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Aspectos da Sintaxe dos Advérbios em Português

1997

Lisboa 1997 5.1. Ordem e interpretação em alguns advérbios (sempre, ainda, já, logo ...) 153 5.2. Sempre 160 5.2.1. Sempre e tempo 170 5.2.2. Sempre e ordem 181 5.2.3. Sempre e clíticos 190 5.2.4. Sempre e negação 200 6.

Manuela Gonzaga Aspectos da Sintaxe Do Advérbio Em Português Dissertação de Mestrado em Linguística Portuguesa Descritiva, orientada pela Professora Doutora Manuela Ambar, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Lisboa 1997 Agradecimentos À Prof ª Manuela Ambar, minha orientadora, agradeço o acompanhamento atento durante o período de elaboração desta tese. Agradeço-lhe a coragem que sempre me transmitiu e todo o entusiasmo contagiante pela sintaxe. Um agradecimento muito particular por todas as discussões, ideias e críticas que tanto contribuiram para a realização este trabalho. Agradeço ao Professor Malaca Casteleiro pois foi nos seus seminários que me comecei a interessar pelos advérbios. À Prof ª Inês Duarte agradeço as primeiras aulas de sintaxe e semântica da licenciatura em Linguística porque foi com ela que comecei a gostar de sintaxe. Agradeço também à Drª Elisa de Macedo a compreensão que sempre demonstrou permitindo que alterasse o meu ritmo de trabalho no Centro de Linguística, muito particularmente no período final deste trabalho. Também à Inês pela troca de ideias e pela ajuda com alguns juízos de gramaticalidade. À minha amiga Regina Falcão tenho que agradecer a amizade e o carinho. Finalmente, agradeço a todos os meus familiares e amigos que sofreram directa ou indirectamente com a elaboração desta tese, muito particularmente aos meus pais e ao meu irmão Nuno que nos últimos momentos sempre me apoiaram e encorajaram. Obrigado a todos ! Índice 5 1. Introdução 7 2. O advérbio na tradição gramatical portuguesa 9 3. 2.1. Gramática da Língua Portuguesa de João de Barros 9 2.2. Grammática Philosophica de Jeronymo Soares Barbosa 11 2.3. Gramática Histórica da Língua Portuguesa de Said Ali 13 2.4. Syntaxe Historica Portuguesa de Epiphânio da Silva Dias 15 2.5. Nova Gramática do Português Contemporâneo de Cunha e Cintra 19 2.6. Conclusões 24 Diferentes perspectivas 29 3.1. Jackendoff (1972): As posíções típicas dos advérbios de VP e dos advérbios de frase. 29 3.2. Casteleiro (1982): “Análise gramatical dos advérbios de frase” 39 3.3. Pollock (1989): A divisão de Infl(ection) em Agr(eement) e T(ense) 42 3.4. Ambar (1989): Subida do verbo, posição do sujeito e dos advérbios 47 3.5. Belletti (1990): A subida do verbo em italiano 52 3.6. Cinque (1993): Uma hierarquia dos advérbios e respectivas posições funcionais 65 3.7. Laenzlinger (1993): O Critério-Adv e o modelo X’ com duas 4. posições de Spec 69 3.8. Costa (1996): Posição dos advérbios ambíguos 79 3.9. Conclusões 83 O advérbio em português 4.1. Propriedades fundamentais de diferentes classes de advérbios 85 85 4.1.1. Advérbios que podem ocupar as três posições com alteração de significado 86 4.1.2. Advérbios que podem ocupar as três posições sem mudança de significado 98 4.1.3. Advérbios que só podem ocorrer em posição inicial e de auxiliar 105 4.1.4. Advérbios que só podem ocupar a posição de auxiliar e posição final 107 4.1.5. Advérbios que só podem ocorrer em posição final 114 4.1.6. Advérbios que só podem ocorrer em posição de auxiliar 120 O tratamento dos dados 4.2. 5. 121 4.2.1. O posicionamento teórico 121 4.2.2. Generalizações e análise 125 Outros advérbios - Sempre 153 5.1. Ordem e interpretação em alguns advérbios (sempre, ainda, já, 6. logo ...) 153 5.2. Sempre 160 5.2.1. Sempre e tempo 170 5.2.2. Sempre e ordem 181 5.2.3. Sempre e clíticos 190 5.2.4. Sempre e negação 200 Conclusão Bibliografia 209 213 1. Introdução Apesar do constante avanço das teorias gramaticais, o advérbio é uma categoria que continua a constituir um desafio dado o grande número de comportamentos e de dados por descrever. Neste sentido surge a necessidade de reflectir um pouco sobre tais comportamentos e de encontrar pistas que contribuam para uma análise exaustiva do advérbio. Neste espírito são basicamente três os objectivos deste trabalho: 1. em primeiro lugar analisar criticamente alguma da literatura sobre este assunto não só com o objectivo de fazer um ponto da situação, mas também para reunir dados e ideias sobre os advérbios em diferentes momentos e em diferentes línguas; 2. em segundo lugar apresentar de modo sistemático e tanto quanto possível exaustivo os diferentes tipos de advérbios considerando as propriedades sintácticas e semânticas particulares de cada tipo e a relação que mantêm com os restantes elementos da frase; 3. num terceiro momento procurar um tratamento abrangente e unificado recorrendo aos trabalhos de Laka (1990), Chomsky (1993), Zanuttini (1994) e Ambar (1996). Analisaremos a hipótese de considerar a projecção ∑P, proposta por Laka, para explicar o comportamento dos advérbios, aliando aquela proposta à perspectiva minimalista de Chomsky (1993) e (1995). Além disso, consideraremos a proposta sobre a negação de Zanuttini e a proposta de Ambar sobre o tempo objecto. 7 4. finalmente, depois de desenvolvida uma análise para os advérbios em -mente, analisaremos o caso de sempre que esperamos venha comprovar as propostas feitas. Organizaremos este trabalho em seis capítulos. O primeiro capítulo consta desta breve introdução sobre o tema a desenvolver. Num segundo capítulo apresentaremos um estudo crítico sobre a análise dos advérbios que os gramáticos tradicionais apresentam com vista à clarificação dos pontos a ter em consideração. O terceiro capítulo apresentará, na linha do anterior, uma discussão sobre a literatura mais recente feita no âmbito da teoria generativa e que referirá trabalhos de início dos anos setenta até aos mais recentes dos anos noventa. No quarto capítulo começaremos a análise dos advérbios à luz das propostas existentes, nomeadamente, com base no trabalho de Jackendoff (1972), para concluirmos com uma proposta diferente de tratamento da classe dos advérbios. O quinto capítulo consistirá na aplicação da nova proposta à análise do advérbio sempre, tratando de forma sistemática diferentes aspectos gramaticais do comportamento daquele advérbio para os quais concorrem outros fenómenos gramaticais, também aqui analisados - determinação, propriedades sintáctico-semânticas dos verbos, tempo (morfológico) e aspecto, ordem, negação. Finalmente o capítulo sexto terminará este trabalho, reunindo as principais conclusões e ideias. 8 2. O advérbio na tradição gramatical portuguesa No contexto de uma nova proposta de análise dos advérbios, impunha-se a análise dos tratamentos dados ao advérbio em algumas gramáticas tradicionais. Esta análise reveste-se de uma extrema importância não só porque nos permite recolher pistas fulcrais para uma diferente perspectiva de análise desta categoria, mas também porque nos permite entender a posição de cada um dos gramáticos consultados relativamente à classificação dos advérbios no âmbito da gramática. As análises ou descrições do comportamento do advérbio nas gramáticas tradicionais são, regra geral, muito breves e pouco esclarecedoras relativamente às várias questões que se levantam na linguística actual. Contudo, foi nosso objectivo seleccionar diferentes períodos de análise gramatical por daí advirem diferentes conceptualizações do conceito de língua e, consequentemente, diferentes interpretações da função e significado atribuídos à categoria advérbio. 2.1. Gramática da Língua Portuguesa de João de Barros Uma das primeiras observações das gramáticas tradicionais relativamente ao advérbio diz respeito à sua própria definição. Consideram-no estas gramáticas, na generalidade, modificador do verbo por aparecer frequentemente próximo deste, sendo a etimologia da palavra advérbio um reflexo deste comportamento: ad verbum. Assim, referindo a caracterização do advérbio, João de Barros afirma: 9 “Avérbio é ua das nóve partes da òraçám que sempre anda conjunta e coseita com o vérbo e daqui tomou o nome, porque ad quér dizer çerca e, composto com verbum, fica adverbium que quér dizer àçerca do vérbo.” (João de Barros: p.345) Outro ponto importante na análise dos advérbios, também referido em João de Barros, diz respeito à função do advérbio na oração: “Foi por ésta párte mui neçessária, ca per éla se denóta a eficáçia ou remissám do verbo, porque, quando digo: Eu amo a verdáde, demóstro que simplesmente fáço a óbra de amár; mas dizendo: Eu amo muito a verdade, p[er] este advérbio muito, denóto a cantidáde do amor que tenho à cousa; e se dissér: Amo pouco a verdáde, com este pouco se diminuie o muito de çima; e: Nam amo a verdáde, desfáço toda a óbra de amár.” (idem) A grande importância atribuída ao advérbio na significação do verbo traduz-se, no exemplo do autor, na quantificação do verbo dada por advérbios como muito e pouco e na sua relação com o complemento. Esta caracterização mostra-nos o poder do advérbio quanto à avaliação quantitativa e/ou qualitativa do estado de coisas dado pelo verbo e seus complementos: “Assi que tem o avérbio este poder: acresçenta, deminuie e totalmente destruie a óbra do vérbo a que se junta, e ele é ô que dá 10 aos vérbos cantidáde ou calidáde açidental ...” (idem) Mas a observação do comportamento dos advérbios suscita outras questões que este autor não refere. Um exemplo consiste nas restrições que se estabelecem entre o verbo, o seu complemento e o advérbio. Com efeito, o exemplo do autor não resultaria se, em vez de pouco ou muito, tivesse escolhido um advérbio como imediatamente ou ontem porque a caracterização ou o conjunto de propriedades semânticas de qualquer um destes advérbios não é partilhado pelo verbo (e sua flexão) e pelo complemento deste. Uma outra questão diz respeito à posição que o advérbio ocupa efectivamente no exemplo dado e as que poderá ocupar noutros contextos. Assim, podemos, por exemplo, na forma exclamativa aceitar Muito eu amo a verdade! ou reforçar a extensão do amor pela verdade com o advérbio no fim da frase: Eu amo a verdade muito! 2.2. Grammatica Philosophica de Jeronymo Soares Barbosa A distinção entre gramática particular (própria de uma língua particular) e gramática geral (“usos e factos de todos ou da maior parte dos idiomas conhecidos” (Barbosa: p.xi)) feita por Jeronymo Soares Barbosa no início do 11 século XIX conduz-nos à expectativa de uma análise mais inovadora do advérbio. E, com efeito, a perspectiva que este gramático tem do advérbio caracteriza-se por uma tomada de posição diferente das restantes análises tradicionais ao romper com a aproximação (também ela etimológica) entre verbo e advérbio como registada em João de Barros. A sua originalidade consiste em interpretar “verbum” não só como a categoria gramatical verbo, mas também como toda e qualquer palavra passível de ser modificada. “O adverbio, pois, não modifica só os verbos, como querem os grammaticos, mas qualquer palavra susceptível de determinação (...). A etymologia da palavra adverbio, como quem diz adjunto ao verbo, não se deve entender do verbo como uma das seis partes elementares da oração, mas de qualquer palavras capaz da modificação; que isto significa o nome latino verbum em toda a sua extensão.” (Barbosa: p.235) Outro aspecto inovador nesta análise diz respeito à distinção clara entre função adverbial e natureza categorial dos advérbios. Assim, embora aceite e reconheça a existência de outros elementos que exercem funções adverbiais, nomeadamente os nomes adverbiados e as expressões adverbiais, este gramático caracteriza e define os advérbios como sendo indeclináveis e constituídos por uma só palavra. “O adverbio é uma reducção da preposição com seu complemento em uma só palavra, e essa invariável, e sem outro uso na língua. 12 (...) É uma palavra indeclinável e invariável em genero e numero, e além disto não tem outro emprego em nossa língua afóra este.” (idem) Devemos notar que do conjunto dos nomes adverbiados que o autor considera muitos são classificados como advérbios nas gramáticas contemporâneas. As referidas expressões adverbiais são classificadas, nestas últimas gramáticas, como locuções adverbiais, por exercerem função adverbial. No entanto, morfologicamente as mesmas expressões podem ser consideradas locuções prepositivas visto serem formadas pela preposição e seu complemento. 2.3. Gramatica Histórica da Língua Portugueza de M. Said Ali Numa perspectiva ou num contexto menos inovador e filosófico, a gramática histórica de Said Ali mantém uma linha de análise do advérbio bastante tradicional. Considerando o advérbio como um “vocabulo determinativo do verbo, do adjectivo ou de outro advérbio” (Said Ali: p.208) por lhes acrescentar “ o conceito de tempo, lugar, modo etc.”(idem), este autor restringe mais a definição de advérbio, não o considerando, tal como J.S. Barbosa (Barbosa: p.235) modificador de “qualquer palavra susceptível de determinação”. A descrição de Said Ali é mais tradicional na medida em que assenta principalmente numa descrição morfológica e histórica de alguns advérbios, bem como na classificação de significado dos advérbios em oito classes, algumas já anteriormente consideradas. 13 “Dividem-se os advérbios segundo a sua significação em advérbios de tempo, de lugar, de modo, de negação, affirmação, de duvida, de quantidade, de ordem. Muitos dentre eles exprimem condições e circumstancias capazes de augmento ou diminuição.” (Said Ali: p.209) Apesar do carácter tradicional da descrição apresentada para a categoria em estudo, a gramática de Said Ali é interessante em diferentes aspectos. Um exemplo é-nos dado pela motivação histórica que refere para a ocorrência em posição final de algumas conjunções que em momentos anteriores da história do português foram advérbios. “A origem adverbial de porem dá a razão da possibilidade de collocar-se esta palavra no meio e, até, no fim da oração, lugar improprio das conjunções” (Said Ali: p. 214). Relativamente à negação é interessante também a distinção de interpretação da negação dupla em diferentes camadas sociais. Assim, e de acordo com este autor, a negação dupla era entendida como um reforço da negação pelo povo. Pelo contrário, para as pessoas mais instruídas “negar o negado equivale a afirmar” excepto se o novo termo negativo não anteceder não. “Quanto à presença, dentro da mesma oração de outros termos negativos alem da palavra não, é facil de ver que não anda o 14 raciocinio dos homens cultos bem emparelhado com o sentimento popular. Para o povo, o acumulo de negativas indica reforço. Entende a gente de letras, pelo contrario, que negar o negado equivale a afirmar; mas abre excepção (...) desde que o novo termo negativo não anteceda o adverbio não.” (Said Ali: p. 228) 2.4. Syntaxe Historica de Epiphânio da Silva Dias Esta gramática é talvez a menos abrangente no contexto de todas as gramáticas analisadas. Dividindo o capítulo V, da primeira parte da gramática, dedicado ao advérbio, em duas secções, E.S. Dias considera, por um lado, os advérbios que se usam na gradação de adjectivos e de advérbios e, por outro lado, as particularidades que alguns advérbios registam em português. Relativamente aos advérbios que se usam na gradação, o autor distingue, por um lado, os do comparativo e, por outro lado, os do superlativo. O advérbio que se usa na formação do comparativo de superioridade, como refere, é o advérbio mais, embora no caso de alguns advérbios existam formas próprias. “De comparativo (de superioridade) de grande serve maior; de bom e de bem, melhor; de pequeno, menor ( a par de mais pequeno); de máo e de mal, pior” (Silva Dias, p. 169) “De comparativo (de superioridade)de muito (adjectivo e advérbio) serve mais; de pouco (adjectivo e advérbio), menos. (idem, p. 170). 15 Relativamente ao comparativo de inferioridade e de igualdade, o autor aponta, apenas, a formação do primeiro com o advérbio menos e do segundo com os advérbios tão e tanto. “§ 226. O comparativo de inferioridade do adjectivo e do advérbio forma-se com o advérbio menos: menos prudente, menos prudentemente. § 227. O comparativo de igualdade do adjectivo e do advérbio forma-se com o advérbio tão (tanto, quando o adjectivo ou o advérbio estiverem ocultos): tão prudente, tão prudentemente.” (idem, p. 170) Também relativamente ao segundo membro da comparação o autor distingue, por um lado, o comparativo de superioridade e de inferioridade usando que ou do que, e, por outro lado, o comparativo de igualdade usando como. “§ 228. a) Com os comparativos de superioridade e de inferioridade, o segundo termo de comparação é designado por que ou do que:” “papel e tinta tem morto mais homens em o mundo que ferro e aço (Barros, Ropica, 250, 251).” “b) Com os comparativos de igualdade o segundo termo de comparação é designado por como: 16 Huma mulher tão ornada nos vestidos como desordenada na vida (Vieira, XI, 209).” (idem, p.170, 171) No que respeita à formação do grau superlativo, a breve descrição do autor destaca, em primeiro lugar, a formação do superlativo perifrástico (ou analítico) do adjectivo e advérbio através de muito; em segundo lugar, a formação de superlativo para os comparativos de superioridade e de inferioridade através dos advérbios mais e menos, respectivamente, precedidos de artigo definido. “O simples superlativo periphrastico do adjectivo e do adverbio forma-se com o adverbio muito ou mui: muito prudente, muito prudentemente. Como superlativo de muito, só se emprega muitissimo” A segunda parte deste capítulo sobre o advérbio refere, como indicámos atrás, algumas particularidades de um grupo de advérbios. Assim, o autor observa que os advérbios portadores do sufixo -mente, quando coordenados, só exibem aquele sufixo no último advérbio coordenado, à excepção de casos de ênfase onde todos o poderão receber. “curados mimosa e não radicalmente (Vieira, XI, 260). tirou a consequencia tão discreta como verdadeiramente (Id., XI, 250).” (idem, p.174) 17 Além do caso dos advérbios sufixados em -mente, os advérbios de tempo e de lugar também são considerados como possuindo algumas particularidades, nomeadamente o seu emprego substantivo quando são precedidos das preposições de, desde, para, por, até. A dimensão e o conteúdo que o capítulo do advérbio apresenta permitemnos chegar a uma conclusão: o advérbio não é aqui considerado uma das nove partes da oração, à semelhança de outros autores já referidos, mas apenas um elemento gramatical com a função de indicar o grau. É evidente nesse capítulo a ausência de um apontamento sobre outros advérbios ou tipos de advérbios que não os de grau. Verificámos também o recurso a advérbios, nomeadamente de tempo, para exemplificar o uso dos vários tempos (na secção I da 2ª parte da sua obra) ou para apontar nuances típicas da língua, sem que a sua função seja, de algum modo, destacada. “Em segundo lugar, designa-se com o presente: (...) 2) o que se repete e costuma acontecer (presente iterativo): Elle janta habitualmente às 5 horas.” (Silva Dias, p. 184) “b) Em segundo lugar, emprega-se, quando noticiamos o que no momento em que fallamos é facto consumado (preterito absoluto) (...) Obs. 1ª Quando a enunciação de um facto que se deu, se quer apresentar como simples negação de elle ainda não se ter dado, a lingoa portuguesa, se o contexto não deixa ver claramente a 18 intenção de quem falla, ajunta o adverbio já ao pret. definido (ao passo que outras lingoas, nomeadamente a inglesa, empregam o pret. definido): Já foi a Sintra? (= já esteve em Sintra?) (em inglês: Have you been at Sintra?). (idem, p.189) 2.5. Nova Gramática do Português Contemporâneo de Cunha & Cintra Esta gramática traduz em alguns aspectos uma perspectiva linguística distinta das obras anteriormente referidas. Se em Jeronymo Soares Barboza se procura mostrar como a língua(gem) é o espelho da mente e vontade humanas, se em Said Ali e Silva Dias o percurso histórico da língua é apresentado para justificar a descrição dessa língua em momentos ou épocas precisas, a gramática de Cunha & Cintra constitui um terceiro grupo cujo objectivo primeiro é fornecer ao ensino do português um instrumento de trabalho baseado principalmente no conceito de correcção. “Esta Gramática (...) Sentímo-la como uma urgente necessidade para o ensino da língua portuguesa” “Parecia-nos faltar uma descrição do português contemporâneo que levasse em conta, simultaneamente, as diversas normas vigentes dentro do seu vasto domínio geográfico (...) e fosse, assim, fonte de informação, tanto quanto possível completa e actualizada, sobre elas; serviria simultaneamente de guia orientador de uma expressão oral e escrita que (...) se pudesse considerar «correcta» de acordo 19 com o conceito de correcção que adoptamos” (Cunha e Cintra p. XIII) O capítulo 14 dedicado ao advérbio, traduz a perspectiva descritiva e prescritiva em que os autores pretendem inscrever o seu trabalho. Aí o advérbio é classificado como preferencial modificador do verbo, podendo alguns advérbios (nomeadamente os de intensidade) reforçar adjectivos ou advérbios, e outros ainda reforçar a oração. “I. O ADVÉRBIO é, fundamentalmente, um modificador do verbo: Logo depois, recomeçara a chover. Você compreendeu-me mal. O almoço decorria agora lentamente. 2. A essa função básica, geral, certos advérbios acrescentam outras que lhe são privativas. Assim, os chamados ADVÉRBIOS DE INTENSIDADE e formas semanticamente correlatas podem reforçar o sentido de : a) de um adjectivo; b) de um advérbio. 3. Saliente-se ainda que alguns advérbios aparecem, não raro, modificando toda a oração: Infelizmente, nem o médico lhes podia valer. Possivelmente, não haverá ceia este ano. 20 Neste último emprego, vêm geralmente destacados no início ou no fim da oração, de cujos termos se separam por uma pausa nítida, marcada na escrita por uma vírgula.” (idem, pp. 537, 538) A classificação dos advérbios que os autores propõem tem na base uma perspectiva semântica. Distinguem dez subclasses: afirmação, dúvida, intensidade, lugar, modo, negação, tempo, ordem, exclusão, designação. A esta classificação semântica, não presidem critérios de análise explícitos. Igualmente não são tidos em consideração dados linguísticos suficientes que fundamentem a proposta. Pode, por isso, questionar-se por exemplo a razão de ser de advérbios como certamente e efectivamente serem considerados de afirmação e quais as circunstâncias em que também podem ser advérbios de modo dado que a classificação apresentada aí inclui “quase todos os terminados em -mente.” Definindo locução adverbial como “o conjunto de duas ou mais palavras que funcionam como advérbio”, os autores dividem-nas também em classes semânticas de afirmação, (ou dúvida), intensidade, lugar, modo, negação e tempo. A colocação dos advérbios na frase não se inspira nem reflecte directamente a divisão semântica que apresentam. Considerando a sua colocação na frase distinguem das restantes classes os advérbios que modificam adjectivos, particípios passados ou outros advérbios, os quais normalmente ocorrem antes das categorias que modificam. 21 “Invejei o noivo, tão alegre, tão amável, a grossa gargalhada a irromper a cada instante. Muito apressado, num visível nervosismo, veio de casa até ali. - O teu pai está muito mal.” (Cunha e Cintra, p. 541) Os modificadores do verbo subdividem-se em três grupos: (i) em primeiro lugar, os advérbios que geralmente ocorrem depois do verbo: “A mãe e a irmã choravam tristemente ... Ela ouvia-o atentamente. Quatro jovens vestidas de panos escuros entram vagarosamente no local vindas dos lados dos espectadores.” (idem, p. 542) (ii) em segundo lugar, os advérbios de tempo e de lugar que, sendo mais livres, podem colocar-se antes ou depois do verbo: “De manhã, acordei cedo. Hei-de atirar com esse tipo de cá para fora.” (Idem, p.542) (iii) finalmente, o advérbio de negação, que ocorre, em português, à esquerda do verbo. Se não se nos afigura pertinente descrever aqui exaustivamente o conteúdo do capítulo dedicado ao advérbio na obra referida - que inclui a descrição do comportamento dos advérbios nos seus diferentes graus, ou de alguns 22 comportamentos particulares de certos advérbios - parece-nos porém oportuno referir algumas questões que se levantam em resultado da análise ou da descrição que este autores apresentam do advérbio. Como referímos já, a análise da colocação dos advérbios não pretende estabelecer uma relação com a classificação semântica apresentada. Assim, e dada essa análise, podemos por exemplo perguntar: (i) se muito se coloca antes do adjectivo quando com ele co-ocorre, onde se coloca quando co-ocorre com o verbo? (ii) qual a posição dos advérbios de dúvida? Além disso, no caso específico dos advérbios de tempo e de lugar, a descrição apontada pelos autores não é explícita em relação aos casos em que o advérbio ocorre antes e depois do verbo, bem como não indica se essa alternância de posição é livre e se resulta numa alteração semântica. Considerando um exemplo referido pelos autores: (1) “Aqui outrora retumbaram hinos.” onde ocorre um advérbio de lugar (aqui) e um de tempo (outrora), nada é dito relativamente à possibilidade de os referidos advérbios ocuparem distintas posições sem que daí advenham alterações relevantes de significado: (2) a. Aqui retumbaram outrora hinos. b. Aqui retumbaram hinos outrora. c. Outrora retumbaram aqui hinos. d. Outrora retumbaram hinos aqui. 23 Do mesmo modo, também nada é dito relativamente à posição preferencial que alguns advérbios de tempo exibem. Cedo, nomeadamente, é um dos advérbios de tempo que dificilmente pode ocorrer antes do verbo: (3) a. “De manhã, acordei cedo” b. Hoje, o João saiu cedo. c. O despertador tocou cedo. As observações que referímos vão no sentido de mostrar a grande necessidade de se fazer uma análise dos advérbios combinando critérios semânticos e sintácticos, o que não acontece na gramática de Cunha & Cintra. 2.6. Conclusões A análise/consulta destas cinco gramáticas tradicionais permite-nos concluir, em primeiro lugar, que não é possível, com base nelas, estabelecer uma tipologia dos advérbios considerando elementos morfológicos, sintácticos e semânticos. Além disso, nenhuma delas, independentemente da perspectiva que adopta (filosófica, histórica, didáctica ou outra), consegue estabelecer um quadro de análise mais ou menos exaustivo da classe dos advérbios. Um dos principais pontos que parecem não ficar esclarecidos em todas estas gramáticas é o de distinguir entre a classe advérbio e a função adverbial. Tomando como exemplo a gramática de João de Barros, é claro que o autor considera a classe do advérbio ao assumir que ele é uma das nove partes da 24 oração; no entanto, no mesmo parágrafo aproxima-se o nome desta categoria advérbio (adverbum) da categoria verbal por esta ser frequentemente modificada pelo primeiro. Em Soares Barbosa, por outro lado, o advérbio é encarado principalmente do ponto de vista funcional, capaz de modificar tudo o que possa ser modificado, e não como uma das seis partes da oração.1 Nas gramáticas históricas a preocupação em descrever a evolução diacrónica das formas adverbiais conduz, necessariamente, a um afastamento da distinção classe vs. função adverbial. Também na mais recente das gramáticas analisadas (Cunha & Cintra (1984)) a distinção que aqui discutimos não é apresentada como questão crucial. A categoria advérbio é caracterizada por oposição à locução adverbial. No entanto, o objectivo sempre presente de fornecer critérios de correcção conduz a uma distinção basicamente semântica de classes onde se incluem advérbios e locuções adverbiais. Em termos de função também aqui o advérbio é apresentado como um típico modificador do verbo, e potencialmente do adjectivo, de outro advérbio ou de toda a oração. O modo como estas ‘classes’ são modificadas pelo advérbio não é explicitado, no sentido de registar os diferentes comportamentos e aplicações consoante modifica um adjectivo, um advérbio ou uma oração. Dado que a função crucial do advérbio admitida pelos gramáticos é a de modificar o verbo, seria talvez de esperar que nos oferecessem uma análise em que a sintaxe e a semântica dos verbos estabelecesse uma dada relação com a dos advérbios. Da observação dessa relação resultaria, sem dúvida, um melhor conhecimento do comportamento das duas categorias implicadas, nomeadamente 1 O facto de o número de partes da oração em João de Barros e Soares Barbosa ter uma diferença aritmética de três classes, pode apontar ou ser um indício de uma perspectiva mais funcional e 25 das suas compatibilidades e restrições de ocorrência. De facto isso não acontece. Embora o verbo possua um papel de destaque na sintaxe e na semântica do advérbio, essa importância não é visível nas análises apresentadas. Sabendo-se que existem classificações que distribuem os verbos por classes sintácticosemânticas, e sendo estes, além disso, marcados morfologicamente, nomeadamente com marcas de tempo e de aspecto, seria interessante encontrar, numa classificação dos advérbios, uma aproximação, por exemplo, entre advérbios de tempo e as várias formas temporais que um dado verbo pode adquirir; isto é, ver explicitado de alguma forma como é que o tempo dos advérbios (de tempo) se articula com o tempo das formas verbais2. Por outro lado, e aceitando uma classificação de predicados onde se distinguem estativos, eventivos, processuais, etc. (considerando também que possam existir subclasses dentro destas), deveríamos poder estabelecer como é que um verbo de uma dada classe se conjuga com um determinado advérbio3. Em suma, a análise das referidas gramáticas leva-nos a concluir que o que falta na análise dos advérbios é estabelecer clara e explicitamente de que forma(s) menos categorial em Soares Barbosa. 2 Uma análise integrada dos advérbios deveria explicar como é que os advérbios, neste caso advérbios de tempo, se articulam com os tempos verbais impedindo por exemplo que se produzam frases como: *Amanhã fui à praia. e permitindo frases como: Amanhã vou à praia. 3 Ou seja, porque é que não podemos usar um verbo que denota mudança de estado (como morrer) modificado por um advérbio de quantidade (como muito), mas podemos usar este verbo com um advérbio que denote tempo, por exemplo. (i) a. *Ele morreu muito. b. Ele morreu ontem. Contrariamente, verbos do tipo de “comer” são compatíveis com advérbios de quantidade, mas na sua forma intransitiva (sem o complemento expresso) só de forma marcada aceitam advérbios de tempo: (ii) a. Ele comeu muito. b. ??Ele comeu ontem. c. Ele comeu depressa. 26 eles interagem com as restantes categorias lexicais ou sintácticas, ao nível do significado e da posição que ocupam na frase. O principal objectivo do capítulo seguinte é reunir análises mais técnicas, de um ponto de vista teórico, do comportamento do advérbio, sempre com o propósito de atingir uma descrição cada vez mais exaustiva e um explicação clara e unificadora dos elementos daquela classe. 27 28 3. Diferentes perspectivas Depois de analisadas várias gramáticas representativas da tradição gramatical portuguesa, e tendo constatado que as questões pertinentes, relativamente aos advérbios, não encontram em nenhuma delas resposta adequada, é talvez o momento para nos determos na apreciação de alguns trabalhos teoricamente mais sofisticados, na esperança de neles encontrar pistas para uma análise dos advérbios em português. A organização do presente capítulo é orientada por um fio cronológico que no quadro da gramática generativa corresponde a várias etapas de evolução. Começaremos por Jackendoff (1972), na fase do transformacionalismo onde as diferentes estruturas de superfície são o resultado da aplicação de distintas regras. A análise de Casteleiro (1982), a seguir, que se inscreve ainda no período do transformacionalismo. Depois com Pollock (1989), Ambar (1989) e Belletti (1990), analisaremos duas propostas enquadradas nos últimos anos da teoria do governo e da ligação, constinuada posteriormente pelo programa minimalista onde se desenvolve e enquadra a análise de Cinque (1993), Laenzlinger (1993) e Costa (1996). 