a form ação do hom em novo e da m ulher nova. " O obj et ivo real do novo sist em a, afirm a enfat icam ent e Mário Cabral, é elim inar o que rest a do sist em a colonial para que possam os realizar os obj et ivos t raçados pelo PAI GC: criar um hom em novo, um t rabalhador conscient e de suas responsabilidades hist óricas e da sua part icipação efet iva e criadora nas t ransform ações sociais. Esperam os concret izar est e desej o at ravés do conhecim ent o cada vez m ais real das necessidades concret as do país, da definição de nosso proj et o de desenvolvim ent o e do próprio t rabalho realizado a nível das inst it uições escolares, at ravés de discussões nos órgãos colet ivos. Discussões não só quant o a aspect os t écnicos, m as t am bém no que se refere às próprias necessidades da vida.” Mais adiant e, porém , advert e, “ t odo o proj et o de t ransform ação do sist em a nacional de Ensino não nos conduzirá a nada, se realm ent e não houver t ransform ações t am bém nos out ros set ores de at ividade” . " É possível, disse Mário Cabral na ult im a reunião que t ivem os em Bissau, em set em bro dest e ano, que, em cert os casos, a educação lance o desafio. E preciso, porém , que as t ransform ações est rut urais se façam , dando suport e ao desafio, para que a prát ica nele anunciada se concret ize.” ( B) Seguindo a prát ica norm al na Guiné- Bissau – a das discussões abert as, est im uladas sem pre pelo PAI GC e pelo Governo – o Com issário Mário Cabral, num grande com ício recent em ent e realizado em Bissau e que reuniu est udant es e suas fam ílias, professores, funcionários da Educação e int eressados em geral, fez o balanço das at ividades do ano let ivo que findou. Balanço no qual falou das t arefas principais do Com issariado para o próxim o ano let ivo, considerado o “ Ano I I de Organização” . * Toda a prim eira part e de seu discurso, claro e diret o, se cent ra na análise das dificuldades e problem as que t iveram de enfrent ar, a part ir de out ubro de 1974, quando o PAI GC, ent rando em Bissau, assum e o governo de t odo o país. A ret irada, em m assa, dos professores secundários, cuj a m aioria era com post a de " m ilit ares que est avam aqui para oprim ir o nosso povo, para obst aculizar o nosso avanço no sent ido do progresso” . A falt a de experiência no * Nô Pint cha, novem bro, 1976. com ando de um Com issariado de Educação, na sua organização; nas t arefas de planej am ent o, de organização e reorganização curricular. O que fazer diant e da herança do ensino colonial, que sabiam porém não poder t ransform ar da noit e para o dia. Dai a recusa, sublinha o Com issário, à idéia de alguns de fechar, sist em at icam ent e, t odas as escolas. “ Queriam que fechássem os as nossas escolas para reorganizar o Com issariado. Para poderm os de fat o fazer um ensino com o deve ser, com qualidade e m eios necessários. I sso era um sonho. Ainda hoj e não est aríam os em condições de com eçar as nossas aulas porque não conseguim os t er, at é agora, os m eios de que um t al ensino precisa” . Refere- se aos acert os e aos erros com et idos, à dedicação de m uit os, às falhas de alguns. Salient ando o que represent ou o período de out ubro de 1974 a set em bro de 1975, com o aprendizado para t odos os que se deram às t arefas da educação, cham a esse período de “ Ano de Experiência” em que se const at ou a necessidade de o que a est e se seguiu t er sido o " Ano I de Organização” . Ao analisar as realizações do ano que findava, o " I de Organização” , crit icando, m ais um a vez, falhas que m ereciam ser crit icadas e não escondidas, m as ressalt ando t am bém os acert os e o espírit o de m ilit ância da m aioria de seus cam aradas da Educação, disse não apenas das dificuldades, m as do esforço desenvolvido na est rut uração do Com issariado. Dos result ados obt idos at ravés dessa est rut uração, com a criação, por exem plo, “ de órgãos colet ivos, com o o Conselho Diret ivo, o Conselho Técnico Docent e e o Conselho Adm inist rat ivo” . Órgãos que funcionaram dinam icam ent e e que possibilit aram discussões const ant es em t orno da realidade educat iva do país. O im port ant e desses Conselhos não est á, obviam ent e, na sua exist ência em si m esm a, na est rut ura do Com issariado, pois que t am bém exist em em out ros Minist érios de Educação. O im port ant e é a prát ica neles desenvolvida, em coerência com os obj et ivos a que servem ; o clim a de busca, de diálogo, que os caract eriza. A sua at ividade “ vem perm it indo, de fat o, diz Cabral, avançar com o nosso t rabalho” . Páginas at rás, falando do sist em a educacional que se vem const it uindo na Guiné- Bissau, a part ir da prát ica sobre a qual se vem const ant em ent e pensando, inclusive nos Conselhos acim a referidos, dizia, m ais ou m enos, que um a de suas preocupações cent rais era a das relações ent re a escola, qualquer que fosse o seu nível, e a realidade local, regional e nacional. Creio que será int eressant e, m ais um a vez, volt ar a Mário Cabral, no seu discurso- relat ório, que vem sendo cit ado e com ent ado nest as páginas. “ Um dos obj et ivos principais da t ransform ação de nosso ensino, diz ele, é fazer a ligação da escola à vida – ligá- la à com unidade onde se encont ra, à t abanca, ao bairro. Ligar a escola ao t rabalho produt ivo, em especial ao t rabalho agrícola; aproxim á- la das organizações de m assas – JAAC, Pioneiros, Sindicat os, Organização Fem inina. Podem os dizer que esse t rabalho foi realizado e, em várias regiões, de m aneira bast ant e eficient e. Na região de Bafat á, por exem plo, em 106 escolas, 96 produziram nos seus cam pos agrícolas. Em Bissau, m esm o que não t enham os conseguido os m esm os result ados, m uit o se fez, t am bém .” " Foi, porém , cont inua Mário Cabral, na escola de Có, onde se alcançou o m áxim o de ligação ent re escola e t rabalho produt ivo, ent re escola e população local, com a int egração dest a a at ividades cult urais prom ovidas por aquela. Podem os considerar a escola de Có, realm ent e, com o a prim eira escola do pais, durant e est e ano que t erm ina” . Dedicarei, m ais adiant e, algum as páginas a est a escola ou, m ais precisam ent e, ao Cent ro de Form ação de Professores Máxim o Gorki, pela im port ância que vem t endo, est ou cert o, na educação do pais a que se j unt a, de m odo especial, o suport e que vem dando ao esforço de alfabet ização de adult os. Sent im o- nos, part icularm ent e Elza e eu, fort em ent e presos a est e Cent ro, o qual j am ais deixam os de visit ar em nossas idas à Guiné- Bissau. Visit as em que sem pre nos im pressionam a dedicação de seus professores e o ot im ism o crit ico de que se acham infundidos no desem penho de suas t arefas. Cont inuando a análise do depoim ent o do Com issário com relação ainda às realizações no ano let ivo 75- 76, gost aria de fixar os seguint es pont os por ele referidos: part icipação dos est udant es liceais de Bissau nas at ividades produt ivas; criação, na área do ensino prim ário, de um com it ê do Part ido, ao qual se vêm associando os professores, conseguindo realizar um int eressant e t rabalho cult ural, ao lado do desenvolvim ent o de um a necessária e corret a m ilit ância, cont ribuição excepcional das crianças das escolas, aj udadas por seus professores, às com em orações do XX aniversário do PAI GC, at ravés de núm eros de " ginást ica m assiva” . Sem inários em que os responsáveis das várias regiões educacionais do país, de um lado, debat eram , em conj unt o, suas dificuldades, t rocando experiências em t orno de com o vêm procurando superálas; de out ro, aprofundaram sua capacit ação, para, assim , capacit ar e recapacit ar seus cam aradas. " Devem os dizer, afirm a Cabral, que foi ainda nest e ano que conseguim os t erm inar a form ação de 30 professores prim ários, que const it uem m aior núm ero de quadros do que os colonialist as port ugueses capacit aram em t odos os 500 anos de dom inação” . Est e últ im o dado fala, por si, das excelências do colonialism o... A part e final de seu balanço Mário Cabral dedica às t arefas principais do Com issariado de Educação para o ano let ivo 76- 77, que considera o Ano I I de Organização. Três são est as t arefas. A prim eira delas, a part icipação de t odas as escolas no Terceiro Congresso do Part ido. " Mas, cam aradas, com o vam os dar a nossa cont ribuição a est e Congresso?” , pergunt a ele. É int eressant e m edit ar sobre a respost a que o Com issário dá à pergunt a que faz. Não sugere nem m uit o m enos det erm ina, por exem plo, que se subm et am os educandos do país a um exercício m ecânico de m em orização de alguns dos princípios que nort eiam o PAI GC, de que result assem " com posições” m ais ou m enos padronizadas, em t orno do Part ido e de seu Congresso. Com um bom m ilit ant e do Part ido, que conhece os seus princípios porque na prát ica dos m esm os se vem form ando de há m uit o, o Com issário sabe m uit o bem que não seria est e o cam inho at ravés do qual poderia o Com issariado de Educação m ot ivar educandos e educadores a que dessem um a real cont ribuição ao Congresso do PAI GC. Não faz sugest ões m anhosas no sent ido de um a filiação em m assa ao Part ido porque sabe, igualm ent e, que o PAI GC precisa de m ilit ant es conscient es e dedicados à causa do povo t rabalhador e não de “ sócios” que a ele cheguem oport unist am ent e. Faz um apelo, ao cont rário, a educadores e educandos para que, j unt os, t rabalhem , t ant o quant o possam , no sent ido de que se obt enham result ados ainda m ais posit ivos do que os conseguidos no ano que t erm inava. A part icipação conscient e em t al esforço seria um a das form as possíveis de, m arcando o ano do Terceiro Congresso, cont ribuir para ele. " A segunda t arefa a que nos darem os é a de organizar a cam panha nacional de alfabet ização” , diz o Com issário, com ent ando o que j á fora feit o e que precisava de ser est endido e aprofundado no próxim o ano let ivo. Nest e sent ido, refere- se aos t rabalhos realizados em várias regiões do país at ravés das " Brigadas” capacit adas e supervisionadas pela Com issão Coordenadora de Alfabet ização. " Fom os est e ano às regiões. No próxim o, necessit am os de um a part icipação ainda m aior dos nossos est udant es, não só de Bissau, m as de out ras áreas do País.” Na esfera da segunda t arefa apont ada se encont ra um proj et o do Governo at ravés do Com issariado de Educação para o próxim o ano – o de um prim eiro sem inário a ser realizado em Bissau, de que part icipariam delegações coordenadas pelos Minist ros de Educação de Cabo Verde, São Tom é e Príncipe, Angola e Moçam bique. Sem inário em que se avaliaria a prát ica realizando- se em t odos esses paises, incluindo, obviam ent e, a Guiné- Bissau, no cam po da educação em geral e no da alfabet ização de adult os, em part icular. De um a t al reunião poderia result ar não apenas um rico aprendizado de t odos nela envolvidos m as t am bém a int ensificação da colaboração ent re esses paises que, não obst ant e as peculiaridades que t êm , se encont ram engaj ados num a m esm a lut a – a da reconst rução nacional. A t erceira t arefa diz respeit o à ênfase a ser dada nas relações ent re escola e t rabalho produt ivo, procurando- se, de um lado, m elhorar essas relações, de out ro, est endê- las ao m áxim o ao nível do país. “ O cam arada Am ílcar Cabral cost um ava dizer: “ sou um sim ples africano que quis pagar a sua dívida para com seu povo e viver sua época” . Que paguem os t odas as nossas dividas e vivam os a nossa época. Época de libert ação t ot al, de independência; que requer o nosso engaj am ent o, t am bém t ot al, na superação do analfabet ism o, no com bat e ao subdesenvolvim ent o – na reconst rução nacional” , conclui o Com issário. Não sei se est arei sendo capaz, na redação dest a int rodução, com a qual espero não est ar m olest ando dem asiado os leit ores e leit oras, realizar o que m e propuz com ela, desde o seu inicio – oferecer- lhe um quadro, que sem pre soube j am ais seria com plet o, do que vem se fazendo na Guiné- Bissau. Realizações, em sua t ot alidade, que nos int eressam de pert o, e de que m uit os t em os aprendido, e para o desenvolvim ent o de algum as das quais t em os dado um m ínim o de nossa cont ribuição de m aneira m ilit ant e e não est rit am ent e profissional. A riqueza da experiência guineense, em seu conj unt o, é t al que, falar dela, num as poucas palavras, é t arefa quase inviável. Daí que m e venha prolongando, apesar das om issões que m e t enho im post o a cert os aspect os ou porm enores que sei, porém , im port ant es. ( C) É t ent ando cont inuar a cum prir aquele obj et ivo que m e dedicarei, agora, a com ent ar o Cent ro de Capacit ação Máxim o Gorki. Visit am o- la, Elza e eu, j unt am ent e com a equipe do I DAC, em fevereiro dest e ano, pela prim eira vez. Enquant o nos dirigíam os, m anhã cedo, para Có, a pequena aldeia rural; na zona de Cacheu, a 50 quilôm et ros ao nort e de Bissau, onde fica o Cent ro, Mário Cabral dele nos falava, ent usiasm ado, e nos cont ava sua hist ória recent e. Em novem bro do ano passado, um grupo de educadores o havia procurado para expor, sem rodeios, o seu proj et o. Criar um Cent ro de Capacit ação e superação de professores num velho quart el do exércit o colonial, que se esvaziara depois da independência do pais. Um desses m uit os quart éis que os colonialist as port ugueses foram pródigos em espalhar pelo pais, geralm ent e cercados de aram e farpado, com m inas em t orno, e dent ro dos quais se foram t ornando, cada vez m ais, prisioneiros de si m esm os. Havia m uit o o que fazer para higienizar e m elhorar, em t odos os sent idos, as inst alações do que ant es t inham sido um pont o fort ificado do invasor e um cent ro t am bém , m as em que os colonialist as t ort uravam , at é a m ort e, os nacionais, diant e de cuj a det erm inação t erm inavam , não raro, por se assust ar. Nest e sent ido, em cert a m edida, o quart el gerava, sem o querer, o fut uro Cent ro de Form ação polít ico- pedagógica, de que os prim eiros educadores, at ravés de seu exem plo, foram os heróis do povo, nele t ort urados e m ort os, pela violência colonialist a. De um deles, visit ei a sepult ura, em set em bro dest e ano, ident ificada, recent em ent e, por pessoas da população local, que sabiam o preço que m uit os dos seus t iveram de pagar pela rebeldia e pela coragem de querer ser, com seu povo. No m om ent o de nossa visit a, havia, ent ão, quat ro m eses, desde quando aquele grupo de educadores, t odos eles da fase da lut a, experim ent ados no que significara a educação nas zonas libert adas, com eçara a dar- se, t ot alm ent e, aos prim eiros t rabalhos para a inst alação do Cent ro. Reflet indo as experiências vividas por aqueles educadores nas zonas libert adas, o Cent ro nascia na unidade ent re o t rabalho m anual e o t rabalho int elect ual. Ent regavam - se t ant o às t arefas de lim peza do im undo quart el, de caiação de suas dependências, de m elhoria de suas condições sanit árias, de capinagem do cam po em volt a, de plant io de árvores, de higienização do poço que fornece excelent e água, quant o, em cert as horas do dia, pensavam na organização adm inist rat iva do Cent ro, nos m eios de eficient em ent e int egrá- lo à vida da com unidade e nas suas at ividades polít icopedagógicas, preparando- se, assim , para receber o prim eiro grupo de est agiários. A im pressão que est e Cent ro m e vem dando, at ravés da prát ica nele realizando- se, que im plica não num a capacit ação e recapacit ação de professores em t erm os verbalist as, na int im idade de suas salas, m as, pelo cont rário, na unidade da prát ica e da t eoria e na com unhão sem pre m aior com a população em t orno, é a de que se vem const it uindo, cada dia que passa, num cent ro universit ário do povo. Daquele t ipo de universidade a que m e referia num cert o m om ent o da prim eira part e dest a int rodução – a que nasce no seio do povo t rabalhador e que, fundando- se no t rabalho produt ivo, se dá ao esforço sist em at izador do conhecim ent o que result a da própria prát ica. Dai que o Cent ro de Có, fiel ao espírit o que m arcou a educação nas zonas libert adas, venha procurando superar cert as dicot om ias, sem o que não lhe seria possível m archar naquela direção. A dicot om ia j á anot ada ent re t rabalho m anual e t rabalho int elect ual e a dicot om ia ent re ensinar e aprender. A superação da prim eira dicot om ia, ligada necessariam ent e à superação t am bém da separação ent re prát ica e t eoria, vem sendo int ensam ent e vivida. Não será dem asiado repet ir que o Cent ro nasceu no exercício dest a superação. Por out ro lado, t oda a sua at ividade form adora, desde quando recebeu a prim eira t urm a de est agiários, vem fazendo- se de acordo com est e princípio. Todos os que nele part icipam se dão ao t rabalho produt ivo, associado ao int elect ual. Em set em bro passado, vi suas áreas cult ivadas. Milho, m andioca, bat at a, frut as, hort aliças, a que se j unt a hoj e, com a colaboração do Com issariado de Agricult ura, a criação de galinhas, pat os, porcos e carneiros, com que o Cent ro vai se t ornando aut osuficient e. Mesm o que j á fosse em si alt am ent e posit iva a part icipação de t odos no t rabalho produt ivo, seria de lam ent ar, porém , que, de um lado, não se t ivesse no próprio t rabalho produt ivo um a font e de conhecim ent o diversificado e não apenas agrícola, que ele propicia; de out ro, que a capacit ação e a recapacit ação dos professores est agiários, no cam po, por exem plo, do ensino básico, não se encont rasse fundada na prát ica dest e. Em out ras palavras, se os est agiários, após o t em po dedicado ao cult ivo e à colheit a, às at ividades de lim peza das dependências do Cent ro, fossem para suas salas envolver- se num que fazer t radicional, ouvindo discursos sobre com o ensinar. Dai que, enquant o não t enha sua escola prim ária experim ent al, quando aum ent ará indiscut ivelm ent e a rent abilidade de sua t arefa form adora, o Cent ro venha, para t al, se servindo da colaboração de um a escola prim ária da m esm a com unidade, não m uit o longe dele, para a observação dos est agiários. Tendo em bora de confront ar ainda enorm es obst áculos m at eriais, que não precisam sequer ser enum erados, a form ação que vem t ent ando fazer se baseia na análise da prát ica. Por out ro lado, na prát ica de se analisar a prát ica, se vem experim ent ando, t am bém , a unidade ent re o at o de ensinar e o at o de aprender. Unidade que se vem vivendo não só nas at ividades docent es do Cent ro, ent re sua equipe de professores e os est agiários, m as ent re aquela e est es, com o um a equipe m aior, em suas relações crescent es com as populações das t abancas em t orno do Cent ro. Na verdade, só na unidade dialét ica ent re ensinar e aprender é que a afirm ação " quem sabe ensina a quem não sabe” ganha sent ido revolucionário. Quer dizer, quando quem sabe, sabe, prim eiro, que o processo em que algo aprendeu é social; segundo, quando sabe que, ao ensinar o que sabe a quem não sabe, sabe t am bém que dele ou dela pode aprender algo que não sabia. Est e é o espírit o que se percebe em Có. Espírit o que m ove o PAI GC e que caract erizou sua at ividade polit ico- pedagógica desde os com eços de sua const it uição em Bissau e o acom panhou no I nst it ut o de form ação de quadros em Conakry, at ravés, sobret udo, do exem plo vivo de Am ílcar Cabral. Espírit o que prossegue na lut a e que anim a a educação nas zonas libert adas de que a Escola de Có é um a cont inuidade. No m om ent o, com o apoio do Com issário Mário Cabral, os professores efet ivos do Cent ro pensam na realização de alguns sem inários em que se aprofundem diferent es aspect os no cam po geral da educação e das ciências sociais, de que result e o aum ent o de sua eficiência no desenvolvim ent o de sua t arefa form adora. Apesar de se poder facilm ent e depreender das considerações at é agora feit as em t orno da Escola de Có a ênfase no polít ico, sem pre present e em t odas as at ividades, creio int eressant e salient ar est e aspect o. O nascim ent o do Cent ro, por isso m esm o, não result ou apenas do sonho possível daquela equipe e do apoio do Com issariado de Educação. No sonho da equipe est ava a convicção de que o Cent ro não poderia aparecer, da noit e para o dia, com o um present e que se fazia à com unidade. Dest a form a, o sonho da equipe devia ser assum ido t am bém pela com unidade com o algo seu, sem o que não t eria sent ido, da m esm a form a com o o sonho de libert ação daqueles e daquelas que, ao lado de Am ílcar Cabral, criaram o PAI GC, precisou de ser encarnado pelo povo da Guiné e Cabo Verde e fazer- se, assim , um a realidade. Dai o t rabalho polít ico inicial da equipe, a nível de D. Período de lut a de libert ação. Defesa cont ra os at aques aéreos. ( Publicação aut orizada pelo Com issariado de I nform ação e Turism o da Guiné- Bissau) com it ês de t abancas, at ravés do qual, ao int erpret ar- se o proj et o para a concret ização do Cent ro, j á se m obilizava a população para at ivam ent e part icipar do esforço prim eiro de sua criação. Assim , com o em penho com um da população e da equipe é que se fez a lim peza do velho quart el, a capinagem do t erreno, para o que a população ent rou t am bém com seus inst rum ent os de t rabalho. Selou- se, dest e m odo, na at ividade baseada na aj uda m ut ua, o diálogo em const ant e crescim ent o ent re o Cent ro e as populações das t abancas. Foi est a com unhão sólida ent re as populações e o Cent ro, que elas sabem seu, que possibilit ou, a part ir de j unho dest e ano, um a das m elhores experiências, no cam po da alfabet ização de adult os, hoj e, na Guiné- Bissau e que t ivem os a oport unidade de observar em set em bro últ im o. Foi nest a experiência, levada a efeit o por professores est agiários, form ados por m em bros da Com issão Coordenadora dos Trabalhos de Alfabet ização de Adult os, que se fez o m elhor levant am ent o sócio- econôm ico e cult ural de um a área, na GuinéBissau, e de que result ou a escolha de adequadas palavras geradoras com que se iniciou o esforço de alfabet ização no sent ido dinâm ico t ant as vezes referido nest e t ext o. A pouco e pouco, sem pre em com unhão com as populações das t abancas, o Cent ro est ende e int ensifica sua ação. “ Tem os feit o o possível, diz seu Diret or, Jorge Am pa, para de fat o cum prir o obj et ivo de nossa Escola, que é ligá- la à vida da população. Tem os um post o sanit ário, com um a equipe de t rês est agiários, com preparação de socorrist as. As consult as são diárias, som ando, às vezes, m ais de cem por m ês. No período de abril a j ulho, cont inua Am pa, foram assist idos 294 doent es” . De acordo com a polít ica do Com issariado de Saúde, que privilegia a m edicina prevent iva, o Cent ro se preocupa ao m áxim o com a educação sanit ária, das populações, realizando, sem pre em colaboração com os com it ês de t abancas, reuniões de est udo em que se discut em cert os aspect os “ m ágicos” ligados à saúde. As “ debilidades da cult ura” a que Am ílcar Cabral se referia. Est as reuniões, poderia dizer, est es sem inários em que se discut em problem as sanit ários com o povo, às vezes no t erreiro lim po, um a espécie de pequena praça no cent ro de um a t abanca, ou à som bra de um a árvore ou ainda em " palot as” , palhoças, const ruídas pela população, com o as em que vi funcionando os Círculos de Cult ura, se cent ram const ant em ent e na análise da prát ica social da com unidade. É com respeit o à com preensão do m undo que se vem desenvolvendo nest a prát ica – o que sem pre caract erizou o com port am ent o do PAI GC – que o Cent ro t rabalha com as populações. Em últ im a análise, a superação das " debilidades da cult ura” , que se const it uem na prát ica social, requer a t ransform ação dest a, at ravés das alt erações que se vão dando nas relações sociais de produção. Mas, com o est a superação não é m ecânica e sim dialét ica, a ação polít ico- pedagógica a ela endereçada e im port ant e e m esm o fundam ent al. Por out ro lado e por isso m esm o os sem inários em t orno da educação sanit ária vinculam , usualm ent e, à análise da saúde, a com preensão crit ica do esforço de reconst rução nacional, o que significa t am bém discut ir a saúde em suas relações com a produção, sobret udo com o m odo com o se dá a produção e as relações sociais que nest e ou naquele m odo de produção se processam . Discussões que necessariam ent e se prolongam em debat es de ordem polít ica. Est e esforço sério de polit ização, girando em t orno não im port a de que at ividades, se das que se prendem à educação sanit ária, se daquelas ligadas à produção ou às de alfabet ização de adult os, no fundo sem pre unidas, vem alcançando t am bém professores prim ários de escolinhas localizadas na área m aior em que se sit ua o Cent ro. Em t odas est as ações, porém , j am ais prescinde, com o venho insist indo, da est reit a int im idade com o com it ê polít ico das t abancas. " Colaboram os sem pre com o com it ê de t abanca, diz Am pa, e part icipam os de suas reuniões com a população. Reuniões presididas pelo com it ê” . Creio, porém , que problem as com o o das relações ent re saúde, educação e o “ m odo de produção que represent a em cada fase da hist ória o result ado da busca incessant e de um equilíbrio dinâm ico ent re o nível das forças produt ivas e o regim e de ut ilização social dest as forças” * , ao lado da form ação em t orno de conhecim ent os específicos nos cam pos da saúde, da agricult ura, deveriam const it uir obj et os de sem inários a serem realizados com a equipe de professores efet ivos do Cent ro, com vist as a seu t rabalho form ador j unt o aos professores est agiários. Sem inários t am bém sobre a quest ão da alienação cult ural, por exem plo, provocada necessariam ent e, sobret udo em cert as faixas da população, pela presença colonialist a, e que Am ílcar Cabral, com o sem pre, discut iu de m aneira t ão lúcida. Na verdade, na m edida em que a Escola de Có am plia suas at ividades com o Cent ro de capacit ação de professores ( a prim eira t urm a de est agiários foi de 30; a segunda, de 60; no ano let ivo de 77- 78 poderá receber 100) e suas equipes int ensificam sua ação polít ico- pedagógica j unt o às populações das t abancas, vai- se im pondo a elas um m aior rigor no conhecim ent o da realidade sobre que at uam . Envolvidas m ais e m ais nest e m út uo processo de aprendizagem , se encont ram , pois, inseridas num at o de conhecim ent o de que os suj eit os são, de um lado, elas; de out ro, os grupos populares com os quais ent ram em diálogo. Aprendendo, indiscut ivelm ent e, dest es e com est es grupos, as equipes do Cent ro t êm , porém , um a t arefa a que não podem escapar e para a qual precisam de se preparar: a de aj udar, no sent ido aut ênt ico dest a palavra, aqueles grupos, at ravés da análise de sua prát ica, a ir sist em at izando o conhecim ent o que dela deriva, ult rapassando, assim , a m era opinião sobre os fat os por um a crit ica com preensão dos m esm os. Um a t al t arefa, com o desenvolvim ent o aprofundado da qual o Cent ro se vai t ornando aquela unidade universit ária do povo, ant es m encionada, im plica em que as equipes e os grupos populares * Am ílcar Cabral – Obra cit ada, pág. 320. t om em a quot idianeidade com o obj et o de sua reflexão. “ Tom ar dist ância” da quot idianeidade em que geralm ent e se acham “ im ersos” , at ribuindo, não raro, aos fat os que nela se dão um a “ legalidade” int ocável, é um passo indispensável para a “ em ersão” dela e seu desvelam ent o. A condição necessária, porém , para est e passo, repit a- se, é que a “ t om ada de dist ância” da quot idianeidade se dê na análise da prát ica realizada ou realizando- se e se alongue na prát ica subseqüent e, qualquer que sej a ela, sem pre social. A análise crit ica por part e dos grupos populares de sua form a de est ar sendo no m undo da quot idianeidade m ais im ediat a, a de sua t abanca, e a percepção da razão de ser dos fat os que se dão nela os levam a sobrepassar os horizont es est reit os da t abanca, ou m esm o da zona, para ganhar a visão global da realidade, indispensável à com preensão da própria t arefa de reconst rução nacional. Nest e sent ido é que um a at ividade polít ico- pedagógica com o est a e que põe em prát ica um a t eoria do conhecim ent o dialét ica é, em si, um a dim ensão fundam ent al do esforço de reconst rução nacional. Re- const rução nacional que se alonga, obviam ent e, na criação de um a nova sociedade, sociedade de t rabalhadores, em que um novo t ipo de int elect ual deve em ergir – o que se forj a na unidade ent re o t rabalho m anual e o t rabalho int elect ual; ent re prát ica e t eoria. A Escola de Có vem sendo e pode vir a ser, cada vez m elhor, um Cent ro que cont ribui para a form ação dest e novo int elect ual. Est ou convencido de que, em alguns anos m ais, na cont inuidade de um exercício em que não há lugar para um a concepção est át ica nem elit ist a do conhecim ent o, a Escola de Có, sem j am ais despreocupar- se do t rabalho sist em at izador do conhecim ent o do povo, a ser feit o com ele, conhecim ent o que vem derivando de sua própria prát ica, se irá convert endo naquele cent ro universit ário de que falei. Não há por que não prever, no decorrer de sua ação e de acordo com o crescent e nível de curiosidade dos grupos populares com os quais com eçou a t rabalhar, bem com o em função das necessidades locais, regionais e nacionais, percebidas e assum idas pela população, que, em cert o m om ent o, não sej a possível a est a Escola form ar, ent re os m em bros da com unidade, enferm eiros, t écnicos agrícolas, avicult ores, m ecânicos, elet ricist as. Diferent es especialist as cuj o processo de form ação não t erm inaria ai, m as prosseguiria e se aprofundaria na avaliação const ant e de sua prát ica. O im port ant e é que a form ação desses fut uros especialist as, vindos de um a escola am pla que é a vida m esm a, se faça na com preensão crit ica e não est reit a ou ingênua de cada prát ica específica, no quadro geral da prát ica social de que part icipam . E a com preensão crit ica, sej a da prát ica especifica, sej a da prát ica social, dem anda a form ação polít ica concom it ant e com a t écnicoprofissional. Em face de t udo o que se vem fazendo nest a Escola e a part ir dela, assim com o de t udo o que virá a ser feit o à raiz do que j á se faz, seria um a cont radição se sua adm inist ração se achasse enfeixada nas m ãos apenas de seu diret or. Pelo cont rário, o governo da escola se faz at ravés do diret or, de professores efet ivos e de professores est agiários, com igual part icipação. Sem analm ent e, se reúne o órgão dirigent e, fazendo sem pre o balanço ou a avaliação do que ocorreu na sem ana que passou. Sem lim it e de t em po, se discut em idéias e problem as, pois se evit a, t ant o quant o possível, a necessidade de decisão por vot o. " Quando vot am os, diz Jorge Am pa, é porque há desacordo” . Nest as reuniões de direção são esboçadas linhas gerais, m as det idam ent e est udadas, com relação à vida do Cent ro, incluindo seus proj et os de ação na com unidade, linhas que são propost as ao debat e da assem bléia- geral, de que part icipam t odos os est agiários. Nas reuniões de assem bléia, não raro, novas propost as surgem , com as quais se enriquecem os planos do Com it ê Diret ivo, em beneficio do int eresse com um . Cont radit ório seria, por out ro lado, se est a Escola, que est á ligada ao Com issariado de Educação, m as a 50 quilôm et ros dele e com precárias condições de com unicação, est ivesse na dependência do Órgão Cent ral para a solução de seus problem as im ediat os e para a organização de seus planos de t rabalho. O essencial é a harm onia ent re est es planos e os obj et ivos da educação nacional, que cabe ao Com issariado de Educação t raçar, em coerência com a polít ica do PAI GC, realizada pelo Governo. Em últ im a análise, o Com issariado de Educação opera, a nível nacional – com o a Escola de Có, a seu nível – abert a e dem ocrat icam ent e. Em lugar de asfixiar iniciat ivas, com um sem - núm ero de exigências burocrat izant es, o Com issariado est im ula e at é exige a iniciat iva, a criat ividade, sem perm it ir que sua ação se perca nesse m undo de papéis que vão e que vêm e cuj a função principal parece ser a de que um “ t om e cont a” do out ro, enchendo o vazio da inoperância “ burocrat ist a” . Não há vazios inoperant es, “ cheios” de gent e, nem no Com issariado de Educação nem na Escola de Có. Est a, m arcada pela excelent e experiência levada a efeit o nas zonas libert adas pelo PAI GC e de que é, com o disse ant es, indiscut ivelm ent e, um prolongam ent o, vem sendo um exem plo de criat ividade e de m ilit ância. “ Dent ro do Ano I I de Organização, afirm a seu diret or, vam os t rabalhar m ais e m elhor, concent rando nossa ação no Terceiro Congresso do Part ido, que em breve se realizará.” Procurando int ensificar as at ividades prát ico- t eóricas no Cent ro, “ se pret ende saudar o acont ecim ent o” . Nest e sent ido, “ se obt ivem os um a aprovação de 100 por cent o no ano que t erm inou, vam os t udo fazer para conseguir o m esm o result ado no ano que vem ” . Não foi grat uit am ent e que o Cent ro de Form ação de Professores Máxim o Gorki, da vila de Có, foi considerado, no ano let ivo que findou, com o a Escola- Modelo do país. ( D) Prosseguindo nest a conversa, t alvez um t ant o prolongada, m as necessária, pois que, sem ela, as cart as que se seguem perderiam , creio, m uit o de sua significação, gost aria de fazer alguns com ent ários, que não serão os últ im os, em t orno de um a reunião a que assist im os em fevereiro dest e ano. Reunião a alguns quilôm et ros m ais ao nort e da Escola de Có, ent re um grupo significat ivo de um a com unidade cam ponesa e o Com issário de Educação, com a presença t am bém do responsável polít ico da zona. Era a prim eira vez que, no processo de nossa aprendizagem da realidade da Guiné- Bissau, ent rávam os em cont at o com um grupo de cam poneses. I nt eressava- nos, obviam ent e, capt ar, t ant o quant o possível, sobret udo, com o se viam a si m esm os em suas relações com o Part ido e com o Governo, no quadro geral da lut a pela reconst rução nacional. O que significava para eles est a lut a, enquant o cont inuidade da out ra, a de libert ação nacional, à qual haviam dado seu apoio, na m edida do possível, em face da repressão colonialist a a que se achavam subm et idos. A reunião se realizou, não num a sala arrum ada e para ela preparada, m as à som bra de um a enorm e árvore cent enária. A m elhor m aneira que t inha a população de dem onst rar sua hospit alidade, era a de receber a delegação naquela som bra acolhedora e, em int im a relação com seu m undo nat ural, conversar sobre os seus problem as. A im pressão que t ive é a de que a área som breada daquela árvore é um a espécie de cent ro polit ico- cult ural da população. Um lugar de encont ro, em que se conversa inform alm ent e, m as t am bém em que se discut em os planos de t rabalho com um . Pensei, ent ão, com o se poderia aproveit ar aquela som bra em program as de educação inform al. Quando m e dirigia à árvore, olhando sua fronde, m e lem brava de que, à som bra t am bém de árvores com o aquela, na m at a, Am ílcar Cabral cost um ava realizar, durant e a lut a, m uit os dos sem inários em que avaliava, com os “ m ilit ant es arm ados” , sua ação cont ra o exércit o colonialist a. Sem inários nos quais a análise de carát er t át ico- m ilit ar j am ais deixou de ser acrescida de discussões de ordem polít ica, de debat es sobre a cult ura com que a form ação perm anent e dos quadros ia se fazendo. Lem brava- m e t am bém do que m e dissera um m ilit ant e, não propriam ent e a propósit o daqueles sem inários, m as sobre um dos m uit os encont ros que Am ílcar Cabral t ivera com cam poneses quando, dirigindo um a pesquisa em t orno da realidade agrária da Guiné, percorreu t odo o país. Cabral aproveit ava a oport unidade que a pesquisa 1he oferecia para, falando discret am ent e da realidade opressiva em que se achava o povo, ir det ect ando fut uros quadros para o PAI GC, que, t rês anos depois de iniciado o recenseam ent o * , a 19 de set em bro de 1956, era fundado. * Est e recenseam ent o foi det erm inado pelo ent ão Minist ério de Ult ram ar port uguês, em 1953, em decorrência de um com prom isso assum ido por um a delegação port uguesa que part icipara de um a Conferência prom ovida pela FAO – Organização para a Alim ent ação e a Agricult ura – em Londres, no ano de 1947, segundo o qual Port ugal faria um recenseam ent o agrícola nas suas possessões ult ram arinas. Em cert o m om ent o de sua conversa com os cam poneses, no encont ro a que se referia o m ilit ant e, à som bra t am bém de um a árvore, Cabral se levant a, com um a sem ent e de dendê na m ão e, escolhendo um sit io adequado, cava o chão e a plant a. Depois, olhando os cam poneses em volt a, lhes diz: “ Muit a coisa vai acont ecer em nosso pais, feit a por nós, pelo povo da Guiné, ant es que a palm eira que nascerá dest a sem ent e dê os prim eiros frut os” . " Anos depois, disse- m e o m ilit ant e, se fez um a reunião do com it ê do PAI GC daquela região, ao lado da palm eira que dava o seu prim eiro cacho.” Ao fazer aquele discurso, que não se reduziu apenas à sua dim ensão oral, quando disse que m uit a coisa ocorreria no pais, feit a pelo povo, ant es que a palm eira frut ificasse pela prim eira vez, m as t am bém incluiu o at o de plant ar a palm eira, Cabral falou um a linguagem de esperança. Não de um a falsa esperança, que é a de quem espera na pura espera, por isso que vive um t em po de espera vã. A espera só é esperançosa quando se dá na unidade ent re a ação t ransform adora do m undo e a reflexão crít ica sobre ela