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Entre nós

Revista Arqueologia Pública

Este texto, tecido a muitas mãos, é inspirado na obra de Grada Kilomba, apresentando episódios de racismo, sexismo e outros vetores de normatização e opressão de corpos femininos, feminizados e racializados. Esses episódios passam também pela estereotipagem e/ou apagamento das mulheres no campo da arqueologia, das narrativas visuais e dos museus. Os episódios são circunscritos por meio de representações de mulheres em diferentes suportes, como documentários, exposições, livros e histórias em quadrinhos. A subalternização das mulheres, sobretudo, não brancas e periféricas é recorrente em diferentes tempos, espaços e discursos.  Dessa forma, como companheiras no escrever, compreendemos que as palavras tecidas são convites à ação: que desvendemos os episódios de violência simbólica nas narrativas que nos rodeiam, provocando releituras e insurgências.

  ARTIGO       DOI 10.20396/rap.v16i1.8663912 ENTRE NÓS: LEITURAS E OLHARES FEMINISTAS SOBRE A REPRESENTAÇÃO DAS MULHERES EM NARRATIVAS ARQUEOLÓGICAS E VISUAIS 1 Camila Azevedo de Moraes-Wichers 2 Aluane de Sá da Silva 3 Giovanna Silveira Santos 4 Karlla Kamylla Passos dos Santos 5 Luciana Bozzo Alves 6 Paula Cristina de Almeida Silva 7 Wynne Borges Carneiro 8 Zilda Vieira Simas Oliveira     RESUMO Este texto, tecido a muitas mãos, é inspirado na obra de Grada Kilomba, apresentando episódios de racismo, sexismo e outros vetores de normatização e opressão de corpos femininos, feminizados e racializados. Esses episódios passam também pela estereotipagem e/ou apagamento das mulheres no campo da arqueologia, das narrativas visuais e dos museus. Os episódios são circunscritos por meio de representações de mulheres em diferentes suportes, como documentários, exposições, livros e histórias em quadrinhos. Para evidenciar aspectos sexistas e racistas, dentre outras questões, recorrentes nas narrativas visuais, escolhemos nos debruçar sobre a análise do documentário “Ateliê de Luzia – Arte Rupestre no Brasil”, de 2003, do diretor Marcos Jorge,                                                                                                                         1 Doutora e Mestra em Arqueologia (MAE/USP), Doutora em Museologia (ULHT-PT) e graduada em História (USP). Docente do Bacharelado em Museologia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Goiás (UFG). E-mail: [email protected]. 2 Especialização Interdisciplinar em Patrimônio, Direitos Humanos e Cidadania (NIEPDH/UFG), bacharelado em Museologia e Comunicação Visual (UFG). E-mail: [email protected].. 3 Mestra e doutoranda em Antropologia Social (PPGAS/UFG) e graduada em Museologia (UFG). Email: [email protected]. 4 Doutoranda em Museologia na Universidade Lusófona, Mestra em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde – FIOCRUZ e graduada em Museologia (UFG). Professora substituta do Bacharelado em Museologia da UFG. E-mail: [email protected]. 5 Mestra e doutoranda em Arqueologia pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]. ORCID https://orcid.org/0000-0002-2802-5117. 6 Mestra e doutoranda em Antropologia Social pela Universidade Federal de Goiás (PPGAS/UFG) e graduada em Direito (PUC-GO). E-mail: [email protected]. ORCID https://orcid.org/0000-0002-4502-9646. 7 Mestranda em Antropologia Social pela Universidade Federal de Goiás (PPGAS/UFG). E-mail: [email protected]. ORCID https://orcid.org/0000-0001-7481-3993. 8 Discente especial do Programa de pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal de Goiás (UFG). Docente de Artes da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia. E-mail: [email protected]. ORCID https://orcid.org/0000-0002-1716-4090.   Campinas, SP v.16 n.1 p.205 06/2021 ISSN 2237-8294 © Rev. Arqueologia Pública     ARTIGO       de duas histórias em quadrinhos, a “Turma do Piteco”, idealizada em 1960, por Maurício de Sousa, e “Luluzinha”, criada por Marjorie Henderson Buell (Marge), em 1935. Analisamos, também, o conteúdo narrativo de duas telenovelas, “Laços de Família” (2000/2001) e “Mulheres apaixonadas” (2003). Restou evidente a subalternização das mulheres, sobretudo, não brancas e periféricas é recorrente em diferentes tempos, espaços e discursos. Dessa forma, como companheiras no escrever, compreendemos que as palavras transcritas são convites à ação: que comecemos a desvendar os episódios de violência simbólica nas narrativas que nos rodeiam, provocando releituras e insurgências. PALAVRAS-CHAVE: Representação; Gênero; Raça; Narrativas visuais; Narrativas arqueológicas. ABSTRACT This text, elaborated by several hands, is inspired by the work of Grada Kilomba, showing episodes of racism, sexism and other vectors of standardization and oppression of female and racialized bodies. These episodes show the erasure and construction of stereotypes of women at archeology research, visual narratives, and museums. The episodes are circumscribed by means of representation of women in different places, for example documentaries, exhibitions, books and comic books. To highlight sexist and racist aspects, among other issues, recurring in visual narratives, we chose to focus on the analysis of the documentary “Ateliê de Luzia - Arte Rupestre no Brasil”, from 2003, by director Marcos Jorge, from two stories in comics, “Turma do Piteco”, created in 1960, by Maurício de Sousa, and “Luluzinha”, created by Marjorie Henderson Buell (Marge), in 1935. We also analyzed the narrative content of two soap operas, “Laços de Família” (2000/2001) and “Mulheres apaixonadas” (2003). It remained evident the subordination of women, above all, not white and poor, is recurrent at different times, spaces, and discourses. Thereby, as partners in writing we understand that the words woven are invitations to action: that we unveil the episodes of symbolic violence in the narratives that surround us, stoking reinterpretations and insurgencies. KEYWORDS: Representation; Gender; Race; Visual narratives; Archeological Narratives RESUMEN Este texto, “tejido