3.1. Jackendoff (1972): As posições típicas dos advérbios de VP e dos advérbios de frase. Partindo da escassa literatura e pesquisa feitas, na época, sobre os advérbios, este autor tenta compreender a causa dessa situação. A variedade de 29 funções sintácticas e semânticas que os advérbios, em geral, desempenham é apontada como um dos factores responsáveis por essa situação mais grave antes da introdução de informação semântica ao nível do tratamento do léxico. A partir do momento em que a teoria linguística passa a assumir uma componente sintáctica e uma componente semântica representadas no léxico por meio de traços, a subdivisão em classes das várias categorias passa a ser feita com base em traços lexicais sintácticos e semânticos e já não por regras estruturais. Porém, tal procedimento não é simultâneo para todas as categorias e os advérbios continuam a subdividir-se em classes exclusivamente estruturais. Como referidos pelo autor, os resultados desta evolução são não só o admitir estruturas subjacentes muito distintas para adverbiais idênticos, mas também o acreditar que o advérbio é apenas uma noção de estrutura de superfície sem interferência na sintaxe e semântica da estrutura subjacente ou profunda. Com base neste estado de coisas, o objectivo do autor neste trabalho é o de mostrar as contribuições de todo o tipo de adverbiais para a interpretação semântica das frases, independentemente das diferentes regras estruturais. Assumindo o pressuposto de que todos os itens lexicais têm uma interpretação semântica, abandona a classificação dos advérbios assente em critérios apenas sintácticos, e procura mostrar que as semelhanças existentes entre a estrutura semântica de alguns advérbios e os adjectivos correspondentes resulta da partilha de propriedades lexicais idênticas. Abandona também a perspectiva transformacionalista para optar pela hipótese de que os advérbios são gerados na base. Considerando os dados do inglês, o autor propõe seis subclasses de advérbios que estabelece de acordo com a possibilidade de ocorrerem nas três 30 posições que assume - a saber: posição inicial, posição final sem pausa e posição de auxiliar, entre o sujeito e o verbo principal - , bem como de registarem ou não alterações de interpretação nas várias posições. A primeira subclasse considerada caracteriza-se por poder ocupar as três posições descritas com uma consequente mudança de significado, que pode variar entre uma interpretação de modo e uma interpretação orientada para o sujeito: (4) a. John cleverly/ clumsily dropped his cup of coffee. b. Cleverly/clumsily (,) John dropped his cup of coffee. c. John dropped his cup of coffee cleverly/clumsily. Ao contrário do inglês em português parece ser impossível a ocorrência dos advérbios correspondentes em posição inicial e final sem serem precedidos de pausa, assim como a interpretação de modo: (5) a. O João inteligentemente/desastradamente deixou cair o café. b. Inteligentemente/desastradamente *(,)o João deixou cair o café. c. O João deixou cair o café *(,) inteligentemente/desastradamente. A segunda subclasse de advérbios é caracterizada pela possibilidade de ocorrerem em todas as posições sem alteração de significado. Relativamente ao português, e embora não haja também alteração na interpretação de modo, parece, no entanto, haver diferentes domínios de escopo para o advérbio nas várias posições, que resultam numa interpretação de modo orientada para o sujeito da 31 enunciação, para o sujeito gramatical ou para a acção expressa pelo predicado verbal. (6) a. Rapidamente o João leu o livro. b. O João rapidamente leu o livro. c. O João leu rapidamente o livro. d. O João leu o livro rapidamente. A terceira subclasse de advérbios apresentada pelo autor, define-se pela possibilidade de ocorrer em posição inicial, em posição de auxiliar e posição final com pausa, de que são exemplo evidently, probably. (7) a. Evidently/probably, Horatio has lost his mind. b. Horatio has evidently/probably lost his mind. c. * Horatio has lost his mind evidently/probably. d. Horatio has lost his mind, evidently/probably. Neste caso o único contraste com o português reside no facto de, nesta última língua4, quando o advérbio ocupa uma posição entre o auxiliar e o verbo principal as frases serem mais estranhas, ao contrário do que se verifica em inglês. A quarta classe de advérbios compreende aqueles que apenas podem ocorrer em posição final e de auxiliar: completely, easily. 4 Em português, dependendo dos elementos intervenientes nos vários exemplos as frases podem ser completamente gramaticais ou marginais. No entanto, se este comportamento se verifica com frequência com os advérbios a ocuparem a posição entre auxiliar e verbo principal, o mesmo não se verifica nas restantes posições. 32 (8) a. *Completely/easily Stanley ate his wheaties. b. Stanley completely/easily ate his wheaties. c. Stanley ate his wheaties completely/easily. Mais uma vez o contraste existe com os dados do português. O advérbio facilmente pode ocorrer em posição inicial e em posição medial o que não acontece com o advérbio completamente, como em inglês. (9) a. Facilmente/ * completamente o João comeu o bolo. b. O João facilmente/ *completamente comeu o bolo. c. O João comeu facilmente/completamente o bolo. d. O João comeu o bolo facilmente/completamente. Assim, relativamente a esta quarta classe de advérbios, o português (e talvez também outras línguas) dispõe de dados que sugerem a necessidade de a dividir em mais subclasses. Com efeito, constituindo exemplos equivalentes aos exemplos do autor (3.11, 3.12 e 3.13), constatamos que, para além das diferenças já referidas, em português, ao contrário do inglês, não é possível a ocorrência de um advérbio como completamente em posição medial (entre sujeito e verbo), embora seja possível entre verbo e complemento, o que não se verifica em inglês por razões que Pollock (1989) retoma. Porém, Jackendoff não refere nem fornece dados do inglês que mostrem a possibilidade de ocorrência de advérbios como completamente nas posições 33 características desta classe no contexto de outro tipo de predicados, nomeadamente de verbos do tipo de “comprar”. Assim, aquilo que observamos em português é que não só a ocorrência do advérbio completamente é impossível entre o sujeito e o verbo, no caso do verbo “comer”, como é impossível em qualquer outra posição se o verbo for “comprar”. (10) a. O João comeu completamente o bolo b. O João comeu o bolo completamente. c. *O João comprou completamente o bolo. d. *O João comprou o bolo completamente. A quinta subclasse referida é constituída pelos advérbios que só ocorrem em posição final como well. (11) a. * Well Sam did his work. b. * Sam well did his work. c. Sam did his work well. Neste caso, o contraste com o português consiste na possibilidade de nesta língua o advérbio correspondente, bem, poder ocorrer em posição pós-verbal, mantendo-se a semelhança com o inglês relativamente às posições inicial, póssujeito e final. (12) 34 a. * Bem fez o João o trabalho. b. * O João bem fez o trabalho.5 c. O João fez bem o trabalho. d. O João fez o trabalho bem. Note-se, também, que a possibilidade de advérbios como bem ocorrerem em posição final em português está intimamente ligada com a complexidade do NP objecto, ou mais precisamente com o seu carácter “pesado” (“heavy NP shift”). Assim, em construções cujo complemento é modificado por uma frase, a posição preferencial do advérbio é a posição imediatamente pós-verbal. (13) a. ?? O João fez [o trabalho [que tu lhe pediste a semana passada]] bem. b. O João fez bem [o trabalho [que tu lhe pediste a semana passada]]. Finalmente, a última classe de advérbios definida em Jackendoff (1972) compreende os que apenas podem ocorrer em posição de auxiliar, como truly, merely e simply. (14) a. Albert is simply being a fool. b. * Simply is Albert being a fool. c. *Albert is being a fool simply. Também nesta subclasse se verificam contrastes com o português. Além 5 A agramaticalidade desta frase verifica-se na interpretação de modo que estamos a 35 da posição de auxiliar que caracteriza a classe, os correspondentes advérbios em português podem ocupar também a posição final se precedida de pausa. (15) a. O João é simplesmente um tolo. b. * Simplesmente o João é um tolo. c. * O João é um tolo simplesmente. d. O João é um tolo, simplesmente. Relativamente à posição de auxiliar (entre sujeito e verbo), o facto de todos os advérbios com sufixo -ly poderem aí ocorrer aponta para a possibilidade de essa ser uma posição subjacente. Além disso, com base nessa hipótese, o autor pode aproximar a relação que os referidos advérbios parecem manter com o núcleo da oração (Aux)6, da relação que em Chomsky (1970) se assume existir entre um adjectivo e o nome que ele modifica. No que respeita à posição final de advérbios sem o sufixo -ly, o autor segue Klima (1965) onde os advérbios são analisados como preposições intransitivas, sendo gerados basicamente na posição normal das preposições. Para o caso dos advérbios -ly existem, aparentemente, duas possibilidades. Uma consiste em considerar também a hipótese das preposições intransitivas, a outra consiste em postular uma transformação que mova o advérbio da posição de auxiliar para dentro do VP. A opção do autor vai ser a primeira, geração básica do advérbio em posição final, porque também dá conta de casos em que o verbo selecciona um advérbio. Por essa razão, a primeira hipótese é menos pesada para considerar, embora com uma outra interpretação a frase seja gramatical. 6 Recorde-se que na altura “Aux” compreendia aquilo que hoje denominamos de FLex. 36 o sistema transformacional. O problema que se poderá colocar é o de saber como é que semanticamente se distingue um advérbio gerado em posição final, apenas porque aí ocorre superficialmente, de um advérbio que é gerado em posição final porque é seleccionado pelo verbo. Por último, no que respeita à posição inicial, em face das duas hipóteses anteriormente referidas, o autor opta, neste caso, pela geração transformacional devido ao reduzido número de advérbios que aí ocorrem. A geração básica em posição inicial iria resultar num aumento de regras transformacionais que explicassem que a maioria dos advérbios não pode ocupar tal posição. Além das três posições assumidas, o autor reconhece também a possibilidade de alguns advérbios ocorrerem dentro do VP em posições distintas daquelas. Essas posições são explicadas recorrendo à convenção da transportabilidade proposta por Keyser (1968) que marca determinados elementos com um traço extra, [+ transportável], só aplicável a advérbios dominados por S dado que os dominados por VP são seleccionados não podendo por isso mover-se livremente. Em termos de interpretação semântica, a opinião do autor vai no sentido de considerar os advérbios orientados para o sujeito locutor ou para o sujeito da frase como dominados por S. Assim, as posições que define como típicas deste grupo são a posição inicial, a posição de auxiliar e a posição final com pausa: (16) a. Evidently John ate the beans. b. John evidently ate the beans. 37 c. John ate the beans, evidently. Relativamente aos advérbios com interpretação de modo, o autor considera-os dominados por VP podendo ocorrer em posição final sem pausa e em posição de auxiliar. Neste caso resulta uma ambiguidade estrutural entre uma interpretação de modo e uma interpretação orientada para o falante ou para o sujeito: (17) a. John ate the beans completely. b. John completely ate the beans. Quando em presença de um verbo modal ou de um verbo auxiliar, os advérbios de VP distinguem-se dos de S pela possibilidade de só os últimos ocorrerem em posição pré-auxiliar. Não havendo nenhuma restricção relativamente à posição posterior a estes auxiliares ou modais: (18) a. George probably has read the book. b. *George completely has read the book. c. George has probably read the book. d. George has completely read the book. No caso de existirem dois auxiliares ou modais a ocorrência de um advérbio de S entre eles é preferencial dada a sua propriedade de transportabilidade. Pelo contrário, quando o advérbio ocorre depois de dois 38 auxiliares apenas pode ser um advérbio dominado por VP. (19) a. George will probably have read the book. b. ?/*George will completely have read the book. c. *George will have probably read the book. d. George will have completely read the book. O trabalho de Jackendoff (1972), como pudemos observar, reveste-se de grande importância não só por apresentar a análise de um grande número de advérbios do inglês, mas também por constituir uma primeira abordagem aliando a informação lexical de cada advérbio e as características sintácticas das estruturas onde eles ocorrem. 3.2. Casteleiro (1982): “Análise gramatical dos advérbios de frase” O objectivo do trabalho deste autor é estabelecer uma classificação dos advérbios de frase. No seu entender, o que define o advérbio de frase é a possibilidade que tem de transmitir a opinião do sujeito falante. Além disso, os advérbios de frase têm a particularidade de se comportarem como predicados ou modificadores de toda a frase. Relativamente à caracterização geral que faz do grupo dos advérbios de frase, Casteleiro (1982) destaca quatro propriedades básicas: • a possibilidade de os advérbios ocorrerem em posição inicial, em posição medial e em posição final; 39 • os advérbios de frase podem constituir resposta a interrogativas totais, contrastando com advérbios locativos, temporais e processuais de modo que apenas podem constituir resposta a interrogativas parciais; (exs.(8) e (9) de Casteleiro (1982)) (20) a) - Então o sismo não provocou estragos ? - Felizmente. b) - Então o colóquio vai ser adiado ? - Provavelmente. • os advérbios de frase, ao contrário dos advérbios locativos, de tempo e de modo, não podem ocorrer em estruturas enfáticas marcadas com é que; • também por oposição aos advérbios de tempo, de lugar e de modo, estes advérbios não podem ocorrer em estruturas de foco com senão. Após a classificação geral que referímos, o autor apresenta quatro subclasses de advérbios de frase com as respectivas propriedades sintácticosemânticas. Em primeiro lugar refere a classe dos advérbios emotivos cuja função primordial é transmitir a opinião subjectiva do falante relativamente à oração que acompanha os advérbios. Neste grupo inclui advérbios como afortunadamente, estranhamente, (in)felizmente, lamentavelmente e surpreendentemente. Estes advérbios caracterizam-se, principalmente por não ocorrerem em frases interrogativas nem imperativas. Pelo contrário, ocorrem frequentemente em estruturas exclamativas que introduzem factos reais. A segunda subclasse de advérbios que considera é a dos advérbios modais, 40 que são responsáveis por transmitir a pressuposição do falante relativamente à veracidade da proposição que introduzem. A esta classe pertencem advérbios como aparentemente, certamente, presumivelmente, possivelmente, Relativamente propriedades às evidentemente, provavelmente e sintáctico-semânticas, naturalmente, verosimilmente. estes advérbios caracterizam-se, basicamente, por não disporem de uma forma negativa correspondente, pela impossibilidade de ocorrerem em frases interrogativas, bem como pela possibilidade de ocorrerem em estruturas hipotéticas. A terceira classe, a dos advérbios pragmáticos, é a que, segundo o autor, agrupa advérbios que permitem ao falante fazer a caracterização do que diz em termos de conteúdo ou de forma. Assim, os advérbios que caracterizam o conteúdo são do tipo de francamente, honradamente, honestamente, lealmente, sinceramente e verdadeiramente. Os advérbios que caracterizam a forma são abreviadamente, brevemente, concisamente, concretamente, grosseiramente, laconicamente, lapidarmente, resumidamente, etc. No que toca às propriedades consideradas pelo autor, este terceiro grupo é caracterizado principalmente por aceitar a forma do gerúndio falando a anteceder o advérbio (falando lealmente, falando resumidamente, etc.) e por aceitar a paráfrase de um ponto de vista + adjectivo. Além disso, não aceitam as construções negativas correspondentes, como exemplificado abaixo. (ex. (56) de Casteleiro (1982)): *Desonestamente, os jornais não prestaram atenção ao assunto. 41 Finalmente considera os advérbios sectoriais que restringem a uma dada área do saber o valor da oração que introduzem. Neste grupo encontramos advérbios como geograficamente, psicologicamente, literariamente, esteticamente, matematicamente, filosoficamente, moralmente, politicamente, etc. Os advérbios deste grupo, relativamente a propriedades, também aceitam a forma do gerúndio falando, podem co-ocorrer com frases interrogativas, mas não permitem uma forma negativa. Em resumo, a análise do autor, embora se socorra de propriedades maioritariamente sintácticas, resulta numa classificação primordialmente semântica. As classes resultantes desta classificação partilham propriedades importantes que o autor ordena e organiza, pelo que nos parece ser este trabalho de grande importância como ponto de partida para uma análise sintáctica globalizante dos advérbios de frase. 3.3. Pollock (1989): A divisão de Infl(ection) em Agr(eement) e T(ense). O trabalho de Pollock (1989) consiste em mostrar como se processa o movimento do verbo em francês e inglês partindo da ideia de que os traços morfológicos tradicionalmente integrados em Infl têm naturezas diferentes, pelo que devem ocupar projecções independentes (TP e AgrP). A análise distribucional de pares de frases do francês e do inglês leva Pollock a concluir que o comportamento dos verbos, no que respeita à subida para 42 Infl, é diferente nas duas línguas em análise. Deste modo, em estrutura de superfície, a posição que um advérbio ocupa em francês, relativamente ao verbo, é oposta à que ocupa o advérbio equivalente em inglês. (21) a. Jean embrasse souvent Marie. b. *Jean souvent embrasse Marie. c. *John kisses often Mary. d. John often kisses Mary. Como mostram os exemplos de Pollock o contraste entre estas duas línguas resulta da exigência de o advérbio ocupar a posição pós-verbal e préverbal, respectivamente em francês e em inglês. Do mesmo modo, e se for adoptada a análise de Kayne (1975) segundo a qual os quantificadores se movem para posições adverbiais, os dados das duas línguas relativamente aos quantificadores parecem apontar para a mesma linha de análise: (22) a. *My friends love all Mary. b. Mes amis aiment tous Marie. c. My friends all love Mary. d. *Mes amis tous aiment Marie. Esta assimetria verificada nas duas línguas em contextos idênticos é 43 explicada em Pollock pela possibilidade que existe em francês de qualquer verbo subir para Infl, o que apenas está disponível em inglês para os verbos auxiliares. Em termos teóricos a explicação do autor passa por defender que o nó Agr(eement) em inglês tem um carácter mais fraco que em francês (é [transparente] ou opaco, nos termos de Pollock) impedindo, desse modo, um verbo com grelha temática movido para Infl de atribuir papel-θ ao seu argumento interno. Por oposição, em francês, o carácter mais forte ([+transparente], menos opaco) de Agr(eement) permite a qualquer verbo atribuir papel-θ ao argumento seleccionado. Relativamente aos advérbios, assunto em análise, o trabalho de Pollock aponta para que a posição de advérbios como souvent e often (frequentemente) seja antes de VP ou em posição inicial de VP em estrutura-P para que possam resultar as seguintes ordens em superfície: V Adv em francês depois do movimento de qualquer verbo; Adv V em inglês sem movimento de verbos lexicais. Para confirmar a sua hipótese o autor recorre a exemplos com negação dupla: (23) 44 a. Pierre n’a rien mangé. b. *Pierre n’a mangé rien. c. Pierre ne mange rien. d. *Pierre ne rien mange. Assim, os exemplos mostram que num contexto de tempos compostos, rien só pode ocorrer entre o verbo auxiliar e o verbo principal, verificando-se, desse modo, o movimento do verbo auxiliar em francês. No caso de tempos simples, rien só pode ocorrer depois do verbo principal, caso em que se verifica também o movimento do verbo. O comportamento do português, em casos idênticos aos das línguas analisadas em Pollock (1989), parece apontar para a necessidade de uma explicação “mista”, quer no contexto dos advérbios, quer no contexto dos quantificadores. (24) a. O João beija frequentemente a Maria. b. O João frequentemente beija a Maria. c. Os meus amigos amam todos a Maria. d. Os meus amigos todos amam a Maria. De acordo com a análise de Pollock, em português o verbo deve poder mover-se (a e c) ou não (b e d) para Infl não havendo agramaticalidade em nenhum dos casos. A aplicação ao português da análise proposta para o inglês e o francês coloca a questão de saber então o que é que marca a opcionalidade de movimento do verbo em português. De notar, no entanto, que a estrutura mais corrente em português é aquela em que, segundo a análise de Pollock, existe movimento do V para Infl. 45 Relativamente ao inglês e francês, a estrutura de superfície com tempos compostos é idêntica: Aux Adv V • • em francês porque todos os verbos podem subir; em inglês porque só o auxiliar pode subir. A questão coloca-se, novamente, em relação ao português que não permite o advérbio entre o verbo auxiliar e o verbo principal. (25) a. ??O João tem frequentemente beijado a Maria.7 b. John has often kissed Mary. c. Jean a souvent embrassé Marie. Do mesmo modo não permite que um constituinte negativo ocorra entre o verbo auxiliar e o verbo principal em tempos compostos: (26) a. *O Pedro não tinha nada comido. b. O Pedro não tinha comido nada. c. O Pedro não comeu nada. Se, como o autor defende, rien (nada) não se pode mover para a esquerda de um verbo flexionado, então o português aponta para a existência de um terceiro padrão de línguas. Nestas, não só o auxiliar mas também o particípio passado tem 7 Relativamente à posição pós-verbo auxiliar de alguns advérbios verificamos que nem sempre é fácil decidir sobre o grau de gramaticalidade das estruturas. O juízo de gramaticalidade apresentado é pois disso resultado. 46 flexão, razão pela qual quer o auxiliar quer o verbo principal (particípio) têm obrigatoriamente de se mover nos tempos compostos. Em resumo, os três padrões de línguas serão: - o padrão do inglês em que só verbos auxiliares, como have e be, se movem para Infl dado o carácter opaco de Agr; - o padrão do francês em que apenas se movem os verbos auxiliares nos tempos compostos; - finalmente, o padrão do português onde verbos auxiliares e verbos principais, sob a forma de particípios, têm obrigatoriamente de se mover nos tempos compostos. Alternativamente, uma outra explicação para a subida do verbo e/ou para a distribuição dos advérbios tem de ser encontrada. A secção seguinte apresentará argumentos que, com base nos dados de uma língua que não o inglês ou o francês, apoiam outra explicação para este fenómeno. 3.4. Ambar (1989): Subida do verbo, posição do sujeito e dos advérbios Com base em estruturas com alteração da ordem canónica do sujeito relativamente ao verbo, a autora propõe-se apresentar argumentos a favor da ideia de que existe na gramática um movimento sistemático do verbo para a direita. A partir da análise de estruturas interrogativas qu- do tipo abaixo exemplificado (exs. (1), (2) e (5) de Ambar (1989), respectivamente) : 47 (27) (28) (29) (30) a. Que prémio ganhou esse actor? b. Que prémio esse actor ganhou ? a. Que ganhou esse actor ? b. *Que esse actor ganhou ? a. Que tem esse actor ganho ? b. Que tem ganho essa actor ? Que ofereceu o Pedro à Maria ? e assumindo que a estrutura dos constituintes qu- interrogativos inclui uma cabeça nominal, a autora defende que só a presença de uma categoria regente em Cº pode evitar a agramaticalidade de (28b). Assim, na sua análise a possibilidade de movimento cabeça a cabeça permite ao verbo ocupar a cabeça da projecção em cujo Spec ocorre o Qu- com o N vazio. Sobretudo frases como as de (29a) e (30) constituem argumento a favor da hipótese da autora na medida em que a presença do NP sujeito entre o verbo auxiliar e o particípio passado do verbo principal dificilmente pode ser explicada com base no movimento deste NP para a direita como defendido em Kayne e Pollock (1978). A existir, tal movimento teria como efeito quebrar um constituinte verbal complexo ao introduzir-se o sujeito entre o V auxiliar e o V principal., (cf. (29a), ou entre o V principal e o seu complemento (cf. (30)). 48 É assim que ganha força a ideia do movimento do verbo para uma posição superior à sua posição básica, em detrimento de um movimento do NP sujeito para uma posição abaixo daquela onde é gerado. Contudo, se as frases com interrogativas Qu-, acima exemplificadas, parecem apontar no sentido do movimento do verbo para Cº, o caso complica-se perante estruturas com um advérbio como a seguinte: (31) Penso que finalmente comprou o Pedro o jornal.8 Seguindo a proposta inicial para as interrogativas Qu-, a autora é levada a analisar a possibilidade de uma estrutura em que o advérbio ocorreria em Cº com o complementador e com o verbo movido. Vai, no entanto, rejeitar esta hipótese porque nem mesmo assumindo que complementador e verbo formam um complexo descontínuo conseguiria explicar como é que o advérbio ocorre no meio desse complexo. Da mesma forma, mas por razões diferentes, rejeita também uma segunda hipótese que faz apelo ao movimento impróprio de adjunção de categorias Xº a projecções máximas (pela adjunção do V e do advérbio a IP). Outra das hipóteses sugeridas pela autora é considerar que o advérbio é gerado em Spec de CP dado que alguns advérbios aparentemente aí são gerados (exs. (26) de Ambar (1989): (32) a. Evidentemente que o Pedro gosta de cinema. 8 A gramaticalidade desta frase depende, como refere a autora, de um valor de foco sobre o constituinte o Pedro. 49 b. Felizmente que ele não se apercebeu da situação. Mas se (32) é perfeitamente gramatical o mesmo não podemos dizer de (33). (ex. (28) de Ambar (1989)): (33) a. *Penso que evidentemente que o Pedro gosta de cinema. b. *O Pedro pensa que felizmente que ele não se apercebeu da situação. pelo que é abandonada a proposta de geração de base do advérbio em Spec de CP. Alternativa a considerar que o advérbio é gerado em Spec de CP é admitir, como muitos outros autores, que o sujeito é gerado dentro do VP como especificador. Assim sendo, a posição de Spec de TP seria uma posição disponível, por exemplo, para os advérbios e facilmente se poderia derivar a ordem de estruturas como (31) . Considerando a representação da frase proposta por Pollock (1988) (34) TP NP T’ T AGR’ AGR VP V 50 AGR’ VP V NP a autora questiona a razão de AGR não ser cabeça de uma projecção máxima e propõe assumir-se uma uniformização da teoria X’. Desta uniformização resulta que AGR passa a ser uma cabeça que projecta uma projecção máxima contemplando agora uma posição Spec disponível para o movimento do sujeito. Desta forma, e se se aceitar a necessidade de um movimento do sujeito para este Spec como explicação para o fenómeno de concordância nas línguas, ao assumir que advérbios como os de tempo ocupam a posição de Spec da categoria TP assume-se, consequentemente, a existência da mesma relação de concordância para os advérbios. Além disso, e tratando-se de uma relação prevista pela teoria, espera-se que esteja também disponível a posição de Spec de outras categorias para outros advérbios. É neste sentido, e admitindo a existência de várias subclasses de advérbios nas línguas, que a autora propõe que o advérbio seja basicamente engendrado na posição de Spec das várias categorias que modifica. Deste modo, como defende, poderíamos explicar a existência de distinções semânticas na classe dos advérbios através da relação de adjacência que eles mantêm com as cabeças que modificam. As posições naturais, que, em superfície, surgem sem pausa, são as de Spec da categoria modificada; as posições marcadas, as que, em superfície, se fazem acompanhar de pausa, são as posições de adjunção à projecção máxima cuja cabeça o advérbio modifica. 3.5. Belletti(1990): A subida do verbo em italiano. 51 O objectivo do trabalho de Belletti(1990), Generalized Verb Movement. Aspects of Verb Syntax, consiste principalmente em comprovar a necessidade da existência de movimento sistemático do verbo, como já anteriormente sugerido, por exemplo, em Pollock (1989) e Ambar (1989) para explicar alguns fenómenos sintácticos. Na primeira parte do referido trabalho a autora parte do pressuposto de que existe em italiano um movimento sistemático da cabeça verbal (verbo) para a cabeça flexional mais alta. Com esta proposta procura-se determinar a posição básica de diferentes advérbios. Em primeiro lugar, propõe uma estrutura de frase idêntica à de Pollock (1989), no sentido em que também assume a existência da divisão de Infl em AGR e T. Porém, e considerando dados do italiano, língua morfologicamente mais rica do que o inglês, Belletti (1990) defende que o movimento sucessivo do verbo deve encontrar um reflexo directo na ordem dos afixos verbais. Para isso é necessário que seja AGR a c-comandar T na estrutura da frase, uma vez que nas formas flexionadas de qualquer verbo, o último afixo (desinência) a juntar-se ao radical é o de concordância (AGR(eement)). No que respeita à posição relativa da negação, a autora distingue advérbios negativos de negação propriamente dita. As questões que se colocam relativamente à negação e aos advérbios negativos dizem respeito à posição que ocupam na estrutura da frase, quer se considere a estrutura-P quer a estrutura-S. Em Pollock (1989) é proposta a existência de uma projecção NEGP entre AGRP e TP. De acordo com os dados em análise no trabalho de Belletti a cabeça daquela projecção seria ocupada por non no italiano, da mesma forma que Pollock 52 propõe que ne a ocupe em francês. A posição de especificador dessa projecção NEGP seria a indicada para os (já referidos) advérbios negativos, pressupondo também que a cabeça da negação teria, de alguma maneira, um carácter clítico que a faz mover-se com o verbo. Depois de assumida a projecção NEGP com ne e non como cabeça e os advérbios negativos como especificadores, de acordo com Belletti (1990) o que distinguiria as duas línguas seria a possibilidade ou obrigatoriedade de preenchimento da posição de especificador de NEGP em italiano e francês, respectivamente. (35) a. Gianni non parla più. (Belletti (1990), (8)a) b. Maria non rideva ancora. (Belletti (1990), (8)b) c. Lui non diceva mai la verità. (Belletti (1990), (8)c) (35) AGRP NP AGR’ AGRº NEG NEGP T ADV NEG’ più NEGº mai non TP ancora T’ Tº VP V 53 A derivação das frases de (35) resulta, na análise da autora, de três movimentos. Um primeiro que move non para AGR, seguido do movimento de V para T e do subsequente movimento de T, incorporando o V, para AGR. Quando se trata da negação com tempos compostos, temos duas situações distintas. Por um lado, o caso em que a negação não é reforçada por um advérbio negativo e em que se verifica um comportamento idêntico ao verificado com os tempos simples (subida do Aux para AGR). Por outro lado, o caso em que a negação é composta pela partícula de negação propriamente dita e por um advérbio negativo, existem então duas situações possíveis com tempos compostos, como mostra a autora. Assim, pode resultar a ordem: (37) Aux Advneg Particípio através da subida do particípio até AgrOP e do Aux até AGRP mais alto, ocupando o advérbio uma posição entre os dois. (38) (representação (18/19) de Belletti (1990)) AGRP NP AGR’ AGRº 3 pers sing NEGP più NEG’ NEGº non 54 TP TP T’ Tº AUXP pres AUX AGRP avere AGR’ AGRº VP -t(o) VP V’ Vº parla- A alternativa seria: (39) Aux Particípio Advneg uma ordem marcada para alguns falantes do italiano. (40) a. Gianni non há parlato più. (Belletti (1990), (14)a) b. Maria non è uscita mai. (Belletti (1990), (14)ba) c. I ragazzi non hanno incontrato ancora i loro amici. (Belletti (1990), (14)c) 55 Contrastivamente, o português parece dispor apenas desta ordem com tempos compostos, como já havíamos referido em 3.3.9. Para derivar esta última ordem possível Belletti propõe duas hipóteses: - ou se verifica uma incorporação do particípio no auxiliar movendo-se ambos para AGR mais alto; - ou a posição que o advérbio negativo ocupa é outra, possivelmente em início de VP como acontece com outros advérbios. Considerando a primeira hipótese, a ordem Aux Particípio Adv será sempre possível se o advérbio ocupar uma posição abaixo de AGRO. Com a segunda hipótese, prediz-se que seja possível a ordem Aux Particípio Adv se o advérbio ocorrer numa posição abaixo de AGRO; se isto não se verificar a ordem resultante será sempre Aux Adv Particípio. De facto, a autora refere contextos do francês que apoiam a ideia de os advérbios negativos poderem ser gerados numa posição mais baixa do que Spec de NEGP. Assim, e assumindo que pas em francês ocupa a posição de Spec de NEGP que tem de ser preenchida obrigatoriamente nesta língua, os exemplos com o verbo no infinitivo mostram pelo contraste entre pas e plus que o advérbio negativo é gerado necessariamente numa posição mais baixa do que Spec de NEGP: (41) 9 a. (?)Pierre dit ne manger plus. (Belletti (1990), (20)) b. Pierre dit ne pas manger. (Belletti (1990), (21)a.) Como referímos naquela secção, na maioria dos casos não é evidente que juízo de gramaticalidade atribuir às frases. A nossa intuição, no entanto, é de que a ocorrência de um 56 c. *Pierre dit ne manger pas. (Belletti (1990), (21)b.) d. Pierre dit ne plus manger. (Belletti (1990), (22)) Os contrastes entre francês e italiano apontam também, como observado pela autora, para uma obrigatoriedade de preenchimento de Spec de NEGP em francês (pas), e para a possibilidade de preenchimento de Spec de NEGP em italiano (più, mai,...). Além disso, este comportamento distinto nas línguas em estudo aponta ainda para uma subdivisão nos adverbiais negativos em francês que não se verifica em italiano. Neste sentido, o francês dispõe de um elemento, pas, cuja distribuição se resume à posição de Spec de NEGP; por outro lado, possui elementos negativos como plus que podem ocupar a posição Spec de NEGP (como acontece em italiano com più, mai, etc.), mas que também podem ocupar uma posição mais baixa (provavelmente início de VP) à semelhança do que se verifica também em italiano. Em suma, o francês dispõe de dois tipos de advérbios negativos e o italiano de um tipo apenas. É curioso, no entanto, verificar que o italiano regista dois comportamentos diferentes, tal como acontece com os advérbios negativos em francês, mas com advérbios positivos como già, sempre, pur e ben. Assim, temos, por um lado, già e sempre que podem ocorrer em início de VP ou em Spec de NEGP: (42) a. Maria parlava sempre/già di lui. (Belletti (1990), (23)a) b. Maria ha sempre/già parlato di lui. (Belletti (1990), (23)b) c. Maria non parlava già/sempre di lui. (Belletti (1990), (29)a) d. Maria non ha già/sempre parlato di lui.