Manuela Gonzaga
Aspectos da Sintaxe Do Advérbio Em Português
Dissertação de Mestrado em Linguística Portuguesa
Descritiva, orientada pela Professora Doutora Manuela Ambar,
apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Lisboa
1997
Agradecimentos
À Prof ª Manuela Ambar, minha orientadora, agradeço o acompanhamento
atento durante o período de elaboração desta tese. Agradeço-lhe a coragem que sempre
me transmitiu e todo o entusiasmo contagiante pela sintaxe. Um agradecimento muito
particular por todas as discussões, ideias e críticas que tanto contribuiram para a
realização este trabalho.
Agradeço ao Professor Malaca Casteleiro pois foi nos seus seminários que me
comecei a interessar pelos advérbios.
À Prof ª Inês Duarte agradeço as primeiras aulas de sintaxe e semântica da
licenciatura em Linguística porque foi com ela que comecei a gostar de sintaxe.
Agradeço também à Drª Elisa de Macedo a compreensão que sempre
demonstrou permitindo que alterasse o meu ritmo de trabalho no Centro de Linguística,
muito particularmente no período final deste trabalho. Também à Inês pela troca de
ideias e pela ajuda com alguns juízos de gramaticalidade.
À minha amiga Regina Falcão tenho que agradecer a amizade e o carinho.
Finalmente, agradeço a todos os meus familiares e amigos que sofreram directa
ou indirectamente com a elaboração desta tese, muito particularmente aos meus pais e
ao meu irmão Nuno que nos últimos momentos sempre me apoiaram e encorajaram.
Obrigado a todos !
Índice
5
1.
Introdução
7
2.
O advérbio na tradição gramatical portuguesa
9
3.
2.1. Gramática da Língua Portuguesa de João de Barros
9
2.2. Grammática Philosophica de Jeronymo Soares Barbosa
11
2.3. Gramática Histórica da Língua Portuguesa de Said Ali
13
2.4. Syntaxe Historica Portuguesa de Epiphânio da Silva Dias
15
2.5. Nova Gramática do Português Contemporâneo de Cunha e Cintra
19
2.6. Conclusões
24
Diferentes perspectivas
29
3.1. Jackendoff (1972): As posíções típicas dos advérbios
de VP e dos advérbios de frase.
29
3.2. Casteleiro (1982): “Análise gramatical dos advérbios de
frase”
39
3.3. Pollock (1989): A divisão de Infl(ection) em Agr(eement) e
T(ense)
42
3.4. Ambar (1989): Subida do verbo, posição do sujeito e dos
advérbios
47
3.5. Belletti (1990): A subida do verbo em italiano
52
3.6. Cinque (1993): Uma hierarquia dos advérbios e respectivas
posições funcionais
65
3.7. Laenzlinger (1993): O Critério-Adv e o modelo X’ com duas
4.
posições de Spec
69
3.8. Costa (1996): Posição dos advérbios ambíguos
79
3.9. Conclusões
83
O advérbio em português
4.1. Propriedades fundamentais de diferentes classes de advérbios
85
85
4.1.1. Advérbios que podem ocupar as três posições com
alteração de significado
86
4.1.2. Advérbios que podem ocupar as três posições sem
mudança de significado
98
4.1.3. Advérbios que só podem ocorrer em posição inicial e
de auxiliar
105
4.1.4. Advérbios que só podem ocupar a posição de auxiliar e
posição final
107
4.1.5. Advérbios que só podem ocorrer em posição final
114
4.1.6. Advérbios que só podem ocorrer em posição de auxiliar
120
O tratamento dos dados
4.2.
5.
121
4.2.1. O posicionamento teórico
121
4.2.2. Generalizações e análise
125
Outros advérbios - Sempre
153
5.1. Ordem e interpretação em alguns advérbios (sempre, ainda, já,
6.
logo ...)
153
5.2. Sempre
160
5.2.1. Sempre e tempo
170
5.2.2. Sempre e ordem
181
5.2.3. Sempre e clíticos
190
5.2.4. Sempre e negação
200
Conclusão
Bibliografia
209
213
1.
Introdução
Apesar do constante avanço das teorias gramaticais, o advérbio é uma
categoria que continua a constituir um desafio dado o grande número de
comportamentos e de dados por descrever. Neste sentido surge a necessidade de
reflectir um pouco sobre tais comportamentos e de encontrar pistas que
contribuam para uma análise exaustiva do advérbio.
Neste espírito são basicamente três os objectivos deste trabalho:
1.
em primeiro lugar analisar criticamente alguma da literatura sobre este
assunto não só com o objectivo de fazer um ponto da situação, mas também
para reunir dados e ideias sobre os advérbios em diferentes momentos e em
diferentes línguas;
2.
em segundo lugar apresentar de modo sistemático e tanto quanto possível
exaustivo os diferentes tipos de advérbios considerando as propriedades
sintácticas e semânticas particulares de cada tipo e a relação que mantêm com
os restantes elementos da frase;
3.
num terceiro momento procurar um tratamento abrangente e unificado
recorrendo aos trabalhos de Laka (1990), Chomsky (1993), Zanuttini (1994) e
Ambar (1996). Analisaremos a hipótese de considerar a projecção ∑P,
proposta por Laka, para explicar o comportamento dos advérbios, aliando
aquela proposta à perspectiva minimalista de Chomsky (1993) e (1995).
Além disso, consideraremos a proposta sobre a negação de Zanuttini e a
proposta de Ambar sobre o tempo objecto.
7
4.
finalmente, depois de desenvolvida uma análise para os advérbios em -mente,
analisaremos o caso de sempre que esperamos venha comprovar as propostas
feitas.
Organizaremos este trabalho em seis capítulos. O primeiro capítulo consta
desta breve introdução sobre o tema a desenvolver. Num segundo capítulo
apresentaremos um estudo crítico sobre a análise dos advérbios que os gramáticos
tradicionais apresentam com vista à clarificação dos pontos a ter em consideração.
O terceiro capítulo apresentará, na linha do anterior, uma discussão sobre a
literatura mais recente feita no âmbito da teoria generativa e que referirá trabalhos
de início dos anos setenta até aos mais recentes dos anos noventa. No quarto
capítulo começaremos a análise dos advérbios à luz das propostas existentes,
nomeadamente, com base no trabalho de Jackendoff (1972), para concluirmos
com uma proposta diferente de tratamento da classe dos advérbios. O quinto
capítulo consistirá na aplicação da nova proposta à análise do advérbio sempre,
tratando de forma sistemática diferentes aspectos gramaticais do comportamento
daquele advérbio para os quais concorrem outros fenómenos gramaticais, também
aqui analisados - determinação, propriedades sintáctico-semânticas dos verbos,
tempo (morfológico) e aspecto, ordem, negação. Finalmente o capítulo sexto
terminará este trabalho, reunindo as principais conclusões e ideias.
8
2.
O advérbio na tradição gramatical portuguesa
No contexto de uma nova proposta de análise dos advérbios, impunha-se a
análise dos tratamentos dados ao advérbio em algumas gramáticas tradicionais.
Esta análise reveste-se de uma extrema importância não só porque nos
permite recolher pistas fulcrais para uma diferente perspectiva de análise desta
categoria, mas também porque nos permite entender a posição de cada um dos
gramáticos consultados relativamente à classificação dos advérbios no âmbito da
gramática.
As análises ou descrições do comportamento do advérbio nas gramáticas
tradicionais são, regra geral, muito breves e pouco esclarecedoras relativamente às
várias questões que se levantam na linguística actual. Contudo, foi nosso
objectivo seleccionar diferentes períodos de análise gramatical por daí advirem
diferentes conceptualizações do conceito de língua e, consequentemente,
diferentes interpretações da função e significado atribuídos à categoria advérbio.
2.1.
Gramática da Língua Portuguesa de João de Barros
Uma das primeiras observações das gramáticas tradicionais relativamente
ao advérbio diz respeito à sua própria definição. Consideram-no estas gramáticas,
na generalidade, modificador do verbo por aparecer frequentemente próximo
deste, sendo a etimologia da palavra advérbio um reflexo deste comportamento:
ad verbum. Assim, referindo a caracterização do advérbio, João de Barros afirma:
9
“Avérbio é ua das nóve partes da òraçám que sempre anda
conjunta e coseita com o vérbo e daqui tomou o nome, porque ad
quér dizer çerca e, composto com verbum, fica adverbium que quér
dizer àçerca do vérbo.” (João de Barros: p.345)
Outro ponto importante na análise dos advérbios, também referido em
João de Barros, diz respeito à função do advérbio na oração:
“Foi por ésta párte mui neçessária, ca per éla se denóta a eficáçia
ou remissám do verbo, porque, quando digo: Eu amo a verdáde,
demóstro que simplesmente fáço a óbra de amár; mas dizendo: Eu
amo muito a verdade, p[er] este advérbio muito, denóto a cantidáde
do amor que tenho à cousa; e se dissér: Amo pouco a verdáde, com
este pouco se diminuie o muito de çima; e: Nam amo a verdáde,
desfáço toda a óbra de amár.” (idem)
A grande importância atribuída ao advérbio na significação do verbo
traduz-se, no exemplo do autor, na quantificação do verbo dada por advérbios
como muito e pouco e na sua relação com o complemento. Esta caracterização
mostra-nos o poder do advérbio quanto à avaliação quantitativa e/ou qualitativa
do estado de coisas dado pelo verbo e seus complementos:
“Assi que tem o avérbio este poder: acresçenta, deminuie e
totalmente destruie a óbra do vérbo a que se junta, e ele é ô que dá
10
aos vérbos cantidáde ou calidáde açidental ...” (idem)
Mas a observação do comportamento dos advérbios suscita outras
questões que este autor não refere. Um exemplo consiste nas restrições que se
estabelecem entre o verbo, o seu complemento e o advérbio. Com efeito, o
exemplo do autor não resultaria se, em vez de pouco ou muito, tivesse escolhido
um advérbio como imediatamente ou ontem porque a caracterização ou o
conjunto de propriedades semânticas de qualquer um destes advérbios não é
partilhado pelo verbo (e sua flexão) e pelo complemento deste.
Uma outra questão diz respeito à posição que o advérbio ocupa
efectivamente no exemplo dado e as que poderá ocupar noutros contextos. Assim,
podemos, por exemplo, na forma exclamativa aceitar
Muito eu amo a verdade!
ou reforçar a extensão do amor pela verdade com o advérbio no fim da frase:
Eu amo a verdade muito!
2.2.
Grammatica Philosophica de Jeronymo Soares Barbosa
A distinção entre gramática particular (própria de uma língua particular) e
gramática geral (“usos e factos de todos ou da maior parte dos idiomas
conhecidos” (Barbosa: p.xi)) feita por Jeronymo Soares Barbosa no início do
11
século XIX conduz-nos à expectativa de uma análise mais inovadora do advérbio.
E, com efeito, a perspectiva que este gramático tem do advérbio
caracteriza-se por uma tomada de posição diferente das restantes análises
tradicionais ao romper com a aproximação (também ela etimológica) entre verbo
e advérbio como registada em João de Barros. A sua originalidade consiste em
interpretar “verbum” não só como a categoria gramatical verbo, mas também
como toda e qualquer palavra passível de ser modificada.
“O adverbio, pois, não modifica só os verbos, como querem os
grammaticos, mas qualquer palavra susceptível de determinação
(...). A etymologia da palavra adverbio, como quem diz adjunto ao
verbo, não se deve entender do verbo como uma das seis partes
elementares da oração, mas de qualquer palavras capaz da
modificação; que isto significa o nome latino verbum em toda a sua
extensão.” (Barbosa: p.235)
Outro aspecto inovador nesta análise diz respeito à distinção clara entre
função adverbial e natureza categorial dos advérbios. Assim, embora aceite e
reconheça a existência de outros elementos que exercem funções adverbiais,
nomeadamente os nomes adverbiados e as expressões adverbiais, este gramático
caracteriza e define os advérbios como sendo indeclináveis e constituídos por uma
só palavra.
“O adverbio é uma reducção da preposição com seu complemento
em uma só palavra, e essa invariável, e sem outro uso na língua.
12
(...) É uma palavra indeclinável e invariável em genero e numero, e
além disto não tem outro emprego em nossa língua afóra este.”
(idem)
Devemos notar que do conjunto dos nomes adverbiados que o autor
considera
muitos
são
classificados
como
advérbios
nas
gramáticas
contemporâneas. As referidas expressões adverbiais são classificadas, nestas
últimas gramáticas, como locuções adverbiais, por exercerem função adverbial.
No entanto, morfologicamente as mesmas expressões podem ser consideradas
locuções prepositivas visto serem formadas pela preposição e seu complemento.
2.3.
Gramatica Histórica da Língua Portugueza de M. Said Ali
Numa perspectiva ou num contexto menos inovador e filosófico, a
gramática histórica de Said Ali mantém uma linha de análise do advérbio bastante
tradicional. Considerando o advérbio como um “vocabulo determinativo do verbo,
do adjectivo ou de outro advérbio” (Said Ali: p.208) por lhes acrescentar “ o
conceito de tempo, lugar, modo etc.”(idem), este autor restringe mais a definição
de advérbio, não o considerando, tal como J.S. Barbosa (Barbosa: p.235)
modificador de “qualquer palavra susceptível de determinação”.
A descrição de Said Ali é mais tradicional na medida em que assenta
principalmente numa descrição morfológica e histórica de alguns advérbios, bem
como na classificação de significado dos advérbios em oito classes, algumas já
anteriormente consideradas.
13
“Dividem-se os advérbios segundo a sua significação em advérbios
de tempo, de lugar, de modo, de negação, affirmação, de duvida, de
quantidade, de ordem. Muitos dentre eles exprimem condições e
circumstancias capazes de augmento ou diminuição.” (Said Ali:
p.209)
Apesar do carácter tradicional da descrição apresentada para a categoria
em estudo, a gramática de Said Ali é interessante em diferentes aspectos. Um
exemplo é-nos dado pela motivação histórica que refere para a ocorrência em
posição final de algumas conjunções que em momentos anteriores da história do
português foram advérbios.
“A origem adverbial de porem dá a razão da possibilidade de
collocar-se esta palavra no meio e, até, no fim da oração, lugar
improprio das conjunções” (Said Ali: p. 214).
Relativamente à negação é interessante também a distinção de
interpretação da negação dupla em diferentes camadas sociais. Assim, e de acordo
com este autor, a negação dupla era entendida como um reforço da negação pelo
povo. Pelo contrário, para as pessoas mais instruídas “negar o negado equivale a
afirmar” excepto se o novo termo negativo não anteceder não.
“Quanto à presença, dentro da mesma oração de outros termos
negativos alem da palavra não, é facil de ver que não anda o
14
raciocinio dos homens cultos bem emparelhado com o sentimento
popular. Para o povo, o acumulo de negativas indica reforço.
Entende a gente de letras, pelo contrario, que negar o negado
equivale a afirmar; mas abre excepção (...) desde que o novo termo
negativo não anteceda o adverbio não.” (Said Ali: p. 228)
2.4.
Syntaxe Historica de Epiphânio da Silva Dias
Esta gramática é talvez a menos abrangente no contexto de todas as
gramáticas analisadas.
Dividindo o capítulo V, da primeira parte da gramática, dedicado ao
advérbio, em duas secções, E.S. Dias considera, por um lado, os advérbios que se
usam na gradação de adjectivos e de advérbios e, por outro lado, as
particularidades que alguns advérbios registam em português.
Relativamente aos advérbios que se usam na gradação, o autor distingue,
por um lado, os do comparativo e, por outro lado, os do superlativo.
O advérbio que se usa na formação do comparativo de superioridade,
como refere, é o advérbio mais, embora no caso de alguns advérbios existam
formas próprias.
“De comparativo (de superioridade) de grande serve maior; de
bom e de bem, melhor; de pequeno, menor ( a par de mais
pequeno); de máo e de mal, pior” (Silva Dias, p. 169)
“De comparativo (de superioridade)de muito (adjectivo e advérbio)
serve mais; de pouco (adjectivo e advérbio), menos. (idem, p. 170).
15
Relativamente ao comparativo de inferioridade e de igualdade, o autor
aponta, apenas, a formação do primeiro com o advérbio menos e do segundo com
os advérbios tão e tanto.
“§ 226. O comparativo de inferioridade do adjectivo e do advérbio
forma-se com o advérbio menos:
menos prudente, menos prudentemente.
§ 227. O comparativo de igualdade do adjectivo e do advérbio
forma-se com o advérbio tão (tanto, quando o adjectivo ou o
advérbio estiverem ocultos): tão prudente, tão prudentemente.”
(idem, p. 170)
Também relativamente ao segundo membro da comparação o autor
distingue, por um lado, o comparativo de superioridade e de inferioridade usando
que ou do que, e, por outro lado, o comparativo de igualdade usando como.
Ҥ 228. a) Com os comparativos de superioridade e de
inferioridade, o segundo termo de comparação é designado por
que ou do que:”
“papel e tinta tem morto mais homens em o mundo que ferro e aço
(Barros, Ropica, 250, 251).”
“b) Com os comparativos de igualdade o segundo termo de
comparação é designado por como:
16
Huma mulher tão ornada nos vestidos como desordenada na vida
(Vieira, XI, 209).” (idem, p.170, 171)
No que respeita à formação do grau superlativo, a breve descrição do autor
destaca, em primeiro lugar, a formação do superlativo perifrástico (ou analítico)
do adjectivo e advérbio através de muito; em segundo lugar, a formação de
superlativo para os comparativos de superioridade e de inferioridade através dos
advérbios mais e menos, respectivamente, precedidos de artigo definido.
“O simples superlativo periphrastico do adjectivo e do adverbio
forma-se com o adverbio muito ou mui: muito prudente, muito
prudentemente.
Como superlativo de muito, só se emprega muitissimo”
A segunda parte deste capítulo sobre o advérbio refere, como indicámos
atrás, algumas particularidades de um grupo de advérbios.
Assim, o autor observa que os advérbios portadores do sufixo -mente,
quando coordenados, só exibem aquele sufixo no último advérbio coordenado, à
excepção de casos de ênfase onde todos o poderão receber.
“curados mimosa e não radicalmente (Vieira, XI, 260). tirou a
consequencia tão discreta como verdadeiramente (Id., XI, 250).”
(idem, p.174)
17
Além do caso dos advérbios sufixados em -mente, os advérbios de tempo e
de lugar também são considerados como possuindo algumas particularidades,
nomeadamente o seu emprego substantivo quando são precedidos das preposições
de, desde, para, por, até.
A dimensão e o conteúdo que o capítulo do advérbio apresenta permitemnos chegar a uma conclusão: o advérbio não é aqui considerado uma das nove
partes da oração, à semelhança de outros autores já referidos, mas apenas um
elemento gramatical com a função de indicar o grau. É evidente nesse capítulo a
ausência de um apontamento sobre outros advérbios ou tipos de advérbios que
não os de grau.
Verificámos também o recurso a advérbios, nomeadamente de tempo, para
exemplificar o uso dos vários tempos (na secção I da 2ª parte da sua obra) ou para
apontar nuances típicas da língua, sem que a sua função seja, de algum modo,
destacada.
“Em segundo lugar, designa-se com o presente: (...)
2) o que se repete e costuma acontecer (presente iterativo): Elle
janta habitualmente às 5 horas.” (Silva Dias, p. 184)
“b) Em segundo lugar, emprega-se, quando noticiamos o que no
momento em que fallamos é facto consumado (preterito absoluto)
(...)
Obs. 1ª Quando a enunciação de um facto que se deu, se quer
apresentar como simples negação de elle ainda não se ter dado, a
lingoa portuguesa, se o contexto não deixa ver claramente a
18
intenção de quem falla, ajunta o adverbio já ao pret. definido (ao
passo que outras lingoas, nomeadamente a inglesa, empregam o
pret. definido): Já foi a Sintra? (= já esteve em Sintra?) (em inglês:
Have you been at Sintra?). (idem, p.189)
2.5.
Nova Gramática do Português Contemporâneo de Cunha &
Cintra
Esta gramática traduz em alguns aspectos uma perspectiva linguística
distinta das obras anteriormente referidas.
Se em Jeronymo Soares Barboza se procura mostrar como a língua(gem) é
o espelho da mente e vontade humanas, se em Said Ali e Silva Dias o percurso
histórico da língua é apresentado para justificar a descrição dessa língua em
momentos ou épocas precisas, a gramática de Cunha & Cintra constitui um
terceiro grupo cujo objectivo primeiro é fornecer ao ensino do português um
instrumento de trabalho baseado principalmente no conceito de correcção.
“Esta Gramática (...) Sentímo-la como uma urgente necessidade
para o ensino da língua portuguesa”
“Parecia-nos faltar uma descrição do português contemporâneo que
levasse em conta, simultaneamente, as diversas normas vigentes
dentro do seu vasto domínio geográfico (...) e fosse, assim, fonte de
informação, tanto quanto possível completa e actualizada, sobre
elas; serviria simultaneamente de guia orientador de uma expressão
oral e escrita que (...) se pudesse considerar «correcta» de acordo
19
com o conceito de correcção que adoptamos” (Cunha e Cintra p.
XIII)
O capítulo 14 dedicado ao advérbio, traduz a perspectiva descritiva e
prescritiva em que os autores pretendem inscrever o seu trabalho. Aí o advérbio é
classificado como preferencial modificador do verbo, podendo alguns advérbios
(nomeadamente os de intensidade) reforçar adjectivos ou advérbios, e outros
ainda reforçar a oração.
“I. O ADVÉRBIO é, fundamentalmente, um modificador do verbo:
Logo depois, recomeçara a chover.
Você compreendeu-me mal.
O almoço decorria agora lentamente.
2. A essa função básica, geral, certos advérbios acrescentam outras
que lhe são privativas.
Assim, os chamados ADVÉRBIOS DE INTENSIDADE e
formas semanticamente correlatas podem reforçar o sentido de :
a) de um adjectivo;
b) de um advérbio.
3. Saliente-se ainda que alguns advérbios aparecem, não raro,
modificando toda a oração:
Infelizmente, nem o médico lhes podia valer.
Possivelmente, não haverá ceia este ano.
20
Neste último emprego, vêm geralmente destacados no início ou no
fim da oração, de cujos termos se separam por uma pausa nítida,
marcada na escrita por uma vírgula.” (idem, pp. 537, 538)
A classificação dos advérbios que os autores propõem tem na base uma
perspectiva
semântica.
Distinguem
dez
subclasses:
afirmação,
dúvida,
intensidade, lugar, modo, negação, tempo, ordem, exclusão, designação.
A esta classificação semântica, não presidem critérios de análise
explícitos. Igualmente não são tidos em consideração dados linguísticos
suficientes que fundamentem a proposta. Pode, por isso, questionar-se por
exemplo a razão de ser de advérbios como certamente e efectivamente serem
considerados de afirmação e quais as circunstâncias em que também podem ser
advérbios de modo dado que a classificação apresentada aí inclui “quase todos os
terminados em -mente.”
Definindo locução adverbial como “o conjunto de duas ou mais palavras
que funcionam como advérbio”, os autores dividem-nas também em classes
semânticas de afirmação, (ou dúvida), intensidade, lugar, modo, negação e tempo.
A colocação dos advérbios na frase não se inspira nem reflecte
directamente a divisão semântica que apresentam.
Considerando a sua colocação na frase distinguem das restantes classes os
advérbios que modificam adjectivos, particípios passados ou outros advérbios, os
quais normalmente ocorrem antes das categorias que modificam.
21
“Invejei o noivo, tão alegre, tão amável, a grossa gargalhada a
irromper a cada instante.
Muito apressado, num visível nervosismo, veio de casa até ali.
- O teu pai está muito mal.” (Cunha e Cintra, p. 541)
Os modificadores do verbo subdividem-se em três grupos:
(i) em primeiro lugar, os advérbios que geralmente ocorrem depois do verbo:
“A mãe e a irmã choravam tristemente ...
Ela ouvia-o atentamente.
Quatro jovens vestidas de panos escuros entram vagarosamente no
local vindas dos lados dos espectadores.” (idem, p. 542)
(ii) em segundo lugar, os advérbios de tempo e de lugar que, sendo mais livres,
podem colocar-se antes ou depois do verbo:
“De manhã, acordei cedo.
Hei-de atirar com esse tipo de cá para fora.” (Idem, p.542)
(iii) finalmente, o advérbio de negação, que ocorre, em português, à esquerda do
verbo.
Se não se nos afigura pertinente descrever aqui exaustivamente o conteúdo
do capítulo dedicado ao advérbio na obra referida - que inclui a descrição do
comportamento dos advérbios nos seus diferentes graus, ou de alguns
22
comportamentos particulares de certos advérbios - parece-nos porém oportuno
referir algumas questões que se levantam em resultado da análise ou da descrição
que este autores apresentam do advérbio.
Como referímos já, a análise da colocação dos advérbios não pretende
estabelecer uma relação com a classificação semântica apresentada. Assim, e dada
essa análise, podemos por exemplo perguntar:
(i) se muito se coloca antes do adjectivo quando com ele co-ocorre, onde se
coloca quando co-ocorre com o verbo?
(ii) qual a posição dos advérbios de dúvida?
Além disso, no caso específico dos advérbios de tempo e de lugar, a
descrição apontada pelos autores não é explícita em relação aos casos em que o
advérbio ocorre antes e depois do verbo, bem como não indica se essa alternância
de posição é livre e se resulta numa alteração semântica.
Considerando um exemplo referido pelos autores:
(1)
“Aqui outrora retumbaram hinos.”
onde ocorre um advérbio de lugar (aqui) e um de tempo (outrora), nada é dito
relativamente à possibilidade de os referidos advérbios ocuparem distintas
posições sem que daí advenham alterações relevantes de significado:
(2)
a.
Aqui retumbaram outrora hinos.
b.
Aqui retumbaram hinos outrora.
c.
Outrora retumbaram aqui hinos.
d.
Outrora retumbaram hinos aqui.
23
Do mesmo modo, também nada é dito relativamente à posição preferencial que
alguns advérbios de tempo exibem. Cedo, nomeadamente, é um dos advérbios de
tempo que dificilmente pode ocorrer antes do verbo:
(3)
a.
“De manhã, acordei cedo”
b.
Hoje, o João saiu cedo.
c.
O despertador tocou cedo.
As observações que referímos vão no sentido de mostrar a grande
necessidade de se fazer uma análise dos advérbios combinando critérios
semânticos e sintácticos, o que não acontece na gramática de Cunha & Cintra.
2.6.
Conclusões
A análise/consulta destas cinco gramáticas tradicionais permite-nos
concluir, em primeiro lugar, que não é possível, com base nelas, estabelecer uma
tipologia dos advérbios considerando elementos morfológicos, sintácticos e
semânticos. Além disso, nenhuma delas, independentemente da perspectiva que
adopta (filosófica, histórica, didáctica ou outra), consegue estabelecer um quadro
de análise mais ou menos exaustivo da classe dos advérbios.
Um dos principais pontos que parecem não ficar esclarecidos em todas
estas gramáticas é o de distinguir entre a classe advérbio e a função adverbial.
Tomando como exemplo a gramática de João de Barros, é claro que o autor
considera a classe do advérbio ao assumir que ele é uma das nove partes da
24
oração; no entanto, no mesmo parágrafo aproxima-se o nome desta categoria
advérbio (adverbum) da categoria verbal por esta ser frequentemente modificada
pelo primeiro. Em Soares Barbosa, por outro lado, o advérbio é encarado
principalmente do ponto de vista funcional, capaz de modificar tudo o que possa
ser modificado, e não como uma das seis partes da oração.1
Nas gramáticas históricas a preocupação em descrever a evolução
diacrónica das formas adverbiais conduz, necessariamente, a um afastamento da
distinção classe vs. função adverbial.
Também na mais recente das gramáticas analisadas (Cunha & Cintra
(1984)) a distinção que aqui discutimos não é apresentada como questão crucial.
A categoria advérbio é caracterizada por oposição à locução adverbial. No
entanto, o objectivo sempre presente de fornecer critérios de correcção conduz a
uma distinção basicamente semântica de classes onde se incluem advérbios e
locuções adverbiais. Em termos de função também aqui o advérbio é apresentado
como um típico modificador do verbo, e potencialmente do adjectivo, de outro
advérbio ou de toda a oração. O modo como estas ‘classes’ são modificadas pelo
advérbio não é explicitado, no sentido de registar os diferentes comportamentos e
aplicações consoante modifica um adjectivo, um advérbio ou uma oração.
Dado que a função crucial do advérbio admitida pelos gramáticos é a de
modificar o verbo, seria talvez de esperar que nos oferecessem uma análise em
que a sintaxe e a semântica dos verbos estabelecesse uma dada relação com a dos
advérbios. Da observação dessa relação resultaria, sem dúvida, um melhor
conhecimento do comportamento das duas categorias implicadas, nomeadamente
1
O facto de o número de partes da oração em João de Barros e Soares Barbosa ter uma diferença
aritmética de três classes, pode apontar ou ser um indício de uma perspectiva mais funcional e
25
das suas compatibilidades e restrições de ocorrência. De facto isso não acontece.
Embora o verbo possua um papel de destaque na sintaxe e na semântica do
advérbio, essa importância não é visível nas análises apresentadas. Sabendo-se
que existem classificações que distribuem os verbos por classes sintácticosemânticas,
e
sendo
estes,
além
disso,
marcados
morfologicamente,
nomeadamente com marcas de tempo e de aspecto, seria interessante encontrar,
numa classificação dos advérbios, uma aproximação, por exemplo, entre
advérbios de tempo e as várias formas temporais que um dado verbo pode
adquirir; isto é, ver explicitado de alguma forma como é que o tempo dos
advérbios (de tempo) se articula com o tempo das formas verbais2. Por outro
lado, e aceitando uma classificação de predicados onde se distinguem estativos,
eventivos, processuais, etc. (considerando também que possam existir subclasses
dentro destas), deveríamos poder estabelecer como é que um verbo de uma dada
classe se conjuga com um determinado advérbio3.
Em suma, a análise das referidas gramáticas leva-nos a concluir que o que
falta na análise dos advérbios é estabelecer clara e explicitamente de que forma(s)
menos categorial em Soares Barbosa.
2
Uma análise integrada dos advérbios deveria explicar como é que os advérbios, neste caso
advérbios de tempo, se articulam com os tempos verbais impedindo por exemplo que se produzam
frases como:
*Amanhã fui à praia.
e permitindo frases como:
Amanhã vou à praia.
3
Ou seja, porque é que não podemos usar um verbo que denota mudança de estado (como morrer)
modificado por um advérbio de quantidade (como muito), mas podemos usar este verbo com um
advérbio que denote tempo, por exemplo.
(i) a.
*Ele morreu muito.
b.
Ele morreu ontem.
Contrariamente, verbos do tipo de “comer” são compatíveis com advérbios de quantidade, mas na
sua forma intransitiva (sem o complemento expresso) só de forma marcada aceitam advérbios de
tempo:
(ii) a. Ele comeu muito.
b. ??Ele comeu ontem.
c. Ele comeu depressa.
26
eles interagem com as restantes categorias lexicais ou sintácticas, ao nível do
significado e da posição que ocupam na frase.
O principal objectivo do capítulo seguinte é reunir análises mais técnicas,
de um ponto de vista teórico, do comportamento do advérbio, sempre com o
propósito de atingir uma descrição cada vez mais exaustiva e um explicação clara
e unificadora dos elementos daquela classe.
27
28
3.
Diferentes perspectivas
Depois de analisadas várias gramáticas representativas da tradição
gramatical portuguesa, e tendo constatado que as questões pertinentes,
relativamente aos advérbios, não encontram em nenhuma delas resposta
adequada, é talvez o momento para nos determos na apreciação de alguns
trabalhos teoricamente mais sofisticados, na esperança de neles encontrar pistas
para uma análise dos advérbios em português.
A organização do presente capítulo é orientada por um fio cronológico que
no quadro da gramática generativa corresponde a várias etapas de evolução.
Começaremos por Jackendoff (1972), na fase do transformacionalismo
onde as diferentes estruturas de superfície são o resultado da aplicação de distintas
regras. A análise de Casteleiro (1982), a seguir, que se inscreve ainda no período
do transformacionalismo. Depois com Pollock (1989), Ambar (1989) e Belletti
(1990), analisaremos duas propostas enquadradas nos últimos anos da teoria do
governo e da ligação, constinuada posteriormente pelo programa minimalista onde
se desenvolve e enquadra a análise de Cinque (1993), Laenzlinger (1993) e Costa
(1996).
3.1.
Jackendoff (1972): As posições típicas dos advérbios de VP e
dos advérbios de frase.
Partindo da escassa literatura e pesquisa feitas, na época, sobre os
advérbios, este autor tenta compreender a causa dessa situação. A variedade de
29
funções sintácticas e semânticas que os advérbios, em geral, desempenham é
apontada como um dos factores responsáveis por essa situação mais grave antes
da introdução de informação semântica ao nível do tratamento do léxico.