exercida. Ao falar aquela linguagem , em um a relação horizont al com os cam poneses, Cabral com eçava o enraizam ent o, no m eio do povo, do PAI GC em form ação, ao m esm o t em po em que se int ensificava o aprendizado de sua " re- africanização” , associada ao “ suicídio de classe” que se im punha aos int elect uais revolucionários africanos para “ não t rair os ideais da revolução” e sobre que falou t ão claram ent e em seus t ext os. Abert a a reunião, aquela que assist íam os, o Com issário Mário Cabral, em poucas palavras, disse de nossa presença na GuinéBissau, do t rabalho que fazíam os j unt os com os nacionais no cam po da educação, t erm inando por afirm ar que est ava ali com o responsável pela educação do país, para ouvi- los e debat er com eles, livrem ent e, as suas necessidades m ais prem ent es. I m ediat am ent e, ent ão, os cinco m ais velhos do grupo se reuniram , num circulo dent ro do circulo m aior, discut indo ent re si, em voz baixa, enquant o os dem ais perm aneciam silenciosos. Um j ovem a m eu lado m e disse: “ Conversam ent re eles para est abelecer a ordem em que devem falar bem com o para definir alguns dos pont os sobre que falarão. Fazem sem pre assim ” , concluiu. Um educador do lado de cá do m undo, insensível à com preensão de out ras cult uras, sobret udo convencido de que a única válida é a sua, j á com eçaria a descobrir sinais de ineficiências, pois que não se haviam " preparado seriam ent e para a reunião” , diria ele. Em dado inst ant e, um a um , com eçaram os cinco a falar. De m odo geral, ricos no uso de m et áforas, de gest os, com os quais sublinhavam suas afirm ações. Referindo- se às violências dos colonialist as, um deles curvava- se e recurvava- se para encarnar a palavra com que descrevia os m aus t rat os recebidos. Andava de um cant o a out ro, dent ro do círculo de som bra em que est ávam os, com diferent es m ovim ent os corporais, para expressar m elhor um ou out ro aspect o da hist ória que cont ava. Nenhum falou est at ist icam ent e, dissociando a palavra de seu corpo. Nenhum disse sua palavra para que fosse apenas escut ada.Na África a palavra é t am bém para ser " vist a" , envolvida no gest o necessário. Nenhum , com o de m odo geral ocorre na África, com exceção dos int elect uais que, " desafricanizados” , negam suas raízes, revelou m edo ou vergonha de usar seu corpo, no processo de sua expressividade. E enquant o os via e os ouvia falando com a força de suas m et áforas e a ligeireza de m ovim ent os de seus corpos, pensava nas possibilidades inúm eras que se abrem , com essas font es cult urais africanas, a um a educação libert adora. Falaram t am bém do m om ent o at ual, de seu ânim o de part icipar do esforço de reconst rução nacional, apont ando, ao m esm o t em po, as dificuldades com que se defront avam . O m ais velho ent re os " hom ens grandes” , o que falou por últ im o, à som bra acolhedora da enorm e árvore, falou a t odos nós num a linguagem igualm ent e de esperança. “ O PAI GC, disse ele m ais ou m enos, nos seus vint e anos, é ainda um a criança. Vint e anos são m uit a coisa na vida de um a pessoa, m as não na vida de um povo e de seu part ido. O bom do PAI GC é que aprendeu a andar com o povo. Eu não verei as coisas grandes que o povo da Guiné- Bissau, o PAI GC e o Governo vão fazer. Mas os filhos de nossos filhos verão. Eles viverão um t em po diferent e. Mas, para isso, é preciso que eu, que não vou ver esse t em po, e t odos nós façam os agora o que agora precisa de ser feit o.” Era fevereiro dest e ano e recém visit áram os a Escola de Có, em seus com eços. Na volt a a Bissau, im pregnado do que presenciara, previa o que viria a ser aquela Escola na m edida em que se fosse " m olhando" da realidade em t orno e est reit ando sua com unhão com cam poneses com o aqueles, cuj as palavras acabara de " ver” e de ouvir. Sem pre que vam os à Guiné- Bissau, há um t em po reservado para novos encont ros ou novas visit as ( ao lado dos re- encont ros e das re- visit as) com os quais vam os m ais e m ais nos t ornando “ ínt im os” da realidade. Não vou falar aqui de t odos esses encont ros, de t odas essas visit as, por m ais que em cada um deles ou em cada um a delas t enham os sem pre algo de int eressant e a regist rar. Me parece im port ant e, cont udo, dizer que os novos encont ros com o as novas visit as são fundam ent ais à nossa prát ica com as equipes nacionais. Fazem part e do m ét odo de t rabalho que adot am os em que const ant em ent e t rat am os de ver, ouvir e indagar, subm et endo aos nacionais os result ados de nossa curiosidade. Est am os sem pre at ent os ao m ais sim ples porm enor que nos cham e a at enção num a dessas visit as ou num desses encont ros e que nos desafie a um a reflexão com os nacionais. Seria, em verdade, im possível que, em nossas idas ao país, part icipássem os de m aneira eficient e dos sem inários de avaliação com a Com issão Coordenadora de Alfabet ização se, I ) perm anecendo som ent e em Bissau, não observássem os a prát ica realizando- se nout ras áreas do país e I I ) não procurássem os conhecer, de pert o, o que se vem fazendo nout ros set ores de at ividades que não as da alfabet ização de adult os. ( E) Nas considerações que se seguem e com as quais encerrarei est a int rodução que, em m uit os aspect os, se prolonga nas cart as, t ent arei um a sínt ese das at ividades desenvolvidas, no cam po da alfabet ização de adult os, na Guiné- Bissau, durant e est e ano. Há um pont o que m e parece necessário sublinhar, ant es de m ais nada. E o que diz respeit o à “ linha de m assas” que caract eriza a prát ica e a visão da alfabet ização no pais. Com ist o o que se pret ende, fundam ent alm ent e, é que a alfabet ização de adult os, com o at o polít ico, em coerência com os princípios do PAI GC, que inform am a ação do Governo, se faça com um real envolvim ent o do povo. Em out ras palavras, que os program as de alfabet ização de adult os, onde quer que sej am iniciados, de acordo com as prioridades est abelecidas pelo Part ido e pelo Governo, sej am assum idos, t ant o quant o possível, pelas populações locais. Dai, a relação indispensável ent re os program as de alfabet ização de adult os e os com it ês polít icos de t abancas e de bairros, de t al m aneira que sej a, at ravés dest es com it ês, que os educadores ou anim adores, enquant o m ilit ant es t am bém , se aproxim em das populações. Na verdade, o que m arca a " linha de m assas” , o que a define com o t al, e o seu ant ielit ism o revolucionário, o seu ant ipat ernalism o, é o papel de suj eit os que devem as m assas populares nela assum ir, at ravés de sua ingerência na própria program ação da cam panha. E o dinam ism o dialét ico ent re t át ica e est rat égia em que ela sem pre se encont ra. Est rat egicam ent e, const ant em ent e volt ada para a generalização à globalidade da sociedade em que se processa; t at icam ent e, porém , podendo part ir, não da t ot alidade, se as condições obj et ivas e subj et ivas não o perm it em , m as daquelas áreas em que est as condições j á se est ão dando ou se acham prest es a dar- se. Se as condições j á est ão dadas ou em part e dadas, o esforço de alfabet ização corre rapidam ent e; se as condições est ão prest es a dar- se, aquele esforço aj uda a sua concret ização. Se as condições não exist em e est ão m uit o longe de exist ir, a alfabet ização carece de sent ido. Por isso é que não há com o confundir a “ linha de m assas” com a generalização volunt arist a da alfabet ização. Se t oda cam panha de alfabet ização, num a “ linha de m assas” , im plica, cedo ou t arde, na sua generalização à globalidade da sociedade em que se dá, nem t oda generalização de um a cam panha significa sua inserção num a “ linha de m assas” . O est abelecim ent o de zonas e de set ores priorit ários, na GuinéBissau, para o lançam ent o da cam panha nacional de alfabet ização, de acordo com a realidade do país, coincide com a " linha de m assas” , em lugar de negá- la. Em oposição ainda com a generalização volunt arist a da alfabet ização, a " linha de m assas” . dem anda daquelas e daqueles nela envolvidos que se experim ent em , perm anent em ent e, na t ensão ent re a im paciência e a paciência. A generalização volunt arist a, pelo cont rário, revela naqueles e naquelas que a ela se dão a negação da t ensão de que result a a sua ent rega à pura im paciência. Sua t endência, ao rom per a t ensão necessária, é inclinar- se a acelerar o progresso independent em ent e de se há ou não condições para t al, é ensinar sem aprender, é t ransferir o conhecim ent o pois que " não há t em po a perder” . A rupt ura da t ensão, em t ais circunst âncias, ent re a im paciência e a paciência, os rem et e aos esquem as de um a pedagogia ant idialógica em cuj a prát ica, não im port am suas int enções, o conhecim ent o aparece com o algo t erm inado, concluído. E não se percebe a cont radição ent re a prát ica na qual o conhecim ent o é t ransferido com o um " pacot e” e o discurso em que dele se fala em t erm os dinâm icos. O cont rário, por out ro lado, seria a rupt ura de que result asse o quase desaparecim ent o da im paciência que, em t ensão com a paciência, m ove e em purra. Nest e caso, facilm ent e se resvala para a passividade que, " deixando as coisas com o est ão para ver com o ficam ” , não t em nada com o sent ido m ilit ant em ent e revolucionário da “ linha de m assas” . Nest a, a paciência, pois, não é conform ism o. Significa apenas que a m elhor m aneira de fazer am anhã o im possível de hoj e é realizar hoj e o possível de hoj e. Em Am ílcar Cabral, essa t ensão j am ais se rom pe. Em sua prát ica revolucionária e em suas reflexões sobre ela, que deixou em seus t ext os, a t ensão est á sem pre present e. “ Devem os andar depressa, diz ele, m as não correr; sem oport unism os, sem ent usiasm os que nos façam perder de vist a a realidade concret a. Mais vale com eçar a lut a arm ada com um at raso aparent e, m as com garant ias de cont inuidade, do que com eçá- la cedo ou em qualquer m om ent o, sem t er realizadas t odas as condições que garant am a sua cont inuidade e a vit ória para o nosso povo” . E m ais adiant e: “ Conhecer bem as nossas forças, t er em cada m om ent o um a consciência perfeit a das coisas que podem os fazer. Avaliar bem as nossas possibilidades em cada área, em cada unidade das forças arm adas, agir sem pre de acordo com essas possibilidades e fazer t udo para m elhorar as nossas forças e a nossa capacidade, t ant o no plano dos hom ens com o no m at erial. Nunca fazer m enos do que podem os e devem os fazer, m as não pret ender, em nenhum caso, fazer coisas que realm ent e não est am os ainda em condições de fazer” . * É seguindo esses princípios, válidos não só para a lut a de libert ação, ont em , m as para a da reconst rução nacional, hoj e, que o Governo da Guiné- Bissau, at ravés do seu Com issariado de Educação, vem t rabalhando no cam po da alfabet ização de adult os. Por isso é que, sendo nacional a sua cam panha, part e, com o ant es salient ei, daquelas zonas e daqueles set ores que, propiciando um a prát ica válida, oferecem aos quadros que dela part icipam um rico e indispensável aprendizado com que se preparam para est ender e aprofundar a ação. Est e aspect o da capacit ação de quadros para a post a em prát ica de um a pedagogia com o a de que falei t ão insist ent em ent e nest e t ext o e t enho falado em t rabalhos ant eriores, pedagogia que * Am ílcar Cabral – PAI GC – Lisboa,1974, págs. 12- 31. Unidade e Lut a, Publicações Nova Aurora, coincide com os princípios básicos do PAI GC, não pode deixar de ser um dado fundam ent al no quadro geral de um a cam panha de alfabet ização com o a em que se engaj a o Governo da Guiné- Bissau. Capacit ação a ser sem pre feit a na unidade da prát ica e da t eoria e que não se pode reduzir ao “ t reinam ent o” dos m ilit ant es num cert o núm ero de dest rezas t écnicas, com o cada vez m ais em m enos t em po se vem fazendo com a classe t rabalhadora nas sociedades capit alist as avançadas. * * Para a realização dest e program a, a cargo diret am ent e da Com issão Coordenadora de Alfabet ização de Adult os, * * * que t rabalha em est reit a relação com o Com issário Mário Cabral, est a Com issão vem realizando um a série de at ividades cent radas nas zonas e set ores priorit ários. At ividades nem sem pre fáceis de serem levadas a efeit o e cuj os result ados, t am bém , nem sem pre correspondem ao que delas se esperava. De qualquer m aneira, porém , as falhas com et idas, num ou nout ro m om ent o de um a ação não m uit o bem program ada e que não se fundou num conhecim ent o m ais det ido da realidade, são analisadas, nem sem pre t am bém sem dificuldades – é preciso não idealizar – no seio da própria Com issão cuj os m em bros, no exercício difícil de um a corret a aut ocrít ica, vão aprendendo com o superá- las. O im port ant e é est arm os convencidos, m ais um a vez com Am ílcar Cabral, de que os “ erros que com et em os não devem desanim ar- nos assim com o as vit órias que alcançarm os não devem fazer- nos esquecer os erros” . * A t arefa principal dest a Com issão, no ano que finda, em diálogo que procurou est reit ar m ais e m ais com Com issariados com o o da Saúde, o de Agricult ura, o de Serviços I nt ernos, o de I nform ação; com os Com it ês polít icos do Part ido nas zonas onde at uou; com as organizações de m assas – a JAAC, a União Nacional de Trabalhadores – com Cent ros de Form ação com o o de Có, foi a capacit ação de quadros, com a criação de Círculos de Cult ura experim ent ais cuj a cont inuidade fosse possível prever. Com est a at ividade, realizada não apenas em Bissau, m as em diferent es áreas do país, at ravés de " Brigadas” , a Com issão, de um lado, fez um am plo t rabalho de int erpret ação do papel da alfabet ização que ela cost um a cham ar de " int egral” no processo de reconst rução ** Ver, a est e propósit o, Harry Braverm an – Labor and Monopoly Capit al – The degradat ion of work in t he t went iet h cent ury, Mont hly Review Press, Nova York e Londres,1974. *** Est a Com issão, cada vez m ais t ornando- se int ercom issarial, apresent a seus relat órios, que são obj et o de larga discussão, at ravés do Com issário da Educação, a um a out ra, criada em fevereiro dest e ano – a Com issão Nacional de Alfabet ização de que part icipam os Com issariados m ais diret am ent e envolvidos no program a de alfabet ização e que t em com o President e o próprio President e do Conselho de Est ado, o cam arada Luiz Cabral. Cabe à Com issão Nacional, sobret udo, t raçar as linhas gerais de ação a ser exercida pela Com issão Coordenadora, em acordo com a polít ica do Part ido. Em nossas visit as de t rabalho ao país, t ivem os oport unidade de part icipar de duas reuniões dest a Com issão que nos deixaram um a fort e im pressão pelo nível das discussões e seriedade com que se t rat am os problem as. * Obra cit ada, pág. 14 nacional, m obilizando a opinião pública para a percepção crít ica do problem a. Do out ro, im plant ou núcleos do program a em quase t odas as áreas consideradas priorit árias e, sobret udo, reconhecendo as falhas com et idas, se preparou para, no próxim o ano, o Ano I I de Organização, at ender bem a um a das t rês principais t arefas a est e ano reservadas pelo Governo, at ravés do Com issariado de Educação – a que diz respeit o à cam panha nacional de alfabet ização. Em um relat ório do m ês de m aio, dizia a Com issão: “ Tem os a referir t am bém e especialm ent e o apoio recebido por part e dos dirigent es do Part ido e do Est ado, o que at est a a im port ância que vem sendo dada à alfabet ização” . Apoio com provado, m ais um a vez, aos cont act os que precederam a ida de um a dessas Brigadas a um a das regiões do país. “ Cont act os, diz o relat ório, com o Cam arada President e Luiz Cabral, com os diversos Com issariados que com põem a Com issão Nacional de Alfabet ização, com out ros Com issariados, com organizações de m assa, com organism os est at ais” . Em set em bro passado, quando de nossa m ais recent e est ada no país, após a visit a que fizem os à Escola de Có, a qual se alongou, com o não podia deixar de ser, a quat ro t abancas em volt a do Cent ro, para ver e sent ir o ext raordinário t rabalho de alfabet ização de adult os nelas realizando- se, dedicam os oit o de nossos dias na Guiné a um sem inário de avaliação das at ividades levadas a cabo pela Com issão. E int eressant e reafirm ar, pois que disse algo sobre ist o ant es, que a avaliação que realizam os não é um processo em que t om am os a equipe coordenadora e sua ação com o obj et os de nossa análise sobre que falássem os, depois, com ares dout orais. Pelo cont rário, nós e a Com issão, dialogicam ent e, t om am os a prát ica realizando- se com o obj et o da avaliação e procuram os ent ender as causas das falhas e est udar as diferent es m aneiras de superá- las. Não foi por pura coincidência que os esforços m ais posit ivos, na área civil – um a vez que os desenvolvidos no seio das FARP revelavam , m ais e m ais, por t odas as razões j á anot adas nest e t ext o, um alt o índice de eficiência – eram os que se vinham fazendo nas t abancas em t orno da Escola de Có. Sent ia- se nos Círculos de Cult ura que vim os em funcionam ent o, dent ro de " palot as” const ruídas pela própria população, a presença polít ico- pedagógica da Escola de Có, em sua ínt im a relação com o Com it ê do Part ido. Um a das conclusões, por exem plo, a que chegam os t odos no sem inário da avaliação e à luz da análise do papel que vem t endo aquela Escola foi a de a Com issão, t ant o quant o possível, nas áreas em que com ece a t rabalhar, procurar associar- se ( além de sua ligação norm al com o Com it ê local do Part ido) sej a com um post o de saúde, com um I nt ernat o ou com um a cooperat iva de produção que, em real com unicação com a população local, se const it uam em pont os de apoio aos program as de alfabet ização de adult os. De um a coisa est am os cert os: m archando na pacient e im paciência, por isso com segurança, os t rabalhos de alfabet ização de adult os, na Guiné- Bissau, m ais do que um a prom essa são um a realidade. Ao concluir est a int rodução, que sei dem asiado incom plet a, não gost aria que ela pecasse por duas om issões. A prim eira, a de não regist rar aqui, não apenas em m eu nom e pessoal, m as no da equipe do I DAC e no do Depart am ent o de Educação do Conselho Mundial de I grej as, o nosso agradecim ent o ao povo, ao PAI GC e ao Governo da Guiné- Bissau pela oport unidade que nos vêm dando de, aprendendo t ant o, ensinar t am bém e, assim , part icipar, com o podem os, do esforço de reconst rução do pais. A segunda, a de não dizer, part icularm ent e no de Elza e no m eu nom e, o quant o o nosso envolvim ent o na Guiné- Bissau t em provocado em nós, não um a nost algia do Brasil, m as um a saudade m ansa, bem com port ada, dos j á dist ant es anos em que, em Círculos de Cult ura t ão vivos quant o os de Có e os das FARP, t ant o aprendem os com o nosso povo. Paulo Freire Genebra I nverno 1976 Post scr ipt u m Viagens de t rabalho a São Tom é e Príncipe e Angola, em dezem bro do ano passado e fevereiro dest e ano, fizeram coincidir o t érm ino da revisão t ant o da I nt rodução quant o das cart as que com põem est e livro com a prim eira visit a dest e ano à Guiné- Bissau, em m arço passado. As observações que fiz, part icipando de sem inários de avaliação com a Com issão Coordenadora dos Trabalhos de Alfabet ização de Adult os, bem com o em encont ros com os professores est agiários e a equipe Diret ora da Escola de Có e com responsáveis de out ros set ores de at ividades do Com issariado de Educação, m e convenceram da necessidade dest e P. S. Ao redigi- lo, evit arei, porém , convert ê- lo num relut ório m inucioso de t udo o que se discut iu em t orno da alfabet ização de adult os, quer nas áreas civis, quer no seio das FARP, bem com o de t udo o que pude ver e sent ir nos dias em que, com Elza e Julio de Sant a Ana, da Com ission on t he Churches' Part icipat ion in Developm ent , convivi com as equipes de professores efet ivos e est agiários do Cent ro de Capacit ação e Recuperação de Professores Máxim o Gorki, em Có. Em últ im a inst ância, o que pret endo com est e P. S. é at ualizar considerações, análises e inform ações cont idas na I nt rodução. Tent arei, assim , cingi- lo aos pont os que m e parecem m ais im port ant es, ent re os m uit os que m e im pressionaram na últ im a visit a. O prim eiro dest es pont os que gost aria de considerar, ao oferecer novos dados em t orno dele, diz respeit o às relações ent re educação e produção. Aspect o a que fiz referência, insist ent em ent e, na I nt rodução dest e livro, salient ando que o aprim oram ent o e a int ensificação dest as relações const it uem um a preocupação do PAI GC a que o Governo, at ravés sobret udo do Com issariado de Educação, vem dando o m elhor de seu em penho. " De t odos os nossos esforços no Com issariado, de t odo o nosso t rabalho, diz Mario Cabral em recent e ent revist a ao Diário de Lisboa * * , falando dest as relações, é est e o que m ais m e sensibiliza e de que m ais gost o de falar.” Est a preocupação – a de j am ais dicot om izar educação de produção – que sem pre caract erizou o PAI GC, m arcando decisivam ent e t oda a experiência educat iva que se desenvolveu nas cham adas zonas libert adas, durant e a lut a, não poderia deixar de const it uir- se num dado cent ral, num a espécie de " t em a gerador” sobre que se fundaria o novo sist em a educacional do país. Assim é que, j á nos com eços do ano let ivo de 1975, poucos m eses depois da ent rada do PAI GC em Bissau, o Com issariado de Educação, ao m esm o t em po em que m ant inha e est im ulava a unidade ent re educação e produção nas ant igas zonas libert adas, ensaiava os prim eiros passos no sent ido dest a unidade nas escolas de Bissau. * Diário de Lisboa, abril 1977. E. Vist a parcial do Cent ro de Form ação e Recuperação de Professores Máxim o Gorki. Escola de Có, 1997. Recreio. ( Fot o do Cent ro Áudio- Visual, Guiné- Bissau) Em cert o m om ent o da I nt rodução m e refiro às t ent at ivas realizadas nest a direção bem com o às resist ências de est udant es a elas. Resist ências de est udant es que não se podiam conceber usando suas m ãos em t rabalhos considerados com o subalt ernos. Tant o Mario Cabral quant o seus auxiliares im ediat os, ent re eles, sobret udo, Carlos Dias, responsável pelo Depart am ent o encarregado de prom over as relações ent re t rabalho e est udo, sabiam que, de um lado, seria im possível superar o sist em a educacional herdado dos colonizadores, m ant endo- se um liceu verbalist a, blablablant e, com est udant es deform ando- se, dist anciados do at o produt ivo. De out ro, com preendiam as razões ideológicas que explicavam aquela resist ência por part e de um bom núm ero de est udant es. Um a vez m ais se percebe, no t rat o de um problem a t ão fundam ent al, para o fut uro do país, quão delicado, a sabedoria que o PAI GC veio acum ulando nos anos de lut a. Um a vez m ais a solução procurada se achava no equilíbrio ent re a im paciência e a paciência ou em form as de ação im pacient em ent e pacient es. Não se t rat ava, na verdade, naquela época, de im por a t odos os est udant es do Liceu de Bissau sua part icipação no t rabalho produt ivo, m as de convencê- los do valor form ador do t rabalho. O que se im punha no m om ent o era a busca da adesão da j uvent ude ao esforço de reinvenção de sua sociedade para o que a unidade ent re t rabalho e est udo se fazia indispensável. Est e foi, de fat o, o principal obj et ivo do Com issariado de Educação, ao propor aos est udant es de Bissau, nos com eços do ano let ivo de 75, os prim eiros proj et os visando à unidade ent re a at ividade escolar e a produt iva. Havia, por part e do Com issariado de Educação, ao iniciar o diálogo com a j uvent ude liceal sobre a necessidade de unir o est udo ao t rabalho, um a convicção bem firm e. Convicção de que, sem t al unidade, a aprofundar- se na m edida m esm a em que um a nova prát ica social se fosse const it uindo, não seria possível cont ribuir para a criação de um a nova sociedade em que se superassem as diferenças ent re o t rabalhador m anual e o cham ado int elect ual. Um a sociedade que sonha com ir se t ornando, no desenvolvim ent o de seu processo, um a sociedade de t rabalhadores, não pode deixar de t er, no t rabalho livre, na produção do socialm ent e út il, um a font e fundam ent al de form ação do hom em novo e da m ulher nova, coincident es com t al sociedade. Conversando com igo, em m arço passado, sobre est e problem a, dizia Carlos Dias que “ seria im possível conceber o t rabalho fora da educação com o se fosse algo a que aspirássem os e para o que nos preparássem os em lugar de t om á- lo com o o cent ro m esm o da form ação. Dai que t rabalhar est udando e est udar t rabalhando sej a o nosso lem a.” I st o não t em nada que ver, porém , diga- se de passagem , com a " unidade” ent re t rabalho e est udo que se realiza nas sociedades capit alist as, nos cham ados " cent ros de aprendizagem indust rial” , “ viveiros” em que se " cult ivam ” os fut uros operários para vender sua força de t rabalho à classe em presarial. “ A ligação do t rabalho ao est udo, do t rabalho socialm ent e út il, fecundo e criador, enfat iza Carlos Dias, na t ransição que vivem os para um a sociedade sem exploradores nem explorados, persegue dois obj et ivos. De um lado, ilum inar a cont radição ent re t rabalho m anual e t rabalho int elect ual, de cuj a superação t ot al est am os ainda longe; de out ro, possibilit ar o aut ofinanciam ent o gradat ivo da educação, sem o que não poderia ser, em nossas condições, dem ocrat izada.” Mas se est a era um a convicção bem firm e, com o sublinhei acim a, do Com issariado de Educação, ao est abelecer, nos com eços de 75, seus prim eiros diálogos com a j uvent ude liceal de Bissau, convidando- a a part icipar do t rabalho produt ivo, a est a convicção se j unt ava um a confiança não m enos firm e do Com issariado na j uvent ude. Na j uvent ude que deveria ser desafiada ( e não am eaçada) a assum ir o seu papel no esforço da reconst rução nacional. Não um a confiança grat uit a, vaga, difusa, de que result asse um a posição espont aneist a do Com issariado e que repousasse na cert eza ingênua de que a j uvent ude do liceu, ent regue a si m esm a, seria capaz de encont rar, com clareza, o seu papel naquele esforço. Pelo cont rário, um a confiança crít ica – a m esm a que j am ais deixou de est ar present e na prát ica de pedagogos polít icos com o Am ílcar Cabral, Sam ora Machel, Fidel, Raúl Ferrer, Makaren- ko, Freinet , Nyerere para cit ar apenas est es, ent re t ant os out ros. Ao dialogar com os j ovens do liceu, o Com issariado sabia que um a pequena part e, por m ínim a que fosse, aceit aria o convit e e se ent regaria às prim eiras experiências de t rabalho produt ivo. A part ir daí, seria o t est em unho dessa m inoria, ao lado do perm anent e t rabalho polít ico, j am ais descurado, que iria com unicando- se aos dem ais. Dest a m aneira, as iniciat ivas que, em pequena escala, se lançam em 75 se alargam e aprofundam em 76 e alcançam em m arço dest e ano um nível surpreendent e. A pequena m inoria que, at endendo ao convit e do Com issariado de Educação, em com eços de 75, se deu ao esforço produt ivo, se t ransform ou, em dois anos, na unanim idade dos alunos do Liceu de Bissau. Hoj e, 800 j ovens dest e liceu, organizados em com it ês de que o responsável ou a responsável se elege ent re eles, se acham engaj ados num a ou nout ra form a de t rabalho produt ivo. Diariam ent e, m anhã cedo, durant e o t em po de m inha últ im a visit a ao pais, via- os em grupos, disciplinados e felizes, cort ando as ruas de sua cidade, em direção, ora ao cam po do Hospit al Sim ão Mendes, a 25 m inut os a pé, do liceu, ora a um out ro cam po agrícola, num a área urbana de Bissau, bast ant e m ais longe que a do hospit al. A própria presença desses j ovens, quase com o se est ivessem desfilando pelas ruas da cidade, com seus inst rum ent os de t rabalho ao om bro, é um a " linguagem ” diferent e, com que anunciam a const rução de um a nova sociedade. É um t est em unho novo que não pode passar despercebido à cidade, t est em unho que a desafia e que a faz pensar que algo diferent e est á ocorrendo. Sua j uvent ude, a pouco e pouco, vai deixando de “ consum ir” let ras, de m em orizar a geografia e a hist ória da m et rópole para ir t endo, no t rabalho, a font e de seu est udo. Num m ês de at ividades, no Hospit al Sim ão Mendes, t rabalharam 1.377 horas; num cam po agrícola, em Ant ut a, a poucos quilôm et ros de Bissau, 2.187 horas; no Com issariado de Com ércio e Art esanat o, 1.908 horas. Há algo que m e parece im port ant e salient ar. A m argem de liberdade que t êm os est udant es na sua part icipação no t rabalho. Um grupo, por exem plo, que se dedica seriam ent e ao cult ivo das flores no Hospit al Sim ão Mendes, pensa na m ensagem de vida que um a rosa possa t razer diariam ent e aos enferm os. Am am as rosas que plant am t ant o quant o a t erra que preparam para a sem eadura de árvores frut íferas. O seu am or à vida t em que ver com o esforço de reconst rução revolucionária de sua sociedade. No int erior do país, pela própria experiência da lut a, os dados são ainda m ais eloqüent es. Em Tom bali, por exem plo, adolescent es dos últ im os anos de escolas de ensino básico plant aram 917 bananeiras; colheram 1.020 quilos de arroz e prepararam para o cult ivo 837 m et ros quadrados de t erreno. No set or de Bedanda, na m esm a região, não puderam sequer m edir a ext ensão da área preparada para o cult ivo, que ult rapassou em m uit o os 837 m et ros quadrados acim a referidos. Bafat á cont inua sendo, porém , a região m odelo, a m elhor organizada. Se no ano passado, conform e declarei na I nt rodução, das 106 escolas da zona, 96 produziam , hoj e não há um a sequer que não t enha o seu cam po agrícola. Seus alunos, com a part icipação de seus professores, plant aram e colheram 24.516 quilos de bat at a; 4.823 quilos de arroz; 11.177 quilos de m ilho; 800 quilos de am endoim e 250 de feij ão. O t rabalho produt ivo, de carát er colet ivo, vem dando a educandos e a educadores um a visão dist int a de sua form ação em com um ; vem inserindo a escola nas com unidades, com o algo que delas em erge, que est á com elas e não " fora” ou " acim a” delas, com o algo a serviço da com unidade nacional. " No m om ent o, diz Carlos Dias, um a de nossas preocupações é a de conseguir que o cam po das escolas e o das fam ílias dos alunos se unam num só cam po produt ivo. Em Bula, região do Cacheu, est am os por com eçar experiências em que t rabalhadores cam poneses, j ovens est udant es e m ilit ant es das FARP se darão ao t rabalho produt ivo, de carát er colet ivo.” É im port ant e sublinhar, porém , que t udo ist o é ainda, e não poderia deixar de ser, um puro com eço. Mesm o que não escondam sua sat isfação com os result ados que se vêm obt endo nest a dim ensão fundam ent al da radical t ransform ação do sist em a educacional herdado do colonizador, o Com issário Mario Cabral e seus auxiliares im ediat os est ão bem conscient es do m uit o que t êm ainda por fazer nest e com o em out ros dom ínios da educação nacional. Por isso m esm o, ao falarm os do que se vem fazendo no país, ao acom panhar- nos às áreas para que vej am os, no concret o, o de que falam , não se perm it em cair num ufanism o ingênuo nem j am ais perdem o sent ido da hum ildade. O pudor revolucionário com que se referem à lut a pela libert ação nacional est á present e nas análises que fazem da lut a pela reconst rução nacional, cont inuação daquela. Dent ro, ainda, dest e t em a, o das relações ent re educação e produção, m as agora na área da alfabet ização de adult os, há um a experiência que, t udo indica, poderá vir a t ornar- se exem plar para out ras regiões do país, não porque deva ser lit eralm ent e t ransplant ada, m as enquant o se possa convert er num a font e de aprendizado. De aprendizado não apenas para os com ponent es da Com issão Coordenadora dos Trabalhos de Alfabet ização de Adult os, m as t am bém para nós. É um a experiência de indiscut ível riqueza pela variedade de aspect os que nela sc ent recruzam , a ser pensados, analisados e acom panhados em seus m ais m ínim os porm enores. Um deles, por exem plo, a que fiz referência num a das cart as, cit ando a experiência de Tachai, é o dinam ism o que se est abelece ent re a educação e as t ransform ações que se vão operando no cont ext o sócio- econôm ico, de t al m odo que est as, precedendo àquela ou por ela m ot ivadas, a est im ulam e a reorient am . Um out ro, é o da necessidade, em função m esm a dest e dinam ism o, em cert as sit uações, de a alfabet ização ser precedida, em aparent e cont radição, pela pós- alfabet ização * . Dai, por isso m esm o, que sem pre t enha t om ado a alfabet ização de adult os com o ação cult ural * * o que significa, nest a visão am pla de sua com preensão, que ela deve ser, sobret udo, um esforço de " leit ura” e de " re- leit ura” da realidade, no processo de sua t ransform ação. Na verdade, o dom ínio sobre os signos lingüíst icos escrit os, m esm o pela criança que se alfabet iza, pressupõe um a experiência social que o precede – a da " leit ura” do m undo. Nem sem pre, porém , é necessária a coincidência ent re o aprofundam ent o crit ico da “ leit ura” da realidade com o aprendizado da leit ura e da escrit a dos signos linguíst icos, ist o é, com a alfabet ização no sent ido em que é geralm ent e ent endida. Em cert as circunst âncias, é possível que um a com unidade se engaj e durant e algum t em po, num a séria prát ica reflexiva sobre sua realidade, discut indo um a t em át ica geradora significat iva, ligada a seus int eresses concret os, indagando- se em t orno, por exem plo, de sua experiência produt iva, de carát er colet ivo; de com o produzir m elhor, pergunt ando- se sobre seu papel no esforço de reconst rução nacional, envolt a, enfim , num program a que poderíam os cham ar de “ pós- alfabet ização” , sem que, porém , se t ivesse iniciado no aprendizado da leit ura e da escrit a dos signos linguíst icos. Seria, no caso, a prát ica da “ re- leit ura” crit ica de sua realidade, associada a um a form a de ação sobre ela, a que poderia despert ar a com unidade para o aprendizado da leit ura e da escrit a dos signos linguíst icos. O opost o, num a perspect iva revolucionária, é que seria inviável, ist o é, o aprendizado da língua sem o aprofundam ent o da " leit ura” e da " re- leit ura” da realidade. Em out ras oport unidades, o aprendizado da leit ura e da escrit a, corret am ent e associado à " leit ura” crit ica da realidade, t orna possível aos educandos m obilizar- se e organizar- se para um t ipo de ação no m om ent o em que um a necessidade at é ent ão * Em algum as das cart as que com põem est e livro est a possibilidade é m encionada A própria designação de Círculo de Cult ura e não Escola Not urna para Adult os ou Cent ro de Alfabet ização, que preferi desde os com eços da experiência brasileira, t em que ver com est a visão am pla de t al processo ** sim plesm ent e sent ida e às vezes nem sequer sent ida se const it ui com o um " dest acado percebido em si” . A m obilização e a organização para a ação se fazem a respost a que se dá ao que ant es era, com o disse acim a, um a necessidade sim plesm ent e sent ida e que agora se t orna um desafio, um “ dest acado em si” . É com o se se fizesse um a descobert a. Dai em diant e, em t al caso, o proj et o, que é post o em prát ica e que “ nasceu” na experiência da alfabet ização com o ação cult ural, passa a fecundar a prát ica educat iva que 1he deu origem . É t udo ist o o que vem caract erizando a experiência que, a part ir de fins de out ubro do ano passado, se vem desenvolvendo no set or de Sedengal, zona de Cacheu, no ext rem o nort e do pais. A sua hist ória bast ant e recent e com eça quando, nos m eados do ano passado, a Com issão Coordenadora dos Trabalhos de Alfabet ização, aproveit ando, de um lado, o int eresse de um largo grupo de est udant es do Liceu de Bissau, de origem int eriorana, em part icipar dos program as de alfabet ização, e, de out ro, o período das férias m aiores, capacit ou 200 desses j ovens, organizando, com eles, o que cham ou de Brigadas. Ao regressar, de férias, a suas regiões de origem , j am ais t rabalhando individualm ent e, m as sem pre em equipes, coordenadas por um deles, os est udant es se dariam à post a em prát ica dos obj et ivos cent rais das Brigadas. Caberia a est as, at uando em áreas consideradas priorit árias, em est reit a relação com os Com it ês locais do Part ido, iniciar um esforço de m obilização das com unidades, int erpret ando- lhes a corret a concepção da alfabet ização, e m ot ivar, at ravés dest e esforço, alguns j ovens que, capacit ados pelas Brigadas, poderiam com eçar os t rabalhos, deixando, assim , em diferent es set ores de t ais zonas, Círculos de Cult ura em funcionam ent o, cuj a cont inuidade est aria assegurada por serem seus anim adores j ovens locais. Salient e- se, porém , que nem t odas essas Brigadas conseguiram , por diferent es razões, alcançar t ais obj et ivos. Sua própria capacit ação, em Bissau, se ressent iu de um m aior envolvim ent o de seus part icipant es na prát ica, cuj a quase t ot al ausência esvaziou, em grande part e, o sent ido da t eoria de que se 1hes falou. Por out ro lado, nem sem pre foram bem planej ados e execut ados os t rabalhos de m obilização das populações nem t am pouco, em out ros casos, t om adas m edidas necessárias para m ant er viva a m obilização feit a. De qualquer m odo, cont udo, o proj et o foi válido, não apenas por t er proporcionado o surgim ent o de experiências alt am ent e int eressant es com o a de Sedengal, m as t am bém pelo