(Belletti (1990), (29)b) advérbio entre o auxiliar e o particípio é sempre uma opção marcada. 57 Por outro lado, temos pur e ben que, podendo ocorrer em início de VP, não podem contudo ocorrer em Spec de NEGP: (43) a. Maria parlava pur/ben di lui. (Belletti (1990), (23)c) b. Maria ha pur/ben parlato do lui. (Belletti (1990), (23)d) c. *Maria non parlava pur/ben di lui. (Belletti (1990), (29)c) d. *Maria non ha pur/ben parlato di lui. (Belletti (1990), (29)d) De acordo com os dados acima descritos concluimos que o italiano dispõe de dois tipos de advérbios positivos: um tipo (sempre/già) que pode ocorrer seja em Spec de NEGP (adquirindo valor negativo), seja em início de VP; e um outro (pur/ben) que apenas pode ocorrer em início de VP. Com base na hipótese, avançada pela autora, de estes constituirem a contraparte positiva dos advérbios negativos, parece-nos talvez mais correcto pensar que apenas già e sempre, de entre os advérbios positivos indicados, possam desempenhar tal papel. Nesse caso, o seu valor de polaridade parece estar em relação com a presença ou não da negação na frase. Relativamente aos advérbios de frase, Belletti (1990) considera três posições possíveis: - posição inicial; - posição final antecedida de pausa; 58 - e posição pós-sujeito. De acordo com a autora (e ao contrário de Jackendoff (1972) que assume a posição pós-sujeito como a posição básica destes advérbios), a posição típica dos advérbios de frase é a posição inicial; o advérbio ocupa uma posição adjunta a AGRP (cf. representação (44)), a projecção mais alta da frase. A posição final resulta da deslocação do advérbio à direita e a posição pós-sujeito resulta da topicalização do sujeito (cf. representação (45)): (44) (representação (31) de Belletti (1990)) AGRP ADV probabilmente evidentemente AGRP NP AGR’ AGRº TP T’ Tº VP ... (45) (representação (34) de Belletti (1990)) TOPP TOP’ TOPº CP Gianni C’ Cº AGRP ADV probabilmente AGRP NP AGR’ AGRº TP telefonerà T’ Tº VP ... alle 5 59 Como verificámos na análise dos advérbios negativos, a distribuição dos advérbios de frase também apresenta contrastes importantes nas várias línguas. (46) (47) a. Gianni probabilmente telefonerà alle 5. (Belletti (1990), (32)a.) b. John probably likes linguistics. (Belletti (1990), (36)a.) c. *Jean probablement aime la linguistique. (Belletti (1990), (36)b.) d. O João provavelmente ama a linguística. a. Gianni probabilmente ha sbagliato troppe volte. b. John probably has made several mistakes. (Belletti (1990), (37)a.) c. *Jean probablement a fait plusieurs erreures. (Belletti (1990), (37)b.) d. O João provavelmente tem feito muitos erros. Ao contrário do que se admitia na análise de Pollock (1989) que justificava as diferentes posições de often e souvent em inglês e francês, respectivamente, pela ausência de subida do verbo vs. a obrigatoriedade desse movimento, nestes casos os contrastes não podem dever-se à ausência de movimento do verbo no francês, onde ele é obrigatório. Por outro lado, tal como em francês, em italiano e em português, o movimento é obrigatório e, no entanto as frases equivalentes às agramaticais francesas são, nestas línguas, gramaticais. Por isso, e não querendo recorrer à hipótese de que os advérbios se movem em determinadas condições, a autora propõe-se explicar os referidos contrastes com base noutros processos sintácticos. 60 Nesse sentido, o que parece ser factor de distinção entre francês por um lado e inglês, italiano, português por outro, é repectivamente a impossibilidade vs. possibilidade de topicalização nas línguas. Assim, segundo a autora, o parâmetro que opõe estas línguas incide sobre o processo de topicalização. A análise dos advérbios de frase com tempos compostos levanta contudo mais problemas. As posições possíveis para estes advérbios são as que estão disponíveis no contexto de tempos simples. Para além dessas, existe uma posição entre o auxiliar e o particípio passado. Para derivar esta última posição Belletti (1990) apresenta diferentes possibilidades de explicação. Excluindo a possibilidade de o advérbio ser gerado como modificador de AGRP, a cabeça da frase, posição que gerava uma ordem impossível em que più teria necessariamente que dominar ou anteceder probabilmente, o que empiricamente não se verifica, Belletti aponta para uma segunda hipótese de acordo com a qual apenas a posição inicial, adjunta a AGRP, estaria disponível para estes advérbios. Porém com esta hipótese levantam-se problemas nos casos em que o sujeito é um quantificador negativo, que não pode deslocar-se à esquerda: (48) a. Lui ha probabilmente sbagliato. b. *?Nessuno ha probabilmente sbagliato troppe volte. Finalmente, a terceira hipótese sugerida aponta para a ocorrência dos advérbios de frase em posição inicial e entre as duas cabeças funcionais mais altas. Neste caso, o advérbio só pode aí ocorrer se existir um auxiliar na frase. A autora baseia esta hipótese na possibilidade de recursividade livre de 61 AGRP, mas considerando que apenas uma das projecções AGRP é preenchida com traços morfológicos. As outras posições AGR seriam posições vazias que, provavelmente, só os auxiliares podem ocupar. No que respeita à ordem: Aux Particípio Passado Adv. a autora sugere, como já referido, duas hipóteses de análise: uma que supõe a incorporação do particípio no auxiliar e outra que assenta na ideia de os advérbios ocuparem uma posição mais baixa do que Spec de NEGP. Na análise dos advérbios negativos vimos que, se a posição final do advérbio se deve à incorporação do particípio no auxiliar, a ocorrência pósparticípio do advérbio deve ser sempre possível. Na opinião da autora os dados dos advérbios de frase são importantes por mostrarem, através da impossibilidade de o advérbio ocorrer depois do particípio, que não existe processo de incorporação em italiano. (49) a. *Lui ha sbagliato probabilmente. b. *Maria ha rivelato (Belletti (1990), (61)a) evidentemente il segreto. (Belletti(1990), (61)b) Assim sendo, a possibilidade que nos resta é a de considerar que os advérbios negativos podem ocupar também uma posição mais baixa que Spec de NEGP, provavelmente como advérbios de VP. Após a análise do comportamento dos advérbios negativos e dos advérbios 62 de frase, a autora passa a uma terceira classe de advérbios que classifica como “advérbios mais baixos”, de que são exemplo spesso e completamente. As principais características que aponta são o facto de ocorrerem numa posição mais baixa do que a negação e de tipicamente não ocorrerem em posição inicial de frase. (50) a. Non ha mai parlato spesso con te. (Belletti (1990), (66)a) b) *Non ha spesso parlato mai con te. (Belletti (1990), (66)b) Com base em dados com verbos transitivos a autora postula a posição em início de VP como a posição básica destes advérbios. (51) a. Quel medico risolverà completamente/spesso i tuoi problemi. (Belletti(1990), (67)a e b) b. Quel medico risolverà i tuoi problemi completamente/spesso. (Belletti(1990), (68)a e b) Assim, a posição pós-verbal seria o resultado directo da subida do verbo, e a posição final a consequência da adjunção do advérbio à direita do VP. Um contraste apontado pela autora e que parece opor, de algum modo, estes dois advérbios consiste na possibilidade, de que apenas spesso dispõe, de ocorrer em posição inicial de frase. (52) a. Spesso Gianni sbaglia. (Belletti(1990), (69)a) b. *Completamente Gianni sbaglia. (Belletti(1990), (69)c) 63 Também a este respeito, e não querendo fornecer mecanismos específicos para a explicação do comportamento dos advérbios, a autora atribui a propriedades de carácter lexical a impossibilidade de completamente ser topicalizado, contrariamente ao que se verifica com spesso que, quando em início de frase, para aí foi movido. Os argumentos a favor desta hipótese de topicalização do advérbio advêm-lhe de frases do italiano que com um constituinte topicalizado, nomeadamente o complemento directo, para além do advérbio, resultam em construções mal-formadas. O mesmo comportamento não se verifica quando, pelo contrário, apenas o complemento é topicalizado permanecendo o advérbio na sua posição de base. Além disso, não havendo distinção entre spesso que é passível de ser topicalizado e completamente que não é, não haveria forma de explicar porque é que apenas o primeiro destes advérbios pode ocorrer em posição imediatamente pós-sujeito. A única hipótese possível e que contraria o objectivo do trabalho da autora seria a de admitir que nem sempre existe movimento do verbo em italiano. Relativamente à posição que estes advérbios ocupam em frases com tempos compostos, a autora, apresenta estes contextos também como argumento a favor da hipótese de que a posição básica dos advérbios em questão é em início de VP. Assim, e em presença de tempos compostos, os advérbios em análise (spesso e completamente) podem ocorrer depois do auxiliar e do particípio e em posição final. No que respeita à posição entre o auxiliar e o particípio, ao contrário do que se verifica com a maioria dos outros advérbios, spesso não pode ocorrer em tal posição. Curiosamente, o advérbio completamente pode, sem que 64 as frases resultem agramaticais. A explicação da autora para este facto vai no sentido de considerar que, embora sendo um advérbio de VP como spesso, completamente pode também ocorrer em adjunção a TP. 3.6. Cinque (1993): Uma hierarquia dos advérbios e respectivas posições funcionais Assumindo Kayne (1993), Cinque considera apenas um especificador por XP sem adjunções adicionais. Considera que apenas existe variação paramétrica na morfologia, nomeadamente no que respeita ao movimento de cabeças de verbos auxiliares. Neste sentido defende também que as construções de verbos complexos são indicadoras das posições funcionais que existem na estrutura. Na mesma linha de pensamento de Ambar (1989) e de Belletti (1990), este autor defende que as posições de superfície pré ou pós particípios passados se devem a movimentos suplementares destes verbos e não dos advérbios. Um exemplo que apresenta a favor desta ideia diz respeito à ordem relativa de advérbios e quantificadores que, segundo afirma, é fixa. (exs. de Cinque (1993) retirados das notas do autor de Girona International Summer School in Linguistics). (53) a. Ils ont tous tout bien fait. b. Hanno fatto tutti tutto bene. c. Hanno tutti fatto tutto bene. 65 O contraste entre francês e italiano, como o autor evidencia, consiste no movimento do particípio do italiano para uma posição mais alta do que a ocupada pelo particípio correspondente em francês (cf. exemplos anteriores). Com base nestas ideias e assunções iniciais, Cinque propõe-se estabelecer uma hierarquia das posições de ocorrência dos advérbios na estrutura da frase. No que respeita à posição dos advérbios e quantificadores em italiano e francês, a sua análise consiste em três fases distintas: - testar as posições relativas dos diferentes advérbios; - testar as diferentes ordens relativas dos vários quantificadores; - testar as ordens relativas de advérbios e quantificadores: Ordem relativa entre advérbios: (exemplos de Cinque (1994)) Francês pas > déja déja > plus pas > plus Italiano mica > già già > più mica > più (54) (55) a. Si tu n’as pas déja mangé *déja pas b. Ils n’ont déja plus rien reçu *plus déja a. Non hanno mica già chiamato, che io sappia *già mica b. Non hanno ricevuto già più nulla *più già Relativamente aos quantificadores do francês, o autor sugere a seguinte ordem relativa: 66 FQS (56) > FQIO > FQDO a. Ellesi leurj ont toutesi tousj parlés bien. b. Je lesi leurj ai tousj toutesi montrées. c. Ellesi lesj ont toutesi tousj vus. Finalmente, a última ordem relativa analisada é entre advérbios e quantificadores. FQS > bien FQS > tout FQS (57) (58) (59) > complètement a. Ils ont tous bien compri. b. Je leur ai tous bien répondu. c. Je les ai tous bien preparés. a. Ils ont tous tout lu b. Je leur ai tous tout donné. a. Elles ont toutes complètement fini. b. Je leur ai tous complètement racconté l’histoire. c. Je les ai tous complètement refaits. Desta análise resulta uma ordem de advérbios entre os quais é, em alguns casos, possível inserir quantificadores. Assim, e considerando a seguinte ordem: pas - déja - plus - toujours - complètement - tout - bien 67 apenas é possível, de acordo com a análise de Cinque, inserir quantificadores entre pas e déja, entre plus e toujours e entre toujours e complètement. Analisadas todas as posições possíveis para os advérbios, o autor admite a hipótese de algumas delas não serem posições básicas mas antes posições resultantes do movimento de alguns adverbiais que considera ‘leves’ (“movement of light elements”). Assim sendo, segundo Cinque, talvez esse movimento seja uma espécie de movimento-A dos advérbios. Além disso, e como refere, parece que existem casos de movimento-A’ por exemplo quando o advérbio mica, do italiano, se move para uma posição pré-verbal. (60) a. Gianni non ha mica mangiato. b. Gianni mica ha mangiato.10 Independentemente das particularidades de algumas línguas, na opinião de Cinque, a ordem relativa dos advérbios é uniforme nas diferentes línguas. Por isso, e em conformidade com a análise desenvolvida, apresenta uma hierarquia das várias posições funcionais e os elementos que podem ocupar as respectivas posições de especificador. Categoria funcional AGRS Especificadores NP sujeito T1 Modal - 1 unfortunately, luckily (advérbios orientados para o sujeito locutor) 10 Mood probably, certainly, perhaps, surely Modal - 2 intelligently, quickly Segundo refere Cinque, o movimento de mica para uma posição mais alta resulta na eliminação de non. 68 3.7. ∑ (advérbios orientados para o sujeito) T2 déja ASP1 plus ASP2 toujours, habituellement AGR - IO FQ - IO AGR - DO FQ - DO X complètement ASP3 tout VOICE bien pas Laenzlinger (1993): O Critério-Adv e o modelo X’ com duas posições de Spec. O objectivo do autor no presente trabalho é o de estabelecer a distribuição dos advérbios, cujo comportamento se apresenta mais livre do que o dos argumentos verbais. Advérbios e argumentos assemelham-se, segundo o autor, pelo facto de serem condicionados por princípios, embora os argumentos se submetam ao critério temático e os advérbios ao critério-Adv. Além disso, o autor assume o estatuto de operador para os advérbios, que devem por isso ocupar uma posição Spec-A’, num modelo-X’ com duas posições Spec. O objectivo desta inovação no modelo-X’ é, na opinião do autor, o de eliminar a adjunção livre por um lado, e o de aproximar a posição dos advérbios da dos elementos lexicais que satisfazem o critério-Adv (ver (63)) Em termos da classificação dos advérbios, o autor faz três tipos de 69 distinções. A primeira é uma distinção sintáctico-semântica entre os advérbios seleccionados e os adjuntos. (61) a. Jean va *(là-bas). (Laenzlinger (1993), (3) a.) b. John goes *(there). (Laenzlinger (1993), (3) b.) c. O João vai *(aí). Enquanto os primeiros -advérbios seleccionados - ocupam uma posição dependente do verbo que os selecciona, os segundos -os advérbios adjuntos respeitam algumas restrições, também, mas não ocupam um lugar na grelha temática do verbo. Por isso dispõem de uma mobilidade grande que constitui, de certo modo, o objecto de análise do trabalho do autor (e nosso também). A segunda distinção que o autor apresenta é essencialmente sintáctica e consiste em separar, dentro do grupo dos adjuntos, os advérbios de VP dos advérbios de frase (classificação tradicionalmente assumida na literatura). O factor da separação destas duas classes incide basicamente sobre o seu movimento e interpretação. Os advérbios de frase ocupam posições cujo alcance é toda a frase, condicionando também a interpretação da mesma; os advérbios de VP ocupam, tipicamente, posições no âmbito do VP, o que em termos de interpretação pode condicionar só o verbo (enquanto cabeça da projecção) ou qualquer categoria ou elemento gerado dentro do VP (sujeito e complemento, nomeadamente). A terceira classificação é essencialmente semântica. O autor considera a distinção entre advérbio de frase e de VP e dentro de cada uma das duas classes encontra subclasses semânticas. Assim, subdivide os advérbios de frase em 70 modais, advérbios orientados para o sujeito, advérbios de tempo, de lugar e advérbios aspectuais; os advérbios de VP são subdivididos em advérbios orientados para o verbo, orientados para o objecto, orientados para o sujeito e aspectuais/quantificadores. Na tentativa de definir o estatuto lexical, categorial e funcional dos advérbios, o autor defende que o advérbio constitui uma categoria que por si só foge à tradicional classificação com base nos traços [+N/+V]. Esta categoria tem a capacidade, além disso, de projectar uma categoria máxima, embora, dado o estatuto de operador, a maioria dos advérbios não possa subcategorizar. O estabelecimento de um princípio formal legitimador da distribuição do advérbio passa pela criação do ‘critério-Adv’; uma particularização do Critério de Licenciamento Generalizado de Sportiche (1992): (62) Critério de Licenciamento Generalizado11: (i) Uma cabeça [+F] deve estar numa relação Spec-Head com um XP [+F]. [+F]. (ii) Um XP [+F] deve estar numa relação Spec-Head com uma cabeça A adaptação que o autor faz deste princípio consiste em restringi-lo à primeira condição, uma vez que o seu objecto de estudo são os advérbios livres/adjuntos e não os seleccionados pelo verbo. Assim, (63) 11 Critério-Adv: A tradução que apresentamos em (62) é da nossa autoria. 71 Um sintagma adverbial (ADVP) [+F] deve estar numa configuração SpecHead com uma cabeça (Xº) [+F]. Este critério associado ao modelo-X’ com duas posições de Spec (A e A’), onde o advérbio ocupa sempre o Spec-A’, são os instrumentos básicos para a análise dos advérbios que o autor se propõe desenvolver. Começando pelos advérbios de frase e particularmente pelos modais, a posição em que o autor acredita que estes advérbios satisfazem o critério-Adv é a posição Spec-A’ de CP. Isto porque os advérbios modais se caracterizam por predicar sobre os valores de verdade que em geral se crê estarem em Cº. Para corroborar esta ideia o autor aponta o caso das interrogativas-WH onde é impossível encontrar um advérbio de frase modal. (64) a. *Probably who left? (Laenzlinger (1993), (41) a.) Contudo, o facto de esta ser a posição onde o advérbio é legitimado em LF não impede que ele ocorra em diferentes posições em estrutura-S. (65) 72 a. John has probably read Chomsky’s book. (Laenzlinger (1993), (43) a.) b. Probablement, Jean a lu le livre de Chomsky. (Laenzlinger (1993),(6) a.) c. Jean a lu le livre de Chomsky, probablement. (Laenzlinger (1993),(6) b.) d. Jean, probablement, a lu le livre de Chomsky. (Laenzlinger (1993),(6)c.) e. Jean lit probablement le livre de Chomsky. (Laenzlinger (1993), (6) d.) f. Jean a probablement lu le livre de Chomsky. (Laenzlinger (1993), (6) e.) g. Jean a lu probablement le livre de Chomsky. (Laenzlinger (1993), (6) f.) Embora intuitivamente a hipótese de o advérbio estar em Spec-A’ de CP pareça fazer sentido, ela não só não apresenta uma forma de derivar as várias posições de superfície que estes advérbios podem ocupar, como também não aponta características que possam explicar os contrastes existentes entre os dados do francês e os do português em relação à posição pré-verbal e à posição pósauxiliar. Assim, se em francês é possível a ocorrência destes advérbios entre o auxiliar e o particípio passado, contrastando com o português onde são algo marginais, (66) a. Jean a probablement lu le livre de Chomsky. (Laenzlinger (1993), (6) e.) b. ??O João tinha provavelmente lido o livro do Chomsky.12 em português é possível que o advérbio ocupe a posição pré-verbal (ou préauxiliar) por oposição ao francês. (67) a. O João provavelmente tinha lido/leu o livro do Chomsky. b. *Jean probablement lit le livre de Chomsky. 12 A gramaticalidade da frase é total, quanto a nós, se sobre o advérbio cair um acento de intensidade. 73 Os advérbios de frase orientados para o sujeito (rudely, courageously, intentionally) têm a particularidade de se submeter a duas condições: o critérioAdv e o princípio de predicação. Segundo o autor, este tipo de advérbios predica sobre o sujeito ou agente e sobre uma variável EVENTO; por isso o critério-Adv terá, neste caso, que ser satisfeito na posição Spec-A’ de uma projecção cuja cabeça reúna os referidos traços semânticos de Evento, provavelmente Iº. Além do critério-Adv o princípio de predicação é satisfeito, segundo o autor, numa configuração de m-comando mútuo entre o advérbio e o sujeito. A posição mais provável para este tipo de advérbios é, assim, Spec-A’ de IP porque aí pode satisfazer ambos os requisitos. (68) (Laenzlinger (1993), (44)) IP Spec-A’ I’ Adv Spec-A Rudely NP John I’ I event VP spoke to the Queen. fact Ainda dentro da classe dos advérbios de frase, mas considerando agora os advérbios de tempo e de lugar, também estes têm de ocorrer em Spec-A’ de IP cuja cabeça dispõe dos traços semânticos relevantes, pelo menos em LF. 74 Na apresentação do tratamento dado aos advérbios desta subclasse são apresentados exemplos em que a posição que os advérbios ocupam em estrutura-S é muito mais variada e não corresponde à posição que ocupa em LF onde o autor assume que se aplica o critério-Adv. Além disso, a aplicação da sua hipótese de análise a diferentes instâncias de advérbios de tempo, apenas no inglês, mostra que a análise não é suficientemente forte. Os exemplos do inglês que o autor apresenta apontam para a existência de algumas diferenças de comportamento dentro do grupo dos advérbios de tempo, nomeadamente entre advérbios como yesterday (ontem) e recently (recentemente). (69) a. Yesterday John read Chomsky’s book. (Laenzlinger (1993), b. John read Chomsky’s book yesterday. (Laenzlinger (1993), (45)b.) c. *John has yesterday read Chomsky’s book. (Laenzlinger (1993), (45)c.) d. John has recently read Chomsky’s book. (Laenzlinger (1993), (45)d.) (45)a.) Se aos dados apresentados acrescentarmos os equivalentes em português, talvez deixemos de ter motivos para prever divisões dentro do grupo dos advérbios de tempo, como sugere o autor. (70) a. Ontem o João leu o livro do Chomsky. b. O João leu o livro do Chomsky ontem. 75 c. *O João tinha ontem lido o livro do Chomsky. d. ??O João tinha recentemente lido o livro do Chomsky.13 Assim, não parece empiricamente plausível, com base nos dados de (70), supor que haja distinção entre os dois advérbios porque registam exactamente o mesmo comportamento. A agramaticalidade observada em (70c) e a marginalidade de (70d) não tem a ver, como justifica o autor para o inglês, com diferentes naturezas categoriais dos advérbios envolvidos, mas antes com a posição que eles ocupam, na estrutura da frase. Como referímos em outros pontos do capítulo 3, em português alguns advérbios podem ocorrer na posição entre o auxiliar e o particípio passado desde que sejam destacados de alguma forma. Parece-nos assim mais provável supor que a diferença entre (69c) e (d) no inglês resulta do facto de os advérbios ocuparem posições distintas na estrutura, embora em estrutura-S as frases sejam idênticas. Relativamente aos advérbios aspectuais, a análise apresentada não parece muito segura. Embora a classificação dos advérbios deste grupo seja muito difícil, parece não haver dúvidas para considerar advérbios de movimento (quickly, slowly) e advérbios de frequência (frequently, often, sometimes). A dificuldade de análise desta classe reside, essencialmente, no facto de existirem traços semânticos de aspecto distribuídos por várias cabeças da frase, nomeadamente verbo, Infl e Aspecto. Apesar disso a verificação do critério-Adv., segundo o autor, é feita em Spec-A’ de AspP assumindo que essa projecção existe na estrutura. De acordo com a sua análise, o movimento do verbo para a cabeça ASPº serve o objectivo de 76 atribuir ao verbo as especificações semânticas mais adequadas. Um verbo de actividade associar-se-á a um traço aspectual [+processo], um verbo estativo a um traço [+estado] e assim sucessivamente. Os advérbios tradicionalmente classificados como advérbios de VP recebem tal denominação pelo facto de predicarem não sobre toda a frase mas apenas sobre um domínio restrito: o sintagma do verbo (VP). Neste artigo são subdivididos em quatro classes, como vimos atrás, cujas interpretações podem ser, principalmente, modo, instrumento ou quantificação. De acordo com o autor os advérbios de VP ocupam a posição Spec-A’ de VP embora possam predicar sobre o sujeito, o objecto, o aspecto e sobre o próprio verbo. Também em relação a esta classe de advérbios o autor não diz que outras posições podem ocupar, apenas referindo a impossibilidade de ocorrerem em início de frase onde o critério-Adv não seria satisfeito porque não se verifica a relação Spec-Head com o verbo, cabeça da projecção onde é satisfeito o referido critério. Ainda em relação aos advérbios de VP, se realmente ocupam a posição Spec-A’ de VP onde satisfazem o critério-Adv numa relação Spec-Head com a cabeça verbal, dadas as interpretações possíveis, devemos assumir ou esperar que essa cabeça verbal não só tenha traços de natureza verbal mas também indicações relativamente ao complemento que selecciona e ao sujeito que exige. Só assim parecem ser possíveis interpretações orientadas para o sujeito e para o objecto. Alternativa para esta hipótese é considerar que o critério se verifica em estruturaP antes de qualquer movimento para fora de VP. Deste modo, compreender-se-ia naturalmente que um advérbio em Spec-A’ de VP pudesse ter uma interpretação 13 Cf. nota anterior. 77 orientada para cada uma das posições ou dos elementos que ocorrem dentro do VP. (71) VP Spec-A’ Adv VP Spec-A sujeito V’ Vº Compl. A configuração em que ocorrem uns relativamente aos outros regista uma relação de c-comando do Adv sobre todos os outros elementos: sujeito, verbo e complemento. Em resumo a análise de Laenzlinger (1993) consiste essencialmente em assumir que os advérbios ocupam posições Spec, e não posições de adjunção, e mais concretamente Spec-A’. Deste modo, numa posição Spec-A’ o advérbio deve estar em condições de satisfazer o critério-Adv por uma relação de concordância entre o dito Spec-A’ e a cabeça da projecção onde, desejavelmente, existem traços semânticos compatíveis com os traços do advérbio. Uma das principais questões teóricas que se levantam nesta análise tem a ver com o processo de concordância entre o Spec-A’ e o Xº através do interposto Spec-A. Relativamente às principais posições que os advérbios analisados ocupam, a maior variedade regista-se no grupo dos advérbios de frase. Aí os advérbios modais podem ocorrer em Spec-A’ de CP, em cuja cabeça se encontram as 78 informações de valores de verdade. Os advérbios de tempo e de lugar ocorrem muito provavelmente em Spec-A’ de IP, onde se localizam os traços semânticos, ligados ao Evento, de tempo e de concordância (não considerando a separação de Iº). Os aspectuais, de movimento e de frequência, restringem-se ao Spec de AspP, embora se encontre informação desta natureza também em Vº e Iº. Os advérbios de VP, como a denominação indica, estão limitados ao VP. 3.8. Costa (1996): Posição dos advérbios ambíguos O objectivo primordial deste autor é apresentar argumentos a favor do abandono de configurações de adjunção à direita através de evidência empírica fornecida pelos advérbios. Considerando advérbios a que tradicionalmente tem sido atribuída uma interpretação ambígua, entre uma interpretação de modo e uma interpretação orientada para o sujeito, Costa explora as diferentes possibilidades interpretativas e as posições onde estas são obtidas como meio para excluir a adjunção à direita. A partir da análise de advérbios como carefully, exemplo de Jackendoff (1972), o autor conclui que a única posição onde é possível a interpretação orientada para o sujeito é a posição pré-verbal, dado que nas restantes posições os referidos advérbios só apresentam interpretação de modo. À luz das análises com adjunção à direita esta clara distinção não deveria existir uma vez que a opcionalidade de colocação do adjunto, à direita e à esquerda, se baseia na ausência de alteração semântica.(exs. (5) de Costa (1996)): (72) a. John carefully spoke to his mother. 79 b. It was careful of John to speak to his mother. (orientado para o sujeito) c. John spoke to his mother in a careful way. (modo) Outro problema para a proposta de adjunção consiste na impossibilidade de vários advérbios da mesma classe ocorrerem em posição final de frase e em adjunções simultâneas à esquerda e à direita. (exs. (10) e (14) de Costa (1996)) (73) *John has spoken to his mother nicely carefully cleverly. (74) a. John spoke carefully to his mother (*nicely). b. John spoke nicely to his mother (*carefully). Dada a relação entre a colocação dos advérbios e as interpretações disponíveis o autor mostra a necessidade de uma análise que permita responder às duas vertentes do problema. Nesse sentido indica propostas como a de Barbiers (1994) - para quem o movimento em sintaxe é motivado pela necessidade de criar uma dada configuração interpretável - e a de Ernst (1984) - que sugere que os advérbios podem, opcionalmente, ter o seu escopo lexicalmente marcado - e propõe-se assumir uma análise segundo a qual a interpretação dos advérbios ambíguos não é totalmente variável. Para Costa, embora haja um significado básico em cada advérbio, ele pode ser alterado em virtude da interferência de determinados processos sintácticos. Outra proposta para dar conta da interpretação orientada para o sujeito de advérbios ambíguos é a apresentada por den Dikken (1995). Neste trabalho o autor defende que aquela interpretação é o resultado da subida do NP sujeito para 80 a posição de especificador de ADVP. Costa, porém, discorda não só pelo facto de tal assunção ter implícita a ideia de que IP é complemento de ADVP, mas também porque - assumindo Kayne (1994) - não haveria modo de derivar estruturas em que o próprio advérbio é também ele modificado (ex. (25) de Costa (1996)): (75) John very cleverly has answered the question. Por todos estes argumentos é de rejeitar o movimento do sujeito para Spec de ADVP como meio para explicar a interpretação orientada para o sujeito. Assumindo que a interpretação em análise é a única disponível para os advérbios que ocorrem em posição pré-verbal e que os verbos auxiliares se movem para T em inglês, a proposta que o autor apresenta, é a de considerar que o ADVP ocupa uma posição de adjunção a TP. No âmbito do Princípio de Interpretação Semântica, o movimento do sujeito de Spec de TP para Spec de AgrSP daria à posição adjunta a TP - que o ADVP ocupa - um estatuto que lhe permite manter uma relação semântica entre o NP sujeito e AGRS. Desse estatuto resultaria a interpretação do advérbio orientada para o sujeito. A favor desta ideia o autor aponta o caso de estruturas com verbos inacusativos em que a interpretação orientada para o sujeito só é possível se este NP se deslocar ocupando Spec de AGRS (exs. (31) de Costa (1996)): (76) a. Um homem cuidadosamente tinha entrado na sala.