A partir do momento em que a teoria linguística passa a assumir uma
componente sintáctica e uma componente semântica representadas no léxico por
meio de traços, a subdivisão em classes das várias categorias passa a ser feita com
base em traços lexicais sintácticos e semânticos e já não por regras estruturais.
Porém, tal procedimento não é simultâneo para todas as categorias e os advérbios
continuam a subdividir-se em classes exclusivamente estruturais.
Como referidos pelo autor, os resultados desta evolução são não só o
admitir estruturas subjacentes muito distintas para adverbiais idênticos, mas
também o acreditar que o advérbio é apenas uma noção de estrutura de superfície
sem interferência na sintaxe e semântica da estrutura subjacente ou profunda.
Com base neste estado de coisas, o objectivo do autor neste trabalho é o de
mostrar as contribuições de todo o tipo de adverbiais para a interpretação
semântica das frases, independentemente das diferentes regras estruturais.
Assumindo o pressuposto de que todos os itens lexicais têm uma
interpretação semântica, abandona a classificação dos advérbios assente em
critérios apenas sintácticos, e procura mostrar que as semelhanças existentes entre
a estrutura semântica de alguns advérbios e os adjectivos correspondentes resulta
da partilha de propriedades lexicais idênticas. Abandona também a perspectiva
transformacionalista para optar pela hipótese de que os advérbios são gerados na
base.
Considerando os dados do inglês, o autor propõe seis subclasses de
advérbios que estabelece de acordo com a possibilidade de ocorrerem nas três
30
posições que assume - a saber: posição inicial, posição final sem pausa e posição
de auxiliar, entre o sujeito e o verbo principal - , bem como de registarem ou não
alterações de interpretação nas várias posições.
A primeira subclasse considerada caracteriza-se por poder ocupar as três
posições descritas com uma consequente mudança de significado, que pode variar
entre uma interpretação de modo e uma interpretação orientada para o sujeito:
(4)
a.
John cleverly/ clumsily dropped his cup of coffee.
b.
Cleverly/clumsily (,) John dropped his cup of coffee.
c.
John dropped his cup of coffee cleverly/clumsily.
Ao contrário do inglês em português parece ser impossível a ocorrência
dos advérbios correspondentes em posição inicial e final sem serem precedidos de
pausa, assim como a interpretação de modo:
(5)
a.
O João inteligentemente/desastradamente deixou cair o café.
b.
Inteligentemente/desastradamente *(,)o João deixou cair o café.
c.
O João deixou cair o café *(,) inteligentemente/desastradamente.
A segunda subclasse de advérbios é caracterizada pela possibilidade de
ocorrerem em todas as posições sem alteração de significado. Relativamente ao
português, e embora não haja também alteração na interpretação de modo, parece,
no entanto, haver diferentes domínios de escopo para o advérbio nas várias
posições, que resultam numa interpretação de modo orientada para o sujeito da
31
enunciação, para o sujeito gramatical ou para a acção expressa pelo predicado
verbal.
(6)
a.
Rapidamente o João leu o livro.
b.
O João rapidamente leu o livro.
c.
O João leu rapidamente o livro.
d.
O João leu o livro rapidamente.
A terceira subclasse de advérbios apresentada pelo autor, define-se pela
possibilidade de ocorrer em posição inicial, em posição de auxiliar e posição final
com pausa, de que são exemplo evidently, probably.
(7)
a.
Evidently/probably, Horatio has lost his mind.
b.
Horatio has evidently/probably lost his mind.
c.
* Horatio has lost his mind evidently/probably.
d.
Horatio has lost his mind, evidently/probably.
Neste caso o único contraste com o português reside no facto de, nesta última
língua4, quando o advérbio ocupa uma posição entre o auxiliar e o verbo principal
as frases serem mais estranhas, ao contrário do que se verifica em inglês.
A quarta classe de advérbios compreende aqueles que apenas podem
ocorrer em posição final e de auxiliar: completely, easily.
4
Em português, dependendo dos elementos intervenientes nos vários exemplos as frases podem
ser completamente gramaticais ou marginais. No entanto, se este comportamento se verifica com
frequência com os advérbios a ocuparem a posição entre auxiliar e verbo principal, o mesmo não
se verifica nas restantes posições.
32
(8)
a.
*Completely/easily Stanley ate his wheaties.
b.
Stanley completely/easily ate his wheaties.
c.
Stanley ate his wheaties completely/easily.
Mais uma vez o contraste existe com os dados do português. O advérbio
facilmente pode ocorrer em posição inicial e em posição medial o que não
acontece com o advérbio completamente, como em inglês.
(9)
a.
Facilmente/ * completamente o João comeu o bolo.
b.
O João facilmente/ *completamente comeu o bolo.
c.
O João comeu facilmente/completamente o bolo.
d.
O João comeu o bolo facilmente/completamente.
Assim, relativamente a esta quarta classe de advérbios, o português (e
talvez também outras línguas) dispõe de dados que sugerem a necessidade de a
dividir em mais subclasses. Com efeito, constituindo exemplos equivalentes aos
exemplos do autor (3.11, 3.12 e 3.13), constatamos que, para além das diferenças
já referidas, em português, ao contrário do inglês, não é possível a ocorrência de
um advérbio como completamente em posição medial (entre sujeito e verbo),
embora seja possível entre verbo e complemento, o que não se verifica em inglês
por razões que Pollock (1989) retoma.
Porém, Jackendoff não refere nem fornece dados do inglês que mostrem a
possibilidade de ocorrência de advérbios como completamente nas posições
33
características desta classe no contexto de outro tipo de predicados,
nomeadamente de verbos do tipo de “comprar”. Assim, aquilo que observamos
em português é que não só a ocorrência do advérbio completamente é impossível
entre o sujeito e o verbo, no caso do verbo “comer”, como é impossível em
qualquer outra posição se o verbo for “comprar”.
(10)
a.
O João comeu completamente o bolo
b.
O João comeu o bolo completamente.
c.
*O João comprou completamente o bolo.
d.
*O João comprou o bolo completamente.
A quinta subclasse referida é constituída pelos advérbios que só ocorrem
em posição final como well.
(11)
a.
* Well Sam did his work.
b.
* Sam well did his work.
c.
Sam did his work well.
Neste caso, o contraste com o português consiste na possibilidade de nesta
língua o advérbio correspondente, bem, poder ocorrer em posição pós-verbal,
mantendo-se a semelhança com o inglês relativamente às posições inicial, póssujeito e final.
(12)
34
a.
* Bem fez o João o trabalho.
b.
* O João bem fez o trabalho.5
c.
O João fez bem o trabalho.
d.
O João fez o trabalho bem.
Note-se, também, que a possibilidade de advérbios como bem ocorrerem
em posição final em português está intimamente ligada com a complexidade do
NP objecto, ou mais precisamente com o seu carácter “pesado” (“heavy NP
shift”). Assim, em construções cujo complemento é modificado por uma frase, a
posição preferencial do advérbio é a posição imediatamente pós-verbal.
(13)
a.
?? O João fez [o trabalho [que tu lhe pediste a semana passada]]
bem.
b.
O João fez bem [o trabalho [que tu lhe pediste a semana passada]].
Finalmente, a última classe de advérbios definida em Jackendoff (1972)
compreende os que apenas podem ocorrer em posição de auxiliar, como truly,
merely e simply.
(14)
a.
Albert is simply being a fool.
b.
* Simply is Albert being a fool.
c.
*Albert is being a fool simply.
Também nesta subclasse se verificam contrastes com o português. Além
5
A agramaticalidade desta frase verifica-se na interpretação de modo que estamos a
35
da posição de auxiliar que caracteriza a classe, os correspondentes advérbios em
português podem ocupar também a posição final se precedida de pausa.
(15)
a.
O João é simplesmente um tolo.
b.
* Simplesmente o João é um tolo.
c.
* O João é um tolo simplesmente.
d.
O João é um tolo, simplesmente.
Relativamente à posição de auxiliar (entre sujeito e verbo), o facto de
todos os advérbios com sufixo -ly poderem aí ocorrer aponta para a possibilidade
de essa ser uma posição subjacente. Além disso, com base nessa hipótese, o autor
pode aproximar a relação que os referidos advérbios parecem manter com o
núcleo da oração (Aux)6, da relação que em Chomsky (1970) se assume existir
entre um adjectivo e o nome que ele modifica.
No que respeita à posição final de advérbios sem o sufixo -ly, o autor
segue Klima (1965) onde os advérbios são analisados como preposições
intransitivas, sendo gerados basicamente na posição normal das preposições.
Para o caso dos advérbios -ly existem, aparentemente, duas possibilidades.
Uma consiste em considerar também a hipótese das preposições intransitivas, a
outra consiste em postular uma transformação que mova o advérbio da posição de
auxiliar para dentro do VP. A opção do autor vai ser a primeira, geração básica do
advérbio em posição final, porque também dá conta de casos em que o verbo
selecciona um advérbio. Por essa razão, a primeira hipótese é menos pesada para
considerar, embora com uma outra interpretação a frase seja gramatical.
6
Recorde-se que na altura “Aux” compreendia aquilo que hoje denominamos de FLex.
36
o sistema transformacional.
O problema que se poderá colocar é o de saber como é que
semanticamente se distingue um advérbio gerado em posição final, apenas porque
aí ocorre superficialmente, de um advérbio que é gerado em posição final porque
é seleccionado pelo verbo.
Por último, no que respeita à posição inicial, em face das duas hipóteses
anteriormente referidas, o autor opta, neste caso, pela geração transformacional
devido ao reduzido número de advérbios que aí ocorrem. A geração básica em
posição inicial iria resultar num aumento de regras transformacionais que
explicassem que a maioria dos advérbios não pode ocupar tal posição.
Além das três posições assumidas, o autor reconhece também a
possibilidade de alguns advérbios ocorrerem dentro do VP em posições distintas
daquelas.
Essas
posições
são
explicadas
recorrendo
à
convenção
da
transportabilidade proposta por Keyser (1968) que marca determinados elementos
com um traço extra, [+ transportável], só aplicável a advérbios dominados por S
dado que os dominados por VP são seleccionados não podendo por isso mover-se
livremente.
Em termos de interpretação semântica, a opinião do autor vai no sentido
de considerar os advérbios orientados para o sujeito locutor ou para o sujeito da
frase como dominados por S. Assim, as posições que define como típicas deste
grupo são a posição inicial, a posição de auxiliar e a posição final com pausa:
(16)
a.
Evidently John ate the beans.
b.
John evidently ate the beans.
37
c.
John ate the beans, evidently.
Relativamente aos advérbios com interpretação de modo, o autor
considera-os dominados por VP podendo ocorrer em posição final sem pausa e em
posição de auxiliar. Neste caso resulta uma ambiguidade estrutural entre uma
interpretação de modo e uma interpretação orientada para o falante ou para o
sujeito:
(17)
a.
John ate the beans completely.
b.
John completely ate the beans.
Quando em presença de um verbo modal ou de um verbo auxiliar, os
advérbios de VP distinguem-se dos de S pela possibilidade de só os últimos
ocorrerem
em
posição
pré-auxiliar.
Não
havendo
nenhuma
restricção
relativamente à posição posterior a estes auxiliares ou modais:
(18)
a.
George probably has read the book.
b.
*George completely has read the book.
c.
George has probably read the book.
d.
George has completely read the book.
No caso de existirem dois auxiliares ou modais a ocorrência de um
advérbio de S entre eles é preferencial dada a sua propriedade de
transportabilidade. Pelo contrário, quando o advérbio ocorre depois de dois
38
auxiliares apenas pode ser um advérbio dominado por VP.
(19)
a.
George will probably have read the book.
b.
?/*George will completely have read the book.
c.
*George will have probably read the book.
d.
George will have completely read the book.
O trabalho de Jackendoff (1972), como pudemos observar, reveste-se de
grande importância não só por apresentar a análise de um grande número de
advérbios do inglês, mas também por constituir uma primeira abordagem aliando
a informação lexical de cada advérbio e as características sintácticas das
estruturas onde eles ocorrem.
3.2.
Casteleiro (1982): “Análise gramatical dos advérbios de frase”
O objectivo do trabalho deste autor é estabelecer uma classificação dos
advérbios de frase. No seu entender, o que define o advérbio de frase é a
possibilidade que tem de transmitir a opinião do sujeito falante. Além disso, os
advérbios de frase têm a particularidade de se comportarem como predicados ou
modificadores de toda a frase.
Relativamente à caracterização geral que faz do grupo dos advérbios de
frase, Casteleiro (1982) destaca quatro propriedades básicas:
• a possibilidade de os advérbios ocorrerem em posição inicial, em posição
medial e em posição final;
39
• os advérbios de frase podem constituir resposta a interrogativas totais,
contrastando com advérbios locativos, temporais e processuais de modo que
apenas podem constituir resposta a interrogativas parciais;
(exs.(8) e (9) de Casteleiro (1982))
(20)
a)
- Então o sismo não provocou estragos ?
- Felizmente.
b)
- Então o colóquio vai ser adiado ?
- Provavelmente.
• os advérbios de frase, ao contrário dos advérbios locativos, de tempo e de
modo, não podem ocorrer em estruturas enfáticas marcadas com é que;
• também por oposição aos advérbios de tempo, de lugar e de modo, estes
advérbios não podem ocorrer em estruturas de foco com senão.
Após a classificação geral que referímos, o autor apresenta quatro
subclasses de advérbios de frase com as respectivas propriedades sintácticosemânticas.
Em primeiro lugar refere a classe dos advérbios emotivos cuja função
primordial é transmitir a opinião subjectiva do falante relativamente à oração que
acompanha os advérbios. Neste grupo inclui advérbios como afortunadamente,
estranhamente, (in)felizmente, lamentavelmente e surpreendentemente. Estes
advérbios caracterizam-se, principalmente por não ocorrerem em frases
interrogativas nem imperativas. Pelo contrário, ocorrem frequentemente em
estruturas exclamativas que introduzem factos reais.
A segunda subclasse de advérbios que considera é a dos advérbios modais,
40
que são responsáveis por transmitir a pressuposição do falante relativamente à
veracidade da proposição que introduzem. A esta classe pertencem advérbios
como
aparentemente,
certamente,
presumivelmente,
possivelmente,
Relativamente
propriedades
às
evidentemente,
provavelmente
e
sintáctico-semânticas,
naturalmente,
verosimilmente.
estes
advérbios
caracterizam-se, basicamente, por não disporem de uma forma negativa
correspondente, pela impossibilidade de ocorrerem em frases interrogativas, bem
como pela possibilidade de ocorrerem em estruturas hipotéticas.
A terceira classe, a dos advérbios pragmáticos, é a que, segundo o autor,
agrupa advérbios que permitem ao falante fazer a caracterização do que diz em
termos de conteúdo ou de forma. Assim, os advérbios que caracterizam o
conteúdo são do tipo de francamente, honradamente, honestamente,
lealmente, sinceramente e verdadeiramente. Os advérbios que caracterizam a
forma são abreviadamente, brevemente, concisamente, concretamente,
grosseiramente, laconicamente, lapidarmente, resumidamente, etc.
No que toca às propriedades consideradas pelo autor, este terceiro grupo é
caracterizado principalmente por aceitar a forma do gerúndio falando a anteceder
o advérbio (falando lealmente, falando resumidamente, etc.) e por aceitar a
paráfrase de um ponto de vista + adjectivo. Além disso, não aceitam as
construções negativas correspondentes, como exemplificado abaixo. (ex. (56) de
Casteleiro (1982)):
*Desonestamente, os jornais não prestaram atenção ao assunto.
41
Finalmente considera os advérbios sectoriais que restringem a uma dada
área do saber o valor da oração que introduzem. Neste grupo encontramos
advérbios
como
geograficamente,
psicologicamente,
literariamente,
esteticamente,
matematicamente,
filosoficamente,
moralmente,
politicamente, etc.
Os advérbios deste grupo, relativamente a propriedades, também aceitam a
forma do gerúndio falando, podem co-ocorrer com frases interrogativas, mas não
permitem uma forma negativa.
Em resumo, a análise do autor, embora se socorra de propriedades
maioritariamente
sintácticas,
resulta
numa
classificação
primordialmente
semântica. As classes resultantes desta classificação partilham propriedades
importantes que o autor ordena e organiza, pelo que nos parece ser este trabalho
de grande importância como ponto de partida para uma análise sintáctica
globalizante dos advérbios de frase.
3.3.
Pollock (1989): A divisão de Infl(ection) em Agr(eement) e
T(ense).
O trabalho de Pollock (1989) consiste em mostrar como se processa o
movimento do verbo em francês e inglês partindo da ideia de que os traços
morfológicos tradicionalmente integrados em Infl têm naturezas diferentes, pelo
que devem ocupar projecções independentes (TP e AgrP).
A análise distribucional de pares de frases do francês e do inglês leva
Pollock a concluir que o comportamento dos verbos, no que respeita à subida para
42
Infl, é diferente nas duas línguas em análise. Deste modo, em estrutura de
superfície, a posição que um advérbio ocupa em francês, relativamente ao verbo, é
oposta à que ocupa o advérbio equivalente em inglês.
(21)
a.
Jean embrasse souvent Marie.
b.
*Jean souvent embrasse Marie.
c.
*John kisses often Mary.
d.
John often kisses Mary.
Como mostram os exemplos de Pollock o contraste entre estas duas
línguas resulta da exigência de o advérbio ocupar a posição pós-verbal e préverbal, respectivamente em francês e em inglês.
Do mesmo modo, e se for adoptada a análise de Kayne (1975) segundo a
qual os quantificadores se movem para posições adverbiais, os dados das duas
línguas relativamente aos quantificadores parecem apontar para a mesma linha de
análise:
(22)
a.
*My friends love all Mary.
b.
Mes amis aiment tous Marie.
c.
My friends all love Mary.
d.
*Mes amis tous aiment Marie.
Esta assimetria verificada nas duas línguas em contextos idênticos é
43
explicada em Pollock pela possibilidade que existe em francês de qualquer verbo
subir para Infl, o que apenas está disponível em inglês para os verbos auxiliares.
Em termos teóricos a explicação do autor passa por defender que o nó
Agr(eement) em inglês tem um carácter mais fraco que em francês (é [transparente] ou opaco, nos termos de Pollock) impedindo, desse modo, um verbo
com grelha temática movido para Infl de atribuir papel-θ ao seu argumento
interno. Por oposição, em francês, o carácter mais forte ([+transparente], menos
opaco) de Agr(eement) permite a qualquer verbo atribuir papel-θ ao argumento
seleccionado.
Relativamente aos advérbios, assunto em análise, o trabalho de Pollock
aponta para que a posição de advérbios como souvent e often (frequentemente)
seja antes de VP ou em posição inicial de VP em estrutura-P para que possam
resultar as seguintes ordens em superfície:
V Adv em francês depois do movimento de qualquer verbo;
Adv V em inglês sem movimento de verbos lexicais.
Para confirmar a sua hipótese o autor recorre a exemplos com negação
dupla:
(23)
44
a.
Pierre n’a rien mangé.
b.
*Pierre n’a mangé rien.
c.
Pierre ne mange rien.
d.
*Pierre ne rien mange.
Assim, os exemplos mostram que num contexto de tempos compostos,
rien só pode ocorrer entre o verbo auxiliar e o verbo principal, verificando-se,
desse modo, o movimento do verbo auxiliar em francês. No caso de tempos
simples, rien só pode ocorrer depois do verbo principal, caso em que se verifica
também o movimento do verbo.
O comportamento do português, em casos idênticos aos das línguas
analisadas em Pollock (1989), parece apontar para a necessidade de uma
explicação “mista”, quer no contexto dos advérbios, quer no contexto dos
quantificadores.
(24)
a.
O João beija frequentemente a Maria.
b.
O João frequentemente beija a Maria.
c.
Os meus amigos amam todos a Maria.
d.
Os meus amigos todos amam a Maria.
De acordo com a análise de Pollock, em português o verbo deve poder
mover-se (a e c) ou não (b e d) para Infl não havendo agramaticalidade em
nenhum dos casos.
A aplicação ao português da análise proposta para o inglês e o francês
coloca a questão de saber então o que é que marca a opcionalidade de movimento
do verbo em português. De notar, no entanto, que a estrutura mais corrente em
português é aquela em que, segundo a análise de Pollock, existe movimento do V
para Infl.
45
Relativamente ao inglês e francês, a estrutura de superfície com tempos
compostos é idêntica:
Aux Adv V
•
•
em francês porque todos os verbos podem subir;
em inglês porque só o auxiliar pode subir.
A questão coloca-se, novamente, em relação ao português que não permite o
advérbio entre o verbo auxiliar e o verbo principal.
(25)
a.
??O João tem frequentemente beijado a Maria.7
b.
John has often kissed Mary.
c.
Jean a souvent embrassé Marie.
Do mesmo modo não permite que um constituinte negativo ocorra entre o verbo
auxiliar e o verbo principal em tempos compostos:
(26)
a.
*O Pedro não tinha nada comido.
b.
O Pedro não tinha comido nada.
c.
O Pedro não comeu nada.
Se, como o autor defende, rien (nada) não se pode mover para a esquerda
de um verbo flexionado, então o português aponta para a existência de um terceiro
padrão de línguas. Nestas, não só o auxiliar mas também o particípio passado tem
7
Relativamente à posição pós-verbo auxiliar de alguns advérbios verificamos que nem sempre é
fácil decidir sobre o grau de gramaticalidade das estruturas. O juízo de gramaticalidade
apresentado é pois disso resultado.
46
flexão, razão pela qual quer o auxiliar quer o verbo principal (particípio) têm
obrigatoriamente de se mover nos tempos compostos.
Em resumo, os três padrões de línguas serão:
- o padrão do inglês em que só verbos auxiliares, como have e be, se movem
para Infl dado o carácter opaco de Agr;
- o padrão do francês em que apenas se movem os verbos auxiliares nos
tempos compostos;
- finalmente, o padrão do português onde verbos auxiliares e verbos
principais, sob a forma de particípios, têm obrigatoriamente de se mover nos
tempos compostos.
Alternativamente, uma outra explicação para a subida do verbo e/ou para a
distribuição dos advérbios tem de ser encontrada.
A secção seguinte apresentará argumentos que, com base nos dados de
uma língua que não o inglês ou o francês, apoiam outra explicação para este
fenómeno.
3.4.
Ambar (1989): Subida do verbo, posição do sujeito e dos
advérbios
Com base em estruturas com alteração da ordem canónica do sujeito
relativamente ao verbo, a autora propõe-se apresentar argumentos a favor da ideia
de que existe na gramática um movimento sistemático do verbo para a direita.
A partir da análise de estruturas interrogativas qu- do tipo abaixo
exemplificado (exs. (1), (2) e (5) de Ambar (1989), respectivamente) :
47
(27)
(28)
(29)
(30)
a.
Que prémio ganhou esse actor?
b.
Que prémio esse actor ganhou ?
a.
Que ganhou esse actor ?
b.
*Que esse actor ganhou ?
a.
Que tem esse actor ganho ?
b.
Que tem ganho essa actor ?
Que ofereceu o Pedro à Maria ?
e assumindo que a estrutura dos constituintes qu- interrogativos inclui uma cabeça
nominal, a autora defende que só a presença de uma categoria regente em Cº pode
evitar a agramaticalidade de (28b). Assim, na sua análise a possibilidade de
movimento cabeça a cabeça permite ao verbo ocupar a cabeça da projecção em
cujo Spec ocorre o Qu- com o N vazio. Sobretudo frases como as de (29a) e (30)
constituem argumento a favor da hipótese da autora na medida em que a presença
do NP sujeito entre o verbo auxiliar e o particípio passado do verbo principal
dificilmente pode ser explicada com base no movimento deste NP para a direita
como defendido em Kayne e Pollock (1978). A existir, tal movimento teria como
efeito quebrar um constituinte verbal complexo ao introduzir-se o sujeito entre o
V auxiliar e o V principal., (cf. (29a), ou entre o V principal e o seu complemento
(cf. (30)).
48
É assim que ganha força a ideia do movimento do verbo para uma posição
superior à sua posição básica, em detrimento de um movimento do NP sujeito
para uma posição abaixo daquela onde é gerado.
Contudo, se as frases com interrogativas Qu-, acima exemplificadas,
parecem apontar no sentido do movimento do verbo para Cº, o caso complica-se
perante estruturas com um advérbio como a seguinte:
(31)
Penso que finalmente comprou o Pedro o jornal.8
Seguindo a proposta inicial para as interrogativas Qu-, a autora é levada a
analisar a possibilidade de uma estrutura em que o advérbio ocorreria em Cº com
o complementador e com o verbo movido. Vai, no entanto, rejeitar esta hipótese
porque nem mesmo assumindo que complementador e verbo formam um
complexo descontínuo conseguiria explicar como é que o advérbio ocorre no meio
desse complexo.
Da mesma forma, mas por razões diferentes, rejeita também uma segunda
hipótese que faz apelo ao movimento impróprio de adjunção de categorias Xº a
projecções máximas (pela adjunção do V e do advérbio a IP).
Outra das hipóteses sugeridas pela autora é considerar que o advérbio é
gerado em Spec de CP dado que alguns advérbios aparentemente aí são gerados
(exs. (26) de Ambar (1989):
(32)
a.
Evidentemente que o Pedro gosta de cinema.
8
A gramaticalidade desta frase depende, como refere a autora, de um valor de foco sobre o
constituinte o Pedro.
49
b.
Felizmente que ele não se apercebeu da situação.
Mas se (32) é perfeitamente gramatical o mesmo não podemos dizer de (33). (ex.
(28) de Ambar (1989)):
(33)
a.
*Penso que evidentemente que o Pedro gosta de cinema.
b.
*O Pedro pensa que felizmente que ele não se apercebeu da
situação.
pelo que é abandonada a proposta de geração de base do advérbio em Spec de CP.
Alternativa a considerar que o advérbio é gerado em Spec de CP é admitir,
como muitos outros autores, que o sujeito é gerado dentro do VP como
especificador. Assim sendo, a posição de Spec de TP seria uma posição
disponível, por exemplo, para os advérbios e facilmente se poderia derivar a
ordem de estruturas como (31) .
Considerando a representação da frase proposta por Pollock (1988)
(34)
TP
NP
T’
T
AGR’
AGR
VP
V
50
AGR’
VP
V
NP
a autora questiona a razão de AGR não ser cabeça de uma projecção máxima e
propõe assumir-se uma uniformização da teoria X’. Desta uniformização resulta
que AGR passa a ser uma cabeça que projecta uma projecção máxima
contemplando agora uma posição Spec disponível para o movimento do sujeito.
Desta forma, e se se aceitar a necessidade de um movimento do sujeito para este
Spec como explicação para o fenómeno de concordância nas línguas, ao assumir
que advérbios como os de tempo ocupam a posição de Spec da categoria TP
assume-se, consequentemente, a existência da mesma relação de concordância
para os advérbios. Além disso, e tratando-se de uma relação prevista pela teoria,
espera-se que esteja também disponível a posição de Spec de outras categorias
para outros advérbios. É neste sentido, e admitindo a existência de várias
subclasses de advérbios nas línguas, que a autora propõe que o advérbio seja
basicamente engendrado na posição de Spec das várias categorias que modifica.
Deste modo, como defende, poderíamos explicar a existência de distinções
semânticas na classe dos advérbios através da relação de adjacência que eles
mantêm com as cabeças que modificam. As posições naturais, que, em superfície,
surgem sem pausa, são as de Spec da categoria modificada; as posições marcadas,
as que, em superfície, se fazem acompanhar de pausa, são as posições de adjunção
à projecção máxima cuja cabeça o advérbio modifica.
3.5.
Belletti(1990): A subida do verbo em italiano.
51
O objectivo do trabalho de Belletti(1990), Generalized Verb Movement.
Aspects of Verb Syntax, consiste principalmente em comprovar a necessidade da
existência de movimento sistemático do verbo, como já anteriormente sugerido,
por exemplo, em Pollock (1989) e Ambar (1989) para explicar alguns fenómenos
sintácticos.
Na primeira parte do referido trabalho a autora parte do pressuposto de
que existe em italiano um movimento sistemático da cabeça verbal (verbo) para a
cabeça flexional mais alta. Com esta proposta procura-se determinar a posição
básica de diferentes advérbios.
Em primeiro lugar, propõe uma estrutura de frase idêntica à de Pollock
(1989), no sentido em que também assume a existência da divisão de Infl em
AGR e T. Porém, e considerando dados do italiano, língua morfologicamente
mais rica do que o inglês, Belletti (1990) defende que o movimento sucessivo do
verbo deve encontrar um reflexo directo na ordem dos afixos verbais. Para isso é
necessário que seja AGR a c-comandar T na estrutura da frase, uma vez que nas
formas flexionadas de qualquer verbo, o último afixo (desinência) a juntar-se ao
radical é o de concordância (AGR(eement)).
No que respeita à posição relativa da negação, a autora distingue advérbios
negativos de negação propriamente dita. As questões que se colocam
relativamente à negação e aos advérbios negativos dizem respeito à posição que
ocupam na estrutura da frase, quer se considere a estrutura-P quer a estrutura-S.
Em Pollock (1989) é proposta a existência de uma projecção NEGP entre
AGRP e TP. De acordo com os dados em análise no trabalho de Belletti a cabeça
daquela projecção seria ocupada por non no italiano, da mesma forma que Pollock
52
propõe que ne a ocupe em francês. A posição de especificador dessa projecção
NEGP seria a indicada para os (já referidos) advérbios negativos, pressupondo
também que a cabeça da negação teria, de alguma maneira, um carácter clítico
que a faz mover-se com o verbo.
Depois de assumida a projecção NEGP com ne e non como cabeça e os
advérbios negativos como especificadores, de acordo com Belletti (1990) o que
distinguiria as duas línguas seria a possibilidade ou obrigatoriedade de
preenchimento da posição de especificador de NEGP em italiano e francês,
respectivamente.
(35)
a.
Gianni non parla più.
(Belletti (1990), (8)a)
b.
Maria non rideva ancora.
(Belletti (1990), (8)b)
c.
Lui non diceva mai la verità. (Belletti (1990), (8)c)
(35)
AGRP
NP
AGR’
AGRº
NEG
NEGP
T
ADV
NEG’
più
NEGº
mai
non
TP
ancora
T’
Tº
VP
V
53
A derivação das frases de (35) resulta, na análise da autora, de três
movimentos. Um primeiro que move non para AGR, seguido do movimento de V
para T e do subsequente movimento de T, incorporando o V, para AGR.
Quando se trata da negação com tempos compostos, temos duas situações
distintas. Por um lado, o caso em que a negação não é reforçada por um advérbio
negativo e em que se verifica um comportamento idêntico ao verificado com os
tempos simples (subida do Aux para AGR). Por outro lado, o caso em que a
negação é composta pela partícula de negação propriamente dita e por um
advérbio negativo, existem então duas situações possíveis com tempos compostos,
como mostra a autora.
Assim, pode resultar a ordem:
(37)
Aux
Advneg Particípio
através da subida do particípio até AgrOP e do Aux até AGRP mais alto,
ocupando o advérbio uma posição entre os dois.
(38) (representação (18/19) de Belletti (1990))
AGRP
NP
AGR’
AGRº
3 pers
sing
NEGP
più
NEG’
NEGº
non
54
TP
TP
T’
Tº
AUXP
pres
AUX
AGRP
avere
AGR’
AGRº
VP
-t(o)
VP
V’
Vº
parla-
A alternativa seria:
(39)
Aux
Particípio
Advneg
uma ordem marcada para alguns falantes do italiano.
(40)
a.
Gianni non há parlato più.
(Belletti (1990), (14)a)
b.
Maria non è uscita mai.
(Belletti (1990), (14)ba)
c.
I ragazzi non hanno incontrato ancora i loro amici.
(Belletti (1990), (14)c)
55
Contrastivamente, o português parece dispor apenas desta ordem com tempos
compostos, como já havíamos referido em 3.3.9.
Para derivar esta última ordem possível Belletti propõe duas hipóteses:
- ou se verifica uma incorporação do particípio no auxiliar movendo-se ambos
para AGR mais alto;
- ou a posição que o advérbio negativo ocupa é outra, possivelmente em início de
VP como acontece com outros advérbios.
Considerando a primeira hipótese, a ordem Aux Particípio Adv será
sempre possível se o advérbio ocupar uma posição abaixo de AGRO. Com a
segunda hipótese, prediz-se que seja possível a ordem Aux Particípio Adv se o
advérbio ocorrer numa posição abaixo de AGRO; se isto não se verificar a ordem
resultante será sempre Aux Adv Particípio.
