UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
FACULDADE DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
FABIANE AGUIAR SILVA
SUJEITOS MASCULINOS EM CONSTRUÇÃO: SENTIDOS DE ÉTICA
NAS RELAÇÕES DE GÊNERO DE TRABALHADORES DE UMA OBRA
DA CONSTRUÇÃO CIVIL EM MANAUS/AMAZONAS
MANAUS
2015
2
FABIANE AGUIAR SILVA
SUJEITOS MASCULINOS EM CONSTRUÇÃO: SENTIDOS DE
ÉTICA NAS RELAÇÕES DE GÊNERO DE TRABALHADORES DE
UMA OBRA DA CONSTRUÇÃO CIVIL EM MANAUS/AMAZONAS
Dissertação apresentada ao Programa de pósgraduação em Psicologia da Universidade
Federal do Amazonas, como parte dos
requisitos para obtenção do título de Mestre
em Psicologia,
linha
de processos
psicossociais.
ORIENTADORA: IOLETE RIBEIRO DA SILVA
MANAUS
2015
Ficha Catalográfica
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
S586s
Silva, Fabiane Aguiar
Sujeitos masculinos em construção: sentidos de ética nas
relações de gênero de trabalhadores de uma obra da construção
civil em Manaus/Amazonas / Fabiane Aguiar Silva. 2015
124 f.: il.; 31 cm.
Orientadora: Iolete Ribeiro da Silva
Dissertação (Mestrado em Psicologia: Processos Psicossociais) Universidade Federal do Amazonas.
1. Ética. 2. Relações de gênero. 3. Masculinidades. 4. Psicologia
sócio-histórica. 5. Construção Civil. I. Silva, Iolete Ribeiro da II.
Universidade Federal do Amazonas III. Título
3
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço e dedico esta obra aos fenômenos que fizeram e fazem da minha vida
a experiência essencial.
Agradeço primeiramente ao amigo Jesus por me ensinar o amor e a coerência a
partir do dom da existência.
Agradeço à minha amada e guerreira Mãe Fátima que me criou e me mostrou
sob seu olhar os delineios da vida. E com tanto sacrifício, educou-me com afeto e
dedicação e me ensinou a importância do lutar e do seguir em frente sempre. Uma
mulher humilde, inteligente e linda. A mulher que será para sempre o meu amor
essencial e incondicional.
Agradeço ao meu amado e inexorável Pai Benedito que me dedicou todo o seu
amor à sua maneira, mesmo nos momentos em que não deu conta de seu próprio amor.
Um sujeito masculino que me ensinou a pensar os sujeitos masculinos e é protagonista
de minhas inquietações de gênero. Um ser irreverente e engraçado que me auxiliou a
construir as mais diversas interpretações da vida e a me relacionar com as pessoas a
partir da alteridade. O homem que receberá para sempre o meu amor.
Agradeço
aos
meus
amados
irmãos
Caio,
Tany
e
Fernanda
que
incondicionalmente suportam comigo tudo de mais difícil que enfrento e que
conquistam comigo tudo que sou.
Agradeço ao meu grande amor, Thiago Silva. O sujeito masculino que me
propõe a mais satisfatória e singela relação de gênero possível.
Agradeço aos meus amados amigos que cada um à sua maneira e em seu tempo,
proporcionou-me a experiência de dias felizes, dias de luta, dias de esperança.
Agradeço a todas as subjetividades que me permitiram debruçar sobre seus
sentidos éticos. Agradeço a todos os participantes que me possibilitaram a relação
subjetiva construída nesse processo.
Agradeço em memória à minha amada e admirável Mestra, a professora Kátia
Neves Lenz César de Oliveira, minha orientadora. Uma feminilidade sábia com quem
Deus oportunizou-me um encontro, uma pessoa que jamais deixarei de admirar e que
nunca esquecerei. Agradeço a paciência com que discutiu comigo os mais diversos
assuntos e referenciais teóricos, pela humildade em ensinar-me e pela espontaneidade
que brilhou os meus olhos. A causa que a senhora lutava, tornou-se a causa de todos nós
com quem a senhora compartilhou esperanças.
6
Agradeço à minha serena, sábia e humilde professora Iolete Ribeiro da Silva que
aceitou orientar-me. Agradeço à senhora pelo apoio e pelos ensinamentos
proporcionados. Agradeço sua paciência com minha ansiedade e sua consideração em
assumir junto comigo o desfecho desta pesquisa e o prosseguimento da luta pela causa
de gênero. Obrigada mais uma vez, professora Iolete, por toda sua dedicação e suporte,
a senhora merece toda a minha admiração.
Agradeço ao proprietário da obra que me permitiu executar a pesquisa em seu
espaço de trabalho.
Agradeço à Faculdade de Psicologia e seu corpo docente e técnico pela
excelência na construção da psicologia através da dedicação aos seus alunos, ao
conhecimento e à transformação social.
Por fim, agradeço a todos que direta e indiretamente participaram dessa
caminhada e contribuíram com suas particularidades na vivência de relações pautadas
na troca e na esperança. Obrigada à minha família, aos meus amigos, ao meu noivo, à
família dele, aos conhecidos, aos participantes episódicos, aos profissionais, aos
anônimos, às instituições...
7
Dedico essa produção à minha eterna mestra Kátia Lenz
(in memoriam), um fenômeno personificado que me trouxe luz,
acendeu em meu coração e retornou ao seu plano de evolução.
Para sempre serás lembrada!
8
“Porque era ela, porque era eu
Eu não sabia explicar nós dois
Ela mais eu
Porque eu e ela
Não conhecia poemas
Nem muitas palavras belas
Mas ela foi me levando pela mão
Íamos tontos os dois
Assim ao léo
Ríamos, chorávamos sem razão
Hoje lembrando-me dela
Me vendo nos olhos dela
Sei que o que tinha de ser se deu
Porque era ela
Porque era eu”.
Chico Buarque
9
RESUMO
Esta proposta se trata de uma pesquisa qualitativa sobre os sentidos de ética nas relações
de gênero de trabalhadores de uma obra da construção civil em Manaus/Amazonas. O
objetivo geral foi compreender os sentidos de ética nas relações de gênero produzidos
por trabalhadores de uma obra da construção civil em Manaus. Os objetivos específicos
foram: (1) identificar os sentidos de ser ético na relação durante as experiências de
relacionamentos de gênero dos trabalhadores da construção civil em Manaus/Amazonas
e (2) relacionar os sentidos éticos produzidos pelos trabalhadores à construção de suas
masculinidades nas relações de gênero vividas. O referencial teórico se estruturou a
partir da Psicologia sócio-histórica proposta por Vygotsky (1988) sob contribuições da
perspectiva do desenvolvimento psicossocial proposta pela rede de significações. Tal
arranjo teórico apresentou possibilidades de compreensões sobre o desenvolvimento
humano a partir da construção de sentidos a partir das relações, sendo destacadas neste
projeto as relações de gênero. A metodologia de pesquisa propôs uma construção de
dados através de instrumentos como: relato de história de vida e questionário
socioeconômico. Tais instrumento favorecem a expressão da subjetividade pelo
participante ao oferecer liberdade ao mesmo em relatar sua versão sobre seu roteiro de
vida e falar sobre o contexto socioeconômico em que vive. Os participantes da pesquisa
foram 5 sujeitos masculinos que trabalhavam no ramo da construção civil na cidade de
Manaus. As informações construídas na pesquisa foram analisadas via núcleos de
significações (AGUIAR; OZELLA, 2006). As éticas construídas pelos participantes em
suas histórias de vida e relações ressaltaram que as condutas para uma relação
satisfatória necessitariam de afeto, igualdade, respeito (disfarçado ou não de
desigualdade), franqueza, coerência, cordialidade, acordo intersubjetivo e diálogo.
Porém, segundo a particularidade deles, cada dimensão destas possuiria
entrecruzamentos, dinâmicas, sentidos e intensidades distintas e que precisariam ser
acordadas com essas conjunturas que também ocorrem no outro, o que revela a
complexidade deste processo. Aspectos como abstração, reflexividade, alteridade e
assertividade, necessários ao desenvolvimento do diálogo, destacam-se nas dificuldades
e nas potencialidades relatadas pelos participantes. A ineficiência ou a potência destes
aspectos dificultam ou os ajudam a desenvolver o lidar nas relações. A pesquisa
identificou a necessidade dos participantes em relacionar os sentidos que orientam suas
vidas às suas atitudes em relação a si e ao outro em uma relação como o cuidado, o
afeto e a conveniência. Verificou-se a necessidade de se refletir a construção ética na
contemporaneidade, de forma que as políticas públicas considerassem cada vez mais as
histórias de vida das pessoas e seus sentidos, de forma a favorecer discussões sobre
”como se conduzir em relação ao outro para uma vivência satisfatória a dois”. Esse
trabalho conseguiu contribuir com reflexões sobre possibilidades de ser e se relacionar
visto que evidenciou considerar a reflexão da construção social das identidades de
gênero nas relações via processos éticos.
Palavras-chave: Sentidos; Ética; Relações de gênero; Masculinidades; Psicologia
sócio-histórica; Construção civil.