aprendizado que ofereceu à Com issão Coordenadora ao analisar seus aspect os posit ivos e negat ivos. Mais ainda, pelo aprendizado que os part icipant es das Brigadas fizeram e que est á sendo fundam ent al, no m om ent o, a m uit os deles, para a cont inuidade de sua cont ribuição ao Program a de Alfabet ização, ao nível de Bissau, no período de est udos; do int erior, na época de suas férias escolares. A m obilização, ant es m encionada, das populações, com que se buscava a organização de program as de alfabet ização, no sent ido am plo a que sem pre m e refiro, envolvia a preocupação com um levant am ent o, m esm o não m uit o rigoroso, das suas necessidades básicas. Levant am ent o de que as populações part icipassem , com o suj eit o, e não de que fossem sim ples obj et os. Na análise das at ividades de t odas as Brigadas fica bast ant e clara a im port ância do papel dos Com it ês do Part ido, o que não significa, porém , que a sua presença, em si m esm a, pudesse assegurar, sem pre, o êxit o daquelas at ividades. No caso de Sedengal, que nos int eressa no m om ent o, a m obilização da população e o levant am ent o de suas necessidades básicas cont aram , desde o com eço, com a part icipação eficient e do Com it ê local do PAI GC. Na verdade, porém , a população de Sedengal não foi m obilizada pela Brigada e pelo Com it ê do Part ido, m as com eles se m obilizou. Daí que a organização dos Círculos de Cult ura, em que seus part icipant es com eçaram o aprendizado da leit ura e da escrit a, associado à " leit ura” e à " re- leit ura” de sua realidade, t enha sido assum ida não só pelos alfabet izandos m as pela com unidade m esm a. É est a assunção do proj et o pela com unidade a sua not a m ais fort e, a que m elhor explica o seu êxit o. Um a das expressões dest a assunção do proj et o pela com unidade est a na adesão de um grupo de j ovens que, capacit ados pela Brigada, se t ornaram anim adores dos vários Círculos de Cult ura. Jovens cam poneses, com t erceira e quart a classes prim árias, nascidos e crescidos no " m undo” de Sedengal e envolvidos, agora, com seus cam aradas m ais velhos, na " re- leit ura” e na " re- escrit ura” de seu m undo e não apenas na leit ura e na escrit a de palavras. Jovens que t êm andado de sua com unidade a um a out ra, a dez quilôm et ros de dist ância, para vender cest os e est eiras, por eles m esm os produzidos, e com o result ado de cuj a venda com pram o querosene com que asseguram o funcionam ent o das sessões not urnas dos Círculos de Cult ura. E est a assunção do proj et o pela com unidade a que explica, ainda, a presença dest a, at ravés sem pre da m aioria de seus habit ant es, às reuniões periódicas que m em bros da Com issão Coordenadora realizam em Sedengal com os anim adores dos Círculos de Cult ura. Reuniões de avaliação de que aparent em ent e deviam part icipar apenas os anim adores, m as às quais a com unidade. com o m aior dos int eresses, se incorpora. Dest a m aneira, os Círculos de Cult ura cada vez m ais se est endem à com unidade t oda, que, t udo indica, virá a t ransform arse, t oda ela, num Circulo t am bém . Est a hipót ese se vem fazendo possível na m edida em que, a part ir da prát ica, nos Círculos de Cult ura, da “ leit ura” da realidade e do aprendizado, m esm o precário, da leit ura e da escrit a dos signos linguíst icos, em dado m om ent o, os alfabet izados " descobriram ” a necessidade de ent regar- se a um proj et o m aior – o de cult ivar um a enorm e área de t erreno do Est ado, a quat ro ou cinco quilôm et ros de sua t abanca, em form a de t rabalho colet ivo * . O m om ent o da descobert a foi exat am ent e aquele em que um a necessidade, at é.ent ão * O Com issariado de Agricult ura, na m edida do possível, vem assist ência t écnica a est e proj et o. prest ando possivelm ent e apenas sent ida, se const it uiu num " dest acado percebido em si” . Daí em diant e, organizaram - se para a nova prát ica, dividindose em equipes responsáveis por est a ou aquela t arefa. I nt erpret aram seu proj et o à com unidade que a ele aderiu im ediat am ent e. Junt aram esforços para a obt enção de inst rum ent os de t rabalho; discut iram sobre o que produzir e iniciaram o t rat am ent o da t erra para a sem eadura. Com eçaram assim a " reescrever” sua realidade. Passaram do t rabalho individual ao t rabalho colet ivo. “ Quem não descobriu o valor do colet ivo dificilm ent e encont ra sent ido para ficar em Sedengal” , disse um deles num a reunião da população com m em bros da Com issão Coordenadora. Um a represent ant e dest a Com issão m e dizia em m arço que " o ent usiasm o é a not a caract eríst ica da população de Sedengal. O ent usiasm o – um a cert a alegria de viver –, cont inuava ela, que se apodera de nós quando descobrim os um a coisa nova, m aravilhosa, diant e da qual nos pergunt am os com o t inha sido possível viver t ant o t em po sem ela. No m om ent o em que a descobrim os e nos dam os a ela percebem os que, por m uit o t em po, t alvez, ela est eve lat ent e em nós, esperando o m om ent o de sair. A descobert a é est e m om ent o que chega. É assim que vej o Sedengal, o ent usiasm o de sua população, a sua alegria incont ida diant e de e por causa de " sua” coisa nova – o t rabalho colet ivo. A descobert a do colet ivo, porém , não significou a negação do individual, m as o seu enriquecim ent o. Por out ro lado, cont inuou ela, o t rabalho colet iv o vem elevando visivelm ent e o nível polít ico da população. Em recent e reunião em Sedengal, em que falávam os do Terceiro Congresso do Part ido e de com o Sedengal poderia cont ribuir para o m esm o, a t ese geral era a de que a m elhor m aneira de saudarem o Congresso seria a de est enderem e aperfeiçoarem o t rabalho colet ivo.” " Sedengal, disse- m e ainda a m esm a cam arada, sem i- sorrindo, é o lugar das surpresas. É im possível lá ir sem se ser desafiado por algo novo. Correm os para cá e para lá, aprendendo com eles, porque, no fundo, são eles que est ão a invent ar. Não é por acaso que um deles afirm ou, recent em ent e: Nós não sabíam os que sabíam os. Agora, não só sabem os que sabíam os, m as sabem os que podem os saber m ais.” É evident e, na experiência de Sedengal, que a alfabet ização de adult os, enquant o ação cult ural, possibilit ando a descobert a do colet ivo, t erm inou por engaj ar a população na prát ica do t rabalho em com um : É evident e, t am bém , que se vem est abelecendo aquele m ovim ent o dinâm ico, a que m e referi no início, ent re as at ividades nos Círculos de Cult ura e a ação produt iva desenvolvida na " hort a” colet iva. O que não se pode esperar, porém , no caso de Sedengal, é que o m ovim ent o dinâm ico ent re os Círculos de Cult ura e a prát ica produt ivo- colet iva sej a capaz, em si, de sobrepassar um problem a fundam ent al, de carát er lingüíst ico, que t em a população. E que, ent endendo o creoulo, um pouco, fala m esm o é sua língua, sem t er nenhum a experiência do port uguês. Est e é, na verdade, um real problem a, que se põe, não apenas' com relação a Sedengal, m as a out ras áreas do país. Problem a que foi colocado na últ im a reunião da Com issão Nacional de Alfabet ização, em m arço; pelo Com issário Mario Cabral. Um a com preensão corret a das dificuldades que t em o Com issariado de Educação da Guiné- Bissau, ao confront ar o problem a da alfabet ização de adult os, não pode deixar de levar em consideração est e dado, a que se j unt a um out ro, sobre que nem sem pre se pensa – o da diferença dem asiado grande ent re o núm ero dos que não lêem nem escrevem e o daqueles que o fazem . Um dos legados do colonialism o, depois de cinco séculos de “ t rabalhos profícuos” na Guiné, foi deixar 90 a 95% de sua população ilet rada. De qualquer m aneira, porém , nas zonas onde o bilingüism o e m esm o o t rilinguism o t em , no creoulo, um a das línguas, o aprendizado do port uguês, ainda que não isent o de dificuldades, se dá sem obst áculos m ais sérios. O caso das FARP, em cuj o seio j á não há hoj e, prat icam ent e, analfabet ism o, é significat ivo. A im pressão que m e fica, sem nenhum dogm at ism o, reflet indo sobre a experiência de Sedengal, é que o dinam ism o ent re os Círculos de Cult ura e a at ividade produt ìvo- colet íva cont inuará, m as, em cert o m om ent o, em face m esm o das dificuldades encont radas, o int eresse pelo aprendizado do port uguês dim inuirá, m ais e m ais. Se ist o ocorrer, o que não significará nenhum desast re, não há por que a Com issão Coordenadora diga um " at é logo” t rist e, de quem se sent isse frust rado, a Sedengal. A sua t arefa de Ação Cult ural cont inuará. O dom ínio da linguagem , enquant o " linguagem t ot al” , da expressividade, perm anecerá. A experiência de Sedengal sim plesm ent e se afirm ará nout ro sent ido, j á evident e hoj e: no da " leit ura” e no da " re- escrit ura” da realidade, sem o aprendizado da escrit a e da leit ura dos signos linguíst icos. Quant o às at ividades nas FARP, m e parece int eressant e fazer t am bém referências que at ualizem o que sobre elas foi dit o na I nt rodução. Considerações fundadas sobret udo na análise que dest as at ividades nos fez o seu Com issário Polít ico, Júlio de Carvalho, em um a reunião que t ivem os com ele e seus auxiliares im ediat os. Em alguns pont os bem precisos se cent ram as preocupações hoj e dos responsáveis pelos t rabalhos educat ivos no seio das FARP. O prosseguim ent o de sua experiência de pósalfabet ização, cuj o processo deve ir sendo avaliado const ant em ent e, é um dest es pont os. Só recent em ent e, porém , é que foi possível int ensificar, sobret udo na zona de Bissau, o program a da pós- alfabet ização ao se poder cont ar com o indispensável m at erial de suport e que assegurará a sua ext ensão a out ras zonas do país. Refiro- m e aos cadernos básicos, ou m anuais – um , com orient ações, inform ações e sugest ões dirigidas aos anim adores; o out ro, com t ext os cuj a t em át ica, ao ser analisada e discut ida, possibilit a o aprofundam ent o da “ leit ura” crit ica da realidade nacional, iniciada na fase de alfabet ização e se alonga na com preensão da realidade africana. Esforço a que se j unt a, com o não poderia deixar de ser, o est udo desenvolvido do cálculo. É im port ant e sublinhar a part icipação que t iveram os alfabet izandos na organização dest e m anual. A grande m aioria dos t ext os result ou de gravações dos debat es realizados nos Círculos de Cult ura, durant e a descodificação de sit uações a que se referiam as palavras geradoras. O t rabalho da equipe responsável foi o de edit ar, o de organizar, o de sist em at izar, num a linguagem que não se dist anciasse dem asiado da dos alfabet izandos, o m at erial recolhido. Dest a m aneira, se t ent ava, com o m anual, devolver aos educandos, de form a organizada, as suas análises ant eriores, em form a de t ext os, verdadeiras codificações; acrescidas de novos elem ent os. Ao serem " convidados” , na pós- alfabet ização, à análise crit ica desses t ext os, est ariam , em últ im a inst ância, analisando a sínt ese de suas análises passadas. Por out ro lado, não se prescindiu, t am bém , da cont ribuição de t odos os alfabet izadores ( anim adores) da zona de Bissau, com quem , em grupos, a equipe responsável discut iu t ext o por t ext o. Dest e m odo, na própria et apa de organização do cham ado m anual, os anim adores, ao discut ir os t ext os, não só do pont o de vist a da form a, m as t am bém de seu cont eúdo, j á est avam envolvendo- se num processo de capacit ação para a próxim a et apa de sua t arefa. Tarefa em que o anim ador t erá, preponderant em ent e, o t ext o de leit ura ent re ele e os educandos, com o um desafio à análise de t odos. E um dos riscos será o de, na leit ura do t ext o, não se conseguir ult rapassar a “ est rut ura de superfície” do m esm o, t ransform ando- se, assim , o que deveria ser o esforço de penet ração na " est rut ura profunda” do t ext o, em um a sim ples “ lição de leit ura” , nos m oldes t radicionais. Daí que se im ponha um a capacit ação bast ant e cuidadosa do anim ador, capacit ação a ser reforçada const ant em ent e em sem inários de avaliação de sua própria prát ica. No dom ínio ainda da pós- alfabet ização, no seio das FARP, há um a experiência em curso, com conot ação dist int a, e em est reit a colaboração com o Com issariado de Educação. Trat a- se de um proj et o especial, que envolve 200 m ilit ant es das FARP, cuj os prim eiros ensaios da leit ura e da escrit a se deram durant e a lut a de libert ação, no int erior das m at as. Part icipando, desde os com eços, do program a de alfabet ização dos Forças Arm adas, iniciado após a independência t ot al do país, est es 200 m ilit ant es reavivaram o seu aprendizado feit o durant e a lut a, passando em seguida ao que, nas FARP, se cost um a cham ar de “ t ransição à pós- alfabet ização” . “ O proj et o, diz Júlio de Carvalho, em colaboração com o Com issariado de Educação, t inha, com o pont o de part ida, um a avaliação, de m odo nenhum de est ilo t radicional, que nos possibilit asse aferir o universo de conhecim ent os daqueles cam aradas, a sua com preensão de nossa realidade e da realidade africana em geral, os níveis de sua consciência polít ica e a m aneira com o ent endiam a sua responsabilidade no esforço de reconst rução nacional. Após a avaliação, cuj os result ados foram sat isfat órios, os 200 cam aradas com eçaram a part icipar de um curso int ensivo, com a equivalência do ciclo preparat ório, cuj o program a, porém , ult rapassa, em cert os aspect os, os cont eúdos que se desenvolvem nest e ciclo. Com est e proj et o se chega ao segundo pont o em que as preocupações das FARP se cent ram , coincident em ent e, com as do Com issariado de Educação. O de encont rar, no cam po da educação de adult os, cam inhos válidos, port ant o adequados à realidade do país, que assegurem aos m ilit ant es das FARP a cont inuidade do at o de conhecim ent o que iniciaram na et apa da alfabet ização. Cam inhos que assegurem est a cont inuidade quer àqueles que cont inuem na at iva, quer àqueles que, desm obilizados, se incorporem à at ividade produt iva, ora no set or agrícola, ora no indust rial. E est e, o da reorient ação das at ividades dos m ilit ant es a serem desm obilizados, é o t erceiro pont o em que se fixam as preocupações das FARP, ou, m ais precisam ent e, do Part ido e do Governo. " O grosso dos que vão ser desm obilizados agora, diz ainda Júlio de Carvalho, será encam inhado à at ividade produt iva no cam po. Em função de nossa realidade, a agricult ura se const it ui no dom ínio principal, m as há t am bém pequenas e m édias unidades indust riais, com o, por exem plo, o plano do açúcar, para o qual est á previst o o enquadram ent o de um det erm inado núm ero de cam aradas que serão desm obilizados. Nest e m ês ainda ( m arço) iniciarem os, com um prim eiro grupo, um a cooperat iva de produção, com o um a experiência pilot o. Tudo est á m ais ou m enos previst o para, t ant o quant o possível, realizarm os a unidade ent re produção e educação, t rabalho e est udo. Nest e sent ido, preocupa- nos, int ensam ent e, a capacit ação dos quadros para o t rat a- m ent o da t erra, para os t rabalhos de agricult ura – plant ação da cana, de árvores frut íferas, do arroz. Assim , t rabalharem os, ao nível dest a cooperat iva de produção, em est reit a colaboração com o Com issariado de Agricult ura, com o de Saúde, com o de Educação. Com est e, pret endem os criar escolas na área da cooperat iva para crianças e j ovens, escolas ligadas t am bém à produção, de acordo com o espírit o do PAI GC e que o Com issariado de Educação vem execut ando ao nível do país.” “ Est a será, conclui Júlio de Carvalho, um a experiência que at é o fim do ano, espero, nos poderá oferecer um m odelo a ser aproveit ado em out ras áreas do país, com as devidas adequações que cada caso exij a.” Volt ando à alfabet ização de adult os, enquant o ação cult ural, m as nas áreas civis, ent re t udo sobre o que discut im os com a Com issão Coordenadora em nossa últ im a visit a, deixando de lado referências a out ras experiências, à necessidade que t odos sent im os de apressar cert as iniciat ivas, m e fixarei num pont o a m ais, além das análises feit as sobre Sedengal. O da preparação, não propriam ent e de um a cart ilha, que sem pre recusei e a que dediquei, na I nt rodução m esm a dest e livro, um as páginas crit icas, m as de um caderno do alfabet izando, que, por sugest ão do Com issário Mario Cabral, se cham a Nô Pint cha – Prim eiro Caderno de Educação Popular. Um caderno que, idênt ico, em espírit o, ao que sugerim os t am bém Elza e eu à Com issão Coordenadora dos Círculos de Cult ura Popular de São Tom é e Príncipe, t em , cont udo, aspect os próprios, em função da realidade guineense. Com duas part es ou dois m om ent os dinam icam ent e relacionados ent re si, na com posição de seu t odo, o Prim eiro Caderno de Educação Popular t em t rês obj et ivos principais, igualm ent e ent relaçados. Oferecer aos alfabet izandos um a aj uda, um suport e que lhes dê m aior segurança no processo de sua aprendizagem , est im ulando- lhes, ao m esm o t em po, a criat ividade. Possibilit ar- lhes um a t ransição m ais fácil e m ais rápida à pósalfabet ização, e aj udar os anim adores na sua t arefa polít icopedagógica. Analisem os, um a um , os dois m om ent os do Caderno. O prim eiro deles é o em que os alfabet izandos com eçam as suas prim eiras experiências na aprendizagem da leit ura e da escrit a dos signos linguíst icos, associada à " leit ura” e à " re- leit ura” de aspect os da realidade, represent ados nas codificações. 6 um m om ent o em que se deve dar a m aior ênfase possível, na descodificação da codificação, a que se refere a palavra geradora, à expressão oral dos alfabet izandos, ao lado da análise crit ica da sit uação codificada. Est a prim eira part e do Caderno cont ém , pois, t odas as palavras geradoras, no caso da Guiné- Bissau, 20, associadas às codificações correspondent es. Da prim eira at é a nona palavra náo há, porém , nada m ais que a codificação, a palavra geradora a ela referida e, em seguida, a palavra decom post a em suas sílabas, após o que, invariavelm ent e, há duas folhas paut adas em branco. Est as folhas são um convit e à criat ividade dos alfabet izandos, que nelas irão escrevendo, a principio, as palavras que eles m esm os vão criando, at ravés das com binações silábicas; depois, a pouco e pouco, frases e sent enças. Seus pequenos t ext os. Assim , há um t em po necessário à experiência criadora dos alfabet izandos, engendrando- se na prát ica da " leit ura” de aspect os de sua realidade no at o da descodificação, bem com o na prát ica da análise da palavra geradora – sua decom posição em silabas – e no m om ent o da sínt ese em que, pela com binação silábica, ret ot alizam a palavra geradora ant es decom post a e descobrem suas palavras. & nest e sent ido que a alfabet ização, com o ação cult ural num a perspect iva revolucionária, é um at o de conhecim ent o, de que os alfabet izandos são t am bém suj eit os. Dest a form a, som ent e ent re a nona e décim a palavra geradora é que aparece o que cham o de " prim eiro livro” do alfabet izando, m esm o que est a expressão não venha escrit a no Caderno. É um pequeno t ext o, sim ples e diret o, com post o de palavras ent re as quais nenhum a é est ranha às possibilidades de com binações que as nove palavras geradoras oferecem . Em últ im a inst ância, est e t ext o sim ples, escrit o em linguagem accessível, é t am bém um a codificação. E com o t al é que deve ser t rat ado. Não est á post o no caderno para um puro exercício de leit ura, à m aneira das t radicionais “ lições de leit ura” . Um t ext o para ser m em orizado, com a repet ição m onót ona de cada palavra. Pelo cont rário, o que se pret ende com ele é o exercício, no caso, o prim eiro que os alfabet izandos est arão fazendo, de um a leit ura crit ica e com preensiva, que ult rapassando a sua " est rut ura superficial” alcance, a pouco e pouco, sua " est rut ura profunda” , com a qual se est abelece a relação ent re o t ext o e o cont ext o social. At é ent ão, t erão feit o os alfabet izandos, preponderant em ent e, a " leit ura” da realidade at ravés da descodificação de fot os e desenhos. Agora, serão cham ados a fazer a “ leit ura” da realidade at ravés da leit ura de um t ext o. Daí a necessidade de um a séria at enção a ser dada à int erpret ação do m esm o, que deve ser " reescrit o” , oralm ent e, pelos alfabet izandos. Da décim a à décim a quart a palavra geradora, o m esm o procedim ent o ant erior. Codificação, palavra geradora a ela referida; palavra geradora decom post a e as duas folhas paut adas em branco. Apoiados na experiência criadora que vêm t endo, desde o inicio das at ividades do Circulo, a de criar suas palavras, e est im ulados pela leit ura do prim eiro t ext o, será possível, a est a alt ura, que alguns alfabet izandos, pelo m enos, com ecem a escrever, nest as folhas em branco, não m ais apenas palavras, m as pequenos t ext os t am bém . E devem ser m ot ivados a fazê- lo. Ent re a décim a quart a e a décim a quint a palavra geradora, o segundo t ext o, um pouco m aior e m enos sim ples que o prim eiro, a m erecer a m esm a leit ura crít ica, a ser obj et o igualm ent e de int erpret ação e a ser, t ant o quant o o prim eiro, " re- escrit o” , oralm ent e, pelos alfabet izandos. Com o dom ínio, agora, de 14 palavras e a experiência, m esm o ainda em seus com eços, da leit ura feit a dos dois t ext os, um a série de exercícios criadores, a serem invent ados e re- invent ados, const ant em ent e, e em função da realidade em que se ache o Círculo, podem ser int roduzidos. Um deles, por exem plo, a que alfabet izandos de Bissau ou de out ro cent ro urbano poderiam dedicar- se, seria o de t ranscrever, em seu Caderno, as palavras de ordem do Part ido, regist radas em cart azes ou sim plesm ent e escrit as nos m uros da cidade, a que se j unt aria, t am bém , a t ranscrição de t rechos do j ornal No Pint cha. Est e m at erial, recolhido pelos alfabet izandos e pelo anim ador, após lido, seria obj et o, na reunião do Círculo, da análise de t odos. Dest a m aneira, cada vez m ais se irá int egrando a " leit ura” da realidade, na descodificação das codificações represent adas em fot ografias ou desenhos, com a leit ura de t ext os em sua relação com o cont ext o e am bas est as leit uras com a prát ica da escrit a. Seria da m ais alt a im port ância, por out ro lado, a part ir da m ot ivação que o Caderno t em condições de criar, que se est udasse a possibilidade de um a colaboração est reit a ent re a Com issão Coordenadora, o j ornal Nô Pint cha e a Rádio Nacional. Um t ipo de colaboração com o a que se vem est udando, no m om ent o, em São Tom é e Príncipe. A exist ência, no j ornal, de um a página, a serviço dos Círculos de Cult ura, à disposição de seus part icipant es, alfabet izandos e anim adores ou anim adoras, t eria um enorm e papel a j ogar. Página em que se not iciasse o que vem ocorrendo nos Círculos, os avanços, as dificuldades dos alfabet izandos, as soluções encont radas para algum as delas; em que se publicassem pequenos t ext os escrit os pelos alfabet izandos bem com o sínt eses das discussões em t orno de cert os t em as de int eres- se nacional. Um a t al página daria um duplo suport e aos alfabet izandos no exercício de leit ura que seu caderno lhes oferecia. De um lado, algo m ais para ler; de out ro, algo que não apenas falaria deles, m as at ravés de que eles falariam . Quant o à Rádio, há um m undo de possibilidades a serem exploradas. Desde program as que levassem ao ar t rechos de debat es realizados nos Círculos, à m aneira de com o foi feit o, em carát er experim ent al, em dezem bro passado, - em São Tom é, e sobre cuj o cont eúdo m em bros da Com issão Coordenadora poderiam debruçar- se, analisando- o, at é a criação de um program a.vivo e dinâm ico, at ravés do qual se t ent asse m ot ivar os ouvint es a Organizar, em suas casas, em suas ruas, em seu bairro, Círculos de Cult ura. “ Um Círculo de Cult ura em sua casa” , program a inicialm ent e t ransm it ido da Rádio m esm a, poderia, em função da m ot ivação dos ouvint es, deixando a Rádio e deslocando- se aos diferent es bairros da cidade ( no caso de Bissau) , ser t ransm it ido, ora da sede de um Círculo, ora da sede do Com it ê do Part ido. Um t al program a poderia vir a t er um indiscut ível papel na form ação polít ica da população. Dois t ext os aparecem ainda na prim eira part e do Caderno. Dois t ext os de Am ílcar Cabral. O prim eiro, ent re a décim a oit ava e a décim a nona palavra geradora; o segundo, sobre a unidade da Guiné e Cabo Verde, após a vigésim a e últ im a palavra, encerrando, assim , a prim eira part e do Caderno * . O segundo m om ent o dest e, em dinâm ica relação com o prim eiro ( aprofundando a experiência que nele t iveram os alfabet izandos da as- sociação ent re a “ leit ura” crit ica da realidade e a leit ura de t ext os em sua relação com o cont ext o, a que j unt aram a da escrit a) , os sit ua, cla- ram ent e, na t ransição à pós- alfabet ização. Deixarei de falar aqui nos aspect os m ais m et odológicos que t udo. ist o im plica. Nos exercicios de fixação, de reconhecim ent o, de supera- ção de algum as dificuldades encont radas durant e o at o de conheci- m ent o iniciado pelos alfabet izandos desde o seu encont ro com a pri- m eira palavra geradora. Exercícios que devem ir sendo realizados na * É im port ant e salient ar t am bém a exist ência, por sugest ão de Miguel Darcy de Oliveira, da equipe do I DAC, na prim eira part e do Caderno, de quat ro páginas ent re as em que se acham as palavras geradoras, t endo apenas os lugares indicados para a codificação e as fam ílias silábicas da possível palavra geradora que venha a ser necessária, em função da realidade onde est ej a localizado um ou out ro Circulo de Cult ura. Caberá, t oda vez que um a t al sit uação ocorra, ao anim ador ou anim adora e aos alfabet izandos e alfabet izandas preencher os quadrados em branco com a codificação e as palavras geradoras m ais adequadas. F. Professores est agiários da Escola de Có. Cam po de Produção. ( Fot os do Cent o de Áudio- Visual, Guiné- Bissau) m edida em que os educandos, j á agora lendo e escrevendo, com eçam a nova et apa de sua busca. Em sínt ese, a segunda part e do Prim eiro Caderno de Educação Popular, que é int roduzida por um t ext o curt o, dois ou t rês períodos, obj et ivo e m ot ivador, const a de oit o codificações, sem , obviam ent e, nenhum a palavra geradora, pois que j á não é o caso, às quais se seguem páginas paut adas em branco e quat ro t ext os de Am ílcar Cabral, ext raídos de seu t rabalho sobre form as de resist ência – a econôm ica, a polít ica, a arm ada e a cult ural. As oit o codificações, fot ografias, algum as das quais de real beleza, giram em t orno de oit o " t em as geradores” nacionais – o da produção, o da defesa, o da educação, sist em át ica e assist em át ica, o da saúde, o da cult ura, no sent ido m ais am plo da palavra, o do papel dos t rabalhadores, cam poneses e urbanos, das m ulheres e da j uvent ude no esforço da reconst rução nacional. Os t ext os de Am ílcar Cabral, sobre cuj a im port ância não é necessário insist ir, se acham int ercalados às codificações, sem aparecer, porém , com o se fossem suas descodificações. Est as serão feit as pelos alfabet izandos com a part icipação do anim ador ou anim adora. Prim eiro, oralm ent e; depois, por escrit o, para o que aproveit arão as páginas em branco que se seguem às codificações. Pret ende- se, com est a prát ica, na t ransição à pós- alfabet ização, cont inuar a aprofundar e diversificar, m ais e m ais, com o ant es sublinhei, o at o de conhecim ent o iniciado na alfabet ização e, sim ult aneam ent e, int ensificar o est ím ulo à expressividade oral e escrit a dos educandos. Ao m esm o t em po, porém , pode- se im aginar a riqueza do m at erial que se recolherá durant e est a fase. Mat erial que revelará não apenas o nível da capacidade dos educandos de expressar- se graficam ent e, m as t am bém o de sua com preensão da realidade nacional. Alguns desses t rabalhos, que nascerão nos Círculos de Cult ura, escrit os no Prim eiro Caderno de Educação Popular, poderão vir a const it uir o prim eiro volum e de um a coleção de t ext os do Povo, à m aneira de com o, quase assim , há anos passados, nasceu t am bém do Povo, em Mont evidéu, Se Vive Com o Se Puede, um livro bonit o e fort e. Possivelm ent e hoj e, em Mont evidéu, um livro proibido... É im port ant e sublinhar, ainda, que a m ont agem dest e Caderno ( de cuj os ret oques finais quant o à paginação, à organização gráfica, à m elhor posição das fot ografias, ao t ipo de let ra a ser usada, Claudius Ceccon, da equipe do I DAC, se encarregou) foi t oda ela realizada em Bissau, com a Com issão Coordenadora, que redigiu os dois prim eiros t ext os da prim eira part e, o que int roduz a segunda e selecionou os de Am ílcar Cabral. Term inada a m ont agem , o proj et o do Caderno foi subm et ido ao Com issário Mario Cabral e ao Cam arada José Araúj o, Secret ário para a Organização do Part ido, a quem caberia a decisão final para a sua im pressão. A est e Prim eiro Caderno de Educação Popular, t udo indica, out ros se seguirão, na m edida em que os t rabalhos avancem e a pós- alfabet ização com ece a exigi- los. O aprendizado que as equipes nacionais vão fazer com a post a em prát ica do Prim eiro Caderno lhes abrirá os cam inhos para os que virão. Não poderia deixar, nest e P.S., de dedicar, pelo m enos duas páginas, à nossa passagem por Có, onde, durant e quase t rês dias, Elza, Júlio de Sant a Ana, Régula, um a j ornalist a Suíça, e eu convivem os, frat ernalm ent e, com os 60 professores est agiários e a equipe de professores efet ivos do Cent ro Máxim o Gorki. Preocupava- m e, naquele convívio, t est ar o que dissera sobre o Cent ro, nas páginas que, na I nt rodução dest e livro, escrevera, m eses ant es, e que t razia com igo. Páginas que re- li, cuidadosam ent e, durant e o t em po do curt o convívio. Foi com sat isfação que fui const at ando que o fundam ent al do que havia dit o se ia reconfirm ando nas ent revist as com a Direção, nas visit as ao cam po de t rabalho agrícola, na algazarra alegre com que, às seis de t odas as m anhãs, os via ent regues à preparação física. Nas idas às t abancas em t orno do Cent ro, onde os Círculos de Cult ura cont inuam funcionando, apesar da exist ência de problem as linguíst icos, se bem que não t ão agudos quant o os de Sedengal. Nos sem inários regulares, vivos e dinâm icos – e não aulas t radicionais – a que assist im os e cuj os debat es nos im pressionaram fort em ent e. Ao escut ar as inform ações sobre o proj et o em que o Cent ro se engaj ou, recent em ent e, com a colaboração de out ra Suíça, Régula t am bém , e que se propõe a invest igação de aspect os cult urais e hist óricos da zona, at ravés, inicialm ent e, de ent revist as com “ hom ens grandes” locais que, ao gravar as recordações de que são deposit ários, est ão gravando a m em ória colet iva, a m em ória de seu povo * . Ao part iciparm os de um a reunião plenária, o órgão m áxim o do Cent ro, em que li algum as das páginas da I nt rodução – as que falavam da experiência de Có – e após o que houve um a conversa generalizada, cuj o t em a, a pouco e pouco, se foi fixando na com preensão do Cent ro com o um a cont inuidade da experiência educat iva que nasceu e se desenvolveu nas ant igas zonas libert adas, durant e a lut a. Daí, ent ão, na conversa generalizada, o ret orno a Am ílcar Cabral, de quem m ais um a vez falavam , m as a quem , m ais um a vez, ent endiam com o um a Presença e não com o um m it o. Falavam de sua visão ext raordinária, de sua capacidade de prever, de seus sonhos, de sua influência, m as recusavam , um a vez m ais, seguindo o próprio Am ílcar, cult uar sua personalidade. “ Am ílcar Cabral não m orreu, cont inua em nós, disse um deles. Aquilo de que falou est á a nascer dia a dia at ravés de nosso t rabalho. Muit os dos sonhos que sonhou, sonhos do Povo, sonhos nossos, est ão sendo realizados. O inim igo publicou no m undo a m ort e de Cabral, pensando que assim m at ava o PAI GC. Mas o PAI GC não m orreu. Cabral não m orreu. Nós som os t odos Cabral.” * Pode- se im aginar a im port ância de um proj et o com o est e, que enraíza cada vez m ais o Cent ro na área em que se acha. Mesm o que, no m om ent o, por diferent es razões, não possa ir m ais além da recolha do m at erial, at ravés das ent revist as; m esm o que, direi m ais, falt e um m aior rigor ao próprio processam ent o das ent revist as, a sua validade é indiscut ível . Reencont rei, em t odos os m om ent os, o m esm o espírit o de m ilit ância, que est á present e nas m ais m ínim as at ividades, nas m enos com o nas m ais criadoras. Na lim peza do pát io do Cent ro, com o no cuidado, m anhã cedo ou sol se pondo, do bananal viçoso e cheio de vida. Na lim peza dos quart os, com o no am assar o t rigo com que fazem o pão que t odos com em . No lavar os prat os e as panelas, com o na part icipação ent usiást ica nos sem inários. O m esm o sent ido de equipe, de unidade, em que não há lugar para vedet ism os nem privilégios de uns cont ra os direit os dos dem ais. A m esm a responsabilidade social e polít ica de t odos, com relação ao Cent ro; do Cent ro, com o um t odo, com relação ao Povo, com relação à lut a de reconst rução nacional. Não há m elhor m aneira de encerrar est as páginas sobre o reencont ro recent e com o Cent ro de Có e, com elas, est e P.S. um pouco alongado, m as, creio, necessário, do que cit ando o que de um de seus professores ouvim os num a conversa em que, ent re afirm ando e indagando, falávam os dest e espírit o de part icipação, de disciplina criadora, de m ilit ância, que vem caract erizado o Cent ro. “ Todos som os responsáveis, no Cent ro e do Cent ro” , disse- nos ele, sem m ais com ent ários. Paulo Freire Genebra Prim avera, 1977. CARTAS À GUI N E- BI SSAU “ A lut a de libert ação, que é a expressão m ais com plexa do vigor cult ural do povo, de sua ident idade e de sua dignidade, enriquece a cult ura e lhe abre novas perspect ivas de desenvolvim ent o. As m anifest ações cult urais adquirem um cont eúdo novo e novas form as de expressão. Tornam - se assim um inst rum ent o poderoso de inform ação e de form ação polít ica, não som ent e na lut a pela independência m as ainda na bat alha m aior pelo progresso.” Am ílcar Cabral " ...a dinâm ica da lut a exige a prát ica da dem ocracia, da crit ica e da aut ocrít ica, a crescent e part icipação das populações na gest ão de sua própria vida, a alfabet ização, a criação de escolas e serviços sanit ários, a form ação de 'quadros’ ext raídos dos m eios cam poneses e operários, e out ras t ant as realizações que im plicam em grande aceleração do processo cult ural da sociedade. Tudo isso t orna claro que a lut a pela libert ação não é apenas um fat o cult ural m as t am bém um fat or de cult ura.” Am ílcar Cabral Engenheiro Mário Cabral Com issariado do Est ado para Educação e Cult ura Bissau – Republica da Guiné- Bissau Genebra, 26.1.1975 Prezado cam arada. Recebi, há poucos dias, um a cart a de pessoa ligada à GuinéBissau em que m e dizia haver t ido, recent em ent e, em Bissau, um encont ro com você e com o cam arada President e do Conselho do Est ado, no qual se discut iu a possibilidade de um a cont ribuição a ser dada por um a equipe, de que eu part icipasse, ao esforço do Governo da Guiné- Bissau no set or da alfabet ização de adult os. Sugeria, em seguida, a pessoa referida, que eu lhe escrevesse, iniciando assim um a conversação em t orno de com o concret izar- se t al cont ribuição. Com o hom em do Terceiro Mundo, com o educador com est e m undo com prom et ido, out ra não pode ser a m inha posição, com o a dos com panheiros com quem t rabalho, senão a de oferecer a cont ribuição m ínim a que possam os dar ao povo da Guiné- Bissau. Considerando, porém , a im possibilidade de um a ida m inha, no m om ent o, a Bissau, para discut ir pessoalm ent e as bases de nossa part icipação, consult o- o se lhe seria possível vir a Genebra por dois ou t rês dias ou, pelo m enos, se algum de seus auxiliares poderia fazê- lo. Nesse encont ro, para o qual est aria livre a part ir do dia 19 de abril, discut iríam os não apenas os m eios de com o viabilizar a nossa cont ribuição, m as t am bém algum as linhas gerais para um t rabalho de alfabet ização de adult os na Guiné- Bissau. Alfabet ização de adult os que, num a perspect iva libert adora, enquant o um at o criador, j am ais pode reduzir- se a um quefazer m ecânico, no qual o cham ado alfabet izador vai deposit ando sua palavra nos alfabet izandos, com o se seu corpo conscient e fosse um depósit o vazio a ser enchido por aquela palavra. Quefazer m ecânico e m em orizador, no qual os alfabet izandos são levados a repet ir, de olhos fechados, vezes inúm eras, sincronizadam ent e: la, le, li, lo, lu; ba, be, bi, bo, bu; t a, t e, t i, t o, t u, ladainha m onót ona que im plica sobret udo num a falsa concepção do at o de conhecer. “ Repet e, repet e, que t u aprendes” é um dos princípios dest a falsa concepção do at o de conhecer. Na perspect iva libert adora, que é a da Guiné- Bissau, que é a nossa, a alfabet ização de adult os, pelo cont rário, é a cont inuidade do esforço form idável que seu povo com eçou a fazer, há m uit o, irm anado com seus lideres, para a conquist a de SUA PALAVRA. Daí que, num a t al perspect iva, a alfabet ização não possa escapar do seio m esm o do povo, de sua at ividade produt iva, de sua cult ura, para esclerosar- se na frieza sem alm a de escolas burocrat izadas, em que cart ilhas elaboradas por int elect uais dist ant es do povo – em que pese às vezes sua boa int enção – enfat izam a m em orização m ecânica a que ant es m e referi. A alfabet ização de adult os, com o a ent endem