por muchas manos”, inspirado en la obra de Grada Kilomba, presenta episodios de racismo, sexismo y otros vectores de normatización y opresión de cuerpos femeninos, feminizados y racializados. Estos episodios también pasan por el estereotipo y / o la exclusión de la mujer en el área de la arqueología, de las narrativas visuales y de los museos. Los episodios se circunscriben mediante representaciones de mujeres en diferentes medios, como documentales, exposiciones, libros y cómics. Para resaltar aspectos sexistas y racistas, entre otros temas, recurrentes en las narrativas visuales, optamos por centrarnos en el análisis del documental “Ateliê de Luzia - Arte Rupestre no Brasil”, de 2003, del director Marcos Jorge, de dos historias en cómics, “Turma do Piteco”, creado en 1960, por Maurício de Sousa, y “Luluzinha”, creado por Marjorie Henderson Buell (Marge), en 1935. También analizamos el contenido narrativo de dos telenovelas, “Laços de Família” (2000/2001) y “Mulheres apaixonadas” (2003). Quedó claro que la subordinación de las mujeres, especialmente las mujeres no blancas y periféricas, es recurrente en diferentes tiempos, espacios y discursos. De esta forma, como compañeras en la escritura, © Rev. Arqueologia Pública   Campinas, SP v.16 n.1 p.206 06/2021 ISSN 2237-8294   ARTIGO       entendemos que las palabras tejidas son invitaciones a la acción: que nosotros develamos episodios de violencia simbólica en las narrativas que nos rodean, provocando reinterpretaciones e insurgencias. PALABRAS-CLAVE: Representación; Género; Raza; Narrativas visuales; Narrativas arqueológicas. INTRODUÇÃO Esse texto é fruto de um diálogo entre mulheres sobre episódios de racismo e sexismo, inspirado na obra “Memórias da Plantação: Episódios de Racismo Cotidiano” de Grada Kilomba (2019). A autora entende por “cotidiano” o fato de que não estamos tratando de eventos pontuais ou isolados, mas sim de “[...] uma constelação de experiências de vida [...] uma exposição constante ao perigo [...]” (KILOMBA, 2019, p. 80). Se a autora enfatiza os episódios de racismo, onde o sujeito negro é inferiorizado por diferir do grupo que tem o poder de definir a norma branca, aqui pautamos nossas análises pela interseccionalidade entre gênero, raça, classe e sexualidade. Da mesma forma que Grada Kilomba, compreendemos que esses episódios constituem, na realidade, políticas que tem como objetivo impor o silêncio às pessoas que não se enquadram na norma configurada pelo homem cis, branco, proprietário e heterossexual. A arqueologia será abordada em três dimensões para essa discussão. Primeiramente, como campo científico cujos corpos acadêmicos são, majoritariamente, caracterizados pela norma, ainda que essa realidade tenha sido parcialmente alterada na última década. Essa dimensão está particularmente trabalhada no início do texto, que destaca a arqueologia subaquática. Em uma segunda dimensão, esses corpos acadêmicos produzem narrativas que constroem e reiteram a norma, resultando em discursos marcados por um presentismo, onde padrões de gênero, entre outras normatizações, são projetados para sociedades do passado. Essa dimensão está presente na socialização da arqueologia em documentários, museus e materiais educativos, dentre outros, incutindo na sociedade a norma que auxiliaram a construir e a reforçar. A escolha dos materiais visuais abordados foi baseada na formação, constituição e experiência das autoras como mulheres no mundo. As fotografias que demarcam o campo científico, os materiais audiovisuais, as histórias em quadrinhos, os museus, as exposições e as novelas analisadas são suportes que marcaram individualmente cada uma das autoras, seja pela falta de representatividade ou pela normatização de corpos, posturas e narrativas. Ao debatermos os efeitos das políticas de © Rev. Arqueologia Pública   Campinas, SP v.16 n.1 p.207 06/2021 ISSN 2237-8294   ARTIGO       memória e de representação em nossas vidas e trajetórias acadêmicas vimos a necessidade de abordar esse assunto sob uma perspectiva científica. Por fim, uma terceira dimensão do texto reside no uso das lentes da arqueologia para leitura do mundo no qual estamos inseridas, conforme a última parte do texto que sintetiza aspectos das políticas de Outridade. POLÍTICAS DE GÊNERO E RAÇA NA CIÊNCIA ARQUEOLÓGICA A configuração da Arqueologia como ciência se deu no século XIX, no bojo da construção das identidades nacionais, fortemente imbricada com colonialismos e imperialismos (MORAES-WICHERS, 2017). Um ideal moderno de civilização produziu uma norma, configurada pelo homem cis, branco, heterossexual e proprietário, transformada em referencial para a classificação do mundo. As pessoas que não se adequam a esse ideal passam a compor um contingente de corpos abjetos e de vidas que não importam (BUTLER,1993), com base em um discurso pretensamente científico e neutro. Em uma perspectiva histórica, os vestígios materiais, denominados como arqueológicos por essa disciplina científica, compõem um processo bem mais longo, estando associados ao ato humano de colecionar, de selecionar e ressignificar aspectos materiais do mundo. Entretanto, essa relação com as materialidades, ao tornar-se ciência, assumiu uma visão colonialista das histórias e das diferenças, afetando a trajetória da arqueologia até o presente. Tal percurso, sexista, racista e nacionalista, tem resultado em silenciamentos e representações estereotipadas das sociedades do passado, bem como em agenciamentos e normatizações das sociedades do presente. Estudos têm demonstrado como o campo científico da arqueologia brasileira tem sido marcado por autorias de homens brancos europeus e estadunidenses, que compõem a imensa maioria das referências utilizadas na formação acadêmica das/os profissionais do campo (RIBEIRO et al., 2017; DE PAULA PASSOS, 2019). Esse quadro resulta na exclusão das experiências, vivências e conceitos engendrados por mulheres, pessoas negras, indígenas, periféricas e LGBTs. Nesse primeiro momento do texto, selecionamos um subcampo específico da disciplina para essa