De facto, a autora refere contextos do francês que apoiam a ideia de os
advérbios negativos poderem ser gerados numa posição mais baixa do que Spec
de NEGP. Assim, e assumindo que pas em francês ocupa a posição de Spec de
NEGP que tem de ser preenchida obrigatoriamente nesta língua, os exemplos com
o verbo no infinitivo mostram pelo contraste entre pas e plus que o advérbio
negativo é gerado necessariamente numa posição mais baixa do que Spec de
NEGP:
(41)
9
a.
(?)Pierre dit ne manger plus. (Belletti (1990), (20))
b.
Pierre dit ne pas manger. (Belletti (1990), (21)a.)
Como referímos naquela secção, na maioria dos casos não é evidente que juízo de
gramaticalidade atribuir às frases. A nossa intuição, no entanto, é de que a ocorrência de um
56
c.
*Pierre dit ne manger pas. (Belletti (1990), (21)b.)
d.
Pierre dit ne plus manger. (Belletti (1990), (22))
Os contrastes entre francês e italiano apontam também, como observado
pela autora, para uma obrigatoriedade de preenchimento de Spec de NEGP em
francês (pas), e para a possibilidade de preenchimento de Spec de NEGP em
italiano (più, mai,...). Além disso, este comportamento distinto nas línguas em
estudo aponta ainda para uma subdivisão nos adverbiais negativos em francês que
não se verifica em italiano. Neste sentido, o francês dispõe de um elemento, pas,
cuja distribuição se resume à posição de Spec de NEGP; por outro lado, possui
elementos negativos como plus que podem ocupar a posição Spec de NEGP
(como acontece em italiano com più, mai, etc.), mas que também podem ocupar
uma posição mais baixa (provavelmente início de VP) à semelhança do que se
verifica também em italiano. Em suma, o francês dispõe de dois tipos de
advérbios negativos e o italiano de um tipo apenas.
É curioso, no entanto, verificar que o italiano regista dois comportamentos
diferentes, tal como acontece com os advérbios negativos em francês, mas com
advérbios positivos como già, sempre, pur e ben. Assim, temos, por um lado, già
e sempre que podem ocorrer em início de VP ou em Spec de NEGP:
(42)
a.
Maria parlava sempre/già di lui.
(Belletti (1990), (23)a)
b.
Maria ha sempre/già parlato di lui. (Belletti (1990), (23)b)
c.
Maria non parlava già/sempre di lui. (Belletti (1990), (29)a)
d.
Maria non ha già/sempre parlato di lui.(Belletti (1990), (29)b)
advérbio entre o auxiliar e o particípio é sempre uma opção marcada.
57
Por outro lado, temos pur e ben que, podendo ocorrer em início de VP, não
podem contudo ocorrer em Spec de NEGP:
(43)
a.
Maria parlava pur/ben di lui.
(Belletti (1990), (23)c)
b.
Maria ha pur/ben parlato do lui.
(Belletti (1990), (23)d)
c.
*Maria non parlava pur/ben di lui. (Belletti (1990), (29)c)
d.
*Maria non ha pur/ben parlato di lui.
(Belletti
(1990),
(29)d)
De acordo com os dados acima descritos concluimos que o italiano dispõe
de dois tipos de advérbios positivos: um tipo (sempre/già) que pode ocorrer seja
em Spec de NEGP (adquirindo valor negativo), seja em início de VP; e um outro
(pur/ben) que apenas pode ocorrer em início de VP.
Com base na hipótese, avançada pela autora, de estes constituirem a
contraparte positiva dos advérbios negativos, parece-nos talvez mais correcto
pensar que apenas già e sempre, de entre os advérbios positivos indicados,
possam desempenhar tal papel. Nesse caso, o seu valor de polaridade parece estar
em relação com a presença ou não da negação na frase.
Relativamente aos advérbios de frase, Belletti (1990) considera três
posições possíveis:
- posição inicial;
- posição final antecedida de pausa;
58
- e posição pós-sujeito.
De acordo com a autora (e ao contrário de Jackendoff (1972) que assume a
posição pós-sujeito como a posição básica destes advérbios), a posição típica dos
advérbios de frase é a posição inicial; o advérbio ocupa uma posição adjunta a
AGRP (cf. representação (44)), a projecção mais alta da frase. A posição final
resulta da deslocação do advérbio à direita e a posição pós-sujeito resulta da
topicalização do sujeito (cf. representação (45)):
(44) (representação (31) de Belletti (1990))
AGRP
ADV
probabilmente
evidentemente
AGRP
NP
AGR’
AGRº
TP
T’
Tº
VP
...
(45) (representação (34) de Belletti (1990))
TOPP
TOP’
TOPº
CP
Gianni
C’
Cº
AGRP
ADV
probabilmente
AGRP
NP
AGR’
AGRº
TP
telefonerà
T’
Tº
VP
... alle 5
59
Como verificámos na análise dos advérbios negativos, a distribuição dos
advérbios de frase também apresenta contrastes importantes nas várias línguas.
(46)
(47)
a.
Gianni probabilmente telefonerà alle 5. (Belletti (1990), (32)a.)
b.
John probably likes linguistics. (Belletti (1990), (36)a.)
c.
*Jean probablement aime la linguistique. (Belletti (1990), (36)b.)
d.
O João provavelmente ama a linguística.
a.
Gianni probabilmente ha sbagliato troppe volte.
b.
John probably has made several mistakes. (Belletti (1990), (37)a.)
c.
*Jean probablement a fait plusieurs erreures.
(Belletti (1990), (37)b.)
d.
O João provavelmente tem feito muitos erros.
Ao contrário do que se admitia na análise de Pollock (1989) que
justificava as diferentes posições de often e souvent em inglês e francês,
respectivamente, pela ausência de subida do verbo vs. a obrigatoriedade desse
movimento, nestes casos os contrastes não podem dever-se à ausência de
movimento do verbo no francês, onde ele é obrigatório. Por outro lado, tal como
em francês, em italiano e em português, o movimento é obrigatório e, no entanto
as frases equivalentes às agramaticais francesas são, nestas línguas, gramaticais.
Por isso, e não querendo recorrer à hipótese de que os advérbios se movem em
determinadas condições, a autora propõe-se explicar os referidos contrastes com
base noutros processos sintácticos.
60
Nesse sentido, o que parece ser factor de distinção entre francês por um
lado e inglês, italiano, português por outro, é repectivamente a impossibilidade vs.
possibilidade de topicalização nas línguas. Assim, segundo a autora, o parâmetro
que opõe estas línguas incide sobre o processo de topicalização.
A análise dos advérbios de frase com tempos compostos levanta contudo
mais problemas. As posições possíveis para estes advérbios são as que estão
disponíveis no contexto de tempos simples. Para além dessas, existe uma posição
entre o auxiliar e o particípio passado.
Para derivar esta última posição Belletti (1990) apresenta diferentes
possibilidades de explicação. Excluindo a possibilidade de o advérbio ser gerado
como modificador de AGRP, a cabeça da frase, posição que gerava uma ordem
impossível em que più teria necessariamente que dominar ou anteceder
probabilmente, o que empiricamente não se verifica, Belletti aponta para uma
segunda hipótese de acordo com a qual apenas a posição inicial, adjunta a AGRP,
estaria disponível para estes advérbios. Porém com esta hipótese levantam-se
problemas nos casos em que o sujeito é um quantificador negativo, que não pode
deslocar-se à esquerda:
(48)
a.
Lui ha probabilmente sbagliato.
b.
*?Nessuno ha probabilmente sbagliato troppe volte.
Finalmente, a terceira hipótese sugerida aponta para a ocorrência dos
advérbios de frase em posição inicial e entre as duas cabeças funcionais mais
altas. Neste caso, o advérbio só pode aí ocorrer se existir um auxiliar na frase.
A autora baseia esta hipótese na possibilidade de recursividade livre de
61
AGRP, mas considerando que apenas uma das projecções AGRP é preenchida
com traços morfológicos. As outras posições AGR seriam posições vazias que,
provavelmente, só os auxiliares podem ocupar.
No que respeita à ordem:
Aux Particípio Passado Adv.
a autora sugere, como já referido, duas hipóteses de análise: uma que supõe a
incorporação do particípio no auxiliar e outra que assenta na ideia de os advérbios
ocuparem uma posição mais baixa do que Spec de NEGP.
Na análise dos advérbios negativos vimos que, se a posição final do
advérbio se deve à incorporação do particípio no auxiliar, a ocorrência pósparticípio do advérbio deve ser sempre possível. Na opinião da autora os dados
dos advérbios de frase são importantes por mostrarem, através da impossibilidade
de o advérbio ocorrer depois do particípio, que não existe processo de
incorporação em italiano.
(49)
a.
*Lui ha sbagliato probabilmente.
b.
*Maria
ha
rivelato
(Belletti (1990), (61)a)
evidentemente
il
segreto.
(Belletti(1990), (61)b)
Assim sendo, a possibilidade que nos resta é a de considerar que os
advérbios negativos podem ocupar também uma posição mais baixa que Spec de
NEGP, provavelmente como advérbios de VP.
Após a análise do comportamento dos advérbios negativos e dos advérbios
62
de frase, a autora passa a uma terceira classe de advérbios que classifica como
“advérbios mais baixos”, de que são exemplo spesso e completamente. As
principais características que aponta são o facto de ocorrerem numa posição mais
baixa do que a negação e de tipicamente não ocorrerem em posição inicial de
frase.
(50)
a.
Non ha mai parlato spesso con te.
(Belletti (1990), (66)a)
b)
*Non ha spesso parlato mai con te. (Belletti (1990), (66)b)
Com base em dados com verbos transitivos a autora postula a posição em
início de VP como a posição básica destes advérbios.
(51)
a.
Quel medico risolverà completamente/spesso i tuoi problemi.
(Belletti(1990), (67)a e b)
b.
Quel medico risolverà i tuoi problemi completamente/spesso.
(Belletti(1990), (68)a e b)
Assim, a posição pós-verbal seria o resultado directo da subida do verbo, e
a posição final a consequência da adjunção do advérbio à direita do VP.
Um contraste apontado pela autora e que parece opor, de algum modo,
estes dois advérbios consiste na possibilidade, de que apenas spesso dispõe, de
ocorrer em posição inicial de frase.
(52)
a.
Spesso Gianni sbaglia.
(Belletti(1990), (69)a)
b.
*Completamente Gianni sbaglia. (Belletti(1990), (69)c)
63
Também a este respeito, e não querendo fornecer mecanismos específicos
para a explicação do comportamento dos advérbios, a autora atribui a
propriedades de carácter lexical a impossibilidade de completamente ser
topicalizado, contrariamente ao que se verifica com spesso que, quando em início
de frase, para aí foi movido. Os argumentos a favor desta hipótese de
topicalização do advérbio advêm-lhe de frases do italiano que com um
constituinte topicalizado, nomeadamente o complemento directo, para além do
advérbio, resultam em construções mal-formadas. O mesmo comportamento não
se verifica quando, pelo contrário, apenas o complemento é topicalizado
permanecendo o advérbio na sua posição de base. Além disso, não havendo
distinção entre spesso que é passível de ser topicalizado e completamente que
não é, não haveria forma de explicar porque é que apenas o primeiro destes
advérbios pode ocorrer em posição imediatamente pós-sujeito. A única hipótese
possível e que contraria o objectivo do trabalho da autora seria a de admitir que
nem sempre existe movimento do verbo em italiano.
Relativamente à posição que estes advérbios ocupam em frases com
tempos compostos, a autora, apresenta estes contextos também como argumento a
favor da hipótese de que a posição básica dos advérbios em questão é em início de
VP.
Assim, e em presença de tempos compostos, os advérbios em análise
(spesso e completamente) podem ocorrer depois do auxiliar e do particípio e em
posição final. No que respeita à posição entre o auxiliar e o particípio, ao
contrário do que se verifica com a maioria dos outros advérbios, spesso não pode
ocorrer em tal posição. Curiosamente, o advérbio completamente pode, sem que
64
as frases resultem agramaticais. A explicação da autora para este facto vai no
sentido de considerar que, embora sendo um advérbio de VP como spesso,
completamente pode também ocorrer em adjunção a TP.
3.6.
Cinque (1993): Uma hierarquia dos advérbios e respectivas
posições funcionais
Assumindo Kayne (1993), Cinque considera apenas um especificador por
XP sem adjunções adicionais. Considera que apenas existe variação paramétrica
na morfologia, nomeadamente no que respeita ao movimento de cabeças de
verbos auxiliares. Neste sentido defende também que as construções de verbos
complexos são indicadoras das posições funcionais que existem na estrutura.
Na mesma linha de pensamento de Ambar (1989) e de Belletti (1990), este
autor defende que as posições de superfície pré ou pós particípios passados se
devem a movimentos suplementares destes verbos e não dos advérbios. Um
exemplo que apresenta a favor desta ideia diz respeito à ordem relativa de
advérbios e quantificadores que, segundo afirma, é fixa. (exs. de Cinque (1993)
retirados das notas do autor de Girona International Summer School in
Linguistics).
(53)
a.
Ils ont tous tout bien fait.
b.
Hanno fatto tutti tutto bene.
c.
Hanno tutti fatto tutto bene.
65
O contraste entre francês e italiano, como o autor evidencia, consiste no
movimento do particípio do italiano para uma posição mais alta do que a ocupada
pelo particípio correspondente em francês (cf. exemplos anteriores).
Com base nestas ideias e assunções iniciais, Cinque propõe-se estabelecer
uma hierarquia das posições de ocorrência dos advérbios na estrutura da frase.
No que respeita à posição dos advérbios e quantificadores em italiano e
francês, a sua análise consiste em três fases distintas:
- testar as posições relativas dos diferentes advérbios;
- testar as diferentes ordens relativas dos vários quantificadores;
- testar as ordens relativas de advérbios e quantificadores:
Ordem relativa entre advérbios: (exemplos de Cinque (1994))
Francês
pas > déja
déja > plus
pas > plus
Italiano
mica > già
già > più
mica > più
(54)
(55)
a.
Si tu n’as pas déja mangé
*déja pas
b.
Ils n’ont déja plus rien reçu
*plus déja
a.
Non hanno mica già chiamato, che io sappia
*già mica
b.
Non hanno ricevuto già più nulla
*più già
Relativamente aos quantificadores do francês, o autor sugere a seguinte
ordem relativa:
66
FQS
(56)
>
FQIO
>
FQDO
a.
Ellesi leurj ont toutesi tousj parlés bien.
b.
Je lesi leurj ai tousj toutesi montrées.
c.
Ellesi lesj ont toutesi tousj vus.
Finalmente, a última ordem relativa analisada é entre advérbios e
quantificadores.
FQS
>
bien
FQS
>
tout
FQS
(57)
(58)
(59)
>
complètement
a.
Ils ont tous bien compri.
b.
Je leur ai tous bien répondu.
c.
Je les ai tous bien preparés.
a.
Ils ont tous tout lu
b.
Je leur ai tous tout donné.
a.
Elles ont toutes complètement fini.
b.
Je leur ai tous complètement racconté l’histoire.
c.
Je les ai tous complètement refaits.
Desta análise resulta uma ordem de advérbios entre os quais é, em alguns
casos, possível inserir quantificadores. Assim, e considerando a seguinte ordem:
pas - déja - plus - toujours - complètement - tout - bien
67
apenas é possível, de acordo com a análise de Cinque, inserir quantificadores
entre pas e déja, entre plus e toujours e entre toujours e complètement.
Analisadas todas as posições possíveis para os advérbios, o autor admite a
hipótese de algumas delas não serem posições básicas mas antes posições
resultantes do movimento de alguns adverbiais que considera ‘leves’ (“movement
of light elements”). Assim sendo, segundo Cinque, talvez esse movimento seja
uma espécie de movimento-A dos advérbios. Além disso, e como refere, parece
que existem casos de movimento-A’ por exemplo quando o advérbio mica, do
italiano, se move para uma posição pré-verbal.
(60)
a.
Gianni non ha mica mangiato.
b.
Gianni mica ha mangiato.10
Independentemente das particularidades de algumas línguas, na opinião de
Cinque, a ordem relativa dos advérbios é uniforme nas diferentes línguas. Por
isso, e em conformidade com a análise desenvolvida, apresenta uma hierarquia
das várias posições funcionais e os elementos que podem ocupar as respectivas
posições de especificador.
Categoria funcional
AGRS
Especificadores
NP sujeito
T1
Modal - 1
unfortunately, luckily
(advérbios orientados para o sujeito locutor)
10
Mood
probably, certainly, perhaps, surely
Modal - 2
intelligently, quickly
Segundo refere Cinque, o movimento de mica para uma posição mais alta resulta na eliminação
de non.
68
3.7.
∑
(advérbios orientados para o sujeito)
T2
déja
ASP1
plus
ASP2
toujours, habituellement
AGR - IO
FQ - IO
AGR - DO
FQ - DO
X
complètement
ASP3
tout
VOICE
bien
pas
Laenzlinger (1993): O Critério-Adv e o modelo X’ com duas
posições de Spec.
O objectivo do autor no presente trabalho é o de estabelecer a distribuição
dos advérbios, cujo comportamento se apresenta mais livre do que o dos
argumentos verbais.
Advérbios e argumentos assemelham-se, segundo o autor, pelo facto de
serem condicionados por princípios, embora os argumentos se submetam ao
critério temático e os advérbios ao critério-Adv. Além disso, o autor assume o
estatuto de operador para os advérbios, que devem por isso ocupar uma posição
Spec-A’, num modelo-X’ com duas posições Spec.
O objectivo desta inovação no modelo-X’ é, na opinião do autor, o de
eliminar a adjunção livre por um lado, e o de aproximar a posição dos advérbios
da dos elementos lexicais que satisfazem o critério-Adv (ver (63))
Em termos da classificação dos advérbios, o autor faz três tipos de
69
distinções. A primeira é uma distinção sintáctico-semântica entre os advérbios
seleccionados e os adjuntos.
(61)
a.
Jean va *(là-bas).
(Laenzlinger (1993), (3) a.)
b.
John goes *(there).
(Laenzlinger (1993), (3) b.)
c.
O João vai *(aí).
Enquanto os primeiros -advérbios seleccionados - ocupam uma posição
dependente do verbo que os selecciona, os segundos -os advérbios adjuntos respeitam algumas restrições, também, mas não ocupam um lugar na grelha
temática do verbo. Por isso dispõem de uma mobilidade grande que constitui, de
certo modo, o objecto de análise do trabalho do autor (e nosso também).
A segunda distinção que o autor apresenta é essencialmente sintáctica e
consiste em separar, dentro do grupo dos adjuntos, os advérbios de VP dos
advérbios de frase (classificação tradicionalmente assumida na literatura). O
factor da separação destas duas classes incide basicamente sobre o seu movimento
e interpretação. Os advérbios de frase ocupam posições cujo alcance é toda a
frase, condicionando também a interpretação da mesma; os advérbios de VP
ocupam, tipicamente, posições no âmbito do VP, o que em termos de
interpretação pode condicionar só o verbo (enquanto cabeça da projecção) ou
qualquer categoria ou elemento gerado dentro do VP (sujeito e complemento,
nomeadamente).
A terceira classificação é essencialmente semântica. O autor considera a
distinção entre advérbio de frase e de VP e dentro de cada uma das duas classes
encontra subclasses semânticas. Assim, subdivide os advérbios de frase em
70
modais, advérbios orientados para o sujeito, advérbios de tempo, de lugar e
advérbios aspectuais; os advérbios de VP são subdivididos em advérbios
orientados para o verbo, orientados para o objecto, orientados para o sujeito e
aspectuais/quantificadores.
Na tentativa de definir o estatuto lexical, categorial e funcional dos
advérbios, o autor defende que o advérbio constitui uma categoria que por si só
foge à tradicional classificação com base nos traços [+N/+V]. Esta categoria tem a
capacidade, além disso, de projectar uma categoria máxima, embora, dado o
estatuto de operador, a maioria dos advérbios não possa subcategorizar.
O estabelecimento de um princípio formal legitimador da distribuição do
advérbio passa pela criação do ‘critério-Adv’; uma particularização do Critério de
Licenciamento Generalizado de Sportiche (1992):
(62)
Critério de Licenciamento Generalizado11:
(i) Uma cabeça [+F] deve estar numa relação Spec-Head com um XP [+F].
[+F].
(ii) Um XP [+F] deve estar numa relação Spec-Head com uma cabeça
A adaptação que o autor faz deste princípio consiste em restringi-lo à primeira
condição, uma vez que o seu objecto de estudo são os advérbios livres/adjuntos e
não os seleccionados pelo verbo. Assim,
(63)
11
Critério-Adv:
A tradução que apresentamos em (62) é da nossa autoria.
71
Um sintagma adverbial (ADVP) [+F] deve estar numa configuração SpecHead com uma cabeça (Xº) [+F].
Este critério associado ao modelo-X’ com duas posições de Spec (A e A’),
onde o advérbio ocupa sempre o Spec-A’, são os instrumentos básicos para a
análise dos advérbios que o autor se propõe desenvolver.
Começando pelos advérbios de frase e particularmente pelos modais, a
posição em que o autor acredita que estes advérbios satisfazem o critério-Adv é a
posição Spec-A’ de CP. Isto porque os advérbios modais se caracterizam por
predicar sobre os valores de verdade que em geral se crê estarem em Cº. Para
corroborar esta ideia o autor aponta o caso das interrogativas-WH onde é
impossível encontrar um advérbio de frase modal.
(64)
a.
*Probably who left? (Laenzlinger (1993), (41) a.)
Contudo, o facto de esta ser a posição onde o advérbio é legitimado em LF não
impede que ele ocorra em diferentes posições em estrutura-S.
(65)
72
a.
John has probably read Chomsky’s book.
(Laenzlinger (1993), (43) a.)
b.
Probablement, Jean a lu le livre de Chomsky.
(Laenzlinger (1993),(6) a.)
c.
Jean a lu le livre de Chomsky, probablement.
(Laenzlinger (1993),(6) b.)
d.
Jean, probablement, a lu le livre de Chomsky.
(Laenzlinger (1993),(6)c.)
e.
Jean lit probablement le livre de Chomsky.
(Laenzlinger (1993), (6) d.)
f.
Jean a probablement lu le livre de Chomsky.
(Laenzlinger (1993), (6) e.)
g.
Jean a lu probablement le livre de Chomsky.
(Laenzlinger (1993), (6) f.)
Embora intuitivamente a hipótese de o advérbio estar em Spec-A’ de CP
pareça fazer sentido, ela não só não apresenta uma forma de derivar as várias
posições de superfície que estes advérbios podem ocupar, como também não
aponta características que possam explicar os contrastes existentes entre os dados
do francês e os do português em relação à posição pré-verbal e à posição pósauxiliar. Assim, se em francês é possível a ocorrência destes advérbios entre o
auxiliar e o particípio passado, contrastando com o português onde são algo
marginais,
(66)
a.
Jean a probablement lu le livre de Chomsky.
(Laenzlinger (1993), (6) e.)
b.
??O João tinha provavelmente lido o livro do Chomsky.12
em português é possível que o advérbio ocupe a posição pré-verbal (ou préauxiliar) por oposição ao francês.
(67)
a.
O João provavelmente tinha lido/leu o livro do Chomsky.
b.
*Jean probablement lit le livre de Chomsky.
12
A gramaticalidade da frase é total, quanto a nós, se sobre o advérbio cair um acento de
intensidade.
73
Os advérbios de frase orientados para o sujeito (rudely, courageously,
intentionally) têm a particularidade de se submeter a duas condições: o critérioAdv e o princípio de predicação. Segundo o autor, este tipo de advérbios predica
sobre o sujeito ou agente e sobre uma variável EVENTO; por isso o critério-Adv
terá, neste caso, que ser satisfeito na posição Spec-A’ de uma projecção cuja
cabeça reúna os referidos traços semânticos de Evento, provavelmente Iº. Além
do critério-Adv o princípio de predicação é satisfeito, segundo o autor, numa
configuração de m-comando mútuo entre o advérbio e o sujeito. A posição mais
provável para este tipo de advérbios é, assim, Spec-A’ de IP porque aí pode
satisfazer ambos os requisitos.
(68)
(Laenzlinger (1993), (44))
IP
Spec-A’
I’
Adv
Spec-A
Rudely
NP
John
I’
I
event
VP
spoke to the Queen.
fact
Ainda dentro da classe dos advérbios de frase, mas considerando agora os
advérbios de tempo e de lugar, também estes têm de ocorrer em Spec-A’ de IP
cuja cabeça dispõe dos traços semânticos relevantes, pelo menos em LF.
74
Na apresentação do tratamento dado aos advérbios desta subclasse são
apresentados exemplos em que a posição que os advérbios ocupam em estrutura-S
é muito mais variada e não corresponde à posição que ocupa em LF onde o autor
assume que se aplica o critério-Adv. Além disso, a aplicação da sua hipótese de
análise a diferentes instâncias de advérbios de tempo, apenas no inglês, mostra
que a análise não é suficientemente forte.
Os exemplos do inglês que o autor apresenta apontam para a existência de
algumas diferenças de comportamento dentro do grupo dos advérbios de tempo,
nomeadamente
entre
advérbios
como
yesterday
(ontem)
e
recently
(recentemente).
(69)
a.
Yesterday John read Chomsky’s book. (Laenzlinger (1993),
b.
John read Chomsky’s book yesterday. (Laenzlinger (1993), (45)b.)
c.
*John has yesterday read Chomsky’s book.
(Laenzlinger (1993), (45)c.)
d.
John has recently read Chomsky’s book.
(Laenzlinger (1993), (45)d.)
(45)a.)
Se aos dados apresentados acrescentarmos os equivalentes em português,
talvez deixemos de ter motivos para prever divisões dentro do grupo dos
advérbios de tempo, como sugere o autor.
(70)
a.
Ontem o João leu o livro do Chomsky.
b.
O João leu o livro do Chomsky ontem.
75
c.
*O João tinha ontem lido o livro do Chomsky.
d.
??O João tinha recentemente lido o livro do Chomsky.13
Assim, não parece empiricamente plausível, com base nos dados de (70),
supor que haja distinção entre os dois advérbios porque registam exactamente o
mesmo comportamento. A agramaticalidade observada em (70c) e a
marginalidade de (70d) não tem a ver, como justifica o autor para o inglês, com
diferentes naturezas categoriais dos advérbios envolvidos, mas antes com a
posição que eles ocupam, na estrutura da frase. Como referímos em outros pontos
do capítulo 3, em português alguns advérbios podem ocorrer na posição entre o
auxiliar e o particípio passado desde que sejam destacados de alguma forma.
Parece-nos assim mais provável supor que a diferença entre (69c) e (d) no inglês
resulta do facto de os advérbios ocuparem posições distintas na estrutura, embora
em estrutura-S as frases sejam idênticas.
Relativamente aos advérbios aspectuais, a análise apresentada não parece
muito segura.
Embora a classificação dos advérbios deste grupo seja muito difícil, parece
não haver dúvidas para considerar advérbios de movimento (quickly, slowly) e
advérbios de frequência (frequently, often, sometimes). A dificuldade de análise
desta classe reside, essencialmente, no facto de existirem traços semânticos de
aspecto distribuídos por várias cabeças da frase, nomeadamente verbo, Infl e
Aspecto. Apesar disso a verificação do critério-Adv., segundo o autor, é feita em
Spec-A’ de AspP assumindo que essa projecção existe na estrutura. De acordo
com a sua análise, o movimento do verbo para a cabeça ASPº serve o objectivo de
76
atribuir ao verbo as especificações semânticas mais adequadas. Um verbo de
actividade associar-se-á a um traço aspectual [+processo], um verbo estativo a um
traço [+estado] e assim sucessivamente.
Os advérbios tradicionalmente classificados como advérbios de VP
recebem tal denominação pelo facto de predicarem não sobre toda a frase mas
apenas sobre um domínio restrito: o sintagma do verbo (VP).
Neste artigo são subdivididos em quatro classes, como vimos atrás, cujas
interpretações podem ser, principalmente, modo, instrumento ou quantificação.
De acordo com o autor os advérbios de VP ocupam a posição Spec-A’ de VP
embora possam predicar sobre o sujeito, o objecto, o aspecto e sobre o próprio
verbo. Também em relação a esta classe de advérbios o autor não diz que outras
posições podem ocupar, apenas referindo a impossibilidade de ocorrerem em
início de frase onde o critério-Adv não seria satisfeito porque não se verifica a
relação Spec-Head com o verbo, cabeça da projecção onde é satisfeito o referido
critério.
Ainda em relação aos advérbios de VP, se realmente ocupam a posição
Spec-A’ de VP onde satisfazem o critério-Adv numa relação Spec-Head com a
cabeça verbal, dadas as interpretações possíveis, devemos assumir ou esperar que
essa cabeça verbal não só tenha traços de natureza verbal mas também indicações
relativamente ao complemento que selecciona e ao sujeito que exige. Só assim
parecem ser possíveis interpretações orientadas para o sujeito e para o objecto.
Alternativa para esta hipótese é considerar que o critério se verifica em estruturaP antes de qualquer movimento para fora de VP. Deste modo, compreender-se-ia
naturalmente que um advérbio em Spec-A’ de VP pudesse ter uma interpretação
13
Cf. nota anterior.
77
orientada para cada uma das posições ou dos elementos que ocorrem dentro do
VP.
(71)
VP
Spec-A’
Adv
VP
Spec-A
sujeito
V’
Vº
Compl.
A configuração em que ocorrem uns relativamente aos outros regista uma
relação de c-comando do Adv sobre todos os outros elementos: sujeito, verbo e
complemento.
Em resumo a análise de Laenzlinger (1993) consiste essencialmente em
assumir que os advérbios ocupam posições Spec, e não posições de adjunção, e
mais concretamente Spec-A’. Deste modo, numa posição Spec-A’ o advérbio
deve estar em condições de satisfazer o critério-Adv por uma relação de
concordância entre o dito Spec-A’ e a cabeça da projecção onde, desejavelmente,
existem traços semânticos compatíveis com os traços do advérbio. Uma das
principais questões teóricas que se levantam nesta análise tem a ver com o
processo de concordância entre o Spec-A’ e o Xº através do interposto Spec-A.
Relativamente às principais posições que os advérbios analisados ocupam,
a maior variedade regista-se no grupo dos advérbios de frase. Aí os advérbios
modais podem ocorrer em Spec-A’ de CP, em cuja cabeça se encontram as
78
informações de valores de verdade. Os advérbios de tempo e de lugar ocorrem
muito provavelmente em Spec-A’ de IP, onde se localizam os traços semânticos,
ligados ao Evento, de tempo e de concordância (não considerando a separação de
Iº). Os aspectuais, de movimento e de frequência, restringem-se ao Spec de AspP,
embora se encontre informação desta natureza também em Vº e Iº. Os advérbios
de VP, como a denominação indica, estão limitados ao VP.
3.8.
Costa (1996): Posição dos advérbios ambíguos
O objectivo primordial deste autor é apresentar argumentos a favor do
abandono de configurações de adjunção à direita através de evidência empírica
fornecida pelos advérbios.
Considerando advérbios a que tradicionalmente tem sido atribuída uma
interpretação ambígua, entre uma interpretação de modo e uma interpretação
orientada para o sujeito, Costa explora as diferentes possibilidades interpretativas
e as posições onde estas são obtidas como meio para excluir a adjunção à direita.
A partir da análise de advérbios como carefully, exemplo de Jackendoff
(1972), o autor conclui que a única posição onde é possível a interpretação
orientada para o sujeito é a posição pré-verbal, dado que nas restantes posições os
referidos advérbios só apresentam interpretação de modo. À luz das análises com
adjunção à direita esta clara distinção não deveria existir uma vez que a
opcionalidade de colocação do adjunto, à direita e à esquerda, se baseia na
ausência de alteração semântica.(exs. (5) de Costa (1996)):
(72)
a.
John carefully spoke to his mother.
79
b.
It was careful of John to speak to his mother. (orientado para o sujeito)
c.
John spoke to his mother in a careful way. (modo)
Outro problema para a proposta de adjunção consiste na impossibilidade
de vários advérbios da mesma classe ocorrerem em posição final de frase e em
adjunções simultâneas à esquerda e à direita. (exs. (10) e (14) de Costa (1996))
(73)
*John has spoken to his mother nicely carefully cleverly.
(74)
a.
John spoke carefully to his mother (*nicely).
b.
John spoke nicely to his mother (*carefully).
Dada a relação entre a colocação dos advérbios e as interpretações
disponíveis o autor mostra a necessidade de uma análise que permita responder às
duas vertentes do problema. Nesse sentido indica propostas como a de Barbiers
(1994) - para quem o movimento em sintaxe é motivado pela necessidade de criar
uma dada configuração interpretável - e a de Ernst (1984) - que sugere que os
advérbios podem, opcionalmente, ter o seu escopo lexicalmente marcado - e
propõe-se assumir uma análise segundo a qual a interpretação dos advérbios
ambíguos não é totalmente variável. Para Costa, embora haja um significado
básico em cada advérbio, ele pode ser alterado em virtude da interferência de
determinados processos sintácticos.