os, se faz um a dim ensão da ação cult ural libert adora, não podendo ser, por isso m esm o, sequer pensada isoladam ent e, m as sem pre em relação com out ros aspect os da ação cult ural, t om ada em sua globalidade. Discut i- la significa discut ir t am bém a polít ica econôm ica, social e cult ural do País. Aliás, foi est a percepção da int errelação das parcialidades, na const it uição da t ot alidade, um dos pont os que sem pre m e im pressionaram em Am ílcar Cabral, bem com o sua com preensão crit ica do papel da cult ura na lut a de libert ação, que sendo, com o ele sublinhou, “ um fat o cult ural, é t am bém um fat or de cult ura” . Apesar de reconhecer quão difícil lhe deve ser ausent ar- se do país por dois ou t rês dias, t om o a liberdade de insist ir em sua vinda pelo que ela represent a de fundam ent al para a concret ização de algo que nos apaixona e desafia. Frat ernalm ent e, Paulo Freire. Engenheiro Mário Cabral Com issário de Educação e Cult ura Bissau Genebra, abril, 1975 Prezado cam arada Mário Cabral, Acabo de receber sua cart a em que confirm a o int eresse do Governo por nossa colaboração. Não creio necessário est ender- m e dizendo- lhe da sat isfação com que a equipe do I nst it ut o de Ação Cult ural, I DAC, de que part icipo, bem com o o Depart am ent o de Educação Mundial das I grej as, onde t rabalho receberam essa confirm ação. Na m inha prim eira cart a j á lhe havia expressado o desej o de t odos nós de t rabalhar com vocês, de dar a nossa cont ribuição, por m ínim a que sej a, à busca em que necessariam ent e se encont ram de um a nova prát ica com o de um a visão da educação, que responda aos obj et ivos que a Guiné- Bissau, em processo de recriação, exige. Ao ret om arm os, agora, após a chegada de sua cart a, em t erm os m ais sist em át icos, o t rabalho em equipe, com vist as à colaboração re- ferida, de um a coisa est am os convencidos, não apenas em função de nossas experiências ant eriores, m as sobret udo devido à nossa opção polít ica, à qual procuram os ser fiéis – a de que nada t erem os a ensinar ai se não form os capazes de aprender de e com vocês. Por isso m esm o é que irem os à Guiné- Bissau com o cam aradas, com o m ilit ant es, curiosa e hum ildem ent e, e não com o um a m issão de t écnicos est rangeiros que se j ulgasse possuidora da verdade e que levasse consigo um relat ório de sua visit a, quando não escrit o, j á elaborado em suas linhas gerais, com receit as e prescrições sobre o que fazer e com o. Receit as e prescrições que seriam , para t al m issão, a expressão do conhecim ent o que seus part icipant es t eriam ganho de suas experiências passadas. Em nosso caso, pelo cont rário, o que as experiências de que part icipam os ont em , com o as em que nos acham os envolvidos hoj e, nos ensinam é que elas não podem ser sim plesm ent e t ransplant adas. Podem e devem ser explanadas, discut idas, e crit icam ent e com preendidas por aqueles e aquelas que exercem sua prát ica em out ro cont ext o, no qual som ent e serão válidas na m edida em que forem reinvent adas. Dest a form a, a prát ica realizada ou realizando- se no cont ext o A só se t orna exem plar ao cont ext o B se os que at uam nest e a recriam , recusando, assim , a t ent ação dos t ransplant es m ecânicos e alienant es. É t ão errado o fecham ent o a experiências realizadas em out ros cont ext os quant o a abert ura ingênua a elas, de que result e a sua im port ação pura e sim ples. Am ílcar Cabral j am ais negou a im port ância das experiências posit ivas de out ros cont ext os, m as t am bém j am ais aceit ou a sua im it ação. Dest e m odo, t oda vez que, pessoalm ent e ai, ou por cart as, façam os referências a aspect os dest a ou daquela experiência de que t enham os diret am ent e part icipado ou de que t enham os inform ações precisas, a int enção será sem pre a de problem at izar, a de desafiar. Porque at uam os e pensam os assim , nas reflexões que fazem os aqui, em equipe, não há lugar sequer para um esboço de proj et o no cam po de alfabet ização de adult os para a Guiné- Bissau. Proj et o que deve ser elaborado ai, por vocês, e a cuj o desenho e processo poderem os dar nossa colaboração, na m edida em que com eçarm os a conhecer m elhor a realidade do País. Aqui, discut im os, sim , a com plexidade da alfabet ização de adult os, a im possibilidade de t om á- la em si m esm a com o se fosse viável realizá- la fora e acim a da prát ica social que se dá na sociedade; a necessidade, por isso m esm o, de associá- la ao proj et o global da sociedade que se pret ende criar e de que a at ividade produt iva é um a dim ensão fundam ent al. Discut im os, sim , o carát er polít ico da alfabet ização, com o de t oda educação, carát er que dem anda dos educadores um a clareza crescent e com relação à sua opção polít ica e um a coerência com est a opção, em sua prát ica. Pensam os sobre as experiências realizadas pelo povo nas ant igas áreas libert adas do Pais e sob a orient ação do PAI GC, no cam po da educação, da produção, da dist ribuição, da saúde. E na educação colonial herdada e que, em cont radição t ot al com os obj et ivos da sociedade que se busca criar, deve ser radicalm ent e t ransform ada e não sim plesm ent e reform ada. Dai que o novo sist em a educacional a surgir não possa ser um a sínt ese feliz ent re a herança da guerra de libert ação e o “ legado” colonial, m as o aprofundam ent o m elhorado e enriquecido daquela. Vale dizer, algo que result e da t ransform ação radical da educação colonial. Pensam os t am bém , por out ro lado, nas dificuldades que um a t al t ransform ação radical coloca, na m edida m esm a em que não pode ser frut o de um at o puram ent e m ecânico. Pensam os ainda no quão negat ivo seria para a Guiné- Bissau, t endo em vist a os obj et ivos polít icos, sociais e cult urais que sem pre orient aram a prát ica do PAI GC, a im port ação de um m odelo de escola, cham ada superior, de carát er elit ist a, “ form adora” de int elect uais int elect ualist as ou de t écnicos t ecnicist as. É, pois, com o cam aradas, conversando sem pre francam ent e com cam aradas, que nos dispom os, com hum ildade, a iniciar a nossa colaboração ao Governo da Guiné- Bissau, at ravés, sobret udo, do Com issariado de Educação e Cult ura. As bases concret as dest a colaboração serão discut idas ai, quando de nossa prim eira visit a. Do diálogo ent re vocês e nós, em t orno da realidade com a qual t erem os t ido o nosso prim eiro cont act o diret o, nascerá, ent ão, o program a m ínim o que efet ivará a nossa colaboração. Ant es, porém , de nossa prim eira visit a, é possível que ainda 1he escreva, dando cont a de nossas at ividades em Genebra. Frat ernalm ent e, Paulo Freire Engenheiro Mário Cabral Com issário do Est ado para a Educação e Cult ura Bissau Genebra, 28- 7- 1975 Prezado cam arada, Desde fevereiro passado, quando lhe escrevi, pela prim eira vez, falando das possibilidades de um a cont ribuição do I nst it ut o de Ação Cult ural, I DAC, no cam po da alfabet ização de adult os, a que se j unt a a do Depart am ent o de Educação do Conselho Mundial de I grej as, vim os dedicando algum t em po de nossa at ividade a um a reflexão em t orno do problem a. Na m edida em que nós, com o sublinhei na cart a passada, não nos vem os com o especialist as est rangeiros, m as, pelo cont rário, nos sent im os com prom et idos com a causa da Guiné- Bissau, nos pareceu não só int eressant e m as necessário pôr o Cam arada a par, pelo m enos, de algum as de nossas reflexões. Daí, ent ão, est a cart arelat ório que ora lhe faço e que, espero, nos aj udará a t odos nas conversas que aí t erem os, no próxim o m ês de set em bro. Nos nossos encont ros em Genebra, vim os fixando nossa preocupação sobre t rês áreas de reflexão, ligadas ent re si: a) a de um a prim eira aproxim ação à realidade da Guiné- Bissau at ravés do est udo de t odos os m at eriais que obt em os, privilegiando a obra excepcional de Am ílcar Cabral; b) a de um a t om ada de dist ância crit ica das diferent es experiências de alfabet ização de adult os de que part icipam os, diret a ou indiret am ent e, no Brasil ou em out ros países da Am érica Lat ina, no sent ido de pensar e repensar as posit ividades e negat ividades das m esm as. Um t al exercício nos parece frut ífero pelos ensinam ent os que podem os dele ret irar, em face do t rabalho a ser realizado na Guiné- Bissau, advert idos, porém , com o enfat izei na cart a ant erior, de que as experiências não se t ransplant am , se reinvent am . c) a do papel que deve j ogar a alfabet ização de adult os, enquant o ação cult ural, na const rução da nova Guiné- Bissau. Gost aria de insist ir, m ais um a vez, em que est a cart a- relat ório não pret ende t ocar em t odos os pont os sobre que t em os pensado e discut ido nas t rês áreas acim a anot adas. Ela é m uit o m ais um a conversa ent re cam aradas, dai t am bém que não vá ser t ão didát ica ou sist em át ica quant o sugere a sua prim eira página. Gost aria ainda de salient ar que o clim a que caract eriza nossas reuniões de est udo não poderia ser out ro senão o da curiosidade crit ica, o da busca. Nelas, nos desafiam os, ora ao ler um t ext o de Am ílcar Cabral, procurando decifrá- lo em suas im plicações; ora ao ret om ar diferent es m om ent os do processo de alfabet ização de adult os, em experiências ant eriorm ent e vividas. Em últ im a análise, t ais reuniões aqui, t ão longe daí, são um a int rodução ao nosso aprendizado da Guiné- Bissau, sem um m ínim o do qual não será viável a nossa colaboração. Aprendizado que t erá, com a nossa ida ai, sua cont inuidade em t erm os m ais concret os. Quant o m ais re- est udam os a obra t eórica de Am ílcar Cabral, expressão de sua prát ica na prát ica de seu povo, t ant o m ais nos convencem os de que a ela t erem os sem pre de volt ar. Suas análises do papel da cult ura na lut a pela libert ação não se reduzem ao m om ent o hist órico da guerra. Na verdade, aquela lut a que era, ao m esm o t em po, com o ele dizia " um fat o cult ural e um fat or de cult ura” , cont inua agora, apenas em form a diferent e. Ont em , a lut a pela libert ação perseguia a vit ória sobre o colonizador, at ravés da " libert ação das forças produt ivas” de que result assem " novas perspect ivas ao processo cult ural” do País. Hoj e, a libert ação com o processo perm anent e significa não apenas a consolidação da vit ória m as t am bém a concret ização de um m odelo da sociedade, j á em cert o sent ido desenhado na et apa da lut a. Est e m odelo, que é em inent em ent e polít ico, deve envolver, necessariam ent e, um proj et o cult ural global em que a educação, nela incluída a alfabet ização de adult os, se insere. Proj et o cult ural que, sendo fiel, de um lado, às m at rizes populares, sem cont udo idealizá- las, sej a fiel, de out ro, ao esforço de produção do País. Nest e sent ido, nos parece que um a ação cult ural, desde o nível m esm o da alfabet ização de adult os, t em m uit o o que fazer. Referido à lut a pela produção, com prom et ido com o aum ent o dest a produção, o t rabalho da ação cult ural deve ir m ais além , de um lado, da alfabet ização m eram ent e m ecânica; de out ro, da capacit ação puram ent e t écnica dos cam poneses e dos t rabalhadores urbanos. Deve ser um a cont ribuição fundam ent al ao aclaram ent o dos níveis da consciência polít ica do povo. Enquant o num a sociedade capit alist a o t reinam ent o t écnico da cham ada m ão- de- obra qualificada im plica necessariam ent e em abafar a consciência polít ica dos t rabalhadores, na Guiné- Bissau a produt ividade econôm ica poderá ser t ão m aior quant o m ais clara sej a a consciência polít ica das m assas populares. É nest e sent ido que um Minist ério de Educação, não im port a em que sociedade, é sem pre um m inist ério em inent em ent e polít ico. Polít ico, se serve aos int eresses da classe dirigent e, num a sociedade de classes; polít ico, se serve aos int eresses do povo, num a sociedade revolucionária. Se percebem os a alfabet ização num a t al perspect iva, com preendem os com o j am ais pode ser ela sequer pensada isoladam ent e ou reduzida a um conj unt o de t écnicas e de m ét odos. I st o não significa que m ét odos e t écnicas não sej am im port ant es. Significa que aqueles e est as est ão a serviço de obj et ivos cont idos no proj et o cult ural que, por sua vez, se encont ra envolvido e envolvendo os obj et ivos polít icos e econôm icos do m odelo de sociedade a ser concret izado. Dai a ênfase que sem pre dem os nos sem inários de capacit ação, não aos m ét odos e às t écnicas – m esm o sem desprezá- los – m as à clareza polít ica dos educadores. Ênfase que se fará t ão m ais necessária quando se t rat e de capacit ar j ovens pequeno- G. Vist a parcial de um Círculo de Cult ura na zona de Có. ( Fot o do Cent ro Áudio- Visual, Guiné- Bissau) burgueses que não t enham feit o ainda o “ suicídio de classe” a que Am ílcar Cabral se refere e que ele fez de m aneira exem plar. Som ent e na m edida em que os sem inários de capacit ação prom ovam a unidade da prát ica e da t eoria, dando ênfase à análise do condicionam ent o ideológico de classe e à necessidade daquele " suicídio” , é que se convert em em verdadeiros cont ext os de capacit ação. Proporcionando a unidade da prát ica e da t eoria eles preparam o “ suicídio” que só se dá realm ent e na com unhão com as classes oprim idas, na lut a pela libert ação. No caso da Guiné- Bissau, hoj e, na lut a ainda, sem guerra, com o povo, pela criação da nova sociedade. Por isso é que, num sem inário de capacit ação de alfabet izadores na Guiné- Bissau, se nos afigura fundam ent al discut ir com os part icipant es, ant es de analisar dificuldades t écnicas de qualquer nat ureza, cert as afirm ações de Am ílcar Cabral, com o as que se seguem : " Out ros oradores t iveram a oport unidade de fazer o perfil e o elogio bem m erecido do Dr. Eduardo Mondlane. Nós querem os sim plesm ent e reafirm ar nossa adm iração pela figura de Africano pat riot a e de em inent e hom em de cult ura que ele foi. Querem os igualm ent e dizer que o grande m érit o de Eduardo Mondlane não foi o de sua decisão de lut ar pela libert ação de seu povo. Seu m érit o m aior foi o de haver sabido se int egrar à realidade de seu pais, o de se ident ificar com seu povo e se acult urar at ravés da lut a que ele dirigia com coragem , sabedoria e det erm inação” Ou, em out ro m om ent o do m esm o t ext o, referindo- se, m ais um a vez, à necessidade de ident ificação dos int elect uais com as m assas populares: “ Um a reconversão dos espírit os – das m ent alidades – se revela indispensável à sua ( dos int elect uais) verdadeira int egração ao m ovim ent o de libert ação. Um a t al reconversão – reafricanização no nosso caso – diz ele, pode se operar ant es da lut a, m as não se com plet a a não ser no curso daquela, no cont act o quot idiano com as m assas populares e na com unhão de sacrifícios que a lut a exige.” Sem est a " reconversão” , sobre que Am ílcar Cabral sem pre insist iu, não era possível ao int elect ual pequeno- burguês, ont em , encarnar a lut a de libert ação e nela " reencarnar- se” . Sem est a " reconversão” não será possível, hoj e, a j ovens urbanos, pequeno- burgueses, part icipar com os cam poneses de um aut ênt ico esforço cult ural de que a alfabet ização de adult os pode ser um pont o de part ida. Sem est a " reconversão” a t endência do alfabet izador é alfabet izar os alfabet izandos, é t ransm it ir- 1hes “ seus” conhecim ent os, sua visão urbanam ent e deform ada. A alfabet ização deixa de ser um at o criador e se " burocrat iza” na repet ição m ecânica dos ba- be- bi- bo- bu. Na m em orização de palavras, de frases, que quase nunca t êm nada que ver com a realidade dos educandos. " La, le, li, lo, lu; ba, be, bi, bo, bu; t a, t e, t i, t o, t u, diz o educador da repet ição, da m em orização enfadonha. Todos com igo! cont inua ele. Todos com igo! m ais um a vez. Fechem os olhos! De novo! " Na sua posição de classe, ideologizado, o educador não percebe, m esm o quando verbaliza um a opção revolucionária, que conhecer não é com er conhecim ent o, que o at o de ensinar pressupõe o de aprender e vice- versa. Dest a form a, se arvora em educador do pov o sem aceit ar ser educando do povo. À sua oralidade revolucionária se cont rapõe um a prát ica alienant e, reacionária. A Am ílcar Cabral não passaria despercebido est e aspect o. Dai que t enha dit o que no m ovim ent o de libert ação “ nem t udo o que reluz é necessariam ent e ouro: dirigent es, polít icos – m esm o os m ais célebres – podem ser alienados cult uralm ent e” . Em t odas as experiências de que part icipam os, no Brasil e for a dele, t ivem os que confront ar est e problem a. Observávam os, por exem plo, que a nível int elect ual os part icipant es do sem inário de capacit ação aceit avam t ot alm ent e nossas análises em t orno da alfabet ização de adult os com o um at o criador, em que os alfabet izandos, por isso m esm o, deveriam assum ir o papel de suj eit os no processo de aprendizagem de sua língua e de expressão de sua linguagem . Ent endiam e aceit avam , int elect ualm ent e, que seu papel não poderia ser o de t ransferidores de conhecim ent o, com o se fosse eles os que soubessem t udo e os alfabet izandos os que nada soubessem . Ent endiam facilm ent e cert os procedim ent os m et odológicos coerent es com esses princípios. Na prát ica, porém , m uit os deles, condicionados por sua posição de classe, pelos m it os de sua " superioridade” em face dos cam poneses e dos operários urbanos, m it os assim ilados em sua educação, t am bém de classe, reduziam os alfabet izandos a m eros depósit os de " seus” conhecim ent os. Em lugar de desafiar os cam poneses a fazer a " leit ura” de sua realidade, faziam o seu discurso aos cam poneses num a linguagem que não era a dest es. Seus erros m et odológicos t inham , pois, um a razão ideológica. A correção dos m esm os exigia algo m ais que um a insist ência sobre os m ét odos em si m esm os. Exigia a revisão perm anent e de seu condicionam ent o ideológico de classe. Dai a necessidade que t ivem os, cada vez m aior, de insist ir nos sem inários de capacit ação, na análise da realidade nacional, na clareza polít ica do educador, na com preensão dos condicionam ent os ideológicos, na percepção das diferenças cult urais, ant es m esm o de discut ir t écnicas e m ét odos de alfabet ização. Daí a necessidade que sent im os, t am bém , de, nos sem inários, unir a t eoria da alfabet ização à sua prát ica. Out ro problem a com que nos defront am os residia em com o conciliar est a necessidade com a exigência de capacit ar rapidam ent e um grande núm ero de alfabet izadores. Term inam os por nos convencer – m esm o que não t enham os podido generalizar – de que o ideal seria com eçar capacit ando 15. Quando esses 15 est ivessem no m eio de sua capacit ação, inst alaríam os 15 “ Círculos de cult ura” com 20 alfabet izandos em cada um . Por out ro lado, im punha- se um debat e claro com os 300 alfabet izandos desses 15 círculos de cult ura sobre a im port ância de sua cont ribuição. Eles não viriam aos círculos de cult ura para receber, passivam ent e, as " let ras” , com o se fossem um present e que os alfabet izadores lhes fariam . Viriam aos círculos para aj udar t am bém aos alfabet izadores a t ornar- se alfabet izadores. Sem eles, est e aprendizado não se poderia dar. Dest a form a, desde o com eço, os alfabet izandos seriam cham ados a assum ir o papel de suj eit os no processo de sua aprendizagem em que eles, igualm ent e, ensinavam algo. Ao m esm o t em po est e cont act o diret o dos alfabet izadores com os alfabet izandos no curso de sua capacit ação const it uía a m at ériaprim a de um a reflexão crit ica sobre sua experiência im ediat a, alcançando- se assim a unidade ent re t eoria e prát ica. Quando os 15 est ivessem chegando ao t érm ino – som ent e aparent e – de sua capacit ação, com eçaríam os a de m ais 15. Est es t inham um a vant agem sobre os prim eiros – j á se iniciavam na unidade da prát ica e da t eoria. Desde o início de sua capacit ação, poderiam form ar- se observando e reflet indo sobre a prát ica do prim eiro grupo. Dias após, m ais 15 círculos de cult ura deveriam ser abert os, com m ais 300 alfabet izandos, com quem se faria a m esm a discussão ant es referida. Alt am ent e im port ant e seria a t roca de experiência ent re os m em bros do prim eiro grupo de alfabet izadores e os do segundo. Ent re eles, a equipe de capacit ação iria selecionando quadros de capacit adores com os quais se m ult iplicaria e int ensificaria o program a. Já agora, com 30 envolvidos no t rabalho de form ação, que é perm anent e, receberíam os m ais 30, com quem se seguiria o m esm o rit m o descrit o. Depois, 60, depois 100, et c. Ainda que não t enha sido generalizada est a prát ica, ela foi posit iva onde pudem os segui- la. Um out ro pont o sobre que nos t em os det ido t am bém em nossa reflexão em Genebra é o que se refere ao aproveit am ent o, t ant o quant o a realidade nos perm it a, de pessoal local para o t rabalho de educação popular. Algum as das m elhores experiências de alfabet ização de adult os que vi no Chile e de que part icipei t inham com o educadores j ovens cam poneses que, devidam ent e capacit ados, revelavam um a indiscut ível eficiência. Trabalhavam no cam po, part icipando do esforço da produção, que não era, para eles, algo vago. Era um grupo de j ovens que não sonhavam com urbanizar- se. Seus sonhos se ident ificavam com os de sua com unidade. Apoiado nas experiências de que part icipei e na análise de out ras de que não part icipei – m esm o que reconheça que as experiências não se t ransplant am , se reinvent am – não t em o dizer que, na hipót ese de não poder cont ar: I – com cam poneses que pudessem ser rapidam ent e capacit ados, com o no caso chileno, para o t rabalho de alfabet ização, I I – com j ovens urbanos capazes de com et er o " suicídio de classe” e de " saber int egrar- se a seu país e se ident ificar com seu povo preferia dedicar algum t em po à capacit ação m ais dem orada de cam poneses para que se t ornassem educadores aut ênt icos de seus cam aradas. Finalm ent e, ent re out ros t ant os aspect os que vêm sendo discut idos por nós e a que não fiz referência na cart a de hoj e, há um out ro que nos preocupa: o linguíst ico. Preferim os, cont udo, discut i- lo pessoalm ent e, t al a sua com plexidade. Aguardam os a vinda da cam arada Edna Pereira a part ir do dia 20 de agost o. Peço- lhe, por favor, confirm ar o dia de sua chegada. Com o abraço cordial de Paulo Freire. Engenheiro Mário Cabral Com issariado do Est ado para Educação e Cult ura Bissau Genebra, agost o, 1975 Cam arada Mário Cabral, Um as poucas palavras, apenas para dizer- lhe o quant o nos pareceu fundam ent al o nosso encont ro, aqui, com o cam arada Teobaldo, em subst it uição à cam arada Edna que, por m ot ivos superiores, não pôde vir com o era esperada. I m pressionou- nos a segurança com que respondia às nossas indagações, não apenas em t orno das at ividades desenvolvidas no set or da educação, da produção, da dist ribuição e da saúde, nas ant igas áreas libert adas da Guiné- Bissau, m as t am bém sobre o que se vem procurando fazer hoj e na fase de reconst rução nacional. Est am os cert os de que as conversações que m ant ivem os com ele, durant e quat ro dias, nos aj udaram im enso em nossa preparação para a visit a que farem os ao Pais no próxim o m ês. Est as conversações se convert eram , em últ im a análise, pela riqueza de inform ações que delas ret iram os, num a espécie de coroam ent o aos est udos sist em át icos que vim os fazendo, desde fevereiro passado, com o int rodução a nosso prim eiro cont act o diret o com a realidade da Guiné- Bissau. Nest es dias, você est ará recebendo um a cart a do I DAC em que fazem os algum as sugest ões para a organização do nosso program a de t rabalho com vocês, ai, em set em bro. Frat ernalm ent e, Paulo Freire. Engenheiro Mário Cabral Com issariado do Est ado para Educação e Cult ura Bissau Genebra, out ubro, 1975 Cam arada Mário Cabral, Recém - chegados daí, escrevo- lhe não apenas para agradecer, m ais um a vez, a você e aos cam aradas com quem t rabalham os durant e nossa visit a, a m aneira frat erna com o nos acolheram , m as t am bém para re- afirm ar a sat isfação que t ivem os de, em diálogo com vocês, est abelecer as bases para a cont ribuição m ínim a que darem os ao Com issariado de Educação da Guiné- Bissau. O nosso convívio com vocês e o prim eiro cont act o diret o com a realidade do País solidificaram em nós o sent ido de com prom isso com que viaj am os para aí. É preciso dizer, porém , que, na verdade, som os nós os que 1hes agradecem os pela possibilidade que nos dão de t rabalhar com vocês, com o cam aradas, part icipando do esforço de re- criação da Guiné- Bissau. Não seria dem asiado dizer t am bém o quant o nos em ocionam os, Elza e eu, ao assist irm os aos debat es em um dos Círculos de Cult ura das FARP, em que os part icipant es, escrevendo no quadro negro palavras e frases, discut iam , lucidam ent e, a t em át ica a elas referida. Sabíam os que est ávam os num Círculo de Cult ura das FARP em Bissau, m as, em cert o sent ido, era com o se est ivéssem os no Brasil de anos passados, aprendendo de e com os alfabet izandos e não apenas a eles ensinando. Em ocionava- nos o que escut ávam os, o que víam os, m as não nos surpreendia a clareza polít ica revelada nos debat es. A m esm a clareza com que as equipes do Com issariado de Educação discut iram conosco a problem át ica geral da educação. Clareza que t ende a fazer- se m aior na m edida m esm a em que essas equipes, sem se perderem em “ especialism os" , se experim ent em na confront ação dos problem as a serem resolvidos. Sabem os t odos, vocês e nós, o m uit o que se t em por fazer, no sent ido de colocar a educação nacional ao serviço da nova sociedade que se pret ende criar. Sabem os t odos, vocês e nós, que t al em penho, que não result a de um at o m ecânico, im plica na radical t ransform ação do sist em a de educação colonial, sem o que se frust rará o proj et o da nova sociedade. A t oda est a t em át ica fundam ent al, obj et o de nossas discussões aí, t erem os sem pre de volt ar. É que, na verdade, com o sublinhei na prim eira cart a que lhe fiz, não podem os discut ir a alfabet ização de adult os em si m esm a. De fat o, pouco est aríam os fazendo se, realizando um t rabalho de alfabet ização de adult os, em si corret o, preservássem os, porém , com o você salient ou na ult im a reunião que t ivem os ai, " um sist em a educacional de carát er elit ist a e verbalist a” . O m uit o que há por fazer é, porém , um desafio a cuj a respost a, com vocês, procurarem os nos dar de form a realm ent e engaj ada. Em pouco t em po m ais, espero, est arem os escrevendo- lhe para com unicar- lhe, ent ão, os result ados das conversações ent re o I DAC e a Com m ission on Churches’s Part icipat ion in Developm ent que se int eressa em financiar o program a que elaboram os j unt os em Bissau. Vai aqui o abraço am igo para t odos vocês de Paulo Freire Genebra, 26.11.1975 Prezado cam arada Mário, Ant es m esm o que nos chegue sua respost a à cart a que lhe fizem os, assinada por t oda q equipe, e em que, ao com unicar- 1he a obt enção do financiam ent o que viabiliza o nosso t rabalho com um na Guiné- Bissau, lhe propúnham os o próxim o m ês de fevereiro para a nossa prim eira visit a no ano de 76, escrevo- lhe de novo. Agora, para dar- lhe algum as not ícias em t orno do que est am os fazendo em Genebra, t endo em vist a o nosso t rabalho com um na Guiné. Cont inuam os os nossos est udos em equipe – duas reuniões sem anais, além do t em po que cada um t om a sozinho – aprofundando a com preensão da problem át ica guineense, ao m esm o t em po em que pensam os na preparação de cert o t ipo de m at erial que lhes possa ser út il, m at erial, porém , que deve ser t est ado por vocês. Por out ro lado, est am os colecionando docum ent ação sobre alfabet ização de adult os que irem os rem et endo ao Com issariado. Há um int eresse crescent e na Europa por t udo o que ocorre na Guiné- Bissau e Cabo Verde. Em diferent es oport unidades, em Paris, Est ocolm o e Genebra, m em bros da equipe t em os falado dos planos de t rabalho que aí se desenvolvem . A cart a, cuj a cópia lhe envio, é um a das várias que est arem os encam inhando à equipe de Bissau. Em bora reconheça o t rabalho enorm e de vocês, seria, cont udo, form idável se a equipe pudesse acelerar os est udos sobre o m anual do anim ador e se dedicasse a fundo à preparação do m at erial, obj et o da cart a em anexo. Não sei se seria m uit o pedir- lhe que encont rasse um t em pinho para debat er com a equipe o cont eúdo da cart a, discut indo os m eios m ais rápidos para a produção do m at erial de que ela t rat a. Um abração para você, para a Cam arada Beat riz, para t odos os cam aradas am igos, carinhos para Pansau lhes m andam os t odos. Paulo Freire Genebra, 26 de novem bro de 1975 ( Cart a nº 1 à equipe) Cam aradas Mônica, Edna e Paulo, Em nossa cart a ant erior ao Cam arada Mário Cabral, em que dávam os not icias concret as em t orno das gest ões feit as aqui para a cont inuidade do nosso t rabalho com um , dizíam os que out ras cart as se sucederiam àquela a propósit o de pont os específicos do program a de ação, ora por um , ora por out ro de nós. A que ora lhes escrevo est ará diret am ent e ligada ao m at erial necessário para o uso dos proj et ores que serão rem et idos diret am ent e a Bissau, j unt am ent e com gravadores para o regist ro dos debat es nos Círculos de Cult ura. O m at erial referido deve ser usado em “ círculos de cult ura” cuj a localização obviam ent e lhes cabe decidir, de acordo com o que a realidade aí lhes indique.Crem os, cont udo, que seria int eressant e realizar a experiência não apenas no seio das FARP, m as t am bém num a área popular de Bissau, com alfabet izandos civis. Dest a form a, poderíam os com parar os result ados, não apenas do pont o de vist a da aprendizagem da leit ura e da escrit a – m ais rápida, m enos rápida – m as t am bém o cont eúdo dos discursos de am bos esses grupos – os níveis m ais ou m enos crít icos de percepção da realidade local e nacional, por exem plo. A preparação do m at erial para os proj et ores vai exigir- lhes algo m ais do que vocês j á est ão fazendo de m aneira corret a no cam po da organização do cont eúdo program át ico para a alfabet ização. É que, at é o m om ent o, vocês fizeram a seleção das palavras geradoras t endo em vist a não só a riqueza sociológica e polít ica das m esm as, m as t am bém a sua est rut ura fonét ica. O uso dos proj et ores vai requerer agora a preparação de codificações em que serão inseridas as palavras geradoras. Ant es de prosseguir nest a cart a, gost aria de sublinhar, num parênt ese, que as considerações t eóricas que nela farei e que result am da reflexão crít ica sobre a m inha prát ica e a prát ica de out ros que t enho analisado ao longo dest es anos não t êm nenhum caráct er dogm át ico. Vocês não apenas podem m as devem recriar o que t em sido feit o no cam po da alfabet ização de adult os, onde há um m undo de coisas a serem pensadas e repensadas. Volt ando ao problem a da codificação, em que se inserem as palavras geradoras, t alvez fosse út il t om á- la, agora, com o obj et o de um a análise crit ica, discut indo- se sobret udo o seu papel num a prát ica educat ivo- libert adora. Quando digo num a prát ica educat ivolibert adora est ou ressalt ando a im possibilidade de codificação neut ra ( com o de descodificação) , o que vale dizer que um a prát ica educat ivodom inadora se serve igualm ent e de codificações cuj a const it uição e obj et os se dist inguem dos daquela e diant e dos quais os educandos são cham ados a assum ir um a post ura diferent e. Talvez sej a int eressant e t am bém , em lugar de part ir de um a definição – algo sem pre difícil de ser feit o – da codificação, t ent ar sua com preensão at ravés da reflexão que façam os em t orno do quefazer educat ivo em que nos engaj am os, ilum inados pela opção polít ica que t em os, de nat ureza revolucionária. Considerando que a educação, a ação cult ural, a anim ação, não im port a o nom e que se dê a est e processo, im plica sem pre, ao nível da alfabet ização ou da pós- alfabet ização, num a cert a t eoria do conhecim ent o post a em prát ica, um a das prim eiras quest ões que nos t em os decolocar diz respeit o a essa t eoria m esm a, ao obj et o a ser conhecido ( que const it ui o cont eúdo program át ico da educação, na alfabet ização ou na pós- alfabet ização) e ao m ét odo de conhecer. Em prim eiro lugar, a t eoria do conhecim ent o a serviço de um obj et ivo revolucionário e post a em prát ica pela educação se const it ui na const at ação de que o conhecim ent o, sem pre processo, result a da prát ica conscient e dos seres hum anos sobre a realidade obj et iva que, por sua vez, os condiciona. Daí que ent re aqueles e est a se est abeleça um a unidade dinâm ica e cont radit ória, com o dinâm ica e cont radit ória é a realidade t am bém . Do pont o de vist a de um a t al t eoria – e da educação que a põe em prát ica – não é possível: a) dicot om izar prát ica de t eoria; b) dicot om izar o at o de conhecer o conhecim ent o hoj e exist ent e do at o de criar o novo conhecim ent o; c) dicot om izar ensinar de aprender; educar de educar- se. Por out ro lado, o m ét odo coerent e com est a t eoria do conhecim ent o, t al qual o obj et o a ser conhecido – a realidade obj et iva – é dinâm ico t am bém . Ao dar- se na prát ica social em que se acham dinam icam ent e relacionados: I ) a lut a pela produção, I I ) os conflit os de classe, I I I ) a at ividade criadora, a educação, num a t al perspect iva, é o processo em que, t om ando- se a prát ica social de que ela é um a dim ensão, com o obj et o de conhecim ent o, procura- se não apenas conhecer a razão de ser daquela prát ica, m as aj udar, at ravés dest e conhecim ent o que se irá aprofundando e diversificando, a direção da nova prát ica, em função do proj et o global da sociedade. É no aprofundam ent o e na diversificação, j am ais " especialist icist a” , focalist a, dest e conhecim ent o que se acha o pont o de part ida do equacionam ent o da pós- alfabet ização. Est a não é, por isso m esm o, um m om ent o separado da alfabet ização, m as a sua cont inuidade enquant o at o de conhecim ent o t am bém . Nest e sent ido, a pós- alfabet ização acha- se anunciada na alfabet ização. Nest a, o aprendizado da leit ura e da escrit a, associado ao necessário desenvolvim ent o da expressividade, se faz com o exercício de um m ét odo dinâm ico, com o qual educandos e educadores buscam com preender, em t erm os crít icos, a prát ica social. O aprendizado da leit ura e da escrit a envolve o aprendizado da " leit ura” da realidade at ravés da análise corret a da prát ica social. Nest a fase, cont udo, ao se discut irem aspect os daquela prát ica, os da produção, por exem plo, j á é possível t ocar em pont os de caráct er t écnico enquant o a seu com o. Na pós- alfabet ização, a leit ura da realidade social cont inua, de form a aprofundada, j á agora, porém , associada a um saber fazer especializado, de nat ureza t écnica, a que se j unt a um m aior dom ínio da linguagem , um conhecim ent o m ais agudo da organização econôm ica e social da hist ória, da geografia, da m at em át ica, et c.et c. Havíam os falado ant es da im possibilidade de separar a prát ica da t eoria, o que leva a sociedade que busque viver a unidade radical ent re elas a superar a dicot om ia ent re t rabalho m anual e t rabalho int elect ual, de que result a um m odelo de educação t ot alm ent e diferent e. Modelo em que a escola, qualquer que sej a o seu grau – prim ário, secundário ou universit ário – não se dist ingue essencialm ent e da fábrica ou da prát ica de um cam po agrícola nem a elas se j ust apõe. E m esm o quando a escola exist a fora da fábrica ou da at ividade prát ica do cam po agrícola, ist o não significa, prim eiro, que ela sej a um a inst ância superior a elas; segundo, que a fábrica e a at ividade prát ica do cam po agrícola não sej am em si escolas t am bém . É que, num a visão dinâm ica, a da unidade ent re prát ica e t eoria, a escola, dent ro ou fora da fábrica, não se define com o inst it uição burocrat icam ent e responsável pela t ransferência de um saber selet o, m as com o um pólo ou um m om ent o daquela unidade. Assim , qualquer que sej a o lugar em que, t om ando dist ância do cont ext o concret o, onde um a cert a prát ica se realiza, exercem os um a reflexão crit ica sobre a prát ica, t em os nele um cont ext o t eórico, um a escola pois, no sent ido radical que a palavra deve t er. Agora, podem os com eçar a falar das codificações de que precisam os para o uso dos proj et ores e cuj a preparação deve ser feit a ai por vocês. Elas são represent ações de aspect os da realidade; expressam “ m om ent os” do cont ext o concret o. Nest e sent ido, de um lado, fazem a m ediação ent re esse cont ext o e o cont ext o t eórico, no nosso caso, o “ circulo de cult ura” . De out ro, fazem a m ediação ent re o educador e os educandos, com o suj eit os que buscam conhecer. Por isso é que a codificação, nest a visão dinâm ica, não é um a sim ples aj uda de que o educador se serve para “ dar” um a aula m elhor, m as é, ao cont rário, um obj et o de conhecim ent o que o desafia e os educandos. De acordo com o canal de com unicação a ser usado, a codificação pode ser: a) visual b) audit iva c) t áct il d) áudio- visual – uso sim ult âneo do canal visual e audit ivo. A visual por sua vez pode ser: I ) pict órica – pint ura, desenho, fot ográfia I I ) gráfica – linguagem escrit a I I I ) m ím ica * – expressão do pensam ent o por m eio de gest os. * Num a sim ples not a ao pé da página gost aria de deixar aqui um a indagação que m e faço e que pode