Estativos e suas características*
Renato Miguel Basso
Rodolfo Ilari
UNICAMP
A maioria dos trabalhos em Aktionsart e Aspecto pressupõe que os verbos
estativos formem uma classe homogênea e que possam ser facilmente
identificados por testes distribucionais baseados na (in)compatibilidade com
o imperativo (I), com a perífrase progressiva (PP) e com certos tipos de
adjuntos temporais (AT). Nas primeiras seções deste trabalho, analisamos
dados do Português Brasileiro (PB) contrários a essa visão. Mostramos que
alguns estativos são compatíveis com a PP, com o I, ou ambos, e também
com os tipos de AT tidos como problemáticos. Nas últimas seções,
desenvolvendo uma idéia inicial proposta pelo Prof. John Schmitz,
sustentamos que, considerando-se o PB, a classe dos estativos deve ser
subdividida em subclasses cujo comportamento face a I, PP e AT pode ser
previsto pela interação de traços semânticos como [± controle] e [± mudança].
Most works on Aktionsart and Aspect presuppose that stative verbs form a
homogeneous class and that they can be easily identified by distributional
tests based on (in)compatibility with the imperative (I), with the progressive
periphrasis (PP) and with certain types of time adjuncts (TA). In the first
sections of this paper, we analyze data from Brazilian Portuguese (BP) that
goes against this view. We show that some statives are compatible with PP,
or with I, or with both, and also with the kinds of TA that have been considered
problematic. In the last sections of this paper, elaborating on an idea first
proposed by Professor John Schmitz, we claim that, as far as BP is concerned,
the class of statives must be sub-divided into sub-classes whose behavior
vis-à-vis I, PP and TA can be predicted by the interaction of semantic features
such as [± control] and [± change].
Introdução
A classificação de lexemas verbais mais conhecida entre os
lingüistas é a de Zeno Vendler (1967), porém não é a mais antiga, visto
que a possibilidade de se distinguirem diferentes classes de verbos de
* Este texto é fruto do projeto de Iniciação Científica “Aspectos e Acionalidade no
Português Brasileiro”, financiado pela FAPESP, Processo 03/01474-4.
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acordo com o que significam e segundo a compatibilidade com diferentes
tipos de adjuntos já chamara a atenção de Aristóteles e de outros filósofos.
Desde a classificação aristotélica, uma classe que sempre foi julgada
inteiramente homogênea e inteiramente distinta das demais é a dos
verbos estativos.
De um ponto de vista nocional, os verbos estativos têm sido
caracterizados como “verbos que não indicam uma ação”, e do sujeito
de um verbo estativo espera-se mais provavelmente que seja um
experienciador do que um agente. Exemplos desses verbos seriam:
parecer(-se) com, possuir, localizar(-se), saber, amar, ter fome, entre outros.
Essa caracterização sugere, por exemplo, que uma sentença como “João
ama Maria” tem um predicado não-agentivo ou, em outras palavras, que
não há controle por parte do sujeito sobre o estado de coisas referido pelo
predicado.
Essas características ou traços da classe dos estativos teriam uma
contraparte necessária nas restrições de compatibilidade com certos tipos
de adjuntos e com certos contextos morfo-sintáticos: i) devido à falta de
controle do sujeito, esses verbos não poderiam funcionar no imperativo;
ii) também não funcionariam com a perífrase progressiva, pelo fato de
não haver nenhuma “ação” envolvida.1 Quanto aos adjuntos, é um fato
que há estativos que não combinariam com os adjuntos temporais que
respondem à pergunta “por quanto tempo?”. A sentença “João era / é
natural de Itu durante todo ano passado”, por exemplo, é pelo menos
estranha.
Mas a situação não é assim tão clara: inúmeros são os verbos que,
pelo critério nocional acima exposto, são estativos e, entretanto,
aceitam o progressivo ou o imperativo ou ambos. Essa aceitabilidade
é muito alta em português e em espanhol (o inglês é bem menos
flexível e o italiano fica numa posição de meio termo entre essas
línguas). Outra quebra de expectativas se dá na compatibilidade com
adjuntos temporais: assim como há estativos que não aceitam adjuntos
do tipo “por quanto tempo?”, há outros que os aceitam.
1
Os testes de compatibilidade com o imperativo e com o progressivo foram usados
com sucesso, por exemplo, pelo próprio Vendler, para defender sua classificação
dos verbos do inglês.