discussão: a arqueologia subaquática. A escolha dessa vertente se justifica pois, suas produções e representações são especialmente marcadas pelo androcentrismo e pela branquitude. © Rev. Arqueologia Pública   Campinas, SP v.16 n.1 p.208 06/2021 ISSN 2237-8294   ARTIGO       Enquanto prática científica, a arqueologia subaquática vem sendo praticada em diversas partes do mundo desde a segunda metade do século XX, com pesquisas em ambientes, pontual ou permanentemente submersos. Devido às particularidades que tornam essa atividade extremamente fotogênica, atrativa aos olhares do público em geral, inúmeros registros fotográficos e imagéticos têm sido feitos a fim de documentar o denominado patrimônio cultural subaquático em suas variadas facetas. É possível observar nos registros a presença maciça de pesquisadores homens, conforme ressalta Marina Fontolan (2015). A autora examinou 17 obras publicadas entre 1966 e 2009, que continham mais de 3500 imagens e detectou a baixíssima presença de pesquisadoras mulheres, mesmo nos momentos em que a atuação feminina já era mais recorrente, sendo predominantes os registros de homens brancos, comumente manuseando equipamentos tecnológicos. Essas imagens estão imbricadas aos seus contextos de produção e reforçam estereótipos de gênero e de raça relacionados à prática da arqueologia subaquática. Na memória coletiva, essa atividade é classificada, frequentemente, como busca de relíquias e objetos valiosos em um meio perigoso e hostil, em representações que ressaltam a necessidade de coragem e esforço físico, associando-a aos homens, pretensamente mais fortes e corajosos (TEGA-CALIPPO, 2012). Ao interseccionarmos raça na análise das imagens produzidas pela arqueologia subaquática, em diálogo com a pesquisa de Fontolan (2015), podemos pressupor que o número de homens negros seria ínfimo, tendendo a zero. A branquitude coloca-se como detentora da razão científica e do aparato tecnológico necessário para esses estudos. As mulheres negras, por sua vez, são totalmente excluídas das práticas e/ou representações. A Figura 1, trazida como exemplo, corresponde a capa de um livro editado pela Sociedade de Arqueologia Náutica, utilizado internacionalmente como referência sobre as técnicas de pesquisas submersas. A capa constrói e reproduz a hegemonia masculina e branca nesses estudos, ainda que o livro tenha como editora uma mulher. © Rev. Arqueologia Pública   Campinas, SP v.16 n.1 p.209 06/2021 ISSN 2237-8294   ARTIGO       FIGURA 1: Capa do livro Underwater Archaeology – The NAS Guide to Principles and Practice, 2009. Bell hooks9 (2019) ao analisar as representações de pessoas negras na indústria cinematográfica evidencia a importância da desconstrução da narrativa supremacista branca, apontando o racismo institucional e estrutural, muitas vezes perpetrado nas entrelinhas do discurso (hooks, 2019, p. 72). As imagens, tanto as estáticas examinadas por Fontolan (2015), quanto as exibidas nos filmes analisados por Hooks (2019), são carregadas de significados e poder. Essas seleções têm a capacidade tanto de romper com paradigmas, quanto de legitimar discursos hegemônicos, reiterando a norma moderna e ocidental. Na última década, no Brasil, essa norma tem sido questionada por ações que atuam nas fissuras da colonialidade, bem como por meio de contra narrativas. A ampliação dos cursos de formação em arqueologia e as políticas de cotas têm possibilitado o acesso de pessoas pobres, negras, indígenas, periféricas e LGBTs, dentre outras denominadas minorias políticas, à arqueologia, alterando as condições de produção do discurso                                                                                                                         9 Cientes que as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) impõe a citação de autores e autoras com a grafia em caixa alta, referenciamos a escritora bell hooks, em caixa baixa, em respeito à autora que adota, ela própria, a postura política de grafar seu nome em caixa baixa. Para ela nomes, títulos, nada disso tem tanto valor quanto as ideias. Campinas, SP v.16 n.1 p.210 06/2021 ISSN 2237-8294 © Rev. Arqueologia Pública     ARTIGO       científico10. Ainda que sob ataque no momento político atual, essas mudanças certamente significam novas condições de produção do discurso científico, que poderão afetar as imagens e representações da arqueologia. Mas voltemos ao início do século XXI. Vamos analisar um dos filmes destinados a socializar a arqueologia para a sociedade brasileira em um amplo senso. POLÍTICAS DO SEXO E DA ARTE NO ATELIÊ DE LUIZA O documentário “Ateliê de Luzia – Arte Rupestre no Brasil11”, de 2003, do diretor Marcos Jorge, discorre sobre as pesquisas arqueológicas realizadas no país. Oito pessoas – três arqueólogas, dois arqueólogos e três profissionais (homens) de áreas afins –, predominantemente brancas/os, se revezam em falas destinadas a trazer aspectos da arqueologia brasileira para o público em geral, com ênfase em temas como a antiguidade das ocupações humanas e a arte rupestre. A arqueologia é apresentada como ciência que se dedica a estudar “a cultura evoluindo12”, o “homem pré-histórico” e as “tribos” indígenas. Ainda nos primeiros 20 minutos do documentário, a arqueóloga Niède de Guidon, ao expor as pesquisas realizadas no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, sobre as tradições da arte rupestre, afirma que algumas pinturas caracterizam “pessoas do sexo masculino, porque o sexo está representado” (19’05’’). No caso, o falo é utilizado como representação do masculino. Mas, alguns segundos após a referida assertiva, Niède enfatiza que, “o problema das pinturas, é que do ponto de vista científico, na falta do código, tudo que se disser sobre elas, nunca poderá ser provado” (19’26’’). Segundo Laura Furquim e Camila Jácome (2019, p. 8), tais interpretações revelariam “um cenário de diferença”, mas não necessariamente de desigualdade, que permanece inexplorada criticamente. Essa diferença é afirmada em representações de gênero acionadas a partir de leituras da arte rupestre baseadas no dimorfismo sexual. Masculino e feminino, homem e mulher são organizados em binarismos assimétricos. Butler                                                                                                                         10  Ver exemplos de trabalhos na arqueologia subaquática: ALVES, 2016; NOVAES, 2017.     