Outra proposta para dar conta da interpretação orientada para o sujeito de
advérbios ambíguos é a apresentada por den Dikken (1995). Neste trabalho o
autor defende que aquela interpretação é o resultado da subida do NP sujeito para
80
a posição de especificador de ADVP. Costa, porém, discorda não só pelo facto de
tal assunção ter implícita a ideia de que IP é complemento de ADVP, mas também
porque - assumindo Kayne (1994) - não haveria modo de derivar estruturas em
que o próprio advérbio é também ele modificado (ex. (25) de Costa (1996)):
(75)
John very cleverly has answered the question.
Por todos estes argumentos é de rejeitar o movimento do sujeito para Spec
de ADVP como meio para explicar a interpretação orientada para o sujeito.
Assumindo que a interpretação em análise é a única disponível para os
advérbios que ocorrem em posição pré-verbal e que os verbos auxiliares se
movem para T em inglês, a proposta que o autor apresenta, é a de considerar que o
ADVP ocupa uma posição de adjunção a TP.
No âmbito do Princípio de Interpretação Semântica, o movimento do
sujeito de Spec de TP para Spec de AgrSP daria à posição adjunta a TP - que o
ADVP ocupa - um estatuto que lhe permite manter uma relação semântica entre o
NP sujeito e AGRS. Desse estatuto resultaria a interpretação do advérbio
orientada para o sujeito. A favor desta ideia o autor aponta o caso de estruturas
com verbos inacusativos em que a interpretação orientada para o sujeito só é
possível se este NP se deslocar ocupando Spec de AGRS (exs. (31) de Costa
(1996)):
(76)
a.
Um homem cuidadosamente tinha entrado na sala.(orientado
b.
CUIDADOSAMENTE tinha entrado um homem na sala. (modo)
para o
sujeito)
81
No que respeita à posição final de advérbios como carefully, o autor
assume que a única forma de derivar essa ordem é fazendo deslocar o VP para um
ADVP adjunto a VP. Neste contexto, naturalmente, não se estabelece a relação
semântica relevante entre o advérbio e o NP sujeito pelo que é impossível uma
interpretação orientada para o sujeito.
Esta proposta para derivar a posição final de alguns advérbios tem a
vantagem, segundo o autor, de mostrar que a única posição onde é possível a
interpretação orientada para o sujeito é em posição pré-verbal, deixando as
restantes posições para a interpretação de modo.
3.9.
Conclusões
As análises revistas nos pontos anteriores deste capítulo dividem-se
basicamente em dois grupos:
1) as análises que apontam para duas grandes classes de advérbios, a saber
advérbios de frase e advérbios de VP;
2) e as análises que motivam o movimento sistemático do verbo socorrendo-se da
evidência vinda do comportamento dos advérbios.
O primeiro tipo de análises, que distingue advérbios de VP e de frase,
regra geral é o que pretende encontrar uma análise sintáctica motivada por classes
feitas com base em distinções semânticas. Os trabalhos de Jackendoff (1972), de
Casteleiro (1982) são disso exemplo, bem como o de Laenzlinger (1993), que
numa perspectiva mais teórica assume as mesmas distinções.
82
No segundo grupo de trabalhos incluímos Pollock (1989), Ambar (1989) e
Belletti (1990) que apontam propostas para o tratamento dos advérbios resultantes
de uma análise cuidada de outros fenómenos sintácticos, nomeadamente o
movimento do verbo. Igualmente, o trabalho de Cinque (1993) apresenta uma
proposta de classificação geral dos advérbios e das projecções onde podem
ocorrer, através da comparação da posição dos advérbios relativamente ao verbo e
aos quantificadores.
Dada esta primeira abordagem de distinção entre advérbios de frase e
advérbios de VP, poderemos talvez propor uma segunda classificação com base
na proposta de o advérbio ser engendrado basicamente numa dada posição ou,
pelo contrário, derivar as diferentes ordens de superfície assumindo movimentos
do advérbio.
Na primeira classificação inscrevem-se a maioria dos trabalhos analisados
como o de Pollock, Ambar, Belletti, Cinque e Costa. As análises destes autores,
embora se distingam relativamente à posição ou às posições que postulam para a
geração dos advérbios, concordam em aceitar que o advérbio é uma categoria
basicamente gerada. Assim, sendo assumem que as estruturas de superfície
resultam do movimento de elementos variados como o NP sujeito, o verbo e até o
NP objecto.
Jackendoff parece ser o único representante da segunda posição porque
considera várias posições de base para a geração de advérbios, dependente das
interpretações e do escopo que seleccionam.
83
4.
O advérbio em português
Um estudo sério dos advérbios é uma tarefa quase utópica não só pela
diversidade de advérbios de que as línguas dispõem, mas também pela enorme
variedade de interpretações que um só advérbio pode despoletar dependendo da
posição, do tipo de verbo, da natureza dos argumentos seleccionados e até do
tempo morfológico da forma verbal. Se nos concentrarmos numa língua com uma
tremenda riqueza morfológica como o português a dificuldade parece aumentar.
O objectivo deste capítulo é fazer uma descrição, tanto quanto possível
clara e detalhada, do comportamento dos advérbios em português.
Vamos testar o comportamento dos vários advérbios considerados em cada
grupo nos contextos pré-estabelecidos. Com esta análise poderemos verificar que
a semântica intrínseca do verbo, com os seus argumentos, é um dos factores
determinantes para estabelecer a distribuição e interpretação de cada advérbio.
4.1.
Propriedades
fundamentais
de
diferentes
classes
de
advérbios.
O português é uma língua que além de uma morfologia complexa,
apresenta um grande leque de opções no que respeita à distribuição dos advérbios.
Encontramos nesta língua, além das posições tradicionalmente atribuídas aos
advérbios para o inglês - posição inicial, posição auxiliar ou pós-sujeito e posição
final - também a posição pós-verbal, ou complexo verbal no caso dos tempos
compostos.
84
Neste ponto apresentaremos uma descrição dos advérbios em português
norteada pela análise sintáctica proposta por Jackendoff (1972), referida na secção
anterior. Esta opção é de natureza metodológica, pois, como observaremos, o
português apresenta dados que, de algum modo, invalidam ou questionam a
análise de Jackendoff, ou para os quais a sua análise não fornece explicação.
4.1.1. Advérbios que podem ocupar as três posições com alteração de
significado
O primeiro grupo de advérbios que consideraremos caracteriza-se,
segundo Jackendoff, pela possibilidade de ocorrer em todas as posições acima
referidas.
Nele incluem-se advérbios como inteligentemente, cuidadosamente,
desajeitadamente,
verdadeiramente,
especificamente,
descuidadamente,
francamente, alegremente, estupidamente, etc..
Uma das dificuldades de caracterização deste grupo de advérbios consiste,
exactamente, em decidir quais os contextos que geram frases gramaticais.
Relativamente à posição inicial, um advérbio como inteligentemente
parece só poder aí ocorrer se separado do resto da frase por uma pausa.
(77)
a.
*/??Inteligentemente o João resolveu o problema.
b.
Inteligentemente, o João resolveu o problema.
Uma construção como (77a) só pode ter interpretação (de modo) com uma
leitura e entoação contrastivas sobre o advérbio como em (78).
85
(78)
INTELIGENTEMENTE
o João resolveu o problema, estupidamente
respondeu antes do tempo.
Quando o advérbio é separado do resto da frase através de uma pausa como em
(77b), a interpretação é avaliativa sobre a atitude do João ao resolver o problema,
isto é, é orientada para o sujeito da enunciação.
(79)
O João foi inteligente ao resolver o problema.
Quando o advérbio recebe um acento de intensidade como em (78) e tem a
interpretação de modo referida, a paráfrase será:
(80)
O que o João resolveu de um modo inteligente foi o problema.
Com inteligentemente em posição pós-sujeito temos também a necessidade de
separar o advérbio da frase colocando-o entre vírgulas.
(81)
a.
*/??O João inteligentemente resolveu o problema.
b.
O João, inteligentemente, resolveu o problema.
Neste caso temos também distintas interpretações. Quando o advérbio ocorre
entre vírgulas a interpretação é unicamente orientada para o sujeito como em
(77b), mas quando não existem pausas a separar o advérbio da frase a única
interpretação possível parece ser de modo, ao contrário do que se verifica em
86
inglês14.
Relativamente à posição pós-verbal, seja imediatamente a seguir ao verbo
ou a seguir ao complemento (posição final) a interpretação parece ser sempre de
modo. Na realidade, nota-se uma proximidade entre a posição pós-sujeito e a
posição imediatamente pós-verbal. Na primeira destas posições talvez seja
necessário admitir uma focalização sobre o advérbio para permitir a interpretação
de modo15:
(81)
c.
O João resolveu inteligentemente o problema.
d.
O João resolveu o problema inteligentemente.
Em posição final separado da frase por uma pausa, o advérbio possui, em
regra, uma apreciação sobre toda a frase (orientação para o falante).
(82)
a.
O João resolveu o problema, inteligentemente.
A chamada de atenção que gostaríamos de fazer neste capítulo tem a ver
não só com o maior número de posições e de contextos possíveis para os
advérbios em português, mas também com a interacção que existe naturalmente
entre o advérbio e os demais elementos lexicais da frase: o verbo, o sujeito e o
complemento. De facto, se nos exemplos acima o advérbio parece ter uma
liberdade total de movimento dentro e “fora” da frase (quando ocorre entre
14
Em Jackendoff (1972) os advérbios que ocorrem nesta posição são caracterizados por gerarem
frases ambíguas entre uma interpretação orientada para o sujeito e uma interpretação de modo.
15
O João resolveu, inteligentemente, o problema.
87
vírgulas), independentemente de assim adquirir diferentes interpretações, nem
sempre isso se verifica:
(83)
(84)
a.
??/*O João inteligentemente entornou o café.
b.
?O João entornou inteligentemente o café.
c.
?O João entornou o café inteligentemente.
a.
??/*O João inteligentemente serviu o café.
b.
?O João serviu inteligentemente o café.
c.
?O João serviu o café inteligentemente.
Como interpretar os juízos de gramaticalidade atribuídos a (83) e (84)? O
contraste entre os exemplos (a) por oposição aos (b) e (c) é compreensível se
admitirmos que por defeito o advérbio adquire interpretação de modo na posição
pós-verbal. De facto, já relativamente a (81a) tínhamos referido a necessidade de
uma focalização sobre o advérbio para conseguir a interpretação de modo. No
caso de (83) e (84), se a posição pós-verbal não é totalmente gramatical é natural
que na posição pré-verbal a interpretação seja pior ou mesmo impossível. A não
total aceitabilidade de b. e c. pode dever-se ao facto de nestes exemplos se
associar um advérbio de actividade mental a um predicado que não tem as
mesmas propriedades.
Quanto às posições destacadas por vírgulas, observemos os seguintes
contrastes:
Talvez, de forma um pouco forçada, adquira a interpretação “avaliativa”, orientada para o sujeito
da enunciação.
88
(85)
(86)
a.
Inteligentemente, o João entornou o café.
b.
O João, inteligentemente, entornou o café.
c.
??O João entornou o café, inteligentemente.
a.
Inteligentemente, o João serviu o café.
b.
O João, inteligentemente, serviu o café.
c.
*O João serviu o café, inteligentemente.
Neste caso as posições inicial e pré-verbal parecem ser gramaticalmente perfeitas,
e por isso também a posição final o deveria ser. O que parece acontecer em (85) e
(86) é que para as frases serem interpretáveis é necessário contextualizá-las.
Assim, numa situação em que o entornar o café possa revelar inteligência, (85)
será possível. Do mesmo modo, se pode imaginar um contexto em que a
interrupção para servir um café seja inteligente, e nesse caso (86) é interpretável
também.
Relativamente à posição final em (85c) e (86c), a estranheza ou eventual
agramaticalidade deve-se à dificuldade de conceber o facto de o João servir ou
entornar como inteligente. Se conseguirmos interpretar essas construções
atribuindo-lhes uma apreciação posterior (“after-thought”) sobre a importância da
atitude do João ao servir ou ao entornar o café em circunstâncias muito concretas,
talvez (85c) e (86c) sejam possíveis. Nesse caso, serão, provavelmente, orientados
para o falante.
Considerando agora outros advérbios incluídos neste primeiro grupo, é
89
esperável que tenham um comportamento idêntico ao de inteligentemente
pertencendo assim à mesma classe. O que observamos contudo é que alguns
advérbios não podem ocorrer no paradigma de inteligentemente.
Os resultados obtidos com o advérbio estupidamente são semelhantes aos
observados com inteligentemente. Nas construções em que ocorrem verbos do
tipo de resolver a posição inicial com pausa e a posição pré-verbal entre vírgulas
originam uma interpretação orientada para o sujeito, a posição final com pausa - a
ser possível - tem uma interpretação idêntica à de (87a).
(87)
a.
Estupidamente, o João resolveu o problema.
b.
O João, estupidamente, resolveu o problema.
c.
??O João resolveu o problema, estupidamente.
Nas restantes posições a interpretação é sempre de modo.
(88)
a.
O João resolveu estupidamente o problema.
b.
O João resolveu o problema estupidamente.
No que respeita a cuidadosamente e descuidadamente, que funcionam
como antónimos, registamos um comportamento idêntico ao verificado com
inteligentemente.
O único caso em que se verifica agramaticalidade é quando estes
advérbios ocorrem em posição pré-verbal sem qualquer pausa.
90
(89)
a.
??/*O João cuidadosamente/descuidadamente entornou o café.
b.
??/*O João cuidadosamente/descuidadamente serviu o café.
c.
??/*O João cuidadosamente/descuidadamente resolveu o
problema.
De resto, nas demais posições as frases são gramaticais e as interpretações
dividem-se entre a orientada para o sujeito (em posição inicial com pausa, préverbal entre vírgulas e posição final com pausa) e a interpretação de modo
(posição pós-verbal e final).
(90)
(91)
a.
Cuidadosamente, o João serviu o café. (orientada para o sujeito)
b.
O João, cuidadosamente, serviu o café. (orientada para o sujeito)
c.
O João serviu o café, cuidadosamente. (orientada para o sujeito)
a.
O João serviu cuidadosamente o café. (modo)
b.
O João serviu o café cuidadosamente. (modo)
Com desajeitadamente a situação é idêntica à dos dois últimos advérbios.
É impossível na posição pré-verbal. Entre vírgulas é possível com interpretação
orientada para o sujeito. Nas restantes posições a interpretação é sempre de modo.
De notar apenas que só com o verbo resolver as frases parecem mais marginais.
Parece haver, de algum modo, uma certa incompatibilidade entre o verbo e este
advérbio.
O advérbio alegremente é o que menos contrastes de gramaticalidade
apresenta. Verificámos que pode ocorrer com os três verbos e em todas as
91
posições. A particularidade deste advérbio parece consistir no facto de as
interpretações obtidas serem predominantemente orientadas para o sujeito, mesmo
quando a posição em causa é tipicamente uma posição de modo.
(92)
a.
O João entornou alegremente o café.
b.
O João serviu alegremente o café.
c.
O João resolveu alegremente o problema.
Independentemente da posição que ocupe, francamente é impossível com
alguns dos verbos considerados: entornar, servir. Já com o verbo resolver a
situação é distinta.
(93)
a.
Francamente, o João resolveu o problema.
b.
??/*O João francamente resolveu o problema.
c.
O João, francamente, resolveu o problema.
d.
??/*O João resolveu francamente o problema.
e.
??/*O João resolveu o problema francamente.
f.
??/*O João resolveu o problema, francamente.
Neste caso as restrições parecem ser as de o advérbio ocorrer nas posições que lhe
permitem a interpretação de modo. Tal parece dever-se a restrições semânticas
entre o advérbio francamente e o verbo resolver - não se resolvem problemas de
um modo franco. Em qualquer das outras posições as frases são gramaticais e em
todas elas a interpretação aponta para uma apreciação do falante. Se, no entanto,
92
substituirmos o verbo resolver por um verbo como falar, as frases de (d) e (e)
tornam-se gramaticais com a interpretação de modo.
Comportamento idêntico tem também verdadeiramente, que de entre os
três verbos em análise (servir, entornar e resolver) apenas pode co-ocorrer com
resolver:
(94)
a.
??/*Verdadeiramente, o João resolveu o problema.16
b.
??/*O João verdadeiramente resolveu o problema.
c.
??/*O João, verdadeiramente, resolveu o problema.17
d.
O João resolveu verdadeiramente o problema.
e.
O João resolveu o problema verdadeiramente.
f.
*O João resolveu o problema, verdadeiramente.
Considerando os exemplos (d) e (e), o advérbio parece reforçar a resolução do
problema, quase como sinónimo de mesmo, atribuindo a resolver a propriedade
“verdade” e funcionando consequentemente como modo.
(94)
d.’
O João resolveu mesmo o problema.
O advérbio especificamente parece ter o comportamento mais radical de
todos os advérbios analisados até ao momento, na medida em que a sua ocorrência
com os verbos entornar, servir e resolver resulta sempre agramatical. A única
possibilidade de se obter frases gramaticais com este advérbio parece ser quando
16
Se considerarmos uma interpretação orientada para o sujeito da enunciação talvez a frase possa
ser possível, embora muito estranha.
93
o complemento do verbo assume um carácter genérico. Mesmo assim, isto só é
possível quando o advérbio ocorre em posição final com pausa.
(95)
a.
O João entornou café, especificamente.
a.’
??/*O João entornou o café, especificamente.
b.
O João serviu café, especificamente.
b.’
??/*O João serviu o café, especificamente.
c.
*O João resolveu problemas, especificamente.
c.’
*O João resolveu o problema, especificamente.
c.’’
O João resolveu problemas de aritmética, especificamente.
4.1.2. Advérbios que podem ocupar as três posições sem mudança de
significado
O segundo grupo de advérbios a analisar caracteriza-se fundamentalmente
por poder ocorrer em todas as posições18 sem que haja alteração de significado ou
interpretação. Este grupo inclui advérbios como rapidamente, frequentemente,
lentamente, indolentemente, relutantemente, tristemente, imediatamente,
brevemente, etc.
Este tipo de advérbios pode em geral ocorrer em posição inicial, com
pausa, e em posição pós-sujeito (pré-verbal), embora nestes casos exijam uma
dada entoação que sugere estarem focalizados. Pelo contrário em posição pós-
17
18
Cf. nota anterior.
Esta é a caracterização de Jackendoff (1972).
94
verbal ou final ocorrem livremente, sendo estas as duas posições típicas.
(96)
a.
RAPIDAMENTE, O João leu o livro.(com foco)
b.
O João RAPIDAMENTE leu o livro. (com foco)
c.
O João leu rapidamente o livro.
d.
O João leu o livro rapidamente.
A interpretação normalmente atribuída a estes advérbios, e que é, em
princípio, comum a todas as posições, seguindo a caracterização de Jackendoff, é
uma interpretação de modo. Contudo, parece-nos que neste grupo, como noutros,
se verificam alterações de interpretação que dependem não só do advérbio como
também do verbo e do tempo morfológico em que este ocorre.
De facto, se um advérbio como rapidamente parece poder ocorrer mais
livremente nas posições referidas19, um advérbio como frequentemente parece
exercer restrições mais fortes sobre os elementos da frase:
(97)
(98)
a.
??Frequentemente, o João leu o livro.20
b.
??O João, frequentemente, leu o livro.
c.
??O João leu frequentemente o livro.
d.
??O João leu o livro frequentemente.
a.
*Frequentemente, o João comprou o livro.
19
Embora haja uma maior liberdade com o advérbio rapidamente há, contudo, que respeitar
algumas restrições; estas traduzem-se na impossibilidade de tal advérbio ocorrer com predicados
de estado:
*O João está rapidamente doente.
95
(99)
b.
*O João, frequentemente, comprou o livro.
c.
*O João comprou frequentemente o livro.
d.
*O João comprou o livro frequentemente.
a.
Frequentemente, o João lê romances policiais.
b.
O João, frequentemente, lê romances policiais.
c.
O João lê frequentemente romances policiais.
d.
O João lê romances policiais frequentemente.
O contraste entre (97) e (98) parece, à primeira vista, dever-se ao facto de
o predicado de (97) ler ser processual remetendo para um período de tempo com
diferentes intervalos, por oposição ao predicado de (98) comprar que, sendo
eventivo, remete para momentos únicos sem o “contínuo” de ler. Na realidade, a
maior agramaticalidade das frases em (98) parece ser causada não só pelo
predicado mas também pelo complemento que, ao ser definido ([+único]), impede
uma
interpretação
‘frequentativa’.
O
carácter
marcado
de
(97)
e
a
agramaticalidade de (98) desaparecem se o complemento definido for substituído
por outro equivalente mas genérico:
(100) a.
20
Frequentemente, o João comprou livros.
b.
O João frequentemente comprou livros.
c.
O João comprou frequentemente livros.
d.
O João comprou livros frequentemente.
Estas frases podem ser aceitáveis tomando o passado como um conjunto de intervalos.
96
A aceitabilidade das frases melhora consideravelmente se o verbo ocorrer
num tempo morfológico que obtenha uma interpretação genérica ([-único]), como
se verifica com o presente, resultando daí uma interpretação em que se regista o
hábito que o João tem de comprar livros.
(101) a.
Frequentemente, o João lê livros.
b.
O João frequentemente lê livros.
c.
O João lê frequentemente livros.
d.
O João lê livros frequentemente.
(102) a.
Frequentemente, o João compra livros.
b.
O João frequentemente compra livros.
c.
O João compra frequentemente livros.
d.
O João compra livros frequentemente.
Independente da possibilidade de combinar um complemento genérico e
um tempo morfológico genérico com frequentemente, a interpretação que este
advérbio obtém em posição pré-verbal resulta sempre de uma focalização.
Relativamente a advérbios como lentamente, o comportamento que
regista é próximo do verificado com rapidamente. Assim, a posição inicial só é
possível se, além de uma pausa, o advérbio for marcado com um foco, tal como
acontece em posição pré-verbal onde o foco sobre o advérbio é essencial. Em
posição pós-verbal e posição final as construções resultantes são perfeitamente
97
gramaticais, mesmo sem foco sobre o advérbio, embora pareça melhor a frase em
que o advérbio aparece em posição final:
(103) a.
O João leu lentamente o livro.
b.
O João leu o livro lentamente.
(104) a.
O João lê lentamente o livro.
b.
O João lê o livro lentamente.
Registamos ainda algumas nuances de significado resultantes do emprego
do tempo presente, principalmente quando o advérbio ocorre em posição pósverbal ou final. Assim, se em casos como os de (104) a interpretação natural é a
de que o João lê o livro de forma lenta, em (105) abaixo as construções só são
possíveis se o tempo presente assumir um valor de relato; isto é, só podemos
aceitar (105) num contexto em que se descreve a acção de o João comprar o livro
no momento em que ela está a acontecer, em face do acontecimento:
(105) a.
b.
O João compra lentamente o livro.21
O João compra o livro lentamente.
Também com o pretérito perfeito as construções com o verbo comprar são
marginais se o advérbio for lentamente.
21
Naturalmente, serão melhores frases em que o presente é expresso por uma perífrase:
O João está a comprar lentamente o livro.
98
(106) a.
?O João comprou lentamente o livro.
b.
?O João comprou o livro lentamente.
No caso de (106) a marginalidade das frases parece resultar da
combinação de um verbo eventivo no tempo passado com aquele advérbio cuja
interpretação é sempre de processo. A interpretação que se atribui a (106) é que o
João realizou lentamente a acção de comprar o livro. A estranheza consiste em
interpretar como se realiza um acto (único) de compra lentamente, que implica
diferentes intervalos de tempo.
Passando agora a um advérbio como relutantemente vemos que, ao
contrário da classificação tradicional, proposta por Jackendoff para o inglês,
alguns dos advérbios desta classe podem ter outras interpretações, para além da de
modo. Por lado, tendo o autor incluído neste grupo advérbios tipicamente de
modo, não nos parece fazer sentido tratar ao mesmo nível relutantemente. Com
efeito, o que mais caracteriza este advérbio é o facto de impor restrições ao
sujeito, pelo que deveria estar incluído no grupo de inteligentemente. Este é, de
facto, um advérbio que em posição inicial, pré-verbal e final adquire uma
interpretação orientada para o sujeito e ocorre, em qualquer das posições
referidas, sempre separado por vírgulas do resto da frase, como acontece com os
advérbios do primeiro grupo:
(107) a.
Relutantemente, O João leu o livro. (orientado para o sujeito)
b.
O João, relutantemente, leu o livro. (orientado para o sujeito)
c.
O João leu o livro, relutantemente. (orientado para o sujeito)
O João está a comprar o livro lentamente.
99
Além disso, pode ser marginal a ocorrência do advérbio em posição pós-verbal.
Esta é uma posição onde o advérbio adquire, tipicamente, interpretação de modo
que dificilmente parece estar disponível com relutantemente.
(107) d.
??O João leu relutantemente o livro.
Tristemente é um advérbio que também contrasta em alguns aspectos
com os demais advérbios deste grupo. Semelhante ao referido para o advérbio
relutantemente, carece dizer que, mais uma vez, a classificação de Jackendoff
falha, pelo menos para o português. Considerando a informação de significado
que este advérbio transmite, dever-se-ia inclur tristemente no grupo de
alegremente. Aliás, alegremente parece comportar-se como antónimo de
tristemente, logo deveriam, em princípio, pertencer à mesma classe, o que não se
verfica na classificação deste autor.
Relativamente ao seu comportamento, tristemente pode ocorrer em todas
as posições da frase, embora em algumas não possua interpretação de modo, mas
antes orientada para o sujeito (ou até para o locutor).
(108) a.
Tristemente, o João leu o livro.
b.
O João, tristemente, leu o livro.
c.
?O João leu tristemente o livro.
d.
O João leu o livro tristemente.
100
Relativamente a (108a), a interpretação que mais facilmente atribuímos à frase é
uma interpretação orientada para o sujeito, embora, neste caso seja possível
admitir uma interpretação orientada para o locutor, isto é, uma interpretação em
que o advérbio está a marcar o sentimento que o locutor expressa relativamente ao
acto do João. A interpretação associada a (108b) pelo contrário já só se concentra
no sujeito. Além disso, neste caso é necessário que o advérbio ocorra entre
vírgulas. (108d) parece ser o único caso em que o advérbio adquire uma
interpretação de modo, que se entende não sobre o modo verbal mas sobre toda a
frase. Em (108d) o advérbio modifica toda a frase. Por isso é agora mais fácil
entender a marginalidade de (108c), que pode residir na dificuldade de conceber
um modo triste de ler o livro.
Do mesmo modo são também impossíveis construções com o verbo
comprar no presente ou pretérito, quando o advérbio ocorre em posição final ou
pós-verbal:
(109) a.
*O João comprou tristemente o livro.
b.
*O João comprou o livro tristemente.
c.
*O João compra tristemente o livro.
d.
*O João compra o livro tristemente.
O advérbio imediatamente aproxima-se em termos de comportamento dos
advérbios rapidamente e frequentemente. Pode ocorrer em posição inicial e préverbal com foco, e em posição pós-verbal e final. Em qualquer dos casos o
advérbio não parece ter uma interpretação de modo mas antes de tempo. Assim, a
101
interpretação atribuída às frases pressupõe que a acção de ler o livro ocorreu
imediatamente após outra acção não referida explicitamente:
(110) a.
Imediatamente o João leu o livro. (com foco)
b.
O João imediatamente leu o livro. (com foco)
c.
O João leu imediatamente o livro.
d.
O João leu o livro imediatamente.
Com este advérbio o único caso de marginalidade regista-se, mais uma vez, com o
verbo comprar no presente, se o advérbio ocupar a posição inicial ou pré-verbal:
(111) a.
??Imediatamente o João compra o livro.
b.
??O João imediatamente compra o livro.
c.
O João compra imediatamente o livro. (O João compra já o livro.)
d.
O João compra o livro imediatamente. (O João compra o livro já.)
Finalmente, com o advérbio brevemente registamos comportamentos que
não havíamos encontrado até ao momento. Este advérbio pode ocorrer nas quatro
posições, descritas como possíveis para os advérbios em estudo, embora deva
respeitar algumas restrições que têm a ver com o verbo e com o tempo
morfológico.
Em posição inicial e pré-verbal brevemente só pode ocorrer se o verbo
estiver no presente, embora a interpretação resultante seja de futuro:
102
(112) a.
*Brevemente, o João leu o livro.
b.
*O João brevemente leu o livro.
c.
Brevemente, o João lê o livro.
d.
O João brevemente lê o livro.
Quando o advérbio ocorre em posição pós-verbal e final, as interpretações
podem variar dependendo do tempo e da natureza do verbo. No caso de um verbo
como ler ocorrer no pretérito perfeito a interpretação é de modo.
(113) a.
b.
O João leu brevemente o livro.22
O João leu o livro brevemente.
No caso de o verbo ocorrer no presente duas coisas podem acontecer: se o
verbo em causa for do tipo de comprar a interpretação resultante é temporal
também, remetendo para um futuro próximo (em breve); se o verbo for do tipo de
ler as construções resultantes são ambíguas entre uma interpretação de modo e
uma interpretação temporal de futuro (em breve).
(114) a.
O João compra brevemente o livro. (em breve)
b.
O João compra o livro brevemente. (em breve)
c.
O João lê brevemente o livro.
d.
O João lê o livro brevemente.
22
Embora a interpretação se aproxime de uma interpretação de modo, neste caso concreto parece
que o advérbio modifica também em especial o tempo de realização da acção. De certa forma, o
advérbio especifica que a acção de ler foi curta, foi rápida, foi breve. É uma modificação sobre o
tempo e sobre o predicado, em que o tempo é proeminente.
103
Dadas as interpretações que brevemente pode apresentar, será agora fácil
prever que ele não possa ocorrer com um verbo como comprar no pretérito
perfeito. Em primeiro lugar, com um tempo passado será sempre impossível uma
interpretação de futuro (em breve). Em segundo lugar, consideradas as
propriedades do próprio verbo comprar, que denota eventos únicos (single), é
estranho pensar que a acção de comprar o livro possa ser quantificada.
(115) a.
*Brevemente, o João comprou o livro.
b.
*O João brevemente comprou o livro.
c.
*O João comprou brevemente o livro.
d.
*O João comprou o livro brevemente.
Comparando agora dois advérbios deste grupo que apresentam grandes
semelhanças, brevemente e rapidamente, parece que na interpretação temporal
(de que ambos dispõem) se distinguem pelo facto de brevemente (em breve) se
aplicar ao tempo morfológico do verbo, e rapidamente se aplicar ao tempo
semântico denotado pelo verbo (pontual/eventivo, durativo, genérico, etc.),
tradicionalmente designado de aspecto verbal.
4.1.3. Advérbios que só podem ocorrer em posição inicial e de auxiliar
O terceiro grupo de advérbios que iremos considerar é tradicionalmente
definido como podendo ocorrer em posição inicial ou posição auxiliar, embora
também possa aparecer em posição final de frase se for antecedido de pausa. Isto
104
significa que este tipo de advérbios não interfere, no sentido em que não impõe
restrições, com a predicação da frase, sendo exterior a ela. Em termos de
interpretação são advérbios, regra geral, orientados para o falante, exprimindo um
pensamento ou atitude deste.
Apesar de em português os advérbios terem normalmente maior
mobilidade do que nas restantes línguas, este tipo de advérbios pode mover-se
livremente mas só pode ocorrer entre vírgulas.
(116) a.
Evidentemente, o João leu o livro.
b.
O João, evidentemente, leu o livro.
c.
O João leu, evidentemente, o livro.23
d.
*O João leu evidentemente o livro.
e.
*O João leu o livro evidentemente.
f.
O João leu o livro, evidentemente.
(117) a.
Evidentemente, o João lê livros.
b.
O João, evidentemente, lê livros.
c.
O João lê, evidentemente, livros.
d.
O João lê livros, evidentemente.
(118) a.
Evidentemente, o João compra o livro.
b.
O João, evidentemente, compra o livro.
c.
??/*O João compra, evidentemente, o livro.
d.
O João compra o livro, evidentemente.
105
Um comportamento característico deste advérbio, e de outros que como
ele se comportam24, consiste em poder introduzir construções completivas:
(119) a.
b.
Evidentemente que o João compra o livro.
Evidentemente que o João comprou o livro.
4.1.4. Advérbios que só podem ocupar a posição de auxiliar e posição final
Os advérbios do quarto tipo que vamos considerar podem ocorrer em
posição final e de auxiliar, em inglês, mas em português em alguns casos podem
ocorrer em todas as posições possíveis para os advérbios.