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Essa falta de clareza quando da individualização da classe dos
estativos levou os pesquisadores a adotar duas posições opostas: 1) a
de negar que os estativos constituem uma classe (é o caso de autores
como Boertien (1979)); e 2) a de admitir que existe uma classe de
estativos, entendendo contudo que essa classe deve ser subdividida,
distribuindo-se os verbos que a ela pertencem em sub-classes. Esse é
o caso de autores como Bertinetto (1986, 1991).
Neste pequeno trabalho seguiremos a segunda posição apresentada
acima, ou seja, defenderemos que a classe dos estativos deve ser
mantida, porém melhor caracterizada e ulteriormente subdividida. Para
tanto, retomaremos, na ordem, os critérios que têm sido usados para
afirmar sua unidade como classe, mostrando que a aplicação desses
critérios não produz sempre os mesmos resultados.
Estativos e Perífrase Progressiva
Assim como no caso do estativo, há grandes controvérsias sobre
quais seriam as propriedades definidoras do aspecto progressivo. A esse
respeito, o importante é notar que, diferentemente do estativo, quando
falamos de “progressivo”, estamos falando das propriedades aspectuais
de um evento e não de uma classe acional. Utilizaremos aqui a
caracterização do progressivo dada por Bertinetto (1991 e 1997), que
pode ser resumida em dois pontos:
a) o progressivo funciona como um “particularizador” de eventos, ou
seja, um evento veiculado na fórmula progressiva faz referência a
uma fase do evento em curso. Dito de uma outra maneira, ele
focaliza um instante singular do evento;
b) para um evento que é apresentado na forma progressiva, nada pode
ser dito sobre o que está para além do ponto focalizado.
O aspecto progressivo, em português, é veiculado na grande
maioria das vezes através da perífrase progressiva, como em (1), mas
também pode sê-lo através do pretérito imperfeito, como em (2):
(1)
João estava atravessando a rua ontem.
(2)
João atravessava a rua ontem.
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Não podemos afirmar, a partir dessas sentenças, que ontem João
de fato atravessou a rua, pois ele pode ter sido, por exemplo,
atropelado após o instante de focalização, que é colocado em relevo pelo
progressivo. Assim, é inegável que João começou a atravessar a rua em
(1) ou (2), mas não é possível concluir, com base nessas sentenças, que
ele realmente tenha atravessado.
Essa caracterização é intuitivamente simples quando tratamos de
verbos “de ação”, i. e., de verbos não-estativos. Como ela se aplicaria,
porém, aos estativos? E essa pergunta leva a sentenças como as abaixo:
(3)
João está amando a Maria.
(4)
João está se sentindo cansado.
(5)
João está tendo uma dor de cabeça.
(6)
João está sendo um chato.
As sentenças (3)-(6) são nocionalmente estativas e, contudo,
perfeitas com a perífrase progressiva. Elas mostram, antes de mais nada,
que, contrastando com aquilo que acontece com o inglês, a ocorrência
de estativos com a perífrase progressiva é possível em português . Ainda
assim, não podemos esquecer de exemplos como:
(7)
(?) Rio Claro está se localizando no interior de São Paulo.
(8)
(?) O livro do Gênesis está pertencendo ao Pentateuco.
(9)
(?) João está tendo um carro.
(10)
(?) João está sendo gordo.
Em que condições o estativo (classe acional) e o progressivo
(aspecto) são compatíveis?
Uma solução para esse quebra-cabeças foi proposta por
Bertinetto (1986) a propósito do italiano, uma língua até certo ponto
semelhante ao português em sua gramática do aspecto. Esse autor subcategoriza os estativos mediante os traços [± controle] e [± mudança].
Uma análise como essa dá conta das seguintes sentenças:
(11)
a) João é alto. \ b) João está alto.
(12)
a) (?) João está sendo alto. \ b) João está ficando alto.
(13)
a) João é magro. \ b) João está magro.
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(14)
a) (?) João está sendo magro. \ b) João está ficando magro.
(15)
a) A cidade é montanhosa. \ b) (?) A cidade está montanhosa.
(16)
a) (?) A cidade está sendo montanhosa. \ b) (?) A cidade está
ficando montanhosa.