t alvez no fut uro abrir- nos cert os filões de est udo. Refiro- m e ao possível pot encial que a m ím ica, com o expressão corporal, possa t er em cult uras em que o corpo não foi subm et ido a um int elect ualism o racionalizant e. A codificação pode ser sim ples e com plexa, conform e se use um só canal ou m ais de um sim ult aneam ent e. Enquant o linguagem , não necessariam ent e escrit a, t oda codificação é sem pre um discurso a ser lido. Nest e sent ido, ela t em um a “ est rut ura de superfície” e um a “ est rut ura profunda” em dinâm ica relação um a com a out ra. A " est rut ura de superfície” é o conj unt o de elem ent os que, em int eração, a const it ui. A “ est rut ura profunda” não est á visível; em erge na m edida em que se vert icaliza a leit ura – a descodificação – da codificação, ou, m ais precisam ent e, da sua " est rut ura de superfície” . Ela t em que ver com a razão de ser dos fat os que se acham m eram ent e expost os, m as não desvelados, na “ est rut ura de superfície” . Talvez possam os com preender m elhor a " est rut ura de superfície” e a " est rut ura profunda” de um a codificação se ent endem os a diferença ent re a leit ura gram at ical de um t ext o e a leit ura sint át ica do m esm o. Tom em os, por exem plo, do pont o de vist a gram at ical e sint át ico o seguint e t ext o: Desej o que vocês façam um bom t rabalho. Na leit ura puram ent e gram at ical dest e t ext o, m inha preocupação será a de t om ar suas part es em si e classificá- las. Meu com port am ent o será t axionôm ico * . Assim diria: Desej o – verbo desej ar, regular, prim eira pessoa do singular do t em po present e do m odo indicat ivo que – conj unção int egrant e vocês – form a pronom inal – 3¿ pessoa do plural façam – verbo fazer, irregular, t erceira pessoa do plural do t em po present e do m odo subj unt ivo et c. et c. Do pont o de vist a sint át ico, m eu com port am ent o seria diferent e. Minha preocupação nest e caso seria, de um lado, a de com preender a t ot alidade do t ext o, delim it ando- o em suas part es que, em int eração, const it uem a t ot alidade; de out ro, perceber o papel que os t erm os Em que as grandes m aiorias não se experim ent aram ainda no m aior rigor lógico da linguagem escrit a, de que decorre não raro a m it ificação do poder dessa linguagem , que, de rest o, devem os evit ar desde a et apa da alfabet ização. Em que o corpo conscient e, encont rando- se em m aior liberdade em suas relações com a nat ureza, m ove- se facilm ent e de acordo com seus rit m os. Nest e sent ido t alvez fosse int eressant e pensar no em prego de j ogos m ím icos, com o codificações e, nas codificações pict óricas, dar ênfase ao m ovim ent o. Repit o que ist o são puras indagações, são pist as apenas. * Taxionom ia – part e da gram át ica que classifica as palavras em cat egorias. Palavras variáveis; palavras invariáveis. Subst ant ivo, adj et ivo, pronom e, verbo, advérbio, et c. H. Est udant es do Liceu de Bissau a cam inho do cam po para t rabalho produt ivo. ( Fot o do Cent ro Áudio Visual, GuinéBissau) assum em aa est rut ura geral do t ext o. Dest a form a, reconheço a relação de com plem ent aridade que há ent re vocês façam um bom t rabalho e desej o. Nest e sent ido, vocês façam um bom t rabalho é o obj et o, o com plem ent o diret o de desej o, que, enquant o expressão de um cert o est ado que não se com plet a em si m esm o, é um verbo t ransit ivo. A sent ença desej o t em com o suj eit o eu; a sent ença com plem ent ar t em com o suj eit o vocês, e assim por diant e. Na análise sint át ica, port ant o, a classificação que se faz j á não é a das palavras em si m as a das funções que t êm ent re elas, na est rut ura geral do cont ext o que expressa um pensam ent o est rut urado. Se t om am os um a codificação que represent a hom ens e m ulheres t rabalhando no cam po, sua est rut ura de superfície serão os elem ent os nela expost os; sua est rut ura profunda vem à t ona quando, aprofundando- se a análise da est rut ura de superfície, se discut e a razão de ser do fat o codificado. A prim eira reação de quem se põe em face de um a codificação é fazer a leit ura de sua est rut ura superficial. Leit ura puram ent e gram at ical, t axionôm ica, poderia dizer, em que se descrevem os elem ent os da codificação. É a part ir dest a leit ura, cont udo, que se vai alcançando o nível profundo da codificação, em cuj o processo o educador nem deve exacerbar, de um lado, sua presença, a t al pont o que a presença dos educandos sej a um puro reflexo da sua, nem , de out ro, se deve negar, com o se t ivesse vergonha de ser educador. Fundados na com preensão crít ica da est rut ura superficial e da est rut ura profunda da codificação, podem os, no at o de codificar, nos defender de dois riscos. O prim eiro, o que reduz a codificação a um a m ensagem a ser t ransm it ida quando ela é, na verdade, um obj et o de conhecim ent o, port ant o um desafio, um problem a a ser desvelado. O segundo, o de t ransform ar a codificação num a espécie de " quebra- cabeça” . No prim eiro caso, ident ificando- se com a própria m ensagem , o código t orna- se de t al m aneira explicit o que o esforço descodificador se faz quase desnecessário. A codificação j á est á prat icam ent e descodificada nela m esm a. A codificação propagandíst ica é exem plar para ilust rar o que acabo de dizer. Daí o seu carát er dom est icador. No segundo caso, a est rut ura de superfície da codificação apresent a um a com posição de t al form a enigm át ica, fechada, que obst aculiza o t rabalho descodificador. Do pont o de vist a do est ilo, as codificações podem ser côm icas e hum oríst icas. Se am bas provocam riso, desabafo, t endo am bas um papel cat árt ico, se dist inguem , cont udo, em que as prim eiras t endem a deixar o descodificador ao nível da est rut ura de superfície e as segundas facilit am o alcance da est rut ura profunda da codificação. * As codificações e as palavras geradoras * O t rabalho de Claudius Ceccon se sit ua exat am ent e no segundo caso. Escolhidas as palavras geradoras segundo os crit érios j á conhecidos de vocês, elaboram - se as codificações em que elas são inseridas. Há um a relação necessária ent re a palavra geradora e a codificação. Às vezes, est a relação se faz ent re a palavra e a codificação em seu t odo; às vezes, a palavra est á referida a um a cert a dim ensão da codificação. Exem plo do prim eiro caso: Palavra geradora – TRABALHO Codificação: Hom ens e m ulheres t rabalhando. Exem plo do segundo caso: Palavra geradora – TI JOLO Codificação: Hom ens t rabalhando num a const rução, em que o obj et o t ij olo aparece em plano privilegiado. O t rabalho de vocês, port ant o, deve ser a preparação dest e m at erial, quer dizer, das codificações correspondent es às 17 palavras geradoras que const it uem o program a de alfabet ização a ser desenvolvido nos círculos experim ent ais. Segue, com o exem plo, um a série de slides usados no Brasil, com a palavra geradora na codificação correspondent e e os slides em que a palavra aparece decom post a em silabas. Segue igualm ent e um a out ra série de slides que se acham reproduzidos em Educação com o prát ica da Liberdade e que, na prát ica brasileira, proporcionavam a discussão em t orno do conceit o de cult ura. Tal discussão em últ im a análise im plica na apreensão crít ica das relações ent re os seres hum anos e o m undo nat ural, de cuj a t ransform ação result a o m undo especificam ent e hum ano – o m undo da cult ura e da hist ória. No Brasil est a discussão precedia a alfabet ização e cont inuava com ela. No Chile, sobret udo devido à reação dos alfabet izandos que exigiam com eçar im ediat am ent e a aprendizagem da escrit a e da leit ura, est e debat e era feit o durant e a alfabet ização. I m port ant e é que se faça est a análise. Talvez fosse int eressant e t est ar algum as dest as codificações brasileiras – as que m elhor se adapt em à realidade local – com alguns grupos de alfabet izandos, e est udar sua reação. No caso em que vocês façam t al experiência, será im port ant e gravar as discussões, a cuj a análise crít ica a equipe ai deve dedicarse. Quando de nossa próxim a visit a à Guiné- Bissau, um a de nossas sessões de t rabalho poderia ser cent rada no est udo dessas gravações bem com o no m últ iplo uso do discurso dos alfabet izandos, de que algo j á t rat am os aí em set em bro passado. Um out ro pont o sobre que poderem os t am bém t rabalhar j unt os em Bissau em fevereiro próxim o, se o Cam arada Mário Cabral confirm ar as dat as propost as por nós, é o de com o m ot ivar os alfabet izandos para que façam t am bém codificações em equipe, cabendo a cada equipe que t enha elaborado um a ou m ais codificações coordenar os debat es em t orno delas. Assim que recebam os o m at erial de vocês – as codificações e as palavras geradoras decom post as – providenciarem os aqui a feit ura dos conj unt os de slides que com porão o program a para os círculos de leit ura. Finalm ent e, vam os rem et er- 1hes nest es próxim os dias fot ocópias dos t ext os que const it uem um livro m eu a ser publicado no próxim o ano e de que lhes falei aí. É possível que alguns deles lhes int eressem . Quant o ao problem a da codificação, por exem plo, vocês encont rarão algo num deles: “ Ação Cult ural para a Libert ação” * e na Pedagogia do Oprim ido * * t am bém .Recebam um abraço afet uoso de t odos nós. Paulo Freire * Publicado em Ação Cult ural para a Liberdade e Out ros Escrit os, Paz e Terra, Rio, l976. ( N. do E.) ** Paz e Terra, Rio, l977 ( 4ª ed.) . ( N. do E.) Genebra, 6 de dezem bro de 1975 Cam arada Mário Cabral, Recebi, há dias, sua cart a, em que acusa a em que lhe com unicávam os a obt enção do financiam ent o da C.C.P.D. para a cont inuidade de nosso t rabalho ai, bem com o a cont ribuição que o Depart am ent o de Educação do W.C.C. dá a nosso proj et o, pondom e à disposição do m esm o. Espero que lhe t enha chegado a que lhe rem et i no m ês passado e à qual j unt ava cópia da que fizera à Mônica, Edna e Paulo. Hoj e lhe envio a de out ra que acabo de escrever- lhes. É que m e parece que você deve est ar sem pre a par da correspondência que m ant enham os com a equipe em Bissau, acom panhando, assim , os passos que est am os dando. Será que j á he foi possível, com o rit m o t ão int enso de t rabalho que você t em , inst aurar a Com issão Nacional que com você discut irá a.polít ica geral da cam panha de alfabet ização? Seria excelent e se, em nossa próxim a visit a, em fevereiro de 1976, pudéssem os reunir- nos, pelo m enos um a vez, com a Com issão. Meu caro am igo perdoe- m e por est as insist ências. Elas são feit as pelo desej o de servir. Para você e t odos os cam aradas, o abraço ao am igo Paulo Freire Genebra, 6 de dezem bro de 1975 ( Cart a n° 2) Prezados cam aradas e am igos Mônica, Edna e Paulo Espero que t enham recebido a cart a que lhes enviei at ravés do cam arada Mário Cabral e em que lhes falava das codificações para a experiência ai, com os proj et ores. Espero igualm ent e que o t rabalho de vocês em t orno do m anual do anim ador est ej a adiant ado e que, em breve, o recebam os. Seria, por out ro lado, do m ais alt o int eresse para nós, se vocês, superando t odas as dificuldades, que sei grandes, decorrent es do m undo de coisas que t êm a fazer, nos rem et essem um relat ório porm enorizado de t udo o que foi feit o depois de nossa est ada em Bissau. O prosseguim ent o das at ividades nas FARP; se os novos coordenadores, em processo de form ação quando est ávam os aí, j á se acham em ação e com o anda o t rabalho deles. Se a m em ória não m e falha, creio que Marcos Arruda, em sua recent e cart a a Paulo, faz um pedido sem elhant e. Não sei se vocês est arão t endo t em po de realizar, em form a sist em át ica, sem inários de avaliação com os anim adores, em que vocês e eles exam inem a prát ica de t odos – as dificuldades encont radas e a m aneira com o t ent am responder a elas. Há dificuldades que se repet em , de m odo geral, em t odos os círculos e é im port ant e que os anim adores se inform em ent re si de com o cada um as vem enfrent ando. Dest a m aneira, há um aprendizado com um que est im ula int ensam ent e a criat ividade de t odos. Nest es sem inários, por exem plo, podem ser analisados e discut idos cert os desvios aut orit ários de uns coordenadores, com o cert os desvios espont aneist as de out ros. Desvios que dificilm ent e podem ser de t odo evit ados, a não ser quando t rabalham os com dez ou quinze pessoas apenas, o que de rest o não t em sent ido. Est es sem inários de avaliação poderiam cont ar, t am bém , com a presença de grupos de alfabet izandos. Sua presença neles se j ust ifica por duas razões básicas. De um lado, porque, em t ais sem inários, se discut e um a prát ica em que eles se acham envolvidos com o suj eit os, t ant o quant o os coordenadores; de out ro, porque at ravés dest as reuniões podem aprofundar sua form ação. Ent re eles, vocês t erão novos coordenadores para am anhã. O próprio m anual do anim ador, que vocês est ão elaborando, deveria passar pelo crivo de t ais sem inários. Caso vocês não t enham ainda pensado nest e t ipo de at ividade e se concordam em realizá- la, a quest ão que se coloca é a de encont rar a m elhor m aneira de operacioná- la, não esquecendo, sugeriria, de gravar as discussões. É que a gravação das discussões const it ui, em si, um docum ent ário im port ant e, que perm it e est udar o andam ent o do t rabalho, podendo ser usada, t am bém , em sem inários de avaliação ent re diferent es grupos. A t arefa avaliadora aqui referida é um esforço form ador e, com o t al, indispensavelm ent e ligada à invest igação de novas form as de ação. Enquant o problem at ização da prát ica, est a form a de avaliação é o seu m om ent o crít ico. Mom ent o em que os suj eit os da prát ica se volt am sobre ela para confirm á- la ou ret ificá- la, nest e ou naquele aspect o, enriquecendo a subsequent e prát ica e nela enriquecendose. Dai a necessidade que t em os, quando part icipam os de um a equipe cent ral, de não apenas acom panhar, assiduam ent e, as at ividades dos Círculos de Cult ura, m as t am bém de coordenar, de vez em quando, as discussões em alguns deles. Assim , a nossa part icipação nos sem inários de avaliação, em que a prát ica realizando- se nos Círculos é o obj et o da análise, não é a part icipação de est rangeiros a essa prát ica nem a de “ sem iconvivent es” com ela, ist o é, a de quem sim plesm ent e t ivesse vist o com o os out ros t rabalham . É possível, porém , que vocês j á est ej am usando ou pensando em usar um m ét odo diferent e de avaliação, Não im port a. O indispensável é, prim eiro, que se faça a avaliação perm anent e do t rabalho em realização. Segundo, que a avaliação j am ais se t ransform e em fiscalização. Est ou rem et endo, por correio aéreo, os t ext os prom et idos, cuj a leit ura, est ou cert o, vocês farão t om ando sem pre, com o referência, a realidade guineense. Aguardando not icias de vocês, vai aqui o abração de Paulo Freire Engenheiro Mário Cabral Com issariado do Est ado para Educação e Cult ura Bissau Genebra, 5 de j aneiro de 1976 Cam arada Mário, Mais um a vez, est ou rem et endo a você cópia de out ra cart a, bast ant e longa dest a vez, que fiz aos cam aradas Mônica, Edna e Paulo. Creio que a t em át ica t rat ada t em que ver com a realidade da Guiné- Bissau, o que não significa, porém , que você e eles concordem t ot alm ent e com o que digo. Talvez fosse int eressant e discut ir, em equipe, em fevereiro próxim o, os seus pont os principais. Est ou enviando j unt o à sua, um a out ra cópia que lhe pediria ent regasse à cam arada Dulce, do ensino m édio. É possível que a cart a int eresse a ela t am bém . Est am os ansiosos por chegar ai para revê- los e beber um pouco dessa alegria de viver, coisa t ão carent e nest as bandas de cá. Um abração para t odos. Paulo Freire Genebra, 5 de j aneiro de 1976 ( Cart a n° 3) Cam aradas Mônica, Edna e Paulo, Talvez não fosse necessário dizer, m as, em t odo caso, será bom enfat izar que, ao escrever m ais ou m enos assiduam ent e a vocês, não pret endo, de um lado, burocrat izar nossas relações; de out ro, em prest ar às m inhas cart as nenhum a significação prescrit iva. Escrevo sem pre pela necessidade que t enho de conversar com vocês sobre pont os que nos int eressam , em vist a do t rabalho em que nos acham os engaj ados. Ao escrever- lhes, nat uralm ent e, pret endo desafiá- los, m as, ao fazê- lo, m e desafio t am bém . Não nos é possível desafiar a alguém , em t erm os aut ênt icos, se, ao m esm o t em po, não nos dam os ao desafio. Às vezes, m e det enho diant e de um a palavra, diant e de um a frase, pergunt ando- m e se o que est ou escrevendo expressa m esm o o que gost aria de dizer e se, sobret udo, o que est ou dizendo t em que ver realm ent e com o concret o sobre que est ou pensando. No caso de hoj e, gost aria de t ocar em alguns dos problem as com que nos defront am os quando, envolvidos na prát ica e na t eoria da alfabet ização de adult os, nos indagam os sobre o que a ela se segue. Não pret endo um a análise porm enorizada da pós- alfabet ização, m as um a t om ada de posição diant e dela, que corresponde à visão que t enho da alfabet ização. Na verdade, as preocupações em t orno da pós- alfabet ização est ão int im am ent e ligadas à prát ica e à concepção que se t enham da alfabet ização. Todas às vezes em que t enho discut ido o problem a da alfabet ização de adult os t enho sublinhado que, num a perspect iva libert adora, ela há de ser sem pre um at o criador, em que o conhecim ent o livresco cede seu lugar a um a form a de conhecim ent o que provém da reflexão crit ica sobre um a prát ica concret a de t rabalho. Dai a insist ência, t am bém , com que sem pre falo da relação dialét ica ent re o cont ext o concret o em que t al prát ica se dá e o cont ext o t eórico, em que a reflexão crit ica sobre aquele se faz. Num a t al visão prát ico- t eórica da alfabet ização j am ais pode ser ela ent endida com o o m om ent o de um aprendizado form al da escrit a e da leit ura, com o um a inst ância prim eira, j ust apost am ent e ligada às seguint es. Ou, t am bém , com o um a espécie de “ t rat am ent o” a ser aplicado aos que dele necessit em para que, em seguida, recuperados de sua " enferm idade” , possam experim ent arse num a “ avent ura superior” , de carát er igualm ent e livresco – a pós- alfabet ização. Com o a ent endo, a alfabet ização de adult os j á cont ém , em si, a pós- alfabet ização. Est a cont inua, aprofunda e diversifica o at o de conhecim ent o que se inicia naquela. Não são, pois, dois processos separados – um ant es, o out ro depois – m as dois m om ent os de um m esm o processo social de form ação. E est e, não im port a o nom e que se lhe dê – educação, ação cult ural, anim ação – im plica sem pre, na alfabet ização t am bém com o na pós- alfabet ização, num a cert a t eoria do conhecim ent o post a em prát ica. Que conhecer, com o conhecer, para que conhecer, em favor de que e de quem conhecer, port ant o, cont ra que e cont ra quem conhecer são quest ões t eórico- prát icas e não int elect ualist as, que a educação com o at o de conhecim ent o nos coloca. Quest ões fundam ent ais, em dinâm ico envolvim ent o com out ras em t orno do at o m esm o de educar, de sua possibilidade, de sua legit im idade, dos obj et ivos e finalidades desse at o, de seus agent es, de seus m ét odos, de seu cont eúdo. Solidárias ent re si, est as quest ões dem andam respost as igualm ent e ent re si solidárias. Assim , ao preocupar- m e com o que conhecer, acho- m e necessariam ent e envolvido com o para que, com o com o, com o em favor de que e de quem , com o cont ra que e cont ra quem conhecer. Gost aria de salient ar não ser o obj et ivo dest a cart a t rat ar as quest ões acim a referidas sist em át ica e profundam ent e, com o sua sim ples enum eração poderia sugerir. Cham ar a at enção para elas e sobre elas algo dizer são o m arco em que m e sit uo nest a cart a. A respost a à pergunt a em t orno do que conhecer, t endo que ver diret am ent e com a const it uição do cont eúdo program át ico da ação educat iva, envolve um a série de ângulos que não podem ser descuidados. Ângulos em que o para que, int im am ent e ligado ao com o, ao em favor de que e de quem , ao cont ra que e cont ra quem conhecer é o cent ro orient ador m esm o da delim it ação do que conhecer. Dest a form a, a delim it ação do que conhecer, sem a qual não é possível a organização do cont eúdo program át ico da ação educat iva, est á est reit am ent e associada ao proj et o global da sociedade, às prioridades que esse proj et o exige e às condições concret as para a sua realização. Ao falar de proj et o global da sociedade não faço com o se est ivesse t om ando- o com o um a idéia abst rat a, um desenho arbit rário, algo acabado na im aginação de um a liderança. Refirom e, sim , a um cert o núm ero de m et as, solidárias ent re elas e coerent es com um cert o obj et ivo no cam po da organização econôm ica e social; no da dist ribuição int erna com o no do com ércio ext erno; no das com unicações e t ransport es; no da cult ura; no da saúde; no da educação em geral, que a esse obj et ivo deve servir. Met as realizáveis em et apas e que envolvem um a polít ica de planej am ent o global e polít icas especificas para a sua realização. A prát ica em busca da concret ização das m et as pode ret ificar, nest e ou naquele pont o, o desenho do proj et o, 'm as não prescinde dele, enquant o previsão. Dai que a delim it ação do que conhecer para a organização do cont eúdo program át ico da ação educat iva dem ande de t odos os que nela se envolvem , em qualquer de seus planos, um a clareza polít ica a qual, não sendo em si suficient e, é absolut am ent e indispensável. Clareza polít ica, acrescent e- se, com relação ao para que, ao com o e ao em favor de quem se faz a própria polít ica. Um a coisa é a polít ica feit a, em t odos os set ores, por um a rígida burocracia, em nom e das m assas populares, a quem se t ransm it em palavras de ordem ; out ra coisa é a polít ica feit a com elas, com a sua part icipação crit icam ent e conscient e na reconst rução de sua sociedade, em que as palavras de ordem , necessárias, j am ais, porém , se t ransform am em puros “ slogans” . É ainda est a clareza polít ica, em face da realidade e da própria educação, clareza associada à perm anent e vigilância no sent ido da preservação da coerência ent re nossa prát ica e o proj et o da nova sociedade, que nos faz evit ar o risco de reduzir a organização curricular a um conj unt o de procedim ent os t écnicos de carát er neut ro. A organização do cont eúdo program át ico da educação, sej a ela prim ária, secundária, universit ária ou se dê ao nível de um a cam panha de alfabet ização de adult os, é um at o em inent em ent e polít ico, com o polít ica é a at it ude que assum im os na escolha das próprias t écnicas e dos m ét odos para concret izar aquela t arefa. O carát er polít ico de t al quefazer independe da consciência que t enham os dele ou não. O saber com o delim it ar o que conhecer não pode est ar separado do para que conhecer com o das dem ais im plicações dest e at o, a que j á m e referi. Não há, por isso m esm o, especialist as neut ros, " propriet ários” de t écnicas t am bém neut ras, no cam po da organização curricular ou nout ro qualquer. Não há m et odologist as neut ros para ensinar com o ensinar neut ram ent e hist ória ou geografia, língua nacional ou m at em át ica. Nest e sent ido, a delim it ação do que conhecer para a organização do cont eúdo program át ico da educação, num a sociedade que, recém saindo de sua dependência colonial, com t udo o que ist o significa, se acha revolucionariam ent e em penhada na lut a por sua reconst rução, é um a t arefa das m ais im port ant es. Est a delim it ação do que conhecer não se esgot a, porém , na subst it uição de cert o t ipo de cont eúdo program át ico por out ro, que corresponda m ais de pert o aos obj et ivos da sociedade em reconst rução. Mesm o que reconheça que est e esforço é, às vezes, durant e cert o t em po, o único possível, é fundam ent al enfat izar que não bast a m udar o cont eúdo program át ico, m ant endo- se, cont udo, a prát ica ant erior, renovada num ou nout ro aspect o: o m ét odo de conhecer nela experim ent ado e o sent ido elit ist a que a inform a. A preservação do carát er elit ist a da educação, com t udo o que ele im plica, t em sent ido para a sociedade que, saindo de sua dependência colonial; se insere num a dependência neocolonial e é “ governada” por um a elit e dom inant e nacional, at relada aos int eresses im perialist as. Est e não é, sem som bra de dúvida, o caso da Guiné- Bissau. A quest ão de fundo, pois, não est á em apenas subst it uir um velho program a adequado aos int eresses do colonizador por um novo, m as em est abelecer a coerência ent re a sociedade reconst ruindo- se revolucionariam ent e e a educação com o um t odo que a ela deve servir. E a t eoria do conhecim ent o que est a deve pôr em prát ica im plica num m ét odo de conhecer ant agônico ao da educação colonial. Um dos riscos que um a t al sociedade corre, ao procurar responder ao desafio que a sua reconst rução lhe coloca, é o de aceit ar cert os m odelos m odernizant es do ocident e. Ent re eles, nat uralm ent e, o m odelo educat ivo, de carát er classist a, com o se fosse possível, at ravés dest e m odelo, resolver o problem a da carência de quadros nacionais, de grau m édio e universit ário, necessários ao esforço enorm e e com plexo da reconst rução de si m esm a. Precisam ent e porque est e é um risco, só o é para a sociedade que procura refazer- se revolucionariam ent e. Assim , o que é risco para est a é o cam inho cert o para a liderança ant ipopular da out ra, a que se ent rega aos int eresses im perialist as. A carência referida é, porém , um a negat ividade que t em sua posit ividade. Adm it indo- se que o colonizador t ivesse desenvolvido um a ação, m esm o pouco int ensa, no set or da capacit ação universit ária, est a ação só poderia t er sido efet ivada em função de seus int eresses, por isso m esm o selet iva e colonialist a, t al qual a educação que se desenvolveu nos liceus das áreas urbanas do país, na fase colonial. At ingindo um a cert a faixa populacional, t al capacit ação reforçaria a posição de classe dos graduados, que passariam a engrossar as fileiras de um a int elect ualidade urbana, a serviço do colonizador. Analisando o papel de um pequeno grupo desses int elect uais na lut a pela libert ação de paises, Am ílcar Cabral se referia à necessidade que eles t inham , para desem penhar t al papel, de “ ser capazes de se suicidar com o classe para renascer com o t rabalhadores revolucionários int eiram ent e ident ificados com as aspirações m ais profundas do povo ao qual pert encem ” * , o que ele fez de m aneira exem plar. A “ re- africanização” desses int elect uais, sobre que t ant o insist iu t am bém Am ílcar, est ava im plícit a nest a “ m ort e” e nest e “ renascim ent o” . Acont ece, porém , que est a “ m ort e” não é aceit a facilm ent e – a hist ória nos ensina – m esm o por grande part e daqueles que verbalizam um a opção revolucionária. A “ form ação” int elect ual pequeno- burguesa, que reforça a posição de classe dos indivíduos, t ende a levá- los à absolut ização da validade de sua at ividade, considerada com o superior à daqueles que não a t êm . Dai que, t oda vez que um a liderança revolucionária, delim it ando o cam po, por exem plo, da invest igação cient ífica, suprim e qualquer at ividade cuj os result ados im ediat os não sej am capazes de responder aos desafios m ais prem ent es que os problem as das grandes m aiorias populares apresent am , esses int elect uais se sint am discrim inados e sem liberdade. Nest e sent ido, há m uit a coisa a ser est udada, feit a e refeit a, na Guiné- Bissau, ant es que um invest igador se dedique à análise cient ífica das razões por que esse sim pát ico anim al que t em os no Brasil e cert am ent e na Guiné, cham ado Preguiça, se m ove t ão lent am ent e. Há um esforço a ser feit o na Guiné, no t rabalho da colet a de cont os e est órias populares a serem usados com o t ext os de leit ura para crianças e adult os, ant es que um erudit o professor de lit erat ura “ dê” sem inários sobre Mallarm é e o Sim bolism o. Em últ im a análise, est ou convencido de que é m ais fácil criar um novo t ipo de int elect ual – o que se forj a na unidade da prát ica e da t eoria, do t rabalho m anual e do t rabalho int elect ual – do que re* Am ilcar Cabral – Unit é et Lut t e I , L'arm e de la Théorie, Cahiers Libres, Maspero, Paris, l975, pág. 303. educar o int elect ual elit ist a. Quando digo que é m ais fácil, não excluo a possibilidade de um a t al re- educação, quando for est e o caso. O problem a que se coloca, pois, a um a sociedade assim , não é o de cont inuar form ando int elect uais elit ist as para que depois se " suicidem ” , m as o de não perm it ir que eles se const it uam com o t ais. O de com o, port ant o, t ornar posit iva a negat ividade ant es m encionada. O de com o form ar seus quadros, não apenas fora do país, m as dent ro dele, num a perspect iva não elit ist a. O de com o delim it ar o que conhecer em relação est reit a com novos m ét odos pedagógicos. Em últ im a análise, o de com o reorient ar o seu sist em a educacional superando t ot alm ent e a herança colonial. Diferent es obj et ivos, diferent es cont eúdos, diferent e prát ica, diferent e concepção da educação. A delim it ação do que conhecer, ao nível m esm o da alfabet ização de adult os, quer dizer, a const it uição de seu cont eúdo program át ico, não pode ser pensada fora dos m arcos da reorient ação do sist em a educacional global que, por sua vez, t em de est ar em correspondência com o proj et o da nova sociedade. Se o sist em a educacional segue o m odelo elit ist a, verbalist a, aut orit ário, que sat isfazia os int eresses dos colonizadores, em bora reform ado nest e ou naquele pont o, a alfabet ização de adult os, não im port a a orient ação que t enha, t erm inará por ser um a via de acesso para alguns aos privilégios que o sist em a defenderá. Dest a form a, discut ir a alfabet ização de adult os e a pósalfabet ização im plica em discut ir a educação em sua globalidade. E discut ir est a, repit a- se, significa pensar o proj et o global da sociedade. Enquant o a educação colonial t inha com o um de seus principais obj et ivos, ao lado da “ desafricanização” dos nacionais, a preparação de quadros subalt ernos para a adm inist ração, agora o im port ant e é a form ação do hom em novo e da m ulher nova, a que se associa a criação daquele novo t ipo de int elect ual a que ant es m e referi. E não é com o que a sociedade em reconst rução herdou do colonizador que ela poderá cum prir est a fundam ent al t arefa. A vigilância com o at it ude perm anent e num a sociedade que assim busca refazer- se t em , nest e dom ínio – o da cult ura, o da form ação de seu povo – não im port a o cam po em que est a se dê, um a dim ensão chave. " No plano da cult ura com o no da polít ica” , disse Cabral, “ a vigilância é indispensável” . * Por isso, qualquer descuido nest a vigilância pode vir a ser fat al ao proj et o da nova sociedade. E se est a, ao refazer- se, cam inha no sent ido do socialism o, necessit a, de um lado, de ir organizando o m odo de produção com vist as a est e obj et ivo; de out ro, de ir est rut urando sua educação em est reit a relação com a produção, quer do pont o de vist a da com preensão m esm a do processo produt ivo, quer do pont o de vist a da capacit ação t écnica dos educandos. Nest e sent ido, o hom em novo e a m ulher nova a que est a sociedade aspira não podem ser criados a não ser at ravés do t rabalho produt ivo para o bem - est ar colet ivo. Ele é a m at riz do * Am ílcar Cabral – Obra cit ada, pág. 324. conhecim ent o em t orno dele e do que dele desprendendo- se a ele se refere. I st o significa, perm it am - m e repet ir, que um a t al educação não pode t er um carát er selet ivo, o que a levaria, em cont radição com os obj et ivos socialist as, a fort alecer a dicot om ia ent re t rabalho m anual e t rabalho int elect ual. Pelo cont rário, im põese a superação dest a dicot om ia para que, na nova educação, a escola prim ária, secundária, universit ária, não se dist inga essencialm ent e da fábrica ou da prát ica produt iva de um cam po agrícola, nem a elas se j ust aponha. E m esm o quando, enquant o cont ext o t eórico, se ache fora da fábrica ou do cam po agrícola, ist o não signifique que ela sej a considerada com o um a inst ância superior aqueles nem que aqueles não sej am em si escolas t am bém . Num a visão dinâm ica, a da unidade da prát ica e da t eoria, a escola j am ais se define com o um a inst it uição burocrat icam ent e responsável pela t ransferência de um saber selet o. Nem t am pouco se define com o um " m ercado” de conhecim ent o. E preciso, porém , que a superação da dicot om ia ent re t rabalho m anual e t rabalho int elect ual, ent re prát ica e t eoria, se prolongue na superação igualm ent e da dicot om ia ent re ensinar e aprender e ent re conhecer o conhecim ent o hoj e exist ent e e criar o novo conhecim ent o. Com a superação dest as dicot om ias, a escola com o “ m ercado de conhecim ent o” cede seu lugar à escola com o “ Cent ro Dem ocrát ico” , a que faz referência o Cam arada Sam ora Machel * . E na escola com o Cent ro Dem ocrát ico desaparece, de um lado, o professor que t ransm it e aut orit ariam ent e um saber selet o; de out ro, o aluno passivo, que recebe o saber t ransferido. Em seu lugar, surgem o professor e o aluno m ilit ant es, de quem fala t am bém Machel. O professor que, ao ensinar, aprende e o aluno que, ao aprender, ensina. Num a educação com o est a, que coincide com um proj et o social que privilegia a presença cada vez m ais conscient e dos t rabalhadores cam poneses e urbanos na reconst rução da sociedade, a delim it ação do que conhecer, fiel a esse proj et o, deve cont ar com a part icipação dos educandos nela. I st o significa, sem dúvida, que as relações dialógicas, com o selo do at o de conhecer, ent re o professor e o aluno m ilit ant es, não se dão apenas em t orno de um obj et o de conhecim ent o propost o por aquele a est e, m as em t orno, t am bém , da própria delim it ação do que conhecer. Sem sacrificar em nada a organização do cont eúdo program át ico da educação, no que diz respeit o aos t em as fundam ent ais à sociedade em reconst rução, a part icipação dos educandos naquela t arefa é * Sam ora Machel – " Fazer da escola um a base para o povo t om ar o poder” , Cadernos Cult ura Popular, 5, l974. I . Est udant es do Liceu de Bissau part icipando do t rabalho produt ivo. ( Fot o do Cent ro Áudio- Visual, Guiné- Bissau) indiscut ivelm ent e form adora. Além do m ais, é um direit o deles, enquant o m ilit ant es, o de t er voz na delim it ação do que 1hes cabe conhecer para m elhor servir à colet ividade. Assim , ao colocar- nos a quest ão da delim it ação do que conhecer, na Guiné- Bissau, ao nível básico da alfabet ização de adult os e da pós- alfabet ização, colocam os t am bém o problem a de am bas num a linha de m assas. I st o é, num a linha em que est as, m obilizadas, assum em , desde o com eço m esm o do processo perm anent e de sua form ação, o papel de suj eit os dest e processo. Nest e sent ido, a alfabet ização em que a pós- alfabet ização se vai gerando é, desde o principio, um t rabalho com as m assas e não sobre elas. Assim com o na escola com o " Cent ro Dem ocrát ico” a part icipação do educando m ilit ant e, e não privilegiado, na organização do program a de est udo, em nada deve sacrificar os obj et ivos fundam ent ais do proj et o da Sociedade, na alfabet ização e na pósalfabet ização de adult os o m esm o se deve verificar. E a concret ização dest es obj et ivos dem anda a clareza em t orno das relações, j á cit adas nest a cart a, ent re a educação, de que a alfabet ização de adult os é um a dim ensão, e a produção. Est as relações se fazem m ais t ransparent es na m edida em que se define o proj et o global da sociedade, que envolve o para que produzir, o que produzir, o com o produzir, que, por sua vez, im plica na m aneira com o se dão as relações sociais de produção e o papel que nela j oga o t rabalhador, e o para quem produzir. Num a perspect iva capit alist a, os fat ores de produção – m eios de produção de um lado, t rabalhadores de out ro – se com binam em função do capit al. Part e da acum ulação, que result a da " m ais- valia” – o que deixa de ser pago ao t rabalhador que vende sua força de t rabalho ao capit alist a – é usada no bem - est ar dest e e out ra part e na com pra de m ais força de t rabalho e de m ais m eios de produção que, com binados, produzem m ais m ercadorias necessariam ent e vendáveis. É que, do pont o de vist a capit alist a, o que int eressa não é a produção de um valor de uso, m as a de um valor de uso que t enha um valor de t roca, ist o é, que sej a um a m ercadoria vendável. Mais ainda, a produção de “ um a m ercadoria cuj o valor cubra e supere a som a dos valores das m ercadorias invert idas em sua produção, quer dizer, dos m eios de produção e da força de t rabalho” . * O que o t rabalhador recebe com o salário pelo esforço despendido no at o produt ivo e que corresponde a um m ínim o apenas dest e esforço se dest ina a seus “ m eios de vida” e à sua reprodução com o classe assalariada. Expropriado do produt o de sua força de t rabalho, o t rabalhador não t em nada que ver, por out ro lado e por isso m esm o, com a det erm inação do que deve ser produzido. E na m edida em que um a quant idade significat iva do que se produz não corresponde às reais necessidades dos indivíduos, é preciso invent á- las. Por isso é que se equivoca, t ot alm ent e, a sociedade que, refazendo- se em busca do socialism