Começando por um advérbio como completamente podemos constatar
que as duas posições possíveis são a posição final e a posição pós-verbal:
(120) a.
*Completamente o João comeu o bolo.
b.
*O João completamente comeu o bolo.
c.
O João comeu completamente o bolo.
d.
O João comeu o bolo completamente.
Em termos de interpretação as frases de (120) não têm uma interpretação
de modo ou orientada para o sujeito como acontece com a maioria dos advérbios
23
24
Esta frase só é aceitável com uma pausa marcada.
A possibilidade de introduzir frases completivas é partilhada também por outros advérbios:
- felizmente: Felizmente que o João leu o livro.
- certamente: Certamente que o João comprou o livro.
106
dos grupos analisados. No caso concreto de (120) o alvo da modificação do
advérbio é o complemento do verbo (eventualmente o conjunto verbo +
complemento). Por isso, podemos compreender facilmente que sejam possíveis
frases com um tempo morfologicamente diferente do de (120):
(121) a.
O João come / comerá completamente o bolo.
b.
O João come / comerá o bolo completamente.
da mesma forma que são agramaticais frases em que o complemento verbal não
pode ser visto como um todo quantificável, mas antes como um genérico.
(122) a.
*O João comeu completamente bolo(s).
b.
*O João comeu bolo completamente.
c.
*O João come completamente bolo.
d.
*O João come bolo completamente.
Devemos notar que a oposição que se verifica entre o complemento verbal
de (120) e o (complemento verbal) de (122) não se baseia exclusivamente na
presença vs. ausência do definido, respectivamente. No caso, de um nome como
jantar a presença do definido não impede que as construções sejam agramaticais,
ou pelo menos muito marginais.
(123) a.
??/*O João comeu completamente o jantar.
b.
??/*O João comeu o jantar completamente.
- naturalmente: Naturalmente que o João leu o livro.
107
No caso de jantar a impossibilidade de co-ocorrência com o referido
advérbio pode talvez dever-se ao facto de aquele nome não referir uma entidade
definível, mas antes uma situação ou período de tempo nem sempre delimitado.
Idêntico a completamente é o advérbio totalmente que apresenta o
mesmo tipo de restrições em relação às posições onde pode ocorrer e em relação
ao tipo de complementos que pode modificar.
O advérbio facilmente é outro dos advérbios incluídos neste quarto grupo,
embora apresente um comportamento distinto dos dois advérbios já referidos.
Facilmente pode ocorrer nas quatro posições requisitando uma pausa em posição
inicial e foco em posição pré-verbal.
A interpretação que normalmente lhe é atribuída é de modo podendo
sofrer ligeiras nuances dependendo do tempo morfológico e da natureza do
complemento:
(124) a.
?Facilmente, o João comeu o bolo.
b.
O João facilmente comeu o bolo.
c.
O João comeu facilmente o bolo.
d.
O João comeu o bolo facilmente.
(125) a.
Facilmente, o João come o bolo.
108
b.
O João facilmente come o bolo.
c.
O João come facilmente o bolo.
d.
O João come o bolo facilmente.
Consequência previsível desta situação é a impossibilidade de coocorrência de um complemento genérico com um tempo específico e pontual: o
pretérito perfeito.
(126) *Facilmente, o João comeu bolo.
Com um advérbio como habilmente o comportamento observável é
próximo do de facilmente. Este advérbio pode ocorrer nas quatro posições
descritas necessitando também de pausa na posição inicial.
(127) a.
Habilmente, o João comeu o bolo.
b.
O João habilmente comeu o bolo.
c.
O João comeu habilmente o bolo.
d.
O João comeu o bolo habilmente.
Em termos de interpretação este advérbio é naturalmente de modo.
Propositadamente é outro advérbio desta classe e que apresenta um
comportamento diverso dos descritos. Podendo ocorrer em todas as posições, a
interpretação que se obtém é normalmente orientada para o sujeito, que tem de ser
necessariamente [+animado].
(128) a.
Propositadamente, O João comeu o bolo.
b.
*Propositadamente, o cão fugiu do dono.
109
Não se registam restrições à co-ocorrência deste advérbio com
determinado tipo de complemento ou com um dado tempo morfológico, para além
das normalmente existentes no emprego geral dos tempos e suas relações com a
determinação do objecto. Assim, no tempo presente, independentemente do
advérbio propositadamente, sendo marcadas as de presente como relato de uma
situação em decurso, as frases com estar a + infinitivo são preferíveis para referir
o presente real. É irrelevante a natureza definida ou genérica do complemento,
sendo gramaticais as frases em qualquer dos casos.
(129) a.
Propositadamente, o João comeu o bolo.
b.
O João, propositadamente, comeu o bolo.
c.
O João comeu propositadamente o bolo.
d.
O João comeu o bolo propositadamente.
(130) a.
?Propositadamente, o João come o bolo. 25
b.
?O João, propositadamente, come o bolo.
c.
?O João come propositadamente o bolo.
d.
?O João come o bolo propositadamente.
Outro advérbio do grupo em análise é tremendamente. A impossibilidade
aparente de ocorrer nos contextos até aqui descritos deve-se à incompatibilidade
lexical do advérbio, que indica quantificação, com um predicado como comer (cf.
25
Estas frases são perfeitas se o presente for substituído por uma perífrase como estar a +
infinitivo.
110
(131)). Substituindo comer por assustar então podemos observar que apenas as
posições final e pós-verbal são possíveis (cf. (132)c. e d.)
(131) a.
*Tremendamente, o João come o bolo.
b.
*O João, tremendamente, come o bolo
c.
*O João come tremendamente o bolo.
d.
*O João come o bolo tremendamente.
(132) a.
*Tremendamente, o João assustou o bebé.
b.
*O João tremendamente assustou o bebé.
c.
O João assustou tremendamente o bebé.
d.
O João assustou o bebé tremendamente.
No contexto de (132) a interpretação que o advérbio recebe é de
quantificação do verbo sendo aquele sinónimo de muito.
(133) a.
O João assustou muito o bebé.
Devemos notar, além disso, que a presença de tremendamente em (132)
exige a ocorrência de um complemento.26
(134) a.
b.
26
*O João assustou tremendamente.
O João assustou tremendamente o bebé.
Ainda que o complemento seja um clítico co-referente com o sujeito:
O João assustou-se tremendamente.
111
c.
O João assustou o bebé tremendamente.
Acrescente-se também que, sendo sinónimo de tremendamente, muito
não só não pode ocorrer sem complemento, como produz frases marginais em
posição final.
(135) a.
*O João assustou muito.
b.
O João assustou muito o bebé.
c.
??O João assustou o bebé muito.
Mortalmente é outro advérbio desta classe com um comportamento
semelhante ao de tremendamente. Frases em que o verbo é comer são
agramaticais aparentemente por não haver qualquer tipo de relação semântica
entre comer e mortalmente:
(136) a.
*Mortalmente, o João comeu o bolo.
b.
*O João, mortalmente, comeu o bolo.
c.
*O João comeu mortalmente o bolo.
d.
*O João comeu o bolo mortalmente.
No caso de um predicado como atingir, na sua acepção de acertar num
dado alvo, podemos então obter construções perfeitas pois já há compatibilidade
semântica entre esse verbo e mortalmente:
112
(137) a.
*Mortalmente o soldado atingiu o inimigo.
b.
*O soldado mortalmente atingiu o inimigo.
c.
O soldado atingiu mortalmente o inimigo.
d.
O soldado atingiu o inimigo mortalmente.
As construções de (137) além de provarem que verbos e advérbios se
impõem mutuamente restrições de selecção, reforçam a ideia de que quando os
advérbios veiculam informação de modo ocorrem necessariamente em posição
pós-verbal ou final e que quando incidem fundamentalmente sobre o objecto não
podem aparecer nem em posição inicial nem em posição pré-verbal.
4.1.5. Advérbios que só podem ocorrer em posição final
Os advérbios do quinto grupo são, tipicamente, advérbios como menos,
mais, bem, antes, cedo, depressa, devagar, que não terminam em -mente. No
inglês são caracterizados por só ocorrerem em posição final. Em português, como
esperado, podem ocupar várias posições dependendo dos advérbios.
Menos e mais são dois advérbios com comportamento igual, pois são
ambos usados para quantificar acções ou argumentos. Distribucionalmente
ocorrem em posição pós-verbal, entre o verbo e o complemento que com alguns
verbos não pode ser singular, não apresentando outras restrições na presença de
diferentes tempos verbais.
(138) a.
*O João faz menos / mais o trabalho.
b.
*O João fez menos / mais o trabalho.
113
c.
O João faz menos / mais trabalho(s).
d.
O João fez menos / mais trabalho(s).
(139) a.
O João aprecia menos / mais o trabalho.27
b.
O João apreciou menos / mais o trabalho.
c.
O João aprecia menos / mais trabalho ?(s).
d.
O João apreciou menos / mais trabalho ?(s).
O advérbio bem pertencendo também a este grupo apresenta
comportamentos diferentes dos advérbios anteriores. Em termos de interpretação é
utilizado sempre para fazer uma apreciação valorativa (de modo). Não pode
ocorrer em posição inicial e em posição pré-verbal só é possível em contextos
exclamativos.
(140) a.
b.
*Bem o João fez o trabalho. 28
O João bem fez o trabalho!
A posição mais natural parece ser a pós-verbal, embora não seja excluído em
posição final. Nesta última posição parece requisitar uma certa focalização; na
primeira posição - como em (141a) - perde a interpretação de (140b), esta
27
De notar que a interpretação de apreciar nos exemplos (a) e (b) é diferente da que possui nos
exemplos (c) e (d). Nos primeiros apreciar é sinónimo de gostar; nos segundos é sinónimo de
avaliar, talvez por isso são melhores as frases com o plural.
28
Nestes exemplos o advérbio bem ocorre tipicamente para traduzir a opinião do sujeito da
enunciação que confirma o facto de o João ter feito o trabalho. Assim, se compreende que seja
agramatical uma frase em que a forma verbal exprime um tempo não-passado. A confirmação do
locutor só faz sentido sobre um evento passado.
Bem que o João fez o trabalho!
*Bem que o João faz o trabalho!
114
orientada para o falante, veiculando a confirmação/reconfirmação de que o João
fez o trabalho, valor ao qual se associa a exclamação. Assim em (141a) na posição
pós-verbal, o advérbio uma vez mais surge na sua ocorrência de modo.
(141) a.
O João fez bem o trabalho.
b.
O João fez o trabalho bem.
Um argumento a favor dessa necessidade de focalização em posição final
parece vir de frases com complemento não-definido. Nestes casos o advérbio
ocorre preferencialmente em posição final:
(142) a.
b.
O João apresenta trabalhos bem.
O João apresenta trabalhos bem e outros mal.
Antes é também um advérbio incluído nesta classe. Transmite, regra geral,
informação de tempo podendo também verificar mudança de interpretações em
função da posição ocupada.
(143) a.
ANTES, o João fez o trabalho.
b.
O João ANTES fez o trabalho.
c.
O João fez antes o trabalho.
d.
O João fez o trabalho antes.
À semelhança do que já vimos acontecer com outros advérbios, antes
115
pode ocorrer em posição inicial e pré-verbal se for focalizado, tendo
consequentemente uma entoação diferente. Deste modo, a interpretação atribuída
a (143a) pressupõe que o João tenha feito o trabalho num momento anterior. Em
(b) e (c) temos uma construção ambígua entre uma interpretação de tempo,
idêntica à de (a), e outra em que se reforça o facto de o João ter feito o trabalho
em vez de outra coisa.
(144) a.
b.
O João fez antes o trabalho e depois veio.
O João fez, em vez disso, o trabalho.
Mas se em (143c) podemos ter duas interpretações dada a ambiguidade da frase, o
mesmo parece não se verificar se o verbo ocorrer no presente. Nesse caso
dificilmente a interpretação é temporal, sendo preferida uma (interpretação) em
que o João prefere fazer o trabalho:
(145) a.
O João faz antes o trabalho.
Em posição final a interpretação é sempre temporal não havendo qualquer
exigência sobre o tempo morfológico do verbo:
(146) a.
O João fez o trabalho antes. (e depois foi)
b.
O João faz o trabalho antes. (e depois vai)
Outro advérbio desta classe é cedo. Também veicula informação temporal
116
apesar de não partilhar, totalmente, o comportamento com antes:
(147) a.
Cedo, o João fez o trabalho.
b.
O João cedo fez o trabalho.
c.
O João fez cedo o trabalho.
d.
O João fez o trabalho cedo.
Cedo pode ocorrer em posição inicial e em posição pré-verbal desde que
seja focalizado ((147a) e (b)). A posição não-marcada parece ser a posição pósverbal embora não seja excluído em posição final onde recebe um certo reforço.
Com o tempo presente é bastante marginal em posição inicial e pré-verbal,
mas possível em posição pós-verbal e final:
(148) a.
??Cedo, o João faz o trabalho.
b.
??O João cedo faz o trabalho.
c.
O João faz cedo o trabalho.
d.
O João faz o trabalho cedo.
Quando o complemento do verbo é genérico (trabalho/trabalhos), não é
possível a ocorrência de cedo.
Idênticos a cedo são os advérbios depressa e devagar, que em vez de
informação temporal transmitem um valor de modo. Podem ocorrer em posição
inicial e pré-verbal quando focalizados; em posição pós-verbal e final ocorrem
normalmente com interpretação de modo. Ao contrário de cedo, com depressa e
117
devagar a posição final parece melhor que a posição pós-verbal.
(149) a.
Devagar/depressa, o João fez o trabalho.29
b.
O João devagar/depressa fez o trabalho.
c.
O João fez devagar/depressa o trabalho.
d.
O João fez o trabalho devagar/depressa.
Relativamente à ocorrência com complementos genéricos temos dois
comportamentos distintos. Com depressa podemos ter construções como (150):
(150) a.
b.
O João depressa faz trabalhos.
O João fez/faz trabalhos depressa. (fez/faz trabalhos depressa e outros devagar)
em que o advérbio ocorre em posição pré-verbal ou final. Com complementos
genéricos devagar apenas pode ocorrer em posição final.
(151) a.
O João faz trabalhos devagar. (faz alguns trabalhos devagar)
b.
O João fez trabalhos devagar. (fez alguns trabalhos devagar)
c.
*O João devagar fez trabalhos.
d.
*O João fez devagar trabalhos.
4.1.6. Advérbios que só podem ocorrer em posição de auxiliar
O último grupo de advérbios considerado para o inglês é constituído por
118
advérbios que só podem ocorrer em posição de auxiliar, de que é exemplo
simplesmente. Já sabemos que esta posição equivale em português à posição pósverbal, contexto preferencial para este advérbio. Além dessa posição, o advérbio
pode ocorrer também em posição final separado por pausa:
(152) a.
O João leu simplesmente o resumo.
b.
O João leu o resumo, simplesmente.
Com este advérbio parece não haver restrições sobre a natureza dos
complementos verbais que podem ser nominais ou outros.
(153) a.
O João leu simplesmente o resumo.
b.
O João está simplesmente a ler o resumo.
c.
O João trabalha simplesmente com computadores.
Verificamos, no entanto, que o advérbio é orientado exclusivamente para o
objecto.
Os dados descritos nesta secção (4.1.) são reveladores da necessidade de
uma nova distribuição e classificação. assim, é nosso objectivo apresentar na
secção seguinte (4.2.) uma proposta que racionalmente distribua os advérbios por
classes com comportamentos mais uniformes.
Não procederemos a uma distribuição dos advérbios com base apenas nas
posições que ocupam na estrutura, mas sim considerando a interpretação e as
restrições impostas. Deste procedimento resultará uma nova classificação
29
Neste contexto e no seguinte, devagar necessita de ser focalizado.
119
(sintáctico-semântica) dos advérbios.
4.2.
O tratamento dos dados
Tendo o presente capítulo como objectivo apresentar uma proposta de
tratamento da categoria advérbio, impõe-se antes de mais uma breve descrição do
enquadramento teórico que a ela estará subjacente.
4.2.1. Posicionamento teórico
No âmbito da teoria da Regência e da Ligação (TRL), de Chomsky (1981)
- resultado da evolução da Teoria Standard - a análise linguística resulta da
interacção de um sistema de princípios e de um sistema de regras. O sistema de
princípios constituído por vários módulos - a saber, teoria do governo, teoria da
ligação, teoria dos papéis-temáticos, teoria do caso, teoria do controle e teoria dos
nós fronteira - detém a função de restringir, regular e orientar as várias
componentes do sistema de regras - nomeadamente, teoria - X’ e mover-α,
combinadas com a informação lexical em dois níveis de análise e interpretação:
Forma Fonética (Phonetic Form(PF)) e Forma Lógica (Logical Form (LF)).
Além da consideração dos dois sistemas referidos, a TRL evoluiu desde a
sua origem no sentido de considerar, de uma forma cada vez mais articulada, as
propriedades dos itens lexicais com as propriedades das categorias funcionais que
aquela teoria considera. É neste processo de refinamento de uma teoria baseada
em Princípios e Parâmetros que surge a abordagem minimalista de Chomsky em
1992.
120
A novidade desta nova concepção da teoria gramatical consiste
basicamente em admitir um número cada vez mais reduzido de conceitos na
explicação dos dados das línguas. Neste sentido, Chomsky em 1992-1993, 1994 e
1995 assume que sendo os elementos lexicais marcados com traços de natureza
verbal ou nominal só esta marcação pode estar na base dos movimentos visíveis
em sintaxe. Além disso, e uma vez assumidas as categorias funcionais, a
possibilidade de movimento na gramática está restringida à verificação de traços
fortes porque estes são objectos ilegítimos em PF.
Na versão minimalista da teoria gramatical de base generativa, os
elementos lexicais existem de forma plena no léxico e como tal são importados
pela componente computacional. Um nome, por exemplo, vem marcado do léxico
com traços de género e número que, sendo fortes, terá de verificar em sintaxe
visível de encontro a uma qualquer categoria funcional com traços
correspondentes fortes. Da mesma forma, um verbo é introduzido com toda a
flexão morfológica, verificando os traços [V] fortes que as categorias nominais
têm.
É da necessidade de os elementos lexicais verificarem os traços fortes das
categorias funcionais antes do Spell Out e da diferente combinação de traços [N] e
[V], fortes ou fracos, destas categorias que resulta a grande diversidade de
estruturas de superfície nas línguas.
Mas da mesma forma que na TRL os princípios serviam o objectivo único
de regular as regras, também agora no programa minimalista existem princípios
que permitem decidir entre estruturas superficialmente idênticas: são os princípios
de economia - Procrastinate, Greed e Last Resort.
121
Neste espírito de restringir as opções na análise dos dados linguísticos,
também a proposta de Kayne (1994) é importante. A proposta que apresenta este
autor vai no sentido não só de considerar universal a ordem Spec - Head Complement, mas também de aceitar como válido apenas o movimento para a
esquerda (“leftward movement”) dos itens lexicais ou dos traços fortes, de acordo
com a proposta de Chomsky (1994) de que as categorias funcionais não se
movem, apenas os traços fortes carentes de verificação.
Com base nestas assunções e propostas, têm sido desenvolvidas análises
no âmbito das línguas particulares, que resultam na sua confirmação e
aperfeiçoamento. Refiro aqui as que adoptei na análise que proponho.
Assumida a existência de duas projecções AGR, uma respeitante ao sujeito
e outra ao objecto, e uma posição para traços temporais entre aquelas duas, Ambar
(1992), (1993) e (1996) encontra no estudo das construções infinitivas e
participiais do português evidências que fazem acreditar na existência ou, pelo
menos, na necessidade de considerar também uma posição de tempo próximo do
objecto (TobP). Desta constatação surge então a distinção entre tempo sujeito categoria responsável pela verificação dos traços morfológicos de tempo das
formas verbais - e tempo objecto - categoria funcional onde residem informações
de natureza semântica que importam ao tempo e à relação que este estabelece com
o V e os seus complementos.
Regidas pelos mesmos objectivos de descrição e explicação de fenómenos
particulares das línguas, surgem as propostas de Laka (1990) e de Zanuttini
(1994).
O trabalho de Laka reveste-se de fundamental importância ao apresentar
dados empíricos de algumas línguas - nomeadamente do basco e do inglês - que
122
reforçam a necessidade de considerar na estrutura uma posição onde são
verificados traços relativos ao valor de verdade das proposições. Esta hipótese
apresenta-se como alternativa à anteriormente existente que considerava a posição
COMP como o local privilegiado para tais informações.
O trabalho de Zanuttini (1994) vai, por sua vez, no sentido de uniformizar
a localização dos elementos importados do léxico e a forma de verificarem os
traços fortes. Esta autora assume, assim, a existência de uma categoria de negação
numa posição inferior à assumida por Pollock (1989) - NegP. Para Zanuttini os
elementos de negação são gerados nesta posição acima de AGRO e em sintaxe
visível deslocam-se para uma posição superior - PolP (Polarity Phrase) - onde
verificam os seus traços fortes.
É pois com base nestas propostas que procederemos, no decorrer deste
capítulo, a uma primeira tentativa de análise30 dos advérbios em geral e a uma
análise do advérbio sempre em particular.
4.2.2. Generalizações e análise
A classificação proposta para o inglês por Jackendoff (1972) e seguida por
nós na secção 4.1. deste capítulo para a descrição dos advérbios equivalentes em
português, não é suficientemente abrangente nem sistemática.
O que nos foi dado observar durante a análise apresentada em 4.1. foi que
a classificação tradicional pretendeu agrupar os advérbios combinando duas
condições:
123
- o significado (modo, orientação para o sujeito, tempo, etc.);
- e a posição em que ocorrem (inicial, pós-sujeito, pós-verbal e final).
Jackendoff (1972) apresenta uma análise para o inglês que pretende aliar
semântica e sintaxe na descrição dos advérbios. Verificamos, porém, e não
questionando os dados apresentados para o inglês que a aplicação de tal proposta
à análise dos advérbios em português contraria a teoria do autor.
Na realidade, os dados do português parecem apontar para uma
generalização onde o significado e as posições preferenciais são resultantes de
outros factores até agora descurados: a semântica intrínseca dos advérbios e dos
elementos com os quais se combinam.
No que respeita ao significado, enquanto elemento lexical, o advérbio tem
um conteúdo semântico próprio. Relativamente à posição que ocupa, o que é mais
ou menos uniforme é a ocorrência do advérbio nas proximidades, na área do
elemento que delimita/determina a sua interpretação:
(i) na área do sujeito quando a sua interpretação é orientada para o sujeito, na área
do predicado quando a interpretação é de modo;
(ii) na área do objecto quando a interpretação é orientada para o objecto e
(iii) em posições periféricas à frase quando a interpretação é orientada para o
sujeito da enunciação.
Nesta linha de pensamento parece agora mais fácil descobrir quais as
classes de advérbios que provavelmente existem em português.
A.
30
Uma primeira classe de advérbios que gostaríamos de considerar
Não se veja esta análise sobre os advérbios em geral como exaustiva e definitiva. Com ela não
pretendemos mais do que uma primeira hipótese de arrumação dos dados descritos nos capítulos
124
caracteriza-se por ocorrer de forma mais rígida contígua aos elementos que
modifica, tendo como função restringir o elemento modificado.
Nesta classe incluímos advérbios como unicamente, só, apenas,
meramente e simplesmente, que, como mostram os exemplos abaixo, não
impõem restrições de natureza categorial aos elementos que modificam:
(154) a.
Unicamente o João leu o livro.
b.
O João unicamente leu o livro.
c.
O João leu unicamente o livro.
(155) a.
Apenas o João leu o livro.
b.
O João apenas leu o livro.
c.
O João leu apenas o livro.
Como podemos constatar pela observação de (154) e (155), o constituinte
modificado pode ser o sujeito (a), o predicado (b) ou o complemento do verbo (c),
concluindo-se assim, que estes são advérbios restrictores em abstracto (são cegos
quanto ao que modificam). Dentro desta primeira classe podemos ainda talvez
delimitar uma subclasse de advérbios que, muito embora tenha também a função
de restringir constituintes da frase, tem muito bem definido o tipo de elementos
que modifica. Estes são advérbios como muito, pouco, tremendamente,
bestialmente, inacreditavelmente e bem. Semanticamente parecem possuir
todos um sema de quantificação, contudo distinguem-se uns por quantificarem
adjectivos e/ou advérbios.
precedentes.
125
(156) a.
O João está muito feliz.
b.
O doente está pouco melhor.
c.
Ontem vimos um filme tremendamente mau.
d.
O trabalho que ele apresentou é inacreditavelmente bom.
e.
Este filme está bem feito.
Como os exemplos mostram esta subclasse não tem a mobilidade de advérbios do
tipo de unicamente. Não podem por exemplo modificar o verbo precedendo-o:
(157) a.
*O João muito está feliz.
b.
*O doente pouco está melhor.
c.
*Ontem tremendamente vimos um filme mau.
d.
*O trabalho que ele inacreditavelmente apresentou é bom.
e.
*Este filme bem está feito.
Concluímos que numa classe de advérbios - caracterizada por incluir
advérbios que aparecem contíguos aos elementos que modificam, restringindo-os
- surgem duas subclasses:
(i) subclasse 1. com advérbios do tipo unicamente capazes de restringir
qualquer constituinte de frase que preceda (c-comande);
(ii) subclasse 2. com advérbios do tipo muito, bestialmente, que
modificam com restrições adjectivos e advérbios.
126
Assim, nesta classe A. parte dos advérbios que a constituem são cegos
relativamente aos elementos que preferem restringir; a outra parte selecciona
especificamente os elementos a restringir.
Num segundo grupo agrupámos advérbios que se caracterizam por
B.
modificar a relação estabelecida entre o sujeito e a acção verbal. São advérbios
como
cuidadosamente,
habilmente,
corajosamente,
dedicadamente,
propositadamente, descuidadamente, desajeitadamente, inteligentemente,
indolentemente, alegremente, relutantemente, tristemente, silenciosamente,
etc.
A relação que consideramos pode traduzir-se, na nossa opinião, em duas
ideias:
1. um advérbio desta classe ocorre na área do sujeito e/ou do verbo;
2. em termos semânticos impõem-se restrições de selecção entre: o sujeito, o
advérbio e o verbo.
Relativamente à primeira condição, a possibilidade de os adjectivos
correspondentes aos advérbios em análise facilmente ocorrerem numa construção
como SER + Adj., onde o sujeito é o alvo da predicação, parece-nos ser um
argumento importante a considerar:
(158) a.
O João foi cuidadoso a ler o livro.
b.
O João foi hábil a receber os convidados.
c.
O João foi corajoso a enfrentar a multidão.
127
d.
O João foi descuidado a servir o café.
A segunda condição reflecte-se na posição que o advérbio ocupa. O facto
de as posições possíveis para estes advérbios serem a posição pós-verbal,
preferencialmente, a posição pré-verbal e início de frase, verificando-se sempre
uma relação de adjacência entre o advérbio e o verbo, o advérbio e o sujeito, ou
entre o advérbio e o verbo e o sujeito, parece ser um forte argumento a favor da
nossa ideia:
(159) a.
b.
(160) a.
b.
(161) a.
b.
(162) a.
b.
31
O João leu cuidadosamente o livro.
O João recebeu habilmente os convidados.
O João cuidadosamente leu o livro.
O João habilmente recebeu os convidados.
Cuidadosamente o João leu o livro.
Habilmente o João recebeu os convidados.
?O João leu o livro cuidadosamente.31
?O João recebeu os convidados habilmente.
Quando consideramos advérbios em -mente, em português, a sensação que nos fica é a de que
quase todos podem ocorrer em todas as posições da frase. De facto, e porque na escolha do
advérbio existe (pelo menos implícita) uma observação do locutor, na maioria dos casos parece
existir tal possibilidade recorrendo à marcação prosódica (Cf. Frota (1993)).
O João entornou o café INTELIGENTEMENTE.
O gato roubou o peixe do aquário INFELIZMENTE.
128
A primeira dúvida que se nos coloca relativamente à distribuição destes
advérbios diz respeito à sua posição de base. A primeira hipótese que surge, dada
a relação privilegiada que o advérbio mantém com o NP sujeito e com o próprio
verbo, é postular a geração básica do advérbio em adjunção a VP:
(163)
VP
ADVP
VP
V’
NPsuj.
Vº
NPobj.
Esta posição, se por um lado parece ser uma boa possibilidade para a
geração de advérbios que modificam o sujeito e o verbo, por outro levanta o
problema de perceber como é que a relação que o advérbio estabelece com
aqueles dois elementos não se pode estender também ao NP objecto.32
Por outro lado, assumir essa posição acarretaria a necessidade de prever
qual o momento da derivação em que o advérbio verificaria, formalmente, a
relação que estabelece com o elemento modificado, uma vez que, como é
normalmente assumido, pelo menos o V e o NP sujeito saem do VP no decorrer
da derivação. Se assumirmos também que o NP objecto se pode mover para fora
do VP por razões de caso, ou outras, então a adjunção do advérbio a VP não é
uma boa hipótese. Ao sair de VP, o NP objecto deixaria o advérbio numa posição
final, o que como constatámos, não é empiricamente correcto.
129
Outro factor a considerar, contra a hipótese de adjunção do advérbio a VP
são os argumentos que Kayne (1994) apresenta a favor de uma estrutura universal
Spec-Head-Complement, excluindo qualquer posição adjunta que não seja sujeito
de uma projecção.
Consideremos agora a hipótese em que o advérbio, embora não sendo uma
categoria lexical caracterizável pelos traços [+N,+V], pode constituir uma
categoria à parte, capaz até de projectar um ADVP.33 Vamos admitir também que
a posição que o ADVP ocupa é imediatamente à esquerda de VP. Além disso,
consideramos que o advérbio é a cabeça desta projecção, podendo ou não ter
especificador.34
(164)
ADVP
ADV’
ADVº
VP
V’
NP suj.
Vº
NP obj.
Na derivação normal de uma estrutura com um advérbio, o NP sujeito sai
do VP para ir ocupar, possivelmente, Spec de AGRS, e o V deixa também o VP
32
Laenzlinger (93) assume uma relação de m-comando entre o advérbio em Spec-A’ de VP e os
restantes elementos gerados dentro desta projecção. É claro que também o objecto é modificado
por estes advérbios, mas a modificação não incide particularmente sobre ele.
33
É esta a opinião por exemplo de Pollock (1989), também partilhada por Laenzlinger (93) que,
além disso, considera os advérbios como operadores.
130
para se deslocar para uma posição onde verifique os traços morfológicos que
transporta. Neste momento temos então duas opções para dar conta da relação
semântica que se estabelece entre o V e o advérbio.
Uma primeira hipótese é considerar a possibilidade de o verbo se adjungir
à esquerda do advérbio (sendo ambos Xº) quando se move. Neste caso, podemos
motivar o movimento do verbo para uma posição de adjunção ao advérbio,
considerando que este encabeça uma projecção funcional com traços V fortes que
requerem, naturalmente, o movimento do V para os verificar; posteriormente o
verbo mover-se-ia para a projecção T onde verificaria os traços de tempo. Uma
alternativa será aceitar o movimento do verbo não para uma posição adjunta ao
verbo mas para a cabeça da projecção imediatamente superior ao ADVP.
Assumindo com Ambar (1996) a existência de uma categoria TobP, uma posição
possível para o verbo seria, nesse caso, Tobº. Uma vez nessa posição, poder-se-ia
estabelecer uma relação de concordância Head-to-Head entre a cabeça do Tobº
ocupada pelo V movido e o advérbio. Esta relação, à partida, não impediria que o
movimento do verbo prosseguisse dado que o vestígio aí deixado manteria (em
cadeia) a relação com o advérbio. Com esta hipótese facilmente derivamos a
ordem Suj. + V + Adv + Obj..35
Um problema que se coloca também a esta hipótese continua a ser a
questão de saber se o NP objecto se move para fora da projecção em que é
gerado.36 Se essa possibilidade se verificar, o movimento do objecto terá como
34
A posição de especificador de ADVP é, provavelmente, ocupada por advérbios como os que
considerámos na primeira classe e cuja função é modificar adjectivos e outros advérbios.
35
Para que esta opção seja possível é necessário admitir que, quando se obtém esta ordem, o NP
objecto não sai do VP.
36
Esta é, contudo, uma questão complexa que ultrapassa o âmbito deste trabalho. Com efeito,
saber se em português o NP objecto se move, ou não, para uma posição acima de VP - AgrOP (cf.
Chomsky 1993) ou TobP (cf. Ambar 1996) - implica o estudo de questões que se relacionam com
131
alvo uma posição de especificador) AgrOP ou TobP). Ainda que a posição
escolhida fosse a posição Spec de ADVP a ordem resultante apresentaria o
advérbio em posição final e a estrutura não daria conta da ordem mais natural, em
que o advérbio surge em posição pré-NP objecto. Então a única solução possível
parece ser a geração do advérbio numa posição mais alta na estrutura da frase,
pelo menos mais alta do que a posição alvo do movimento do NP objecto, para
que em superfície, mesmo havendo movimento do objecto, o advérbio possa
ocorrer entre o verbo e o seu complemento.