(orientado b. CUIDADOSAMENTE tinha entrado um homem na sala. (modo) para o sujeito) 81 No que respeita à posição final de advérbios como carefully, o autor assume que a única forma de derivar essa ordem é fazendo deslocar o VP para um ADVP adjunto a VP. Neste contexto, naturalmente, não se estabelece a relação semântica relevante entre o advérbio e o NP sujeito pelo que é impossível uma interpretação orientada para o sujeito. Esta proposta para derivar a posição final de alguns advérbios tem a vantagem, segundo o autor, de mostrar que a única posição onde é possível a interpretação orientada para o sujeito é em posição pré-verbal, deixando as restantes posições para a interpretação de modo. 3.9. Conclusões As análises revistas nos pontos anteriores deste capítulo dividem-se basicamente em dois grupos: 1) as análises que apontam para duas grandes classes de advérbios, a saber advérbios de frase e advérbios de VP; 2) e as análises que motivam o movimento sistemático do verbo socorrendo-se da evidência vinda do comportamento dos advérbios. O primeiro tipo de análises, que distingue advérbios de VP e de frase, regra geral é o que pretende encontrar uma análise sintáctica motivada por classes feitas com base em distinções semânticas. Os trabalhos de Jackendoff (1972), de Casteleiro (1982) são disso exemplo, bem como o de Laenzlinger (1993), que numa perspectiva mais teórica assume as mesmas distinções. 82 No segundo grupo de trabalhos incluímos Pollock (1989), Ambar (1989) e Belletti (1990) que apontam propostas para o tratamento dos advérbios resultantes de uma análise cuidada de outros fenómenos sintácticos, nomeadamente o movimento do verbo. Igualmente, o trabalho de Cinque (1993) apresenta uma proposta de classificação geral dos advérbios e das projecções onde podem ocorrer, através da comparação da posição dos advérbios relativamente ao verbo e aos quantificadores. Dada esta primeira abordagem de distinção entre advérbios de frase e advérbios de VP, poderemos talvez propor uma segunda classificação com base na proposta de o advérbio ser engendrado basicamente numa dada posição ou, pelo contrário, derivar as diferentes ordens de superfície assumindo movimentos do advérbio. Na primeira classificação inscrevem-se a maioria dos trabalhos analisados como o de Pollock, Ambar, Belletti, Cinque e Costa. As análises destes autores, embora se distingam relativamente à posição ou às posições que postulam para a geração dos advérbios, concordam em aceitar que o advérbio é uma categoria basicamente gerada. Assim, sendo assumem que as estruturas de superfície resultam do movimento de elementos variados como o NP sujeito, o verbo e até o NP objecto. Jackendoff parece ser o único representante da segunda posição porque considera várias posições de base para a geração de advérbios, dependente das interpretações e do escopo que seleccionam. 83 4. O advérbio em português Um estudo sério dos advérbios é uma tarefa quase utópica não só pela diversidade de advérbios de que as línguas dispõem, mas também pela enorme variedade de interpretações que um só advérbio pode despoletar dependendo da posição, do tipo de verbo, da natureza dos argumentos seleccionados e até do tempo morfológico da forma verbal. Se nos concentrarmos numa língua com uma tremenda riqueza morfológica como o português a dificuldade parece aumentar. O objectivo deste capítulo é fazer uma descrição, tanto quanto possível clara e detalhada, do comportamento dos advérbios em português. Vamos testar o comportamento dos vários advérbios considerados em cada grupo nos contextos pré-estabelecidos. Com esta análise poderemos verificar que a semântica intrínseca do verbo, com os seus argumentos, é um dos factores determinantes para estabelecer a distribuição e interpretação de cada advérbio. 4.1. Propriedades fundamentais de diferentes classes de advérbios. O português é uma língua que além de uma morfologia complexa, apresenta um grande leque de opções no que respeita à distribuição dos advérbios. Encontramos nesta língua, além das posições tradicionalmente atribuídas aos advérbios para o inglês - posição inicial, posição auxiliar ou pós-sujeito e posição final - também a posição pós-verbal, ou complexo verbal no caso dos tempos compostos. 84 Neste ponto apresentaremos uma descrição dos advérbios em português norteada pela análise sintáctica proposta por Jackendoff (1972), referida na secção anterior. Esta opção é de natureza metodológica, pois, como observaremos, o português apresenta dados que, de algum modo, invalidam ou questionam a análise de Jackendoff, ou para os quais a sua análise não fornece explicação. 4.1.1. Advérbios que podem ocupar as três posições com alteração de significado O primeiro grupo de advérbios que consideraremos caracteriza-se, segundo Jackendoff, pela possibilidade de ocorrer em todas as posições acima referidas. Nele incluem-se advérbios como inteligentemente, cuidadosamente, desajeitadamente, verdadeiramente, especificamente, descuidadamente, francamente, alegremente, estupidamente, etc.. Uma das dificuldades de caracterização deste grupo de advérbios consiste, exactamente, em decidir quais os contextos que geram frases gramaticais. Relativamente à posição inicial, um advérbio como inteligentemente parece só poder aí ocorrer se separado do resto da frase por uma pausa. (77) a. */??Inteligentemente o João resolveu o problema. b. Inteligentemente, o João resolveu o problema. Uma construção como (77a) só pode ter interpretação (de modo) com uma leitura e entoação contrastivas sobre o advérbio como em (78). 85 (78) INTELIGENTEMENTE o João resolveu o problema, estupidamente respondeu antes do tempo. Quando o advérbio é separado do resto da frase através de uma pausa como em (77b), a interpretação é avaliativa sobre a atitude do João ao resolver o problema, isto é, é orientada para o sujeito da enunciação. (79) O João foi inteligente ao resolver o problema. Quando o advérbio recebe um acento de intensidade como em (78) e tem a interpretação de modo referida, a paráfrase será: (80) O que o João resolveu de um modo inteligente foi o problema. Com inteligentemente em posição pós-sujeito temos também a necessidade de separar o advérbio da frase colocando-o entre vírgulas. (81) a. */??O João inteligentemente resolveu o problema. b. O João, inteligentemente, resolveu o problema. Neste caso temos também distintas interpretações. Quando o advérbio ocorre entre vírgulas a interpretação é unicamente orientada para o sujeito como em (77b), mas quando não existem pausas a separar o advérbio da frase a única interpretação possível parece ser de modo, ao contrário do que se verifica em 86 inglês14. Relativamente à posição pós-verbal, seja imediatamente a seguir ao verbo ou a seguir ao complemento (posição final) a interpretação parece ser sempre de modo. Na realidade, nota-se uma proximidade entre a posição pós-sujeito e a posição imediatamente pós-verbal. Na primeira destas posições talvez seja necessário admitir uma focalização sobre o advérbio para permitir a interpretação de modo15: (81) c. O João resolveu inteligentemente o problema. d. O João resolveu o problema inteligentemente. Em posição final separado da frase por uma pausa, o advérbio possui, em regra, uma apreciação sobre toda a frase (orientação para o falante). (82) a. O João resolveu o problema, inteligentemente. A chamada de atenção que gostaríamos de fazer neste capítulo tem a ver não só com o maior número de posições e de contextos possíveis para os advérbios em português, mas também com a interacção que existe naturalmente entre o advérbio e os demais elementos lexicais da frase: o verbo, o sujeito e o complemento. De facto, se nos exemplos acima o advérbio parece ter uma liberdade total de movimento dentro e “fora” da frase (quando ocorre entre 14 Em Jackendoff (1972) os advérbios que ocorrem nesta posição são caracterizados por gerarem frases ambíguas entre uma interpretação orientada para o sujeito e uma interpretação de modo. 15 O João resolveu, inteligentemente, o problema. 87 vírgulas), independentemente de assim adquirir diferentes interpretações, nem sempre isso se verifica: (83) (84) a. ??/*O João inteligentemente entornou o café. b. ?O João entornou inteligentemente o café. c. ?O João entornou o café inteligentemente. a. ??/*O João inteligentemente serviu o café. b. ?O João serviu inteligentemente o café. c. ?O João serviu o café inteligentemente. Como interpretar os juízos de gramaticalidade atribuídos a (83) e (84)? O contraste entre os exemplos (a) por oposição aos (b) e (c) é compreensível se admitirmos que por defeito o advérbio adquire interpretação de modo na posição pós-verbal. De facto, já relativamente a (81a) tínhamos referido a necessidade de uma focalização sobre o advérbio para conseguir a interpretação de modo. No caso de (83) e (84), se a posição pós-verbal não é totalmente gramatical é natural que na posição pré-verbal a interpretação seja pior ou mesmo impossível. A não total aceitabilidade de b. e c. pode dever-se ao facto de nestes exemplos se associar um advérbio de actividade mental a um predicado que não tem as mesmas propriedades. Quanto às posições destacadas por vírgulas, observemos os seguintes contrastes: Talvez, de forma um pouco forçada, adquira a interpretação “avaliativa”, orientada para o sujeito da enunciação. 88 (85) (86) a. Inteligentemente, o João entornou o café. b. O João, inteligentemente, entornou o café. c. ??O João entornou o café, inteligentemente. a. Inteligentemente, o João serviu o café. b. O João, inteligentemente, serviu o café. c. *O João serviu o café, inteligentemente. Neste caso as posições inicial e pré-verbal parecem ser gramaticalmente perfeitas, e por isso também a posição final o deveria ser. O que parece acontecer em (85) e (86) é que para as frases serem interpretáveis é necessário contextualizá-las. Assim, numa situação em que o entornar o café possa revelar inteligência, (85) será possível. Do mesmo modo, se pode imaginar um contexto em que a interrupção para servir um café seja inteligente, e nesse caso (86) é interpretável também. Relativamente à posição final em (85c) e (86c), a estranheza ou eventual agramaticalidade deve-se à dificuldade de conceber o facto de o João servir ou entornar como inteligente. Se conseguirmos interpretar essas construções atribuindo-lhes uma apreciação posterior (“after-thought”) sobre a importância da atitude do João ao servir ou ao entornar o café em circunstâncias muito concretas, talvez (85c) e (86c) sejam possíveis. Nesse caso, serão, provavelmente, orientados para o falante. Considerando agora outros advérbios incluídos neste primeiro grupo, é 89 esperável que tenham um comportamento idêntico ao de inteligentemente pertencendo assim à mesma classe. O que observamos contudo é que alguns advérbios não podem ocorrer no paradigma de inteligentemente. Os resultados obtidos com o advérbio estupidamente são semelhantes aos observados com inteligentemente. Nas construções em que ocorrem verbos do tipo de resolver a posição inicial com pausa e a posição pré-verbal entre vírgulas originam uma interpretação orientada para o sujeito, a posição final com pausa - a ser possível - tem uma interpretação idêntica à de (87a). (87) a. Estupidamente, o João resolveu o problema. b. O João, estupidamente, resolveu o problema. c. ??O João resolveu o problema, estupidamente. Nas restantes posições a interpretação é sempre de modo. (88) a. O João resolveu estupidamente o problema. b. O João resolveu o problema estupidamente. No que respeita a cuidadosamente e descuidadamente, que funcionam como antónimos, registamos um comportamento idêntico ao verificado com inteligentemente. O único caso em que se verifica agramaticalidade é quando estes advérbios ocorrem em posição pré-verbal sem qualquer pausa. 90 (89) a. ??/*O João cuidadosamente/descuidadamente entornou o café. b. ??/*O João cuidadosamente/descuidadamente serviu o café. c. ??/*O João cuidadosamente/descuidadamente resolveu o problema. De resto, nas demais posições as frases são gramaticais e as interpretações dividem-se entre a orientada para o sujeito (em posição inicial com pausa, préverbal entre vírgulas e posição final com pausa) e a interpretação de modo (posição pós-verbal e final). (90) (91) a. Cuidadosamente, o João serviu o café. (orientada para o sujeito) b. O João, cuidadosamente, serviu o café. (orientada para o sujeito) c. O João serviu o café, cuidadosamente. (orientada para o sujeito) a. O João serviu cuidadosamente o café. (modo) b. O João serviu o café cuidadosamente. (modo) Com desajeitadamente a situação é idêntica à dos dois últimos advérbios. É impossível na posição pré-verbal. Entre vírgulas é possível com interpretação orientada para o sujeito. Nas restantes posições a interpretação é sempre de modo. De notar apenas que só com o verbo resolver as frases parecem mais marginais. Parece haver, de algum modo, uma certa incompatibilidade entre o verbo e este advérbio. O advérbio alegremente é o que menos contrastes de gramaticalidade apresenta. Verificámos que pode ocorrer com os três verbos e em todas as 91 posições. A particularidade deste advérbio parece consistir no facto de as interpretações obtidas serem predominantemente orientadas para o sujeito, mesmo quando a posição em causa é tipicamente uma posição de modo. (92) a. O João entornou alegremente o café. b. O João serviu alegremente o café. c. O João resolveu alegremente o problema. Independentemente da posição que ocupe, francamente é impossível com alguns dos verbos considerados: entornar, servir. Já com o verbo resolver a situação é distinta. (93) a. Francamente, o João resolveu o problema. b. ??/*O João francamente resolveu o problema. c. O João, francamente, resolveu o problema. d. ??/*O João resolveu francamente o problema. e. ??/*O João resolveu o problema francamente. f. ??/*O João resolveu o problema, francamente. Neste caso as restrições parecem ser as de o advérbio ocorrer nas posições que lhe permitem a interpretação de modo. Tal parece dever-se a restrições semânticas entre o advérbio francamente e o verbo resolver - não se resolvem problemas de um modo franco. Em qualquer das outras posições as frases são gramaticais e em todas elas a interpretação aponta para uma apreciação do falante. Se, no entanto, 92 substituirmos o verbo resolver por um verbo como falar, as frases de (d) e (e) tornam-se gramaticais com a interpretação de modo. Comportamento idêntico tem também verdadeiramente, que de entre os três verbos em análise (servir, entornar e resolver) apenas pode co-ocorrer com resolver: (94) a. ??/*Verdadeiramente, o João resolveu o problema.16 b. ??/*O João verdadeiramente resolveu o problema. c. ??/*O João, verdadeiramente, resolveu o problema.17 d. O João resolveu verdadeiramente o problema. e. O João resolveu o problema verdadeiramente. f. *O João resolveu o problema, verdadeiramente. Considerando os exemplos (d) e (e), o advérbio parece reforçar a resolução do problema, quase como sinónimo de mesmo, atribuindo a resolver a propriedade “verdade” e funcionando consequentemente como modo. (94) d.’ O João resolveu mesmo o problema. O advérbio especificamente parece ter o comportamento mais radical de todos os advérbios analisados até ao momento, na medida em que a sua ocorrência com os verbos entornar, servir e resolver resulta sempre agramatical. A única possibilidade de se obter frases gramaticais com este advérbio parece ser quando 16 Se considerarmos uma interpretação orientada para o sujeito da enunciação talvez a frase possa ser possível, embora muito estranha. 93 o complemento do verbo assume um carácter genérico. Mesmo assim, isto só é possível quando o advérbio ocorre em posição final com pausa. (95) a. O João entornou café, especificamente. a.’ ??/*O João entornou o café, especificamente. b. O João serviu café, especificamente. b.’ ??/*O João serviu o café, especificamente. c. *O João resolveu problemas, especificamente. c.’ *O João resolveu o problema, especificamente. c.’’ O João resolveu problemas de aritmética, especificamente. 4.1.2. Advérbios que podem ocupar as três posições sem mudança de significado O segundo grupo de advérbios a analisar caracteriza-se fundamentalmente por poder ocorrer em todas as posições18 sem que haja alteração de significado ou interpretação. Este grupo inclui advérbios como rapidamente, frequentemente, lentamente, indolentemente, relutantemente, tristemente, imediatamente, brevemente, etc. Este tipo de advérbios pode em geral ocorrer em posição inicial, com pausa, e em posição pós-sujeito (pré-verbal), embora nestes casos exijam uma dada entoação que sugere estarem focalizados. Pelo contrário em posição pós- 17 18 Cf. nota anterior. Esta é a caracterização de Jackendoff (1972). 94 verbal ou final ocorrem livremente, sendo estas as duas posições típicas. (96) a. RAPIDAMENTE, O João leu o livro.(com foco) b. O João RAPIDAMENTE leu o livro. (com foco) c. O João leu rapidamente o livro. d. O João leu o livro rapidamente. A interpretação normalmente atribuída a estes advérbios, e que é, em princípio, comum a todas as posições, seguindo a caracterização de Jackendoff, é uma interpretação de modo. Contudo, parece-nos que neste grupo, como noutros, se verificam alterações de interpretação que dependem não só do advérbio como também do verbo e do tempo morfológico em que este ocorre. De facto, se um advérbio como rapidamente parece poder ocorrer mais livremente nas posições referidas19, um advérbio como frequentemente parece exercer restrições mais fortes sobre os elementos da frase: (97) (98) a. ??Frequentemente, o João leu o livro.20 b. ??O João, frequentemente, leu o livro. c. ??O João leu frequentemente o livro. d. ??O João leu o livro frequentemente. a. *Frequentemente, o João comprou o livro. 19 Embora haja uma maior liberdade com o advérbio rapidamente há, contudo, que respeitar algumas restrições; estas traduzem-se na impossibilidade de tal advérbio ocorrer com predicados de estado: *O João está rapidamente doente. 95 (99) b. *O João, frequentemente, comprou o livro. c. *O João comprou frequentemente o livro. d. *O João comprou o livro frequentemente. a. Frequentemente, o João lê romances policiais. b. O João, frequentemente, lê romances policiais. c. O João lê frequentemente romances policiais. d. O João lê romances policiais frequentemente. O contraste entre (97) e (98) parece, à primeira vista, dever-se ao facto de o predicado de (97) ler ser processual remetendo para um período de tempo com diferentes intervalos, por oposição ao predicado de (98) comprar que, sendo eventivo, remete para momentos únicos sem o “contínuo” de ler. Na realidade, a maior agramaticalidade das frases em (98) parece ser causada não só pelo predicado mas também pelo complemento que, ao ser definido ([+único]), impede uma interpretação ‘frequentativa’. O carácter marcado de (97) e a agramaticalidade de (98) desaparecem se o complemento definido for substituído por outro equivalente mas genérico: (100) a. 20 Frequentemente, o João comprou livros. b. O João frequentemente comprou livros. c. O João comprou frequentemente livros. d. O João comprou livros frequentemente. Estas frases podem ser aceitáveis tomando o passado como um conjunto de intervalos. 96 A aceitabilidade das frases melhora consideravelmente se o verbo ocorrer num tempo morfológico que obtenha uma interpretação genérica ([-único]), como se verifica com o presente, resultando daí uma interpretação em que se regista o hábito que o João tem de comprar livros. (101) a. Frequentemente, o João lê livros. b. O João frequentemente lê livros. c. O João lê frequentemente livros. d. O João lê livros frequentemente. (102) a. Frequentemente, o João compra livros. b. O João frequentemente compra livros. c. O João compra frequentemente livros. d. O João compra livros frequentemente. Independente da possibilidade de combinar um complemento genérico e um tempo morfológico genérico com frequentemente, a interpretação que este advérbio obtém em posição pré-verbal resulta sempre de uma focalização. Relativamente a advérbios como lentamente, o comportamento que regista é próximo do verificado com rapidamente. Assim, a posição inicial só é possível se, além de uma pausa, o advérbio for marcado com um foco, tal como acontece em posição pré-verbal onde o foco sobre o advérbio é essencial. Em posição pós-verbal e posição final as construções resultantes são perfeitamente 97 gramaticais, mesmo sem foco sobre o advérbio, embora pareça melhor a frase em que o advérbio aparece em posição final: (103) a. O João leu lentamente o livro. b. O João leu o livro lentamente. (104) a. O João lê lentamente o livro. b. O João lê o livro lentamente. Registamos ainda algumas nuances de significado resultantes do emprego do tempo presente, principalmente quando o advérbio ocorre em posição pósverbal ou final. Assim, se em casos como os de (104) a interpretação natural é a de que o João lê o livro de forma lenta, em (105) abaixo as construções só são possíveis se o tempo presente assumir um valor de relato; isto é, só podemos aceitar (105) num contexto em que se descreve a acção de o João comprar o livro no momento em que ela está a acontecer, em face do acontecimento: (105) a. b. O João compra lentamente o livro.21 O João compra o livro lentamente. Também com o pretérito perfeito as construções com o verbo comprar são marginais se o advérbio for lentamente. 21 Naturalmente, serão melhores frases em que o presente é expresso por uma perífrase: O João está a comprar lentamente o livro. 98 (106) a. ?O João comprou lentamente o livro. b. ?O João comprou o livro lentamente. No caso de (106) a marginalidade das frases parece resultar da combinação de um verbo eventivo no tempo passado com aquele advérbio cuja interpretação é sempre de processo. A interpretação que se atribui a (106) é que o João realizou lentamente a acção de comprar o livro. A estranheza consiste em interpretar como se realiza um acto (único) de compra lentamente, que implica diferentes intervalos de tempo. Passando agora a um advérbio como relutantemente vemos que, ao contrário da classificação tradicional, proposta por Jackendoff para o inglês, alguns dos advérbios desta classe podem ter outras interpretações, para além da de modo. Por lado, tendo o autor incluído neste grupo advérbios tipicamente de modo, não nos parece fazer sentido tratar ao mesmo nível relutantemente. Com efeito, o que mais caracteriza este advérbio é o facto de impor restrições ao sujeito, pelo que deveria estar incluído no grupo de inteligentemente. Este é, de facto, um advérbio que em posição inicial, pré-verbal e final adquire uma interpretação orientada para o sujeito e ocorre, em qualquer das posições referidas, sempre separado por vírgulas do resto da frase, como acontece com os advérbios do primeiro grupo: (107) a. Relutantemente, O João leu o livro. (orientado para o sujeito) b. O João, relutantemente, leu o livro. (orientado para o sujeito) c. O João leu o livro, relutantemente. (orientado para o sujeito) O João está a comprar o livro lentamente. 99 Além disso, pode ser marginal a ocorrência do advérbio em posição pós-verbal. Esta é uma posição onde o advérbio adquire, tipicamente, interpretação de modo que dificilmente parece estar disponível com relutantemente. (107) d. ??O João leu relutantemente o livro. Tristemente é um advérbio que também contrasta em alguns aspectos com os demais advérbios deste grupo. Semelhante ao referido para o advérbio relutantemente, carece dizer que, mais uma vez, a classificação de Jackendoff falha, pelo menos para o português. Considerando a informação de significado que este advérbio transmite, dever-se-ia inclur tristemente no grupo de alegremente. Aliás, alegremente parece comportar-se como antónimo de tristemente, logo deveriam, em princípio, pertencer à mesma classe, o que não se verfica na classificação deste autor. Relativamente ao seu comportamento, tristemente pode ocorrer em todas as posições da frase, embora em algumas não possua interpretação de modo, mas antes orientada para o sujeito (ou até para o locutor). (108) a. Tristemente, o João leu o livro. b. O João, tristemente, leu o livro. c. ?O João leu tristemente o livro. d. O João leu o livro tristemente. 100 Relativamente a (108a), a interpretação que mais facilmente atribuímos à frase é uma interpretação orientada para o sujeito, embora, neste caso seja possível admitir uma interpretação orientada para o locutor, isto é, uma interpretação em que o advérbio está a marcar o sentimento que o locutor expressa relativamente ao acto do João. A interpretação associada a (108b) pelo contrário já só se concentra no sujeito. Além disso, neste caso é necessário que o advérbio ocorra entre vírgulas. (108d) parece ser o único caso em que o advérbio adquire uma interpretação de modo, que se entende não sobre o modo verbal mas sobre toda a frase. Em (108d) o advérbio modifica toda a frase. Por isso é agora mais fácil entender a marginalidade de (108c), que pode residir na dificuldade de conceber um modo triste de ler o livro. Do mesmo modo são também impossíveis construções com o verbo comprar no presente ou pretérito, quando o advérbio ocorre em posição final ou pós-verbal: (109) a. *O João comprou tristemente o livro. b. *O João comprou o livro tristemente. c. *O João compra tristemente o livro. d. *O João compra o livro tristemente. O advérbio imediatamente aproxima-se em termos de comportamento dos advérbios rapidamente e frequentemente. Pode ocorrer em posição inicial e préverbal com foco, e em posição pós-verbal e final. Em qualquer dos casos o advérbio não parece ter uma interpretação de modo mas antes de tempo. Assim, a 101 interpretação atribuída às frases pressupõe que a acção de ler o livro ocorreu imediatamente após outra acção não referida explicitamente: (110) a. Imediatamente o João leu o livro. (com foco) b. O João imediatamente leu o livro. (com foco) c. O João leu imediatamente o livro. d. O João leu o livro imediatamente. Com este advérbio o único caso de marginalidade regista-se, mais uma vez, com o verbo comprar no presente, se o advérbio ocupar a posição inicial ou pré-verbal: (111) a. ??Imediatamente o João compra o livro. b. ??O João imediatamente compra o livro. c. O João compra imediatamente o livro. (O João compra já o livro.) d. O João compra o livro imediatamente. (O João compra o livro já.) Finalmente, com o advérbio brevemente registamos comportamentos que não havíamos encontrado até ao momento. Este advérbio pode ocorrer nas quatro posições, descritas como possíveis para os advérbios em estudo, embora deva respeitar algumas restrições que têm a ver com o verbo e com o tempo morfológico. Em posição inicial e pré-verbal brevemente só pode ocorrer se o verbo estiver no presente, embora a interpretação resultante seja de futuro: 102 (112) a. *Brevemente, o João leu o livro. b. *O João brevemente leu o livro. c. Brevemente, o João lê o livro. d. O João brevemente lê o livro. Quando o advérbio ocorre em posição pós-verbal e final, as interpretações podem variar dependendo do tempo e da natureza do verbo. No caso de um verbo como ler ocorrer no pretérito perfeito a interpretação é de modo. (113) a. b. O João leu brevemente o livro.22 O João leu o livro brevemente. No caso de o verbo ocorrer no presente duas coisas podem acontecer: se o verbo em causa for do tipo de comprar a interpretação resultante é temporal também, remetendo para um futuro próximo (em breve); se o verbo for do tipo de ler as construções resultantes são ambíguas entre uma interpretação de modo e uma interpretação temporal de futuro (em breve). (114) a. O João compra brevemente o livro. (em breve) b. O João compra o livro brevemente. (em breve) c. O João lê brevemente o livro. d. O João lê o livro brevemente. 22 Embora a interpretação se aproxime de uma interpretação de modo, neste caso concreto parece que o advérbio modifica também em especial o tempo de realização da acção. De certa forma, o advérbio especifica que a acção de ler foi curta, foi rápida, foi breve. É uma modificação sobre o tempo e sobre o predicado, em que o tempo é proeminente. 103 Dadas as interpretações que brevemente pode apresentar, será agora fácil prever que ele não possa ocorrer com um verbo como comprar no pretérito perfeito. Em primeiro lugar, com um tempo passado será sempre impossível uma interpretação de futuro (em breve). Em segundo lugar, consideradas as propriedades do próprio verbo comprar, que denota eventos únicos (single), é estranho pensar que a acção de comprar o livro possa ser quantificada. (115) a. *Brevemente, o João comprou o livro. b. *O João brevemente comprou o livro. c. *O João comprou brevemente o livro. d. *O João comprou o livro brevemente. Comparando agora dois advérbios deste grupo que apresentam grandes semelhanças, brevemente e rapidamente, parece que na interpretação temporal (de que ambos dispõem) se distinguem pelo facto de brevemente (em breve) se aplicar ao tempo morfológico do verbo, e rapidamente se aplicar ao tempo semântico denotado pelo verbo (pontual/eventivo, durativo, genérico, etc.), tradicionalmente designado de aspecto verbal. 4.1.3. Advérbios que só podem ocorrer em posição inicial e de auxiliar O terceiro grupo de advérbios que iremos considerar é tradicionalmente definido como podendo ocorrer em posição inicial ou posição auxiliar, embora também possa aparecer em posição final de frase se for antecedido de pausa. Isto 104 significa que este tipo de advérbios não interfere, no sentido em que não impõe restrições, com a predicação da frase, sendo exterior a ela. Em termos de interpretação são advérbios, regra geral, orientados para o falante, exprimindo um pensamento ou atitude deste. Apesar de em português os advérbios terem normalmente maior mobilidade do que nas restantes línguas, este tipo de advérbios pode mover-se livremente mas só pode ocorrer entre vírgulas. (116) a. Evidentemente, o João leu o livro. b. O João, evidentemente, leu o livro. c. O João leu, evidentemente, o livro.23 d. *O João leu evidentemente o livro. e. *O João leu o livro evidentemente. f. O João leu o livro, evidentemente. (117) a. Evidentemente, o João lê livros. b. O João, evidentemente, lê livros. c. O João lê, evidentemente, livros. d. O João lê livros, evidentemente. (118) a. Evidentemente, o João compra o livro. b. O João, evidentemente, compra o livro. c. ??/*O João compra, evidentemente, o livro. d. O João compra o livro, evidentemente. 105 Um comportamento característico deste advérbio, e de outros que como ele se comportam24, consiste em poder introduzir construções completivas: (119) a. b. Evidentemente que o João compra o livro. Evidentemente que o João comprou o livro. 