o, se deixa fascinar pelo m it o do consum ism o. Se cam inha * Karl Marx – El Capit al, Fondo de Cult ura Económ ica, México, vol. I , pág. 138; nest a direção, não im port a que j á não haj a um a classe capit alist a, seu obj et ivo será produzir valores de t roca, ist o é, m ercadorias vendáveis. Acont ece que o socialism o é algo bem dist int o de um " capit alism o sem capit alist as” . * * “ Com pre o que você j á t em ” seria um a form a caricat ural de perfilar a sociedade capit alist a, cham ada de consum o. O papel que a propaganda j oga nest a sociedade, em que a alienação da consciência é cada vez m aior, t eria de ser fundam ent al. Não necessit am os de propaganda para convencer- nos de com prar feij ão, pão, arroz, m as precisam os de propaganda para com prar est e ou aquele t ipo de perfum e e at é m esm o para com parar est e ou aquele t ipo de arroz, apenas com em balagem diferent e. Se a produção se orient a no sent ido do bem - est ar colet ivo e não do lucro do capit alist a, privado ou est at al, a acum ulação, indispensável ao desenvolvim ent o, t em um a significação e um fim t ot alm ent e dist int os. Agora, num a perspect iva socialist a, o que se deixa de pagar ao t rabalhador j á não é um a usurpação, m as a quot a que ele dá ao desenvolvim ent o da colet ividade, e o que se deve produzir com est a quot a não é um a m ercadoria que se define por ser vendável, m as o socialm ent e necessário. Para ist o, é preciso que a sociedade que se reconst rói revolucionariam ent e, ao superar a dicot om ia t rabalho m anual t rabalho int elect ual, se vá const it uindo, t oda ela, com o um a sociedade de t rabalhadores, cuj a liderança, ao recusar, de um lado, qualquer form a de espont aneísm o, recusa, de out ro, enrij ecer- se burocrat icam ent e. Num a sociedade capit alist a, t ão m enos consciência polít ica, enquant o consciência de classe, t enham os t rabalhadores, m elhor, do pont o de vist a da classe dom inant e. Num a sociedade revolucionária, que visa ao socialism o, pelo cont rário, quant o m ais consciência polít ica t enham os indivíduos enquant o recriadores de um a sociedade que se vai t ornando um a sociedade de t rabalhadores, t ant o m ais crit icam ent e se engaj am no esforço produt ivo. Nest e sent ido, sua consciência polít ica é fat or t am bém de produção. Dai que, no prim eiro caso, se fale t ant o da neut ralidade da educação e a capacit ação do t rabalhador sej a feit a em t orno apenas de um saber com o fazer, considerado igualm ent e neut ro. Num a sociedade capit alist a, a educação do t rabalhador visa à sua reprodução enquant o classe assalariada, que é obrigada a vender sua força de t rabalho à classe capit alist a. A educação que o reproduz com o classe deve capacit á- lo para ser m ais e m ais eficient e no processo de t rabalho * . Processo, com o salient a Marx, ** * Sam ir Am im – k'logie du Socialism e, Edit ions Ant hropos, Paris. Com isto, porém, não quero dizer que a educação do trabalhador, nas sociedades capitalistas, se oriente no sentido de tornar possível uma compreensão global do processo produtivo, na medida mesma em que tal compreensão não é indispensável à eficiência do trabalhador no sistema capitalista. Pelo contrário, "quanto mais a ciência é incorporada ao processo de trabalho, tanto menos o trabalhador entende o processo; quanto mais a m áquina se t orna um produt o int elect ual sofist icado, t ant o m enos cont role sobre ela e com preensão dela t em o t rabalhador. Em out ras palavras, quant o m ais o t rabalhador necessit a de conhecer no sent ido de perm anecer um ser hum ano no t rabalho, t ant o m enos conhece” . Harry Brauerm an, Labor and Monopoly Capit al – The degradat ion of work in t he t went iet h cent ury, Mont hly Review Press, Nova York e Londres, l974, pág. 425 “ ent re obj et os com prados pelo capit alist a, ent re obj et os que lhe pert encem ” . * * A força de t rabalho, de um lado; os m eios de produção, de out ro. Quant o m ais rent avelm ent e se com binem aquela e est es, na produção de valor de t roca, ist o é, da m ercadoria vendável, m elhor. A educação a serviço dest a' com binação rent ável não pode t er, obvia- m ent e, com o obj et ivo desvelar o seu carát er alienador. O que ela t em de fazer, por ist o m esm o, é ocult á- lo, reduzindo o processo form ador à t ransferência daquele saber com o fazer, t om ado com o neut ro. Est e é, apenas, um dos im port ant es aspect os das relações ent re educação e produção na sociedade capit alist a. Na sociedade que se reconst rói na linha do socialism o, pelo cont rário, fundando- se na nova realidade m at erial que vai t om ando form a, a educação deve ser em inent em ent e desveladora e crit icizant e. Nest e sent ido, é t ão cont radit ório que um a t al sociedade se orient e no sent ido do consum ism o a que ant es m e referi, ou da rigidez burocrát ica, com o cont radit ório é que se est abeleça um sist em a educacional aut orit ário e prescrit ivo, filho, nest e caso, da própria rigidez burocrát ica. Sist em a educacional em que não há o clim a necessário para a encarnação do educador e do educando m ilit ant es, no sent ido ant ênt ico em que os define Sam ora Machel. Nest a alt ura, num a aparent e digressão, gost aria de fazer alguns com ent ários em t orno da experiência brasileira de alfabet ização de adult os de ant es do golpe de est ado de 1964 e da experiência chilena, nos governos da Dem ocracia Crist ã e da Unidade Popular. Talvez est es poucos com ent ários nos aj udem a clarificar m elhor alguns pont os cent rais sobre que est am os e est arem os conversando nest a cart a. A experiência brasileira se deu no quadro de um regim e populist a em que se aproveit avam , de um lado, os espaços livres que ele oferecia; de out ro, a fort e m ot ivação das m assas populares urbanas e, em cert as áreas, rurais, pela alfabet ização. Ent re est as áreas, principalm ent e aquelas em que os cam poneses se experim ent avam conflit ivam ent e, em penhados na reivindicação da t erra ou m esm o da m elhora salarial. As Ligas Cam ponesas são um exem plo, sobret udo no Nordest e brasileiro, da inquiet ude dos cam poneses e de seu ânim o de organizar- se. É preciso que se diga, porém , que não foi nenhum a cam panha de alfabet ização de adult os que fez nascer as Ligas Cam ponesas, nem est as surgiram com as caract eríst icas de lut a com que as conheci, m ais ou m enos de pert o, no t em po em que coordenei, a nível nacional, a cam panha de alfabet ização de adult os. Foi a experiência dos cam po- neses, inicialm ent e associando- se para a solução de problem as vit ais, ent re eles o do próprio sepult am ent o de seus m ort os, que os levou a um a prát ica m ais e m ais polít ica. Foi est a prát ica, sem dúvida, que se foi fazendo m ais e m ais polít ica e que os engaj ou, m ais t arde, na lut a pela reivindicação da t erra e da m elhoria salarial, que ** Karl Marx – Obra cit ada, Vol. I , pág. l37. t erm inou por dar sent ido à alfabet ização. Est a aparece, assim , com o algo necessário à sua lut a, m esm o que não se t ivesse verificado qualquer alt eração nas relações sociais de produção e precisam ent e por causa dist o. Para m uit os, a alfabet ização era vist a, nest as circunst âncias, com o um inst rum ent o a m ais na efet ivação da t ransform ação daquelas relações. As duas grandes greves de t rabalhadores rurais de Pernam buco, em 1963, a prim eira com 83.000 e a segunda com 230.000 grevist as, são um exem plo indiscut ível dest e fenôm eno. Dest a form a, a t ônica da cam panha de alfabet ização no Brasil era em inent em ent e polít ica. I nt eressava- nos, nas condições hist óricas em que est ávam os, est abelecer um vínculo absolut am ent e est reit o ent re a alfabet ização e a consciência polít ica das m assas populares. Daí que, no cont ext o da experiência brasileira, as relações ent re a alfabet ização de adult os e a produção se t enham expressado na crit ica ao m odo de produção capit alist a, que, caract erizando o pais com o um t odo, é preponderant e nos cent ros urbanos, e na análise crit ica das relações sociais de produção, nas áreas rurais. Não poderia est ar em nossa cogit ação relacionar a alfabet ização de adult os à produção no sent ido de um a capacit ação t écnica dos alfabet izandos, por m ot ivos óbvios. Foi por ist o t am bém que a cam panha brasileira, sem deixar de ser nacional, est abelecia, porém , prioridades. Ent re at uar num a área em que a consciência popular se encont rasse “ im ersa” e nout ra cuj a rebelião popular fosse visível, não havia com o hesit ar. A segunda seria a escolhida. No caso do Chile, a cam panha de alfabet ização se dá em dois m om ent os dist int os. No prim eiro, nos m arcos do governo reform ist a burguês da Dem ocracia Crist ã. No segundo, no governo da Unidade Popular, que pret endia a criação de um a Sociedade Socialist a. Em am bos os casos, na experiência chilena a alfabet ização est eve associada à produção, do pont o de vist a da capacit ação t écnica dos alfabet izandos, com visões polít icas necessariam ent e opost as. Talvez, de m aneira um pouco ligeira, pudesse dizer que, no caso brasileiro, em grande part e, a m ot ivação pela alfabet ização ent re as m assas populares est ava ligada ao desej o de m udança, m esm o que a visão dest a fosse vaga e im precisa. No caso do Chile, na prim eira et apa, a do governo dem ocrat a crist ão, a m ot ivação pela alfabet ização se associava ao aprofundam ent o das reform as realizadas – com o a reform a agrária – que, por sua vez, davam à alfabet ização de adult os um carát er de necessidade funcional. Necessidade que, m udando de qualidade, se est ende e se int ensifica no período da Unidade Popular. Não foram raros os cam poneses chilenos que, em conversa com igo ou nas discussões nos Círculos de Cult ura, falavam das razões bem concret as que os t inham levado a alfabet izar- se. I nsist iam sem pre em que ant es da reform a agrária não t inham por que aprender a ler e a escrever, m esm o que um " pat rão m ais com preensivo” o proporcionasse, pois que nada t eriam que “ fazer com as let ras” . O caso da Guiné- Bissau é diferent e, m as problem át ico t am bém . I ndiscut ivelm ent e, a guerra de libert ação, com o “ um fat o cult ural e um fat or de cult ura” ( Am ílcar Cabral) , foi a grande part eira da consciência popular. Não foi por acaso que os cam aradas do Círculo de Cult ura que visit am os, Elza e eu, ao discut irem sobre a lut a, diziam que “ a lut a de hoj e é a m esm a de ont em com algum as diferenças. Ont em , diziam eles, com arm as nas m ãos, buscávam os expulsar o invasor. Hoj e, com arm as nas m ãos, vigilant es, a nossa lut a é a lut a pela produção para a reconst rução de nosso País” . Lem bro- m e t am bém de que, na m esm a reunião, um out ro cam arada dizia que a lut a pela produção, que deve ser feit a at ravés do t rabalho de t odos, insist ia ele, exige um t ot al desprendim ent o, em função do int eresse colet ivo, que deve est ar acim a dos int eresses individuais. Mas, m esm o adm it indo- se que a consciência polít ica da grande m aioria da população do país corresponda ao nível da clareza revelada nas cit ações que acabo de fazer, devido à lut a pela libert ação, rest a um problem a sobre que t erem os de pensar, no set or das relações ent re a educação e a produção. Um problem a fundam ent al que t em que ver não só com a organização do cont eúdo program át ico da alfabet ização e da pós- alfabet ização, para ficar só nest e cam po, m as t am bém com a própria validade do esforço alfabet izador. Refiro- m e ao fat o de se j á houve ou de se est á havendo, e at é que pont o, alt erações nas relações sociais de produção no país. Alt erações que, necessariam ent e, darão um a nova dim ensão ao aprendizado da leit ura e da escrit a e à cont inuidade dest e aprendizado, que se vai am pliando e aprofundando. No caso brasileiro, com o disse ant es, a alfabet ização, em áreas rurais, sem que t ais alt erações t ivessem ocorrido, só t inha sent ido para aquelas populações cam ponesas que, envolvidas em sit uações conflit ivas, viam nela um inst rum ent o a m ais para a sua Jut a. Est a no é a circunst ância da Guiné- Bissau, cuj o povo t eve, na guerra de libert ação, o que nenhum a cam panha de alfabet ização lhe t eria oferecido. Na Guiné- Bissau, hoj e, a alfabet ização e a pós- alfabet ização de adult os, em inent em ent e polít icas, é claro, necessit am de um pont o de referência m at erial, em t ransform ação, capaz de perfilá- las j unt o às grandes m aiorias nacionais com o algo im port ant e e significat ivo. Em out ras palavras, é preciso que est as grandes m aiorias t enham realm ent e necessidade de ler e de escrever, o que não é de se esperar, se o cont ext o concret o cont inua funcionando t radicionalm ent e. Mesm o nas ant igas “ regiões libert adas” , em que as populações cam ponesas est iveram diret am ent e em penhadas na lut a de libert ação, part icipando do esforço produt ivo, com que asseguravam a alim ent ação das t ropas, e dos t rabalhos educat ivos realizados pelo PAI GC, problem a idênt ico, m e parece, se põe. Um a coisa, pois, é ligar a alfabet ização de adult os e a pósalfabet ização à produção num a área em que as relações sociais de produção com eçam a t ransform ar- se, com vist as a um m odo de produção socialist a, em que se im plant am , de baixo para cim a, cooperat ivas com est e espírit o, e out ra é t ent ar a m esm a ligação sem que est as condições m at eriais exist am . No prim eiro caso, a alfabet ização e a pós- alfabet ização at endem a um a necessidade real. Modificado o cont ext o, sua t endência é dinam izar- se cada vez m ais, do que result a, de um lado, um a m udança, ainda que não aut om át ica, na m aneira de os indivíduos perceberem sua realidade; de out ro, a am pliação dos horizont es de sua curiosidade. Dest a form a, m uit a coisa que, no cont ext o t radicional, não t inha sent ido, por falt a de funcionalidade, passa a im por- se, no cont ext o em t ransform ação. É assim que as m argens para o analfabet ism o regressivo se lim it am ao m ínim o norm al. No segundo caso, pelo cont rário, as possibilidades de insucesso acom panham o esforço alfabet izador desde o com eço e as m argens para o analfabet ism o regressivo são enorm es. I st o não é pura opinião, m as a const at ação de um fat o que se vem verificando nas m ais diferent es experiências de alfabet ização de adult os, onde quer que est a se realize. E em razão dest e fat o que nos parece que a cam panha de alfabet ização de adult os na Guiné- Bissau, m esm o que sej a nacional, deveria, porém , com eçar * nas áreas em processo de t ransform ação e, possivelm ent e, naquelas que, segundo os planos do Governo e a polít ica do Part ido, em breve espaço de t em po passariam a sofrer, igualm ent e, cert os câm bios. Nest a hipót ese, a alfabet ização poderia inclusive est im ular a m udança. Percebe- se assim , m ais um a vez, a im port ância da Com issão I nt ercom issarial que o Cam arada Mário Cabral pret ende criar e que, em est reit a relação com o Governo e o Part ido, deveria t raçar as linhas gerais da polít ica a ser seguida pela cam panha de alfabet ização. Com eçar a cam panha por est as áreas, cuj as condições m at eriais est ão dando- se, além de não afet ar em nada o seu carát er nacional, assegura o seu êxit o. Sem se perder de vist a o proj et o global da sociedade, as condições locais das áreas por onde se com ece o t rabalho devem est ar bem present es, quando da delim it ação do que conhecer, ist o é, da organização do cont eúdo program át ico da alfabet ização, que se alonga na pós- alfabet ização. É a part ir das condições locais que se vai alcançando o m ais geral. Assim , a t em át ica im plícit a em cada palavra geradora deve proporcionar a possibilidade de um a análise que, part indo do local, se vá est endendo ao regional, ao nacional, ao cont inent al e, finalm ent e, ao universal. Princípio m et odológico a ser igualm ent e aplicado na pósalfabet ização. Sem out ra int enção senão a de exem plificar, poderíam os t om ar a palavra geradora arroz, cuj a significação para a Guiné- Bissau é * Quando digo com eçar m e refiro ao t rabalho a ser desenvolvido pelas FARP, após o esforço realizado ent re elas e a que se j unt a o que se vem fazendo em cert os set ores urbanos de Bissau . indiscut ível, e ver com o, a part ir da riqueza t em át ica a ela referida, se poderia organizar grande part e do cont eúdo program át ico, não som ent e da alfabet ização de adult os, m as da pós- alfabet ização, da escola prim ária e m esm o da secundária. Num t al esforço, nat uralm ent e, a equipe que a ele se ent regasse est aria at ent a quant o aos princípios gerais da polít ica do Part ido e do Governo – o proj et o da sociedade, que ilum ina, com o sublinhei ant es, o que conhecer, o com o, o para que, o em favor de que e quem conhecer, bem com o o que produzir, o com o, o para que e o para quem produzir. Sem m e preocupar com a indicação de t odas as áreas t em át icas associadas à palavra arroz, nem t am pouco preocupar- m e com a sua sequência rigorosam ent e ordenada, indicarei algum as delas que, necessariam ent e, se referem a out ras t ant as, não sugeridas aqui. A t em át ica de cada um a das unidades de aprendizagem ou de conhecim ent o que apresent arei, repit o, em carát er puram ent e exem plificador, seria ordenada, cert am ent e de m aneira diferent e e m uit íssim o m ais com plet a, se t rat ada por um a equipe int erdisciplinar, preponderant em ent e nacional. E seria, por out ro lado, enriquecida de m at izes que nos passam despercebidos quando subm et ida ao debat e dos educandos que dariam assim sua cont ribuição à organização do cont eúdo program át ico de sua própria educação. Com o int rodução ao est udo das diferent es unidades program át icas, relacionadas ent re si, em t orno do arroz, se poderia analisar as relações ent re os seres hum anos e a nat ureza, t om andose sem pre, com o pont o de referência, a realidade concret a dos educandos e sua prát ica nest a realidade. Tal análise envolve a clarificação de um a série de pont os im port ant es, a alguns dos quais, apenas, farei referência. O t rabalho é um deles. A análise do t rabalho, a part ir da com preensão do t rabalho concret o que realizam os indivíduos e não a part ir da idéia de t rabalho. A discussão em t orno do t rabalho, que “ é, em prim eiro lugar, um processo ent re a nat ureza e o hom em , processo em que est e realiza, regula e cont rola, por m eio de sua própria ação, seu int ercâm bio de m at éria com a nat ureza” * , abre, por sua vez, a possibilidade ao debat e em t orno da cult ura, que, em si, const it ui um a unidade de est udo das m ais im port ant es. A cult ura e a ident idade nacional. As posit ividades e as negat ividades dest a cult ura. A necessidade de superação das últ im as, que Cabral cost um ava cham ar de “ fraquezas” da cult ura. A cult ura e a produção do arroz. A cult ura e a saúde. A cult ura e a com ida. A cerâm ica, a escult ura em m adeira, a dança. A invasão cult ural. A alienação cult ural. Por out ro lado, a análise, ainda, do t rabalho, viabiliza o est udo de seu processo, de sua organização social. O est udo dos diferent es m odos de produção: o pré- capit alist a, o capit alist a, o socialist a. Tudo ist o, obviam ent e, de um a form a sim ples. Nem sim plist a, nem sofist icada. * Karl Marx – Obra cit ada, Vol. I , pág. 130 Gost aria, nest a alt ura, de sublinhar alguns pont os. Prim eiro, que o fat o de ser est a um a t em át ica int rodut ória, não significa, de m aneira algum a, que não est ej a present e t am bém , na discussão das unidades que se seguem . Segundo, que na sua discussão, que im plica na elaboração de m at eriais áudio- visuais os m ais variados, não se deve fazer nenhum a concessão às arrancadas orat órias e verbalist as. Finalm ent e, m e parece im port ant e salient ar que a posição, nem sem pre explícit a, segundo a qual um a t al t em át ica, por “ ser dem asiado t eórica, não int eressa aos t rabalhadores cam poneses e urbanos nem por eles pode ser percebida” , im plicit ando um a falsa visão da t eoria, é em inent em ent e elit ist a. Am ílcar Cabral, em verdadeiros sem inários de capacit ação para m ilit ant es, analisou t em as de alt a relevância prát ico- t eórica, de m aneira realm ent e concret a e obj et iva. Jam ais m inim izou a capacidade de conhecer de seus cam aradas cam poneses. E que a afirm ação de Am ílcar de que o int elect ual pequeno- burguês precisa t er a coragem de suicidar- se com o t al para, renascendo com o t rabalhador revolucionário, poder dar um a cont ribuição real à lut a de libert ação, não era nele um a frase feit a, um j ogo ret órico de palavras. Am ílcar Cabral falou do que fazia. Daí que j am ais se t ivesse adm it ido com o possuidor exclusivo da verdade e do conhecim ent o revolucionário que ele devesse, no m áxim o, num gest o m om ent âneo de desprendim ent o, oferecer, com o present e, a seus cam aradas cam poneses. Pelo cont rário, com o t odo verdadeiro revolucionário, Cabral foi sem pre um educador- educando de seu povo, de quem era, ao m esm o t em po, por isso m esm o, um aprendiz const ant e. Suas análises sobre “ o papel social do cam pesinat o” , sobre a “ unidade e a lut a” , sobre a “ realidade” , para cit ar som ent e est as, são um exem plo do que acabo de afirm ar. Por out ro lado, m inha prát ica há bast ant e t em po no Recife com eçou, não propriam ent e no dom ínio da alfabet ização, m as no da pós- alfabet ização, não im port ando, num aparent e paradoxo, se os part icipant es dos Círculos de Cult ura eram alfabet izados ou não. Prát ica em que alguns dos t em as aqui referidos foram discut idos por sugest ão dos próprios part icipant es. No decorrer de m inha prát ica é que percebi a origem da surpresa que m e assalt ava, nos com eços dela, diant e das posições crít icas que operários desescolarizados assum iam na análise de t em as, at é ent ão para m im considerados com o exclusividades de universit ários. Minha surpresa t inha sua origem na m inha posição de classe, agravada por m inha form ação universit ária, t alvez dissesse m elhor, por m eu t reina- m ent o universit ário elit ist a. Foi a part ir dos result ados daqueles prim eiros t rabalhos que m e dediquei à alfabet ização de adult os, não hesit ando em propor, com o int rodução ao aprendizado da leit ura e da escrit a, um a unidade sobre a com preensão crit ica da cult ura. Vej am os agora algum as das possíveis unidades t em át icas, ligadas ent re si, em t orno da palavra arroz e alguns de seus t em as. PRODUÇÃO DO ARROZ Geografia do arroz Polít ica do arroz Hist ória do arroz Saúde e arroz Produção do arroz: A produção do arroz na Guiné- Bissau, part indo- se da análise dest a, na área em que se est ej a t rabalhando na et apa da alfabet ização ou da pós- alfabet ização. As relações sociais de produção. Técnicas agrícolas para a sem eadura e a colheit a do arroz – em áreas m olhadas ou secas. Preparação das áreas a serem cult ivadas. Técnicas t radicionais; t écnicas m odernas. Problem as fit opat ológicos. A visão cult ural dos diferent es grupos ét nicos, seus inst rum ent os de t rabalho, suas t écnicas. Análise com parat iva ent re a cult ura do arroz e out ras cult uras necessárias à reconst rução do país: o am endoim , o m ilho, a bat at a doce, a m andioca, o caj u. Agricult ura e indúst ria. Produção e dist ribuição dos produt os agrícolas. Hect ares plant ados e produção por hect are. Medidas necessárias para aum ent ar as áreas cult ivadas e para int ensificar a produt ividade por hect are. O papel do arroz na econom ia geral do país. A dist ribuição int erna do arroz e sua com ercialização ext erna. Os m ecanism os do com ércio ext erno. As divisas e a reconst rução do país. Defesa dos int eresses nacionais. As cooperat ivas de produção et c. Geografia: A geografia do arroz na Guiné- Bissau, part indo- se, com o sem pre, da área em que se t rabalha na alfabet ização ou na pós- alfabet ização. A geografia int ernacional do arroz. Polít ica: A polít ica do Part ido e do Governo com relação ao arroz e à produção geral do país. Defesa dos int eresses nacionais et c. Hist ória, O arroz na Guine- Bissau. O arroz nas out ras regiões do m undo. Saúde: Arroz, nut rição e saúde. Saúde e t rabalho. Saúde e educação. Saúde, t rabalho, educação e o esforço de reconst rução do país. Ant es de finalizar, gost aria de fazer alguns com ent ários adicionais sobre cert os aspect os do dinam ism o de um esquem a com o est e, ou sem elhant e a ele, cuj a realização, bem sei, coloca um a série de problem as e dificuldades. O prim eiro aspect o que sublinharei é a possibilidade que se t em , por exem plo, de, ao est udar- se a geografia do arroz, est udar- se a geografia do país; ao est udar- se a hist ória do arroz, discut ir- se a hist ória do país, a hist ória das prim eiras resist ências ao invasor; a hist ória da lut a pela libert ação; a hist ória que se faz hoj e, a da reconst rução do país para a criação de um a nova sociedade. Ao est udar- se, finalm ent e, a Guiné- Bissau, nos m ais variados e int erligados ângulos, sit uá- la no cont ext o africano e est e no m undial. Out ro aspect o im port ant e é o papel at ivo que devem t er os part icipant es dos Círculos de Cult ura, desde o m om ent o m esm o das prim eiras discussões, quando da apresent ação do pré- program a, com o proj et o de t rabalho. O papel at ivo que indivíduos e grupos de indivíduos devem t er, se aceit o o proj et o, na colet a de cert os dados locais, referent es a cert os pont os do program a. Dados locais sobre a cult ura do arroz ( na área) , sobre o m odo com o se faz est a cult ura, sobre o núm ero de hect ares cult iváveis e em cult ivo, sobre as dificuldades com que se defront am os cam poneses no seu t rabalho diário, sobre o núm ero de habit ant es da Tabanca, sobre a dist ribuição, sobre as vias de com unicação, sobre os inst rum ent os de t rabalho, sobre a saúde, a educação et c. At ividade invest igadora alt am ent e form adora, cuj os result ados aum ent am o conhecim ent o dos educadores ou lhes fornecem est es conhecim ent os. Mais ainda, cuj os result ados se const it uem num apor- t e de inest im ável valor para o Part ido e o Governo, que deles devem ser int eirados. No Chile foram realizados proj et os assim , em que os cam poneses faziam o diagnóst ico sócio- cult ural de suas com unidades, responsabilizando- se, inclusive, pelo t abelam ent o dos dados obt idos. O esquem a apresent ado, a t ít ulo de exem plo, gira em t orno da palavra arroz, com o poderia est ar referido à palavra m ilho, à palavra am endoim et c. Durant e a et apa da alfabet ização, a análise dest a t em át ica com o da t em át ica referida às dem ais palavras geradoras, ligadas sem pre a problem as concret os, locais, regionais, nacionais, é, necessariam ent e, um a análise int rodut ória. Seu aprofundam ent o vai se dar, exat am ent e, na pós- alfabet ização. Nest e sent ido é que est a é, com o ficou dit o no com eço dest a cart a, a cont inuidade aprofundada e diversificada do m esm o at o de conhecim ent o que se inicia naquela. I nsist a- se em que a post a em prát ica de um proj et o com o est e ou de algo sem elhant e, no cam po da alfabet ização e da pósalfabet ização, coloca problem as realm ent e sérios no set or de sua organização, t ant o quant o possível descent ralizada, no da capacit ação dos educadores, no da preparação do m at erial didát ico necessário. Na verdade, porém , na m edida em que pret endem os um m ínim o de eficiência no est abelecim ent o das relações ent re a alfabet ização, a pós- alfabet ização e a produção, devem os est ar advert idos de que os desafios, nem sem pre fáceis de serem respondidos, que t erem os de enfrent ar são m últ iplos e variados. O da capacit ação dos educadores m ilit ant es é um deles. Educadores que se encont rarão em diálogo com os educandos m ilit ant es, m ediat izados pela realidade que j unt os devem t ransform ar e conhecer. Com o um t odo, as relações ent re a educação ( alfabet ização- pósalfabet ização) e a produção envolvem dois níveis presos ent re si. O da com preensão do processo m esm o da produção – o que produzir, com o produzir, para que e para quem produzir – e o da int rodução de novas t écnicas de t rabalho, que im plicam em novos inst rum ent os e no seu uso. Se considerarm os apenas est es dois pont os que, em si, obviam ent e não esgot am o universo da capacit ação dos educadores m ilit ant es, percebem os quão sério e com plexo é o desafio que t em os t odos. O im port ant e, na respost a a ele, é que, conscient es de sua seriedade e de sua com plexidade, evit em os, porém , cair na t ent ação do perfeccionism o. Façam os hoj e o m elhor com o m ínim o de que dispom os. Só assim nos será possível fazer am anhã o que hoj e não pode ser feit o. Com o abraço frat ernal de Paulo Freire J. Am ílcar Cabral com um a criança nos braços. ( Publicação Aut orizada pelo Com issariado de I nform ação e Turism o da República da Guiné- Bissau) Genebra, 3 de fevereiro de 1976 Engenheiro Mário Cabral Com issariado do Est ado para Educação e Cult ura Bissau Cam arada Mário, A est a alt ura, você j á deve t er recebido a cart a que Miguel lhe enviou, á propósit o de nossa próxim a visit a. Tenho a sat isfação de rem et er- lhe cópia de m ais um a cart a dirigida à equipe, at ravés da cam arada Mônica e em respost a à que ela m e fez, pondo- nos a par de um a série de at ividades realm ent e significat ivas no set or da alfabet ização e da pós- alfabet ização, no seio das FARP. At ravés de Mônica soubem os da criação da Com issão Nacional, com a qual m e parece im port ant e que nos encont rem os quando de nossa est ada ai. Creio indispensável debat er com ela alguns aspect os, pelo m enos, da problem át ica geral da alfabet ização, da pós- alfabet ização e de suas necessárias conexões com o sist em a educacional do país, bem com o as relações dest e sist em a com o proj et o global da sociedade que se busca criar. Aspect os a que m e referi na últ im a cart a à equipe, de que t am bém lhe m andei cópia. Ansioso por est ar aí com t odos vocês, vai aqui o abraço frat ernal do Paulo Freire Genebra, 3 de fevereiro de 1976 ( Cart a n° 4) Cam arada Teresa Mônica. Acabo de receber sua cart a e m e apresso em escrever- lhe algo, m esm o que est ej am os às vésperas de nossa próxim a visit a à Guiné, quando, espero, poderem os discut ir, em equipe, os pont os a que você se refere, de m aneira, t alvez, m ais aprofundada. Hoj e farei apenas uns poucos com ent ários – prim eiras reações – aos aspect os cent rais de sua cart a. O prim eiro deles diz respeit o à pós- alfabet ização, sobre que m e est endi um t ant o na últ im a cart a e em que pret endi enfat izar, sobret udo, que a pós- alfabet ização é a cont inuidade aprofundada e diversificada do m esm o at o de conhecim ent o que se inicia na alfabet ização. Tant o quant o pude perceber, at ravés de sua cart a, vocês est ão realizando algo int eressant e no dom ínio da pós- alfabet ização, m esm o que 1he pareça, num a posição crít ica elogiável, que nem t udo o que est ão fazendo os convença de t odo. A idéia do livro básico, a ser usado pelos “ coordenadores” , em sem inários de capacit ação para a pós- alfabet ização e a cuj os diferent es t ext os vocês pensam j unt ar considerações ou análises no cam po da linguagem e da iniciação cient ífica, “ a um nível perfeit am ent e viável à m aioria dos alfabet izandos” que dom inarem a prim eira et apa do processo de sua aprendizagem , m e parece realm ent e boa. A est e propósit o gost aria, cont udo, de fazer dois com ent ários. Devo insist ir, porém , que o prim eiro dest es com ent ários de m odo nenhum encerra um a crít ica ao proj et o de vocês. Ao fazê- lo, é com o se est ivesse sim plesm ent e pensando alt o. E o segundo é um a indagação que se alonga em sugest ão. Quando, referindo- se ao livro para os coordenadores você diz: “ Para cada t ext o ( do livro) explorar um cont eúdo gram at ical e cient ífico a um nível de 4ª classe” , t em o que a equipe se deixe m arcar pela concepção m esm a da escola prim ária t radicional, t om ada com o acesso necessário à secundária, que, por sua vez, é vist a com o int rodução à superior, no m om ent o inexist ent e na Guiné- Bissau. É possível que o m eu com ent ário não t enha nada que ver com a int enção da equipe m as m e parece im port ant e debat er est e pont o. Mais um a vez vem os com o não é possível pensar a alfabet ização e a pós- alfabet ização desgarradas do sist em a educacional global e com o, at ravés de m edidas concret as, realist as, é t ão indispensável quant o urgent e que ele sej a reform ulado. Nout ro m om ent o de sua cart a você se refere a est a relação ent re a alfabet ização, a pósalfabet ização e o sist em a educacional, quando fala da quest ão do ensino do port uguês e do creoulo. Tent ando clarificar m elhor o m eu receio, o que m e leva a um cert o ret orno à cart a ant erior, diria que devem os evit ar, desde j á, qualquer t ipo de equivalência form al e, pior ainda, legal, ent re o cont eúdo program át ico da alfabet ização e da pós- alfabet ização e os diferent es graus da escola t radicional que, quant o m ais cedo sej a subst it uída por um novo m odelo, condizent e com o proj et o global da nova sociedade, m elhor. * O im port ant e, na verdade, é que o alfabet izando se engaj e num at o de conhecim ent o que se vai aprofundando e diversificando em função de sua at ividade produt iva, sem t er diant e de si o m it o de um a escola secundária em que se “ prom ova” e que alcançará se sat isfizer as exigências curriculares da prim ária, durant e a experiência da alfabet ização e da pós- alfabet ização. Nest e sent ido, o fundam ent al é que o novo sist em a educacional, a em ergir da prát ica social que se dá no país, não sej a algo piram idal - um a t ot alidade que se com ponha de parcialidades cuj a “ vocação” ou razão de ser sej a selecionar os educandos para encam inhá- los à et apa post erior. Dest a form a, a educação cham ada prim ária, enquant o “ província” do sist em a t ot al, m esm o que m ant enha relações com as dem ais, não é, porém , concebida com o um a “ est rada” que conduz a um pont o superior. Discut indo o sist em a educacional que deve est ar a serviço do proj et o socialist a t anzaniano, diz o President e Nyerere em seu excelent e t rabalho " Educat ion for Self- Reliance” : ...