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ABSTRACT
This proposal is a qualitative research on the senses of ethics in gender relations of
workers of a construction work in Manaus / Amazonas. The overall objective was to
understand the ethical way in gender relations produced by workers in a construction
work in Manaus. The specific objectives were: (1) identify the meanings of being
ethical in respect for the experiences of workers' gender relationships construction in
Manaus / Amazonas and (2) relate the ethical meanings produced by the workers to the
construction of their masculinity in relationships of lived gender. The theoretical
framework was structured from the socio-historical psychology proposed by Vygotsky
(1988) in contributions from the perspective of psychosocial development proposed by
the network of meanings. Such an arrangement presented theoretical insights
possibilities on human development from the construction of meaning from the
relationships being highlighted in this project gender relations. The research
methodology proposed a building data through instruments such as: Life history report
and socioeconomic questionnaire. Such instruments favor the expression of subjectivity
by the participant to offer the same freedom to report his version of his script to life and
talk about the socioeconomic context in which they live. Survey participants were 5
male subjects who worked in the construction industry in the city of Manaus. The
information built in the survey were analyzed via meanings cores (AGUIAR; Ozella,
2006). Ethical built by participants in their life stories and highlighted relations that the
pipes for a satisfying relationship would need affection, equality, respect (disguised or
not inequality), openness, consistency, warmth, inter-subjective agreement and
dialogue. However, according to the particularity of them, each dimension of these
possess crossovers, dynamics, different directions and intensities and that would need to
be agreed with these situations also occur in other, which reveals the complexity of this
process. Looks like abstraction, reflexivity, otherness and assertiveness, necessary for
the development of dialogue, we highlight the difficulties and potential reported by the
participants. Inefficiency or the potency of these aspects hinder or help them develop
dealing in relationships. The research identified the need for participants to relate the
senses that guide their lives to their attitudes about themselves and each other in a
relationship as the care, affection and convenience. There was the need to reflect the
ethical construction in contemporary times, so that the public policies increasingly
consider the life stories of people and their senses in order to facilitate discussions on
"how to behave in relation to each other for a satisfactory experience for two.” This
work could contribute to reflections on chances of being and relating as evidenced
consider the reflection of the social construction of gender identities in relationships via
ethical processes.
Keywords: Senses; Ethics;
psychology; Civil construction.
Gender
relations;
Masculinities;
Socio-historical
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LISTA DE SIGLAS
CEP – Comitê de ética em pesquisa
DR – Discussão de relacionamento
SARE – Serviço de Educação e Responsabilização do Agressor
SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus
SEJUS – Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania
UFAM – Universidade Federal do Amazonas
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 14
REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................................... 24
1.1. A psicologia sócio-histórica e o ser psicossocial sob a contribuição de Foucault
na compreensão de sujeito................................................................................................... 25
1.2. A inserção da Psicologia nos estudos de gênero e masculinidade: possibilidades
de reflexões cada vez mais ético-relacionais .................................................................... 29
1.3. Estudo dos sentidos de Ética nas relações de gênero ............................................... 31
1.4. Do feminismo ao estudo das masculinidades – o desenvolvimento da questão de
Gênero .................................................................................................................................... 36
1.5. Masculinidade (s) – múltiplas identidades masculinas na contemporaneidade .... 38
1.6. Gênero, Masculinidades e Ética nas relações – janelas para pensar a violência e
as relações de gênero da contemporaneidade ................................................................... 43
METODOLOGIA ........................................................................................................... 48
2.1. Tipo de pesquisa ............................................................................................................ 48
2.2. Contexto da pesquisa .................................................................................................... 51
2.3. Os participantes ............................................................................................................. 53
2.4. Instrumentos de construção de dados ......................................................................... 58
2.5. Procedimento de abordagem dos participantes e registro dos relatos de história de
vida ......................................................................................................................................... 59
2.6. Aspectos éticos .............................................................................................................. 61
2.6.1. Critérios de inclusão e exclusão dos participantes da pesquisa .................... 61
2.6.2. Pedido de autorização junto à instituição ...................................................... 62
2.7. Análise dos dados ......................................................................................................... 62
RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................... 68
3.1. Caracterização socioeconômica dos participantes .................................................... 68
3.2. Núcleos de significações .............................................................................................. 72
3.2.1. Odair – o acordo como compromisso ético pela relação de gênero. ............. 72
3.2.2. Zé – a cristalização dos papéis de gênero como exercício ético para a relação.
................................................................................................................................. 77
3.2.3. Tim – desconstruindo o machismo como ética para uma relação satisfatória.
................................................................................................................................. 85
13
3.2.4. Milton – o diálogo como sentido de respeito e confiança que favorece o
exercício ético para a manutenção satisfatória da relação de gênero. ..................... 96
3.2.5. Chico – a parceria como ética para uma possível simetrização na relação. 103
CONCLUSÃO .............................................................................................................. 113
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 116
ANEXOS ...................................................................................................................... 122
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .................................. 123
INSTRUMENTO DE PESQUISA ................................................................................... 124
PARECER DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ............. 125
14
INTRODUÇÃO
Propus nesta pesquisa compreender os sentidos de ética nas relações de gênero
produzidos por trabalhadores de uma obra da construção civil em Manaus. A construção
deste trabalho foi uma proposta de pesquisa ao Programa de Pós-graduação em
Psicologia, linha de pesquisa - Processos Psicossociais, Faculdade de Psicologia –
Universidade Federal do Amazonas. A dissertação se fundamentou na abordagem sóciohistórica visando contribuir com a discussão de gênero pautada na construção social das
masculinidades via processos ético-relacionais. E de forma a considerar as
características e dinâmica destes processos, pesquisei a produção de sentidos na história
de vida dos trabalhadores.
A pesquisa pode contribuir com novos olhares sobre a construção ética nas
relações de gênero considerando a construção social das identidades de gênero. Ou seja,
os sentidos expressados pelos trabalhadores sobre a maneira como se consideram éticos,
em uma relação de gênero, podem proporcionar uma análise sobre como estes se
constroem como sujeitos masculinos no contrato com seus pares e o contrário também.
Tais possibilidades podem providenciar novas abordagens de fenômenos como a
violência contra a mulher, a dependência química, saúde e cuidado de si, relação com o
trabalho, paternidade, conjugalidade, filiação, dentre outros.
15
Sob a orientação teórico-metodológica da psicologia sócio-histórica é possível
abordar gênero como uma categoria analítica visto que esta abordagem se volta aos
processos psicossociais que significam e são significados pelas pessoas nas relações. A
psicologia
sócio-histórica
apresenta
sua
base
epistemológica
orientada
pelo
materialismo histórico-dialético que contribui com o construto teórico ao considerar o
sujeito como um ser psicossocial1, portanto ativo, histórico e social. Para a psicologia
sócio-histórica, o ser psíquico e sociedade contêm um ao outro sem se diluírem. O
externo e o interno são mediados pela linguagem e pelos símbolos que emergem nas
relações (ROSA, 2002).
O ser psicossocial é multideterminado e envolvido na complexidade, sendo
constituído pelas relações que estabelece com o meio e com os outros em um
movimento dialético, pois faz parte da totalidade e se transforma em sua experiência
(ROSA, 2002). O ser psicossocial se constitui nas relações através de subjetivações da
realidade. Compreende-se a subjetividade como um processo contínuo que produz,
interpreta, significa as experiências, as relações, o contexto, as instituições. Em tal
processo, a subjetividade se constitui e se recria através de símbolos, normas, valores,
ideias, fenômenos e demais fatores do viver.
De forma a aliar as compreensões da psicologia sócio-histórica às formulações
de Michel Foucault, refleti a proposição do autor ao considerar que o sujeito humano irá
se definir sendo indivíduo falante, vivo, trabalhador (FOUCAULT, 2004). O filósofo
discute que não há a possibilidade de fazer-se uma ideia prévia do que seria o sujeito, do
que seria uma essência humana do sujeito, autor reflete que antes de mais nada, o
sujeito é histórico e também produzido em sua intrínseca história relacionada à história
que o contextualiza na sociedade que vive.
Nos processos de subjetivação, as relações de gênero constituem as identidades
masculinas e femininas ao passo que também são construídas pelas produções dessas
performatividades em um contexto social e histórico específico. Utilizo na construção
deste trabalho o termo “performatividade” segundo foi cunhado por Judith Butler. A
autora suscita uma importante reflexão sobre a noção de identidade. Segundo a mesma,
1Em algumas obras da literatura sócio-histórica a palavra “homem” é utilizada para caracterizar de forma
geral o ser humano no social. Por questões da discussão de gênero, faremos referência a este “homem”
como: “ser psicossocial”, visto que a palavra homem como representação de homens e mulheres é
resultante de um tempo histórico-social da produção científica universal que referenda o homem
(masculinidade) como representante do social. E para se referir às identidades masculinas, utilizaremos o
termo “sujeito masculino”, visto que se considera o sujeito como uma integralidade de dinâmicas entre as
dimensões que o constituem, sendo uma delas, a dimensão de gênero.
16
a identidade não seria fixa, lógica e nem linear, desta feita, poderia ser muito mais uma
realidade em performação, ou seja uma realidade performativa, Butler (2003). Partindo
desta compreensão, considero que a ideia de identidade de gênero, que aqui abordamos
a identidades masculinas, seriam construções, ou seja, estariam em contínua produção.
A autora magistralmente descreve o sujeito sob a perspectiva da performatividade a
partir da seguinte reflexão:
“Esse sujeito não é base nem produto, mas a possibilidade permanente de um
certo processo de ressignificação, que é desviado e bloqueado mediante outro
mecanismo de poder, mas que é a possibilidade de retrabalhar o poder”.