4.1.4. Advérbios que só podem ocupar a posição de auxiliar e posição final Os advérbios do quarto tipo que vamos considerar podem ocorrer em posição final e de auxiliar, em inglês, mas em português em alguns casos podem ocorrer em todas as posições possíveis para os advérbios. Começando por um advérbio como completamente podemos constatar que as duas posições possíveis são a posição final e a posição pós-verbal: (120) a. *Completamente o João comeu o bolo. b. *O João completamente comeu o bolo. c. O João comeu completamente o bolo. d. O João comeu o bolo completamente. Em termos de interpretação as frases de (120) não têm uma interpretação de modo ou orientada para o sujeito como acontece com a maioria dos advérbios 23 24 Esta frase só é aceitável com uma pausa marcada. A possibilidade de introduzir frases completivas é partilhada também por outros advérbios: - felizmente: Felizmente que o João leu o livro. - certamente: Certamente que o João comprou o livro. 106 dos grupos analisados. No caso concreto de (120) o alvo da modificação do advérbio é o complemento do verbo (eventualmente o conjunto verbo + complemento). Por isso, podemos compreender facilmente que sejam possíveis frases com um tempo morfologicamente diferente do de (120): (121) a. O João come / comerá completamente o bolo. b. O João come / comerá o bolo completamente. da mesma forma que são agramaticais frases em que o complemento verbal não pode ser visto como um todo quantificável, mas antes como um genérico. (122) a. *O João comeu completamente bolo(s). b. *O João comeu bolo completamente. c. *O João come completamente bolo. d. *O João come bolo completamente. Devemos notar que a oposição que se verifica entre o complemento verbal de (120) e o (complemento verbal) de (122) não se baseia exclusivamente na presença vs. ausência do definido, respectivamente. No caso, de um nome como jantar a presença do definido não impede que as construções sejam agramaticais, ou pelo menos muito marginais. (123) a. ??/*O João comeu completamente o jantar. b. ??/*O João comeu o jantar completamente. - naturalmente: Naturalmente que o João leu o livro. 107 No caso de jantar a impossibilidade de co-ocorrência com o referido advérbio pode talvez dever-se ao facto de aquele nome não referir uma entidade definível, mas antes uma situação ou período de tempo nem sempre delimitado. Idêntico a completamente é o advérbio totalmente que apresenta o mesmo tipo de restrições em relação às posições onde pode ocorrer e em relação ao tipo de complementos que pode modificar. O advérbio facilmente é outro dos advérbios incluídos neste quarto grupo, embora apresente um comportamento distinto dos dois advérbios já referidos. Facilmente pode ocorrer nas quatro posições requisitando uma pausa em posição inicial e foco em posição pré-verbal. A interpretação que normalmente lhe é atribuída é de modo podendo sofrer ligeiras nuances dependendo do tempo morfológico e da natureza do complemento: (124) a. ?Facilmente, o João comeu o bolo. b. O João facilmente comeu o bolo. c. O João comeu facilmente o bolo. d. O João comeu o bolo facilmente. (125) a. Facilmente, o João come o bolo. 108 b. O João facilmente come o bolo. c. O João come facilmente o bolo. d. O João come o bolo facilmente. Consequência previsível desta situação é a impossibilidade de coocorrência de um complemento genérico com um tempo específico e pontual: o pretérito perfeito. (126) *Facilmente, o João comeu bolo. Com um advérbio como habilmente o comportamento observável é próximo do de facilmente. Este advérbio pode ocorrer nas quatro posições descritas necessitando também de pausa na posição inicial. (127) a. Habilmente, o João comeu o bolo. b. O João habilmente comeu o bolo. c. O João comeu habilmente o bolo. d. O João comeu o bolo habilmente. Em termos de interpretação este advérbio é naturalmente de modo. Propositadamente é outro advérbio desta classe e que apresenta um comportamento diverso dos descritos. Podendo ocorrer em todas as posições, a interpretação que se obtém é normalmente orientada para o sujeito, que tem de ser necessariamente [+animado]. (128) a. Propositadamente, O João comeu o bolo. b. *Propositadamente, o cão fugiu do dono. 109 Não se registam restrições à co-ocorrência deste advérbio com determinado tipo de complemento ou com um dado tempo morfológico, para além das normalmente existentes no emprego geral dos tempos e suas relações com a determinação do objecto. Assim, no tempo presente, independentemente do advérbio propositadamente, sendo marcadas as de presente como relato de uma situação em decurso, as frases com estar a + infinitivo são preferíveis para referir o presente real. É irrelevante a natureza definida ou genérica do complemento, sendo gramaticais as frases em qualquer dos casos. (129) a. Propositadamente, o João comeu o bolo. b. O João, propositadamente, comeu o bolo. c. O João comeu propositadamente o bolo. d. O João comeu o bolo propositadamente. (130) a. ?Propositadamente, o João come o bolo. 25 b. ?O João, propositadamente, come o bolo. c. ?O João come propositadamente o bolo. d. ?O João come o bolo propositadamente. Outro advérbio do grupo em análise é tremendamente. A impossibilidade aparente de ocorrer nos contextos até aqui descritos deve-se à incompatibilidade lexical do advérbio, que indica quantificação, com um predicado como comer (cf. 25 Estas frases são perfeitas se o presente for substituído por uma perífrase como estar a + infinitivo. 110 (131)). Substituindo comer por assustar então podemos observar que apenas as posições final e pós-verbal são possíveis (cf. (132)c. e d.) (131) a. *Tremendamente, o João come o bolo. b. *O João, tremendamente, come o bolo c. *O João come tremendamente o bolo. d. *O João come o bolo tremendamente. (132) a. *Tremendamente, o João assustou o bebé. b. *O João tremendamente assustou o bebé. c. O João assustou tremendamente o bebé. d. O João assustou o bebé tremendamente. No contexto de (132) a interpretação que o advérbio recebe é de quantificação do verbo sendo aquele sinónimo de muito. (133) a. O João assustou muito o bebé. Devemos notar, além disso, que a presença de tremendamente em (132) exige a ocorrência de um complemento.26 (134) a. b. 26 *O João assustou tremendamente. O João assustou tremendamente o bebé. Ainda que o complemento seja um clítico co-referente com o sujeito: O João assustou-se tremendamente. 111 c. O João assustou o bebé tremendamente. Acrescente-se também que, sendo sinónimo de tremendamente, muito não só não pode ocorrer sem complemento, como produz frases marginais em posição final. (135) a. *O João assustou muito. b. O João assustou muito o bebé. c. ??O João assustou o bebé muito. Mortalmente é outro advérbio desta classe com um comportamento semelhante ao de tremendamente. Frases em que o verbo é comer são agramaticais aparentemente por não haver qualquer tipo de relação semântica entre comer e mortalmente: (136) a. *Mortalmente, o João comeu o bolo. b. *O João, mortalmente, comeu o bolo. c. *O João comeu mortalmente o bolo. d. *O João comeu o bolo mortalmente. No caso de um predicado como atingir, na sua acepção de acertar num dado alvo, podemos então obter construções perfeitas pois já há compatibilidade semântica entre esse verbo e mortalmente: 112 (137) a. *Mortalmente o soldado atingiu o inimigo. b. *O soldado mortalmente atingiu o inimigo. c. O soldado atingiu mortalmente o inimigo. d. O soldado atingiu o inimigo mortalmente. As construções de (137) além de provarem que verbos e advérbios se impõem mutuamente restrições de selecção, reforçam a ideia de que quando os advérbios veiculam informação de modo ocorrem necessariamente em posição pós-verbal ou final e que quando incidem fundamentalmente sobre o objecto não podem aparecer nem em posição inicial nem em posição pré-verbal. 4.1.5. Advérbios que só podem ocorrer em posição final Os advérbios do quinto grupo são, tipicamente, advérbios como menos, mais, bem, antes, cedo, depressa, devagar, que não terminam em -mente. No inglês são caracterizados por só ocorrerem em posição final. Em português, como esperado, podem ocupar várias posições dependendo dos advérbios. Menos e mais são dois advérbios com comportamento igual, pois são ambos usados para quantificar acções ou argumentos. Distribucionalmente ocorrem em posição pós-verbal, entre o verbo e o complemento que com alguns verbos não pode ser singular, não apresentando outras restrições na presença de diferentes tempos verbais. (138) a. *O João faz menos / mais o trabalho. b. *O João fez menos / mais o trabalho. 113 c. O João faz menos / mais trabalho(s). d. O João fez menos / mais trabalho(s). (139) a. O João aprecia menos / mais o trabalho.27 b. O João apreciou menos / mais o trabalho. c. O João aprecia menos / mais trabalho ?(s). d. O João apreciou menos / mais trabalho ?(s). O advérbio bem pertencendo também a este grupo apresenta comportamentos diferentes dos advérbios anteriores. Em termos de interpretação é utilizado sempre para fazer uma apreciação valorativa (de modo). Não pode ocorrer em posição inicial e em posição pré-verbal só é possível em contextos exclamativos. (140) a. b. *Bem o João fez o trabalho. 28 O João bem fez o trabalho! A posição mais natural parece ser a pós-verbal, embora não seja excluído em posição final. Nesta última posição parece requisitar uma certa focalização; na primeira posição - como em (141a) - perde a interpretação de (140b), esta 27 De notar que a interpretação de apreciar nos exemplos (a) e (b) é diferente da que possui nos exemplos (c) e (d). Nos primeiros apreciar é sinónimo de gostar; nos segundos é sinónimo de avaliar, talvez por isso são melhores as frases com o plural. 28 Nestes exemplos o advérbio bem ocorre tipicamente para traduzir a opinião do sujeito da enunciação que confirma o facto de o João ter feito o trabalho. Assim, se compreende que seja agramatical uma frase em que a forma verbal exprime um tempo não-passado. A confirmação do locutor só faz sentido sobre um evento passado. Bem que o João fez o trabalho! *Bem que o João faz o trabalho! 114 orientada para o falante, veiculando a confirmação/reconfirmação de que o João fez o trabalho, valor ao qual se associa a exclamação. Assim em (141a) na posição pós-verbal, o advérbio uma vez mais surge na sua ocorrência de modo. (141) a. O João fez bem o trabalho. b. O João fez o trabalho bem. Um argumento a favor dessa necessidade de focalização em posição final parece vir de frases com complemento não-definido. Nestes casos o advérbio ocorre preferencialmente em posição final: (142) a. b. O João apresenta trabalhos bem. O João apresenta trabalhos bem e outros mal. Antes é também um advérbio incluído nesta classe. Transmite, regra geral, informação de tempo podendo também verificar mudança de interpretações em função da posição ocupada. (143) a. ANTES, o João fez o trabalho. b. O João ANTES fez o trabalho. c. O João fez antes o trabalho. d. O João fez o trabalho antes. À semelhança do que já vimos acontecer com outros advérbios, antes 115 pode ocorrer em posição inicial e pré-verbal se for focalizado, tendo consequentemente uma entoação diferente. Deste modo, a interpretação atribuída a (143a) pressupõe que o João tenha feito o trabalho num momento anterior. Em (b) e (c) temos uma construção ambígua entre uma interpretação de tempo, idêntica à de (a), e outra em que se reforça o facto de o João ter feito o trabalho em vez de outra coisa. (144) a. b. O João fez antes o trabalho e depois veio. O João fez, em vez disso, o trabalho. Mas se em (143c) podemos ter duas interpretações dada a ambiguidade da frase, o mesmo parece não se verificar se o verbo ocorrer no presente. Nesse caso dificilmente a interpretação é temporal, sendo preferida uma (interpretação) em que o João prefere fazer o trabalho: (145) a. O João faz antes o trabalho. Em posição final a interpretação é sempre temporal não havendo qualquer exigência sobre o tempo morfológico do verbo: (146) a. O João fez o trabalho antes. (e depois foi) b. O João faz o trabalho antes. (e depois vai) Outro advérbio desta classe é cedo. Também veicula informação temporal 116 apesar de não partilhar, totalmente, o comportamento com antes: (147) a. Cedo, o João fez o trabalho. b. O João cedo fez o trabalho. c. O João fez cedo o trabalho. d. O João fez o trabalho cedo. Cedo pode ocorrer em posição inicial e em posição pré-verbal desde que seja focalizado ((147a) e (b)). A posição não-marcada parece ser a posição pósverbal embora não seja excluído em posição final onde recebe um certo reforço. Com o tempo presente é bastante marginal em posição inicial e pré-verbal, mas possível em posição pós-verbal e final: (148) a. ??Cedo, o João faz o trabalho. b. ??O João cedo faz o trabalho. c. O João faz cedo o trabalho. d. O João faz o trabalho cedo. Quando o complemento do verbo é genérico (trabalho/trabalhos), não é possível a ocorrência de cedo. Idênticos a cedo são os advérbios depressa e devagar, que em vez de informação temporal transmitem um valor de modo. Podem ocorrer em posição inicial e pré-verbal quando focalizados; em posição pós-verbal e final ocorrem normalmente com interpretação de modo. Ao contrário de cedo, com depressa e 117 devagar a posição final parece melhor que a posição pós-verbal. (149) a. Devagar/depressa, o João fez o trabalho.29 b. O João devagar/depressa fez o trabalho. c. O João fez devagar/depressa o trabalho. d. O João fez o trabalho devagar/depressa. Relativamente à ocorrência com complementos genéricos temos dois comportamentos distintos. Com depressa podemos ter construções como (150): (150) a. b. O João depressa faz trabalhos. O João fez/faz trabalhos depressa. (fez/faz trabalhos depressa e outros devagar) em que o advérbio ocorre em posição pré-verbal ou final. Com complementos genéricos devagar apenas pode ocorrer em posição final. (151) a. O João faz trabalhos devagar. (faz alguns trabalhos devagar) b. O João fez trabalhos devagar. (fez alguns trabalhos devagar) c. *O João devagar fez trabalhos. d. *O João fez devagar trabalhos. 4.1.6. Advérbios que só podem ocorrer em posição de auxiliar O último grupo de advérbios considerado para o inglês é constituído por 118 advérbios que só podem ocorrer em posição de auxiliar, de que é exemplo simplesmente. Já sabemos que esta posição equivale em português à posição pósverbal, contexto preferencial para este advérbio. Além dessa posição, o advérbio pode ocorrer também em posição final separado por pausa: (152) a. O João leu simplesmente o resumo. b. O João leu o resumo, simplesmente. Com este advérbio parece não haver restrições sobre a natureza dos complementos verbais que podem ser nominais ou outros. (153) a. O João leu simplesmente o resumo. b. O João está simplesmente a ler o resumo. c. O João trabalha simplesmente com computadores. Verificamos, no entanto, que o advérbio é orientado exclusivamente para o objecto. Os dados descritos nesta secção (4.1.) são reveladores da necessidade de uma nova distribuição e classificação. assim, é nosso objectivo apresentar na secção seguinte (4.2.) uma proposta que racionalmente distribua os advérbios por classes com comportamentos mais uniformes. Não procederemos a uma distribuição dos advérbios com base apenas nas posições que ocupam na estrutura, mas sim considerando a interpretação e as restrições impostas. Deste procedimento resultará uma nova classificação 29 Neste contexto e no seguinte, devagar necessita de ser focalizado. 119 (sintáctico-semântica) dos advérbios. 4.2. O tratamento dos dados Tendo o presente capítulo como objectivo apresentar uma proposta de tratamento da categoria advérbio, impõe-se antes de mais uma breve descrição do enquadramento teórico que a ela estará subjacente. 4.2.1. Posicionamento teórico No âmbito da teoria da Regência e da Ligação (TRL), de Chomsky (1981) - resultado da evolução da Teoria Standard - a análise linguística resulta da interacção de um sistema de princípios e de um sistema de regras. O sistema de princípios constituído por vários módulos - a saber, teoria do governo, teoria da ligação, teoria dos papéis-temáticos, teoria do caso, teoria do controle e teoria dos nós fronteira - detém a função de restringir, regular e orientar as várias componentes do sistema de regras - nomeadamente, teoria - X’ e mover-α, combinadas com a informação lexical em dois níveis de análise e interpretação: Forma Fonética (Phonetic Form(PF)) e Forma Lógica (Logical Form (LF)). Além da consideração dos dois sistemas referidos, a TRL evoluiu desde a sua origem no sentido de considerar, de uma forma cada vez mais articulada, as propriedades dos itens lexicais com as propriedades das categorias funcionais que aquela teoria considera. É neste processo de refinamento de uma teoria baseada em Princípios e Parâmetros que surge a abordagem minimalista de Chomsky em 1992. 120 A novidade desta nova concepção da teoria gramatical consiste basicamente em admitir um número cada vez mais reduzido de conceitos na explicação dos dados das línguas. Neste sentido, Chomsky em 1992-1993, 1994 e 1995 assume que sendo os elementos lexicais marcados com traços de natureza verbal ou nominal só esta marcação pode estar na base dos movimentos visíveis em sintaxe. Além disso, e uma vez assumidas as categorias funcionais, a possibilidade de movimento na gramática está restringida à verificação de traços fortes porque estes são objectos ilegítimos em PF. Na versão minimalista da teoria gramatical de base generativa, os elementos lexicais existem de forma plena no léxico e como tal são importados pela componente computacional. Um nome, por exemplo, vem marcado do léxico com traços de género e número que, sendo fortes, terá de verificar em sintaxe visível de encontro a uma qualquer categoria funcional com traços correspondentes fortes. Da mesma forma, um verbo é introduzido com toda a flexão morfológica, verificando os traços [V] fortes que as categorias nominais têm. É da necessidade de os elementos lexicais verificarem os traços fortes das categorias funcionais antes do Spell Out e da diferente combinação de traços [N] e [V], fortes ou fracos, destas categorias que resulta a grande diversidade de estruturas de superfície nas línguas. Mas da mesma forma que na TRL os princípios serviam o objectivo único de regular as regras, também agora no programa minimalista existem princípios que permitem decidir entre estruturas superficialmente idênticas: são os princípios de economia - Procrastinate, Greed e Last Resort. 121 Neste espírito de restringir as opções na análise dos dados linguísticos, também a proposta de Kayne (1994) é importante. A proposta que apresenta este autor vai no sentido não só de considerar universal a ordem Spec - Head Complement, mas também de aceitar como válido apenas o movimento para a esquerda (“leftward movement”) dos itens lexicais ou dos traços fortes, de acordo com a proposta de Chomsky (1994) de que as categorias funcionais não se movem, apenas os traços fortes carentes de verificação. Com base nestas assunções e propostas, têm sido desenvolvidas análises no âmbito das línguas particulares, que resultam na sua confirmação e aperfeiçoamento. Refiro aqui as que adoptei na análise que proponho. Assumida a existência de duas projecções AGR, uma respeitante ao sujeito e outra ao objecto, e uma posição para traços temporais entre aquelas duas, Ambar (1992), (1993) e (1996) encontra no estudo das construções infinitivas e participiais do português evidências que fazem acreditar na existência ou, pelo menos, na necessidade de considerar também uma posição de tempo próximo do objecto (TobP). Desta constatação surge então a distinção entre tempo sujeito categoria responsável pela verificação dos traços morfológicos de tempo das formas verbais - e tempo objecto - categoria funcional onde residem informações de natureza semântica que importam ao tempo e à relação que este estabelece com o V e os seus complementos. Regidas pelos mesmos objectivos de descrição e explicação de fenómenos particulares das línguas, surgem as propostas de Laka (1990) e de Zanuttini (1994). O trabalho de Laka reveste-se de fundamental importância ao apresentar dados empíricos de algumas línguas - nomeadamente do basco e do inglês - que 122 reforçam a necessidade de considerar na estrutura uma posição onde são verificados traços relativos ao valor de verdade das proposições. Esta hipótese apresenta-se como alternativa à anteriormente existente que considerava a posição COMP como o local privilegiado para tais informações. O trabalho de Zanuttini (1994) vai, por sua vez, no sentido de uniformizar a localização dos elementos importados do léxico e a forma de verificarem os traços fortes. Esta autora assume, assim, a existência de uma categoria de negação numa posição inferior à assumida por Pollock (1989) - NegP. Para Zanuttini os elementos de negação são gerados nesta posição acima de AGRO e em sintaxe visível deslocam-se para uma posição superior - PolP (Polarity Phrase) - onde verificam os seus traços fortes. É pois com base nestas propostas que procederemos, no decorrer deste capítulo, a uma primeira tentativa de análise30 dos advérbios em geral e a uma análise do advérbio sempre em particular. 4.2.2. Generalizações e análise A classificação proposta para o inglês por Jackendoff (1972) e seguida por nós na secção 4.1. deste capítulo para a descrição dos advérbios equivalentes em português, não é suficientemente abrangente nem sistemática. O que nos foi dado observar durante a análise apresentada em 4.1. foi que a classificação tradicional pretendeu agrupar os advérbios combinando duas condições: 123 - o significado (modo, orientação para o sujeito, tempo, etc.); - e a posição em que ocorrem (inicial, pós-sujeito, pós-verbal e final). Jackendoff (1972) apresenta uma análise para o inglês que pretende aliar semântica e sintaxe na descrição dos advérbios. Verificamos, porém, e não questionando os dados apresentados para o inglês que a aplicação de tal proposta à análise dos advérbios em português contraria a teoria do autor. Na realidade, os dados do português parecem apontar para uma generalização onde o significado e as posições preferenciais são resultantes de outros factores até agora descurados: a semântica intrínseca dos advérbios e dos elementos com os quais se combinam. No que respeita ao significado, enquanto elemento lexical, o advérbio tem um conteúdo semântico próprio. Relativamente à posição que ocupa, o que é mais ou menos uniforme é a ocorrência do advérbio nas proximidades, na área do elemento que delimita/determina a sua interpretação: (i) na área do sujeito quando a sua interpretação é orientada para o sujeito, na área do predicado quando a interpretação é de modo; (ii) na área do objecto quando a interpretação é orientada para o objecto e (iii) em posições periféricas à frase quando a interpretação é orientada para o sujeito da enunciação. Nesta linha de pensamento parece agora mais fácil descobrir quais as classes de advérbios que provavelmente existem em português. A. 30 Uma primeira classe de advérbios que gostaríamos de considerar Não se veja esta análise sobre os advérbios em geral como exaustiva e definitiva. Com ela não pretendemos mais do que uma primeira hipótese de arrumação dos dados descritos nos capítulos 124 caracteriza-se por ocorrer de forma mais rígida contígua aos elementos que modifica, tendo como função restringir o elemento modificado. Nesta classe incluímos advérbios como unicamente, só, apenas, meramente e simplesmente, que, como mostram os exemplos abaixo, não impõem restrições de natureza categorial aos elementos que modificam: (154) a. Unicamente o João leu o livro. b. O João unicamente leu o livro. c. O João leu unicamente o livro. (155) a. Apenas o João leu o livro. b. O João apenas leu o livro. c. O João leu apenas o livro. Como podemos constatar pela observação de (154) e (155), o constituinte modificado pode ser o sujeito (a), o predicado (b) ou o complemento do verbo (c), concluindo-se assim, que estes são advérbios restrictores em abstracto (são cegos quanto ao que modificam). Dentro desta primeira classe podemos ainda talvez delimitar uma subclasse de advérbios que, muito embora tenha também a função de restringir constituintes da frase, tem muito bem definido o tipo de elementos que modifica. Estes são advérbios como muito, pouco, tremendamente, bestialmente, inacreditavelmente e bem. Semanticamente parecem possuir todos um sema de quantificação, contudo distinguem-se uns por quantificarem adjectivos e/ou advérbios. precedentes. 125 (156) a. O João está muito feliz. b. O doente está pouco melhor. c. Ontem vimos um filme tremendamente mau. d. O trabalho que ele apresentou é inacreditavelmente bom. e. Este filme está bem feito. Como os exemplos mostram esta subclasse não tem a mobilidade de advérbios do tipo de unicamente. Não podem por exemplo modificar o verbo precedendo-o: (157) a. *O João muito está feliz. b. *O doente pouco está melhor. c. *Ontem tremendamente vimos um filme mau. d. *O trabalho que ele inacreditavelmente apresentou é bom. e. *Este filme bem está feito. Concluímos que numa classe de advérbios - caracterizada por incluir advérbios que aparecem contíguos aos elementos que modificam, restringindo-os - surgem duas subclasses: (i) subclasse 1. com advérbios do tipo unicamente capazes de restringir qualquer constituinte de frase que preceda (c-comande); (ii) subclasse 2. com advérbios do tipo muito, bestialmente, que modificam com restrições adjectivos e advérbios. 126 Assim, nesta classe A. parte dos advérbios que a constituem são cegos relativamente aos elementos que preferem restringir; a outra parte selecciona especificamente os elementos a restringir. Num segundo grupo agrupámos advérbios que se caracterizam por B. modificar a relação estabelecida entre o sujeito e a acção verbal. São advérbios como cuidadosamente, habilmente, corajosamente, dedicadamente, propositadamente, descuidadamente, desajeitadamente, inteligentemente, indolentemente, alegremente, relutantemente, tristemente, silenciosamente, etc. A relação que consideramos pode traduzir-se, na nossa opinião, em duas ideias: 1. um advérbio desta classe ocorre na área do sujeito e/ou do verbo; 2. em termos semânticos impõem-se restrições de selecção entre: o sujeito, o advérbio e o verbo. Relativamente à primeira condição, a possibilidade de os adjectivos correspondentes aos advérbios em análise facilmente ocorrerem numa construção como SER + Adj., onde o sujeito é o alvo da predicação, parece-nos ser um argumento importante a considerar: (158) a. O João foi cuidadoso a ler o livro. b. O João foi hábil a receber os convidados. c. O João foi corajoso a enfrentar a multidão. 127 d. O João foi descuidado a servir o café. A segunda condição reflecte-se na posição que o advérbio ocupa. O facto de as posições possíveis para estes advérbios serem a posição pós-verbal, preferencialmente, a posição pré-verbal e início de frase, verificando-se sempre uma relação de adjacência entre o advérbio e o verbo, o advérbio e o sujeito, ou entre o advérbio e o verbo e o sujeito, parece ser um forte argumento a favor da nossa ideia: (159) a. b. (160) a. b. (161) a. b. (162) a. b. 31 O João leu cuidadosamente o livro. O João recebeu habilmente os convidados. O João cuidadosamente leu o livro. O João habilmente recebeu os convidados. Cuidadosamente o João leu o livro. Habilmente o João recebeu os convidados. ?O João leu o livro cuidadosamente.31 ?O João recebeu os convidados habilmente. Quando consideramos advérbios em -mente, em português, a sensação que nos fica é a de que quase todos podem ocorrer em todas as posições da frase. De facto, e porque na escolha do advérbio existe (pelo menos implícita) uma observação do locutor, na maioria dos casos parece existir tal possibilidade recorrendo à marcação prosódica (Cf. Frota (1993)). O João entornou o café INTELIGENTEMENTE. O gato roubou o peixe do aquário INFELIZMENTE. 128 A primeira dúvida que se nos coloca relativamente à distribuição destes advérbios diz respeito à sua posição de base. A primeira hipótese que surge, dada a relação privilegiada que o advérbio mantém com o NP sujeito e com o próprio verbo, é postular a geração básica do advérbio em adjunção a VP: (163) VP ADVP VP V’ NPsuj. Vº NPobj. Esta posição, se por um lado parece ser uma boa possibilidade para a geração de advérbios que modificam o sujeito e o verbo, por outro levanta o problema de perceber como é que a relação que o advérbio estabelece com aqueles dois elementos não se pode estender também ao NP objecto.32 Por outro lado, assumir essa posição acarretaria a necessidade de prever qual o momento da derivação em que o advérbio verificaria, formalmente, a relação que estabelece com o elemento modificado, uma vez que, como é normalmente assumido, pelo menos o V e o NP sujeito saem do VP no decorrer da derivação. Se assumirmos também que o NP objecto se pode mover para fora do VP por razões de caso, ou outras, então a adjunção do advérbio a VP não é uma boa hipótese. Ao sair de VP, o NP objecto deixaria o advérbio numa posição final, o que como constatámos, não é empiricamente correcto. 129 Outro factor a considerar, contra a hipótese de adjunção do advérbio a VP são os argumentos que Kayne (1994) apresenta a favor de uma estrutura universal Spec-Head-Complement, excluindo qualquer posição adjunta que não seja sujeito de uma projecção. Consideremos agora a hipótese em que o advérbio, embora não sendo uma categoria lexical caracterizável pelos traços [+N,+V], pode constituir uma categoria à parte, capaz até de projectar um ADVP.33 Vamos admitir também que a posição que o ADVP ocupa é imediatamente à esquerda de VP. Além disso, consideramos que o advérbio é a cabeça desta projecção, podendo ou não ter especificador.34 (164) ADVP ADV’ ADVº VP V’ NP suj. Vº NP obj. Na derivação normal de uma estrutura com um advérbio, o NP sujeito sai do VP para ir ocupar, possivelmente, Spec de AGRS, e o V deixa também o VP 32 Laenzlinger (93) assume uma relação de m-comando entre o advérbio em Spec-A’ de VP e os restantes elementos gerados dentro desta projecção. É claro que também o objecto é modificado por estes advérbios, mas a modificação não incide particularmente sobre ele. 33 É esta a opinião por exemplo de Pollock (1989), também partilhada por Laenzlinger (93) que, além disso, considera os advérbios como operadores. 130 para se deslocar para uma posição onde verifique os traços morfológicos que transporta. Neste momento temos então duas opções para dar conta da relação semântica que se estabelece entre o V e o advérbio. Uma primeira hipótese é considerar a possibilidade de o verbo se adjungir à esquerda do advérbio (sendo ambos Xº) quando se move. Neste caso, podemos motivar o movimento do verbo para uma posição de adjunção ao advérbio, considerando que este encabeça uma projecção funcional com traços V fortes que requerem, naturalmente, o movimento do V para os verificar; posteriormente o verbo mover-se-ia para a projecção T onde verificaria os traços de tempo. Uma alternativa será aceitar o movimento do verbo não para uma posição adjunta ao verbo mas para a cabeça da projecção imediatamente superior ao ADVP. Assumindo com Ambar (1996) a existência de uma categoria TobP, uma posição possível para o verbo seria, nesse caso, Tobº. Uma vez nessa posição, poder-se-ia estabelecer uma relação de concordância Head-to-Head entre a cabeça do Tobº ocupada pelo V movido e o advérbio. Esta relação, à partida, não impediria que o movimento do verbo prosseguisse dado que o vestígio aí deixado manteria (em cadeia) a relação com o advérbio. Com esta hipótese facilmente derivamos a ordem Suj. + V + Adv + Obj..35 Um problema que se coloca também a esta hipótese continua a ser a questão de saber se o NP objecto se move para fora da projecção em que é gerado.36 Se essa possibilidade se verificar, o movimento do objecto terá como 34 A posição de especificador de ADVP é, provavelmente, ocupada por advérbios como os que considerámos na primeira classe e cuja função é modificar adjectivos e outros advérbios. 