Esses exemplos parecem explicar-se com facilidade pelo valor
do traço: os predicados estativos que possuem o valor [+ mudança]
aceitam a perífrase progressiva e recebem uma interpretação não
estativa. Através da sentença “João está ficando alto”, temos que João
ainda não é alto, mas sim que vai ficar alto um dia; ou ainda, João já é
alto, mas não o suficiente e ficará alto o suficiente um dia. Essa
interpretação é o que podemos chamar de “télica”, segundo a definição
corrente que caracteriza como télicos os predicados que comportam
um fim ou uma meta.
Exemplos de uso da perífrase progressiva com predicados estativos
que não são contemplados pela análise proposta acima são os seguintes:
(17)
A estátua fica na prefeitura.
(18)
A estátua está na prefeitura.
(19)
A estátua está ficando na prefeitura.
A sentença (19) pode ser analisada simplesmente como um presente
vestido da perífrase progressiva, equivalendo assim a (18). Porém,
diferentemente de sentenças como (3)-(6), (18) parece envolver um
sentido transitório, podendo ser entendida como: a estátua está agora, está
ficando na prefeitura, mas lá não é o seu devido lugar. Esse mesmo
sentido transitório está presente em sentenças como (20):
(20)
João está sabendo a resposta.
Com (20) temos algo como: João, diferentemente do natural,
agora, está sabendo a resposta.2
2
Notamos aqui que essa interpretação de (20) contradiz a caracterização que
demos para o aspecto progressivo, no tocante à indeterminação da seqüência do
evento para além do ponto de focalização. Ressaltamos, porém, que em (20) não
temos o aspecto progressivo, mas apenas o uso da perífrase progressiva, que não
acarreta necessariamente as mesmas interpretações que o aspecto progressivo acarreta.
20
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Resta ainda considerar sentenças semelhantes àquelas de (3) a (6),
ou como as abaixo:
(21) João está sendo sincero.
(22) João está gostando do filme.
Para essas sentenças, uma análise em termos de traços como [±
mudança] parece não funcionar. É difícil responder afirmativamente
quanto à ocorrência ou não de “mudança” nos predicados envolvidos.
Essas sentenças também não podem receber uma interpretação télica,
como no caso das sentenças (12b) e (14b), nem uma interpretação
semelhante àquela das sentenças (17)-(20).
Antes, o que essas sentenças veiculam é algo como um presente
simples, ou seja, (3) – “João está amando a Maria” – informa que João
ama Maria no momento em que tal sentença é enunciada; (22) informa
que João gosta (está gostando) do filme no momento em que tal sentença
é enunciada. Esse é também o caso da sentença (19). Esse é o verdadeiro
presente do português (semântico), diferente da forma (morfológica)
do presente do indicativo, que, na grande maioria das vezes, referese a leis gerais e atemporais, como “a água ferve a 100º graus”, “a Terra
gira em torno do Sol”, etc.
Essa análise das perífrases progressivas do português para os
estativos, até onde conhecemos, foi primeiramente proposta pelo Prof.
John Schmitz (1981a, b) a partir do seguinte exemplo (1981a):
Numa outra situação, vamos imaginar que uma jovem mãe, que se
encontra na cozinha de seu apartamento, de repente ouve a gritaria de
seus três filhos brigando na sala, junto com o barulho do estéreo que
está sendo tocado no volume mais alto. A mãe, em desespero, pergunta
em voz alta a razão da briga. Não tendo resposta, ela corre para a sala
e grita o seguinte, escolhendo (29b) ou (29c):
(29)
(a) Abaixa o som, Carlos.
(b) Não estou ouvindo nada.
(c) Não ouço nada.
Isso demonstra que não podemos nos prender fortemente à
morfologia para entender e explicar fenômenos do domínio tempoaspectual: o uso da perífrase progressiva não acarreta necessariamente
o sentido do aspecto progressivo.
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A título de recapitulação, sobre a complexa relação que se estabelece
em português entre a classe acional do estativo e a perífrase
progressiva, podemos distinguir pelo menos 4 sub-classes de estativos
no tocante à compatibilidade com essa perífrase, quais sejam:
a) verbos estativos que não permitem o uso da perífrase progressiva
(sentenças (7)-(10));
b) verbos estativos que permitem o uso da perífrase progressiva
interpretados como um presente simples (sentenças (3)-(6) e (19),
(21) e (22));
c) verbos estativos que permitem o uso da perífrase progressiva
interpretados como predicados télicos (sentenças (12b))-(13b));
d) verbos estativos que permitem o uso da perífrase progressiva interpretados como possuindo sentido transitório (sentenças (19) e (20)).