(BUTLER, 1998, p. 22).
Na construção e organização das performatividades de gênero, a sociabilidade
tem papel estruturador, visto que o ser homem ou mulher não se constitui somente dos
modelos de masculinidade e feminilidade, (OLIVEIRA; VARGAS; PASQUALIN;
COELHO, 2012). Os autores ressaltam que as performatividades masculinas não são
apenas ancoradas em modelos culturais, mas também mediadas pelas relações entre as
subjetividades que reproduzem ou reconstroem os modelos de acordo com as
circunstâncias e demandas sociais. Foucault (2004) reforça esta compreensão ao propor
que em cada relação que estabelece, o sujeito irá se conduzir de uma forma diferente.
Assim, o sujeito se relacionará de formas diversas de acordo com os jogos de verdade
ao qual se propuser. Foucault propõe tal compreensão porque defende que há diferentes
histórias pelas quais os seres humanos vêm a se tornar sujeitos.
Parti da concepção de processo de subjetivação para refletir a ética nas relações
de gênero porque a ideia de subjetivação compreende a integralidade do ser, ou seja,
dimensões de gênero como sexualidade e afetividade se desenvolvem internamente e
externamente através das relações em um processo que inclui o contexto histórico e
cultural do ser. A ética se baseia e é baseada por subjetivações que constroem as
relações, e estas últimas são construídas pelas vivências. Esse processo constitui o
sujeito num processo dialético de subjetivação da realidade para si e objetivação do
subjetivo para a realidade.
A discussão sobre a ética foi construída neste trabalho baseada nas formulações
de Foucault em suas obras: a “história da sexualidade” I, II, III e “a ética do cuidado de
si como prática da liberdade”. O autor pensou a ética como uma constelação de
significados (em fluxo e estruturações) para o conviver. E estruturou a questão ética em
quatro instâncias que serão explicadas mais adiante. Sob a contribuição de autores
contemporâneos fundamentados em Foucault, refleti nesse trabalho a ética “como uma
17
instância crítica e propositiva sobre o dever ser das relações humanas em vista de nossa
plena realização como seres humanos” (DOS ANJOS, 1996, p.12). A ética pensada por
Foucault não se resume a um conjunto de normatizações que é estático, mas sim uma
conduta ativa e cotidiana reflexiva em relação a si e aos outros.
A ética, em sua distinção da moralidade, trata-se do estudo das implicações
morais do agir humano: “sua retidão frente à ordem moral”. Orienta-se como disciplina
filosófica que estuda os variados “sistemas de morais” que as pessoas produzem, de
forma a tentar compreender o que fundamenta as normas, “proibições próprias a cada
uma e explicar seus pressupostos, ou seja, as concepções sobre o ser humano e a
existência que os sustenta” (GUILHEM; FIGUEIREDO, 2008, p.8).
Concomitante à construção ética nas relações, os sujeitos produzem sentidos de
relações de gênero e organizam suas identidades masculinas, ou seja, é relacionalmente
que produzem suas masculinidades. A construção ética nas relações é proporcional à
construção de si como sujeito masculino e vice-versa. As relações de gênero se
constroem em sentidos de ética produzidos pelas identidades de gênero também em
construção, isto é, as identidades masculinas constroem-se ao passo que vivenciam as
relações de gênero e a ética media tal construção relacional.
Desta feita, os sentidos de ética, que são constituídos na relação, bem como, que
constituem as relações dos homens, revelam possibilidades para refletir as relações de
gênero. A ética como orientadora e orientada pelas relações pode revelar nuances ainda
não discutidas sobre o que é se relacionar e o que é compartilhar o viver. A partir da
categoria gênero, busquei pensar a ética constituída e constituidora das relações sob a
perspectiva dos sujeitos masculinos.
A ética como uma reflexão psicossocial (social e subjetiva) que orienta a
maneira de se conduzir em relação a si e ao outro é construída nas relações de gênero
através dos contratos de convivência. Estudar os sentidos de ética nas relações de
gênero seria buscar compreender os roteiros éticos que orientam os sujeitos nas suas
relações enquanto tais relações o constroem como sujeito homem.
Propus-me compreender tais processos a partir dos sentidos expressados pelos
trabalhadores e para isso, orientei-me pela construção teórica sobre sentido proposta por
Vygotsky. O sentido trata-se da “soma de todos os eventos psicológicos que a palavra
desperta em nossa consciência. É um todo complexo, fluido e dinâmico, que tem várias
zonas de estabilidade desigual” (VYGOTSKY, 1996, p. 125).
18
O sentido de ética nas relações de gênero foi então discutido de forma a se
compreender o que o sujeito masculino considera ético em suas relações de gênero.
“Educar” através do “bater” seria uma condução ética visto que por sua construção de
masculinidade o mesmo aprendeu que o homem é o tutor da mulher e por isso deve
educá-la? A palavra “bater” teria o mesmo sentido ético de educar para a mulher como
se tem para o filho ou um amigo próximo?
Por essa perspectiva, a pesquisa se baseou no discurso dos homens sobre suas
histórias de vidas. Os mesmos narraram seus desenvolvimentos através dos sentidos
construídos e vivenciados, que os orientam em suas relações na cultura, sociedade e
tempo histórico.
A pesquisa foi construída a partir do referencial da psicologia sócio-histórica
evidenciando as redes de significações. De acordo com Rossetti-Ferreira; Amorim;
Silva (1999), no processo interativo, o arranjo das ações e comportamentos são
organizados, modificados e interpretados pelo agir do outro, bem como, por uma série
de elementos abstratos, concretos, relacionais, socioeconômicos e políticos. Estes
componentes se relacionam de maneira dinâmica e dialética. Esse processo tece uma
rede que inclui atributos macro e micro-individuais e configura um universo semiótico,
construindo a Rede de Significações. A rede permite os processos que constroem o
sentido no contexto interativo, dentre tais processos, possibilita o processo de
desenvolvimento.
Sendo o desenvolvimento uma constelação de significações, considero gênero,
sob a perspectiva da psicologia do desenvolvimento humano, como um roteiro de uma
negociação social e não um atributo dos indivíduos. Dessa forma, compreendo que a
identidade de gênero é construída a partir do discurso. O gênero é definido pelas
práticas sociais, pelo momento histórico e pela cultura da sociedade na qual a pessoa
está inserida, e não pelo sexo (CRAWFORD, 2014 apud SILVA; REZENDE, 2007).
A categoria analítica a qual a psicologia sócio-histórica se debruça nessa
dissertação é gênero. Os primeiros estudos de gênero ainda se baseavam numa espécie
de polarização entre as identidades masculinas e femininas. Porém, com o avanço dos
estudos das masculinidades e da diversidade sexual, os estudos de gênero se voltam à
análise
da
processualidade
das
relações
(como
construções
sociais
das
performatividades de gênero) e não somente às particularidades ou caracterizações
distintas e/ou dicotômicas entre as performatividades de gênero.
19
Os estudos de gênero tomaram proporções discursivas com o avanço dos
movimentos feministas que reivindicavam relações igualitárias entre homens e
mulheres. O movimento feminista começou a tomar amplitude no século XIX, mais
precisamente nas décadas de 60 e 70. Os estudos de gênero avançaram no final dos anos
80 a partir dos estudos feministas, proporcionando uma ampliação das discussões de
gênero o que favoreceu as possibilidades discursivas sobre a masculinidade, que
surgiram no final da década de 1980. Tais estudos revelaram o homem e recentemente
“as masculinidades” como a vivência de diferentes identidades masculinas. Discutem-se
masculinidades a partir das produções contemporâneas de gênero que abordam as
relações e as construções sociais das identidades de gênero (CONNELL, 1995;
HEILBORN; CARRARA, 1998; BADINTER, 1993; BENTO, 2013; WELZER-LANG,
2001; NASCIMENTO, 2001; MEDRADO, 2002, 2003, 2008).
Contemporaneamente, os estudos de gênero discutem a interseção entre a
construção das performatividades masculinas e femininas sob fundamentos sociais e
históricos. Essa interseção (que se refere às relações em si) expressa as sociabilidades
como redes munidas de mecanismos que fazem a manutenção das identidades e suas
reproduções nas relações (busca-se discutir como se constroem os sujeitos masculinos
entre si e em sua relação com os sujeitos femininos e vice-versa). Isto é, discutem as
dinâmicas e constituições de gênero que produzem e sustentam a construção das
identidades masculinas e das femininas em suas relações como performatividades
construídas dialeticamente.
Destaco nesse momento a instância “Masculinidades”. Heilborn e Carrara,
(1998) consideram como diversas e divergentes a construção e vivência da
masculinidade pelos sujeitos. A produção dos autores contribui aos estudos das
vivências masculinas pelos sujeitos, quando propõe que as produções de gênero
despertam para o olhar das distintas vivências de identidades masculinas, considerando
que esta multiplicidade é implicada e implica relações sociais, históricas e culturais. Tal
orientação instruiu essa dissertação, pois busquei aqui possibilitar a voz aos homens e
seus interesses que podem estar explícitos ou nunca evidenciados pelo código éticorelacional.
Compreendendo a construção social dos sujeitos masculinos como um
desenvolvimento fomentado por processos sociais, culturais e históricos, defendo a
pesquisa das dimensões e dinâmicas que constituem e fazem a manutenção das
vivências masculinas em suas relações. Articulei a abordagem da psicologia e a
20
categoria de gênero para buscar compreender os processos de subjetivação que
desenvolvem as relações e orientam a construção das identidades de gênero.