Consideremos agora o possível movimento do NP objecto. A motivação
para este constituinte sair da categoria onde é gerado terá de ser a necessidade de
verificar traços fortes, sem o que a estrutura rebentará em LF. Assim sendo,
podemos considerar duas hipóteses:
- o NP objecto move-se para verificar traços de caso acusativo e ocupa a
posição Spec de AGRO ou TobP;
- o NP objecto move-se para verificar um traço forte de especificidade e
para isso ocupa a posição Spec de TobP.
Em qualquer das hipóteses, a localização da projecção do advérbio não
poderá ser imediatamente à esquerda do VP. Além disso, esteja o ADVP
a verificação do caso acusativo e com a distribuição dos NP’s objecto específicos vs. não
específicos, se quisermos avaliar as predições da análise de Diesing (1992) sobre o português. E a
dificuldade de saber se os NP’s específicos têm se sair do VP (Diesing (1992)) ou de TP (Martins
(1995)) ou se pura e simplesmente ficam in situ aumenta quando constatamos a
liberdade/opcionalidade de ocorrência dos advérbios em posição final ou pré-NP objecto. A
aparente opcionalidade no que respeita a estas duas posições poderá, eventualmente, ser o reflexo
de o português estar numa fase de transição relativamente a este aspecto. De acordo com Ambar
(1996) é de crer que no português antigo os NP’s específicos subiam de forma mais sistemática do
que no português moderno. A oscilação verificada no posicionamento do advérbio nestas posições
seria assim o reflexo da fixação deste parâmetro.
De notar que, para além destas questões, exemplos como os registados em (176) e (177)
deste trabalho, mostram que parece existir uma assimetria entre frases com NP’s objecto
específicos e genéricos, no sentido inverso ao de Diesing (1992). As hipóteses de análise
132
imediatamente acima de AgrOP ou imediatamente acima de TobP, a relação que o
advérbio vai estabelecer com o verbo será sempre do tipo Head-to-Head.
(165)a.
ADVP
ADVº
cuidadosamente
AgrOP
Spec
AgrO’
AGR
Vi
apresentadas no texto não pretendem resolver esta questão e devem ser vistas como uma reflexão
breve sobre a complexidade do tema.
133
(165)b.
ADVP
ADVº
cuidadosamente
TobP
Spec
Tob’
Tobº
Vi
Para não considerarmos uma projecção ADVP, a única hipótese alternativa
disponível parece-nos que é assumir que o advérbio é gerado na posição Spec de
uma categoria funcional existente na estrutura da frase. Neste caso, se assumirmos
que ele é gerado em Spec de TobP não podemos considerar a possibilidade de um
movimento do objecto para essa posição ou para posições superiores. Assim
sendo, a única possibilidade parece ser gerar o advérbio em posição Spec de
AgrOP.37
Consideremos agora as restantes ordens possíveis para os advérbios da
classe que estamos a considerar. Como referimos acima, embora a posição
preferencial para estes advérbios seja a posição pós-verbal, eles podem também
ocorrer em posição pré-verbal e em início de frase. (Repetimos aqui os exemplos
(160) e (161) por comodidade de exposição).
37
Se uma das motivações possíveis para o movimento do NP objecto é a verificação de traços de
caso acusativo, pode parecer estranho que essa verificação se faça em Spec de TOP quando tem
sido assumido na literatura que a categoria funcional responsável pelas marcas de caso é AGR
(sujeito ou objecto dependendo do caso)(Cf., por exemplo, Raposo (1987), Chomsky (1993)).
Contudo, aceitar AGRO como posição hospedeira das marcas casuais, tem a consequência directa
de que a posição do advérbio seja ainda mais alta do que AGROP e, por outro lado, não é claro
que Agr, sendo uma categoria [+N] seja a categoria responsável pela verificação de caso, como
também já tem sido referido na literatura.
134
(160) a.
b.
(161) a.
b.
O João cuidadosamente leu o livro.
O João habilmente recebeu os convidados.
Cuidadosamente o João leu o livro.
Habilmente o João recebeu os convidados.
Nestas últimas posições o que verificamos é que a interpretação resultante é ou
orientada para o sujeito ou marcada por uma apreciação do sujeito enunciador
sobre o desempenho do sujeito gramatical. Então como dar conta das diferentes
ordens e correspondentes interpretações ?
Constatando que a presença dos advérbios nestas posições pode implicar
uma apreciação do sujeito da enunciação, a hipótese que se nos afigura mais
plausível é considerar que estes advérbios são lexicalmente marcados com um
traço que os leva a subir na estrutura da frase, sempre para cumprir o objectivo de
verificar traços fortes. Admitamos, então, que a subida dos advérbios é motivada
pela existência de um traço [α] de apreciação.38
Não esquecendo que a informação com que nos prendemos neste momento
diz respeito à informação exterior à estrutura da frase (do sujeito enunciador), o
que parece, à primeira vista, correcto é assumir que no topo da estrutura da oração
existe uma posição, tipicamente ocupada por operadores, através da qual se
estabelece a relação entre o discurso e a estrutura sintáctica propriamente dita.39
Assim sendo, para verificar um traço [α] forte, localizado numa posição
38
Agradeço à Profª Manuela Ambar (c.p.) ter-me sugerido esta hipótese.
Se recordarmos o trabalho de Raposo (86a) sobre os objectos nulos em português, podemos aí
encontrar uma explicação idêntica para alguns tipos de objectos nulos cujo conteúdo semântico,
39
135
no topo da estrutura da frase, chamemos-lhe αP, os advérbios deslocam-se para
essa posição desencadeando a ordem em que o advérbio aparece em posição
inicial.40 Para obtermos a posição pré-verbal do advérbio teríamos de imaginar
uma de duas coisas:
- ou o advérbio por alguma razão não sobe até [αP], o que seria estranho
pois só assim o traço [+α] de αP é verificado;
- ou após o movimento do advérbio para αP existe um movimento do NP
sujeito para uma posição superior.
Dadas as duas hipóteses apontadas, parece-nos que a única possível é a
aquela em que a posição pré-verbal do advérbio resulta de um movimento
posterior do NP sujeito. Como motivar este movimento ?
(160) a.
b.
O João cuidadosamente leu o livro.
O João habilmente recebeu os convidados.
Se observarmos atentamente a interpretação que obtemos com o advérbio
entre o sujeito e o verbo, podemos constatar que, de algum modo, o sujeito está
destacado da restante informação da frase. Na realidade, parece que esta ordem
resulta de uma ênfase dada ao sujeito sobre o qual se diz, por exemplo, ter lido
segundo o autor, é recuperado pela relação que se estabelece entre um operador nulo em início de
frase e o discurso.
40
Para assumirmos que a presença do traço [α], de apreciação, é a responsável pela subida do
advérbio para as posições mais altas, temos que assumir que a alternância entre uma interpretação
orientada para o sujeito enunciador e uma interpretação orientada para o sujeito gramatical é o
resultado de diferentes valores de [α]. Ao contrário do que na literatura se tem assumido, teremos
que defender que a interpretação orientada para o sujeito da enunciação é o resultado da
combinação de dois traços [α] fortes: o da posição αP e o do advérbio. Quando a interpretação é
apenas orientada para o sujeito gramatical não existe convergência de dois traços fortes. Em suma,
em vez de justificarmos o movimento do advérbio para resultar uma interpretação de apreciação
136
cuidadosamente o livro. Finalmente, não nos parece abusivo defender que a
ordem Suj. + Adv + V resulta de um movimento extra do sujeito que, por ser o
tópico da enunciação, deve verificar um traço [+Top], provavelmente na posição
de Spec de αP. Nesta posição estabelece-se a relação de adjacência entre sujeito e
advérbio. Desta adjacência resulta a interpretação do advérbio orientada para o
sujeito.
A questão que persiste é a de saber por que razão com alguns advérbios a
interpretação resultante é uma apreciação do sujeito da enunciação que nada tem a
ver com a interpretação que o mesmo advérbio obtém numa posição mais baixa.
Uma hipótese para distinguir os dois tipos de advérbios é o facto de alguns
deles poderem ter também o traço [α] forte. Então, quando em αP se encontram
dois traços [+α] o resultado seria uma apreciação subjectiva do sujeito da
enunciação.
Em resumo, se a interpretação que obtemos com advérbios como
cuidadosamente se refere ao sujeito gramatical, então este é um advérbio em que
o traço relevante é fraco [-α]. Assim, ainda que no decorrer da derivação
cuidadosamente ocupe a posição marcada na estrutura com [+α], o facto de o
valor dos traços não coincidirem não permite que a interpretação se altere. Pelo
contrário, quando o advérbio aí presente também é [+α], como por exemplo com
habilmente,
o seu movimento para a posição relevante proporciona a
combinação de dois traços fortes idênticos, condicionando a interpretação que
passa a apresentar a opinião do sujeito enunciador relativamente às intenções do
sujeito gramatical.
do locutor, assumimos a verificação do traço forte da cabeça funcional αº (visível em PF) como
137
De facto, quando consideramos frases como as de (166) é possível
entender as diferentes interpretações com exemplos de cuidadosamente e de
habilmente.
(166) a.
b.
Habilmente, o João recebeu os convidados.
Cuidadosamente, o João recebeu os convidados.
Finalmente, no que respeita às restrições (de selecção) que evidentemente
existem entre o sujeito, o advérbio e o complemento, quando consideramos
advérbios desta classe, podemos tentar explicá-las de duas formas.
Por um lado, podemos remeter essa verificação para LF dado que são
especificações fundamentalmente semânticas e que, aparentemente não alteram
visivelmente, por exemplo, a ordem. Por outro lado, podemos talvez imaginar
que, à semelhança do traço [α] que marca alguns advérbios, que exprimem a
opinião do sujeito locutor, todos os advérbios vêm lexicalmente marcados com
indicação dos elementos que modificam. Esta hipótese, embora mais próxima da
tendência actual da linguística, parece que iria conduzir a uma proliferação de
traços, provavelmente interpretativos e não sintácticos, que exigiriam movimentos
acrescidos para os verificar. Por esta razão inclinamo-nos mais pela primeira
hipótese, embora, não disponhamos dos dados suficientes para decidir.
C.
como
Passemos agora à análise do terceiro grupo onde incluímos advérbios
mortalmente,
completamente,
parcialmente,
aproximadamente,
sensivelmente, totalmente, especificamente, etc. Ao contrário dos advérbios que
forma de desencadear o movimento do advérbio.
138
analisámos anteriormente, estes caracterizam-se por estabelecerem uma relação de
significado estreita com o NP complemento do verbo. Esta relação pode traduzirse na partilha de traços de selecção compatíveis, entre o advérbio e o objecto, ou
na exigência de compatibilidade de traços semântico-sintácticos. Relativamente
ao primeiro tipo de restrições referidas, trata-se de compatibilidades que se devem
verificar necessariamente de modo a evitar construções como (167b):
(167) a.
O polícia atingiu a casa em frente.
b.
*O polícia atingiu mortalmente a casa em frente.
c.
O polícia atingiu o assaltante.
d.
O polícia atingiu mortalmente o assaltante.
Relativamente à compatibilidade sintáctico-semântica, as frases abaixo
ilustram as exigências que estes advérbios impõem ao objecto que modificam.
(168) a)
O João leu completamente o livro.
b.
O João leu o livro completamente.
c.
*O João leu completamente livros.
d.
*O João leu livros completamente.
A posição preferencial destes advérbios é em entre o verbo e NP objecto
mas podem, alternativamente, ocorrer em posição final:
(169) a.
O polícia atingiu mortalmente a vítima.
139
b.
O polícia atingiu a vítima mortalmente.
c.
*O polícia mortalmente atingiu a vítima.
d.
*Mortalmente o polícia atingiu a vítima.
Ao contrário dos advérbios do grupo anterior, estes não podem aparecer em
posição pré-verbal ou inicial:
(170) a.
O João leu completamente o livro.
b.
O João leu o livro completamente.
c.
*O João completamente leu o livro.
d.
*Completamente o João leu o livro.
Da mesma forma que observámos para o grupo anterior, se admitirmos
que o advérbio projecta uma categoria máxima imediatamente acima de VP, para
dar conta das ordens permitidas por estes advérbios apenas temos que considerar
o movimento (opcional) do NP objecto. Neste caso, a posição final do advérbio
seria o resultado do movimento do objecto para fora do VP e a posição entre o
verbo e o objecto resultaria da ausência desse mesmo movimento.41
Se quisermos aceitar a existência de um movimento obrigatório do NP
objecto para fora do VP, temos então que gerar a projecção do advérbio,
possivelmente, acima de AgrOP.
Relativamente à impossibilidade de ocorrência de advérbios deste grupo
em posição inicial ou pré-verbal, assumindo a existência da projecção αP
41
Aqui estamos assumir, normalmente, o movimento do sujeito e do verbo para fora do VP onde
são basicamente gerados. Quanto ao NP objecto ver nota 36.
140
fortemente marcada com o traço [+α], anteriormente referido, somos obrigados a
concluir que os advérbios deste terceiro grupo não ocorrem em estruturas com
[+α], não havendo por isso motivação para se moverem para início de frase ou
para uma posição pré-verbal.42
D.
Reunidos num quarto grupo, encontramos advérbios como rapidamente,
frequentemente, lentamente, raramente, ontem, sempre, etc.. O que
fundamentalmente caracteriza este grupo é o facto de todos transmitirem
informação relativamente ao tempo. Por um lado, temos advérbios como
frequentemente, raramente, ontem, sempre, hoje, etc., que impõem restrições
ao tempo morfológico das estruturas em que ocorrem, bem como à natureza do
complemento nominal do predicado:
(171) a.
O João vai frequentemente ao cinema.
b.
O João frequentemente vai ao cinema.
c.
Frequentemente o João vai ao cinema.
d.
O João vai ao cinema frequentemente.
(172) a.
*O João resolveu frequentemente o problema.
b.
*O João frequentemente resolveu o problema.
Desta assunção resulta que, relativamente à verificação do traço [α], teremos três grupos de
advérbios:
- por um lado os advérbios, que podendo verificar tal traço, são marcados com [-α], não
desencadeando alteração na interpretação do respectivo advérbio;
- em segundo lugar temos outro grupo que pode verificar [+α] e porque está marcado por [α]
forte, ocorre uma alteração da interpretação do sujeito enunciador;
- e, finalmente, um terceiro grupo que, só ocorre em estruturas onde não existe [+α] para verificar,
de onde não pode subir na estrutura atingindo a posição inicial e pré-verbal.
42
141
c.
*Frequentemente o João resolveu o problema.
d.
*O João resolveu o problema frequentemente.
(173) a.
*O João vai ontem ao cinema.
b.
*Ontem o João vai ao cinema.
Por outro lado, distinguem-se advérbios como lentamente e rapidamente
cujas restrições parecem cair sobre a natureza semântica do predicado verbal:
(174) a.
?O João dorme rapidamente a sesta.
b.
?O João dorme a sesta rapidamente.
c.
?O João rapidamente dorme a sesta.
d.
?Rapidamente o João dorme a sesta.
Relativamente ao teste SER + Adj., no caso presente verificámos um
comportamento não uniforme. Assim, esta classe é composta, por um lado, por
advérbios que não permitem a construção referida e que correspondem aos que
impõem restrições ao tempo morfológico e, por outro lado, por advérbios que
aceitam a referida construção SER + Adj. e que não interferem com o tempo
morfológico:
(175) a.
b.
142
O João foi rápido a ler o livro.
O João foi lento a ler o livro.
Confrontando os exemplos de (175) com os de (158), verificamos que, se
em (158) o adjectivo predicava acerca do sujeito (o João foi cuidadoso), em (175)
o adjectivo, não obstante concordar em género e número com o sujeito, predica
sobre o tempo de duração da acção que o sujeito desenvolveu.
Relativamente à posição natural de ocorrência destes advérbios, a posição
preferencial é a posição pós-verbal. Aqui, no entanto, a posição pré-verbal, inicial
e final estão também disponíveis.
(176) a.
O João leu rapidamente o livro.
b.
O João rapidamente leu o livro.
c.
Rapidamente o João leu o livro.
d.
O João leu o livro rapidamente.
Admitindo com Kayne (1994), que os movimentos se fazem para posições
à esquerda, teremos, mais uma vez, de admitir que nas estruturas em que o
advérbio surge em posição final
(177) a.
O João lê livros rapidamente.
b.
O João resolveu o problema rapidamente.
c.
O João lê rapidamente livros.
d.
O João resolveu rapidamente o problema.
terá sido o NP objecto a mover-se para a esquerda e não o advérbio para a direita.
Assim sendo, em estruturas com NP’s objecto não específicos, em que o advérbio
143
surge preferencialmente em posição final, teríamos de admitir que esse NP
objecto se terá movido ou para Spec de Tobº ou para Spec de AgrOº. Em
estruturas em que o advérbio surge em posição pré-NP objecto este NP estaria in
situ numas estruturas e seria movido, opcionalmente, noutras.43 Estes factos, vão
porém no sentido contrário ao que tem sido defendido na literatura sobre esta
questão. Em Diesing (1992), por exemplo, não são os NP’s genéricos que devem
mover-se para fora de VP mas sim os [+ específicos] - (veja-se o seu conceito de
“existential closure”. Põe-se assim a questão de perceber os factos do português.
Ou dizemos que em português o fenómeno tratado por Diesing tem efeitos
inversos, ou encontramos para o comportamento dos advérbios no contexto de
NP’s genéricos, nas estruturas exemplificadas acima, uma outra explicação. Por
outro lado, no que diz respeito à distribuição dos advérbios nos contextos de NP’s
específicos, se admitirmos com Diesing que também em português os NP’s
específicos se movem para além de VP explicamos os casos em que o advérbio
surge em posição final mas não aqueles em que surge em posição pré-NP objecto.
Em relação à primeira hipótese, de que existe subida do NP genérico,
podemos talvez pensar que o que se verifica, neste caso, é um processo idêntico a
outro apontado por Stowel para as orações pequenas. Assim, o que distinguiria as
construções com o NP objecto genérico, em que o advérbio ocorre em posição
final, é o facto de este NP objecto se mover para junto do verbo com o objectivo
de formar um predicado complexo. Esta ideia tem fundamento semântico quando
interpretamos as frases relevantes, e constatamos que a interpretação que o verbo
ler obtém com um complemento específico e com um genérico é distinta. Neste
sentido, quando ler se combina com um NP específico a estrutura é interpretada
43
Cf. nota 36.
144
como contendo um predicado (ler) com o seu argumento interno (o livro). Porém,
quando ler ocorre com um complemento genérico, na interpretação deixamos de
distinguir o predicado (ler) do complemento (livros). Nesse caso, acontece que a
união destes dois elementos resulta numa interpretação em que o verbo e o NP
formam um só elemento; um predicado complexo: ler livros. Esta poderia ser uma
explicação para a posição final do advérbio.
Em relação à segunda questão, a subida dos NP’s específicos, a motivação
para tal movimento parece-nos advir de características dos constituintes nominais,
i.e., verificação de traços de caso, como atrás referimos. A explicação da estrutura
assenta, essencialmente, na forte evidência de que no português antigo,
contrariamente ao português moderno, AGRO possuía traços de caso fortes.
Assumindo, com Chomsky (1993), que os movimentos em sintaxe se fazem
exclusivamente para verificação de traços fortes, teríamos de aceitar a ideia de
que quando o objecto aparece em posição final não há subida porque não há
traços fortes para verificar. Do mesmo modo, quando, pelo contrário, o advérbio
aparece em posição final há movimento porque há traços fortes a verificar. Ou
seja, o português moderno apresenta-se, de acordo com esta proposta, numa fase
de transição relativamente à fixação dos traços de AGRO; se para alguns falantes
AGRO ainda tem traços fortes que motivam a subida do NP objecto, para outros
este comportamento já não se verifica e o objecto é o elemento final.
Relativamente à possibilidade de ocorrerem em posição inicial ou préverbal, onde obtemos uma interpretação orientada para o sujeito da enunciação,
teremos, mais uma vez, que recorrer à proposta anteriormente apresentada da
presença de um traço [+α] numa posição no topo da estrutura da frase que os
145
advérbios têm de verificar.
Dado que a interpretação que os advérbios obtêm em posição inicial e préverbal não é alterada, se as observações que fizemos anteriormente estão certas,
poderemos talvez afirmar que esta classe é composta por advérbios que possuem o
traço [-α]. Assim, desencadeia-se o movimento onde são verificados os traços da
posição αP e dos advérbios, mantendo estes o seu significado inalterado.
Incluído nesta classe de advérbios está também sempre que se aproxima
semanticamente dos demais elementos da classe por transmitir informação
temporal, mas que, em termos de interpretação e de distribuição na frase, tem um
comportamento completamente à parte:
(178) a.
*Sempre o João vai ao cinema.
b.
*O João sempre vai ao cinema.
c.
O João vai sempre ao cinema.
d.
*O João vai ao cinema sempre.
Como mostra (178), aparentemente, a única posição em que sempre pode ocorrer
com informação temporal é depois do verbo, sendo excluído em todos os outros
contextos. No ponto 5.2 do capítulo 5. tentaremos esboçar uma proposta de
análise com vista a explicar o comportamento particular de sempre, procurando
perceber quais as posições em que pode ou não ocorrer e porquê.
E.
Finalmente, a quinta classe de advérbios que considerámos engloba
advérbios como infelizmente, francamente, possivelmente, certamente,
146
efectivamente, evidentemente, provavelmente, felizmente, etc. Sabendo-se que
estes advérbios se caracterizam por introduzir a opinião do sujeito da enunciação,
relativamente à predicação da frase, facilmente compreendemos que ocorram em
início de frase, ou em posição pré-verbal.
(179) a.
Infelizmente, o João vai ao cinema.
b.
O João infelizmente vai ao cinema.
Ao contrário da hipótese que considerámos para os grupos de advérbios
anteriormente descritos, nesta classe pensamos que a posição básica dos advérbios
não pode ser à esquerda de VP. Assim, visto que não há qualquer tipo de restrição
entre o advérbio e o sujeito, entre o advérbio e o predicado, ou entre o advérbio e
o complemento do verbo, e dado que com a interpretação que lhes é própria não
podem ocorrer abaixo da posição pré-verbal, não parece necessário nem correcto
postular a geração destes advérbios numa posição próxima do VP. A posição onde
pensamos serem gerados é uma posição onde se estabelece uma relação entre a
estrutura sintáctica oracional e a estrutura do discurso. À semelhança do que
propusemos na análise dos advérbios dos grupos anteriores, a posição em causa é
αP onde estes advérbios vão verificar o traço [+α].
Neste espírito,
este último grupo de advérbios caracteriza-se por ser
constituído apenas por advérbios cujo traço [+α] forte é responsável pela sua
geração básica em αP.
Em conclusão, nesta secção tentámos apresentar uma proposta de
147
classificação que de um modo mais ou menos uniforme agrupe os advérbios
considerando a sua semântica intrínseca, a sua distribuição na estrutura da frase e
as relações que estabelecem com os outros elementos da frase.
Da nossa análise resulta que, relativamente à geração básica dos
advérbios, temos três tipos:
- os que restringem diferentes constituintes, sugerindo uma geração básica,
provavelmente, dentro do constituinte modificado;
- os que são gerados numa posição periférica à frase e cuja interpretação é
sempre uma apreciação do sujeito enunciador;
- e, finalmente, aqueles que são gerados, possivelmente, em posições
próximas do VP, e que, dependendo de existir um traço forte marcador de
apreciação em αP, podem ou não subir na estrutura da frase.
Em termos de classes semânticas, pela nossa análise obtivemos cinco
grandes classes de advérbios;
- uma primeira classe A. de advérbios com a função única de restringir o
conteúdo significativo de vários constituintes;
- uma segunda classe B. onde encontramos advérbios marcados por uma
interpretação orientada para o sujeito gramatical ou para o sujeito da enunciação;
- uma terceira classe C. que agrupa advérbios, tipicamente, orientados
para o complemento verbal;
- um quarto grupo D. de advérbios com informação de tempo e que, na sua
maioria, pode ocorrer livremente na estrutura da frase;
- finalmente, o quinto grupo E. de advérbios, tipicamente marcado pela
interpretação orientada para o sujeito enunciador.
148
Classe
Advérbios
Posição onde são gerados
A
unicamente
só
apenas
meramente
simplesmente
junto dos constituintes que
modificam
B
cuidadosamente
habilmente
corajosamente
dedicadamente
propositadamente
descuidadamente
desajeitadamente
inteligentemente
indolentemente
alegremente
relutantemente
tristemente
silenciosamente
próximo do VP:
C
D
E
mortalmente
completamente
parcialmente
aproximadamente
sensivelmente
totalmente
especificamente
rapidamente
frequentemente
lentamente
raramente
ontem
sempre
infelizmente
francamente
possivelmente
certamente
efectivamente
evidentemente
provavelmente
felizmente
Traços relevantes
para a interpretação
restritores
[+/- α]
- numa projecção ADVP
imediatamente acima do VP;
ou
- numa projecção ADVP
imediatamente acima de
TobP;
próximo do VP:
[∅ α]
- numa projecção ADVP
imediatamente acima do VP;
ou
- numa projecção ADVP
imediatamente acima de
TobP;
próximo do VP:
[- α]
- numa projecção ADVP
imediatamente acima do VP;
ou
- numa projecção ADVP
imediatamente acima de
TobP;
numa posição periférica à
estrutura da frase:
[+α]
- numa posição funcional
onde tipicamente ocorrem
operadores e que se relaciona
com o discurso;
149
150
5.
Outros Advérbios - Sempre
A descrição feita no ponto anterior engloba a maioria dos advérbios
terminados em -mente e um pequeno grupo de outros sem essa desinência. Dessa
descrição ficam excluídos alguns advérbios muito usados na língua como ontem,
amanhã, hoje, sempre, já, ainda, logo, mal, só, lá, etc.
Com excepção de só e lá, todos estes advérbios podem ter uma
interpretação temporal em determinadas posições e em contextos específicos.
Neste capítulo pretendemos fazer uma breve descrição do seu comportamento no
sentido de mostrar que a interpretação dos advérbios não é pré-estabelecida no
léxico mas antes resulta da relação harmoniosa que os advérbios, enquanto
elementos lexicais, mantêm com as restantes categorias lexicais e funcionais.
5.1.
Ordem e interpretação em alguns advérbios (sempre, já, bem,
ainda, ...)
Advérbios como ontem, amanhã e hoje são típicos advérbios de tempo
porque independentemente da posição e do contexto temporal, ou outro, em que
ocorram têm sempre informação temporal para transmitir.
Em termos das posições que ocupam na frase são os mais livres, podendo
ocorrer geralmente em todas as posições.
(180) a.
Ontem o João leu o jornal.
b.
O João ontem leu o jornal.
151
c.
O João leu ontem o jornal.
d.
O João leu o jornal ontem.
a.
Amanhã/hoje o João lê o jornal.
b.
O João amanhã/hoje lê o jornal.
c.
O João lê amanhã/hoje o jornal.
d.
O João lê o jornal amanhã/hoje.
(181)
De facto, existem ligeiras diferenças nas interpretações que se obtêm em
diferentes posições. A posição mais natural parece ser a posição pós-verbal, mas
nada impede que apareçam noutras posições, no início, interior ou fim da frase, se
forem focalizados.
Também considerados advérbios de tempo, pelo menos nas gramáticas
tradicionais, são os advérbios sempre, já, ainda e logo. Por oposição com os
advérbios de (180) e (181) estes não são típicos advérbios de tempo, pois em
determinados contextos perdem toda a informação temporal:
(182) a.
b.
O João diz sempre a verdade. (nunca mente)
c.
O João lê sempre o jornal.
(183) a.
b.
152
O João está sempre em casa. (nunca sai)
(nunca vê o telejornal)
O João sempre está em casa. (afinal não saiu)
O João sempre diz a verdade. (afinal não mente)
c.
O João sempre lê o jornal.
(afinal lê o jornal)
As construções de (182) e (183) opõem-se pela interpretação que os
advérbios veiculam em cada um dos grupos. Assim, se em (182) em posição pósverbal o advérbio possui todo o seu valor temporal, em (183) perde-o na posição
pré-verbal.
O mesmo parece acontecer com já quando muda de posição e de contexto.
(184) a.
b.
(185) a.
b.
(186) a.
b.
O João lê já o jornal.
(daqui a momentos)
O João vai já para a escola. (daqui a um bocadinho)
O João já lê o jornal.
(já sabe ler)
O João já vai para a escola. (já tem mais de 6 anos)
O João já leu o jornal. (já terminou)
O João já foi para a escola.
(já saiu)
De notar que as frases com o advérbio já em posição pré-verbal são ambíguas.
Assim, quando o verbo ocorre no presente podemos obter uma interpretação que
reforça o facto de o João saber ler ou de ele ter idade para ir para a escola
(cf.(184)), mas podemos simultaneamente obter uma interpretação que nos indica
que o João vai ler o jornal dentro de pouco tempo ou que o João vai para a escola
daqui a instantes. Por outro lado, quando o verbo ocorre no pretérito perfeito
existe um reforço do valor acabado expresso.
153
Ainda e logo pertencem também ao grupo de advérbios que pode ter uma
interpretação não-temporal se estiver num contexto determinado.
(187) a.
O João ainda lê o jornal.
(continua a ter esse hábito)
b.
O João ainda come a papa.
(continua a ser bebé)
c.
O João ainda brinca às escondidas. (continua a ser criança)
(188) a.
O João lê ainda o jornal.
(também lê o jornal)
b.
O João come ainda a papa.
(também come a papa)
c.
?O João brinca ainda às escondidas.
(também brinca às escondidas)
Relativamente ao comportamento de ainda podemos também verificar que
na posição pré-verbal a sua interpretação pode variar dependendo da natureza dos
elementos que ocorrem na frase.
Assim, em exemplos como os apresentados abaixo, a presença de um
elemento específico pode levar a uma interpretação em que se indica a
possibilidade de um dado acontecimento ocorrer.
(189) a.
b.
O João ainda lê o teu jornal.
O João ainda come a papa do filho.
Por outro lado, a presença na frase de perífrases como estar a + infinitivo
induz uma interpretação do advérbio ainda reforçando a realização de uma dada
154
acção.
(190) a.
O João ainda está a ler o jornal.
b.
O João ainda está a comer a papa.
c.
O João ainda está a brincar às escondidas.
Relativamente ao advérbio logo podemos também observar algumas
diferenças de interpretação resultante da posição em que ocorre:
(191) a.
O João leu logo o jornal.
b.
O João leu o jornal logo.
c.
??/*O João logo leu o jornal.
Como mostram os dados de (191), a posição mais natural para este
advérbio é a posição pós-verbal onde o advérbio adquire uma interpretação
sinónima de imediatamente. Em posição final essa interpretação continua ser
possível mas parece existir um reforço sobre o advérbio.
Contudo o comportamento do advérbio logo também é sensível à presença
de diferentes tempos verbais:
(192) a.
O João lê logo o jornal.
b.
O João lê o jornal logo.
c.
O João logo lê o jornal.
155
Observando os dados acima constatamos que a presença do tempo
presente permite outras interpretações e até outras posições. Deste modo, com o
advérbio na posição pós-verbal podemos obter uma interpretação idêntica àquela
que obtemos com o presente, sinónima de imediatamente, se interpretarmos a
frase como descrevendo um hábito do João:
(193) Quando chega a casa, o João lê logo o jornal.
A outra interpretação que obtemos nesta posição é também de tempo mas remete
para um momento posterior sendo quase sinónimo de mais tarde, daqui a bocado,
etc.. Esta interpretação é idêntica à que este advérbio obtém em posição final com
o presente.
Finalmente em posição pré-verbal a única interpretação disponível
significa também mais tarde, mas parece-nos que só é possível com um reforço
sobre o logo.
Um último advérbio que consideraremos nesta breve exposição e que
também pode ter interpretação temporal é mal:
(194) a.
156
O João chegou a casa mal.
b.
O João percebeu mal o recado.
c.
O João mal percebeu o recado.
d.
O João mal recebeu o recado saiu.
e.
Mal o João recebeu o recado, o Pedro saiu.
Como podemos afirmar pela análise de (a) e (b), em posição pós-verbal ou
final este advérbio apenas dispõe de uma interpretação de modo sobre a acção
expressa pelo verbo.