Disponível em: https://vimeo.com/132775716. Acesso em: 05 dez. 2020.   12 Os termos assinalados entre aspas e itálico foram retirados dos materiais analisados, no caso do documentário enfatizado neste eixo do artigo.   Campinas, SP v.16 n.1 p.211 06/2021 ISSN 2237-8294 © Rev. Arqueologia Pública 11     ARTIGO       (1990) nos alerta que as categorias de sexo e gênero são construídas culturalmente, ainda que constantemente afirmadas como elementos “pré-discursivos”, naturalizadas biologicamente, anteriores e se contrapondo à cultura. Ademais, no documentário, a ciência arqueológica aciona um masculino pretensamente neutro, que serviria para representar tudo e todos. Quando a categoria ‘mulher’ é utilizada, vem acompanhada de uma tarefa específica. Dentre as poucas funções designadas para a mulher, destaca-se “trabalhar com as crianças” (20’34’’). Se por um lado, o documentário conta com a presença de muitas arqueólogas, por outro lado, sua narrativa retira do campo de ação das mulheres diversas atividades, entre elas, a arte. Não nos debruçamos aqui sobre o uso do termo arte e suas implicações enquanto colonialidade do saber, posto sua construção no ocidente moderno. Como afirma Naine Terena13, se as curadorias tivessem enfatizado a autoria indígena, a arte indígena como fenômeno que atravessa diversas dimensões da vida, isso seria um grande avanço. Dessa forma, compreendemos que os registros rupestres podem ser compreendidos como arte dos “parentes” indígenas14. O referido documentário acertadamente traça um paralelo entre a arte rupestre, o grafite e a pichação. Se por um lado, a associação entre diferentes expressões gráficas dos coletivos humanos ao longo do tempo – já trabalhada por Andrei Isnardis (1997), arqueólogo que também colabora no documentário analisado – revela-se como um caminho profícuo, por outro lado, as políticas do sexo na arte estabelecem lugares distintos para homens e mulheres. Essa parte do documentário apresenta também oito pessoas, sendo apenas uma mulher. Em termos raciais, apenas dois homens negros são inseridos. Cabe nos determos nas distinções entre grafite e pichação, bem como os dualismos e assimetrias que tal divisão sinaliza, sendo importante indicar que essa diferenciação é própria do contexto brasileiro (MORAES, 2014, p. 29). O grafite, ainda que com ressalvas, é mais facilmente legitimado e apreciado como arte, presente em galerias. A pichação, por sua vez, fica na arena de uma prática de resistência contra hegemônica que não é                                                                                                                         13 Anotação de aula proferida pela professora Naine Terena no dia 17 de setembro de 2020 no curso Curadorias em Perspectiva do Instituto Tomie Ohtake. 14 As populações indígenas no Brasil utilizam o termo “parente” frequentemente para se referir a indígenas de outras etnias, em processos de identificação e pertencimento. Destacamos o trabalho de Elaine Wanderley “É pote de parente antigo! A relação de indígenas Apurinã da Terra Indígena Caititu com os sítios e objetos arqueológicos” (WANDERLEY, 2016) como uma das pesquisas que evidenciam as relações entre as coisas estudadas pela arqueologia e os povos indígenas.   Campinas, SP v.16 n.1 p.212 06/2021 ISSN 2237-8294 © Rev. Arqueologia Pública     ARTIGO       legitimada. Mesmo ambas as práticas estando presentes dentro do elemento visual do movimento Hip Hop, ocorrem tensões até entre as/os adeptas/os. Existem pichadoras/es que são grafiteiras/os e pessoas que atuam somente em um dos dois. Dentre as tensões evidenciadas, somaremos um destaque àquelas relacionadas aos papéis de gênero e a recorrente masculinização da prática, pois as mulheres precisam administrar o conflito de ser mulher num movimento predominantemente masculino e masculinizado (SANTOS, 2019). No documentário, a referida distinção também opera, em 54’00’’ aparece na legenda “pichação (também conhecida como vandalismo)”, sendo indicado sempre se os entrevistados são grafiteiros ou/e pichadores. Não obstante, em 60’09’’, Isnardis comenta sobre a dificuldade de avaliar o quanto o grafite ainda possui das “gangues” de pichadores. A técnica aparece no documentário como elemento central na “evolução” das sociedades. Esta premissa de “técnica” é utilizada como argumento tanto para marcar as distinções entre grafite e pichação, como entre a produção masculina e feminina. Nesses dualismos, o grafite seria tecnicamente superior, assim como a produção masculina. Se na “pré-história” a maternidade e o cuidado com as crianças são elementos ressaltados como ocupações femininas, no presente, capturado pelo documentário, a mulher grafiteira é jovem e branca, sendo que sua produção, ao fundo, possui características feminilizadas. Compreendemos que a escolha dessa artista e obra não são neutras, mas que compõem o campo das políticas sexuais e de arte. Além disso, embora o Ateliê seja de Luzia no título do documentário, essa mulher considerada o esqueleto “feminino” mais antigo das Américas15, não é afirmada como artista, como sujeita criadora das expressões gráficas presentes em tantos espaços do atual território brasileiro. É comum a falta de técnica ser a explicação para a ausência de mulheres artistas (NOCHLIN, 2016 [1971]), argumento recorrentemente utilizado para invisibilizar a produção das artistas pichadoras e grafiteiras. Entretanto, foi a modernidade ocidental que firmou um                                                                                                                         15 Estudos recentes, baseados em análises do DNA, propõem outra narrativa acerca das primeiras ocupações humanas do continente americano, questionando