Relacionando as redes de significações à construção ética nas performatividade
de gênero, propus uma reflexão dos sentidos de ética produzidos pelos trabalhadores nas
relações de gênero.
Partindo do intento de pesquisar os sentidos de ética construídos nas relações, a
pesquisa considerou a multiplicidade de identidades masculinas e concebeu que os
homens se constroem e se organizam em tais relações sob implicações históricas,
sociais e culturais. Deste modo, compreender os sentidos de ética, pode contribuir para a
construção de conhecimentos sobre os valores, normas e simbologias utilizadas pelos
participantes ao construírem e vivenciarem afetivamente as relações.
Nesta pesquisa, pensando em sujeitos masculinos, elegi o grupo de trabalhadores
da construção civil para ouvir suas histórias de vida. Tal iniciativa se pauta em aspectos
sociais, históricos e econômicos: sociais por analisar o contexto social brasileiro que
constitui o público da construção civil por pedreiros, auxiliares e pedreiros e mestre de
obras com escolaridades, renda e outros aspectos em comum; históricos por considerar
o desenvolvimento do setor da construção civil nas últimas décadas no país; e
econômico por se basear nas estatísticas de desenvolvimento do país a partir da
expansão urbana via construção civil.
Elegi o cenário de um canteiro de obras devido o objetivo da pesquisa se focar
em sujeitos de identidades masculinas. O canteiro de obras se caracteriza como um
espaço predominantemente masculino, apesar do avanço da participação feminina neste
âmbito do mercado. O campo da construção civil destaca-se como um campo de
sociabilidades com predominância de homens e ressalta possibilidades para o estudo da
construção das masculinidades a partir das relações.
Propus discutir gênero em seu caráter ético-relacional e não meramente as
distinções sexuais. Então este trabalho sustenta a possibilidade de refletir os sentidos
éticos nas relações de gênero sob as perspectivas de sujeitos masculinos, pois alguns
questionamentos necessitam ser feitos hoje: como as performatividades de gênero se
constroem hoje nas relações? Como se constitui a ética nas relações de gênero na
contemporaneidade? Como os homens constroem-se a si mesmos ao se constituir
eticamente na relação com seu par?
Devido a este modelo estar se gestando, fez-se necessário lançar-me de uma
perspectiva para buscar compreender o aspecto relacional. Porém, destaca-se que
21
analisar a partir da perspectiva dos sujeitos masculinos não acarreta prejuízos para a
tentativa de analisar o aspecto ético-relacional, pois compreendendo que a construção
das identidades de gênero é dialética, se for possível analisar a construção social dos
homens, seria possível encontrar pistas capazes de contribuir com a construção de
hipóteses relacionadas à construção das feminilidades também, visto que ambas são
construções sociais, e por isso, constituídas essencialmente como relações.
Foi necessário tomar cuidados teórico-metodológicos para se utilizar da
categoria analítica de gênero como bússola evitando erros de assunção de partes. Ao
definir o recorte do problema, elegi os sujeitos masculinos como vozes fazendo alusão
ao conceito de polifonia proposto por Bakhtin (2008)2, pois articulei tal dimensão à
necessidade de compreender os processos que os envolvem (onde estão inclusos os
trabalhadores da construção civil) nas principais demandas contemporâneas de gênero
como violência, saúde e sexualidade.
Diante do exposto, destaco que Gênero pode estar sendo representado, no atual
momento histórico, como uma categoria que reflete acerca da interseção do que
necessariamente é diverso e similar nas relações de gênero.
Ética nas relações de gênero é um campo a ser estudado, pois a ética se trata de
uma construção geral e específica baseada nas representações que as pessoas julgam ser
necessárias para uma relação. Como se em cada relação, as pessoas desenvolvessem
éticas para a manutenção desta. Por isso, pode ser ressignificada quando não dá certo ou
quando falta algo.
No que tange às relevâncias desse trabalho, menciono que me deparei com o
tema em diversas situações do meu cotidiano e por isso propus novos olhares sobre a
questão da ética nas relações de gênero sob a perspectiva dos trabalhadores. Partindo da
relevância pessoal do tema, menciono a necessidade de analisar as possibilidades de
relações mais igualitárias pela diversidade que favorece a vivência de homens e
mulheres. Como identidade feminina, já enfrentei o preconceito cometido por sujeitos
de masculinidades hegemônicas, mas ao passo que recebi esse tipo de violência,
consegui vislumbrar fatores que não eram explicados apenas pela via do machismo.
Convivi com homens sensíveis, críticos bem como hegemônicos e aprendi a perceber os
processos histórico-sociais que permeavam a reprodução destas identidades.
2
Segundo o autor, a polifonia trata-se do elemento fundamental da enunciação. O mesmo defende que em
um texto há distintas vozes que se explanam, assim todo discurso seria construído por múltiplos
discursos.
22
A discussão sobre a ética nas relações de gênero sob a perspectiva dos
trabalhadores é uma possibilidade de evidenciar cada vez mais as relações e as
construções psicossociais que cristalizam sentidos e significam novas perspectivas do
relacionar-se. Refletir a ética nas relações de gênero trata-se de uma possibilidade de se
evidenciar cada vez mais as negociações entre as pessoas em suas relações, pautando-se
no que é efetivo e satisfatório para ambos em um determinado tempo histórico e em
determinada cultura, desprovendo-se das generalizações e das cristalizações que
engessam e retrocedem o conviver. Tais possibilidades contribuem com a produção
científica, pois podem ampliar suas análises sobre o fenômeno das relações de gênero,
não considerando somente os problemas e culpados, mas propondo a compreensão dos
processos, suas dinâmicas e seus atores.
No âmbito social, a discussão sobre a ética nas relações pode contribuir com os
questionamentos que fundamentam as políticas e que por sua vez, orientam os serviços
voltados para as identidades de gênero. Além disso, tal discussão pode contribuir com
os questionamentos éticos que fomentam a construção de um projeto de sociedade, visto
que ao refletir a igualdade pela diversidade, há a possibilidade de questionar os padrões
que fazem sujeitos masculinos e femininos reféns de roteiros pré-determinados de vida e
relação.
Esta proposta de pesquisa identificou os sentidos de ética nas relações
construídos pelos homens a partir dos processos de subjetivação destes nas relações. Tal
necessidade destaca-se pela tentativa de compreensão sobre como as relações de gênero
vão se constituindo a partir de éticas construídas pelos sujeitos masculinos nas relações.
Focou-se nas relações que os sujeitos consideraram mais significativas em suas histórias
de vida. Sendo relações afetivo-conjugais, de paternidade, familiar ou de fraternidade
(amigos).
Busquei pesquisar a construção da masculinidade nos processos éticos das
relações, pois dando voz aos sujeitos de identidade masculina e suas reflexões sobre a
ética nas relações, pode-se contribuir para intervenções sociais que considerem as
relações de gênero sob os sentidos. Pensar em políticas e intervenções que partam da
perspectiva de gênero pode viabilizar a produção de alternativas que considerem a
maneira como os homens pensam, produzem e orientam seus sentidos de ética ao lidar
nas relações sociais envolvendo relacionamentos desprovidos de violência, saúde e
autonomia, reprodução e planejamento familiar, lazer e socialização, projetos de vida
pautados no protagonismo pela reflexão, dentre outros.
23
Para inferir sobre os sentidos de ética nas relações de gênero construídos pelos
trabalhadores da construção civil, exponho os seguintes objetivos:
Objetivos:
-Geral:
Compreender os sentidos de ética nas relações de gênero produzidos por trabalhadores
de uma obra da construção civil em Manaus.
-Específicos:
1. Identificar os sentidos de ser ético na relação durante as experiências de
relacionamentos
de
gênero
dos
trabalhadores
da
construção
civil
em
Manaus/Amazonas;
2. Relacionar os sentidos éticos produzidos pelos trabalhadores à construção de suas
masculinidades nas relações de gênero vividas.
O presente projeto foi estruturado em introdução, marco teórico, método e
análise de dados. Na introdução, apresentei os principais aspectos que organizaram a
ideia do projeto e sua proposta de pesquisa. O referencial teórico fundamentou-se pelas
seguintes discussões: a psicologia sócio-histórica e o ser psicossocial sob a contribuição
de Foucault na compreensão de sujeito; a inserção da Psicologia nos estudos de gênero
e masculinidade – possibilidades de reflexões cada vez mais ético-relacionais; estudo
dos sentidos de Ética nas relações de gênero, do feminismo ao estudo das
masculinidades – o desenvolvimento da questão de Gênero; e por fim, Gênero,
Masculinidades e Ética nas relações – janelas para pensar a violência e as relações de
gênero da contemporaneidade. A metodologia apresentou o tipo de pesquisa, o contexto
sócio-histórico da economia Manauara e seu processo urbanizatório, os participantes, os
instrumentos de construção de dados, bem como os aspectos éticos. Na análise de dados
apresentei o método de análise e referencial teórico que orientou a análise. Após a
análise de dados, revelei os núcleos de significações como resultados e a discussão, em
seguida a conclusão. Por fim, apresentei as referências e anexos.