35 Para que esta opção seja possível é necessário admitir que, quando se obtém esta ordem, o NP objecto não sai do VP. 36 Esta é, contudo, uma questão complexa que ultrapassa o âmbito deste trabalho. Com efeito, saber se em português o NP objecto se move, ou não, para uma posição acima de VP - AgrOP (cf. Chomsky 1993) ou TobP (cf. Ambar 1996) - implica o estudo de questões que se relacionam com 131 alvo uma posição de especificador) AgrOP ou TobP). Ainda que a posição escolhida fosse a posição Spec de ADVP a ordem resultante apresentaria o advérbio em posição final e a estrutura não daria conta da ordem mais natural, em que o advérbio surge em posição pré-NP objecto. Então a única solução possível parece ser a geração do advérbio numa posição mais alta na estrutura da frase, pelo menos mais alta do que a posição alvo do movimento do NP objecto, para que em superfície, mesmo havendo movimento do objecto, o advérbio possa ocorrer entre o verbo e o seu complemento. Consideremos agora o possível movimento do NP objecto. A motivação para este constituinte sair da categoria onde é gerado terá de ser a necessidade de verificar traços fortes, sem o que a estrutura rebentará em LF. Assim sendo, podemos considerar duas hipóteses: - o NP objecto move-se para verificar traços de caso acusativo e ocupa a posição Spec de AGRO ou TobP; - o NP objecto move-se para verificar um traço forte de especificidade e para isso ocupa a posição Spec de TobP. Em qualquer das hipóteses, a localização da projecção do advérbio não poderá ser imediatamente à esquerda do VP. Além disso, esteja o ADVP a verificação do caso acusativo e com a distribuição dos NP’s objecto específicos vs. não específicos, se quisermos avaliar as predições da análise de Diesing (1992) sobre o português. E a dificuldade de saber se os NP’s específicos têm se sair do VP (Diesing (1992)) ou de TP (Martins (1995)) ou se pura e simplesmente ficam in situ aumenta quando constatamos a liberdade/opcionalidade de ocorrência dos advérbios em posição final ou pré-NP objecto. A aparente opcionalidade no que respeita a estas duas posições poderá, eventualmente, ser o reflexo de o português estar numa fase de transição relativamente a este aspecto. De acordo com Ambar (1996) é de crer que no português antigo os NP’s específicos subiam de forma mais sistemática do que no português moderno. A oscilação verificada no posicionamento do advérbio nestas posições seria assim o reflexo da fixação deste parâmetro. De notar que, para além destas questões, exemplos como os registados em (176) e (177) deste trabalho, mostram que parece existir uma assimetria entre frases com NP’s objecto específicos e genéricos, no sentido inverso ao de Diesing (1992). As hipóteses de análise 132 imediatamente acima de AgrOP ou imediatamente acima de TobP, a relação que o advérbio vai estabelecer com o verbo será sempre do tipo Head-to-Head. (165)a. ADVP ADVº cuidadosamente AgrOP Spec AgrO’ AGR Vi apresentadas no texto não pretendem resolver esta questão e devem ser vistas como uma reflexão breve sobre a complexidade do tema. 133 (165)b. ADVP ADVº cuidadosamente TobP Spec Tob’ Tobº Vi Para não considerarmos uma projecção ADVP, a única hipótese alternativa disponível parece-nos que é assumir que o advérbio é gerado na posição Spec de uma categoria funcional existente na estrutura da frase. Neste caso, se assumirmos que ele é gerado em Spec de TobP não podemos considerar a possibilidade de um movimento do objecto para essa posição ou para posições superiores. Assim sendo, a única possibilidade parece ser gerar o advérbio em posição Spec de AgrOP.37 Consideremos agora as restantes ordens possíveis para os advérbios da classe que estamos a considerar. Como referimos acima, embora a posição preferencial para estes advérbios seja a posição pós-verbal, eles podem também ocorrer em posição pré-verbal e em início de frase. (Repetimos aqui os exemplos (160) e (161) por comodidade de exposição). 37 Se uma das motivações possíveis para o movimento do NP objecto é a verificação de traços de caso acusativo, pode parecer estranho que essa verificação se faça em Spec de TOP quando tem sido assumido na literatura que a categoria funcional responsável pelas marcas de caso é AGR (sujeito ou objecto dependendo do caso)(Cf., por exemplo, Raposo (1987), Chomsky (1993)). Contudo, aceitar AGRO como posição hospedeira das marcas casuais, tem a consequência directa de que a posição do advérbio seja ainda mais alta do que AGROP e, por outro lado, não é claro que Agr, sendo uma categoria [+N] seja a categoria responsável pela verificação de caso, como também já tem sido referido na literatura. 134 (160) a. b. (161) a. b. O João cuidadosamente leu o livro. O João habilmente recebeu os convidados. Cuidadosamente o João leu o livro. Habilmente o João recebeu os convidados. Nestas últimas posições o que verificamos é que a interpretação resultante é ou orientada para o sujeito ou marcada por uma apreciação do sujeito enunciador sobre o desempenho do sujeito gramatical. Então como dar conta das diferentes ordens e correspondentes interpretações ? Constatando que a presença dos advérbios nestas posições pode implicar uma apreciação do sujeito da enunciação, a hipótese que se nos afigura mais plausível é considerar que estes advérbios são lexicalmente marcados com um traço que os leva a subir na estrutura da frase, sempre para cumprir o objectivo de verificar traços fortes. Admitamos, então, que a subida dos advérbios é motivada pela existência de um traço [α] de apreciação.38 Não esquecendo que a informação com que nos prendemos neste momento diz respeito à informação exterior à estrutura da frase (do sujeito enunciador), o que parece, à primeira vista, correcto é assumir que no topo da estrutura da oração existe uma posição, tipicamente ocupada por operadores, através da qual se estabelece a relação entre o discurso e a estrutura sintáctica propriamente dita.39 Assim sendo, para verificar um traço [α] forte, localizado numa posição 38 Agradeço à Profª Manuela Ambar (c.p.) ter-me sugerido esta hipótese. Se recordarmos o trabalho de Raposo (86a) sobre os objectos nulos em português, podemos aí encontrar uma explicação idêntica para alguns tipos de objectos nulos cujo conteúdo semântico, 39 135 no topo da estrutura da frase, chamemos-lhe αP, os advérbios deslocam-se para essa posição desencadeando a ordem em que o advérbio aparece em posição inicial.40 Para obtermos a posição pré-verbal do advérbio teríamos de imaginar uma de duas coisas: - ou o advérbio por alguma razão não sobe até [αP], o que seria estranho pois só assim o traço [+α] de αP é verificado; - ou após o movimento do advérbio para αP existe um movimento do NP sujeito para uma posição superior. Dadas as duas hipóteses apontadas, parece-nos que a única possível é a aquela em que a posição pré-verbal do advérbio resulta de um movimento posterior do NP sujeito. Como motivar este movimento ? (160) a. b. O João cuidadosamente leu o livro. O João habilmente recebeu os convidados. Se observarmos atentamente a interpretação que obtemos com o advérbio entre o sujeito e o verbo, podemos constatar que, de algum modo, o sujeito está destacado da restante informação da frase. Na realidade, parece que esta ordem resulta de uma ênfase dada ao sujeito sobre o qual se diz, por exemplo, ter lido segundo o autor, é recuperado pela relação que se estabelece entre um operador nulo em início de frase e o discurso. 40 Para assumirmos que a presença do traço [α], de apreciação, é a responsável pela subida do advérbio para as posições mais altas, temos que assumir que a alternância entre uma interpretação orientada para o sujeito enunciador e uma interpretação orientada para o sujeito gramatical é o resultado de diferentes valores de [α]. Ao contrário do que na literatura se tem assumido, teremos que defender que a interpretação orientada para o sujeito da enunciação é o resultado da combinação de dois traços [α] fortes: o da posição αP e o do advérbio. Quando a interpretação é apenas orientada para o sujeito gramatical não existe convergência de dois traços fortes. Em suma, em vez de justificarmos o movimento do advérbio para resultar uma interpretação de apreciação 136 cuidadosamente o livro. Finalmente, não nos parece abusivo defender que a ordem Suj. + Adv + V resulta de um movimento extra do sujeito que, por ser o tópico da enunciação, deve verificar um traço [+Top], provavelmente na posição de Spec de αP. Nesta posição estabelece-se a relação de adjacência entre sujeito e advérbio. Desta adjacência resulta a interpretação do advérbio orientada para o sujeito. A questão que persiste é a de saber por que razão com alguns advérbios a interpretação resultante é uma apreciação do sujeito da enunciação que nada tem a ver com a interpretação que o mesmo advérbio obtém numa posição mais baixa. Uma hipótese para distinguir os dois tipos de advérbios é o facto de alguns deles poderem ter também o traço [α] forte. Então, quando em αP se encontram dois traços [+α] o resultado seria uma apreciação subjectiva do sujeito da enunciação. Em resumo, se a interpretação que obtemos com advérbios como cuidadosamente se refere ao sujeito gramatical, então este é um advérbio em que o traço relevante é fraco [-α]. Assim, ainda que no decorrer da derivação cuidadosamente ocupe a posição marcada na estrutura com [+α], o facto de o valor dos traços não coincidirem não permite que a interpretação se altere. Pelo contrário, quando o advérbio aí presente também é [+α], como por exemplo com habilmente, o seu movimento para a posição relevante proporciona a combinação de dois traços fortes idênticos, condicionando a interpretação que passa a apresentar a opinião do sujeito enunciador relativamente às intenções do sujeito gramatical. do locutor, assumimos a verificação do traço forte da cabeça funcional αº (visível em PF) como 137 De facto, quando consideramos frases como as de (166) é possível entender as diferentes interpretações com exemplos de cuidadosamente e de habilmente. (166) a. b. Habilmente, o João recebeu os convidados. Cuidadosamente, o João recebeu os convidados. Finalmente, no que respeita às restrições (de selecção) que evidentemente existem entre o sujeito, o advérbio e o complemento, quando consideramos advérbios desta classe, podemos tentar explicá-las de duas formas. Por um lado, podemos remeter essa verificação para LF dado que são especificações fundamentalmente semânticas e que, aparentemente não alteram visivelmente, por exemplo, a ordem. Por outro lado, podemos talvez imaginar que, à semelhança do traço [α] que marca alguns advérbios, que exprimem a opinião do sujeito locutor, todos os advérbios vêm lexicalmente marcados com indicação dos elementos que modificam. Esta hipótese, embora mais próxima da tendência actual da linguística, parece que iria conduzir a uma proliferação de traços, provavelmente interpretativos e não sintácticos, que exigiriam movimentos acrescidos para os verificar. Por esta razão inclinamo-nos mais pela primeira hipótese, embora, não disponhamos dos dados suficientes para decidir. C. como Passemos agora à análise do terceiro grupo onde incluímos advérbios mortalmente, completamente, parcialmente, aproximadamente, sensivelmente, totalmente, especificamente, etc. Ao contrário dos advérbios que forma de desencadear o movimento do advérbio. 138 analisámos anteriormente, estes caracterizam-se por estabelecerem uma relação de significado estreita com o NP complemento do verbo. Esta relação pode traduzirse na partilha de traços de selecção compatíveis, entre o advérbio e o objecto, ou na exigência de compatibilidade de traços semântico-sintácticos. Relativamente ao primeiro tipo de restrições referidas, trata-se de compatibilidades que se devem verificar necessariamente de modo a evitar construções como (167b): (167) a. O polícia atingiu a casa em frente. b. *O polícia atingiu mortalmente a casa em frente. c. O polícia atingiu o assaltante. d. O polícia atingiu mortalmente o assaltante. Relativamente à compatibilidade sintáctico-semântica, as frases abaixo ilustram as exigências que estes advérbios impõem ao objecto que modificam. (168) a) O João leu completamente o livro. b. O João leu o livro completamente. c. *O João leu completamente livros. d. *O João leu livros completamente. A posição preferencial destes advérbios é em entre o verbo e NP objecto mas podem, alternativamente, ocorrer em posição final: (169) a. O polícia atingiu mortalmente a vítima. 139 b. O polícia atingiu a vítima mortalmente. c. *O polícia mortalmente atingiu a vítima. d. *Mortalmente o polícia atingiu a vítima. Ao contrário dos advérbios do grupo anterior, estes não podem aparecer em posição pré-verbal ou inicial: (170) a. O João leu completamente o livro. b. O João leu o livro completamente. c. *O João completamente leu o livro. d. *Completamente o João leu o livro. Da mesma forma que observámos para o grupo anterior, se admitirmos que o advérbio projecta uma categoria máxima imediatamente acima de VP, para dar conta das ordens permitidas por estes advérbios apenas temos que considerar o movimento (opcional) do NP objecto. Neste caso, a posição final do advérbio seria o resultado do movimento do objecto para fora do VP e a posição entre o verbo e o objecto resultaria da ausência desse mesmo movimento.41 Se quisermos aceitar a existência de um movimento obrigatório do NP objecto para fora do VP, temos então que gerar a projecção do advérbio, possivelmente, acima de AgrOP. Relativamente à impossibilidade de ocorrência de advérbios deste grupo em posição inicial ou pré-verbal, assumindo a existência da projecção αP 41 Aqui estamos assumir, normalmente, o movimento do sujeito e do verbo para fora do VP onde são basicamente gerados. Quanto ao NP objecto ver nota 36. 140 fortemente marcada com o traço [+α], anteriormente referido, somos obrigados a concluir que os advérbios deste terceiro grupo não ocorrem em estruturas com [+α], não havendo por isso motivação para se moverem para início de frase ou para uma posição pré-verbal.42 D. Reunidos num quarto grupo, encontramos advérbios como rapidamente, frequentemente, lentamente, raramente, ontem, sempre, etc.. O que fundamentalmente caracteriza este grupo é o facto de todos transmitirem informação relativamente ao tempo. Por um lado, temos advérbios como frequentemente, raramente, ontem, sempre, hoje, etc., que impõem restrições ao tempo morfológico das estruturas em que ocorrem, bem como à natureza do complemento nominal do predicado: (171) a. O João vai frequentemente ao cinema. b. O João frequentemente vai ao cinema. c. Frequentemente o João vai ao cinema. d. O João vai ao cinema frequentemente. (172) a. *O João resolveu frequentemente o problema. b. *O João frequentemente resolveu o problema. Desta assunção resulta que, relativamente à verificação do traço [α], teremos três grupos de advérbios: - por um lado os advérbios, que podendo verificar tal traço, são marcados com [-α], não desencadeando alteração na interpretação do respectivo advérbio; - em segundo lugar temos outro grupo que pode verificar [+α] e porque está marcado por [α] forte, ocorre uma alteração da interpretação do sujeito enunciador; - e, finalmente, um terceiro grupo que, só ocorre em estruturas onde não existe [+α] para verificar, de onde não pode subir na estrutura atingindo a posição inicial e pré-verbal. 42 141 c. *Frequentemente o João resolveu o problema. d. *O João resolveu o problema frequentemente. (173) a. *O João vai ontem ao cinema. b. *Ontem o João vai ao cinema. Por outro lado, distinguem-se advérbios como lentamente e rapidamente cujas restrições parecem cair sobre a natureza semântica do predicado verbal: (174) a. ?O João dorme rapidamente a sesta. b. ?O João dorme a sesta rapidamente. c. ?O João rapidamente dorme a sesta. d. ?Rapidamente o João dorme a sesta. Relativamente ao teste SER + Adj., no caso presente verificámos um comportamento não uniforme. Assim, esta classe é composta, por um lado, por advérbios que não permitem a construção referida e que correspondem aos que impõem restrições ao tempo morfológico e, por outro lado, por advérbios que aceitam a referida construção SER + Adj. e que não interferem com o tempo morfológico: (175) a. b. 142 O João foi rápido a ler o livro. O João foi lento a ler o livro. Confrontando os exemplos de (175) com os de (158), verificamos que, se em (158) o adjectivo predicava acerca do sujeito (o João foi cuidadoso), em (175) o adjectivo, não obstante concordar em género e número com o sujeito, predica sobre o tempo de duração da acção que o sujeito desenvolveu. Relativamente à posição natural de ocorrência destes advérbios, a posição preferencial é a posição pós-verbal. Aqui, no entanto, a posição pré-verbal, inicial e final estão também disponíveis. (176) a. O João leu rapidamente o livro. b. O João rapidamente leu o livro. c. Rapidamente o João leu o livro. d. O João leu o livro rapidamente. Admitindo com Kayne (1994), que os movimentos se fazem para posições à esquerda, teremos, mais uma vez, de admitir que nas estruturas em que o advérbio surge em posição final (177) a. O João lê livros rapidamente. b. O João resolveu o problema rapidamente. c. O João lê rapidamente livros. d. O João resolveu rapidamente o problema. terá sido o NP objecto a mover-se para a esquerda e não o advérbio para a direita. Assim sendo, em estruturas com NP’s objecto não específicos, em que o advérbio 143 surge preferencialmente em posição final, teríamos de admitir que esse NP objecto se terá movido ou para Spec de Tobº ou para Spec de AgrOº. Em estruturas em que o advérbio surge em posição pré-NP objecto este NP estaria in situ numas estruturas e seria movido, opcionalmente, noutras.43 Estes factos, vão porém no sentido contrário ao que tem sido defendido na literatura sobre esta questão. Em Diesing (1992), por exemplo, não são os NP’s genéricos que devem mover-se para fora de VP mas sim os [+ específicos] - (veja-se o seu conceito de “existential closure”. Põe-se assim a questão de perceber os factos do português. Ou dizemos que em português o fenómeno tratado por Diesing tem efeitos inversos, ou encontramos para o comportamento dos advérbios no contexto de NP’s genéricos, nas estruturas exemplificadas acima, uma outra explicação. Por outro lado, no que diz respeito à distribuição dos advérbios nos contextos de NP’s específicos, se admitirmos com Diesing que também em português os NP’s específicos se movem para além de VP explicamos os casos em que o advérbio surge em posição final mas não aqueles em que surge em posição pré-NP objecto. Em relação à primeira hipótese, de que existe subida do NP genérico, podemos talvez pensar que o que se verifica, neste caso, é um processo idêntico a outro apontado por Stowel para as orações pequenas. Assim, o que distinguiria as construções com o NP objecto genérico, em que o advérbio ocorre em posição final, é o facto de este NP objecto se mover para junto do verbo com o objectivo de formar um predicado complexo. Esta ideia tem fundamento semântico quando interpretamos as frases relevantes, e constatamos que a interpretação que o verbo ler obtém com um complemento específico e com um genérico é distinta. Neste sentido, quando ler se combina com um NP específico a estrutura é interpretada 43 Cf. nota 36. 144 como contendo um predicado (ler) com o seu argumento interno (o livro). Porém, quando ler ocorre com um complemento genérico, na interpretação deixamos de distinguir o predicado (ler) do complemento (livros). Nesse caso, acontece que a união destes dois elementos resulta numa interpretação em que o verbo e o NP formam um só elemento; um predicado complexo: ler livros. Esta poderia ser uma explicação para a posição final do advérbio. Em relação à segunda questão, a subida dos NP’s específicos, a motivação para tal movimento parece-nos advir de características dos constituintes nominais, i.e., verificação de traços de caso, como atrás referimos. A explicação da estrutura assenta, essencialmente, na forte evidência de que no português antigo, contrariamente ao português moderno, AGRO possuía traços de caso fortes. Assumindo, com Chomsky (1993), que os movimentos em sintaxe se fazem exclusivamente para verificação de traços fortes, teríamos de aceitar a ideia de que quando o objecto aparece em posição final não há subida porque não há traços fortes para verificar. Do mesmo modo, quando, pelo contrário, o advérbio aparece em posição final há movimento porque há traços fortes a verificar. Ou seja, o português moderno apresenta-se, de acordo com esta proposta, numa fase de transição relativamente à fixação dos traços de AGRO; se para alguns falantes AGRO ainda tem traços fortes que motivam a subida do NP objecto, para outros este comportamento já não se verifica e o objecto é o elemento final. Relativamente à possibilidade de ocorrerem em posição inicial ou préverbal, onde obtemos uma interpretação orientada para o sujeito da enunciação, teremos, mais uma vez, que recorrer à proposta anteriormente apresentada da presença de um traço [+α] numa posição no topo da estrutura da frase que os 145 advérbios têm de verificar. Dado que a interpretação que os advérbios obtêm em posição inicial e préverbal não é alterada, se as observações que fizemos anteriormente estão certas, poderemos talvez afirmar que esta classe é composta por advérbios que possuem o traço [-α]. Assim, desencadeia-se o movimento onde são verificados os traços da posição αP e dos advérbios, mantendo estes o seu significado inalterado. Incluído nesta classe de advérbios está também sempre que se aproxima semanticamente dos demais elementos da classe por transmitir informação temporal, mas que, em termos de interpretação e de distribuição na frase, tem um comportamento completamente à parte: (178) a. *Sempre o João vai ao cinema. b. *O João sempre vai ao cinema. c. O João vai sempre ao cinema. d. *O João vai ao cinema sempre. Como mostra (178), aparentemente, a única posição em que sempre pode ocorrer com informação temporal é depois do verbo, sendo excluído em todos os outros contextos. No ponto 5.2 do capítulo 5. tentaremos esboçar uma proposta de análise com vista a explicar o comportamento particular de sempre, procurando perceber quais as posições em que pode ou não ocorrer e porquê. E. Finalmente, a quinta classe de advérbios que considerámos engloba advérbios como infelizmente, francamente, possivelmente, certamente, 146 efectivamente, evidentemente, provavelmente, felizmente, etc. Sabendo-se que estes advérbios se caracterizam por introduzir a opinião do sujeito da enunciação, relativamente à predicação da frase, facilmente compreendemos que ocorram em início de frase, ou em posição pré-verbal. (179) a. Infelizmente, o João vai ao cinema. b. O João infelizmente vai ao cinema. Ao contrário da hipótese que considerámos para os grupos de advérbios anteriormente descritos, nesta classe pensamos que a posição básica dos advérbios não pode ser à esquerda de VP. Assim, visto que não há qualquer tipo de restrição entre o advérbio e o sujeito, entre o advérbio e o predicado, ou entre o advérbio e o complemento do verbo, e dado que com a interpretação que lhes é própria não podem ocorrer abaixo da posição pré-verbal, não parece necessário nem correcto postular a geração destes advérbios numa posição próxima do VP. A posição onde pensamos serem gerados é uma posição onde se estabelece uma relação entre a estrutura sintáctica oracional e a estrutura do discurso. À semelhança do que propusemos na análise dos advérbios dos grupos anteriores, a posição em causa é αP onde estes advérbios vão verificar o traço [+α]. Neste espírito, este último grupo de advérbios caracteriza-se por ser constituído apenas por advérbios cujo traço [+α] forte é responsável pela sua geração básica em αP. Em conclusão, nesta secção tentámos apresentar uma proposta de 147 classificação que de um modo mais ou menos uniforme agrupe os advérbios considerando a sua semântica intrínseca, a sua distribuição na estrutura da frase e as relações que estabelecem com os outros elementos da frase. Da nossa análise resulta que, relativamente à geração básica dos advérbios, temos três tipos: - os que restringem diferentes constituintes, sugerindo uma geração básica, provavelmente, dentro do constituinte modificado; - os que são gerados numa posição periférica à frase e cuja interpretação é sempre uma apreciação do sujeito enunciador; - e, finalmente, aqueles que são gerados, possivelmente, em posições próximas do VP, e que, dependendo de existir um traço forte marcador de apreciação em αP, podem ou não subir na estrutura da frase. Em termos de classes semânticas, pela nossa análise obtivemos cinco grandes classes de advérbios; - uma primeira classe A. de advérbios com a função única de restringir o conteúdo significativo de vários constituintes; - uma segunda classe B. onde encontramos advérbios marcados por uma interpretação orientada para o sujeito gramatical ou para o sujeito da enunciação; - uma terceira classe C. que agrupa advérbios, tipicamente, orientados para o complemento verbal; - um quarto grupo D. de advérbios com informação de tempo e que, na sua maioria, pode ocorrer livremente na estrutura da frase; - finalmente, o quinto grupo E. de advérbios, tipicamente marcado pela interpretação orientada para o sujeito enunciador. 148 Classe Advérbios Posição onde são gerados A unicamente só apenas meramente simplesmente junto dos constituintes que modificam B cuidadosamente habilmente corajosamente dedicadamente propositadamente descuidadamente desajeitadamente inteligentemente indolentemente alegremente relutantemente tristemente silenciosamente próximo do VP: C D E mortalmente completamente parcialmente aproximadamente sensivelmente totalmente especificamente rapidamente frequentemente lentamente raramente ontem sempre infelizmente francamente possivelmente certamente efectivamente evidentemente provavelmente felizmente Traços relevantes para a interpretação restritores [+/- α] - numa projecção ADVP imediatamente acima do VP; ou - numa projecção ADVP imediatamente acima de TobP; próximo do VP: [∅ α] - numa projecção ADVP imediatamente acima do VP; ou - numa projecção ADVP imediatamente acima de TobP; próximo do VP: [- α] - numa projecção ADVP imediatamente acima do VP; ou - numa projecção ADVP imediatamente acima de TobP; numa posição periférica à estrutura da frase: [+α] - numa posição funcional onde tipicamente ocorrem operadores e que se relaciona com o discurso; 149 150 5. Outros Advérbios - Sempre A descrição feita no ponto anterior engloba a maioria dos advérbios terminados em -mente e um pequeno grupo de outros sem essa desinência. Dessa descrição ficam excluídos alguns advérbios muito usados na língua como ontem, amanhã, hoje, sempre, já, ainda, logo, mal, só, lá, etc. Com excepção de só e lá, todos estes advérbios podem ter uma interpretação temporal em determinadas posições e em contextos específicos. Neste capítulo pretendemos fazer uma breve descrição do seu comportamento no sentido de mostrar que a interpretação dos advérbios não é pré-estabelecida no léxico mas antes resulta da relação harmoniosa que os advérbios, enquanto elementos lexicais, mantêm com as restantes categorias lexicais e funcionais. 5.1. Ordem e interpretação em alguns advérbios (sempre, já, bem, ainda, ...) Advérbios como ontem, amanhã e hoje são típicos advérbios de tempo porque independentemente da posição e do contexto temporal, ou outro, em que ocorram têm sempre informação temporal para transmitir. Em termos das posições que ocupam na frase são os mais livres, podendo ocorrer geralmente em todas as posições. (180) a. Ontem o João leu o jornal. b. O João ontem leu o jornal. 151 c. O João leu ontem o jornal. d. O João leu o jornal ontem. a. Amanhã/hoje o João lê o jornal. b. O João amanhã/hoje lê o jornal. c. O João lê amanhã/hoje o jornal. d. O João lê o jornal amanhã/hoje. (181) De facto, existem ligeiras diferenças nas interpretações que se obtêm em diferentes posições. A posição mais natural parece ser a posição pós-verbal, mas nada impede que apareçam noutras posições, no início, interior ou fim da frase, se forem focalizados. Também considerados advérbios de tempo, pelo menos nas gramáticas tradicionais, são os advérbios sempre, já, ainda e logo. Por oposição com os advérbios de (180) e (181) estes não são típicos advérbios de tempo, pois em determinados contextos perdem toda a informação temporal: (182) a. b. O João diz sempre a verdade. (nunca mente) c. O João lê sempre o jornal. (183) a. b. 152 O João está sempre em casa. (nunca sai) (nunca vê o telejornal) O João sempre está em casa. (afinal não saiu) O João sempre diz a verdade. (afinal não mente) c. O João sempre lê o jornal. (afinal lê o jornal) As construções de (182) e (183) opõem-se pela interpretação que os advérbios veiculam em cada um dos grupos. Assim, se em (182) em posição pósverbal o advérbio possui todo o seu valor temporal, em (183) perde-o na posição pré-verbal. O mesmo parece acontecer com já quando muda de posição e de contexto. (184) a. b. (185) a. b. (186) a. b. O João lê já o jornal. (daqui a momentos) O João vai já para a escola. (daqui a um bocadinho) O João já lê o jornal. (já sabe ler) O João já vai para a escola. (já tem mais de 6 anos) O João já leu o jornal. (já terminou) O João já foi para a escola. (já saiu) De notar que as frases com o advérbio já em posição pré-verbal são ambíguas. Assim, quando o verbo ocorre no presente podemos obter uma interpretação que reforça o facto de o João saber ler ou de ele ter idade para ir para a escola (cf.(184)), mas podemos simultaneamente obter uma interpretação que nos indica que o João vai ler o jornal dentro de pouco tempo ou que o João vai para a escola daqui a instantes. Por outro lado, quando o verbo ocorre no pretérito perfeito existe um reforço do valor acabado expresso. 153 Ainda e logo pertencem também ao grupo de advérbios que pode ter uma interpretação não-temporal se estiver num contexto determinado. (187) a. O João ainda lê o jornal. (continua a ter esse hábito) b. O João ainda come a papa. (continua a ser bebé) c. O João ainda brinca às escondidas. (continua a ser criança) (188) a. O João lê ainda o jornal. (também lê o jornal) b. O João come ainda a papa. (também come a papa) c. ?O João brinca ainda às escondidas. (também brinca às escondidas) Relativamente ao comportamento de ainda podemos também verificar que na posição pré-verbal a sua interpretação pode variar dependendo da natureza dos elementos que ocorrem na frase. Assim, em exemplos como os apresentados abaixo, a presença de um elemento específico pode levar a uma interpretação em que se indica a possibilidade de um dado acontecimento ocorrer. (189) a. b. O João ainda lê o teu jornal. O João ainda come a papa do filho. Por outro lado, a presença na frase de perífrases como estar a + infinitivo induz uma interpretação do advérbio ainda reforçando a realização de uma dada 154 acção. (190) a. O João ainda está a ler o jornal. b. O João ainda está a comer a papa. c. O João ainda está a brincar às escondidas. Relativamente ao advérbio logo podemos também observar algumas diferenças de interpretação resultante da posição em que ocorre: (191) a. O João leu logo o jornal. b. O João leu o jornal logo. c. ??/*O João logo leu o jornal. Como mostram os dados de (191), a posição mais natural para este advérbio é a posição pós-verbal onde o advérbio adquire uma interpretação sinónima de imediatamente. Em posição final essa interpretação continua ser possível mas parece existir um reforço sobre o advérbio. Contudo o comportamento do advérbio logo também é sensível à presença de diferentes tempos verbais: (192) a. O João lê logo o jornal. b. O João lê o jornal logo. c. O João logo lê o jornal. 