Das 4 sub-classes arroladas acima, apenas os predicados que
pertencem à sub-classe c) – aquela que engloba os predicados estativos
que se tornam télicos quando veiculados com a perífrase progressiva
– de fato atualizam o aspecto progressivo como definido acima. As subclasses b) e d) são compatíveis com a perífrase progressiva, mas não
atualizam o aspecto progressivo.
Estativos e o Imperativo
Assim como há exemplos de estativos que são compatíveis com
a perífrase progressiva, há estativos que são compatíveis com a forma
imperativa do verbo, como nos exemplos abaixo:
(23)
Fique quieto!
(24)
Seja bonzinho!
(25)
Seja homem! (no sentido de comportar-se como tal)
(26)
(?) Seja magro!
(27)
(?) Seja alto!
(28)
(?) Saiba latim!
Mas isso não invalida, porém, a constatação de que o uso do
imperativo com estativos depende do traço [± controle], pois os estativos
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que aceitam a forma do imperativo são precisamente aqueles aos quais
pode ser atribuído o traço [+ controle], ou seja, o sujeito (ou
experienciador) do predicado em questão pode voluntariamente
enquadrar-se naquilo que o predicado diz. Assim, qualquer pessoa
pode propositalmente “ser boazinha” ou não, “ser homem” (no sentido
acima proposto) ou não, e “ficar quieto” ou não. Para os outros exemplos,
não é de se esperar que alguém possa voluntariamente “ser alto”, “ser
magro” ou, de uma hora para outra, “saber latim”. A esses últimos
predicados é, portanto, atribuído o traço [- controle].
No caso de “saber latim”, podemos ter um contexto como:
(29) Saiba latim e volta para o próximo exame!
Em uma sentença como (29), o predicado estativo “saber latim”
é interpretado como “aprender latim” ou “estudar latim”, que são não
estativos e permitem, portanto, o uso do imperativo.
Diante dessas observações, o fato de os estativos terem sido
caracterizados como predicados que não aceitam a forma do imperativo
é provavelmente devido ao enorme número de estativos que são nãoagentivos, aos quais é atribuído o traço [- controle].
Estativos e Adjuntos temporais
Já vimos que somente alguns estativos ficam bem com os adjuntos
temporais, i. e., aqueles adjuntos que dizem algo sobre a duração do
evento em questão. Essas diferenças de compatibilidade apontam para
uma divisão da classe dos estativos que poderia ser formulada em termos
de “estativos permanentes” (aqueles que não funcionam com adjuntos
de duração) e “estativos não-permanentes” (aqueles que funcionam
com adjuntos de duração). Em português, um recurso conhecido para
marcar a oposição permanente / não-permanente é o uso alternado dos
verbos ser e estar, o que nos leva a exemplos como os seguintes:
(30)
João está gordo desde o último verão.
(31)
João é gordo desde o último verão.
(32)
João esteve gordo por muitos anos.
(33)
João foi gordo por muitos anos.
(34)
João está insolente esta tarde.
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(35)
(?) João é insolente esta tarde.
(36)
João esteve insolente por muitos anos.
(37)
João foi insolente por muitos anos.
(38)
João estava insolente a tarde de ontem.
(39)
(?) João era insolente a tarde de ontem.
(40)
(?) João está baixo desde o último verão.
(41)
(?) João é baixo desde o último verão.
(42)
(?) João esteve baixo por muito anos.
(43)
João foi baixo por muitos anos.
(44)
(?) João está baixo esta tarde.
(45)
(?) João é baixo esta tarde.
23
O contraste que os predicados arrolados acima apresentam pode
ser entendido em termos de permanência / possibilidade de mudança
dos estados em questão. Um predicado como “ser / estar gordo”
envolve estados que podem ir e vir, i. e., João pode emagrecer, voltar
a engordar, engordar mais e assim por diante. No caso de “ser / estar
insolente”, temos em jogo um estativo que envolve controle por parte
do sujeito, ou seja, João pode querer voluntariamente ser ou não
insolente e isso garante a grande compatibilidade desse predicado com
adjuntos temporais, pois João pode decidir ser insolente, deixar de sêlo, voltar a ser, etc. Por último, no caso de “ser / estar baixo” nas
sentenças (37)-(42), temos um predicado que não envolve um estado
tão transitório quando “ser / estar gordo”, visto que ninguém pode
crescer para, depois, encolher e voltar a crescer. A única dinâmica que
encontramos aqui é aquela apresentada pela sentença (40), ou seja,
alguém foi baixo e cresceu. Além disso, diferentemente de “ser / estar
insolente”, “ser / estar baixo” não envolve controle por parte do sujeito,
o que reduz ainda mais a possibilidade de uso de adjuntos temporais.