24
REFERENCIAL TEÓRICO
O estudo dos sentidos de ética nas relações de gênero foi providenciado sob a
orientação da psicologia sócio-histórica proposta por Vygotsky, visto que essa
abordagem apresenta uma perspectiva ativa, dialética e contínua do desenvolvimento
humano. Além disso, costurei a essa compreensão as contribuições de Foucault sobre o
sujeito.
Para refletir o desenvolvimento humano, a psicologia sócio-histórica e a
compreensão de sujeito proposta por Foucault, proporcionam problematizações que
consideram a subjetivação como um processo de sujeição e insubordinação onde estão
inclusos o contexto social, histórico e cultural.
E compreendendo a subjetividade como um processo, a psicologia sóciohistórica ressalta a linguagem como intermediação simbólica que baseia as práticas, os
afetos, a produção de normas, as ideias, os valores, os comportamentos e os demais
fenômenos que constroem o sujeito.
Aliei à psicologia sócio-histórica, as produções dos estudos de gênero como
categoria analítica e utilizei a perspectiva da rede de significações como uma
abordagem possível para se relacionar a construção social das masculinidades à
constituição ética dos sujeitos nas relações, visto que a ética se trata de uma produção
psicossocial.
25
1.1. A psicologia sócio-histórica e o ser psicossocial sob a contribuição de Foucault
na compreensão de sujeito.
A psicologia sócio-histórica trata-se uma proposta que evoca uma concepção de
desenvolvimento social, histórico e cultural do ser humano que é psíquico e social.
Trata-se de uma abordagem que busca compreender o ser humano como ser ativo que se
desenvolve através da utilização de instrumentos como a linguagem. Esta última abarca
as significações e se caracteriza como “instrumento do pensamento” (BONI apud
LUCCI, 2006, p. 4).
A partir de uma psicologia baseada no materialismo dialético e em seu construto
teórico-metodológico, a psicologia sócio-histórica se propõe a compreender os
processos cognitivos considerando que esses se constituem com implicações históricas e
culturais. Assim, sob os fundamentos da teoria marxista, busca-se explicar o
funcionamento intelectual humano destacando a identificação dos mecanismos cerebrais
subjacentes no desenvolvimento das funções psicológicas, bem como considerando o
contexto social que participa deste desenvolvimento (LUCCI, 2006).
Além das ideias de Marx e Engels (materialismo), a psicologia sócio-histórica
proposta por Vygotsky articula-se com os conhecimentos de Darwin (evolucionismo),
Espinosa (filosofia), dentre outros autores. Lucci (2006) resume tais influências nas
compreensões de Vygotsky mencionando que a psicologia é uma ciência do ser
histórico e não do ser abstrato e universal, a origem e o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores é social. Há três classes de mediadores: signos e instrumentos;
atividades individuais e relações interpessoais; o desenvolvimento de habilidades e
funções específicas, bem como a origem da sociedade é resultante do surgimento do
trabalho - este entendido como ação/movimento de transformação - e que é pelo
trabalho que o ser psicossocial, ao mesmo tempo em que transforma a natureza para
satisfazer as suas necessidades, transforma-se também. E por fim, existe uma unidade
entre corpo e alma, ou seja, o ser psicossocial é um ser total.
Para Vygotsky, como não há uma natureza humana, o humano se constrói em
relação, uma relação do ser com a realidade. Para a psicologia sócio-histórica o ser é
ativo, histórico e social, constitui-se então por sua ação e na relação com a cultura, sua
história e realidade. O ser se constitui não por uma mera absorção imediata do contexto,
e sim por um processo de regular subjetivação da realidade, fazendo-o singular.
26
Neste processo de subjetivação, o mundo objetivo é convertido para o
subjetivo, produzindo-se um plano interno pela incorporação do externo,
processo em que se configura algo novo. Ao mesmo tempo, o ser constrói a
realidade através de sua atuação sobre ela e, assim, da objetivação de seu
mundo singular, ou seja, de sua subjetividade. Portanto, o individual e o
social contêm um ao outro sem se diluírem, o que implica dizer que não há
uma relação de identidade entre indivíduo e sociedade e vice-versa (ROSA;
ANDRIANI, 2002, p.7).
Em contribuição a esse estudo, sob a psicologia sócio-histórica, pensei o ser
humano como ser psicossocial e fiz a reflexão dos participantes da pesquisa como
sujeitos de identidade masculina, ou sujeitos masculinos, no intento de destacar suas
integralidades constituídas por diversas dimensões, que dentre elas, está a identidade de
gênero, evitando substantivá-los ou essencializá-los em masculinidades. Foucault
(2004) considera o ser como falante, vivo e trabalhador. O indivíduo passaria a se
constituir como sujeito através dos “jogos de verdade” nos quais ele se assujeitaria e
concomitantemente, a partir de suas frestas de liberdade, poderia também romper com
tal subordinação. Esses “jogos de verdade” são propostos como um conjunto de normas
que produzem a verdade, bem como transformam a produção da referida verdade. Por
meio de suas práticas (relações com as instituições, consigo, com os outros), os sujeitos
criariam procedimentos que estabeleceriam e desestabeleceriam a produção da verdade.
A subjetividade, o ser sujeito, é o que possibilita que o ser psicossocial tenha
capacidade de criar processos culturais incessantemente. Além desse contínuo
produtivo, haveria também transformações no meio do processo que mudariam os
modos de subjetividade, criando novos e ressignificando processos anteriores.
Relacionando tal compreensão à produção de Foucault, pode-se refletir que mesmo
havendo mecanismos de poder (ou seja, de assujeitamento) o sujeito dispõe também de
um campo de possibilidade de diversas condutas, visto que onde há poder, há liberdade.
Poder e liberdade são instâncias dialéticas, “se há relações de poder em todo o campo
social, é porque há liberdade em todo lugar” (FOUCAULT, 2004, p.8).
O psicossocial se constitui através da conversão do plano social em um plano
psicológico. O ser faz a apropriação de significações constituídas no social e significa
suas vivências. Assim, quando uma pessoa sente, opina, julga, nega, afirma, conta... Ela
está produzindo material discursivo histórico e social. Este processo se faz pela
mediação da linguagem que formula signos e realiza a transformação contínua do
sujeito através da constituição de sua consciência.
27
Compreendendo-se o processo de subjetivação como a dialética entre a pessoa e
o social, defende-se que entre o ser e o social, há uma relação de mediação pelos
sentidos. Ou seja, o externo e o interno são mediados pela linguagem e pelos símbolos
que emergem nas relações (ROSA, 2002).
Propus o presente projeto baseado em tal compreensão do desenvolvimento, pois
considero que gênero se trata de uma categoria analítica que discute a construção das
identidades de gênero como processos do desenvolvimento humano a partir do discurso.
O discurso se refere à significação do social nas relações em uma dada sociedade, em
um dado momento histórico. Sujeitos de identidades masculinas e femininas orientamse por papéis e roteiros sociais que fazem a manutenção das relações sociais de gênero.
A partir de signos, representações e comportamentos, as performatividades se orientam
e se reproduzem. E mediante a ausência de questionamentos e discussões sobre gênero,
o que é caracterizado como próprio do feminino e próprio do masculino, pode se
cristalizar e determinar as identidades, coibindo outras possibilidades de ser.
O que Foucault (2004) coloca como “jogo de verdade” estaria estritamente
relacionado ao que a psicologia sócio-histórica se coloca a analisar quando se refere à
produção de sentidos e significados. O “jogo de verdades” seria um conjunto de regras
de produção da verdade. “Não um jogo no sentido de imitar ou de representar... é um
conjunto de procedimentos que conduzem a um certo resultado” (FOUCAULT, 2004,
p.12).
Para o estudo das relações de gênero orientado pelo sentido de ética, elegi a
abordagem dos sentidos como caminho metodológico para a busca da expressão dos
processos de subjetivação que produzem e orientam as vivências nas relações.
Sobre os sentidos abordados com base na psicologia sócio-histórica, propôs-se
compreender os sentidos inscritos na linguagem e para isso, é importante distinguir
sentido e significado. Vygotsky (1998) considera o sentido como a soma dos eventos
psicológicos que a palavra evoca na consciência. É um todo fluido e dinâmico, com
zonas de estabilidade variável, uma das quais, a mais estável e precisa, é o significado
que é uma construção social, de origem convencional (ou sócio-histórica) e de natureza
relativamente estável.
Quanto ao significado, o autor expõe que o significado de uma palavra trata-se
de uma generalização, ou seja, a formulação de um conceito, sendo o significado um
fenômeno do pensamento (VYGOTSKY, 1989). Desta feita, o significado é o produto
de um consenso de ideias, uma estabilização consensual de uma ideia feita por um
28
grupo, visto que o significado, ao unir a palavra ao pensamento, constitui uma
elaboração cultural que contribui com a constituição da consciência dos envolvidos.
Já o sentido de uma palavra, que é o fenômeno ao qual este projeto visou
pesquisar, considerou-se que o significado é uma das zonas de sentido, visto que a
palavra pode adquirir sentido no contexto em que está. Portanto, a palavra pode ter seu
sentido alterado dependendo do contexto. “O significado permanece estável ao longo de
todas as alterações do sentido” (VYGOTSKY, 1996, p. 125).
De forma a ilustrar a distinção entre sentido e significado, expõe-se a seguinte
situação: o significado compartilhado socialmente da palavra “bater” pode ser “agredir”,
porém, no contexto específico de uma relação conjugal violenta, a palavra “bater” pode
ter o sentido pessoal de “educar” para o homem que direciona a violência à mulher,
visto que ele acredita que sua companheira é um sujeito que precisa estar submetido à
sua tutela, sua educação. O significado é um conceito social compartilhado, já o sentido
seria uma atribuição pessoal à palavra que dependeria do contexto da relação.