levas migratórias austro-melanésias. Esses estudos substituíram a imagem de Luzia, uma mulher negra, pela imagem de um homem, com feições mais próximas de uma pessoa branca (SALLES, 2020 e POSTH et al, 2018). Campinas, SP v.16 n.1 p.213 06/2021 ISSN 2237-8294 © Rev. Arqueologia Pública     ARTIGO       patriarcado de alta intensidade16, onde as mulheres desempenham funções inferiorizadas e desvalorizadas, restringindo a participação das mulheres em outras atividades, como a criação artística. Essa visão, impregnada de um presentismo, é, então, projetada no passado, na interpretação da arte rupestre. Nesse sentido, o engajamento de mulheres na produção da arte urbana rompe paradigmas ao quebrar a dicotomia que reserva o espaço público aos homens e a vida privada às mulheres. Assim como nas demais dimensões da vida, a cena da arte urbana não foge da reprodução de comportamentos machistas, sexistas e misóginos. Não obstante, a produção feminina leva para as ruas contranarrativas pulsantes ao abordar temas como o assédio sexual, a discriminação e a violência de gênero, a violência doméstica, a ditadura da beleza, a maternidade e os direitos reprodutivos. A pichação feita por mulheres por si só é transgressora, toma de assalto e intervém no espaço público, transita em ambientes masculinizados, pede – ou melhor, exige – respeito, além de reivindicar o território da arte urbana. As tantas luzias que nos precederam podem ser inspirações para essa criação no presente. Seguindo em um percurso que busca evidenciar as relações entre prática arqueológica, materialidades, representações, silenciamentos e estereotipações, tivemos a possibilidade de adentrar em um universo que pode ser um dos espaços mais frequentemente acessados por crianças e jovens: as histórias em quadrinhos. POLÍTICAS DO CORPO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS Crianças e adolescentes, muitas vezes, acabam acessando conteúdos relativos à “pré-história”17 e, mais amplamente, sobre os papéis de gênero no presente, em histórias em quadrinhos (HQs). Para demonstrar como esses materiais trazem conteúdos que acabam construindo representações estereotipadas acerca do passado dos coletivos humanos, o que revela na realidade a projeção dos ideais do presente e a normatização                                                                                                                         16 Aqui dialogamos com Rita Segato, que defende que as sociedades ameríndias, antes da colonização, seriam caracterizadas por um patriarcado de baixa intensidade, marcado por uma dualidade hierárquica, que, apesar de desigual, tinha plenitude ontológica e política, a qual teria sido substituída com a colonização por uma estrutura binária (SEGATO, 2012). 17 Termos como “pré-história” ou mesmo “pré-colonial” marcam um tempo linear, concepção própria das sociedades ocidentais ou ocidentalizadas (MCCLINTOCK, 2010). Além de marcar essa divisão, o termo pré-história, muitas vezes é compreendido como sinônimo das pesquisas arqueológicas, ignorando a prática arqueológica voltada para o passado contemporâneo. Campinas, SP v.16 n.1 p.214 06/2021 ISSN 2237-8294 © Rev. Arqueologia Pública     ARTIGO       dos corpos e formas de existir, escolhemos a HQ “Turma do Piteco”. Adiante, traremos apontamentos sobre as políticas do corpo e do gênero na HQ “Luluzinha”. A “Turma do Piteco”, idealizada pelo cartunista Maurício de Sousa ainda na década de 1960 e publicada como tira no jornal Diário de São Paulo, tem como público-alvo crianças em fase de letramento escolar básico, procurando estimulá-las à leitura. Ainda que a obra possa buscar ensinar conteúdos básicos da história evolutiva da humanidade, incorre em diversos equívocos, como a convivência entre seres humanos e dinossauros. O ambiente onde se passa a história é generalizado, assim como as características da “idade da pedra”: a constante luta pela sobrevivência; os perigos, dentre esses, os dinossauros, e o papel do homem enquanto herói a enfrentar essas adversidades. Neste caso o herói é Piteco, caracterizado por seu penteado, roupa e arma. A personagem Thuga, por sua vez, constrói e reitera estereótipos de gênero: ela é uma mulher branca, gorda e seu maior sonho é casar-se com Piteco, mas não é correspondida por ele (CARDOSO, 2020). Por que justamente uma mulher cujo corpo foge do padrão ditado pela norma tem seus sentimentos rejeitados? A história “Piteco em: Homus Erectus18”, lançada em 2003, permite explorarmos outras dimensões das políticas do corpo, sexo e gênero presentes nessa HQ. Nesta história, Piteco encontra um povo que se movimenta engatinhando, utilizando mãos e pés. Esse povo zomba de Piteco, porque estranha ele se movimentar andando. Mas quando Piteco e membros desse povo são atacados por um tigre-dente-de-sabre, Piteco consegue fugir mais rápido que todos porque é bípede. Além disso, Piteco enfrenta o tigre utilizando seu tacape com as mãos, derrotando o animal. Assim, as pessoas começam a perceber as vantagens de andar com os dois pés. As personagens femininas ocupam um espaço imagético menor do que o espaço ocupado pelos personagens masculinos na história. Com isso, percebe-se que há uma prevalência dos últimos, são eles quem mais têm falas e interagem entre si, são os que fazem política, evidenciando a construção do gênero no âmbito da cultura (HARDING, 1986). As materialidades que sustentam as representações sexistas são diversas. Uma personagem feminina sempre está acompanhada por uma criança, reiterando seu lugar social de genitora e cuidadora. É representada em posturas que sutilmente indicam a                                                                                                                         18 Disponível em: https://www.facebook.com/striptiras/photos/a.461812737171685.111302.435784396441186/4618127 77171681. Acesso em: 12 out. 2020. Campinas, SP v.16 n.1 p.215 06/2021 ISSN 2237-8294 © Rev. Arqueologia Pública     ARTIGO       subserviência do corpo feminino/feminizado ao masculino. As atividades das personagens na cena marcam diferenças e reforçam “castas” de relevância social entre os gêneros. Essa dicotomia é hierarquizada e atua no sentido de fixar um dominante e uma subordinada (COLLINS, 2019). O auge da representação machista evidencia-se na cena em que os homens são retratados em um estágio mais avançado do que as mulheres, tendo aprendido a andar de modo bípede, inclusive o bebê19. Todas as mulheres da cena ainda estão em posição quadrúpede, reforçando estereótipos de atraso e inferioridade do gênero feminino. Ademais, nessa cena a fala é apenas dos homens.                                                                                                                         