“ a educação dada em nossas escolas prim árias deve ser um a educação com plet a em si m esm a. Não deve cont inuar a ser um a sim ples preparação para a escola secundária. Em lugar, cont inua Nyerere, de as at ividades da escola prim ária est arem volt adas ao exam e com pet it ivo que seleciona os poucos que vão à escola secundária, devem ser a preparação para a vida que a m aioria das crianças viverá” . * Cieio ser int eressant e aclarar, m esm o num rápido com ent ário que, no pensam ent o de Nyerere, “ preparat ion for t he life” não t em a m esm a significação ingênua segundo a qual a escola, fora da vida, seria um cent ro de preparação para ela. Um a espécie de parênt ese, feit o na vida, em que nos capacit ássem os para, em seguida, ingressar nela. Concepção que m ereceu lúcida crít ica de Dewey, para quem a escola haveria de ser vida m esm a, e não preparação para ela. Em Nyerere, a preparação para a vida se dá na com preensão crit ica da vida que se vive, som ent e com o é possível criar novas form as de vida. Daí que seu pensam ent o pedagógico- polit ico est ej a em papado do real, do concret o, na prát ica de cuj a t ransform ação ele cent ra a at ividade educat iva. Não sei se t erei sido suficient em ent e consist ent e nest e com ent ário que, repit o, não im plica em nenhum a crit ica negat iva ao proj et o do livro a que você faz referência. O segundo com ent ário m e leva a out ro t ópico de sua cart a – o em que você fala da “ quant idade enorm e de escrit os, verdadeiras * I st o não significa, de m odo algum , que, m ais t arde, na m edida em que o novo sist em a educacional vá t om ando form a, não se façam equivalências ent re a pósalfabet ização e os níveis do Ensino Básico . * Julius Nyerere – Essays on Socialism . Oxford Universit y Press 1968. Reprint ed, l970, p. 61. obras hist óricas, feit os pelos alfabet izandos” e que vocês “ não sabem qual a m elhor form a de os ut ilizar” . I nsist indo num dos ângulos j á discut idos por nós, indagaria se o proj et o do livro para os coordenadores não poderia const it uir- se num a excelent e oport unidade de aproveit am ent o de, pelo m enos, alguns dos t ext os escrit os pelos alfabet izandos. I nserindo alguns dest es t ext os no livro, caberia à equipe, em linguagem sim ples, e em seguida a cada t ext o, fazer considerações sobre est e ou aquele aspect o a que o m esm o se referisse. Mas, deixando de lado agora o proj et o do livro para os coordenadores e fixando- nos nos t rabalhos escrit os pelos alfabet izandos, por que, por exem plo, aproveit ando o dinam ism o que se vem logrando ( referido nout ro t ópico de sua cart a) não apenas na int im idade de cada Circulo, m as nas relações ent re alfabet izandos de Círculos diferent es, at ravés de cart as, não com eçar a int ercam biar t am bém os t ext os? Text os que, lidos e discut idos, poderiam provocar a redação de out ros com o respost as aos desafios neles cont idos. Por out ro lado, ant es m esm o que se possa edit ar um livro com plet o, com esses t rabalhos, para diferent es usos, se poderia pensar t am bém , à raiz do que discut im os aí, na sua publicação periódica por Nô Pint cha, bem com o no seu aproveit am ent o num program a de rádio a ser est rut urado para esse fim . Em qualquer das diferent es e não exclusivas form as de aproveit am ent o desse m at erial, m e parece que se deveria enfat izar a força criadora do povo, indispensável ao em penho de reconst rução do país. Creio que em t orno do que se poderia considerar com o ensaios da pós- alfabet ização – sobre que insist i na últ im a correspondência – você dá exem plos bast ant e int eressant es na sua cart a. A leit ura e a discussão de t em as propost os pelo j ornal de Bissau * , t rabalhos escrit os e orais em t orno de dat as im port ant es do país ou sobre acont ecim ent os da lut a relacionados com cada part icipant e dos Círculos, na sua experiência de com bat ent e, são alguns desses exem plos. A eles acrescent aria ainda a discussão em t orno do t em a Fábrica, à m aneira do que propus em volt a do t em a Arroz, a propósit o da qual você diz que “ há m uit o de profundo no que t oca às const at ações feit as pelos alfabet izados” . É a reflexão crít ica sobre a prát ica diária de vocês com os alfabet izandos e com os coordenadores que m ais que out ra coisa lhes irá abrindo cam inhos para preencher “ cert as lacunas” que você const at a no t rabalho ao nível em que se encont ra hoj e. Est a reflexão crít ica sobre a prát ica dando- se é absolut am ent e indispensável e não deve j am ais ser confundida com um blablablá alienado e alienant e. Enquant o font e de conhecim ent o, a prát ica não é, porém , a t eoria de si m esm a. É ent regando- se const ant em ent e à reflexão crít ica sobre ela que a prát ica possibilit a a sua t eoria que, por sua vez, ilum ina a nova prát ica. Por isso é que sem pre insist o em que m inhas cart as não t êm nada de prescrit ivas. São ant es desafios que lhes faço e m e faço para que nos engaj em os na prát ica da reflexão sobre a prát ica num * Nô Pint cha proj et o em processo, que não repet e, necessariam ent e, em t odos os seus aspect os, as experiências de que ant es part icipei. O problem a que se lhe apresent a com o fundam ent al – um a das lacunas que você m enciona – na pós- alfabet ização é o de com o nela int egrar, sobret udo, os vários aspect os referent es à reconst rução do pais. A quest ão cent ral que est e problem a coloca est á em que a reconst rução do país não pode ser reduzida a um puro obj et o de conhecim ent o que se desse à nossa curiosidade. Com o, por exem plo, se t ent ássem os com preender um arado em suas diferent es peças, em seu m ecanism o, em seu funcionam ent o. A reconst rução nacional necessit a de um a variedade de conhecim ent os em diferent es níveis e áreas, ligadas ent re si e em relação diret a com o proj et o global da sociedade. Não pode ser algo de que se fala com o algo que foi, m as algo que se conhece na prát ica de fazê- lo. Daí a necessidade de relacionar a educação em geral à at ividade produt iva, font e daquela variedade de conhecim ent os necessários ao dinam ism o que deve caract erizar o esforço de reconst rução. Na cart a que Miguel acaba de enviar ao Cam arada Mário Cabral sobre nossa próxim a visit a prevem os um a conversa t ant o quant o possível am pla sobre est e pont o. Out ro aspect o sobre que você se est ende em sua cart a e que urge ser ret om ado, com o você sugere, em nossa próxim a visit a, é o problem a da língua em que alfabet izar. Na verdade, o processo de libert ação de um povo não se dá, em t erm os profundos e aut ênt icos, se esse povo não reconquist a a sua palavra, o direit o de dizê- la, de “ pronunciar” e de “ nom ear” o m undo. Dizer a palavra enquant o t er voz na t ransform ação e recriação de sua sociedade: dizer a palavra enquant o libert ar consigo sua língua da suprem acia da língua dom inant e do colonizador. A im posição da língua do colonizador ao colonizado é um a condição fundam ent al para a dom inação colonial, que se est ende na dom inação não colonial. Não é por acaso que os colonizadores falam de sua língua com o língua e da língua dos colonizados com o dialet o; da superioridade e riqueza da prim eira a que cont rapõem a “ pobreza” e a “ inferioridade” da segunda. Só os colonizadores “ t êm ” hist ória, pois que a dos colonizados " com eça” com a chegada ou com a presença “ civilizat ória” daqueles. Só os colonizadores “ t êm ” cult ura, art e, língua e são civilizados cidadãos nacionais do m undo “ salvador” . Aos colonizados lhes falt a hist ória, ant es do esforço “ benem érit o” dos colonizadores. São incult os e bárbaros “ nat ivos” . Sem o direit o de aut odefinição, são " perfilados” * pelos colonizadores. Não podem , por isso m esm o, " nom ear- se” nem “ nom ear” ao m undo que lhes é roubado. Em um dos t ext os em que discut e o papel da cult ura na lut a de libert ação, Am ílcar Cabral faz análises que se aplicam , * Ver, a est e propósit o, Albert Mem m i – Ret rat o do Colonizado Precedido pelo Ret rat o do Colonizador, Edit ora Paz e Terra, Rio, 1977, 2ª edição. necessariam ent e, ao problem a da língua. Precisam ent e quando fala da assim ilação – desafricanização – das m inorias urbanas que, vivendo sob e em volt a do poder colonial, se ent regam à cult ura e à língua dom inant e, em oposição às grandes m aiorias cam ponesas que, escapando ao poder m ais dest ruidor do colonizador, sobrevivem na preservação dos t raços m arcant es de sua cult ura. Em cert o sent ido, essas m inorias urbanas, " desafricanizando- se” , são assum idas por um est ranho “ bicult uralism o” * * , expressão, na verdade, de sua alienação cult ural e a que nem sem pre corresponde um bilinguísm o. Tant o m ais alienadas essas m inorias urbanas quant o m ais se esforçam por negar suas raízes, para esquecer ou j am ais aprender a língua de seu povo, definida pelo colonizador com o dialet o, com o algo pobre e inferior. Dest a m aneira, “ nost algicam ent e” at raídas pela cult ura dom inant e, que as perfila com o inferiores, se negam na negação de sua cult ura. Dai, a insist ência com que Am ílcar Cabral falava na necessidade de " reafricanização” daqueles int elect uais que se dessem verdadeiram ent e à causa da libert ação. A est e “ bicult uralism o” est ranho, as populações rurais conseguem ficar im unes e, acast eladas em sua riqueza cult ural, de que at é m esm o o que Am ílcar Cabral cost um ava cham ar de “ debilidades” da cult ura fazia part e, preservaram sua língua. Língua com que não apenas se com unicavam m as t am bém se defendiam da alienant e agressão colonial. A sociedade que, superando o seu est ado de dependência colonial, procura refazer- se revolucionariam ent e, com o é o caso da Guiné- Bissau, não pode escapar, realm ent e, ao equacionam ent o de seu problem a linguíst ico. Problem a que j á est ava post o na et apa m esm a da lut a por sua libert ação. Daí a urgência, caso o creoulo, que deve est ar para o port uguês com o est e para o lat im , se afirm e com o língua nacional, de um sério esforço a ser feit o no sent ido de sua “ regulam ent ação” , com o língua escrit a, pois que, enquant o língua que se fala, j á t em sua est rut ura. O papel que o creoulo vem j ogando – e que você sublinha em sua cart a – na unidade nacional, desde os t em pos duros da lut a, parece indiscut ível. Não t em eria, por isso m esm o, colocar o t rabalho de sua “ regulam ent ação” , com o língua escrit a, que dem anda, obviam ent e, a orient ação de linguíst as com pet ent es, ent re as prioridades da lut a pela reconst rução do país. Com part ilho, pois, de suas inquiet ações que, sobret udo, result am de sua prát ica. Com o abraço frat erno do Paulo Freire ** Not a recent e: Ver Louis- Jean Calvet , Linguist ique et Colonialism e, Pet it Trait érle Glot t ophagie, Payot , Paris, l974. Genebra, abril de 1976 Cam arada Mário Cabral, Est ou rem et endo- lhe algum as cópias – um a para você – da cart a que acabo de escrever à Com issão de alfabet ização – out ras para, a seu j uízo, serem ent regues a cam aradas a quem o cont eúdo da m esm a possa int eressar. Um a int enção fundam ent al m e m ove t oda vez que escrevo aos cam aradas, ora cart as m enos longas, ora m ais ext ensas – a de provoca em m im , enquant o as escrevo, nos cam aradas, enquant o as leiam , um a reflexão crit ica em t orno de problem as concret os que est am os t odos enfrent ando na fascinant e experiência que é o esforço de reconst rução do país. Ao falar, em part e, de proj et os educat ivos vividos por Elza e por m im , ant eriorm ent e, com a m esm a int ensidade.com que agora nos ent regam os à problem át ica de nossa Guiné; ao narrar ret alhos de experiências de que t enho conhecim ent o indiret o, por leit uras, ou ao descrever out ras que vi de pert o, a int enção cont inua a m esm a – a de convidar os cam aradas a quem escrevo a assum ir um a posição crít ica, de que result e a possibilidade de recriar as sugest ões que vou fazendo ao correr da pena. Longe de m im , port ant o, pensar que cada cart a m inha deva ser t om ada com o um a espécie de ABC, de fórm ula acabada, o que seria, de rest o, não apenas a expressão de um desrespeit o pelos cam aradas, m as t am bém a dem onst ração de que não t eria percebido que um a das m elhores caract eríst icas de vocês est á na harm onia que vocês conseguem ent re a hum ildade verdadeira que os perm it e aceit ar a cont ribuição est rangeira adequada aos int eresses do país e o sent ido profundo da aut onom ia que não pode ser ferida. Est as virt udes – que expressam a m at uridade polít ica de vocês – não se aprendem em sem inários nem são fabricadas em laborat órios. O PAI GC, por sua vez, não as invent ou. Const it uiu- se nelas que se forj aram na práxis da libert ação em que o povo oprim ido da Guiné foi o grande educador- educando de seus lideres. Am ílcar Cabral é o sím bolo perfeit o dessas virt udes. Foi exat am ent e esse espírit o de aut o- respeit o, de vigilância, de cuidado com a Hist ória que ao ser feit a por vocês os est á refazendo que provocou em t odos nós do I DAC est e quase irrefreável desej o de oferecer o m elhor de nós à lut a de vocês pela reconst rução da Guiné- Bissau e Cabo Verde. O m elhor de nós, que reconhecem os ser apenas um m ínim o, consideradas as lim it ações de cada um . Talvez pudesse dizer, perdendo agora um pouco a hum ildade, que um a das m elhores m aneiras de se lerem m inhas cart as seria a de, após t ent ar a com preensão de sua globalidade, procurar ret irar delas possíveis linhas de t rabalho que m e passaram despercebidas, m as que se encont ram ocult as num a ou nout ra afirm ação no corpo das m esm as. No fundo, ler profundam ent e um a cart a é reescrevêla. Tenho andado um pouco abalado de saúde, o que m e fez cort ar cert os com prom issos. Não há dúvida porém de que em breve est arem os ai novam ent e, quando espero fazer um solene reencont ro com as m angas e os caj us – saudades grandes que t enho! Pret endem os Elza e eu ficar uns dias além da sem ana oficialm ent e program ada para algum a at ividade ext ra – um a delas j unt o à com issão de alfabet ização, não a Nacional – com Mônica, Edna, Alvarenga, Paulo e José. Out ras at ividades para esse t em po ext ra podem ser organizadas aí com nossa presença. Um abração para você, para a cam arada Beat riz e carinhos ao querido net o Pansau ( dest a vez, creio, est á corret a a grafia) . Paulo P.S. im pert inent e – Querido cam arada Mário, Mesm o que est ej a sem not ícias da, espero que a Com issão recent em ent e recriada por você na últ im a reunião de sínt ese, em fevereiro, e a quem escrevi a cart a cuj a cópia lhe envio, j á est ej a funcionando, com Edna, Mônica, Alvarenga, Paulo e José – não sei se haverá out ras pessoas. O papel dest a com issão é realm ent e im port ant e. A dinâm ica do t rabalho na área civil dependerá m uit o do que se possa fazer no seio da com issão que, por sua vez, deve ainda fornecer m at eriais à Com issão Nacional à qual cabe pensar as linhas m ais gerais da polít ica da cam panha. Fiz um apelo idênt ico ao cam arada Julinho, do pont o de vist a das FARP. Perdoe a insist ência – ela é, porém , insist ência de cam arada. Paulo Genebra, abril de 1976 ( Cart a nº 5) Cam aradas Mônica, Edna, Alvarenga, Paulo e José, Est a é a prim eira vez que, de m aneira explicit a, quase " oficial” , lhes escrevo, dirigindo- m e à Com issão, não apenas criada m as, espero, em plena função, e que se com põe de represent ant es de diferent es set ores no cam po da alfabet ização que at uam , porém , dent ro dos m esm os m arcos que orient am a polít ica do PAI GC e do Governo. Em set em bro do ano passado, quando de nossa prim eira visit a ao país, na part e final de nosso t rabalho, a que se cham ou " reunião de sínt ese” , sob a coordenação do Cam arada Mário Cabral e com a presença de represent ant es dos vários Depart am ent os do Com issariado de Educação e da equipe do I DAC, ent re um bom núm ero de pont os concret os e viáveis que const it uem hoj e núcleos cent rais do nosso program a de colaboração, se encont rava a criação de duas com issões que, por sua vez, não fechava as port as a out ras com issões ou subcom issões ou com it ês, que a prát ica viesse a exigir. A prim eira das com issões a ser criada se com poria, pelo m enos num inicio, de represent ant es que at uassem nas bases com o responsáveis pelo andam ent o de Círculos de Cult ura na alfabet ização e na pós- alfabet ização, num set or especifico, o das FARP, por exem plo, e represent ant es de set ores da área civil, com proj et os em andam ent o – proj et os j unt o a com it ês polít icos de bairro; de j uvent ude, de m ulheres, et c. O papel fundam ent al dest a com issão, na verdade indispensável, era o de, inicialm ent e, assegurar um a cert a regularidade na ação ent re os diferent es set ores de t rabalho, proporcionando ainda a seus m em bros um a excelent e oport unidade de, discut indo sobre suas especificas experiências, aprenderem m ut uam ent e dos acert os e dos equívocos prat icados. No fundo, as reuniões dest a com issão devem ser sobret udo reuniões de avaliação * , no sent ido em que num a de m inhas cart as falei da avaliação. Quer dizer, de um a ação em que A e B avaliam j unt os um a prát ica dada ou dando- se, em função de cert os obj et ivos, sobret udo polít icos, que ilum inam a prát ica avaliando- se para que, assim , possam na próxim a prát ica ser m ais eficient es. Por isso m esm o é que, em reuniões com o est as, de cam aradas m ilit ant es, nada pode ser ocult ado: nem o acert o, nem o equivoco. Ocult á- los é que const it ui o verdadeiro erro. No esforço fant ást ico em que est am os t odos engaj ados na GuinéBissau e Cabo Verde, o problem a que se nos coloca não é o de serm os individualm ent e excelent es especialist as, m as o de aprender a realizar, em equipe, o viável, cada vez m ais corret am ent e. É im port ant e que não nos deixem os enlevar por nossas posit ividades, fazendo delas um a cobert ura, discret a ou não, para algum as debilidades, ou que t ent em os t ransferir a causa de nossas debilidades a fat ores inexist ent es. Com o cam aradas m ilit ant es com prom et idos na m esm a lut a, com os m esm os obj et ivos, devem os * De program ação t am bém aprender est a coisa óbvia: ninguém sabe t udo; ninguém ignora t udo. O cam inho, pois, para superar nossas fraquezas est á em não escondê- las, m as em discut i- las em função do concret o onde elas se expressam , com o o cam inho de confirm ar as nossas posit ividades j am ais poderá ser o de guardá- las avidam ent e conosco. Am bos esses casos a que m e referi são casos- lim it e, expressões de um a cert a ideologia individualist a cont ra que, m ais um a vez com Am ílcar Cabral, devem os est ar vigilant es. Finalm ent e, os esforços dest a Com issão, de que o Cam arada Mário Cabral e o Cam arada Julio Carvalho est arão sem pre a par e, quando possível, deles part icipando diret am ent e, m elhorarão, corrigirão, desenvolverão a prát ica realizando- se nas bases e se const it uem com o subsídios indispensáveis à t arefa da Com issão Nacional, j á em ação e que, part indo do conhecim ent o do que se vem fazendo a nível local e regional, pensa as linhas polít icas gerais do program a. É port ant o a est a com issão que ora escrevo, convencido de sua exist ência, dada a m aneira enfát ica com a qual sua criação foi um a vez m ais proclam ada pelo Cam arada Mário Cabral quando da reunião de sínt ese de nossa últ im a visit a em fevereiro. É possível, porém , que haj a om it ido algum nom e, pelo que m e desculpo. Gost aria de, cent ralm ent e, ret om ar nest a cart a, em que est arei t ocando num ou nout ro pont o j á referidos nas ant eriores, um a propost a de t rabalho que fiz, há seis anos, a um grupo de educadores lat ino- am ericanos no México. Talvez sej a int eressant e, porém , cham ar a at enção, im ediat am ent e, para o fat o de que não é m inha int enção t om ar a propost a apresent ada com o um proj et o ( m esm o que, const ant em ent e, fale em proj et o no corpo da cart a) e, de acordo com os princípios norm ais de apresent ação de um proj et o, analisálo det idam ent e em suas diferent es et apas, incluindo o capit ulo necessário às previsões orçam ent árias. Est e será um t rabalho post erior a ser feit o se, prim eiro, as idéias aqui apresent adas com o sugest ões t êm algum a coisa realm ent e que ver com a realidade do país; segundo, se as sugest ões coincidem com os obj et ivos im ediat os do Part ido e do Governo, quant o às relações ent r e educação e produção, apresent ando, assim , um a cert a viabilidade em face das condições do país. Ant es m esm o de desenvolver a propost a, direi, rapidam ent e, algo sobre dois fat os que m e levaram , pelo m enos indiret am ent e, a pensar em expressá- la. O prim eiro, bem m ais rem ot o, foi a m inha própria experiência, criança ainda, sendo alfabet izado por m eus pais, à som bra de m angueiras frondosas, no quint al da velha casa em que nasci, no Recife. As palavras com que m e alfabet izei eram palavras de m eu universo vocabular infant il, que eu ia escrevendo no chão, m eu “ prim eiro quadro negro” , com gravet os, m eu “ prim eiro giz” . O segundo fat o, o m ais recent e, se deu no Chile, onde e quando t ive a oport unidade de ver, gravadas no chão dos cam inhos que levavam às áreas de cult ivo, palavras escrit as pelos cam poneses recém - alfabet izados, com seus inst rum ent os de t rabalho. Est es dois fat os, t ão dist ant es ent re si, ao m esm o t em po t ão próxim os em cert os aspect os um do out ro, m e fizeram pensar nas sugest ões há t ant o t em po feit as e agora renovando- se nest a cart a e porque renovando- se ganhando m at izes novos que não t inham quando de sua prim eira apresent ação. A idéia básica da propost a é a de t om ar um a área de produção agrícola, que est ej a sofrendo ou prest es a sofrer, de acordo com a análise feit a na cart a n° 3, algum a t ransform ação infra- est rut ural, com o um Círculo de Cult ura em si m esm a. Dest a form a, a experiência exist encial da população, com o um t odo de que a at ividade produt iva é um a dim ensão cent ral, se const it ui com o a m at riz de t odo o quefazer educat ivo, não só no plano da alfabet ização e da pós- alfabet ização de adult os, m as t am bém no da educação de crianças e de adolescent es. Nest e sent ido, enquant o cont ext o concret o em que se dá a prát ica produt iva, ela é t am bém cont ext o t eórico, no qual se pensa sobre aquela prát ica. Tant o quant o possível, port ant o, se t ent a a com preensão do m ovim ent o dinâm ico ent re prát ica e t eoria no cont ext o m esm o da prát ica. I st o significa, de um lado, que a at ividade educat iva, no set or da alfabet ização e da pós- alfabet ização de adult os, com o no das crianças e adolescent es, se pode dar no cam po m esm o ( em bora não exclusivam ent e) à som bra de um a árvore, nos m eses de sol, e sob o abrigo de palhoças ( palhot as) funcionalm ent e const ruídas pela própria com unidade, no período das chuvas, at é que m elhores condições de abrigo aparecessem . De out ro, que a educação com o at o de conhecim ent o e at ividade em inent em ent e polít ica, cent rando- se num a t em át ica que em erge da realidade concret a dos educandos e associada à produção, deve ser vist a com o um fat or im port ant e no processo de t ransform ação do pensam ent o do povo, algo sobre que Am ílcar Cabral sem pre insist iu. Dest a form a, o t em po a ela dedicado, sobret udo no caso da alfabet ização de adult os, dent ro m esm o da j ornada de t rabalho, se e quando necessário, deve ser considerado com o t em po igualm ent e dedicado à produção. A prim eira grande “ codificação” , cuj a descodificação vai desvelando um a série de aspect os com ponent es do processo de t rabalho, é o cont orno nat ural da área, j á alongado em cont orno cult ural, pela presença t ransform adora dos seres hum anos nele. Num t al proj et o, na m edida em que a vila é t om ada, t oda ela, com o um grande Círculo de Cult ura, t odos nela se vão engaj ando, num processo educat ivo em que t odos se vão t ornando, ao m esm o t em po, educandos e educadores uns dos out ros. O t rabalho baseado na aj uda m út ua, no t rat am ent o da t erra, na sem eadura, na colheit a, na const rução de “ palhot as” , nos serviços m ínim os necessários à higiene local, deve ser est im ulado ao m áxim o, discut indo- se as vant agens do m esm o sobre as at ividades de carát er individualist a. Em últ im a análise, um t al proj et o visa a sist em at izar, sem j am ais burocrat izar, a experiência educat iva assist em át ica, em t em po algum est ranha a nenhum a com unidade hum ana. O papel de um a pequena equipe de educadores, devidam ent e capacit ados e que devem incorporar- se t ot alm ent e à vida com unit ária, part icipando de sua at ividade produt iva da m esm a form a que os cam poneses, seria, ent re out ros, o de t ent ar aquele esforço de sist em at ização a que m e referi. Esforço a ser realizado com a população e nunca sim plesm ent e para ela. O m arco geral em que se configurará o cont eúdo program át ico da educação – o que conhecer * – em qualquer de seus níveis é, com o disse ant es, a experiência exist encial da população, t om ada com o um t odo, de que a at ividade produt iva é um a dim ensão det erm inant e. No fundo, num a educação com o est a, o que se pret ende é o exercício de um a reflexão crít ica, aprofundando- se cada vez m ais sobre a m aneira espont ânea com o os seres hum anos " se m ovem ” no seu m undo. É t om ar a quot idianeidade m esm a em que se encont ram , com o obj et o de sua análise, no sent ido de desopacizála, alcançando assim , a pouco e pouco e na cont inuidade da prát ica, a razão de ser da própria m aneira com o est ão sendo no m undo. Em out ras palavras, é superar o conhecim ent o que perm anece preponderant em ent e ao nível da sensibilidade dos fat os pelo conhecim ent o que alcança a razão de ser dos m esm os. Foi ist o o que Am ílcar Cabral procurou sem pre fazer quando, t ransform ando os acam pam ent os de lut a em verdadeiros cont ext os t eóricos, considerava t ão im port ant e discut ir com os cam aradas m ilit ant es o andam ent o da lut a, as t át icas a serem usadas, os obj et ivos a alcançar quant o debat er a explicação cient ífica dos t rovões e dos relâm pagos e a crença nos am ulet os* . Am ílcar Cabral sabia m uit o bem que um a coisa t inha que ver com a out ra. Na m edida em que a população vá t om ando a sua própria experiência quot idiana – a sua m aneira espont ânea de “ m over- se” no m undo – com o obj et o de um a reflexão crít ica, o cont eúdo program át ico da educação vai em ergindo em alguns de seus * A propósit o da delim it ação do que conhecer, do com o, do para que et c., ver cart a n° 3. * “ A nossa cult ura nova, dent ro ou fora da escola, t em os que pô- la ao serviço de nossa resist ência, ao serviço do cum prim ent o do program a do Part ido. Tem que ser assim , cam aradas. A nossa cult ura deve desenvolver- se ao nível nacional, da nossa Terra. Mas sem desprezar, nem considerar m enos, a cult ura dos out ros, e com int eligência, aproveit ando da cult ura dos out ros t udo quant o é bom para nós, t udo quant o pode ser adapt ado às nossas condições de vida. A nossa cult ura se deve desenvolver num a base de ciência, deve ser cient ifica, quer dizer, não acredit ar em coisas im aginárias. A nossa cult ura deve evit ar am anhã qualquer um de nós pensar que o relâm pago é m ost ra de que Deus se enraiveceu, a t rovoada é a voz do céu que fala, ou “ I RAN” furioso. Na nossa cult ura, t oda gent e t em que saber am anhã que t rovoada são duas nuvens que se chocam , um a carregada de elet ricidade posit iva e out ra carregada de elet ricidade negat iva e quando se chocam provocam um a faísca, que é o relâm pago, e am barulho, que é a t rovoada” . Am ílcar Cabral, Resist ência cult ural – PAI GC – Unidade e Lut a, Publicações Nova Aurora, Port ugal, l974, págs. 198- 9. elem ent os básicos. Cont eúdo program át ico que se est rut ura em t orno de diferent es m as int er- relacionados aspect os que com põem aquela m aneira espont ânea de “ m over- se” no m undo. Est e “ m over- se” ou orient ar- se espont aneam ent e no m undo, que im plica em est ar no m undo e com o m undo, algo m ais que viver – envolvendo, indiscut ivelm ent e a consciência de si dos suj eit os que se m ovem e a consciência do m undo em que se m ovem não significa, porém , que o m undo – realidade – sej a t om ado com o um obj et o de real conhecim ent o. Daí a ênfase de Cabral em que “ a nossa cult ura deve se desenvolver num a base de ciência, deve ser cient ífica, quer dizer, não acredit ar em coisas im aginárias” . Na experiência da quot idianeidade, ao orient ar- se na realidade, os suj eit os a t om am com o o " cam po em que se exerce sua at ividade prát ico- sensível e sobre cuj a base surge a int uição prát ica im ediat a da realidade” . * * O fundam ent al, porém , é que, no processo educat ivo, a realidade sej a t om ada pelos suj eit os que nela se " m ovem ” não apenas com o o “ cam po em que se exerce sua at ividade prát ico- sensível” , m as t am bém e sobret udo com o obj et o de um conhecim ent o cada vez m ais rigoroso. Conhecim ent o que esclarece e ilum ina a própria at ividade prát ico- sensível que t em na realidade o cam po em que se dá. " A prát ica ut ilit ária im ediat a, para cit ar m ais um a vez a Kosik, e o sent ido com um cor- respondent e põem aos hom ens em condições de orient ar- se no m undo, de fam iliarizar- se com as coisas e m anej á- las, m as não lhes proporcionam um a com preensão das coisas e da realidade” . * Um a com preensão crít ica das coisas e da realidade, acrescent aria eu a Kosik. I m port a- nos, pois, a educadores e educandos m ilit ant es, enquant o suj eit os que nos “ m ovem os” no m undo, assum ir o papel de suj eit os conhecedores do m undo que t ransform am os e em que nos m ovem os. I m port a- nos, fundados na análise crít ica de nossa prát ica, ir alcançando um conhecim ent o cada vez m ais rigoroso da realidade em t ransform ação. Conhecim ent o at ravés do qual se vão superando, pela desopacização da quot idianeidade, cert as form as ingênuas de confront ação com o concret o, que se consubst anciam nas “ debilidades da cult ura” a que Cabral se referia. Nest e sent ido é que insist i, na cart a n° 3, em que a educação envolve sem pre um a cert a t eoria do conhecim ent o post a em prát ica. E que est a t eoria post a em prát ica dem anda, na perspect iva do PAI GC, ** Karel Kosik – Dialect ica de lo Concret o, Edit oríal Grìj albo, México, 1967, pág. * Karel Kosik – Obra cit ada, pág. 26. L. Juram ent o dos dirigent es do PAI GC no m om ent o da declaração da independência da República da Guiné- Bissau. Melina do Boé, set em bro de 1973. Ao cent ro, o President e Luiz Cabral. ( Publicação aut orizada pelo Com issariado de I nform ação e Turism o da República da Guiné- Bissau) um papel im port ant e do educando. Um papel crít ico de quem conhece t am bém e não a at it ude passiva de quem apenas recebe o “ conhecim ent o” que se t ransfere. Num t al proj et o, os educadores m ilit ant es, que devem – insist ase – part icipar da at ividade produt iva t ant o quant o os habit ant es da área, o que vale dizer que devem t ornar- se habit ant es da área t am bém , procurariam const it uir grupos de est udo, com 15 a 20 part icipant es. Grupos de est udo que, discut indo sobre sua experiência diária, est ariam debat endo a sua prát ica produt iva que, por sua vez, possibilit aria a análise de um sem - núm ero de t em as a ela ligados. A m obilização da população da área, que inclui a int erpret ação do proj et o em suas linhas gerais, é o pont o de part ida do m esm o. A m obilização da população, por sua vez, im plica na sua organização, indispensável ao desenvolvim ent o eficaz do proj et o e se const it ui, para os educadores m ilit ant es, num prim eiro m om ent o em que devem com eçar a capt ar as aspirações básicas dos indivíduos e a visão que t êm de si m esm os e da realidade em sua experiência quot idiana. Na verdade, é preciso que o proj et o sej a assum ido, desde o principio, pela população local com o um quefazer seu, que, sendo significat ivo para ela, lhe possibilit e, por out ro lado, cont ribuir para o esforço geral de reconst rução do país. Est es requisit os são básicos na m edida m esm a em que coincidem t am bém com os princípios polít icos do Part ido e do Governo, que est im ulam a part icipação crit icam ent e conscient e do povo no em penho da reconst rução nacional e no da criação de um a nova sociedade. Part icipação sem a qual dificilm ent e se reconst ruirá o país e m ais dificilm ent e ainda se criará a nova sociedade. Est es dois aspect os – a significação que o proj et o deve t er para a população da área e a sua repercussão na lut a pela reconst rução do pais – devem ser, de um lado, concret a, clara e obj et ivam ent e discut idos na fase prim eira do m esm o, a de sua int erpret ação à população local; de out ro, const ant em ent e ret om ados durant e t odo o processo. Sem a percepção nít ida de am bos e, em m uit os casos, sobret udo inicialm ent e, do prim eiro de t ais aspect os, sem pret ender com ist o dicot om izá- los, o proj et o pode fenecer ant es m esm o de nascer.É que, se para aquelas populações que est iveram desde os com eços com prom et idas, dest a ou daquela form a, com a lut a de libert ação, a expressão “ re- const rução nacional” t em um a significação concret a, para out ras, a m esm a expressão pode ser dem asiado vaga e abst rat a. Daí a necessidade de, conform e as circunst âncias, orient ar- se a m obilização no sent ido da reconst rução da realidade m ais próxim a da população – sua t abanca e at é m esm o as ruas de um bairro. A part ir do engaj am ent o num a prát ica concret a, ao nível local, é possível dar- se o salt o ao regional e ao nacional. Por out ro lado, é im port ant e, volt ando m ais um a vez à cart a n° 3, que proj et os com o est e se fundem nas t ransform ações est rut urais realizando- se ou prest es a realizar- se. Transform ações que, m ovendo o cont ext o t radicional, criam novas expect at ivas na população e dão à alfabet ização e à pós- alfabet ização um carát er de necessidade. Nest e sent ido se est abelece um dinam ism o no processo de conhecim ent o, não im port a o nível em que se est ej a dando, em relação diret a com o dinam ism o que se vai operando no cont ext o em t ransform ação. Não sei se vocês j á leram algo a propósit o da t ransform ação de Tachai, pequena vila m ont anhosa da China set ent rional, que o prof. Lee considera " o m ais exit oso exem plo de aplicação da alfabet ização e da educação ideológica de m assas ao * desenvolvim ent o rural” . A experiência de Tachai, que a foi t ornando um caso exem plar para a China t oda e um a at ração para educadores de t odo o m undo, revela, claram ent e, o dinam ism o a que m e referi. Em 1945, depois da expulsão dos j aponeses pelas t ropas com unist as chinesas, se deu inicio a " um plano de alfabet ização que incorporava um esquem a para o com eço de um program a de reform a agrária, com o pré- condição ao desenvolvim ent o da vila” . A reform a agrária, pré- condição para o desenvolvim ent o da vila, se associava, com o proj et o ainda, ao clim a geral de m ot ivação, que a caract erizava, com a expulsão do invasor. O prim eiro m om ent o da cam panha de alfabet ização, t oda ela em inent em ent e polít ica, em qualquer de suas fases, se cent rou na discussão em t orno da urgência da reform a agrária. Dest a form a, o ím pet o de renovação da realidade local por part e da população cam ponesa a fez sent ir a necessidade da alfabet ização at ravés da qual lhe foi possível a com preensão crit ica de um a necessidade, sem cuj a sat isfação aquele ím pet o se perderia e, com ele, o próprio esforço de alfabet ização. Mas, realizada a reform a agrária, os cam poneses percebem que, apesar de t udo, não podiam aum ent ar a produção ( sem a qual a t ransform ação de Tachai se frust raria) por “ falt a de anim ais e de inst rum ent os” de t rabalho. Foi a experiência da nova necessidade que, surgindo no dinam ism o m esm o da t ransform ação da realidade, provocou um a nova fase do program a de alfabet ização, cent rada ent ão na discussão em t orno das vant agens da organização para o t rabalho em cooperação. Dest e m odo, a necessidade sent ida passa a ser crit icam ent e percebida e um a prim eira respost a a ela é dada at ravés da organização de um a equipe de aj uda m út ua, coordenada por Chen Yung- Kuei, que vai assum indo, a pouco e pouco, um a liderança indiscut ível no desenvolvim ent o de Tachai. Os result ados posit ivos da experiência de Chen Yung- Kuei e seus com panheiros m ot ivaram out ros t ant os cam poneses que a eles vieram se associar. Assim , a equipe inicial de t rabalho à base da aj uda m út ua se t ransform ou em 1952 num a cooperat iva a nível prim ário; em 1956 se alonga em cooperat iva socialist a e, finalm ent e, em 1958 a vila de Tachai se t orna um a “ brigada de produção” . * H. P. Lee – “ Educat ion and Rural Developm ent in China t oday” , World Yea book of Educat ion, Universit y of London. I nst it ut e of Educat ion, Teachers College, Colum bia Universit y, N.Y. Reproduzido em : Lit eracy Work, I .I .A.L.M., Vol. 4, Nº 2 Out ubro- Dezem bro, l974, pág. 55. O processo de educação popular acom panha t odas est as m odificações, est im ulando- as e por elas sendo est im ulado. Muit o t em po depois de haver part icipado, com o analfabet o, da cam panha de alfabet ização de sua vila e de t er liderado o prim eiro grupo de t rabalho cooperat ivo, em conversa com professores nort eam ericanos que visit avam Tachai, Chen sum aria num a frase as razões por que sua vila se t ransform ou t ão radicalm ent e: “ O poder criador do povo – est a é a força de Tachai e da China” . * Talvez não fosse dem asiado recapit ular, rapidam ent e, os passos fundam ent ais da experiência de Tachai, acom panhando, quase didat icam ent e, o m ovim ent o dinâm ico ent re a educação, incluída a alfabet ização de adult os, a que se segue t oda um a série de at ividades, at ravés de grupos de est udo, não referidas nest a cart a, e as t ransform ações est rut urais. Durant e a invasão j aponesa, exploração, dom inação, falt a de iniciat iva. A expulsão do invasor em 1945 pelos com unist as chineses despert a a população com plet am ent e e a envolve num sent im ent o opost o – o da esperança, o da aut oconfiança, que a lev a necessariam ent e a com prom et er- se num esforço sério de reconst rução de sua vila. O novo clim a criado com a libert ação é suficient e para fazer a população aderir lucidam ent e à cam panha de alfabet ização que o Part ido Com unist a lhe propõe. A cam panha de alfabet ização, por sua vez, previa um esquem a de reform a agrária sem cuj a realização seria inviável a reconst rução de Tachai. Dest a form a, a cam panha associa ao aprendizado da leit ura e da escrit a, a “ leit ura” da realidade sócio- econôm ica, de que a necessidade da reform a agrária era um dado fácil de ser “ lido” . Percebida a urgência da reform a, que não se faz sem a rem oção de cert os obst áculos, cuj a confront ação se const it uiu t am bém com o fat or de form ação de consciência polít ica da população, se efet iva, finalm ent e, a reform a. Realizada est a, os cam poneses se defront am com um a nova necessidade, que em erge agora de m aneira clara, dest acada, no dinam ism o da própria t ransform ação – a necessidade do t rabalho baseado na aj uda m út ua, som ent e com o poderiam , j unt ando suas forças, superar suas lim it ações individuais na at ividade produt iva. Som ent e com o, indo m ais além de int eresses individualist as, poderiam aum ent ar a produção e consolidar as vit órias at é ent ão alcançadas. Acom panhando o novo m om ent o, a educação se orient a na m esm a direção – a do est im ulo ao t rabalho solidário, de aj uda m út ua, que t erm ina, de grau em grau, por levar Tachai a const it uirse num a “ Brigada de Produção” . Talvez fosse int eressant e, num puro parênt ese, aproveit ar a oport unidade em que est am os discut indo e analisando a hipót ese de t rabalho que apresent o nest a cart a, a fim de cham ar a at enção m ais um a vez para as relações ent re a educação e o proj et o global da sociedade. * China! I nside t he People's Republie, Com m it t ee of Concerned Asian Scholars, Bant am Books, Nova York, 1972, pkg. l58. Um plano com o o que est am os discut indo, por exem plo, não pode ser post o em prát ica, a não ser em escala dem asiado reduzida, se, no proj et o global da sociedade, a polít ica est abelecida para o desenvolvim ent o econôm ico se orient a no sent ido de um a rápida indust rialização a ser feit a at ravés do “ t ribut o” a ser pago a ela pela produção agrícola. Pelo cont rário, um plano educacional com o est e pressupõe um a polít ica indust rial que, necessária e indispensável, enfat ize- se, t enha na econom ia agrícola a sua base, j am ais a sua serva dependent e. No prim eiro caso, as relações ent re agricult ura e indúst ria são em últ im a análise as relações ent re cam poneses e t rabalhadores urbanos indust riais, produzindo t odos para o bem - est ar social e colet ivo * , no