O sentido é muito mais amplo que o significado, pois o primeiro constitui a
articulação dos eventos psicológicos que o sujeito produz frente a uma
realidade. Como coloca Gonzalez Rey (2011), o sentido subverte o
significado, pois ele não se submete a uma lógica racional externa. O sentido
refere-se a necessidades que, muitas vezes, ainda não se realizaram, mas que
mobilizam o sujeito, constituem o seu ser, geram formas de colocá-lo na
atividade. O sentido deve ser entendido, pois, como um ato do ser mediado
socialmente. A categoria sentido destaca a singularidade historicamente
construída. (AGUIAR; OZELLA, 2006, p.226-227)
O sentido, ao mesmo tempo em que se caracteriza como roteiro constituído pelas
significações, revela também a incompletude e a dinamicidade das representações
humanas. Elegeu-se estudar o sentido, pois a partir desse, seria possível buscar
compreender a pauta particular articulada com as significações compartilhadas que
orienta as formas de lidar com o outro e consigo. O sentido revela os acordos
construídos relacionalmente nas vivências por roteiros de significações produzidas na
intimidade, na educação, num tempo histórico e num social.
29
1.2. A inserção da Psicologia nos estudos de gênero e masculinidade: possibilidades
de reflexões cada vez mais ético-relacionais
Os estudos de gênero nasceram com a efervescência dos estudos feministas.
Com o surgimento dos estudos masculinos no final da década de 1980, a perspectiva de
gênero tem sido analisada sob implicações cada vez mais relacionais.
Os estudos dos homens sob as implicações dos estudos analíticos de gênero
(SCOTT, 1995) têm sido cada vez mais abordados pela Psicologia Social. Esses estudos
têm suscitado inúmeros trabalhos apresentados pela psicologia social por autores como:
Benedito Medrado Dantas, Kátia Lenz Cesar de Oliveira, Marcos Antônio Ferreira do
Nascimento e Sócrates Alvares Nolasco. Tais produções vêm contribuindo com
inúmeras discussões concernentes a notáveis transformações vivenciadas pelos sujeitos
masculinos na sociedade contemporânea como conquistas políticas nos âmbitos da
saúde e justiça.
Os estudos dos homens, sob a abordagem da psicologia social, buscam
principalmente compreender as mudanças nas identidades masculinas e seus
desdobramentos frente à sociedade contemporânea (BENTO, 2013). Tais focos nos
estudos masculinos destacam e refletem os movimentos masculinos na sociedade pósmoderna.
Dentre os autores da psicologia social que se propuseram a lançar novos olhares
sobre a questão de gênero, mencionam-se as produções da psicóloga Kátia Neves Lenz
César de Oliveira. A pesquisadora realizou articulações entre a psicologia, filosofia,
sociologia e antropologia para abordar as relações de gênero, as masculinidades e os
conflitos conjugais. A autora contribuiu com os estudos analíticos de gênero
articulando-os à abordagem da psicologia social em produções como: Discurso(s) de
homens em conjugalidade violenta: uma análise sócio-antropológica sob a referência da
ética da serenidade (2010), Relações conjugais violentas: suas contradições e novas
configurações contemporâneas pós-feminismo (2001), Quem tiver a garganta maior vai
engolir o outro: sobre violências conjugais contemporâneas (2004). Nas referidas
produções, Lenz propôs a compreensão da violência nas relações de gênero sob
perspectiva dos sujeitos masculinos a partir da constituição psicossocial destes e suas
reflexões éticas nas vivências conjugais, bem como, nas experiências cotidianas que
envolvem paternidade, trabalho e saúde.
30
A psicologia social vem contribuir com as discussões sobre a questão de gênero
ao estudar o desenvolvimento das relações e das identidades de gênero
contextualizando-as sócio-historicamente e analisando-as como processos relacionais.
Benedito Medrado é outro autor que vem contribuindo com as discussões de
gênero ao articular a psicologia social a temáticas como masculinidades, gênero, saúde e
sexualidade. O autor propõe a construção de novas abordagens metodológicas para
refletir gênero como uma categoria. O autor aponta a existência de três dimensões
necessárias ao estudo da construção dos gêneros: a dimensão relacional compreende que
o masculino e o feminino não são entidades substantivas, são relacionais, ou seja, coconstruídas dialeticamente; a dimensão histórica evidencia que as relações de gênero,
para serem compreendidas, devem ser estudadas a partir de uma contextualização
histórica, visto que não são algo fixo; e por fim, a dimensão contextual-situacional
destaca que o estudo do gênero se vincula ao estudo de contextos culturais específicos,
onde tempo e espaço tem relevância central (MEDRADO, 1996).
Essas dimensões ressaltam o caráter social das relações de gênero. Assim, os
estudos de gênero necessitam considerar as dimensões contraditórias, multifacetadas
polissêmicas e transacionais das relações dos sujeitos consigo mesmo, com os outros e
em seu contexto social, histórico e cultural.
Considerando que as identidades de gênero se constroem relacionalmente nos
contextos em que vivem, os estudiosos de gênero como uma categoria analítica
necessitam desprender-se de construções paradigmáticas rígidas, culpabilizantes e
lineares. Precisam inclinar-se aos estudos das dimensões, das dinâmicas e dos sentidos
para vislumbrarem a complexidade dos processos das relações de gênero e suas
matérias/abstrações até então não refletidas ou percebidas.
Deste modo, optei por estudar a ética nas relações por considerar a ética um
agrupamento pessoal incompleto de significados valorais compartilhados que orientam
as relações e, desta maneira, desenvolvem as vivências de masculinidades e
feminilidades nos sujeitos.
Considera-se relevante “estudar a construção ética porque a ética pode se tratar
de um roteiro que organiza e produz valores, símbolos, representações e normas em
códigos de conduta para com o outro e com o outro”, (BENTO, 2013, p.198). O estudo
da ética das relações evidencia a co-construção das performatividades de gênero nas
diferentes relações sociais e contribui com os estudos do desenvolvimento humano,
visto que compreende as relações como processos de constantes transformações que
31
constroem as pessoas (ao passo que são construídas por elas). As pessoas criam a si
mesmas e suas sociedades, arranjando em sentidos próprios as significações que
compartilham sobre o existir, e assim vão se constituindo como seres psicossociais.
1.3. Estudo dos sentidos de Ética nas relações de gênero
A ética, portanto, é individual e social ao mesmo tempo. Ninguém é ético
para si; somos éticos em relação aos outros[...]. (GUARESCHI, 2008, p.7)
Partindo da compreensão de que é nas relações que as pessoas significam suas
vivências e produzem os sentidos que fazem a manutenção dessas, propus nesse projeto
refletir os sentidos de ética produzidos nas relações construídas pelos homens. Une-se
às contribuições da psicologia sócio-histórica a produção sobre a ética de Michel
Foucault. O autor discute a ética analisando-a como uma produção social em que o
sujeito, em um dado contexto histórico e cultural, elabora modos de se conduzir
mediante ao que é prescrito como moral em suas relações consigo e com o outro.
O importante na ‘ética’ deixa de ser a regra moral ou a conduta que se pode
medir em relação a ela pelo comportamento real do agente, mas sim seu
modo de ‘conduzir-se’ diante da prescrição da regra e a constituição como
‘sujeito moral’ que isso demanda. Nesse sentido, a genealogia da ‘ética’ é
também uma história da “ascética”, ou seja, a história da ‘maneira pela qual
os indivíduos são chamados a se constituir como sujeitos de conduta moral’
(FOUCAULT, 1984a, p. 41) pelo exame de si e pela transformação do seu
modo de ser (CANDIOTTO, 2013, p.222).
Empenha-se em discutir a ética, visto que ela se trata de um sentido, ou seja, um
roteiro de significações construídas, compartilhadas e arranjadas durante a história de
vida do sujeito. Entende-se a ética como sentidos construídos e reconstruídos pelo ser
psicossocial nas relações por processos sociais como a educação, cultura, relações
íntimas, espiritualidade e demais dimensões que constituem o sujeito no social. Essa
ética que é ativa, dinâmica e incompleta orienta as ações concretas das pessoas perante a
si e o outro num contexto de códigos morais. A ética é pessoal e social ao mesmo
tempo. De acordo com Guareschi (2008), deste modo, é uma produção psicossocial,
visto que orienta as ações do sujeito baseada nos recursos semióticos morais de uma
dada sociedade, história e cultura, mas que também é elaborada pelo mesmo sob suas
preferências valorais que avalia e julga pessoalmente. De acordo com Agosto In Jacques
(2008), a ética como uma reflexão sobre a moral tece os valores, atitudes e ideias da
32
moral em um processo próprio do ser psicossocial e os arranja de forma mais pessoal e
ao mesmo tempo em comum com o outro para buscar exercê-la.
Em uma relação, a pessoa sabe as prescrições morais da sua sociedade, porém,
ela realiza um arranjo de tal prescrição moral com os seus preceitos valorais num dado
roteiro concreto. E esse arranjo orientará o proceder em relação ao outro. O arranjo é a
ética.