Relativamente ao comportamento deste advérbio em posição pré-verbal,
constatamos que em (c) a interpretação resultante parece, de alguma forma,
traduzir a opinião do sujeito falante sobre o modo como foi percebido o recado ou
até sobre a dificuldade manifestada pelo sujeito para perceber o recado. Quando o
advérbio ocorre em posição pré-verbal ou inicial e existem dois predicados na
frase a informação que transmite é temporal. Assim, como mostram (d) e (e), mal
indica que muito pouco tempo após o João ter recebido o recado algum evento
ocorreu.
Parece, então, que a função deste advérbio quando transmite informação
temporal é fundamentalmente indicar a fronteira de um evento que é continuada
pelo início de outro evento expresso na frase.
Como podemos observar pelos exemplos acima, o que determina o
contexto em que os advérbios têm ou não interpretação temporal não passa apenas
pela posição que ocupam relativamente ao verbo, mas também pelos diversos
tempos morfológicos do verbo e pela natureza semântica do predicado da frase e
pela determinação do objecto.
Da mesma forma um advérbio como lá - que aqui não analisaremos - pode
alterar a sua interpretação dependendo da posição que ocupa. Em posição pósverbal obtém interpretação de locativo, mas se ocorrer em posição pré-verbal
perde tal significado e passa veicular informação de negação ou de foco.
Os capítulos seguintes vão ser dedicados à exploração dos diferentes
factores que condicionam a perda da interpretação temporal, bem como à
157
descrição das condições necessárias para que tal fenómeno se verifique em
português.
Tomaremos como paradigmático o comportamento do advérbio sempre
acreditando que muitas das observações que então registarmos poderão vir a ser
aplicadas a advérbios como já, ainda, mal, etc.44 O estudo exaustivo destes
outros advérbios, que decerto trará à luz aspectos distintos daqueles a que aqui
nos dedicaremos, constituirá, segundo esperamos, objecto de investigação a
desenvolver num futuro próximo.
5.2.
Sempre
O advérbio sempre tem, em português, um valor temporal iterativo, quase
sinónimo de expressões como todas as vezes, todos os momentos, todos os dias,
etc., e um valor não-temporal, que parece de afirmação ou mais precisamente de
confirmação de um dado estado de coisas, como exemplificado em (195a) e
(195b):
(195) a.
b.
O João está sempre em casa. (todos os momentos, todos os dias...)
O João sempre está em casa. (afinal ele está em casa)
No que respeita ao valor temporal deste advérbio, Óscar Lopes (1972)
44
Esta aplicação terá naturalmente de ter em conta as diferentes propriedades de uns e outros mal por exemplo em posição pós-verbal é um advérbio de modo e não de tempo, como sempre, e
só adquire um valor temporal em posição inicial e pós-sujeito.
(i)
Mal o João chegou, o Pedro saiu.
(ii)
O João mal chegou, perguntou pelo Pedro.
(iii)
Ele mal a viu, correu a abraçá-la.
158
estabelece um paralelismo entre a quantificação dos nomes e o aspecto iterativo.
Segundo este autor, quando usamos sempre em ele veio sempre estamos a usar o
mesmo tipo de quantificação que em todos vieram. O mesmo sucedendo entre ele
nem sempre veio (pelo menos uma vez não veio) e nem todos vieram (pelo menos
um não veio).
Relativamente às características de cada uma das interpretações atribuídas
ao advérbio em análise, a primeira traduz-se na posição que ele ocupa nas
diferentes interpretações. Como acontece com um grande número de advérbios, a
posição de sempre parece estabelecer-se em relação ao verbo. Deste modo,
quando o advérbio possui interpretação temporal a sua posição preferencial é em
posição pós-verbal (cf.(196)) e quando possui interpretação não-temporal a
posição que ocupa é sempre pré-verbal (cf.(197)):
(196) a.
O João está sempre em casa.
b.
O João diz sempre a verdade.
c.
O João come sempre.
d.
O João gosta sempre de castanhas.
(197) a.
O João sempre está em casa.
b.
O João sempre diz a verdade45.
c.
O João sempre come.
d.
O João sempre gosta de castanhas.
Outra característica importante no estabelecimento do contexto de cada
159
uma das interpretações é a possibilidade ou impossibilidade de a negação
anteceder o advérbio. Assim, quando o advérbio tem interpretação temporal pode
ser precedido pela negação (cf.(198)) o que não acontece quando a interpretação é
não-temporal (cf.(199)).
O João não está sempre em casa.
(só às vezes)
b.
O João não diz sempre a verdade.
(só às vezes)
c.
O João não come sempre.
(só às vezes)
d.
O João não gosta sempre de castanhas.
(só às vezes)
(198) a.
(199) a.
*O João não sempre está em casa.
b.
*O João não sempre diz a verdade.
c.
*O João não sempre come .
d.
*O João não sempre gosta de castanhas.
Inversamente, mesmo com a interpretação não-temporal o sempre a preceder a
negação parece não ser possível com verbos como dizer e comer46, como
exemplificado abaixo:
(200) a.
b.
*O João sempre não diz a verdade.
*O João sempre não come.
A negação não pode ser precedida de sempre quando este tem valor temporal,
45
Esta parece ser a forma não marcada com valor temporal no português do Brasil.
160
mas pode sê-lo se o seu valor é de confirmação. Como os exemplos em (201)
mostram as frases não são ambíguas sendo o valor temporal excluído:
(201) a.
b.
O João sempre não está em casa.
O João sempre não gosta de castanhas.
Embora as posições típicas tenham sido descritas como sendo a posição
pré-verbal para a interpretação não-temporal e a posição pós-verbal para a
interpretação temporal, a verdade é que existe um conjunto determinado de
contextos em que o advérbio sempre em posição pré-verbal pode ter interpretação
temporal. Assim, o principal requisito para que se verifique essa situação é a
presença de um tempo passado, nomeadamente o pretérito perfeito:
(202) a.
O João sempre esteve em casa.
b.
O João sempre disse a verdade.
c.
O João sempre comeu.
d.
O João sempre gostou de castanhas.
Nas frases acima, a presença de um tempo passado obriga a uma primeira
interpretação temporal e permite uma segunda interpretação não-temporal (de
afirmação). Pelo contrário, quando o tempo da forma verbal é presente ou
imperfeito a primeira interpretação, e única ao que parece, que se obtém é a
46
A maioria dos falantes não aceita com facilidade a ocorrência de sempre não-temporal com a
negação embora admitam existirem diferentes juízos de acordo com o verbo presente na frase.
161
interpretação de afirmação (não-temporal)47.
(203) a.
O João sempre está em casa.
b.
O João sempre diz a verdade.
c.
O João sempre come morangos.
d.
O João sempre gosta de castanhas.
(204) a.
O João sempre estava em casa.
b.
O João sempre dizia a verdade.
c.
O João sempre comia morangos.
d.
O João sempre gostava de castanhas.
A possibilidade de haver uma interpretação temporal, com o advérbio em posição
pré-verbal quando o tempo do verbo é passado (pretérito perfeito), deixa de existir
se entre o advérbio e a forma verbal ocorrer um elemento de negação. Mesmo
nesta situação as frases com predicados genéricos e processuais tornam-se
marginais ou (quase) agramaticais, o que não acontece com o tempo presente ou
com o imperfeito, como exemplificado em (205) e (206), respectivamente:
(205) a.
47
O João sempre não esteve em casa.
Embora os tempos verbais passados referidos no texto sejam regularmente o pretérito perfeito e
imperfeito, o facto é que quando o sempre ocorre com outros tempos passados, nomeadamente o
pretérito perfeito composto e com o pretérito mais-que-perfeito composto, o seu comportamento é
idêntico ao obtido com o pretérito imperfeito, i.e. não-temporal.
O único contraste merecedor de nota é o caso do predicado gostar que é totalmente excluído com
o pretérito perfeito composto e que apresenta ambiguidade de interpretação quando ocorre no
pretérito mais-que-perfeito composto:
(i)
*O João sempre tem gostado de castanhas.
162
b.
O João sempre não disse a verdade.
c.
*?? O João sempre não comeu.
d.
*?? O João sempre não gostou de castanhas.
(206) a.
O João sempre não come / comia morangos.
b.
O João sempre não gosta / gostava de castanhas.
A possibilidade de haver uma interpretação temporal com o advérbio
sempre em posição pré-verbal não é (totalmente) incompatível com a presença da
negação. Contudo, a posição relativa do advérbio e da negação altera-se estando a
negação (nem) a preceder o advérbio, ambos em posição pré-verbal. Nestes casos
o tempo da forma verbal não é decisivo podendo ocorrer no presente, pretérito
perfeito ou imperfeito48:
(207) a.
O João nem sempre está / esteve / estava em casa.
b.
O João nem sempre diz / disse / dizia a verdade.
c.
O João nem sempre come / comeu / comia morangos.
d.
O João nem sempre gosta / gostou / gostava de castanhas.
Além do requisito de tempo passado, para que uma frase tenha uma
primeira interpretação temporal com o sempre em posição pré-verbal existem
(ii)
O João sempre tinha gostado de castanhas. (a)durante toda a sua vida o João
tinha gostado de castanhas; b) confirma-se que o João tinha gostado de castanhas)
48
As diferentes interpretações obtidas dependem, naturalmente, dos valores próprios dos tempos
verbais. O uso do presente neste contexto obriga a uma interpretação genérica que, de algum
modo, caracteriza o João. Por outro lado, com o pretérito perfeito faz-se uma descrição de um
período delimitado, mas não especificado, no passado. Finalmente, com o pretérito imperfeito
163
outras condições que, aliadas a esta, permitem essa interpretação, nomeadamente
a natureza do complemento do verbo.
Se considerarmos um verbo como chegar no pretérito perfeito quando
ocorre com sempre em posição pré-verbal verificamos uma ambiguidade entre
uma interpretação temporal e uma interpretação não-temporal. Porém, quando
acrescentamos um complemento ao verbo podemos ter uma primeira interpretação
temporal ou não-temporal dependendo da natureza do complemento. Assim, um
complemento com referência específica condiciona uma primeira interpretação
não-temporal, o que não se verifica se o complemento não tiver referência
específica, mas tiver pelo contrário genérica. Neste caso a primeira interpretação é
temporal:
(208) a.
b.
(209) a.
b.
O João sempre chegou a Lisboa. [+ específico] (confirmação)
O João sempre chegou do Porto. [+ específico] (confirmação)
O João sempre chegou a horas. [- específico] (temporal)
O João sempre chegou atrasado. [- específico] (temporal)
Também com outros verbos este contraste se verifica. Com o verbo ver o
comportamento que registamos é idêntico; a primeira interpretação é temporal se
existir na frase um elemento [- específico]:
(210)
Ele sempre o viu com bons olhos.
apenas se descreve um acontecimento no passado concebido como não acabado ou como
164
a primeira interpretação é não-temporal se todos elementos da frase forem [+
específico]:49
(211)
Ele sempre o viu aqui.
Ainda relativamente às posições de ocorrência deste advérbio existe outra
posição disponível para a interpretação temporal do advérbio sempre: a posição
final. Neste contexto, a marca de tempo e o tipo de predicado combinam-se de
forma a permitir ou não a frase com uma interpretação temporal.
Assim, com verbos estativos (estar) e eventivos (dizer) a posição final é
sempre possível, independentemente do tempo do verbo e da presença ou não de
negação frásica:
(212) a.
O João está / esteve / estava em casa sempre.
prolongando-se por diferentes intervalos de tempo.
49
A distinção de comportamento que aqui estamos a sugerir
- um elemento [-específico] na frase = interpretação temporal;
- só elementos [+específico] na frase = interpretação não-temporal;
em alguns casos pode parecer errada. Assim, em exemplos como os abaixo:
(i) O João sempre comprou o livro.
(ii) O João sempre comprou livros.
a presença em (ii) de um elemento [-específico] permite a interpretação temporal de sempre.
O inverso verifica-se em:
(i) O João sempre comprou os livros.
(ii) O João sembpre comprou o livro de matemática.
que dada a ausência de um elemento [-específico] na frase faz com que o sempre não obtenha
interpretação temporal, mas apenas de confirmação.
O exemplo (v):
(v) O João sempre comprou o livro de matemática na Livraria 111.
pode obter as duas interpretações. Assim, considerando o livro de matemática como um livro já
conhecido do sujeito enunciador a interpretação disponível só pode ser não-temporal. Se pelo
contrário considerarmos que o livro de matemática não corresponde a um livro único mas ao livro
que o João anualmente tem de comprar para a escola, então também a interpretação temporal é
possível, pois o NP passa a ter uma interpretação [-específico].
165
b.
(213) a)
b.
O João diz / disse / dizia a verdade sempre.
O João não está / esteve / estava em casa sempre.
O João não diz / disse / dizia a verdade sempre.
Com verbos processuais (gostar) a possibilidade do advérbio sempre
temporal ocorrer em posição final está dependente da presença de tempo presente
ou de pretérito imperfeito. Esta possibilidade não existe com o pretérito perfeito:
(214) a.
O João gosta de castanhas sempre. (a qualquer hora do dia)
b.
*?? O João gostou de castanhas sempre.
c.
O João gostava de castanhas sempre. (a qualquer hora do dia)
Além disso, a presença de negação na frase também permite a interpretação
temporal de sempre em posição final com todos os tempos verbais analisados.
(215) a.
O João não gosta de castanhas sempre.
b.
O João não gostou de castanhas sempre.
c.
O João não gostava de castanhas sempre.
Com um verbo utilizado numa interpretação de genérico/estado a posição
final é possível com ou sem negação com qualquer tempo verbal:
(216) a.
166
O João come / comeu / comia morangos sempre.
b.
O João não come / comeu / comia morangos sempre.
O mesmo comportamento não se verifica quando o verbo comer ocorre com
diferentes tipos de complementos. Neste caso, sempre só tem interpretação
temporal em frases afirmativas se for precedido de uma pausa50. Quando o NP
complemento é indefinido a interpretação temporal é possível mesmo sem a pausa
a anteceder o advérbio.
No caso das frases com negação é sempre possível uma interpretação
temporal, à excepção do caso em que o NP é definido.
(217) a.
?O João come bolos sempre.
(ele come (vários) bolos em todas as ocasiões)
b.
?O João come bolo sempre.
(ele come (um pedaço) bolo em todas as ocasiões)
c.
*O João come o bolo sempre.
d.
O João come um bolo sempre.
(218) a.
O João não come bolos sempre.
b.
O João não come bolo sempre.
c.
??*O João não come o bolo sempre.
d.
O João não come um bolo sempre.
(- às vezes come mais do que um bolo;
- às vezes come fruta)
5.2.1. Sempre e tempo
167
Como nos foi dado observar em 5.2. várias questões se colocam quanto às
condições que regulam a distribuição do advérbio sempre.
Considerando sempre em contexto pós-verbal, constatamos que esta não é
uma posição onde o advérbio possa ocorrer livremente como parecia sugerir-se na
secção anterior:
(219) a.
*O João compra sempre o livro.
b.
*O João comprou sempre o livro.
c.
*O João comprava sempre o livro.
(220) a.
O João compra sempre livros.
b.
??O João comprou sempre livros.51
c.
O João comprava sempre livros.
Como mostram os dados de (219) e (220) a possibilidade de ocorrência em
posição pós-verbal do advérbio em análise não é incondicional. O contraste
verificado entre (219) e (220) baseia-se essencialmente na diferente natureza dos
complementos verbais. Em (219) o complemento específico singular torna
agramatical as construções em que ocorre, independentemente do tempo
morfológico que o verbo exibe. Pelo contrário, em (220) a ocorrência de um
complemento verbal não específico produz construções gramaticais. Os dados de
50
A colocação dos advérbios em português é bastante livre e na maioria dos casos muitas posições
são possíveis se o advérbio estiver “separado” da frase por vírgula(s).
51
Uma das principais dificuldades quando se trabalha com advérbios, numa língua bastante
flexível em termos de ordem frásica, tem a ver com os juízos de gramaticalidade. Concretamente
com o advérbio sempre, as dificuldades são superiores quando consideramos que podemos obter
duas interpretações perfeitamente possíveis e gramaticais mas completamente opostas.
168
(220) também levantam a questão de perceber porque é que a combinação de
pretérito perfeito com o advérbio sempre resulta numa frase mais marcada.
Se considerarmos agora distintos predicados verbais, constataremos que a
natureza semântica destes também influencia a interpretação da frase:
(221) a.
O João gosta sempre de castanhas.
b.
O João gostava sempre de castanhas.
c.
O João gostou sempre de castanhas.
Com predicados processuais como gostar, embora as frases sejam gramaticais
com os vários tempos morfológicos considerados, a verdade é que a interpretação
temporal obtida é diferente da resultante em construções de predicados eventivos
(Cf.(220)). Com um verbo como comprar o advérbio sempre toma como escopo
todos e cada um dos possíveis eventos de comprar52. Pelo contrário, com verbos
como gostar, que designam espaços/períodos de tempo e não momentos pontuais,
o advérbio tem como escopo qualquer espaço/período de tempo ao qual se aplica
o predicado. A diferença de interpretação que o advérbio sempre obtém com um
predicado como comprar e um predicado como gostar depende da diferente
extensão dos ‘momentos’ considerados.
Além da diferença semântica dos predicados envolvidos, também os vários
tempos morfológicos interferem na interpretação temporal do advérbio.
Considerando um predicado como comprar, a variação do tempo do verbo apenas
altera a perspectiva relativamente ao evento de comprar. Se usamos o presente,
52
De notar que as frases em (220) melhoram se lhes acrescentarmos um constituinte como “nas
férias”.
169
tipicamente, temos uma caracterização genérica dos hábitos do João; com o
pretérito perfeito obtemos uma caracterização definida de um dado estado de
coisas no passado e o pretérito imperfeito resulta sempre numa descrição de
hábitos de um tempo passado. Quando, porém, se considera um predicado como
gostar também a interpretação está dependente dos vários tempos morfológicos.
No presente obtemos uma interpretação que caracteriza o sujeito por gostar de
castanhas (em qualquer circunstância); com o pretérito imperfeito faz-se uma
caracterização idêntica do sujeito situada no passado; com o pretérito perfeito o
facto de o processo designado pelo verbo se situar num passado já concluído
permite uma interpretação ambígua onde se pode considerar todos os períodos de
tempo passados e acabados ou todos os momentos passados tomados como um
conjunto.
Abstraindo-nos de todas as conclusões a que nos permitem chegar os
dados acima, podemos assentar em alguns pontos:
1º - a interpretação do advérbio resulta da interacção que este estabelece
com o tempo morfológico;
2º - a interpretação temporal do advérbio está dependente da relação que
se mantém entre a natureza semântica do tempo morfológico e a natureza do
complemento nominal do verbo;
3º - a natureza semântica do predicado verbal também é responsável pela
variação na interpretação temporal.
O nosso objectivo neste momento é descobrir quais as condições
estruturais necessárias à interpretação temporal que, como vimos, caracteriza este
advérbio.
170
Se a análise que apresentámos em 4.2.1. é plausível e correcta, então
sempre como advérbio de tempo deve ser gerado próximo do VP. Por outro lado,
este é um advérbio que apresenta restrições ao tempo morfológico o que
aparentemente nos poderia levar a assumi-lo próximo da projecção funcional T,
uma vez que só aí é possível verificar traços morfológicos de tempo. Mas esta
hipótese também não é suficiente. Como constatámos, as restrições impostas por
sempre não se verificam apenas nos aspectos temporais morfológicos mas
estendem-se também aos semânticos. Então como explicar todas estas nuances tão
variadas ?
Com base nas observações feitas, são duas as hipóteses que se nos
apresentam:
- aceitar que sempre é basicamente gerado em Spec de TSP (cf.Ambar
(1996));
- assumir, com os autores citados no capítulo 3. (por exemplo
Pollock(1989), Ambar (1989), Belletti (1990)), que este advérbio é gerado junto
do VP.
Consideremos a primeira hipótese.
Dada a análise desenvolvida em 4.2.1., a primeira questão que se coloca é
a de saber se continuamos a aceitar que os advérbios são cabeças, e então sempre
em TSP seria cabeça, ou se pelo contrário aceitamos que alguns advérbios podem
ser projecções máximas, entre os quais incluiríamos sempre. Uma das
observações feitas em 4.2.1. sobre o comportamento de sempre dizia respeito ao
facto de este ser o único advérbio da quarta classe de advérbios (à qual pertencem
também ontem, frequentemente, etc.) que apresentava um comportamento
171
distinto de todos os outros. Se considerarmos agora a possibilidade de haver
advérbios basicamente gerados como projecções máximas então talvez o estranho
comportamento de sempre em 4.2.1. se devesse ao facto de o estarmos a
considerar cabeça quando deveria ser considerado XP. Por outro lado, se
continuamos a aceitar que é em TSº que se encontram os traços morfológicos de
tempo que o verbo tem que verificar, podemos talvez considerar este facto como
argumento a favor da geração básica de sempre em Spec de TSP. Resumindo, a
única possibilidade de sempre ser gerado em TSP é a de ser gerado na posição de
Spec.
Se, por um lado, a hipótese de gerar o advérbio em análise em TSP pode
ser um meio para explicar a relação que se estabelece entre o advérbio e os
diferentes tempos morfológicos, como explicar as restrições verificadas entre o
advérbio e o complemento nominal do verbo?
Para responder a esta questão podemos assumir com Ambar (1996) que da
mesma forma que a estrutura da frase comporta duas projecções AGR, uma de
sujeito (AgrSP) e uma de objecto (AgrOP), também o tempo tem duas posições na
estrutura: TSP, tempo sujeito, e TobP, tempo objecto. Basicamente o que as
distingue, segundo a autora, é que TSº é responsável pela verificação de traços
morfológicos de tempo, enquanto Tobº é responsável pelas marcas de tempo
intrínsecas do verbo. Por isso, é lógico assumir com a autora que em LF (onde são
interpretadas as estruturas) os dois tempos têm de estar ligados para que haja
convergência.
Para dar conta das estruturas de (220) em que o advérbio sempre ocorre
em posição pós-verbal temos ainda de assumir que existe movimento do sujeito da
posição de especificador de VP, onde é gerado, para Spec de AGRS onde verifica
172
traços de caso. Relativamente ao NP objecto, a posição que ocupa nas construções
de (220) não aponta, pelo menos aparentemente, para a necessidade de haver
movimento para fora do VP. Além disso, e de acordo com Diesing (1992), como
referimos em 4.2.1., apenas os NP’s objecto específicos precisam de sair do VP.
Não havendo motivação para o movimento do NP objecto para AGRO fica a
questão de saber se haverá motivação para AGRO se projectar na estrutura, como
Chomsky (1995) sugere.53
Considerando então a geração básica de sempre em Spec de TSP podemos
facilmente derivar as estruturas de (220) . O movimento do sujeito para Spec de
AgrSP é motivado pela necessidade de verificar traços de caso fortes.
Posteriormente o verbo move-se para verificar os traços morfológicos de tempo
em TSº e sobe, depois disso para verificar os traços [+V] de AGRS. Duas
questões se colocam:
- como explicar que as estruturas de (219) não sejam igualmente
gramaticais ?
- como explicar que, do paradigma de (220), apenas a frase com pretérito
passado seja marginal ?
Relativamente à primeira questão, e após análise atenta das estruturas de
(219) por oposição às de (220), parece-nos que o motivo da agramaticalidade de
todas as construções se deve à presença de um complemento de V
[+específico/+singular]. Na realidade a interpretação que o advérbio temporal
sempre possui define-se, não por remeter para momentos específicos como os
53
Também Ambar (1996), em nota de rodapé, se questiona relativamente à necessidade de
assumir a existência de AGR na frase.
173
advérbios ontem, hoje ou amanhã fazem, mas antes por incorporar uma ideia de
tempo genérico (todos os momentos em geral e nenhum em particular).
De acordo com a proposta de Ambar (1996) que referimos, a relação entre
TSº e Tobº passa pela partilha de traços entre as duas categorias. Assim, sendo
Tobº marcado semanticamente pelo traço [+/- event], a estrutura só converge em
LF se ambos os nós tempo (Tobº e TSº) tiverem traços compatíveis. Como se
verifica essa partilha? A ideia parece muito simples. No fundo tudo se resume ao
movimento do V que, ao sair do VP com o objectivo de verificar, em proveito
próprio, traços morfológicos de tempo em TSº, passa ‘ciclicamente’ pelas cabeças
intermédias, passando, assim, por Tobº.
Por sua vez os NP’s objecto (DP’s) podem ser mais [+/-específico]. Se
forem [+específico] devem subir para [Spec, TO], no espírito de Diesing (1992).
Se forem [-específico] ficam in situ. Quando o NP (DP) específico está em [Spec,
TO] verificará o traço [+específico] do verbo eventivo que subiu para a cabeça
Tobº. O resultado será que o verbo eventivo terá então um traço de especificidade
verificado, comportando-se assim como um verdadeiro verbo eventivo. Após
posterior movimento para TSº, para verificar os traços de tempo morfológico, esta
cabeça verbal com um traço [+específico] encontrar-se-á com os traços de TSº
que poderão ou não incluir traços do mesmo tipo. Um pretérito perfeito simples,
por exemplo, tem um traço de especificidade, pelo que não há conflito com o
verbo eventivo que subiu para TSº depois de passar por Tobº cujo Spec tem um
NP específico. Se, porém, o tempo for o infinitivo não-flexionado, não há tal
traço, o verbo eventivo, com traço específico identificado, entra em conflito com
o estatuto [-específico] do infinitivo. O resultado é que a estrutura rebenta. Um
174
verbo estativo, ou um verbo eventivo com complemento genérico - neste caso não
tendo o traço [+específico] em Spec de Tobº, o verbo eventivo acaba por se
comportar como estativo dado que o seu traço [+estativo] não foi identificado não entrarão em conflito e a estrutura resultante será bem formada.
Finalmente, quando a estrutura resultante for interpretada em LF se TSº,
tendo sempre ([-específico])54 como seu especificador, e Tobº for também [-
específico] a estrutura é interpretada e tudo acaba bem. Se, pelo contrário, no
momento da interpretação Tobº for [+específico] e TSº [-específico] a frase não é
interpretada e rebenta. Este é o caso do paradigma (219).
(222)
AgrSP
AgrS’
NP k
O João
TSP
AgrSº i
compra
SPEC
+ eventivo
+ especif
sempre
+eventivo
-especif.
TS’
AgrOP
TSº i
[-especif.]
SPEC
AgrO’
AgrOº
(...)
Estou a considerar sempre como [-específico] dado o seu estatuto de operador universal. Com
efeito, podemos aproximar sempre do presente e dos verbos estativos que, com o seu valor
temporal genérico, denotam um qualquer e todos os intervalos de tempo, e não um ou um conjunto
de intervalos de tempo particular/específico.
54
175
TobP
Tob’
SPEC i
livros
VP
Tobº j
[-especif.]
SPEC
tk
V’
Vº
NP
tj
ti
O problema agora coloca-se relativamente a (220b).
Dado que todos os exemplos deste paradigma apresentam objectos
genéricos, a causa de má formação só pode ser a presença de um tempo
morfologicamente forte: o pretérito perfeito. Para resolvermos este problema
teríamos, talvez, que imaginar que o facto de o advérbio ocorrer entre o verbo
(possuidor neste momento das marcas morfológicas de tempo forte) e o Tobº seria
impedimento para o operador Tempo, acopulado ao verbo, ligar o tempo objecto.
Esta ideia contudo não parece fazer sentido porque, mesmo que assim fosse,
também não daríamos conta da possibilidade de serem gramaticais frases com
tempos morfologicamente fracos, como o presente e o pretérito imperfeito.
Vamos então testar a segunda hipótese referida algumas páginas atrás.
De acordo com essa hipótese, e de acordo com a maioria dos autores
citados, os advérbios são, na generalidade, gerados próximo do VP.
Com base nas observações que apresentámos sobre o sempre e as
restrições que impõe, apenas aceitando objectos [-específico], vamos admitir que
o sempre em vez de ser basicamente gerado em Spec de TSº, onde existe
informação de tempo morfológico, é, pelo contrário, gerado em TobP, onde
176
residem informações de carácter semântico. Admitamos, ainda, que sempre, tal
como já propusemos para outros advérbios em 4.2.1., é uma cabeça. Neste caso,
temos sempre basicamente gerado em Tobº. No fundo é ele que possui as marcas
de genericidade que impõe quer ao predicado quer ao complemento desse
predicado.
Agora vamos testar o comportamento das estruturas.
Relativamente ao comportamento dos complementos nominais do verbo
podemos, em princípio, manter a ideia de que existe a necessidade de movimento
do NP objecto para Spec de Tobº para que seja verificado o traço de [+específico]
desse NP. Aliás, agora até parece fazer mais sentido tal movimento pois, em
resultado dele, o NP objecto estabelece uma relação Spec-Head-Agreement com o
elemento que lhe impõe restrições de genericidade: sempre.
No que respeita ao movimento do verbo, poderíamos pensar num
movimento deste para uma posição de adjunção ao advérbio. Mas esta hipótese
pode ter consequências negativas, na medida em que, para ser possível o
movimento posterior do verbo para TSº e para AgrSº, é necessário destruir uma
categoria que se formou em resultado do primeiro movimento do verbo para junto
do sempre.55 Vamos, pelo contrário, assumir que o movimento do verbo se faz a
partir do VP para a cabeça sem conteúdo lexical mais próxima. Se não se
projectar AgrOº, a cabeça mais próxima será TSº. Aí, o verbo verifica os seus
traços morfológicos e segue para AgrSº.
Posterior ao movimento do verbo ocorre, necessariamente, o movimento
de sempre para que os dois tempos estejam ligados em LF.
177
A distinção entre as estruturas com presente e com pretérito imperfeito e
as estruturas com pretérito perfeito passa pela assunção de que um tempo forte é
um tempo com estatuto de operador.
Quando estamos perante tempos fracos o movimento do sempre tem como
alvo a primeira posição livre que é TSº . Além disso, este movimento é necessário
para que os dois nós tempo estejam ligados. Não havendo marca morfológica de
tempo forte, o advérbio vê-se obrigado a subir - de certo modo ocupa um lugar
vazio - para haver convergência dos dois tempos em LF. E assim, quando temos
presente e imperfeito obtemos frases boas como (220a) e (220c). Quando o tempo
é forte, quando tem estatuto de operador, como é o caso do pretérito perfeito, o
movimento do sempre para TSº é bloqueado porque essa posição está ocupada
por outro operador [+T].56
Deste modo explicamos a impossibilidade de (220b).
(223)
AgrSP
AgrS’
NP k
O João
TSP
AgrSº j
compra
[+ event]
SPEC
TS’
AgrOP
TSº l
.
sempre
- especif
+ event
SPEC
AgrO’
AgrOº
55
(...)
Embora a ideia de incorporação de Baker (1988) possa ser interpretada como aplicável apenas a
categorias sem realização lexical, i.e. categorias funcionais como AGR e Infl por exemplo, o certo
é que não está explícito que assim seja.
56
Cf. Ambar (1996)
178
TobP
Tob’
SPEC i
livros
Tobº
[-especif]
tl
VP
SPEC
tk
V’
Vº
NP
tj
ti
Na secção seguinte veremos as implicações das nossas hipóteses na ordem
que este advérbio permite.
5.2.2. Sempre e ordem
Como observámos em 5.2. outro dos factores importantes para a
interpretação do sempre é a ordem na frase, nomeadamente a posição de sempre
relativamente ao verbo.
Se, como vimos em 5.2.1., com sempre em posição pós-verbal a
gramaticalidade da frase depende dos elementos que ocorrem na estrutura predicado verbal, complemento nominal, tempo morfológico -, quando o advérbio
ocorre em posição pré-verbal, desses elementos depende não só a gramaticalidade
mas também a interpretação temporal ou não-temporal de sempre:
(224) a.
b.
O João sempre compra o livro.
(interpretação não-temporal)
O João sempre comprou o livro.
(interpretação não-temporal)
179
c.
(225) a.
??/*O João sempre comprava o livro.
O João sempre compra livros.
(interpretação não-temporal)
b.
O João sempre comprou livros.
(1ª interpretação: temporal)
c.
O João sempre comprava livros.
(interpretação não-temporal)
De facto, por oposição a (219) e (220) de 5.2.1., os contrastes em (224) vs. (225)
acima parecem apontar para algumas das condições que possibilitam ou
impossibilitam uma interpretação temporal ou uma interpretação não-temporal.
Ao contrário do que observámos no ponto anterior, a presença de um
complemento verbal específico não torna agramaticais as frases, mas exclui
qualquer possibilidade de interpretação temporal com o advérbio sempre, neste
caso em posição pré-verbal. Pelo contrário, a presença de um complemento
genérico permite a interpretação temporal desde que a ele se associe o verbo no
pretérito perfeito. Quando, pelo contrário, o verbo ocorre num tempo diferente
deste a única interpretação disponível é a não-temporal. De salientar que a
presença simultânea do advérbio em posição pré-verbal e do verbo no pretérito
perfeito desencadeia em primeiro lugar uma interpretação temporal, mas não
exclui uma interpretação não-temporal.