19 É possível pressupor que o autor quis retratar um personagem masculino no bebê através da lógica cromático-dicotômica ocidental que tem construído a associação entre a cor azul e a masculinidade.   Campinas, SP v.16 n.1 p.216 06/2021 ISSN 2237-8294 © Rev. Arqueologia Pública     ARTIGO       FIGURA 2: Cena da história em quadrinhos “Piteco em: Homus erectus” da Turma do Piteco, 2003. © Rev. Arqueologia Pública   Campinas, SP v.16 n.1 p.217 06/2021 ISSN 2237-8294   ARTIGO       A narrativa arqueológica é uma forma de compreender o mundo, portanto, estruturada pelos parâmetros do presente. Compreendemos que as narrativas arqueológicas não rompem com o tipo de representação expresso na HQ Piteco. Pelo contrário, acabam sendo eixos de um esquema de pensamento dicotômico e assimétrico, em que as mulheres ocupam o lado inferior dessa díade. Não é por acaso que os corpos feminizados estão alocados no que chamamos universo doméstico, enquanto as personagens masculinas são retratadas no que poderíamos chamar de vida pública. Narrativas e representações como essas compõem uma gama de violências físicas, simbólicas e epistêmicas (SEGATO, 2012) contra nós, mulheres, e requerem releituras e insurgências. Conforme nos ensina Alison Wylie, “O que precisamos é de uma história que possa ser usada pelas mulheres e meninas hoje – e uma história que nos torna literalmente invisíveis, certamente não pode sê-lo” (WYLIE, 2014, p. 260). Por seu turno, algumas histórias em quadrinhos parecem perturbar as normatizações de gênero na sociedade contemporânea, ainda que não rompam com a construção de estereótipos. A personagem Luluzinha, da HQ homônima, foi criada por Marjorie Henderson Buell (Marge), em 1935, sob a forma de cartuns semanais na revista Saturday Evening Post. Com sucesso imediato, a série continuou por quase 10 anos, quando a autora parou de produzi-la para se dedicar ao casamento – fato que demonstra o peso dos papéis de gênero ditados pela sociedade. A personagem continuou a fazer sucesso em propagandas, passando a compor histórias em quadrinhos na segunda metade do século XX. John Stanley e Irving Tripp escreveram e desenharam a quase totalidade das histórias entre 1950 e 1959. Nos anos posteriores outras editoras e produtoras viriam a obter o direito da personagem, que segue bastante conhecida. © Rev. Arqueologia Pública   Campinas, SP v.16 n.1 p.218 06/2021 ISSN 2237-8294   ARTIGO       FIGURA 3: Capa da revista “Luluzinha”, 2012. Luluzinha usa um vestido vermelho curto de manga longa – o clássico que a eternizou – e traz os cabelos minuciosamente produzidos em cachos, na altura dos ombros e uma delicada boina vermelha, certamente para combinar com o vestido. Já Bolinha, usa traje marinheiro20. Na capa analisada, o semblante vitorioso da menina, que tem ao seu lado quase a totalidade das bolinhas de gude no jogo, enquanto Bolinha chora, mostra a vitória da personagem feminina em uma brincadeira frequentemente associada aos meninos. Para Bolinha, a derrota é ainda mais amarga, pois vem perpetrada por um ser “inferior”, ou seja, uma menina.                                                                                                                         20 Disponível em: http://www.guiadosquadrinhos.com/edicao/luluzinha-n-15/lu167100/98819.Acesso em: 16 dez. 2020 Campinas, SP v.16 n.1 p.219 06/2021 ISSN 2237-8294 © Rev. Arqueologia Pública     ARTIGO       Para Sueli Carneiro: “[...] a construção da identidade é um processo que se dá tanto pela aproximação com o outro (aquele com quem desejamos nos assemelhar, qualificado positivamente) como pelo afastamento do outro (de quem nos julgamos diferentes e qualificamos negativamente)” (CARNEIRO, 1995, p. 547). Na imagem, o senso de identidade de Bolinha se assume instabilidade a ponto de fazê-lo chorar, pondo à prova a noção hegemônica de masculinidade. Luluzinha subverte seu papel na história, nos termos de Joan Scott (1990), pois pode até usar a vestimenta e o penteado indicados para garotas, mas se comporta como um garoto, ao adentrar no seu universo de brincadeiras e mais que isso, ao vencer o jogo. Se filmes, documentários e histórias em quadrinhos são espaços importantes de veiculação das narrativas de gênero, qual seria o lugar dos museus nesses processos? POLÍTICAS MUSEAIS: SILENCIAMENTO E ESTEREOTIPAGEM Cristina Bruno (2005) tem utilizado o conceito de memórias exiladas para compreender a inserção dos vestígios arqueológicos na história social brasileira. Segundo a autora, esses vestígios são onipresentes nos museus, mas raramente são tomados como referências culturais, resultando em uma estratigrafia do abandono. Camila Moraes-Wichers (2019) dialoga com essa ideia, demonstrando que esses vestígios, quando expostos ou tomados como referenciais em narrativas visuais, são componentes de processos de silenciamento e/ou estereotipagem, resultando em violências simbólicas. Para Sandra Harding (1986), a dimensão simbólica da opressão envolve a construção de estereótipos de raça, classe e gênero, entre outros. Patrícia Hill Collins, por sua vez, demonstra como os estereótipos são uma representação de imagens externamente definidas e controladoras da condição, em especial, das mulheres negras (COLLINS, 2019). As políticas museais, em instituições arqueológicas e antropológicas, mas também em museus de história e arte, entre outras tipologias, são