Entre os termos moral e ética há uma utilização sinonímica por se referirem ao
agir do ser humano e suas intenções avaliadas por critérios de retidão no social. Porém,
há uma diferença conceitual entre ética e moral. Segundo Aranha (2005), a moral é um
conjunto de normas de condutas exercidas livre e conscientemente pelos sujeitos, e ela
possui o objetivo de organizar as relações interpessoais sob orientações de valores
morais. Já a ética, ou filosofia da moral, é uma instância mais abstrata, pois se incumbe
da reflexão das noções e princípios que fundamentam a vida moral.
Foucault (1995) discute em sua obra “a genealogia da ética” que a ética se
constitui por quatro elementos. O primeiro é a substância ética – o sujeito realiza a
escolha do que nele mesmo é priorizado para proceder atendendo à moral, é aquilo que
no próprio sujeito está acessível para mudar, não é a adesão ao que é exigido
moralmente, mas sim, o que o sujeito considera de recurso seu que se identifica com a
exigência onde ele se propõe. Ex: quando alguém vive com sua família, ele precisa se
adequar às normas acordadas moralmente no grupo, porém, perante algumas normas ele
conseguirá significar como importante e a outras apenas acatará (existindo a
possibilidade de subvertê-la). A norma que o ser psicossocial considera importante (por
alguma razão social e subjetiva), por mais que ele ainda não tenha refletido sobre ela
antes (apenas a incorporou como regra), ao necessitar cumpri-la, ele concorda que
precisa mudar a si para exercê-la. Isso ele considera conduzir-se eticamente.
Viver em um grupo exige que você atenda a norma de como não se apossar do
que é do próximo sem a devida autorização dele, porém, se na constituição psicossocial
do sujeito ao longo dos seus anos de vida, este valor não seja uma prioridade, atender
essa norma poderá se tornar um sacrifício, ao passo que para outros sujeitos que
significaram a importância desse valor e a concordância com ele, esta tarefa poderá ser
bem mais fácil.
Algumas constituições psicossociais de determinados sujeitos masculinos e
femininos não significaram a alteridade como um valor, incorporaram apenas regras de
que não se deve prejudicar o próximo, embora não reflita que o próximo é uma unidade
33
diferente e, portanto, não necessariamente necessita corresponder às suas expectativas
ou proceder da maneira como você exige. Quando o sujeito acata apenas o que não se
deve fazer, pois é proibido, pode não se identificar com a regra, embora não reflita ou
atribua a essa regra significações suas. Deste modo, não a prioriza porque não se
identifica com ela. Essa compreensão defende que quando as pessoas não agem de
forma ética, elas não estão adotando tal postura simplesmente porque desejam ser
antiéticas, mas porque elas não a significam como prioritária para si e para o outro. Por
esse motivo, a reflexão ética é tão suscitada na contemporaneidade como uma
necessidade para dar sentido às relações e ao proceder, visto que historicamente, com as
relações de produção capitalista, a convivência com o outro passou a se caracterizar
cada vez mais pelo individualismo, e aquilo que é estritamente relacional passou a ser
pensado como complexo, distante e evitado.
Outro elemento constitutivo da ética segundo Foucault é o modo de sujeição. O
modo de sujeição se refere à maneira como o sujeito se relacionará com a regra, ou seja,
o modo como ele a significa para a forma prática. Ele se submeterá a ela avaliando os
fatores que serão mantenedores da submissão dele a ela. Ele refletirá a importância que
a submissão àquela regra gera para ele e concluirá a maneira como se sente ao escolher
cumpri-la. Ele a manterá ou não, se o cumprimento dela o classificar positivamente em
seu meio social, fomentando sua autonomia por fazer as escolhas adequadas para si e
para seu grupo. Em famílias onde o reconhecimento de atitudes éticas não é priorizado
ou fomentado de algum modo, os componentes podem não ver sentido em sustentar tal
submissão. Porém, há também a possibilidade de, se ele significar a importância da
atitude ética, apesar de seu grupo não a reconhecer, poder buscar grupos que
compartilhem com ele a importância de estar submetido a tal regra.
Um exemplo é o fato de adolescentes autores de ato infracional manter atitudes
éticas em grupos sociais que não o seu grupo familiar, mas por se sentirem reconhecidos
e por significar como importante tal atitude, eles se mantêm submetidos, mesmo não
incentivados por sua educação familiar (muitos saem de casa cedo por não se identificar
com as regras familiares e se identificam com regras dos grupos de rua ou de projetos
sociais que se envolvem, nestes outros grupos eles compartilham atitudes éticas como a
proteção mútua e a cumplicidade em serem adolescentes e por isso, compreenderem as
demandas uns dos outros). O mesmo acontece com homens que se sentem mais à
vontade para se expressar em grupos masculinos do que no âmbito do lar.
34
O terceiro elemento é a ascética (a prática de si). A ascética se refere ao trabalho
ético, trata-se do esmero que o sujeito faz para se transformar de modo que se sinta
sujeito moral pelo seu protagonismo orientado pela identificação com a regra dada. Ele
realiza uma transformação de si onde reflete suas condutas que o levam a ser ético, de
modo a buscar entender os recursos subjetivos que o dificultam na constituição moral de
si, bem como, reconhecendo seu potencial diante de suas demandas para agir de forma
ética. O sujeito reflete a si e suas relações, ele não se sente estritamente obrigado a ser
um sujeito moral, ele significa a necessidade disso para si e para o outro, desta feita, não
precisa exercer um auto-controle, ele avalia suas intenções e as ressignifica de maneira
autônoma e ao mesmo tempo relacional e sensível. Candiotto (2013) afirma que a
ênfase na proposição de Foucault (1984, p. 42) ocorre sobre os “exercícios pelos quais o
próprio sujeito se dá como objeto a conhecer e as práticas que permitem transformar seu
próprio modo de ser”.
Menciona-se como exemplo do trabalho ético a renúncia de uma identidade
masculina à sua vida social (a exigência da vida social está inclusa no normatizador
patriarcal), quando é demandado a administrar junto com seu parceiro ou parceira a
proteção e educação de um filho. Trata-se de uma regra moral o fato dos pais serem
responsáveis por prover o filho, mas para alguns pais, isso não se trata de uma
obrigação e sim uma necessidade autônoma do sujeito, essa transformação de si por
muito tempo foi majoritariamente desenvolvida por mulheres e contemporaneamente,
tal exercício moral vêm se estendendo cada vez mais ao trabalho de si masculino. Esse
processo é transpassado pela transformação ocasionada por movimentos feministas e da
diversidade sexual que reconhecem que a educação dos filhos é de responsabilidade dos
pais e não papel de apenas um componente do casal, visto que uma criança necessita do
trabalho de si de ambos.
Por fim, o quarto elemento é a teleologia do sujeito moral. A teleologia do
sujeito moral se refere ao objetivo a ser alcançado pelo trabalho de si, a categoria de
sujeito moral. O objetivo de se chegar à condição de sujeito moral seria alcançar o
discernimento, a parcimônia, a evolução da alma ou pureza (hermenêutica cristã), a
vivência desprovida das angústias causadas pelos impulsos desmedidos e não refletidos
que causam os conflitos.
As longas relações de cumplicidade entre casais idosos, tão questionadas pelas
pessoas, podem ilustrar a teleologia do sujeito moral. Muitos casais de idosos que vivem
cerca de 40 ou 50 anos juntos afirmam que o que os mantém por tanto tempo juntos é o
35
fato de um ser companheiro do outro e escolherem viver a relação ao invés de dividi-la
com os desejos infindos propostos pelo mundo contemporâneo. Muitos deles afirmam
que viver assim é simples e gratificante para ambos. Pelas condutas negociadas como
éticas entre eles, o casal se transforma para si e para o outro, renunciando ao tão
necessário para si e se gratificando com a relação. Essa não seria uma fórmula para
relacionamentos duradouros, mas uma possibilidade para tentar compreender as
possibilidades dos sentidos de ética nas relações. Se aquilo que o sujeito considera ético
não é negociado com o outro, o trabalho de si em ambos pode destoar do objetivo
relacional e a teleologia do sujeito moral de cada um não funcionar para o casal.
Candiotto (2013) cita Foucault (1984, p. 42) para argumentar que um dos
desafios da ética por Foucault trata-se do sujeito “fazer da própria vida e pensamento
obras de arte e objetos de elaboração cuidadosa”. Candiotto (2013) afirma também que
o
trabalho
de
si
coincide
com
a
solicitação
fundamental
filosófica
da
contemporaneidade indicada por Foucault (1994, p. 571) a “crítica permanente de nosso
ser histórico”.
Esse projeto lançou a possibilidade de reflexão do projeto moral da sociedade
contemporânea de forma a pensar o que é considerado ético em cada relação.
Necessita-se discutir as éticas utilizadas pelas pessoas para se alcançar a condição de
sujeito moral, de forma a pensar que o sujeito pode ter condutas éticas diferentes do
padrão social para alcançar um status moral. No processo para a condição de sujeito
moral, há a necessidade de transformar a si por condutas éticas que tenham a ver com o
próprio sujeito e suas intenções para o social. O sujeito moral é construído
psicossocialmente, então considerar apenas as regras sem levar em consideração os
aspectos subjetivos pode ser uma tarefa vã e incompleta para a compreensão de
problemas como a violência e o cuidado de si. O sujeito é construído socialmente, mas
também num concomitante trabalho de si. Assim, ele é formado socialmente ao passo
que transforma a si. Ele é criado, mas também cria a si.