155 Observando os dados acima constatamos que a presença do tempo presente permite outras interpretações e até outras posições. Deste modo, com o advérbio na posição pós-verbal podemos obter uma interpretação idêntica àquela que obtemos com o presente, sinónima de imediatamente, se interpretarmos a frase como descrevendo um hábito do João: (193) Quando chega a casa, o João lê logo o jornal. A outra interpretação que obtemos nesta posição é também de tempo mas remete para um momento posterior sendo quase sinónimo de mais tarde, daqui a bocado, etc.. Esta interpretação é idêntica à que este advérbio obtém em posição final com o presente. Finalmente em posição pré-verbal a única interpretação disponível significa também mais tarde, mas parece-nos que só é possível com um reforço sobre o logo. Um último advérbio que consideraremos nesta breve exposição e que também pode ter interpretação temporal é mal: (194) a. 156 O João chegou a casa mal. b. O João percebeu mal o recado. c. O João mal percebeu o recado. d. O João mal recebeu o recado saiu. e. Mal o João recebeu o recado, o Pedro saiu. Como podemos afirmar pela análise de (a) e (b), em posição pós-verbal ou final este advérbio apenas dispõe de uma interpretação de modo sobre a acção expressa pelo verbo. Relativamente ao comportamento deste advérbio em posição pré-verbal, constatamos que em (c) a interpretação resultante parece, de alguma forma, traduzir a opinião do sujeito falante sobre o modo como foi percebido o recado ou até sobre a dificuldade manifestada pelo sujeito para perceber o recado. Quando o advérbio ocorre em posição pré-verbal ou inicial e existem dois predicados na frase a informação que transmite é temporal. Assim, como mostram (d) e (e), mal indica que muito pouco tempo após o João ter recebido o recado algum evento ocorreu. Parece, então, que a função deste advérbio quando transmite informação temporal é fundamentalmente indicar a fronteira de um evento que é continuada pelo início de outro evento expresso na frase. Como podemos observar pelos exemplos acima, o que determina o contexto em que os advérbios têm ou não interpretação temporal não passa apenas pela posição que ocupam relativamente ao verbo, mas também pelos diversos tempos morfológicos do verbo e pela natureza semântica do predicado da frase e pela determinação do objecto. Da mesma forma um advérbio como lá - que aqui não analisaremos - pode alterar a sua interpretação dependendo da posição que ocupa. Em posição pósverbal obtém interpretação de locativo, mas se ocorrer em posição pré-verbal perde tal significado e passa veicular informação de negação ou de foco. Os capítulos seguintes vão ser dedicados à exploração dos diferentes factores que condicionam a perda da interpretação temporal, bem como à 157 descrição das condições necessárias para que tal fenómeno se verifique em português. Tomaremos como paradigmático o comportamento do advérbio sempre acreditando que muitas das observações que então registarmos poderão vir a ser aplicadas a advérbios como já, ainda, mal, etc.44 O estudo exaustivo destes outros advérbios, que decerto trará à luz aspectos distintos daqueles a que aqui nos dedicaremos, constituirá, segundo esperamos, objecto de investigação a desenvolver num futuro próximo. 5.2. Sempre O advérbio sempre tem, em português, um valor temporal iterativo, quase sinónimo de expressões como todas as vezes, todos os momentos, todos os dias, etc., e um valor não-temporal, que parece de afirmação ou mais precisamente de confirmação de um dado estado de coisas, como exemplificado em (195a) e (195b): (195) a. b. O João está sempre em casa. (todos os momentos, todos os dias...) O João sempre está em casa. (afinal ele está em casa) No que respeita ao valor temporal deste advérbio, Óscar Lopes (1972) 44 Esta aplicação terá naturalmente de ter em conta as diferentes propriedades de uns e outros mal por exemplo em posição pós-verbal é um advérbio de modo e não de tempo, como sempre, e só adquire um valor temporal em posição inicial e pós-sujeito. (i) Mal o João chegou, o Pedro saiu. (ii) O João mal chegou, perguntou pelo Pedro. (iii) Ele mal a viu, correu a abraçá-la. 158 estabelece um paralelismo entre a quantificação dos nomes e o aspecto iterativo. Segundo este autor, quando usamos sempre em ele veio sempre estamos a usar o mesmo tipo de quantificação que em todos vieram. O mesmo sucedendo entre ele nem sempre veio (pelo menos uma vez não veio) e nem todos vieram (pelo menos um não veio). Relativamente às características de cada uma das interpretações atribuídas ao advérbio em análise, a primeira traduz-se na posição que ele ocupa nas diferentes interpretações. Como acontece com um grande número de advérbios, a posição de sempre parece estabelecer-se em relação ao verbo. Deste modo, quando o advérbio possui interpretação temporal a sua posição preferencial é em posição pós-verbal (cf.(196)) e quando possui interpretação não-temporal a posição que ocupa é sempre pré-verbal (cf.(197)): (196) a. O João está sempre em casa. b. O João diz sempre a verdade. c. O João come sempre. d. O João gosta sempre de castanhas. (197) a. O João sempre está em casa. b. O João sempre diz a verdade45. c. O João sempre come. d. O João sempre gosta de castanhas. Outra característica importante no estabelecimento do contexto de cada 159 uma das interpretações é a possibilidade ou impossibilidade de a negação anteceder o advérbio. Assim, quando o advérbio tem interpretação temporal pode ser precedido pela negação (cf.(198)) o que não acontece quando a interpretação é não-temporal (cf.(199)). O João não está sempre em casa. (só às vezes) b. O João não diz sempre a verdade. (só às vezes) c. O João não come sempre. (só às vezes) d. O João não gosta sempre de castanhas. (só às vezes) (198) a. (199) a. *O João não sempre está em casa. b. *O João não sempre diz a verdade. c. *O João não sempre come . d. *O João não sempre gosta de castanhas. Inversamente, mesmo com a interpretação não-temporal o sempre a preceder a negação parece não ser possível com verbos como dizer e comer46, como exemplificado abaixo: (200) a. b. *O João sempre não diz a verdade. *O João sempre não come. A negação não pode ser precedida de sempre quando este tem valor temporal, 45 Esta parece ser a forma não marcada com valor temporal no português do Brasil. 160 mas pode sê-lo se o seu valor é de confirmação. Como os exemplos em (201) mostram as frases não são ambíguas sendo o valor temporal excluído: (201) a. b. O João sempre não está em casa. O João sempre não gosta de castanhas. Embora as posições típicas tenham sido descritas como sendo a posição pré-verbal para a interpretação não-temporal e a posição pós-verbal para a interpretação temporal, a verdade é que existe um conjunto determinado de contextos em que o advérbio sempre em posição pré-verbal pode ter interpretação temporal. Assim, o principal requisito para que se verifique essa situação é a presença de um tempo passado, nomeadamente o pretérito perfeito: (202) a. O João sempre esteve em casa. b. O João sempre disse a verdade. c. O João sempre comeu. d. O João sempre gostou de castanhas. Nas frases acima, a presença de um tempo passado obriga a uma primeira interpretação temporal e permite uma segunda interpretação não-temporal (de afirmação). Pelo contrário, quando o tempo da forma verbal é presente ou imperfeito a primeira interpretação, e única ao que parece, que se obtém é a 46 A maioria dos falantes não aceita com facilidade a ocorrência de sempre não-temporal com a negação embora admitam existirem diferentes juízos de acordo com o verbo presente na frase. 161 interpretação de afirmação (não-temporal)47. (203) a. O João sempre está em casa. b. O João sempre diz a verdade. c. O João sempre come morangos. d. O João sempre gosta de castanhas. (204) a. O João sempre estava em casa. b. O João sempre dizia a verdade. c. O João sempre comia morangos. d. O João sempre gostava de castanhas. A possibilidade de haver uma interpretação temporal, com o advérbio em posição pré-verbal quando o tempo do verbo é passado (pretérito perfeito), deixa de existir se entre o advérbio e a forma verbal ocorrer um elemento de negação. Mesmo nesta situação as frases com predicados genéricos e processuais tornam-se marginais ou (quase) agramaticais, o que não acontece com o tempo presente ou com o imperfeito, como exemplificado em (205) e (206), respectivamente: (205) a. 47 O João sempre não esteve em casa. Embora os tempos verbais passados referidos no texto sejam regularmente o pretérito perfeito e imperfeito, o facto é que quando o sempre ocorre com outros tempos passados, nomeadamente o pretérito perfeito composto e com o pretérito mais-que-perfeito composto, o seu comportamento é idêntico ao obtido com o pretérito imperfeito, i.e. não-temporal. O único contraste merecedor de nota é o caso do predicado gostar que é totalmente excluído com o pretérito perfeito composto e que apresenta ambiguidade de interpretação quando ocorre no pretérito mais-que-perfeito composto: (i) *O João sempre tem gostado de castanhas. 162 b. O João sempre não disse a verdade. c. *?? O João sempre não comeu. d. *?? O João sempre não gostou de castanhas. (206) a. O João sempre não come / comia morangos. b. O João sempre não gosta / gostava de castanhas. A possibilidade de haver uma interpretação temporal com o advérbio sempre em posição pré-verbal não é (totalmente) incompatível com a presença da negação. Contudo, a posição relativa do advérbio e da negação altera-se estando a negação (nem) a preceder o advérbio, ambos em posição pré-verbal. Nestes casos o tempo da forma verbal não é decisivo podendo ocorrer no presente, pretérito perfeito ou imperfeito48: (207) a. O João nem sempre está / esteve / estava em casa. b. O João nem sempre diz / disse / dizia a verdade. c. O João nem sempre come / comeu / comia morangos. d. O João nem sempre gosta / gostou / gostava de castanhas. Além do requisito de tempo passado, para que uma frase tenha uma primeira interpretação temporal com o sempre em posição pré-verbal existem (ii) O João sempre tinha gostado de castanhas. (a)durante toda a sua vida o João tinha gostado de castanhas; b) confirma-se que o João tinha gostado de castanhas) 48 As diferentes interpretações obtidas dependem, naturalmente, dos valores próprios dos tempos verbais. O uso do presente neste contexto obriga a uma interpretação genérica que, de algum modo, caracteriza o João. Por outro lado, com o pretérito perfeito faz-se uma descrição de um período delimitado, mas não especificado, no passado. Finalmente, com o pretérito imperfeito 163 outras condições que, aliadas a esta, permitem essa interpretação, nomeadamente a natureza do complemento do verbo. Se considerarmos um verbo como chegar no pretérito perfeito quando ocorre com sempre em posição pré-verbal verificamos uma ambiguidade entre uma interpretação temporal e uma interpretação não-temporal. Porém, quando acrescentamos um complemento ao verbo podemos ter uma primeira interpretação temporal ou não-temporal dependendo da natureza do complemento. Assim, um complemento com referência específica condiciona uma primeira interpretação não-temporal, o que não se verifica se o complemento não tiver referência específica, mas tiver pelo contrário genérica. Neste caso a primeira interpretação é temporal: (208) a. b. (209) a. b. O João sempre chegou a Lisboa. [+ específico] (confirmação) O João sempre chegou do Porto. [+ específico] (confirmação) O João sempre chegou a horas. [- específico] (temporal) O João sempre chegou atrasado. [- específico] (temporal) Também com outros verbos este contraste se verifica. Com o verbo ver o comportamento que registamos é idêntico; a primeira interpretação é temporal se existir na frase um elemento [- específico]: (210) Ele sempre o viu com bons olhos. apenas se descreve um acontecimento no passado concebido como não acabado ou como 164 a primeira interpretação é não-temporal se todos elementos da frase forem [+ específico]:49 (211) Ele sempre o viu aqui. Ainda relativamente às posições de ocorrência deste advérbio existe outra posição disponível para a interpretação temporal do advérbio sempre: a posição final. Neste contexto, a marca de tempo e o tipo de predicado combinam-se de forma a permitir ou não a frase com uma interpretação temporal. Assim, com verbos estativos (estar) e eventivos (dizer) a posição final é sempre possível, independentemente do tempo do verbo e da presença ou não de negação frásica: (212) a. O João está / esteve / estava em casa sempre. prolongando-se por diferentes intervalos de tempo. 49 A distinção de comportamento que aqui estamos a sugerir - um elemento [-específico] na frase = interpretação temporal; - só elementos [+específico] na frase = interpretação não-temporal; em alguns casos pode parecer errada. Assim, em exemplos como os abaixo: (i) O João sempre comprou o livro. (ii) O João sempre comprou livros. a presença em (ii) de um elemento [-específico] permite a interpretação temporal de sempre. O inverso verifica-se em: (i) O João sempre comprou os livros. (ii) O João sembpre comprou o livro de matemática. que dada a ausência de um elemento [-específico] na frase faz com que o sempre não obtenha interpretação temporal, mas apenas de confirmação. O exemplo (v): (v) O João sempre comprou o livro de matemática na Livraria 111. pode obter as duas interpretações. Assim, considerando o livro de matemática como um livro já conhecido do sujeito enunciador a interpretação disponível só pode ser não-temporal. Se pelo contrário considerarmos que o livro de matemática não corresponde a um livro único mas ao livro que o João anualmente tem de comprar para a escola, então também a interpretação temporal é possível, pois o NP passa a ter uma interpretação [-específico]. 165 b. (213) a) b. O João diz / disse / dizia a verdade sempre. O João não está / esteve / estava em casa sempre. O João não diz / disse / dizia a verdade sempre. Com verbos processuais (gostar) a possibilidade do advérbio sempre temporal ocorrer em posição final está dependente da presença de tempo presente ou de pretérito imperfeito. Esta possibilidade não existe com o pretérito perfeito: (214) a. O João gosta de castanhas sempre. (a qualquer hora do dia) b. *?? O João gostou de castanhas sempre. c. O João gostava de castanhas sempre. (a qualquer hora do dia) Além disso, a presença de negação na frase também permite a interpretação temporal de sempre em posição final com todos os tempos verbais analisados. (215) a. O João não gosta de castanhas sempre. b. O João não gostou de castanhas sempre. c. O João não gostava de castanhas sempre. Com um verbo utilizado numa interpretação de genérico/estado a posição final é possível com ou sem negação com qualquer tempo verbal: (216) a. 166 O João come / comeu / comia morangos sempre. b. O João não come / comeu / comia morangos sempre. O mesmo comportamento não se verifica quando o verbo comer ocorre com diferentes tipos de complementos. Neste caso, sempre só tem interpretação temporal em frases afirmativas se for precedido de uma pausa50. Quando o NP complemento é indefinido a interpretação temporal é possível mesmo sem a pausa a anteceder o advérbio. No caso das frases com negação é sempre possível uma interpretação temporal, à excepção do caso em que o NP é definido. (217) a. ?O João come bolos sempre. (ele come (vários) bolos em todas as ocasiões) b. ?O João come bolo sempre. (ele come (um pedaço) bolo em todas as ocasiões) c. *O João come o bolo sempre. d. O João come um bolo sempre. (218) a. O João não come bolos sempre. b. O João não come bolo sempre. c. ??*O João não come o bolo sempre. d. O João não come um bolo sempre. (- às vezes come mais do que um bolo; - às vezes come fruta) 5.2.1. Sempre e tempo 167 Como nos foi dado observar em 5.2. várias questões se colocam quanto às condições que regulam a distribuição do advérbio sempre. Considerando sempre em contexto pós-verbal, constatamos que esta não é uma posição onde o advérbio possa ocorrer livremente como parecia sugerir-se na secção anterior: (219) a. *O João compra sempre o livro. b. *O João comprou sempre o livro. c. *O João comprava sempre o livro. (220) a. O João compra sempre livros. b. ??O João comprou sempre livros.51 c. O João comprava sempre livros. Como mostram os dados de (219) e (220) a possibilidade de ocorrência em posição pós-verbal do advérbio em análise não é incondicional. O contraste verificado entre (219) e (220) baseia-se essencialmente na diferente natureza dos complementos verbais. Em (219) o complemento específico singular torna agramatical as construções em que ocorre, independentemente do tempo morfológico que o verbo exibe. Pelo contrário, em (220) a ocorrência de um complemento verbal não específico produz construções gramaticais. Os dados de 50 A colocação dos advérbios em português é bastante livre e na maioria dos casos muitas posições são possíveis se o advérbio estiver “separado” da frase por vírgula(s). 51 Uma das principais dificuldades quando se trabalha com advérbios, numa língua bastante flexível em termos de ordem frásica, tem a ver com os juízos de gramaticalidade. Concretamente com o advérbio sempre, as dificuldades são superiores quando consideramos que podemos obter duas interpretações perfeitamente possíveis e gramaticais mas completamente opostas. 168 (220) também levantam a questão de perceber porque é que a combinação de pretérito perfeito com o advérbio sempre resulta numa frase mais marcada. Se considerarmos agora distintos predicados verbais, constataremos que a natureza semântica destes também influencia a interpretação da frase: (221) a. O João gosta sempre de castanhas. b. O João gostava sempre de castanhas. c. O João gostou sempre de castanhas. Com predicados processuais como gostar, embora as frases sejam gramaticais com os vários tempos morfológicos considerados, a verdade é que a interpretação temporal obtida é diferente da resultante em construções de predicados eventivos (Cf.(220)). Com um verbo como comprar o advérbio sempre toma como escopo todos e cada um dos possíveis eventos de comprar52. Pelo contrário, com verbos como gostar, que designam espaços/períodos de tempo e não momentos pontuais, o advérbio tem como escopo qualquer espaço/período de tempo ao qual se aplica o predicado. A diferença de interpretação que o advérbio sempre obtém com um predicado como comprar e um predicado como gostar depende da diferente extensão dos ‘momentos’ considerados. Além da diferença semântica dos predicados envolvidos, também os vários tempos morfológicos interferem na interpretação temporal do advérbio. Considerando um predicado como comprar, a variação do tempo do verbo apenas altera a perspectiva relativamente ao evento de comprar. Se usamos o presente, 52 De notar que as frases em (220) melhoram se lhes acrescentarmos um constituinte como “nas férias”. 169 tipicamente, temos uma caracterização genérica dos hábitos do João; com o pretérito perfeito obtemos uma caracterização definida de um dado estado de coisas no passado e o pretérito imperfeito resulta sempre numa descrição de hábitos de um tempo passado. Quando, porém, se considera um predicado como gostar também a interpretação está dependente dos vários tempos morfológicos. No presente obtemos uma interpretação que caracteriza o sujeito por gostar de castanhas (em qualquer circunstância); com o pretérito imperfeito faz-se uma caracterização idêntica do sujeito situada no passado; com o pretérito perfeito o facto de o processo designado pelo verbo se situar num passado já concluído permite uma interpretação ambígua onde se pode considerar todos os períodos de tempo passados e acabados ou todos os momentos passados tomados como um conjunto. Abstraindo-nos de todas as conclusões a que nos permitem chegar os dados acima, podemos assentar em alguns pontos: 1º - a interpretação do advérbio resulta da interacção que este estabelece com o tempo morfológico; 2º - a interpretação temporal do advérbio está dependente da relação que se mantém entre a natureza semântica do tempo morfológico e a natureza do complemento nominal do verbo; 3º - a natureza semântica do predicado verbal também é responsável pela variação na interpretação temporal. O nosso objectivo neste momento é descobrir quais as condições estruturais necessárias à interpretação temporal que, como vimos, caracteriza este advérbio. 170 Se a análise que apresentámos em 4.2.1. é plausível e correcta, então sempre como advérbio de tempo deve ser gerado próximo do VP. Por outro lado, este é um advérbio que apresenta restrições ao tempo morfológico o que aparentemente nos poderia levar a assumi-lo próximo da projecção funcional T, uma vez que só aí é possível verificar traços morfológicos de tempo. Mas esta hipótese também não é suficiente. Como constatámos, as restrições impostas por sempre não se verificam apenas nos aspectos temporais morfológicos mas estendem-se também aos semânticos. Então como explicar todas estas nuances tão variadas ? Com base nas observações feitas, são duas as hipóteses que se nos apresentam: - aceitar que sempre é basicamente gerado em Spec de TSP (cf.Ambar (1996)); - assumir, com os autores citados no capítulo 3. (por exemplo Pollock(1989), Ambar (1989), Belletti (1990)), que este advérbio é gerado junto do VP. Consideremos a primeira hipótese. Dada a análise desenvolvida em 4.2.1., a primeira questão que se coloca é a de saber se continuamos a aceitar que os advérbios são cabeças, e então sempre em TSP seria cabeça, ou se pelo contrário aceitamos que alguns advérbios podem ser projecções máximas, entre os quais incluiríamos sempre. Uma das observações feitas em 4.2.1. sobre o comportamento de sempre dizia respeito ao facto de este ser o único advérbio da quarta classe de advérbios (à qual pertencem também ontem, frequentemente, etc.) que apresentava um comportamento 171 distinto de todos os outros. Se considerarmos agora a possibilidade de haver advérbios basicamente gerados como projecções máximas então talvez o estranho comportamento de sempre em 4.2.1. se devesse ao facto de o estarmos a considerar cabeça quando deveria ser considerado XP. Por outro lado, se continuamos a aceitar que é em TSº que se encontram os traços morfológicos de tempo que o verbo tem que verificar, podemos talvez considerar este facto como argumento a favor da geração básica de sempre em Spec de TSP. Resumindo, a única possibilidade de sempre ser gerado em TSP é a de ser gerado na posição de Spec. Se, por um lado, a hipótese de gerar o advérbio em análise em TSP pode ser um meio para explicar a relação que se estabelece entre o advérbio e os diferentes tempos morfológicos, como explicar as restrições verificadas entre o advérbio e o complemento nominal do verbo? Para responder a esta questão podemos assumir com Ambar (1996) que da mesma forma que a estrutura da frase comporta duas projecções AGR, uma de sujeito (AgrSP) e uma de objecto (AgrOP), também o tempo tem duas posições na estrutura: TSP, tempo sujeito, e TobP, tempo objecto. Basicamente o que as distingue, segundo a autora, é que TSº é responsável pela verificação de traços morfológicos de tempo, enquanto Tobº é responsável pelas marcas de tempo intrínsecas do verbo. Por isso, é lógico assumir com a autora que em LF (onde são interpretadas as estruturas) os dois tempos têm de estar ligados para que haja convergência. Para dar conta das estruturas de (220) em que o advérbio sempre ocorre em posição pós-verbal temos ainda de assumir que existe movimento do sujeito da posição de especificador de VP, onde é gerado, para Spec de AGRS onde verifica 172 traços de caso. Relativamente ao NP objecto, a posição que ocupa nas construções de (220) não aponta, pelo menos aparentemente, para a necessidade de haver movimento para fora do VP. Além disso, e de acordo com Diesing (1992), como referimos em 4.2.1., apenas os NP’s objecto específicos precisam de sair do VP. Não havendo motivação para o movimento do NP objecto para AGRO fica a questão de saber se haverá motivação para AGRO se projectar na estrutura, como Chomsky (1995) sugere.53 Considerando então a geração básica de sempre em Spec de TSP podemos facilmente derivar as estruturas de (220) . O movimento do sujeito para Spec de AgrSP é motivado pela necessidade de verificar traços de caso fortes. Posteriormente o verbo move-se para verificar os traços morfológicos de tempo em TSº e sobe, depois disso para verificar os traços [+V] de AGRS. Duas questões se colocam: - como explicar que as estruturas de (219) não sejam igualmente gramaticais ? - como explicar que, do paradigma de (220), apenas a frase com pretérito passado seja marginal ? Relativamente à primeira questão, e após análise atenta das estruturas de (219) por oposição às de (220), parece-nos que o motivo da agramaticalidade de todas as construções se deve à presença de um complemento de V [+específico/+singular]. Na realidade a interpretação que o advérbio temporal sempre possui define-se, não por remeter para momentos específicos como os 53 Também Ambar (1996), em nota de rodapé, se questiona relativamente à necessidade de assumir a existência de AGR na frase. 173 advérbios ontem, hoje ou amanhã fazem, mas antes por incorporar uma ideia de tempo genérico (todos os momentos em geral e nenhum em particular). De acordo com a proposta de Ambar (1996) que referimos, a relação entre TSº e Tobº passa pela partilha de traços entre as duas categorias. Assim, sendo Tobº marcado semanticamente pelo traço [+/- event], a estrutura só converge em LF se ambos os nós tempo (Tobº e TSº) tiverem traços compatíveis. Como se verifica essa partilha? A ideia parece muito simples. No fundo tudo se resume ao movimento do V que, ao sair do VP com o objectivo de verificar, em proveito próprio, traços morfológicos de tempo em TSº, passa ‘ciclicamente’ pelas cabeças intermédias, passando, assim, por Tobº. Por sua vez os NP’s objecto (DP’s) podem ser mais [+/-específico]. Se forem [+específico] devem subir para [Spec, TO], no espírito de Diesing (1992). Se forem [-específico] ficam in situ. Quando o NP (DP) específico está em [Spec, TO] verificará o traço [+específico] do verbo eventivo que subiu para a cabeça Tobº. O resultado será que o verbo eventivo terá então um traço de especificidade verificado, comportando-se assim como um verdadeiro verbo eventivo. Após posterior movimento para TSº, para verificar os traços de tempo morfológico, esta cabeça verbal com um traço [+específico] encontrar-se-á com os traços de TSº que poderão ou não incluir traços do mesmo tipo. Um pretérito perfeito simples, por exemplo, tem um traço de especificidade, pelo que não há conflito com o verbo eventivo que subiu para TSº depois de passar por Tobº cujo Spec tem um NP específico. Se, porém, o tempo for o infinitivo não-flexionado, não há tal traço, o verbo eventivo, com traço específico identificado, entra em conflito com o estatuto [-específico] do infinitivo. O resultado é que a estrutura rebenta. Um 174 verbo estativo, ou um verbo eventivo com complemento genérico - neste caso não tendo o traço [+específico] em Spec de Tobº, o verbo eventivo acaba por se comportar como estativo dado que o seu traço [+estativo] não foi identificado não entrarão em conflito e a estrutura resultante será bem formada. Finalmente, quando a estrutura resultante for interpretada em LF se TSº, tendo sempre ([-específico])54 como seu especificador, e Tobº for também [- específico] a estrutura é interpretada e tudo acaba bem. Se, pelo contrário, no momento da interpretação Tobº for [+específico] e TSº [-específico] a frase não é interpretada e rebenta. Este é o caso do paradigma (219). (222) AgrSP AgrS’ NP k O João TSP AgrSº i compra SPEC + eventivo + especif sempre +eventivo -especif. TS’ AgrOP TSº i [-especif.] SPEC AgrO’ AgrOº (...) Estou a considerar sempre como [-específico] dado o seu estatuto de operador universal. Com efeito, podemos aproximar sempre do presente e dos verbos estativos que, com o seu valor temporal genérico, denotam um qualquer e todos os intervalos de tempo, e não um ou um conjunto de intervalos de tempo particular/específico. 54 175 TobP Tob’ SPEC i livros VP Tobº j [-especif.] SPEC tk V’ Vº NP tj ti O problema agora coloca-se relativamente a (220b). Dado que todos os exemplos deste paradigma apresentam objectos genéricos, a causa de má formação só pode ser a presença de um tempo morfologicamente forte: o pretérito perfeito. Para resolvermos este problema teríamos, talvez, que imaginar que o facto de o advérbio ocorrer entre o verbo (possuidor neste momento das marcas morfológicas de tempo forte) e o Tobº seria impedimento para o operador Tempo, acopulado ao verbo, ligar o tempo objecto. Esta ideia contudo não parece fazer sentido porque, mesmo que assim fosse, também não daríamos conta da possibilidade de serem gramaticais frases com tempos morfologicamente fracos, como o presente e o pretérito imperfeito. Vamos então testar a segunda hipótese referida algumas páginas atrás. De acordo com essa hipótese, e de acordo com a maioria dos autores citados, os advérbios são, na generalidade, gerados próximo do VP. Com base nas observações que apresentámos sobre o sempre e as restrições que impõe, apenas aceitando objectos [-específico], vamos admitir que o sempre em vez de ser basicamente gerado em Spec de TSº, onde existe informação de tempo morfológico, é, pelo contrário, gerado em TobP, onde 176 residem informações de carácter semântico. Admitamos, ainda, que sempre, tal como já propusemos para outros advérbios em 4.2.1., é uma cabeça. Neste caso, temos sempre basicamente gerado em Tobº. No fundo é ele que possui as marcas de genericidade que impõe quer ao predicado quer ao complemento desse predicado. Agora vamos testar o comportamento das estruturas. Relativamente ao comportamento dos complementos nominais do verbo podemos, em princípio, manter a ideia de que existe a necessidade de movimento do NP objecto para Spec de Tobº para que seja verificado o traço de [+específico] desse NP. Aliás, agora até parece fazer mais sentido tal movimento pois, em resultado dele, o NP objecto estabelece uma relação Spec-Head-Agreement com o elemento que lhe impõe restrições de genericidade: sempre. No que respeita ao movimento do verbo, poderíamos pensar num movimento deste para uma posição de adjunção ao advérbio. Mas esta hipótese pode ter consequências negativas, na medida em que, para ser possível o movimento posterior do verbo para TSº e para AgrSº, é necessário destruir uma categoria que se formou em resultado do primeiro movimento do verbo para junto do sempre.55 Vamos, pelo contrário, assumir que o movimento do verbo se faz a partir do VP para a cabeça sem conteúdo lexical mais próxima. Se não se projectar AgrOº, a cabeça mais próxima será TSº. Aí, o verbo verifica os seus traços morfológicos e segue para AgrSº. Posterior ao movimento do verbo ocorre, necessariamente, o movimento de sempre para que os dois tempos estejam ligados em LF. 177 A distinção entre as estruturas com presente e com pretérito imperfeito e as estruturas com pretérito perfeito passa pela assunção de que um tempo forte é um tempo com estatuto de operador. Quando estamos perante tempos fracos o movimento do sempre tem como alvo a primeira posição livre que é TSº . Além disso, este movimento é necessário para que os dois nós tempo estejam ligados. Não havendo marca morfológica de tempo forte, o advérbio vê-se obrigado a subir - de certo modo ocupa um lugar vazio - para haver convergência dos dois tempos em LF. E assim, quando temos presente e imperfeito obtemos frases boas como (220a) e (220c). Quando o tempo é forte, quando tem estatuto de operador, como é o caso do pretérito perfeito, o movimento do sempre para TSº é bloqueado porque essa posição está ocupada por outro operador [+T].56 Deste modo explicamos a impossibilidade de (220b). (223) AgrSP AgrS’ NP k O João TSP AgrSº j compra [+ event] SPEC TS’ AgrOP TSº l . sempre - especif + event SPEC AgrO’ AgrOº 55 (...) Embora a ideia de incorporação de Baker (1988) possa ser interpretada como aplicável apenas a categorias sem realização lexical, i.e. categorias funcionais como AGR e Infl por exemplo, o certo é que não está explícito que assim seja. 56 Cf. Ambar (1996) 178 TobP Tob’ SPEC i livros Tobº [-especif] tl VP SPEC tk V’ Vº NP tj ti Na secção seguinte veremos as implicações das nossas hipóteses na ordem que este advérbio permite. 5.2.2. Sempre e ordem Como observámos em 5.2. outro dos factores importantes para a interpretação do sempre é a ordem na frase, nomeadamente a posição de sempre relativamente ao verbo. Se, como vimos em 5.2.1., com sempre em posição pós-verbal a gramaticalidade da frase depende dos elementos que ocorrem na estrutura predicado verbal, complemento nominal, tempo morfológico -, quando o advérbio ocorre em posição pré-verbal, desses elementos depende não só a gramaticalidade mas também a interpretação temporal ou não-temporal de sempre: (224) a. b. O João sempre compra o livro. (interpretação não-temporal) O João sempre comprou o livro. (interpretação não-temporal) 179 c. (225) a. ??