marcadas pela norma, apagando ou representando de forma assimétrica os corpos abjetos. Uma das autoras do presente texto, uma mulher negra, foi pela primeira vez ao museu quando tinha dez anos, com a escola. Era o Museu das Bandeiras, na Cidade de Goiás/GO. Apesar de impressionada com o tamanho daquele casarão, aquele espaço não a © Rev. Arqueologia Pública   Campinas, SP v.16 n.1 p.220 06/2021 ISSN 2237-8294   ARTIGO       interessou. Os ambientes eram escuros, existiam instrumentos de suplício e castigo em salas que contavam uma história sobre os “escravos” e o ciclo do ouro. Sua segunda visita a uma instituição museológica, na mesma época, foi ao Museu Imperial em Petrópolis/RJ. Ainda que mesmerizada com o tamanho daquele edifício tão antigo, com seus cômodos enormes, com o salão de música e camas altas com dossel, entre outros elementos, a sensação de ausência se manteve. Os cheiros, cores e os retratos de moças de pele tão alva, lábios rosados e cabelos claros marcaram as memórias sobre aquele espaço. Levada pelos seus pais, que também são negros, para conhecer um pouco da história do país, a menina percebeu que não cabia naquela narrativa: “vi a história sendo escrita e narrada por pessoas brancas, que em nada se pareciam comigo ou com meus familiares, e meus ancestrais serem subalternizados, era a confirmação que eu estava do lado da história que fora escamoteado21”. Os museus mencionados ainda que não propriamente arqueológicos – embora o Museu das Bandeiras possua peças arqueológicas em seu acervo e exposição – são materialidades que, lidas à luz do olhar arqueológico, colocam-se como arenas que poderiam servir para o questionamento das estratégias da colonialidade em materializar discursos pré-concebidos, reiterando a norma. Algumas instituições têm buscado esse caminho. O Museu de Arte de São Paulo – MASP, por exemplo, com a exposição “Histórias Afro-Atlânticas”, em 2018, tentou trazer à tona outros discursos sobre as pessoas negras e, mais que isso, com a curadoria de algumas pessoas negras. A menina, hoje mulher, finalmente se enxergou nos rostos e corpos das pessoas artistas, das pessoas representadas ou simplesmente espectadoras: “me identifiquei com o que estava sendo retratado e acionei memórias que eu nem sabia que estavam guardadas22”.                                                                                                                         21 22 Narrativa da penúltima autora do artigo. Narrativa da penúltima autora do artigo.   © Rev. Arqueologia Pública   Campinas, SP v.16 n.1 p.221 06/2021 ISSN 2237-8294   ARTIGO       FIGURA 4: Visita à exposição Histórias Afro-atlânticas do MASP: o encontro com a obra de Dalton Paula. Foto: Everton Lamare, outubro/2018. Contra Narrativas também têm sido desenvolvidas em museus de arqueologia, com a ressignificação de acervos e elaboração de exposições com curadorias indígenas. Recentemente, o Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo inaugurou a exposição “Resistência Já”, fruto do trabalho com os povos Kaingang, Guarani Nhandeva e Terena, que realizaram a curadoria da exposição, sob a coordenação de Marília Cury (GUIMARÃES et al., 2017). Pensamos em Alex Ratts, escrevendo “Eu sou Atlântica”, sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento: “é tempo de falarmos de nós mesmos não como ‘contribuintes’ nem como vítimas de uma formação histórico social, mas como participantes desta formação” (RATTS, 2007, p. 101). Pensamos em Lélia Gonzalez, em como não estamos nos livros, nos museus, nos discursos patrimoniais, nas narrativas visuais e nas histórias em quadrinhos. Mulheres, pessoas negras, indígenas, periféricas e LGBTs. Se lá estamos, somos na maioria das vezes enquadradas em representações estereotipadas que visam © Rev. Arqueologia Pública   Campinas, SP v.16 n.1 p.222 06/2021 ISSN 2237-8294   ARTIGO       reafirmar lugares subalternizados. Pensamos nas pessoas heroínas que foram apagadas e que hoje vão ressurgindo através da resistência da nossa sobrevivência. E é por pensar assim, é por ver e viver tudo isso, é por pensar que os “nossos passos vêm de longe”, que seguimos em frente. Os apagamentos e estereótipos também nos chegam pela propaganda, imprensa, produção fílmica hollywoodiana e televisão. Selecionamos aspectos das telenovelas para traçar essa reflexão. POLÍTICAS DA OUTRIDADE E ALGUMAS PALAVRAS FINAIS Este tópico final é inspirado pelo capítulo “Você gostaria de limpar nossa casa?” de Grada Kilomba (2019) e por duas telenovelas da rede Globo de televisão, “Laços de Família” (2000/2001) e “Mulheres apaixonadas” (2003)23. Entre as autoras que referenciam esta construção, além de Kilomba, destacamos bell hooks (2019)24 e Silvia Federici (2019). Essas novelas são repletas de episódios de racismo e sexismo cotidiano, prestando-se a algumas costuras finais desse texto. Costuras alinhadas de forma a deixar trechos abertos, à mostra, posto que nos dispusemos a enveredar por muitos caminhos, não no intuito de trazer verdades ou certezas, mas de expor políticas de exclusão e opressão, assim como apontar possíveis fissuras para nossa ação. As duas novelas supramencionadas, do autor Manoel Carlos25, trazem enredos parecidos, com mulheres ricas e apaixonadas, enquanto as mulheres negras estão à serviço das pessoas brancas. Essas histórias retratam as elites cariocas, em especial, do bairro Leblon, com tramas perpassadas por dilemas da branquitude e da masculinidade hegemônica. As materialidades são as praias, as calçadas limpas e seguras, os apartamentos amplos e ricamente mobiliados, as roupas de grife e as jóias, a mesa posta pela empregada negra. Uma arqueologia do contemporâneo ao traçar os materiais e seus fluxos, revela a persistência desse cenário nas novelas aqui mencionadas e em tantas                                                                                                                         23 Ambas estão sendo reprisadas no momento da construção deste artigo (dezembro/2020), uma na Rede Globo e a outra no canal Viva, também do Grupo Globo. 