Relativamente a construções com sempre em posição pré-verbal e com
predicados processuais (gostar), as alterações de interpretação a que o predicado
parecia ser sujeito em 5.2.1., para que as frases fossem possíveis com
interpretação temporal, não se verificam aqui:
180
(226) a.
O João sempre gosta de castanhas.
b.
O João sempre gostava de castanhas.
c.
O João sempre gostou de castanhas.
À semelhança do que acontece com um verbo como comprar, também com gostar
a posição pré-verbal altera a interpretação da frase. Com o verbo gostar o presente
e o imperfeito associados à posição pré-verbal do advérbio resultam numa
interpretação em que se confirma o facto de o João gostar ou ter gostado de
castanhas no passado. Pelo contrário, com o pretérito perfeito a primeira
interpretação é temporal. A segunda interpretação, um pouco marginal, com o
pretérito perfeito é idêntica à que se obtém com os outros tempos verbais,
confirmando-se que o João gostou, no passado, de castanhas.
Parece então que estamos perante algo novo relativamente aos dados e às
interpretações de 5.2.1.. A novidade introduzida neste ponto consiste
principalmente numa nova interpretação para um mesmo advérbio. De facto, o
significado principal deste advérbio é claramente de tempo como constatámos
atrás, mas em posição pré-verbal ele também pode transmitir uma informação de
confirmação. Em suma, o que distingue as duas interpretações é a marcada
presença de tempo na primeira e a completa ausência de tempo na segunda.
Assumindo a posição que defendemos no ponto anterior temos
necessidade agora de acrescentar algumas ideias à proposta inicial.
Para dar conta dos casos em que o sempre ocorria em posição pós-verbal
e onde apresentava apenas uma interpretação temporal, defendemos que era
basicamente gerado em Tobº. Tínhamos argumentos de ordem semântica, de
181
imposições que o advérbio fazia ao complemento do verbo, que faziam muito
mais sentido se o advérbio fosse realmente gerado nessa posição.
Neste momento, e dado que continuamos a analisar o mesmo advérbio,
parece-nos correcto manter a mesma hipótese: sempre é basicamente gerado em
Tobº.
O que se altera agora é que sempre, admitindo como em 5.2.1. que é
gerado em Tobº, se move para TSº, para que os dois tempos estejam ligados em
LF, mas aparentemente move-se para além de TSº. Porquê e para onde?
O que é curioso constatar é que com o presente e o imperfeito sempre
podia obter uma interpretação temporal, ocorrendo em posição pós-verbal, o que
se verificou impossível com o pretérito perfeito. Agora, com sempre em posição
pré-verbal, o pretérito perfeito é o único que mantém a possibilidade de uma
interpretação temporal, além da não-temporal. Isto significa, que o único caso em
que o sempre não podia ter interpretação temporal é agora o único em que pode
ter tal interpretação. De certa forma encontramos um complemento ao
comportamento verificado com o tempo. Sempre possui valor temporal e nãotemporal com todos os tempos morfológicos, o que varia é o modo e o local onde
isso é conseguido.
Relativamente à segunda interpretação disponível para o sempre, parece
unanimemente aceite que a informação veiculada é de afirmação.
Assim sendo, vamos assumir com Laka (1990), e Martins (1995),
nomeadamente, que existe na estrutura da frase uma projecção onde se localizam
elementos de afirmação e/ou de negação, sendo essa a posição indicada para o
sempre não-temporal: ∑º.
182
Vejamos como se articula esta nova assunção com a proposta anterior.
Como observámos no ponto anterior, a geração básica do advérbio em
Tobº assumia também o seu movimento para TSº permitindo a ligação dos dois
tempos (TSº e Tobº). Tal movimento só era excluído se TSº já estivesse ocupado
por outro operador ([+T]).
Para continuarmos a assumir a geração básica em Tobº, como parece
coerente e desejável, temos que motivar o movimento posterior do advérbio para
essa posição mais alta. Admitindo, como anteriormente que o advérbio é um
operador, podemos pensar que por essa razão, num dado momento, ele tem que
ocupar uma posição em que domine toda a frase, subindo por isso até ∑. Mas se
assim fosse, as estruturas analisadas no ponto anterior deveriam ser agramaticais
pois se este movimento se efectuasse, a ordem seria outra. A solução não pode ser
esta.
Voltando um pouco mais atrás, no ponto 4.2.1., assumimos a existência de
uma posição na estrutura da frase, acima de todas as outras posições funcionais, e
que, caso fosse marcada com um traço [+α], era responsável pelo movimento dos
advérbios na frase.57
Neste momento, para as estruturas com o advérbio sempre em posição
pré-verbal talvez possamos fazer uma proposta idêntica. No caso presente não se
verifica, de facto, uma apreciação do sujeito da enunciação. Porém, há uma
confirmação da frase que só fará sentido sendo feita por alguém exterior ao evento
expresso pela predicação: o sujeito enunciador. Assim, e independentemente de o
traço relevante aqui ser [+α] ou outro, vamos assumir que a posição envolvida na
183
descrição de 4.2.1.(alvo do movimento dos advérbios) e nos exemplos com
sempre que aqui estamos a tratar é ∑.
Deste modo, nas estruturas em que o sempre apenas ocorre em posição
pós-verbal em ∑ não está activado o traço que o sempre tem de verificar e por
isso só há motivo para sempre subir até TSº.
Quando o sempre ocorre em posição pré-verbal, como nos paradigmas
(224), (225) e (226), o que se verificou foi o movimento, normal, de sempre até
TSº e um movimento posterior para verificar o traço forte de ∑.
57
Como referimos no ponto 4.2.1., a ocorrência dos advérbios em posição pré-verbal ou inicial era
prova de que uma dada projecção estava marcada com um traço [+α] de avaliação do sujeito da
enunciação.
184
∑P
(227)
∑‘
SPEC k
∑º l
O João
AgrSP
sempre
SPEC k
AgrS’
TSP
AgrSº j
compra
TSP
SPEC
TS’
TSº l, j
AgrOP
SPEC
AgrO’
AgrOº
TobP
TobP
Tob’
SPEC i
livros
Tobº
t
l
VP
NP suj.
tk
V’
Vº
NP obj.
tj
ti
Como explicar então a perda de informação temporal pelo movimento de
sempre para ∑ quando temos presente e imperfeito? Como explicar também que
185
no caso do pretérito perfeito seja impossível a posição pós-verbal e que sejam
possíveis a interpretação temporal e não-temporal em posição pré-verbal?
Relativamente à primeira questão, podemos facilmente explicar esse
comportamento dadas as assunções já feitas.
Aquilo que dissemos relativamente à ligação dos dois tempos foi que em
LF eles têm que estar ligados (Cf. Ambar (1996)). Assumindo como fizemos que
o movimento de sempre para TSº serve o objectivo de ligar os dois tempos, temos
de assumir, neste momento, que em LF pode haver apenas vestígios do
movimento de um elemento de tempo nas posições de TSº e de Tobº. O facto de
se perder a interpretação temporal quando o advérbio está acima de TSº deve-se
então à ausência de um elemento forte de tempo em TSº.
No que respeita ao caso do pretérito perfeito, vimos que a impossibilidade
de sempre ocorrer em posição pós-verbal se devia à presença nessa posição de
outro elemento forte: o operador [+T]. Deste modo, entendemos agora o porquê
das duas interpretações em posição pré-verbal.
Tal como com os outros tempos morfológicos, podemos ter ∑ marcado
com um traço forte obrigando ao movimento de um elemento (o sempre) para o
verificar; e obtemos a interpretação não-temporal.
Mas quando o tempo morfológico é pretérito perfeito, porque TSº está
ocupado por [+T], o advérbio segue à procura de uma posição livre na estrutura
até encontrar ∑.
186
∑P
(228)
∑‘
SPEC k
∑º l
O João
AgrSP
sempre
SPEC k
AgrS’
TSP
AgrSº j
comprou
TSP
SPEC
TS’
TSº j
AgrOP
[+T]
SPEC
AgrO’
AgrOº
TobP
*
TobP
SPEC i
livros
Tob’
Tobº
t
l
VP
NP suj.
tk
V’
Vº
NP obj.
tj
ti
Em resumo, com o pretérito perfeito podemos obter interpretação
temporal, porque existe um elemento de tempo forte em TSº. Quando obtemos
187
informação não-temporal o sempre ocorre em ∑ para poder verificar o traço forte
desta categoria. Não podemos nunca ter o mesmo item com duas interpretações.
Na secção seguinte vamos observar as restrições que sempre impõe à
distribuição dos clíticos.
5.2.3. Sempre e clíticos
Outro fenómeno importante a considerar na análise de sempre é o
comportamento dos clíticos:
(229) a.
O João compra-lhe sempre flores.
b.
O João sempre lhe compra flores.
c.
O João não lhe compra sempre flores.
d.
O João nem sempre lhe compra flores.
e.
O João sempre não lhe compra flores.
(230) a.
O João sempre lhe comprou flores.
b.
O João nem sempre lhe comprou flores.
c.
O João sempre não lhe comprou flores.
Como podemos constatar pela análise de (229) e (230) a presença de
sempre na frase não é o condição suficiente para desencadear próclise, pelo
contrário a presença de sempre em posição pré-verbal (cf. (229b) e (220a)) parece
ser. Pela observação do exemplo (229c) podemos não só confirmar o efeito que a
188
posição do sempre tem sobre os clíticos, como também podemos constatar que a
negação tem acção idêntica na sintaxe dos clíticos, a par da posição pré-verbal de
sempre, desencadeando a próclise.
De acordo com a assunção, amplamente discutida na literatura, de que os
clíticos se fixam num elemento verbal a questão que também aqui colocamos é
saber por que motivo na presença pós-verbal de sempre temos a ordem V + cl e
na presença de sempre pré-verbal a ordem se altera passando a cl + V.
De acordo com a nossa proposta de sempre ser basicamente gerado em
Tobº, as posições onde se pode dar o encontro do clítico com o verbo têm de ser
superiores a Tobº. Além disso, temos que considerar também que na proposta
apresentada o sempre se move para ligar os dois tempos da estrutura, deixando
por isso de ocupar Tobº, passando para TSº. No entanto, como referimos, a
mudança do sempre para TSº não acarreta uma mudança da ordem superficial
relativamente ao verbo pois consideramos o movimento do verbo para AgrSº.
De acordo com a análise de Duarte e Matos (1994) a posição envolvida na
cliticização é uma cabeça funcional com um traço de caso forte.58 Pelas
características nominais e por possuir propriedades de concordância, as autoras
defendem que essa posição deve ser uma posição AGR, nomeadamente AGRO. A
proposta das autoras tem por base a análise dos clíticos de Belletti (1993).
Assim, relativamente aos clíticos do português, Duarte e Matos defendem
que a ênclise é o padrão não marcado nesta língua e é derivado por princípios de
economia da gramática. Neste sentido, e considerando que AGRO é uma
categoria com traços [V] e [N] fortes, motivam o movimento do clítico para
189
verificação do traço nominal e o do verbo para verificação do traço verbal da
referida categoria.
Dado o carácter Xº do clítico, assumem as autoras que em resultado do
movimento o clítico se incorpora na cabeça funcional. Posteriormente, o verbo ao
subir adjunge-se a AGRO criando, deste modo, o complexo V + cl. Finalmente, o
complexo criado em AGRO move-se na sintaxe para verificar outros traços-V
fortes.
(231) derivação (27) de Duarte e Matos (1994)
AgrSP
DP
AgrSP
AGRS
(...)
T
AGRO
Ele
AGRS
T
V
AGRO
leu
o
Relativamente à ordem proclítica, a opinião das autoras é que se trata de
um movimento de último recurso que provoca a exclusão da estrutura se não se
efectuar.
Admitindo a exigência de uma relação Head-Complement e Spec-Head
entre os elementos tipo operador e uma projecção alargada de V, a análise das
58
De acordo com a análise destas autoras, os clíticos possuem na sua matriz lexical um traço de
caso. É este traço que permite o seu movimento para verificar traço correspondente numa
projecção funcional.
190
autoras apresenta um movimento do clítico para uma posição onde antecede o V
depois do movimento do complexo V+cl para AGRS. Deste movimento resulta
que nenhum elemento lexical intervém entre o verbo e T.
(232) derivação (38b) de Duarte e Matos (1994)
CP
Cº
AgrSP
DP
AgrSP
AGRS
(...)
CL
AGRS
T
AGRO
V
que
os amigos
o
AGRS
T
AGRO
leram
Voltemos agora aos dados de (229) e de (230).
A aplicação da análise dos clíticos de Duarte e de Matos (1994), bem
como a de Rouveret (1996) que nela se inspira, aos dados de sempre permite-nos
manter a análise proposta nas secções anteriores. A nossa proposta assentava na
assunção de que sempre é gerado na base em Tobº e que, por razões de
verificação de traços de especificidade, o NP complemento se movia para Spec de
TobP. Relativamente à existência de AgrOP na estrutura, apenas referímos a
ausência de motivação para a sua presença. Assim, e dado que a razão apontada,
na nossa proposta, para o movimento do NP complemento nada tinha a ver com
verificação de traços de caso, a implementação da análise daqueles autores na
191
proposta não introduz problemas na explicação. Deste modo, podemos continuar a
assumir a existência de movimento do NP complemento para verificar o traço [+/específico] e admitir, com Duarte e Matos (1994), que posteriormente ocorre o
movimento do complemento nominal para verificar traços de caso em Spec de
AgrOP.
No que diz respeito aos movimentos de sempre, podem proceder-se de
forma regular. O advérbio sobe de Tobº para TSº para que os tempos estejam
ligados em LF. O complexo V + cl, segundo a análise referida acima, junta-se em
AgrOº e sobe para AgrSº. A ordem resultante destes movimentos será, em
superfície, V + cl + sempre (cf. (229a)).
(233)
AgrSP
NP
AgrS’
O João
AgrSº i
TSP
compra-lhe
SPEC
TS’
AgrOP
TSº j
sempre
AgrOP
SPEC
AgrO’
AgrOº
TobP
Vi
AgrOº
SPEC m
compra
lhe
flores
Tob’
Tobº
tj
192
VP
V
NP
ti
tm
Observemos agora o que sucede em estruturas onde sempre ocorre em
posição pré-verbal.
Como apontado em secções anteriores, independentemente de a
interpretação do sempre em superfície ser temporal ou não-temporal ele é gerado
sempre em Tobº. Quando ocorre em posição pré-verbal o que sucede é a
ocorrência de um movimento suplementar que o leva até ∑º para verificar um
traço forte desta categoria. A análise dos clíticos de Duarte e Matos (1994) pode
continuar a aplicar-se pois, como referímos, em estruturas com elementos tipooperador as autoras assumem a existência de um movimento de último recurso
que coloca o clítico numa posição precedente ao verbo. Assim, a estrutura
resultante de frases como (229c) será semelhante à representação (233) para a
estrutura (229a):
∑P
(234)
∑‘
SPEC
O João
∑º
sempre
AgrSP
SPEC
AgrS’
AgrSº
TSP
AgrSº
CL k
lhe
AGRO
AGRS
V
AGRO
compra
tk
193
TSP
SPEC
TS’
TSº
AgrOP
SPEC
AgrO’
AgrOº
TobP
TobP
Tob’
SPEC m
flores
Tobº
tj
VP
V
NP
ti
tm
Da mesma forma se pode aplicar a estruturas com negação (onde se
projecta PolP) e a estruturas que combinem negação e o advérbio sempre.
(235) O João sempre não lhe compra flores. (229e))
∑P
∑‘
SPEC
O João
∑º j
sempre
PolP
SPEC
Pol’
Polº
não
194
AgrSP
AgrSP
SPEC
AgrS’
AgrSº
TSP
AgrSº
CL k
lhe
AGRO
AGRS
AGRO
Vi
compra
tk
TSP
SPEC
TS’
TSº
AgrOP
SPEC
AgrO’
AgrOº
TobP
TobP
Tob’
SPEC m
flores
Tobº
tj
VP
V
NP
ti
tm
(236) O João nem sempre lhe compra flores. (229d))
195
∑P
∑‘
SPEC
∑º
O João
PolP
SPEC
Pol’
nem
AgrSP
Polº j
sempre
AgrSP
SPEC
AgrS’
AgrSº
TSP
AgrSº
CL k
lhe
AGRO
AGRS
AGRO
Vi
compra
tk
TSP
SPEC
TS’
TSº
AgrOP
SPEC
AgrO’
AgrOº
TobP
Tob’
SPEC m
flores
Tobº
tj
196
VP
V
NP
ti
tm
TobP
As derivações anteriores mostram que a proposta de Duarte e Matos
(1994) não apresenta problemas à proposta apontada por nós nas secções
anteriores deste trabalho. Isto não impede, porém, que se reflicta sobre as questões
que a análise das autoras levanta.
Relativamente à consideração de Duarte e Matos (1994) de que AGRO é a
cabeça envolvida na cliticização, dada a possibilidade de o clítico aí verificar o
seu traço de caso, poderíamos tentar combinar a análise daquelas autoras com a
nossa proposta, no sentido de mover o NP objecto apenas uma vez. Nesse caso,
poderíamos tentar movimentar o objecto apenas para uma das posições referidas
ou SPEC de TobP ou AgrOº. Se o movessemos apenas para SPEC de TobP não
teríamos motivação para o movimento subsequente do verbo para uma posição de
XP; se o movessemos para AgrOº, apenas, não poderíamos explicar como é que se
verificam as condições de especificidade entre o NP objecto e o advérbio sempre.
O que podemos de facto observar é que, se nas estruturas sem clíticos analisadas
nas secções anteriores o advérbio sempre impunha restrições de especificidade ao
NP complemento que tinha de ser, necessariamente, [-específico], o mesmo não
se verifica com os clíticos porque estes são [+específicos]. Talvez a motivação
para a existência das duas projecções resida exactamente nesta distinção.
A assumir as observações anteriores, teremos que admitir a existência de
movimento do NP complemento para SPEC de TobP quando ele, não sendo
clítico, tem de obedecer às restrições do advérbio sempre. Complementarmente,
temos de admitir que a presença de um complemento clítico invalida o seu
197
movimento para SPEC de TobP, movendo-se apenas para AgrOº.59
5.2.4. Sempre e negação
Um factor importante também a considerar na análise de sempre é a
relação que este advérbio estabelece com a negação. Aqui não interferem factores
de natureza semântica dos predicados nem dos seus complementos, apenas a
posição do advérbio e da negação.
(237) a.
O João não compra sempre livros.
b.
*O João não sempre compra livros.
c.
O João nem sempre compra livros.
(238) a
??O João não comprou sempre livros.
b.
*O João não sempre comprou livros.
c.
O João nem sempre comprou livros.
(239) a.
O João sempre não comprou livros.
59
Embora as observações que acabamos de fazer não se apliquem directamente aos dados que
apresentámos por estes conterem um clítico objecto indirecto, acreditamos, no entanto, que o
comportamento descrito se verifica quando só ocorre um clítico objecto directo. Além disso, se
observarmos o exemplo abaixo podemos constatar que a presença de um clítico, i.e., um elemento
específico, resulta na perda de interpretação temporal do advérbio.
(i)
O João sempre os leu. (O João sempre leu os livros que lhe ofereceste no Natal.)
(ii)
O João sempre os comprou. (O João sempre comprou os livros que lhe pedi.)
O que podemos daqui inferir é que a interpretação temporal de sempre está condicionada pela
existência de um elemento que concorde com a sua marcação de [-específico]. Por isso, não há
interpretação temporal com os clíticos, a não ser que outro elemento menos específico ocorra na
frase, por exemplo um predicado de processo como conhecer.
(iii)
O João sempre os conheceu. (O João conheceu-os toda a vida.)
É o que se verifica em (229d) onde flores não é específico.
Estes dados reforçam a nossa ideia de que o advérbio sempre é gerado na base em TOº.
198
b.
??O João sempre nem comprou livros.
c.
O João sempre comprou livros.
Consideremos o grupo (237) onde sempre tem interpretação temporal. O
que verificamos nestes exemplos é que com sempre na posição pós-verbal é
perfeitamente gramatical a co-ocorrência da negação com este advérbio. Em
posição pré-verbal, pelo contrário, a co-ocorrência também é possível mas apenas
se a forma de negação presente na frase em vez de não for nem. Relativamente ao
grupo (238) a marginalidade das estruturas em que co-ocorre a negação e o
advérbio em posição pós-verbal é esperada dada a proposta feita em 5.2.2..
Finalmente no grupo (239), verificamos que existe a possibilidade de combinar a
negação (não) e o advérbio em posição pré-verbal desde que este último não
apresente interpretação temporal e sempre preceda a negação. Como explicar
estes paradigmas ?
Relativamente ao caso de (233a) não se levantam grandes problemas. A
gramaticalidade é esperada uma vez assumida a análise de 5.2.2.. O advérbio
ocupa, normalmente a posição TSº para assegurar que há convergência dos dois
tempos em LF. A negação ocupa a sua posição, normalmente.60 No que respeita a
(237b), a agramaticalidade deve-se, nos dois casos, à disputa de uma só posição
por dois elementos distintos: negação e advérbio.
A agramaticalidade de (238a) não se deve à presença, propriamente dita,
da negação mas antes ao facto de o advérbio tentar ocupar uma posição ocupada:
Assumindo, como fizemos em 5.2.2., que ∑ é a posição onde ocorrem elementos de afirmação e
de negação, quando dizemos que a negação ocupa a sua posição normal estamos a pensar
exactamente em ∑.
60
199
TSº. O mesmo acontece em (238b) embora a posição em jogo seja outra. Neste
último caso, o advérbio ultrapassa TSº mas não pode ocupar ∑º porque essa
posição já está ocupada pela negação.
∑P
(240)
∑‘
SPEC k
∑º l
O João
AgrSP
não
AgrS’
SPEC k
TSP
AgrSº j
compra
*
TSP
SPEC
TS’
AgrOP
TSº l, j
sempre
SPEC
AgrO’
AgrOº
TobP
TobP
Tob’
SPEC i
livros
Tobº
t
l
VP
NP suj.
tk
200
V’
Vº
NP obj.
tj
ti
Dada a interpretação dos dados dos grupos (237) e (238), coloca-se uma
questão:
- por que razão podemos obter frases possíveis com o tempo presente e com o
advérbio sempre temporal em posição pré-verbal (cf.(237c))?
Relativamente a esta questão vamos começar por perceber como é que
temos nem a preceder sempre. Parece-nos que a única hipótese de permitir tal coocorrência é considerar que nem ocorre em ∑ mas não em ∑º. Nem é um elemento
de negação que, ao contrário de não, possui o estatuto de XP. Assim, a
convivência de dois elementos em ∑ é perfeitamente possível desde que eles se
distribuam pelas duas posições tecnicamente possíveis: ∑º e Spec de ∑P. Além
disso, deste modo podemos perceber porque é que a interpretação que obtemos
não é de negação frásica, mas antes de negação sobre o sempre, o elemento que
está sob o escopo directo de nem.
Contudo, se por um lado esta explicação parece natural dada a relação
entre nem e sempre, por outro levanta a questão de saber para onde se move o NP
sujeito. Como vimos nos pontos anteriores, a posição Spec de ∑P era a hospedeira
do sujeito. Mas neste momento tal não pode acontecer porque a posição já está
ocupada por nem.
Aparentemente temos duas hipóteses para prever esta ordem:
- ou aceitamos que quando Spec de ∑P está ocupado, o NP sujeito sobe para o
Spec de outra projecção mais alta;
- ou postulamos uma posição diferente de ∑ para a negação.
Relativamente à primeira opção, se o movimento do sujeito para Spec de
201
∑P facilmente se podia motivar admitindo que o ∑º tem traços [+N] para
verificar, o mesmo já não acontece se o sujeito se mover acima de ∑P.
Considerando agora a segunda opção poderemos postular, seguindo
Zannuttini (1994), a existência de uma projecção PolP (Polarity Phrase), acima de
NegP, onde ocorrem os elementos de polaridade quando os seus traços são fortes.
Assim, e contrariando o que defendemos para propor ∑P, temos que assuimir
diferentes naturezas para PolP e ∑P. Dado que sempre, hóspede privilegiado de
∑º traduz uma interpretação de confirmação, podemos talvez defender que ∑º
aceita elementos de confirmação e Polº de afirmação/negação.
Nesta nova hipótese podemos dar conta dos casos em que nem precede
sempre. Assim, e dado que, quando estes dois elementos ocorrem na ordem
referida, sempre mantém a informação temporal, podemos defender que nem, em
Spec de PolP, atrai o elemento temporal que ocupa(va) TSº. Desta atracção resulta
que sempre vai ocupar a posição Polº. Relativamente ao sujeito pode ocupar, da
mesma forma, a posição Spec de ∑P:
(241)
202
∑P
∑‘
SPEC k
∑º
O João
PolP
SPEC
Pol’
nem
AgrSP
Polº l
sempre
AgrSP
AgrS’
SPEC k
AgrSº j
TSP
comprou
(compra)
SPEC
TS’
AgrOP
TSº j
AgrOP
SPEC
AgrO’
AgrOº
TobP
Tob’
SPEC i
livros
Tobº
tl
VP
NP suj.
tk
V’
Vº
NP obj.
tj
ti
203
No que respeita ao caso em que o verbo ocorre no presente, a solução
agora proposta levanta um problema. Aquilo que dissemos nos pontos anteriores é
que quando temos presente, precisamos que o sempre ocupe a posição de TSº
para a frase convergir em LF. Neste momento, o que verificamos com a negação é
que o advérbio continua a cumprir a sua função de garantir a ligação dos dois
tempos mas, estranhamente, ocupa uma posição acima de TSº. Uma solução,
quanto a nós possível, é assumir que dado que a presença da negação em PolP
atrai o advérbio sempre da posição de TSº, este movimento cria uma cadeia em
que o advérbio continua a ligar os dois tempos.
A questão que subsiste diz agora respeito à ocorrência de sempre a
preceder a negação frásica (não).
Depois de assumirmos a co-existência de ∑P e PolP não há maneira de
não derivar a ordem advérbio + negação. Ocorrendo não em Polº o sempre pode,
naturalmente ocupar ∑º. Nesta posição sempre confirma a proposição que o
segue: confirma que o João não comprou livros.
Recordando que a presença de pretérito perfeito era condição necessária
para que sempre mantivesse a interpretação temporal, dada a interposição de não,
só podemos assumir que a presença de outro operador (negativo) interrompe a
cadeia de sempre, perdendo-se a leitura temporal.
Em resumo, podemos afirmar que, quando existe negação em PolP, o
sempre é atraído de TSº e ocupa Polº, onde é modificado por nem. Quando a
negação frásica ocupa Polº, sempre pode anteceder a negação mas nunca pode ter
interpretação temporal, i.e. quando se interpõe um outro operador, que não seja
temporal, entre o sempre e o tempo (ou entre o sempre e o seu vestígio) perde-se
204
a informação inicial de tempo.
Em resumo, os dados sempre constituem argumento a favor de várias
hipóteses já referidas na literatura.
As restrições que se verificam entre sempre e a semântica dos NP’s
complemento, dos predicados verbais e dos tempos morfológicos parecem ser
argumento forte a favor da ideia de Ambar (1996) de que existem duas projecções
tempo: TSP e TobP.
Por outro lado, e analisados os diferentes contextos onde a negação está
presente sob distintas formas, pensamos ter corroborado, com os dados do
português, a ideia de Zanuttini (1994) de que além de NegP existe também PolP
como posição para os elementos negativos.
No que respeita à proposta de Laka (1990), o sempre, tanto quanto parece,
pode constituir um dos elementos lexicais que, na sua proposta, Laka coloca em
∑º.
A análise que apresentámos, no contexto das propostas referidas, parece
apontar para a ideia de que os elementos lexicais, que de alguma forma intervêm
na predicação da frase, são gerados em posições mais baixas, sempre próximas do
V; dentro do VP os elementos nominais sujeito e objecto, e fora do VP os
elementos adverbiais.
205
206
6.
Conclusão
Da análise desenvolvida ao longo deste trabalho é agora possível destacar
e reunir alguns dos resultados mais significativos.
1) Em primeiro lugar, propusemos uma classificação dos advérbios que considera
cinco grandes grupos:
(i) o primeiro grupo caracteriza-se por restringir o constituinte que o
segue; unicamente, só, apenas são alguns exemplos desses advérbios;
(ii) o segundo grupo inclui advérbios com uma interpretação geralmente
orientada para o falante, mas podendo ter uma interpretação
alternativa, orientada para o sujeito da enunciação, em virtude da sua
posição de superfície em início se frase e pré-verbal; integram esta
classe
advérbios
do
tipo
de
cuidadosamente,
habilmente,
inteligentemente;
(iii) o terceiro grupo engloba os advérbios que mais directamente
modificam o complemento do verbo e que não podem ocorrer em
posições altas na estrutura, nomeadamente em posição inicial e em
posição pré-verbal; advérbios como mortalmente, completamente,
totalmente;
(iv) o quarto grupo reúne advérbios que tipicamente traduzem informações
relacionadas com o tempo morfológico ou com o tempo do evento, o
tempo de realização de um dado estado de coisas;
207
(v) finalmente, no quinto grupo concentram-se os advérbios que, por
excelência, transmitem a opinião do sujeito da enunciação, ocupam
preferencialmente as posições inicial e pré-verbal; são paradigmáticos
deste
grupo
advérbios
como
infelizmente,
certamente,
possivelmente.
2) Em segundo lugar, e relativamente à posição que estes advérbios ocupam na
base, podemos com base nessa nesta descrição afirmar que existem pelo menos
três grupos:
(i) - os que transmitem tipicamente a opinião do sujeito da enunciação,
tipo (v), - que ocorrem preferencialmente nas posições iniciais da frase
- são provavelmente numa posição αP que pode, eventualmente,
corresponder a ∑;
(ii) - os restantes, dado que podem ocupar posições mais baixas, são,
provavelmente, gerados acima do VP em TobP ou acima desta
projecção;
(iii) - aqueles que apenas restringem o significado do elemento que os
segue serão naturalmente gerados junto desse constituinte ou em
adjunção a ele.
3) Em terceiro lugar, no que respeita à interacção dos advérbios com outros
fenómenos da gramática, - nomeadamente no caso paradigmático do sempre a descrição e a análise que desenvolvemos permitiram-nos observar que:
208
(i) - a posição relativa do advérbio e da negação favorece a análise de
Laka (1990) que postula a existência de ∑P e aponta no sentido de que
provavelmente existe outra projecção para a informação de polaridade,
PolP, como proposto por Zanuttini (1994);
(ii) - a interação sintáctica e semântica observada entre os predicados
verbais, os complementos nominais e os tempos morfológicos,
evidenciada pelas diferentes ordens de superfície, parecem comprovar
a proposta de Ambar(1996) de que existe uma posição TOP na
estrutura da frase interagindo com o tempo morfológico (TSP), com
propriedades do verbo e da determinação/quantificação do objecto.
Nesta análise o assim chamado Aspecto não é mais do que o resultado
da interacção destas categorias, nos termos propostos.
(iii) - a influência que advérbios tipo operador como sempre parecem
exercer sobre os NP’s clíticos apoia a análise de Duarte e Matos
(1994) segundo a qual a ordem ordem básica dos clíticos em
português é a ênclise, sendo a próclise um processo mais custoso para
gramática que se aplica para salvar uma estrutura, nomeadamente na
presençã de operadores.
Finalmente, as propostas aqui feitas,relativamente aos advérbios em geral
e ao advérbio sempre em particular, parecem-nos constituir mais um passo no
sentido de um entendimento das complexas mas interessantes questões que este
aspecto da gramática põe à teoria linguística.
209
Outros advérbios, a que podemos chamar polivalentes, faziam inicialmente
parte do nosso objecto de estudo: bem, mal, cá, lá, logo, ainda, já. O esquema de
análise que lhes aplicámos foi o utilizado para sempre. À medida que o trabalho
prosseguia, novos fenómenos gramaticais iamsendo implicados, pelo que nos
impusemos a delimitação do objecto de estudo a um só advérbio: sempre. No
entanto, depois de várias reflexões sobre aqueles advérbios, pensamos que, com
alterações que dizem respeito mais às categorias intervenientes do que à rede de
relações que entre elas se estabelecem e do que à aparelhagem conceptual que as
serve, estudando-as; a análise apresentada para sempre é um exemplo do que
gostaríamos de fazer para os outros advérbios.
Tomando como exemplo, um advérbio como lá e estabelecendo uma
relação com sempre, poderíamos dizer que este advérbio está para o ‘espaço’,
como sempre está para o ‘tempo’ numa das suas ocorrências ou que lá está para a
negação como sempre está para a confirmação, noutra das suas ocorrências.
210
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