segundo, necessariam ent e se cria um fosso ent re os padrões de vida de uns e de out ros. E t udo isso t em que ver, por sua vez,com a concepção m esm a da produção. Se o lucro cont inua a t er nela um papel, senão idênt ico, sem elhant e ao que t em na econom ia capit alist a, a produção se orient ará, com o disse na cart a n° 3, na direção dos valores de t roca e não na dos valores de uso. Assim , não será de est ranhar que os est ím ulos à produção sej am sem pre de ordem m at erial, ao cont rário do que cent ralm ent e pret ende um program a educat ivo com o o que aqui discut im os. Program a que, est reit am ent e ligado à produção, busca incent ivar a responsabilidade social e o t rabalho cooperat ivo, com vist as ao int eresse com um e que, em últ im a análise, se fundam ent a num a profunda crença nos seres hum anos. Crença crit ica e não ingênua na sua possibilidade de re- fazer- se na prát ica da reconst rução de sua sociedade. Um a das vant agens de um proj et o com o est e, ao propor a reflexão crít ica sobre a realidade cont ext ual em “ convivência” com ela, é a de est im ular o surgim ent o de um novo t ipo de escola – a que, em sint onia com o proj et o de nova sociedade que se procura criar na Guiné- Bissau e Cabo Verde, não dicot om iza t eoria da prát ica, reflexão de ação, t rabalho int elect ual de t rabalho m anual. Correndo o risco de ser exageradam ent e reit erant e, diria que, t ão cedo quant o realist icam ent e possível, deve ser abolida a escola dicot om izant e, onde quer que exist a, e j am ais perm it ida a sua presença em áreas ainda virgens ao cont act o de sua força alienant e. Há pouco m ais de um ano t ive a oport unidade de conhecer um a experiência realm ent e rica num a zona rural do Caribe, de que alguns aspect os, ent re os quais o de com o os cam poneses organizavam sua própria educação, nos podem aport ar valiosas sugest ões ao proj et o sobre que conversam os nest a cart a. * A est e propósit o, ver Paul T. K. Lin – " Developm ent guided by values: Com m ent s on China's road and it s im plicat ions” , em On t he Creat ion of a j ust world order, organizado por Saul H. Mendlowit z, The Free Press – A Division of Macm illan Publishing Co., Nova York, l975, págs. 259- 297. Organizados em t orno de um a cooperat iva” * * de produção, os cam poneses dividiram a área do cult ivo em unidades de t rabalho, part icipando de cada um a um m ínim o de 15 t rabalhadores. Em cada um a dessas áreas const ruíram um a palhoça que funciona com o rest aurant e e cent ro de est udos e em que duas ou t rês com panheiras ( não t inham conseguido superar ainda o preconceit o de que aos hom ens não lhes cabe cozinhar) preparam o alm oço. Ao chegarem , cedo, ao cam po, se dirigem à “ sede” da área – a palhoça – deixando lá a cont ribuição que t razem – um a galinha, um peixe, pescado na baía próxim a, um pedaço de carne, um a frut a- pão, legum es, frut as – não t endo nenhum o direit o de, na hora do alm oço, reivindicar a cont ribuição pessoal t razida. Mescladas as quot as pessoais na grande panela de t odos, j á nada pert encia a ninguém . O t rabalho em com um , solidário, t em que ver com a com ida em com um . Cada grupo elege um líder que, t rabalhando da m esm a form a que os dem ais na produção, t em responsabilidades de organização, de coordenação e, às vezes, de represent ação do grupo j unt o à adm inist ração, t am bém cam ponesa, da cooperat iva. Dedicam duas horas ao alm oço em que, invariavelm ent e, discut em problem as os m ais variados – t écnico- agrícolas, sanit ários, financeiros, com erciais e a dim ensão polít ica desses problem as. Pensam sobre sua prát ica. Assist i a um a dessas reuniões, à som bra da palhoça rúst ica, e pude const at ar, m ais um a vez, o óbvio: que é pensando a prát ica que aprendem os a pensar cert o. Um a vez por sem ana os lideres dos grupos se encont ram com o engenheiro agrônom o ( que vai ao cam po diariam ent e) e fazem j unt os a avaliação do que ocorreu ent re um a reunião e a out ra. No encont ro seguint e com seus grupos, os lideres fazem um a análise de sua reunião com o agrônom o que, enquant o funcionário da cooperat iva, é assessor t écnico dos cam poneses. Além dest as reuniões ent re os grupos de t rabalho e seus líderes e daquelas ent re est es e o agrônom o, há out ras de carát er adm inist rat ivo com o corpo dirigent e da cooperat iva e out ras especiais, em que o president e cam ponês discut e com seus com panheiros sobre as linhas gerais de ação, sobre os problem as m ais urgent es a serem enfrent ados, et c. Depois de algum t em po de realizarem est a experiência, os cam poneses resolveram am pliá- la. Passaram ent ão a m ot ivar a população do pequeno cent ro urbano a que sua área rural se liga, oferecendo quat ro sem inários anuais sobre a realidade local, part indo, nat uralm ent e, da análise de sua própria experiência. Os ** Est a cooperat iva nasceu à raiz de um conflit o ent re os cam poneses e a em presa est rangeira que explorava a t erra e a força de t rabalho dos cam poneses. O conflit o, por sua vez, result ou da dem issão de um agrônom o nacional, havia pouco cont rat ado, com quem os cam poneses se solidarizaram t ot alm ent e, devido à m aneira dem ocrát ica e abert a que caract erizava suas relações com eles. O conflit o se aprofundou a t al pont o, gerando um a ext ensa e prolongada greve – a prim eira da região – que t erm inou por im por a “ nacionalização” das t erras exploradas pela em presa est rangeira, de que um a part e, apenas, foi " cedida” aos cam poneses, em regim e de arrendam ent o, para o cult ivo. t em as dest es sem inários são escolhidos pelos cam poneses que t am bém indicam ent re si os com panheiros que devem apresent álos, em com unicações curt as, a que se segue um debat e. Quando de m inha visit a de quat ro dias, em que fui hospedado pelo President e da Cooperat iva, part icipei de um desses sem inários abert os à população urbana. Não m e surpreendeu em nada a m aneira lúcida com o os cam poneses t rat aram os t em as do sem inário, com o crit icavam o individualism o, o oport unism o, o vedet ism o; com o enfat izavam a necessidade do t rabalho cooperat ivo, com o repudiavam as soluções vert icais, com o defendiam o direit o de t er voz; com o sua prát ica polít ica os radicalizava, fazendo- os ver que a causa dos problem as m ais fundam ent ais com que se defront avam nem sem pre se encont rava na “ int im idade” de seus poucos hect ares. Alcançavam , a pouco a pouco, a visão da t ot alidade, superando assim a percepção focalist a dos problem as. Ao escrever est a cart a, não sei se est a experiência foi abort ada ou se cont inua e, se cont inua, se t erá sido dist orcida. Nenhum a dessas hipót eses m e surpreenderia. É int eressant e cont udo observar com o est a experiência sucint am ent e referida nos rem et e a alguns pont os sobre que t em os insist ido em cart as ant eriores e nest a m esm a. Um deles, por exem plo, é o papel do conflit o da clarificação da consciência polít ica das m assas populares nele engaj adas. Os m esm os cam poneses que vi at ivos, organizando- se na defesa de seus int eresses, se encont rariam , poucos anos ant es, apát icos. A experiência da lut a de libert ação na Guiné- Bissau, para falar só nela, e suas consequências na clareza polít ica de seu povo, é dem asiado rica a esse propósit o. O out ro pont o é o das relações ent re a educação, incluída a alfabet ização de adult os, e as t ransform ações infra- est rut urais. Ant es do conflit o de que result ou a criação da cooperat iva, que alt erou as relações sociais de produção, a m esm a população cam ponesa que conheci envolvida num int eressant e esforço educat ivo não t inha condições obj et ivas nem subj et ivas para t al. Dadas est as condições, foi possível iniciar um t rabalho em que se t ent ava, m esm o ainda a nível int rodut ório, a unidade da prát ica e da t eoria, da ação e da reflexão, do t rabalho m anual e do t rabalho int elect ual. Finalm ent e, a experiência relat ada dem onst ra a possibilidade de t om ar- se um a área de produção com o um grande círculo de cult ura, em que t odos educam e se educam m ut uam ent e, t endo na sua prát ica o pont o de part ida para a com preensão crít ica de sua quot idianeidade. Façam os, agora, um a t ent at iva de esquem at ização, de m odo nenhum , porém , rígida, dos pont os cent rais referidos at é agora. I – Tom ar um a área de cult ivo com o um Circulo de Cult ura em si m esm a. I I – Com o pont o de part ida do proj et o, a m obilização da população, o que im plica na sua organização, no sent ido de, at ravés de um com it ê local, part icipar diret am ent e de sua adm inist ração. A população deve sent ir o proj et o com o seu. Dai a necessidade, no processo da m obilização, de um a int erpret ação dos obj et ivos do m esm o, de cert os aspect os m et odológicos em que o proj et o im plica, bem com o da im port ância da presença perm anent e, se e quando possível, de j ovens que t enham t erm inado seu curso de Liceu e que se incorporarão à população com o t rabalhadores t am bém . A incorporação dest es j ovens à população local – repit o se e quando possível – coloca a eles o problem a de sua “ m ort e” com o int elect uais form ados à dist ância da prát ica produt iva e à população a aceit ação deles com o verdadeiros cam aradas. Mesm o que um program a com o est e sej a m ais facilm ent e realizável por m ilit ant es das FARP, que j unt em à sua consciência polít ica sua condição t am bém de cam poneses e sua experiência no cam po da alfabet ização e da pós- alfabet ização, m e parece da m ais alt a im port ância t ent ar a adesão de alguns j ovens recém saindo do Liceu e que se encont rem m ilit ando no Part ido. Se não lhes foi possível a esses j ovens, por várias razões, ent re elas a da própria idade, dar sua cont ribuição à lut a pela libert ação nacional, est a seria, agora, um a form a de dar sua part icipação à lut a pela reconst rução nacional. Dois anos que dediquem à prát ica produt iva e polit ico- pedagógica, lado a lado com seus cam aradas cam poneses, lhes darão o que o Liceu não 1hes pôde dar, independent em ent e da boa int enção de seus professores. Esses j ovens poderiam , de vez em quando, vir a Bissau, t oda vez que possível acom panhados de cam aradas cam poneses, para part icipar de sem inários com est udant es e professores do Liceu. Sem inários em que discut iriam a experiência em m archa, preparando, assim , o t erreno para que out ros j ovens, m ot ivados, se engaj assem em prát ica idênt ica. Seria est e ainda um m odo a m ais de acelerar a reform ulação t ão necessária quant o urgent e do sist em a educacional do país. I I I – O cont eúdo program át ico da educação em erge da reflexão crít ica perm anent e sobre a prát ica social de que a produt iva é um a dim ensão det erm inant e. A análise da prát ica produt iva abre a possibilidade ao est udo sério, que deve ir gradat ivam ent e aprofundando- se, de um a t em át ica rica e plural. Est udo at ravés do qual se vai superando a pura opinião em t orno dos fat os pela com preensão de sua razão de ser. Est a t em át ica plural e rica abarca desde as t écnicas agrícolas – a sem eadura, a colheit a, o t rat am ent o da t erra, o com bat e às pragas, à erosão, at é a com preensão m esm a do at o de produzir. A polít ica econôm ica do país – o que produzir, com o produzir, para que produzir. Problem as sanit ários, cuj a discussão pode viabilizar a criação de um sub com it ê de m edicina prevent iva, com o aperfeiçoam ent o dos “ curandeiros” e das “ com adres” – dout ores populares – que, devidam ent e t reinados pelo pessoal especializado do Com issariado de Saúde, poderiam prest ar um inest im ável serviço à população. Seria exaust ivo aqui e desnecessário agora referir o sem núm ero de t em as que a reflexão sobre a prát ica produt iva nos possibilit a e que vão com pondo, em unidades de conhecim ent o int erligadas, o cont eúdo program át ico da educação. O im port ant e é que um program a que assim se const it ui, de m aneira dinâm ica, j am ais sej a reduzido a fórm ulas acabadas, est át icas e burocrát icas. Na cart a n° 3, a t it ulo de exem plo, vim os a riqueza t em át ica que a palavra arroz nos poderia proporcionar. I V –A post a em prát ica de um proj et o com o est e exige a colaboração est reit a de diversos Com issariados – o da Educação, o da Agricult ura, o da Saúde, o de Com unicações, o de Finanças, o de Com ércio, devendo o Part ido, no plano local, regional e nacional, est ar não apenas a par da exist ência do m esm o, m as const ant em ent e inform ado de seu andam ent o. Em cert as circunst âncias seria o próprio Part ido o iniciador do processo, em colaboração com os Com issariados nele envolvidos. Est a colaboração com eça no m om ent o m esm o em que se discut e, a nível dos Com issariados e com a part icipação do Com issário polít ico das FARP, a possibilidade de t al experiência, cont inua na et apa da capacit ação dos educadores e acom panha o proj et o em t odas as suas fases. V –I m põe- se um a relação const ant e ent re o com it ê local da área em que se dá a experiência e os diferent es set ores dos diversos Com issariados, diret am ent e ligados ao proj et o. A m aneira com o est abelecer essas relações, o m enos possível burocrát ica, será encont rada na prát ica m esm a do proj et o. O fundam ent al é que elas se realizem obj et iva e eficient em ent e. VI – Na m edida em que sej a possível realizar um a experiência em cert a área do país e em que a população nela envolvida desenvolva a prát ica de pensar sua prát ica produt iva e de ir m ais além da m era opinião dos fat os, a área pode ir t ransform ando- se não apenas num exem plo para out ras áreas, m as t am bém e por isso m esm o num cent ro de capacit ação de novos quadros. A prát ica ensinará a t odos nela engaj ados a ver um a variedade de aspect os, de problem as, que não est ão sequer m encionados nest a cart a, e possivelm ent e ret ificará algum as das sugest ões aqui dadas. Finalm ent e, sem querer volt ar a falar da im port ância da gravação do discurso cam ponês e do variado uso que dele se pode fazer, insist irei em que t ant o quant o possível os debat es nos diferent es grupos de est udo devem ser gravados. Frat ernalm ent e, Paulo Freire Genebra, 7 de m aio de l976 Cam arada Mário Cabral, Mais um a vez lam ent am os Elza e eu não nos t er sido possível est ar com vocês quando da últ im a visit a do I DAC. Segue a cópia da cart a que escrevi a Paulo e, at ravés dele, à equipe t oda. Com o você verá pela leit ura da m esm a, m inha int enção é a de pôr problem as sobre a m esa, a de exam iná- los à luz da prát ica em que nos acham os envolvidos e não a de dar soluções. Caso haj a na cart a algo que não corresponda à realidade do país e com que, por isso m esm o, você não concorde, cham e a m inha at enção para que, corrigindo- m e, possa t rabalhar m elhor. Cont inuam os aguardando suas inst ruções sobre a rem essa do dinheiro de que lhe falei na cart a que lhe m andei por Miguel. Esperando encont rá- lo em Dar Es Salaam , no próxim o m ês, vai aqui o abraço do cam arada e am igo Paulo Genebra, prim avera, 1976 ( Cart a n° 6) Meu caro Paulo, Recebi, há dias passados, sua cart a em que m e fala das reuniões m ais sist em at izadas ent re vocês, que at uam em diferent es set ores no cam po da alfabet ização de adult os. Sem querer re- insist ir na necessidade do t rabalho em com um , sem o qual pouco poderá ser feit o; sem pret ender re- enfat izar o que j á sabem os, o quant o a t roca de experiências nos enriquece a t odos, est ou convencido de que as dificuldades com que porvent ura vocês se defront em na busca de t al esforço podem ser facilm ent e superadas. É que há um denom inador com um que t ende a ident ificá- los – o sent ido da m ilit ância. Na verdade, quant o m ais nos assum im os com o m ilit ant es, clarificando- nos em nossa prát ica polít ica, lúcidos com relação ao em favor de quem e de que nos encont ram os com prom et idos, t ant o m ais som os capazes de ir vencendo as t ent ações individualist as que obst aculizam o t rabalho em equipe. É enquant o m ilit ant es que nos fazem os m uit o m ais do que sim ples especialist as. É a m ilit ância a que nos disciplina e nos m ove a procurar conhecer m elhor a realidade em cuj o processo de t ransform ação e recriação nos acham os lado a lado com out ros m ilit ant es, vigilant em ent e despert os quant o a possíveis am eaças. Nest e sent ido, um encont ro de m ilit ant es que avaliam j unt os sua própria prát ica – prát ica não para o povo, m as com ele – não pode t ornar- se um encont ro de especialist as em at it ude de defesa um em face do out ro. O encont ro de m ilit ant es há de ser sem pre, por isso m esm o, um encont ro dialógico, j am ais polêm ico, o que não significa a inexist ência de divergências e de pont os de vist a diferent es, que devem ser superados pela discussão séria e profunda dos m esm os. Por t udo ist o é que sem pre insist o, em m inhas conversas com educadores, não propriam ent e nas t écnicas e nos m ét odos, m as na clareza polít ica do educador- m ilit ant e, com relação ao int eresse de quem se encont ra a serviço. A m ilit ância nos ensina que os problem as pedagógicos são sobret udo ideológicos e polít icos, por m ais que est a const at ação possa assust ar a educadores que falam em fins abst rat os da educação e sonham com um m odelo de ser hum ano desgarrado das condições concret as em que o ser hum ano se acha. O novo hom em e a nova m ulher não se const it uem na cabeça dos educadores, m as na nova prát ica social que subst it ui a velha, incapaz de criá- los. É t am bém a m ilit ância corret a, que dem anda a unidade dialét ica ent re a prát ica e a t eoria, a ação e a reflexão, a que nos est im ula a criat ividade, cont ra os perigos da burocrat ização e da rot ina. A “ convivência” , por exem plo, que venho t endo com t em as desde m uit o obj et os de m inha preocupação, j am ais foi capaz de “ burocrat izar” m inha curiosidade em face deles. Aproxim o- m e deles, enquant o deles “ t om o dist ância” , apreendendo- os com o problem as, por isso m esm o com o desafios a serem desvelados. No at o de revê- los, de re- exam iná- los, re- vej o e re- exam ino, t am bém , a percepção que deles t ive na m inha passada reflexão sobre eles. Mais ainda, e sobret udo, re- vej o e re- exam ino a prát ica que t ive, a prát ica que est ou t endo e a prát ica dos out ros, que t om o com o obj et o de m inha análise crit ica – a prát ica na qual os t em as se configuram com o problem as. A m inha curiosidade não se burocrat iza na m edida m esm a em que não m e burocrat izo em m inha prát ica, pont o de referência fundam ent al de m inha reflexão. Assim , o perm anent e exercício de reflexão a que m e obrigo se encont ra sem pre orient ado ao concret o em que m e acho problem at izado. Ao procurar “ ret irar” do concret o os problem as em form a de t em as para, pensando sobre eles, com preender sua “ raison d’êt re” , j am ais aceit o a t ent ação de t ransform á- los em vaguidades abst rat as. No m om ent o em que aceit asse est a t ent ação, é que est aria desvinculando- m e de m inha prát ica, negando assim o seu papel de m at riz de m inha própria reflexão. Est a se convert eria, ent ão, num j ogo puram ent e int elect ualist a, que se expressaria num palavreado, sonoro ou não, m as palavreado sem pre. A unidade dialét ica ent re ação e reflexão, prát ica e t eoria, se im põe a m im , qualquer que sej a o cont ext o em que m e encont re – sej a o cont ext o concret o em que at uo; sej a o cont ext o t eórico em que, “ t om ando dist ância” daquele, exam ino o que nele se dá. Daí a insist ência com que digo e re- digo que a prát ica de pensar a prát ica é a m elhor m aneira de pensar cert o. Sem pret ender dar conselhos, receit as ou aula, é exat am ent e est a reflexão crit ica sobre a prát ica de vocês, por vocês, que a m ilit ância corret a lhes exige, que deve ser um a das preocupações cent rais do t rabalho da Com issão que os congrega e de cuj os prim eiros encont ros sist em át icos você nos dá not icias em sua cart a. Aproveit ando, porém , a oport unidade em que lhe escrevo, respondendo à sua cart a e, at ravés de você, aos dem ais cam aradas da Com issão, gost aria de t ocar num pont o que const ant em ent e em ergiu nas reuniões que aí t ivem os em fevereiro passado. Refirom e ao nível ainda incipient e do t rabalho de alfabet ização de adult os nas áreas populares de Bissau. Em t odos os depoim ent os em t orno do andam ent o dest e t rabalho not ava- se quão dist ant es se achavam os seus result ados, dos alcançados no m esm o esforço, no int erior das FARP. Mesm o que conheçam os algum as das principais razões que podem explicar os descom passos ent re t ais result ados, creio int eressant e reflet ir um pouco sobre o fat o, no sent ido de repensar – o que, segundo sua cart a, vocês j á est ão fazendo – o at é agora feit o, para encont rar diferent es m aneiras de t ornar m ais eficient e o t rabalho nas áreas populares, cham adas civis. Parece evident e que um a das razões fundam ent ais que esclarecem o avanço que se verifica nas at ividades de alfabet ização e pós- alfabet ização no seio das FARP é o alt o nível de consciência polít ica de seus m ilit ant es. Consciência polít ica forj ada na longa lut a de libert ação. Não é de est ranhar, por isso m esm o, que esses m ilit ant es, percebendo a lut a pela reconst rução nacional com o um a cont inuação necessária daquela, percebam , t am bém , em t erm os crít icos, a necessidade de aprenderem a ler e a escrever com o um a form a de m elhor servirem à reconst rução do país e não com o um m eio de inst rum ent ar- se no sent ido de sat isfazer a int eresses individuais. De est ranhar seria que ent re os m ilit ant es das FARP ( m esm o um a m inoria) se associasse o aprendizado da leit ura e da escrit a à obt enção de bons em pregos ou de um a posição de privilégio. Ent re eles, a expressão “ reconst rução nacional” t em , indiscut ivelm ent e, um significado concret o. Significado que 1hes veio sendo desvelado pela lut a m esm a. Nest a é que devem t er percebido bem a advert ência de Am ílcar Cabral de que “ o povo não lut a por idéias, por coisas que est ão na cabeça dos hom ens. O povo lut a e aceit a os sacrifícios exigidos pela lut a, m as para obt er vant agens m at eriais, para poder viver em paz e m elhor, para ver sua vida progredir e para garant ir o fut uro de seus filhos. Libert ação nacional, lut a cont ra o colonialism o, const rução da paz e do progresso – independência – t udo isso são coisas vazias e sem significado se não se t raduzem por um a real m elhoria das condições de vida” . * É precisam ent e a clara com preensão dest a advert ência que se veio const it uindo na lut a pela libert ação, que os faz ver na reconst rução nacional a cont inuação necessária daquela lut a. Em um dos Círculos de Cult ura a cuj os debat es assist im os Elza e eu, em que falavam da lut a pela libert ação, referindo- se a cert os episódios dest a lut a, est abeleciam sem pre a relação est reit a ent re ela e a re- const rução nacional. “ Se na reconst rução, que exige a lut a pela produção – disse m ais ou m enos um deles – só puderm os com er um a vez por dia, com erem os um a vez por dia. Os int eresses do povo est ão acim a dos int eresses individuais” . Na verdade, o analfabet ism o no seio das FARP, com o ent re aquelas populações que se encont ram diret am ent e envolvidas na lut a pela libert ação, é linguíst ico e não polít ico. Do pont o de vist a polít ico, esses m ilit ant es são alt am ent e “ let rados” , ao cont rário de m uit os let rados, que são polit icam ent e “ analfabet os” . Por out ro lado, um dos t raços m arcant es do PAI GC, sob a lúcida liderança de Am ílcar Cabral e de seus cam aradas, foi sem pre o de, ent endendo a lut a de libert ação nacional “ com o um fat o cult ural e um fat or de cult ura” , em t em po algum haver dicot om izado nela o polít ico do m ilit ar. Não um a vez nem duas, em seus t ext os, Am ílcar Cabral sublinha “ que a nossa resist ência arm ada é um at o polít ico” e que a “ nossa resist ência arm ada é t am bém um a expressão da nossa resist ência cult ural” . * Foi est a visão dinâm ica da lut a, const it uindo- se na lut a m esm a, que levou Am ílcar Cabral e seus cam aradas de Part ido a j am ais desprezar a form ação rigorosa dos m ilit ant es. Dai que nunca t ivesse sido est a reduzida a um t reinam ent o puram ent e t écnico- m ilit ar para * Am ílcar Cabral – PAI GC – Unidade e Lut a, Publicações Nova Aurora – Lisboa, l974, pág. 46. * Am ílcar Cabral – Obra cit ada, págs. 219- 220. o m anuseio das arm as. O m ilit ant e aprendia não apenas o que era um fuzil e com o usá- lo, m as t am bém para que usá- lo, porque usálo, cont ra quem e cont ra que usá- lo e a favor de quem e de que usá- lo. “ Som os m ilit ant es arm ados e não m ilit ares” , disse Am ílcar, insist indo na necessidade de “ um t rabalho polít ico eficaz no seio das forças arm adas” , cuj a falt a provocava “ um a cert a m ania m ilit arist a. Tendência, enfat izava ele, que deve ser com bat ida e liquidada com urgência no seio das FARP” . Em t odos os seus m om ent os e aspect os, a lut a se dava sem pre à reflexão dos m ilit ant es, qualquer que fosse o nível de sua responsabilidade nela. As FARP se const it uíram num a experiência que sendo m ilit ar foi sobret udo m ilit ant e e em que, por isso m esm o, os seus part icipant es eram const ant em ent e desafiados a pensar, a conhecer, a crit icar e a crit icar- se; a aprender de seus erros e de seus acert os. Est e foi sem pre o clim a da lut a. “ Desenvolver o princípio da crít ica em t odas as reuniões do Part ido, diz Cabral em um de seus t ext os, dirigindo- se aos cam aradas, em t odos os Com it ês e no seio das forças arm adas. Na guerrilha ou no exércit o, depois de cada operação cont ra o inim igo, devem os apreciar os result ados dessa ação e o com port am ent o de cada com bat ent e” . * * Nout ro t ext o, diz ele ainda: “ Tem os de t er cada vez m ais consciência dos erros e das falt as que fizem os, para poderm os corrigir o nosso t rabalho e agir cada dia m elhor ao serviço de nosso Part ido. Os erros que com et em os não devem desanim ar- nos, assim com o as vit órias alcançadas não devem fazer- nos esquecer os erros” . E m ais adiant e: " Devem os, port ant o, diant e das perspect ivas favoráveis de nossa lut a, est udar cada problem a em profundidade e encont rar para ele a m elhor solução. Pensar para agir e agir para pensar m elhor” . * Est e sent ido de m ilit ância, de com prom isso, que inclui a curiosidade crít ica, a necessidade de conhecer cada vez m ais a realidade que se busca t ransform ar, cont inua a caract erizar as FARP – e não poderia deixar de ser assim – no m om ent o at ual da vida nacional. Est e sent ido de m ilit ância, com t udo o que ele im plica, se faz, afinal, um aspect o fundam ent al na com preensão dos result ados alt am ent e posit ivos que se vêm obt endo no t rabalho de alfabet ização e de pós- alfabet ização no seio das PARP. Não é est a, porém , a sit uação com que nos defront am os nas áreas populares civis de Bissau, cuj a população, int ensam ent e expost a, durant e a fase colonial, à presença do colonizador, a seu poder, à sua violência e a seu engodo e int ocada ou quase int ocada pela lut a, não t eve nest a a part eira de sua consciência polít ica. * * ** * Am ílcar Cabral – obra cit ada, pág. 59. Am ílcar Cabral – obra cit ada, págs. 14- 15. ** I st o não significa, de m odo algum , negar, de um lado, o esforço desenvolvido em Bissau pelo PAI GC, nos prim eiros anos de suas at ividades, a part ir de 1956, ano em que foi fundado, nem o m assacre de Pidj iguit i, em 1959, bárbara repressão do poder colonial às prim eiras expressões de rebeldia popular Daí que, enquant o para os m ilit ant es das FARP a alfabet ização e a pós- alfabet ização sej am percebidas, facilm ent e, com o um at o polít ico e um m eio de m elhor servirem aos int eresses colet ivos, grande part e dos que t êm procurado os Círculos de Cult ura nas áreas civis, segundo os depoim ent os que ai t ivem os, vê a alfabet ização com o um inst rum ent o para a solução de int eresses individuais. Em bora convencido de que est a at it ude t enda a ser superada, na m edida em que o Part ido, fiel a seu passado de com prom isso com o povo e o Governo, fiel a esse Part ido, port ant o ao povo, vem dando t est em unho dest a fidelidade at ravés de obras m at eriais, não podem os desconhecer esse dado concret o. Parece im port ant e recordar, m ais um a vez, a advert ência de Am ílcar, j á cit ada nest a cart a: “ Lem brar sem pre que o povo não lut a por idéias, por coisas que est ão na cabeça dos hom ens” . Se Cabral fazia est a advert ência com relação à lut a pela libert ação, ela é válida quant o à lut a pela reconst rução nacional, a que a alfabet ização de adult os, para falar só nela, se deve ligar. Dest a form a, o t rabalho de alfabet ização de adult os nest as áreas civis nos coloca um a série de problem as, ent re eles o de com o nos aproxim ar de t ais áreas. O de com o encont rar cam inhos at ravés dos quais problem at izem os aos indivíduos sua explicável percepção individualist a da alfabet ização. O de com o, desde o m om ent o m esm o dos prim eiros cont act os com os habit ant es da área, j á com ecem os a vincular a alfabet ização a um a t arefa concret a, a ser feit a à base da aj uda m út ua, em lugar de enfat izar a percepção que dela t êm – a de um a at ividade int elect ual capaz de prom ovê- los individualm ent e. Ao com eçar a repensar as at ividades nest as áreas, creio que um a das prim eiras preocupações da Com issão, que subm et o a vocês, deve- ria ser a de selecionar, com o m áxim o do rigor, algum as delas com o experim ent ais, para um diferent e início dos t rabalhos de alfabet ização. A seleção deverá ser t ão m ais rigorosa quant o est ej am os advert idos de que os result ados obt idos nas áreas escolhidas j ogarão um indiscut ível papel no aprofundam ent o da cam panha e na sua expansão a out ras áreas. Nelas aprenderem os dos acert os e dos erros com et idos, a serem sem pre analisados e discut idos em sua razão de ser. I st o significa aplicar ao t rabalho de alfabet ização, à sua organização, a seu funcionam ent o, os m esm os princípios de crít ica, de disciplina criadora e m ilit ant e que Cabral sem pre apresent ou com o fundam ent ais para a vit ória na lut a pela libert ação. A seleção im plica, nat uralm ent e, em cert os crit érios, ent re os quais salient aria pelo m enos dois: o de se a população da área ou part e dela est á envolvida em algum a at ividade produt iva sist em át ica, ou prest es a envolver- se; o dos níveis de part icipação polít ica da população, em out ras palavras, com o a população vem respondendo ao esforço de m obilização polít ica feit o pelos com it ês de bairro do Part ido. Dai que a Com issão deva est ar em diálogo canalizada pelo Part ido, nem , de out ro, o em penho const ant e do PAI GC, durant e t oda a lut a, no sent ido de at uar em Bissau. const ant e com a liderança desses com it ês, não apenas no m om ent o da seleção das áreas onde at uar, m as durant e t odo o processo de sua ação nos bairros. O Part ido deve t er um papel im port ant e, não só na escolha das áreas m as na im plant ação e no desenvolvim ent o do program a. Escolhidas as áreas – duas, t rês, não im port a – o pont o de part ida do t rabalho seria um a visit a às m esm as, em que os m em bros da com issão se fariam acom panhar de um dos represent ant es do com it ê polít ico local. A est a alt ura t alvez se pudesse dizer por que visit ar est e ou aquele bairro, com o pont o de part ida do t rabalho de alfabet ização, se vivo em Bissau, se t enho est ado nesses bairros por várias vezes? O fat o, porém , de haver est ado várias vezes num bairro ou de cam inhar diariam ent e num a rua nem sem pre é suficient e para que t enham os da rua ou do bairro um a visão realm ent e crít ica. Visão que com eçam os a t er na m edida em que, m ais do que sim plesm ent e visit ar o bairro ou andar quase aut om at icam ent e pela rua, olhando e escut ando apenas, t om am os o bairro ou a rua com o “ preocupação” , procurando vê- los e neles ouvir sua população – com unicar- nos com ela. Processo em que, m ais do que especialist as “ frios e dist ant es” , que fazem da área e de seus habit ant es obj et os de sua análise, som os m ilit ant es em busca de conhecer a realidade da área com os que nela habit am . Nest as visit as, os m ais m ínim os porm enores em t orno da realidade devem ir sendo anot ados – o est ado em que se encont ram as ruas do bairro e que t inha que ver, por exem plo, com a saúde colet iva; a exist ência ou não de pont os de encont ro, em que as pessoas conversam ; a m aneira com o as crianças brincam ou não nas ruas; um sem - núm ero, afinal, de dados que se revelam a nós quando não apenas andam os pelas ruas, m as nos pom os curiosos diant e delas. De alguns desses aspect os poderiam ser feit as fot ografias – verdadeiras codificações da área – que seriam discut idas, post eriorm ent e, nos Círculos de Cult ura, por seus part icipant es. Const it uindo- se com o um a prim eira aproxim ação crít ica aos bairros, est as visit as nos int roduzem ao conhecim ent o deles, conhecim ent o que se irá selando na proporção em que aprofundem os nossa int im idade com seus habit ant es, não só nos Círculos de Cult ura m as sobret udo at ravés de algum program a de ação concret a a ser desenhado com a part icipação dos habit ant es. Dest a form a, em alguns casos, que a prát ica nos indicará, a pósalfabet ização pode “ preceder” à alfabet ização. Assim , em lugar de com eçarm os com Círculos de Cult ura para a alfabet ização, com eçaríam os discut indo com grupos de pessoas do bairro aspect os concret os de suas ruas e a possibilidade de, em um a form a de t rabalho baseado na aj uda m út ua, resolver pequenos problem as locais. Ao discut ir- se, por exem plo, a viabilidade de se j unt arem esforços no sent ido de at errar depressões do t erreno em que as águas da chuva se acum ulam e se est agnam , possibilit ando a proliferação de m osquit os, se pode debat er um a série de ângulo@no cam po da saúde. E não só ist o, m as discut ir t am bém a significação do t rabalho cooperat ivo, da colaboração, da unidade, da reconst rução nacional. A com preensão dest a, nest e caso, passa pela prát ica concret a da reconst rução da casa em que se m ora, das ruas de um bairro e do bairro m esm o. Em cert o m om ent o do engaj am ent o da população em t arefas concret as é possível que a necessidade da alfabet ização se im ponha. Ela será, ent ão, nest a hipót ese, a cont inuidade aparent em ent e paradoxal da pós- alfabet ização que a precedeu. Em qualquer sit uação, porém , se faz indispensável associar a alfabet ização com o a pós- alfabet ização a um a at ividade prát ica, de int eresse colet ivo, sem pre realizada cooperat ivam ent e. Para qual sej a est a at ividade não há receit as prévias nem préfabricadas. É convivendo com os indivíduos em seu bairro que irem os descobrindo com eles o que fazer e é dando- nos ao que fazer e sobre ele pensando que irem os conhecendo m ais e m elhor. O cont eúdo program át ico da alfabet ização – as palavras geradoras e os t em as a elas referidos – com o o da pósalfabet ização, em erge da com preensão crít ica do bairro e das diferent es prát icas que nele se possam desenvolver. Com o t enho sem pre sublinhado, ao escrever- lhes não t enho out ra int enção senão a de propor quest ões, j am ais a de oferecer soluções, m esm o quando sugiro cert o t ipo de ação. E com est e propósit o que lhes escrevo m ais um a vez, quando, desafiados, vocês buscam novos cam inhos para dinam izar as at ividades da alfabet ização de adult os nas áreas populares de Bissau. Com o abraço frat ernal de Paulo Freire Últ im a página At é hoj e, sem exceção, nenhum dos poucos livros que escrevi deixou de ser um a espécie de relat ório, não burocrát ico, é cert o, de experiências realizadas ou realizando- se em m om ent os dist int os da at ividade polit ico- pedagógica em que m e acho engaj ado desde o com eço de m inha j uvent ude. Cart as à Guiné- Bissau, Regist ros de um a Experiência em Processo, t alvez sej a, ent re t odos, o que m ais explicit a, a part ir de ) seu próprio t it ulo, est e carát er de livrorelat ório. Sua I nt rodução e o P.S. a ela são o relat o que sit ua as cart as no cont ext o para o qual e com relação ao qual foram escrit as. Na m edida em que o processo de que t rat a o livro prossegue, m e sint o obrigado a cont inuar fazendo out ros relat órios, que ora aprofundarão afirm ações e análises feit as, ora as ret ificarão, ou a algum as delas às vezes dirão o que ainda não foi dit o. A m aneira com o publicar os relat órios que se seguirão – se sim plesm ent e anexando- os a est e volum e, na hipót ese de novas edições do m esm o; se const it uindo com eles um out ro pequeno livro – não m e preocupa no m om ent o. Um dos pont os a que t erei de volt ar, de m aneira m ais am pla, possivelm ent e no prim eiro dest es fut uros relat órios, é o da língua. Na verdade, quant o m ais m e insiro na experiência guineense, t ant o m ais a im port ância dest e problem a se evidencia, dem andando respost as adequadas em sit uações diferent es. De fat o, o problem a da língua não pode deixar de ser um a das preocupações cent rais de um a sociedade que, libert ando- se do colonialism o e recusando o neo- colonialism o, se dá ao esforço de sua re- criação. E nest e esforço de re- criação da sociedade a reconquist a pelo Povo de sua Palavra é um dado fundam ent al. I m pressão e Acabam ent o Círculo do Livro S.A. Av. Erm ano Marchet t i, 283 – Lapa Caixa post al 7413 Fone : 262- 5005, Sâo Paulo – Brasil Film es fornecidos pelo Edit or.