/*O João sempre comprava o livro. O João sempre compra livros. (interpretação não-temporal) b. O João sempre comprou livros. (1ª interpretação: temporal) c. O João sempre comprava livros. (interpretação não-temporal) De facto, por oposição a (219) e (220) de 5.2.1., os contrastes em (224) vs. (225) acima parecem apontar para algumas das condições que possibilitam ou impossibilitam uma interpretação temporal ou uma interpretação não-temporal. Ao contrário do que observámos no ponto anterior, a presença de um complemento verbal específico não torna agramaticais as frases, mas exclui qualquer possibilidade de interpretação temporal com o advérbio sempre, neste caso em posição pré-verbal. Pelo contrário, a presença de um complemento genérico permite a interpretação temporal desde que a ele se associe o verbo no pretérito perfeito. Quando, pelo contrário, o verbo ocorre num tempo diferente deste a única interpretação disponível é a não-temporal. De salientar que a presença simultânea do advérbio em posição pré-verbal e do verbo no pretérito perfeito desencadeia em primeiro lugar uma interpretação temporal, mas não exclui uma interpretação não-temporal. Relativamente a construções com sempre em posição pré-verbal e com predicados processuais (gostar), as alterações de interpretação a que o predicado parecia ser sujeito em 5.2.1., para que as frases fossem possíveis com interpretação temporal, não se verificam aqui: 180 (226) a. O João sempre gosta de castanhas. b. O João sempre gostava de castanhas. c. O João sempre gostou de castanhas. À semelhança do que acontece com um verbo como comprar, também com gostar a posição pré-verbal altera a interpretação da frase. Com o verbo gostar o presente e o imperfeito associados à posição pré-verbal do advérbio resultam numa interpretação em que se confirma o facto de o João gostar ou ter gostado de castanhas no passado. Pelo contrário, com o pretérito perfeito a primeira interpretação é temporal. A segunda interpretação, um pouco marginal, com o pretérito perfeito é idêntica à que se obtém com os outros tempos verbais, confirmando-se que o João gostou, no passado, de castanhas. Parece então que estamos perante algo novo relativamente aos dados e às interpretações de 5.2.1.. A novidade introduzida neste ponto consiste principalmente numa nova interpretação para um mesmo advérbio. De facto, o significado principal deste advérbio é claramente de tempo como constatámos atrás, mas em posição pré-verbal ele também pode transmitir uma informação de confirmação. Em suma, o que distingue as duas interpretações é a marcada presença de tempo na primeira e a completa ausência de tempo na segunda. Assumindo a posição que defendemos no ponto anterior temos necessidade agora de acrescentar algumas ideias à proposta inicial. Para dar conta dos casos em que o sempre ocorria em posição pós-verbal e onde apresentava apenas uma interpretação temporal, defendemos que era basicamente gerado em Tobº. Tínhamos argumentos de ordem semântica, de 181 imposições que o advérbio fazia ao complemento do verbo, que faziam muito mais sentido se o advérbio fosse realmente gerado nessa posição. Neste momento, e dado que continuamos a analisar o mesmo advérbio, parece-nos correcto manter a mesma hipótese: sempre é basicamente gerado em Tobº. O que se altera agora é que sempre, admitindo como em 5.2.1. que é gerado em Tobº, se move para TSº, para que os dois tempos estejam ligados em LF, mas aparentemente move-se para além de TSº. Porquê e para onde? O que é curioso constatar é que com o presente e o imperfeito sempre podia obter uma interpretação temporal, ocorrendo em posição pós-verbal, o que se verificou impossível com o pretérito perfeito. Agora, com sempre em posição pré-verbal, o pretérito perfeito é o único que mantém a possibilidade de uma interpretação temporal, além da não-temporal. Isto significa, que o único caso em que o sempre não podia ter interpretação temporal é agora o único em que pode ter tal interpretação. De certa forma encontramos um complemento ao comportamento verificado com o tempo. Sempre possui valor temporal e nãotemporal com todos os tempos morfológicos, o que varia é o modo e o local onde isso é conseguido. Relativamente à segunda interpretação disponível para o sempre, parece unanimemente aceite que a informação veiculada é de afirmação. Assim sendo, vamos assumir com Laka (1990), e Martins (1995), nomeadamente, que existe na estrutura da frase uma projecção onde se localizam elementos de afirmação e/ou de negação, sendo essa a posição indicada para o sempre não-temporal: ∑º. 182 Vejamos como se articula esta nova assunção com a proposta anterior. Como observámos no ponto anterior, a geração básica do advérbio em Tobº assumia também o seu movimento para TSº permitindo a ligação dos dois tempos (TSº e Tobº). Tal movimento só era excluído se TSº já estivesse ocupado por outro operador ([+T]). Para continuarmos a assumir a geração básica em Tobº, como parece coerente e desejável, temos que motivar o movimento posterior do advérbio para essa posição mais alta. Admitindo, como anteriormente que o advérbio é um operador, podemos pensar que por essa razão, num dado momento, ele tem que ocupar uma posição em que domine toda a frase, subindo por isso até ∑. Mas se assim fosse, as estruturas analisadas no ponto anterior deveriam ser agramaticais pois se este movimento se efectuasse, a ordem seria outra. A solução não pode ser esta. Voltando um pouco mais atrás, no ponto 4.2.1., assumimos a existência de uma posição na estrutura da frase, acima de todas as outras posições funcionais, e que, caso fosse marcada com um traço [+α], era responsável pelo movimento dos advérbios na frase.57 Neste momento, para as estruturas com o advérbio sempre em posição pré-verbal talvez possamos fazer uma proposta idêntica. No caso presente não se verifica, de facto, uma apreciação do sujeito da enunciação. Porém, há uma confirmação da frase que só fará sentido sendo feita por alguém exterior ao evento expresso pela predicação: o sujeito enunciador. Assim, e independentemente de o traço relevante aqui ser [+α] ou outro, vamos assumir que a posição envolvida na 183 descrição de 4.2.1.(alvo do movimento dos advérbios) e nos exemplos com sempre que aqui estamos a tratar é ∑. Deste modo, nas estruturas em que o sempre apenas ocorre em posição pós-verbal em ∑ não está activado o traço que o sempre tem de verificar e por isso só há motivo para sempre subir até TSº. Quando o sempre ocorre em posição pré-verbal, como nos paradigmas (224), (225) e (226), o que se verificou foi o movimento, normal, de sempre até TSº e um movimento posterior para verificar o traço forte de ∑. 57 Como referimos no ponto 4.2.1., a ocorrência dos advérbios em posição pré-verbal ou inicial era prova de que uma dada projecção estava marcada com um traço [+α] de avaliação do sujeito da enunciação. 184 ∑P (227) ∑‘ SPEC k ∑º l O João AgrSP sempre SPEC k AgrS’ TSP AgrSº j compra TSP SPEC TS’ TSº l, j AgrOP SPEC AgrO’ AgrOº TobP TobP Tob’ SPEC i livros Tobº t l VP NP suj. tk V’ Vº NP obj. tj ti Como explicar então a perda de informação temporal pelo movimento de sempre para ∑ quando temos presente e imperfeito? Como explicar também que 185 no caso do pretérito perfeito seja impossível a posição pós-verbal e que sejam possíveis a interpretação temporal e não-temporal em posição pré-verbal? Relativamente à primeira questão, podemos facilmente explicar esse comportamento dadas as assunções já feitas. Aquilo que dissemos relativamente à ligação dos dois tempos foi que em LF eles têm que estar ligados (Cf. Ambar (1996)). Assumindo como fizemos que o movimento de sempre para TSº serve o objectivo de ligar os dois tempos, temos de assumir, neste momento, que em LF pode haver apenas vestígios do movimento de um elemento de tempo nas posições de TSº e de Tobº. O facto de se perder a interpretação temporal quando o advérbio está acima de TSº deve-se então à ausência de um elemento forte de tempo em TSº. No que respeita ao caso do pretérito perfeito, vimos que a impossibilidade de sempre ocorrer em posição pós-verbal se devia à presença nessa posição de outro elemento forte: o operador [+T]. Deste modo, entendemos agora o porquê das duas interpretações em posição pré-verbal. Tal como com os outros tempos morfológicos, podemos ter ∑ marcado com um traço forte obrigando ao movimento de um elemento (o sempre) para o verificar; e obtemos a interpretação não-temporal. Mas quando o tempo morfológico é pretérito perfeito, porque TSº está ocupado por [+T], o advérbio segue à procura de uma posição livre na estrutura até encontrar ∑. 186 ∑P (228) ∑‘ SPEC k ∑º l O João AgrSP sempre SPEC k AgrS’ TSP AgrSº j comprou TSP SPEC TS’ TSº j AgrOP [+T] SPEC AgrO’ AgrOº TobP * TobP SPEC i livros Tob’ Tobº t l VP NP suj. tk V’ Vº NP obj. tj ti Em resumo, com o pretérito perfeito podemos obter interpretação temporal, porque existe um elemento de tempo forte em TSº. Quando obtemos 187 informação não-temporal o sempre ocorre em ∑ para poder verificar o traço forte desta categoria. Não podemos nunca ter o mesmo item com duas interpretações. Na secção seguinte vamos observar as restrições que sempre impõe à distribuição dos clíticos. 5.2.3. Sempre e clíticos Outro fenómeno importante a considerar na análise de sempre é o comportamento dos clíticos: (229) a. O João compra-lhe sempre flores. b. O João sempre lhe compra flores. c. O João não lhe compra sempre flores. d. O João nem sempre lhe compra flores. e. O João sempre não lhe compra flores. (230) a. O João sempre lhe comprou flores. b. O João nem sempre lhe comprou flores. c. O João sempre não lhe comprou flores. Como podemos constatar pela análise de (229) e (230) a presença de sempre na frase não é o condição suficiente para desencadear próclise, pelo contrário a presença de sempre em posição pré-verbal (cf. (229b) e (220a)) parece ser. Pela observação do exemplo (229c) podemos não só confirmar o efeito que a 188 posição do sempre tem sobre os clíticos, como também podemos constatar que a negação tem acção idêntica na sintaxe dos clíticos, a par da posição pré-verbal de sempre, desencadeando a próclise. De acordo com a assunção, amplamente discutida na literatura, de que os clíticos se fixam num elemento verbal a questão que também aqui colocamos é saber por que motivo na presença pós-verbal de sempre temos a ordem V + cl e na presença de sempre pré-verbal a ordem se altera passando a cl + V. De acordo com a nossa proposta de sempre ser basicamente gerado em Tobº, as posições onde se pode dar o encontro do clítico com o verbo têm de ser superiores a Tobº. Além disso, temos que considerar também que na proposta apresentada o sempre se move para ligar os dois tempos da estrutura, deixando por isso de ocupar Tobº, passando para TSº. No entanto, como referimos, a mudança do sempre para TSº não acarreta uma mudança da ordem superficial relativamente ao verbo pois consideramos o movimento do verbo para AgrSº. De acordo com a análise de Duarte e Matos (1994) a posição envolvida na cliticização é uma cabeça funcional com um traço de caso forte.58 Pelas características nominais e por possuir propriedades de concordância, as autoras defendem que essa posição deve ser uma posição AGR, nomeadamente AGRO. A proposta das autoras tem por base a análise dos clíticos de Belletti (1993). Assim, relativamente aos clíticos do português, Duarte e Matos defendem que a ênclise é o padrão não marcado nesta língua e é derivado por princípios de economia da gramática. Neste sentido, e considerando que AGRO é uma categoria com traços [V] e [N] fortes, motivam o movimento do clítico para 189 verificação do traço nominal e o do verbo para verificação do traço verbal da referida categoria. Dado o carácter Xº do clítico, assumem as autoras que em resultado do movimento o clítico se incorpora na cabeça funcional. Posteriormente, o verbo ao subir adjunge-se a AGRO criando, deste modo, o complexo V + cl. Finalmente, o complexo criado em AGRO move-se na sintaxe para verificar outros traços-V fortes. (231) derivação (27) de Duarte e Matos (1994) AgrSP DP AgrSP AGRS (...) T AGRO Ele AGRS T V AGRO leu o Relativamente à ordem proclítica, a opinião das autoras é que se trata de um movimento de último recurso que provoca a exclusão da estrutura se não se efectuar. Admitindo a exigência de uma relação Head-Complement e Spec-Head entre os elementos tipo operador e uma projecção alargada de V, a análise das 58 De acordo com a análise destas autoras, os clíticos possuem na sua matriz lexical um traço de caso. É este traço que permite o seu movimento para verificar traço correspondente numa projecção funcional. 190 autoras apresenta um movimento do clítico para uma posição onde antecede o V depois do movimento do complexo V+cl para AGRS. Deste movimento resulta que nenhum elemento lexical intervém entre o verbo e T. (232) derivação (38b) de Duarte e Matos (1994) CP Cº AgrSP DP AgrSP AGRS (...) CL AGRS T AGRO V que os amigos o AGRS T AGRO leram Voltemos agora aos dados de (229) e de (230). A aplicação da análise dos clíticos de Duarte e de Matos (1994), bem como a de Rouveret (1996) que nela se inspira, aos dados de sempre permite-nos manter a análise proposta nas secções anteriores. A nossa proposta assentava na assunção de que sempre é gerado na base em Tobº e que, por razões de verificação de traços de especificidade, o NP complemento se movia para Spec de TobP. Relativamente à existência de AgrOP na estrutura, apenas referímos a ausência de motivação para a sua presença. Assim, e dado que a razão apontada, na nossa proposta, para o movimento do NP complemento nada tinha a ver com verificação de traços de caso, a implementação da análise daqueles autores na 191 proposta não introduz problemas na explicação. Deste modo, podemos continuar a assumir a existência de movimento do NP complemento para verificar o traço [+/específico] e admitir, com Duarte e Matos (1994), que posteriormente ocorre o movimento do complemento nominal para verificar traços de caso em Spec de AgrOP. No que diz respeito aos movimentos de sempre, podem proceder-se de forma regular. O advérbio sobe de Tobº para TSº para que os tempos estejam ligados em LF. O complexo V + cl, segundo a análise referida acima, junta-se em AgrOº e sobe para AgrSº. A ordem resultante destes movimentos será, em superfície, V + cl + sempre (cf. (229a)). (233) AgrSP NP AgrS’ O João AgrSº i TSP compra-lhe SPEC TS’ AgrOP TSº j sempre AgrOP SPEC AgrO’ AgrOº TobP Vi AgrOº SPEC m compra lhe flores Tob’ Tobº tj 192 VP V NP ti tm Observemos agora o que sucede em estruturas onde sempre ocorre em posição pré-verbal. Como apontado em secções anteriores, independentemente de a interpretação do sempre em superfície ser temporal ou não-temporal ele é gerado sempre em Tobº. Quando ocorre em posição pré-verbal o que sucede é a ocorrência de um movimento suplementar que o leva até ∑º para verificar um traço forte desta categoria. A análise dos clíticos de Duarte e Matos (1994) pode continuar a aplicar-se pois, como referímos, em estruturas com elementos tipooperador as autoras assumem a existência de um movimento de último recurso que coloca o clítico numa posição precedente ao verbo. Assim, a estrutura resultante de frases como (229c) será semelhante à representação (233) para a estrutura (229a): ∑P (234) ∑‘ SPEC O João ∑º sempre AgrSP SPEC AgrS’ AgrSº TSP AgrSº CL k lhe AGRO AGRS V AGRO compra tk 193 TSP SPEC TS’ TSº AgrOP SPEC AgrO’ AgrOº TobP TobP Tob’ SPEC m flores Tobº tj VP V NP ti tm Da mesma forma se pode aplicar a estruturas com negação (onde se projecta PolP) e a estruturas que combinem negação e o advérbio sempre. (235) O João sempre não lhe compra flores. (229e)) ∑P ∑‘ SPEC O João ∑º j sempre PolP SPEC Pol’ Polº não 194 AgrSP AgrSP SPEC AgrS’ AgrSº TSP AgrSº CL k lhe AGRO AGRS AGRO Vi compra tk TSP SPEC TS’ TSº AgrOP SPEC AgrO’ AgrOº TobP TobP Tob’ SPEC m flores Tobº tj VP V NP ti tm (236) O João nem sempre lhe compra flores. (229d)) 195 ∑P ∑‘ SPEC ∑º O João PolP SPEC Pol’ nem AgrSP Polº j sempre AgrSP SPEC AgrS’ AgrSº TSP AgrSº CL k lhe AGRO AGRS AGRO Vi compra tk TSP SPEC TS’ TSº AgrOP SPEC AgrO’ AgrOº TobP Tob’ SPEC m flores Tobº tj 196 VP V NP ti tm TobP As derivações anteriores mostram que a proposta de Duarte e Matos (1994) não apresenta problemas à proposta apontada por nós nas secções anteriores deste trabalho. Isto não impede, porém, que se reflicta sobre as questões que a análise das autoras levanta. Relativamente à consideração de Duarte e Matos (1994) de que AGRO é a cabeça envolvida na cliticização, dada a possibilidade de o clítico aí verificar o seu traço de caso, poderíamos tentar combinar a análise daquelas autoras com a nossa proposta, no sentido de mover o NP objecto apenas uma vez. Nesse caso, poderíamos tentar movimentar o objecto apenas para uma das posições referidas ou SPEC de TobP ou AgrOº. Se o movessemos apenas para SPEC de TobP não teríamos motivação para o movimento subsequente do verbo para uma posição de XP; se o movessemos para AgrOº, apenas, não poderíamos explicar como é que se verificam as condições de especificidade entre o NP objecto e o advérbio sempre. O que podemos de facto observar é que, se nas estruturas sem clíticos analisadas nas secções anteriores o advérbio sempre impunha restrições de especificidade ao NP complemento que tinha de ser, necessariamente, [-específico], o mesmo não se verifica com os clíticos porque estes são [+específicos]. Talvez a motivação para a existência das duas projecções resida exactamente nesta distinção. A assumir as observações anteriores, teremos que admitir a existência de movimento do NP complemento para SPEC de TobP quando ele, não sendo clítico, tem de obedecer às restrições do advérbio sempre. Complementarmente, temos de admitir que a presença de um complemento clítico invalida o seu 197 movimento para SPEC de TobP, movendo-se apenas para AgrOº.59 5.2.4. Sempre e negação Um factor importante também a considerar na análise de sempre é a relação que este advérbio estabelece com a negação. Aqui não interferem factores de natureza semântica dos predicados nem dos seus complementos, apenas a posição do advérbio e da negação. (237) a. O João não compra sempre livros. b. *O João não sempre compra livros. c. O João nem sempre compra livros. (238) a ??O João não comprou sempre livros. b. *O João não sempre comprou livros. c. O João nem sempre comprou livros. (239) a. O João sempre não comprou livros. 59 Embora as observações que acabamos de fazer não se apliquem directamente aos dados que apresentámos por estes conterem um clítico objecto indirecto, acreditamos, no entanto, que o comportamento descrito se verifica quando só ocorre um clítico objecto directo. Além disso, se observarmos o exemplo abaixo podemos constatar que a presença de um clítico, i.e., um elemento específico, resulta na perda de interpretação temporal do advérbio. (i) O João sempre os leu. (O João sempre leu os livros que lhe ofereceste no Natal.) (ii) O João sempre os comprou. (O João sempre comprou os livros que lhe pedi.) O que podemos daqui inferir é que a interpretação temporal de sempre está condicionada pela existência de um elemento que concorde com a sua marcação de [-específico]. Por isso, não há interpretação temporal com os clíticos, a não ser que outro elemento menos específico ocorra na frase, por exemplo um predicado de processo como conhecer. (iii) O João sempre os conheceu. (O João conheceu-os toda a vida.) É o que se verifica em (229d) onde flores não é específico. Estes dados reforçam a nossa ideia de que o advérbio sempre é gerado na base em TOº. 198 b. ??O João sempre nem comprou livros. c. O João sempre comprou livros. Consideremos o grupo (237) onde sempre tem interpretação temporal. O que verificamos nestes exemplos é que com sempre na posição pós-verbal é perfeitamente gramatical a co-ocorrência da negação com este advérbio. Em posição pré-verbal, pelo contrário, a co-ocorrência também é possível mas apenas se a forma de negação presente na frase em vez de não for nem. Relativamente ao grupo (238) a marginalidade das estruturas em que co-ocorre a negação e o advérbio em posição pós-verbal é esperada dada a proposta feita em 5.2.2.. Finalmente no grupo (239), verificamos que existe a possibilidade de combinar a negação (não) e o advérbio em posição pré-verbal desde que este último não apresente interpretação temporal e sempre preceda a negação. Como explicar estes paradigmas ? Relativamente ao caso de (233a) não se levantam grandes problemas. A gramaticalidade é esperada uma vez assumida a análise de 5.2.2.. O advérbio ocupa, normalmente a posição TSº para assegurar que há convergência dos dois tempos em LF. A negação ocupa a sua posição, normalmente.60 No que respeita a (237b), a agramaticalidade deve-se, nos dois casos, à disputa de uma só posição por dois elementos distintos: negação e advérbio. A agramaticalidade de (238a) não se deve à presença, propriamente dita, da negação mas antes ao facto de o advérbio tentar ocupar uma posição ocupada: Assumindo, como fizemos em 5.2.2., que ∑ é a posição onde ocorrem elementos de afirmação e de negação, quando dizemos que a negação ocupa a sua posição normal estamos a pensar exactamente em ∑. 60 199 TSº. O mesmo acontece em (238b) embora a posição em jogo seja outra. Neste último caso, o advérbio ultrapassa TSº mas não pode ocupar ∑º porque essa posição já está ocupada pela negação. ∑P (240) ∑‘ SPEC k ∑º l O João AgrSP não AgrS’ SPEC k TSP AgrSº j compra * TSP SPEC TS’ AgrOP TSº l, j sempre SPEC AgrO’ AgrOº TobP TobP Tob’ SPEC i livros Tobº t l VP NP suj. tk 200 V’ Vº NP obj. tj ti Dada a interpretação dos dados dos grupos (237) e (238), coloca-se uma questão: - por que razão podemos obter frases possíveis com o tempo presente e com o advérbio sempre temporal em posição pré-verbal (cf.(237c))? Relativamente a esta questão vamos começar por perceber como é que temos nem a preceder sempre. Parece-nos que a única hipótese de permitir tal coocorrência é considerar que nem ocorre em ∑ mas não em ∑º. Nem é um elemento de negação que, ao contrário de não, possui o estatuto de XP. Assim, a convivência de dois elementos em ∑ é perfeitamente possível desde que eles se distribuam pelas duas posições tecnicamente possíveis: ∑º e Spec de ∑P. Além disso, deste modo podemos perceber porque é que a interpretação que obtemos não é de negação frásica, mas antes de negação sobre o sempre, o elemento que está sob o escopo directo de nem. Contudo, se por um lado esta explicação parece natural dada a relação entre nem e sempre, por outro levanta a questão de saber para onde se move o NP sujeito. Como vimos nos pontos anteriores, a posição Spec de ∑P era a hospedeira do sujeito. Mas neste momento tal não pode acontecer porque a posição já está ocupada por nem. Aparentemente temos duas hipóteses para prever esta ordem: - ou aceitamos que quando Spec de ∑P está ocupado, o NP sujeito sobe para o Spec de outra projecção mais alta; - ou postulamos uma posição diferente de ∑ para a negação. Relativamente à primeira opção, se o movimento do sujeito para Spec de 201 ∑P facilmente se podia motivar admitindo que o ∑º tem traços [+N] para verificar, o mesmo já não acontece se o sujeito se mover acima de ∑P. Considerando agora a segunda opção poderemos postular, seguindo Zannuttini (1994), a existência de uma projecção PolP (Polarity Phrase), acima de NegP, onde ocorrem os elementos de polaridade quando os seus traços são fortes. Assim, e contrariando o que defendemos para propor ∑P, temos que assuimir diferentes naturezas para PolP e ∑P. Dado que sempre, hóspede privilegiado de ∑º traduz uma interpretação de confirmação, podemos talvez defender que ∑º aceita elementos de confirmação e Polº de afirmação/negação. Nesta nova hipótese podemos dar conta dos casos em que nem precede sempre. Assim, e dado que, quando estes dois elementos ocorrem na ordem referida, sempre mantém a informação temporal, podemos defender que nem, em Spec de PolP, atrai o elemento temporal que ocupa(va) TSº. Desta atracção resulta que sempre vai ocupar a posição Polº. Relativamente ao sujeito pode ocupar, da mesma forma, a posição Spec de ∑P: (241) 202 ∑P ∑‘ SPEC k ∑º O João PolP SPEC Pol’ nem AgrSP Polº l sempre AgrSP AgrS’ SPEC k AgrSº j TSP comprou (compra) SPEC TS’ AgrOP TSº j AgrOP SPEC AgrO’ AgrOº TobP Tob’ SPEC i livros Tobº tl VP NP suj. tk V’ Vº NP obj. tj ti 203 No que respeita ao caso em que o verbo ocorre no presente, a solução agora proposta levanta um problema. Aquilo que dissemos nos pontos anteriores é que quando temos presente, precisamos que o sempre ocupe a posição de TSº para a frase convergir em LF. Neste momento, o que verificamos com a negação é que o advérbio continua a cumprir a sua função de garantir a ligação dos dois tempos mas, estranhamente, ocupa uma posição acima de TSº. Uma solução, quanto a nós possível, é assumir que dado que a presença da negação em PolP atrai o advérbio sempre da posição de TSº, este movimento cria uma cadeia em que o advérbio continua a ligar os dois tempos. A questão que subsiste diz agora respeito à ocorrência de sempre a preceder a negação frásica (não). Depois de assumirmos a co-existência de ∑P e PolP não há maneira de não derivar a ordem advérbio + negação. Ocorrendo não em Polº o sempre pode, naturalmente ocupar ∑º. Nesta posição sempre confirma a proposição que o segue: confirma que o João não comprou livros. Recordando que a presença de pretérito perfeito era condição necessária para que sempre mantivesse a interpretação temporal, dada a interposição de não, só podemos assumir que a presença de outro operador (negativo) interrompe a cadeia de sempre, perdendo-se a leitura temporal. Em resumo, podemos afirmar que, quando existe negação em PolP, o sempre é atraído de TSº e ocupa Polº, onde é modificado por nem. Quando a negação frásica ocupa Polº, sempre pode anteceder a negação mas nunca pode ter interpretação temporal, i.e. quando se interpõe um outro operador, que não seja temporal, entre o sempre e o tempo (ou entre o sempre e o seu vestígio) perde-se 204 a informação inicial de tempo. Em resumo, os dados sempre constituem argumento a favor de várias hipóteses já referidas na literatura. As restrições que se verificam entre sempre e a semântica dos NP’s complemento, dos predicados verbais e dos tempos morfológicos parecem ser argumento forte a favor da ideia de Ambar (1996) de que existem duas projecções tempo: TSP e TobP. Por outro lado, e analisados os diferentes contextos onde a negação está presente sob distintas formas, pensamos ter corroborado, com os dados do português, a ideia de Zanuttini (1994) de que além de NegP existe também PolP como posição para os elementos negativos. No que respeita à proposta de Laka (1990), o sempre, tanto quanto parece, pode constituir um dos elementos lexicais que, na sua proposta, Laka coloca em ∑º. A análise que apresentámos, no contexto das propostas referidas, parece apontar para a ideia de que os elementos lexicais, que de alguma forma intervêm na predicação da frase, são gerados em posições mais baixas, sempre próximas do V; dentro do VP os elementos nominais sujeito e objecto, e fora do VP os elementos adverbiais. 205 206 6. Conclusão Da análise desenvolvida ao longo deste trabalho é agora possível destacar e reunir alguns dos resultados mais significativos. 1) Em primeiro lugar, propusemos uma classificação dos advérbios que considera cinco grandes grupos: (i) o primeiro grupo caracteriza-se por restringir o constituinte que o segue; unicamente, só, apenas são alguns exemplos desses advérbios; (ii) o segundo grupo inclui advérbios com uma interpretação geralmente orientada para o falante, mas podendo ter uma interpretação alternativa, orientada para o sujeito da enunciação, em virtude da sua posição de superfície em início se frase e pré-verbal; integram esta classe advérbios do tipo de cuidadosamente, habilmente, inteligentemente; (iii) o terceiro grupo engloba os advérbios que mais directamente modificam o complemento do verbo e que não podem ocorrer em posições altas na estrutura, nomeadamente em posição inicial e em posição pré-verbal; advérbios como mortalmente, completamente, totalmente; (iv) o quarto grupo reúne advérbios que tipicamente traduzem informações relacionadas com o tempo morfológico ou com o tempo do evento, o tempo de realização de um dado estado de coisas; 207 (v) finalmente, no quinto grupo concentram-se os advérbios que, por excelência, transmitem a opinião do sujeito da enunciação, ocupam preferencialmente as posições inicial e pré-verbal; são paradigmáticos deste grupo advérbios como infelizmente, certamente, possivelmente. 2) Em segundo lugar, e relativamente à posição que estes advérbios ocupam na base, podemos com base nessa nesta descrição afirmar que existem pelo menos três grupos: (i) - os que transmitem tipicamente a opinião do sujeito da enunciação, tipo (v), - que ocorrem preferencialmente nas posições iniciais da frase - são provavelmente numa posição αP que pode, eventualmente, corresponder a ∑; (ii) - os restantes, dado que podem ocupar posições mais baixas, são, provavelmente, gerados acima do VP em TobP ou acima desta projecção; (iii) - aqueles que apenas restringem o significado do elemento que os segue serão naturalmente gerados junto desse constituinte ou em adjunção a ele. 3) Em terceiro lugar, no que respeita à interacção dos advérbios com outros fenómenos da gramática, - nomeadamente no caso paradigmático do sempre a descrição e a análise que desenvolvemos permitiram-nos observar que: 208 (i) - a posição relativa do advérbio e da negação favorece a análise de Laka (1990) que postula a existência de ∑P e aponta no sentido de que provavelmente existe outra projecção para a informação de polaridade, PolP, como proposto por Zanuttini (1994); (ii) - a interação sintáctica e semântica observada entre os predicados verbais, os complementos nominais e os tempos morfológicos, evidenciada pelas diferentes ordens de superfície, parecem comprovar a proposta de Ambar(1996) de que existe uma posição TOP na estrutura da frase interagindo com o tempo morfológico (TSP), com propriedades do verbo e da determinação/quantificação do objecto. Nesta análise o assim chamado Aspecto não é mais do que o resultado da interacção destas categorias, nos termos propostos. (iii) - a influência que advérbios tipo operador como sempre parecem exercer sobre os NP’s clíticos apoia a análise de Duarte e Matos (1994) segundo a qual a ordem ordem básica dos clíticos em português é a ênclise, sendo a próclise um processo mais custoso para gramática que se aplica para salvar uma estrutura, nomeadamente na presençã de operadores. Finalmente, as propostas aqui feitas,relativamente aos advérbios em geral e ao advérbio sempre em particular, parecem-nos constituir mais um passo no sentido de um entendimento das complexas mas interessantes questões que este aspecto da gramática põe à teoria linguística. 209 Outros advérbios, a que podemos chamar polivalentes, faziam inicialmente parte do nosso objecto de estudo: bem, mal, cá, lá, logo, ainda, já. O esquema de análise que lhes aplicámos foi o utilizado para sempre. À medida que o trabalho prosseguia, novos fenómenos gramaticais iamsendo implicados, pelo que nos impusemos a delimitação do objecto de estudo a um só advérbio: sempre. No entanto, depois de várias reflexões sobre aqueles advérbios, pensamos que, com alterações que dizem respeito mais às categorias intervenientes do que à rede de relações que entre elas se estabelecem e do que à aparelhagem conceptual que as serve, estudando-as; a análise apresentada para sempre é um exemplo do que gostaríamos de fazer para os outros advérbios. Tomando como exemplo, um advérbio como lá e estabelecendo uma relação com sempre, poderíamos dizer que este advérbio está para o ‘espaço’, como sempre está para o ‘tempo’ numa das suas ocorrências ou que lá está para a negação como sempre está para a confirmação, noutra das suas ocorrências. 210 Bibliografia Ali, M. Said, (1931), Grammatica Historica da Lingua Portugueza, 2ª ed., Ed. Comp. Melhoramentos de São Paulo, S. Paulo. 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