24 Ainda sugerimos como complementar os materiais audiovisuais: o filme “Que horas ela volta?” (2015); a série ‘Pequenos Incêndios por Toda Parte’ (Little Fires Everywhere) (2020); o vídeo ‘Empregadas domésticas’ (2020). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=v7V4tIUYLP8. Acesso em 08 dez. 2020. 25 Homem cis, branco, heterossexual, de classe média e nascido em São Paulo, em 1933.   Campinas, SP v.16 n.1 p.223 06/2021 ISSN 2237-8294 © Rev. Arqueologia Pública     ARTIGO       outras obras. Poucas mulheres negras têm uma narrativa própria, que vá além do contato com suas/seus patroas/patrões e com as crianças que elas cuidam. Estão à disposição da primeira hora da manhã à última da noite, isoladas (FEDERICI, 2019), oferecendo serviços variados. Estudos demonstram que elencos das novelas brasileiras ainda são hegemonicamente brancos, uma vez que apenas 8,8% das personagens poderiam ser identificadas como não-brancas. O percentual médio de atores e atrizes pretos ou pardos de acordo com o escritor principal da novela no período de 1985-2014 variou entre 4 e 13%, sendo que Manoel Carlos teria escalado cerca de 11% de atrizes e atores não brancos em suas obras (CAMPOS; FERES JÚNIOR, 201626). Bell hooks oferece o conceito de Outridade para designar um “outro” exotizado, particularmente por suas diferenças em termos de gênero e raça (hooks, 2019 [1992]). Temos defendido, nesse texto, que as narrativas arqueológicas e visuais são eixos onde silenciamentos e estereótipos são elaborados e reafirmados. Na ciência, nas visões construídas acerca do passado – onde normas de gênero são projetadas nas sociedades que nos precederam –, na arte das galerias e da rua, nos museus e nas histórias que teriam como finalidade ensinar ou entreter, uma imagem persiste, inúmeras e inúmeras vezes: os corpos feminizados são destinados ao cuidado, aos afazeres menos valorizados e ao espaço privado. Quando também racializados, esses corpos são ainda mais marginalizados. Pelo prisma da interseccionalidade sabe-se que outros eixos – como classe, sexualidade e o fato de uma mulher ser trans e não cis, para citar apenas alguns – podem atravessar esses corpos, tornando-os ainda mais inferiorizados. Kilomba, no capítulo mencionado, discorre sobre um episódio em que foi a um médico branco, quando tinha 13 anos, quando ele perguntou se ela não limparia a casa dele. A autora questiona se em outros cenários esse convite seria possível, e se fosse um homem branco e uma menina branca? Se fosse uma médica branca e um menino negro?                                                                                                                         26 “É curioso notar que as novelas de Manoel Carlos em específico, frequentemente focadas nos dilemas amorosos e cotidianos das elites cariocas, foram mais de uma vez criticadas pela ausência de personagens negros. Mas no mínimo desde “Por Amor” (1997), novela que abordou a temática racial em um de seus núcleos, é possível perceber que o escritor opta por representar ao menos alguns núcleos com personagens não brancos. Essa preocupação atinge seu momento mais evidente em “Viver a Vida” (2009), primeira novela de Carlos protagonizada por uma atriz negra, Taís Araújo. Curiosamente, porém, “Viver a Vida” se tornou alvo de críticas justamente por não tematizar a questão racial, a despeito da cor de sua protagonista” (CAMPOS; FERES JÚNIOR, 2016, p. 49). © Rev. Arqueologia Pública   Campinas, SP v.16 n.1 p.224 06/2021 ISSN 2237-8294   ARTIGO       “Tal fantasia colonial poderia ocorrer no consultório de uma/um médica/o negra/o?” (KILOMBA, 2019, p. 95). Voltemos ao campo científico da arqueologia. Se as mulheres compõem quantitativamente a maior parte desse campo, por que as narrativas sexistas são reproduzidas? Estamos no campo, mas subalternizadas pelo discurso da masculinidade moderna e ocidental? A associação da arqueologia e, em especial, da sua vertente subaquática, com a busca de relíquias, com os perigos e aventuras, seria um eixo que resultaria em práticas tidas como masculinizadas? Voltemos à Luzia, e às demais mulheres negras, indígenas e artistas. Qual espaço a arqueologia e o campo patrimonial têm aberto para essas mulheres? Por que Piteco é o personagem central na “pré-história” e Thuga a mulher apaixonada e rejeitada? Nas novelas, as mulheres brancas, frequentemente inseridas na norma ditada ao corpo, também são apaixonadas, se orientam por suas emoções, retratadas como descontroladas. Exceto as mulheres negras, enquadradas pela branquitude nos papéis de mulata, doméstica e mãe preta, como mostrou Lélia Gonzalez (1984). Essa mulher negra não tem espaço na disciplina científica e nos museus. Doméstica e mãe preta, ela é obrigada a trabalhar, mesmo na pandemia. Aqui relembramos – não seria a memória o campo no qual transitamos? – Mirtes Renata Souza, mãe do menino Miguel, morto em junho de 2020. Enquanto Mirtes cuidava do cachorro da família, Miguel foi deixado sem cuidados por sua patroa. Em março, a primeira morte por coronavírus confirmada pelo governo do estado do Rio de Janeiro foi de Cleonice Gonçalves, diarista que teve contato com a patroa que estava com o vírus após uma viagem à Itália. E se essas narrativas soam naturais para a sociedade onde vivemos, não podemos dizer que as narrativas arqueológicas e visuais não têm a sua parcela de culpa. São essas narrativas, enquanto violências simbólicas, a base discursiva das violências físicas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOWENS, Amanda. Underwater Archaeology: The NAS Guide to Principles and Practice. 2ª Ed., 2009. Nautical Archaeological Society. ISBALVES, Luciana Bozzo. A Diáspora Africana no litoral Norte paulista: desafios e possibilidades de uma abordagem arqueológica. São Paulo: Universidade de São Paulo, p. 224, 2016. (Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Arqueologia). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. ANZALDÚA, Gloria. 2017. Queer (izar) a escritora – Loca, escritora y chicana. 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