É importante ressaltar que a análise em termos de estativos
permanentes versus não-permanentes não se reduz ao contraste “ser”
/ “estar”, como mostram os exemplos abaixo:
(43)
João teve dor de cabeça pela manhã toda.
(44)
(?) João acha / achou que o mundo é / era bom pela manhã toda.
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(45)
João conheceu Pedro por vinte anos.
(46)
(?) João nasceu em Vladvostok por dez anos.
Nos exemplos acima, “nascer em Vladvostok” e “achar que o mundo
é bom” são estativos permanentes, ao passo que “ter dor de cabeça”
e “conhecer Pedro” não.
Conclusões
Depois dessa breve caracterização dos predicados estativos,
podemos apontar as seguintes conclusões:
i) a classificação dos eventos como estativos deve ser feita em relação
ao predicado como um todo e não em relação apenas às palavras
que constituem o núcleo semântico do predicado.
Essa é a diferença que encontramos por exemplo entre “ser grande”
e “estar grande”, dois predicados que têm em “grande” um mesmo
núcleo semântico, mas possuem interpretações e compatibilidades com
adjuntos diferentes, como mostramos através dos exemplos acima;
ii) a propriedade de ser um verbo estativo não é uma categoria unitária,
válida como um todo e aplicável em termos de sim ou não, ou seja,
existem diferentes possibilidades, dentro da classse maior da
estatividade, como esperamos ter demonstrado através dos
exemplos relativos à compatibilidade com a perífrase progressiva,
que podem envolver um traço como [± mudança], e daqueles relativos
à compatibilidade com o imperativo, onde parece agir um traço como
[± controle]. As observações que fizemos a esse propósito apontam
para um quadro mais complexo:
[- controle]
[- mudança] (1) tipicamente estativos
[+ mudança] (3) não-tipicamente estativos
[+ controle]
(2) não-tipicamente estativos
(4) não-estativos
Os verbos tipicamente estativos são aqueles representados por
(1): verbos incompatíveis com o imperativo e com a perífrase progressiva.
Verbos como (2) também podem ser caracterizados como estativos, porém
permitem somente o uso do imperativo. Verbos como (3) permitem
somente o uso da perífrase progressiva. Contudo, não podemos afirmar
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categoricamente que apenas os dois traços de controle e mudança sejam
responsáveis por todas as possibilidades efetivamente encontradas. Assim
sendo, uma representação de estabilidade bem mais adequada em
termos intuitivos consistiria em distinguir i) verbos estritamente
estativos, (1), e ii) verbos estativos que apresentam um comportamento
possivelmente diferente dos tipicamente estativos, (2) e (3). Por fim,
iii) verbos como (4) são não-estativos ou, ainda, verbos “de ação”;
iii) vimos através dos exemplos (30)-(46) que entre os predicados
estativos e os adjuntos temporais há diferenças de compatibilidade:
encontramos predicados estativos compatíveis com adjuntos de
duração, como “durante / por quanto tempo?”, que são os estativos
não-permanentes; e também predicados estativos que não são
compatíveis com esse tipo de adjunto, os estativos permanentes.
As conclusões a que chegamos neste trabalho derivam de uma
maneira de investigar os fenômenos tempo-aspectuais que pode ser
sumarizada da seguinte forma:
1) distinguir classe acional e aspecto;
2) reconhecer que por trás das combinatórias e das compatibilidades
funciona uma álgebra de traços;
3) reconhecer o fato de a descrição do aspecto / classe acional em
português contar com um experiência importante, teórica e
descritiva.
Um dos trabalhos pioneiros, concernente justamente ao problema
das estativos (classe acional) versus progressivos (aspecto), é o do prof.
John Schmitz. Muitas das constatações que aqui apresentamos são, na
verdade, re-elaborações das análises que Schmitz fez em seus trabalhos
sobre esse vasto tópico.
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