Propus refletir a ética nas relações sob a perspectiva dos sujeitos masculinos
porque acredito que para buscar compreender os principais problemas que envolvem os
homens e suas relações (consigo e com o outro), necessita-se realizar abordagens mais
analíticas de gênero que incluam nesse procedimento o estudo da dimensão ética que
oriente as relações enquanto estas se constroem. Tal abordagem contribuiria para a
reflexão sobre como as relações vão se construindo sob as negociações dos envolvidos,
de modo que ambos precisem realizar “o artesanato do cotidiano do pensamento como
36
tarefa indispensável diante das identidades forjadas pelos padrões comportamentais já
estabelecidos” (CANDIOTTO, 2013, p.232).
Podem existir fatores bem mais complexos e desconhecidos na construção das
relações masculinas que ainda não são acessados pelos estudos contemporâneos de
gênero e seus paradigmas, por esse motivo vêm se avançando os estudos de gênero
como categoria analítica cada vez mais relacional. Em vista disso, Nolasco (1995) já
aponta alguns caminhos ao afirmar que é prejudicial acreditar que o machismo é apenas
uma ideologia machista3, visto que as relações sociais também são perpassadas pela
ideologia da classe dominante. Ou seja, apontar o machismo como argumento exclusivo
para explicar as problemáticas de gênero como a violência é extirpar da discussão
dimensões múltiplas intrínsecas ao processo como economia, política e códigos
culturais.
1.4. Do feminismo ao estudo das masculinidades – o desenvolvimento da questão de
Gênero
Os estudos de gênero iniciaram no final dos anos 80 a partir do avanço dos
movimentos feministas que reivindicavam a igualdade de direitos entre homens e
mulheres. O movimento feminista se destacou no século XIX, mais precisamente nas
décadas de 60 e 70 e foi classificado em gerações do feminismo. De acordo com
Machado (1992), a primeira geração lutou pela igualdade de direitos entre homens e
mulheres (com ênfase na diferença entre ambos), a segunda reivindicou as diferenças,
inclusive, entre os próprios homens e entre as mulheres e a terceira, classificada pela
autora como a “virada epistemológica”, que cunhou o conceito de gênero.
Pedro (2011) reflete a classificação das reflexões feministas em ondas incluindo
dimensões históricas, culturais e sociais que se implicaram no desenvolvimento dos
estudos feministas até o cunho do termo “relações de gênero”:
O machismo “pode ser definido como um conjunto de crenças, atitudes e condutas que repousam sobre
duas idéias básicas: por um lado, a polarização dos sexos, isto é, uma contraposição do masculino e do
feminino segundo a qual são não apenas diferentes, mas mutuamente excludentes; por outro, a
superioridade do masculino nas áreas que os homens consideram importantes. Assim, o machismo
engloba uma série de definições sobre o que significa ser homem e ser mulher, bem como toda uma forma
de vida baseada nele” (CASTAÑEDA, 2006, p. 18).
3
37
Nas narrativas do feminismo existe a noção de que essas ideias têm formado
várias ondas. Na Primeira Onda (final do século XIX e início do XX), as
mulheres reivindicavam direitos políticos, sociais e econômicos; na Segunda
Onda (a partir da metade dos anos 1960), elas passaram a exigir direito ao
corpo, ao prazer, e lutavam contra o patriarcado. Assim, nos anos 1970, a
categoria seria a de “mulher”, pensada como a que identificaria a unidade, a
irmandade, e ligada ao feminismo radical. Os anos 1980 seriam aqueles
identificados com a emergência da categoria “mulheres”, resultado da crítica
das feministas negras e do Terceiro Mundo. O feminismo dos 1990 seria o da
categoria “relações de gênero”, resultado da virada linguística e, portanto,
ligada ao pós-estruturalismo e, por fim, à própria crítica a essa categoria,
encabeçada por Judith Butler. (PEDRO, 2011, p. 271)
Perante tal processo histórico-social das produções que buscam iluminar as
relações de gênero, vêm-se destacando o surgimento dos estudos das masculinidades
desde os anos 90 – os chamados Men`s Studies. Os estudos feministas mobilizaram os
estudos de gênero e ambos desvelaram possibilidades de pensar também as
masculinidades. Esse processo vem ressaltando cada vez mais a possibilidade de refletir
gênero não só em suas polarizações do feminino e masculino, mas na dialética que
confere à questão de gênero o seu caráter relacional.
As conquistas femininas – a partir do avanço de suas participações nas esferas
social, política e econômica – mobilizaram questionamentos quanto aos atributos que
diferenciam ou legitimam as performatividades de gênero. Tal processo gerou crises
quanto à significação do que é ser masculino. Estas reflexões vêm impulsionando os
estudos de gênero e mais recentemente o estudo das masculinidades.
No Brasil, a partir dos anos 90, vem se ampliando a inclinação aos estudos sobre
masculinidades. A masculinidade por muito tempo, representada por características
universais e cristalizadas. Esta apontava principalmente o masculino como dotado do
poder, da força, da rigidez e da insensibilidade. Porém, com o avanço dos estudos das
masculinidades, passou a ser discutida e diversificada. Quanto ao que seria a
masculinidade, os estudos vêm ampliando cada vez mais os estudos de gênero ao
apontar o sentido polissêmico do termo masculinidade. Nesse contemporâneo processo
de construção epistemológica dos estudos de gênero, a abordagem de caráter analítico
questiona o caráter essencialista dos estudos tradicionais e defende perspectivas que
priorizem o estudo da construção social das identidades de gênero considerando os
contextos sociais e históricos que distinguem as vivências das identidades de gênero.
Porém, de acordo com Medrado (2002), o estudo das masculinidades ainda passa
por processos de sistematização, visto que ainda estrutura sua discussão teórica,
epistemológica, política e ética sobre o assunto. De maneira a produzir uma
38
sistematização dos estudos, Robert (Rayween) Connell, Jeff Hearn e Michael Kimmel
publicaram, em 2005, o Handbook of Studies on Men and Masculinities. A obra
apresentou o chamado "desenvolvimento do campo de pesquisas sobre masculinidades".
De acordo com os autores, o campo é fundamentado através de produções com objetos
diferenciados: 1. a organização social das masculinidades; 2. a compreensão da maneira
como os homens pensam e expressam "identidades de gênero"; 3. as masculinidades
como produtos de interações sociais entre os próprios homens e entre eles e as
mulheres, a partir de uma dimensão relacional de gênero; 4. o modo como as
masculinidades se constroem nas relações.
Foi exposta tal leitura histórica e apresentou-se tal construção epistemológica
dos estudos das masculinidades para ressaltar o processo histórico-social que mobilizou
as discussões de gênero a partir da perspectiva feminista e que, de maneira dialética,
ressaltou as reflexões do masculino e contribuiu com a reflexão das relações de gênero.
Contemporaneamente é possível discutir sobre as masculinidades pensando-as,
sob a contribuição de Connell (1995), como a construção social das performances
masculinas nas relações de gênero. Tal orientação permite utilizar nessa proposta de
pesquisa o termo “sujeitos masculinos” para se referir a homens e identidades
masculinas ao passo que os sujeitos masculinos se assentam em identidades que, para se
caracterizarem masculinas, independem da dotação de um pênis.
1.5. Masculinidade (s) – múltiplas identidades masculinas na contemporaneidade
O estudo das masculinidades propôs-se a evidenciar as identidades masculinas,
suas maneiras de significar e agir nas relações e reivindicar compreensões mais
analíticas e menos generalistas quanto às representações do masculino nas relações de
gênero. Esses estudos têm revelado que os sujeitos masculinos podem ser mais do que o
código de poder do machismo e podem se representar como vivências diversas e (por
que não?) contraditórias.
Heilborn (1994) argumenta que os estudos de gênero avançaram e apresentaram
o termo: “Masculinidades”, ou seja, distintos e co-conviventes identidades masculinas.
Tal conclusão revela que as Masculinidades se constituem em aspectos históricos,
culturais e sociais que realizam arranjos relacionais que distinguem as vivências
masculinas e abrem possibilidades para a diversificação do que se considera masculino.
39
Concebendo-se as masculinidades como processos de construção social das
identidades masculinas, é possível compreender que a identidade masculina não é algo
fixo e cristalizado. Desta feita, o argumento hegemônico para se descrever os sujeitos
masculinos se faz incompleto se, por si só, procura caracterizar o que é ser masculino.
A masculinidade “não é algo que se adquire para sempre, ela tem que ser
conquistada e re-conquistada” (CARMO, 2010, p.7). Dotar-se de um pênis não é o
atestado da identidade masculina, o masculino é construído e permanece em processo de
legitimação sempre. Por tal motivo, os meninos, rapazes e senhores necessitam
sustentar suas identidades a cada ato, a cada escolha e para isso se exige deles que
atendam e cumpram a expectativas e papeis pré-determinadas para então serem
considerados como identidades masculinas. Além disso, a identidade masculina é uma
atribuição psicossocial que a pessoa faz a si, desta feita, pessoas de ambos os sexos têm
o direito de considerarem-se como identidades masculinas independentemente de serem
dotadas do órgão genital atribuído biologicamente (e tradicionalmente) ao sexo e
consequentemente de maneira generalizante, ao gênero.
Contudo, com o avanço das conquistas femininas e das distinções entre as
vivências masculinas, a assunção de identidades masculinas hegemônicas torna-se um
alto custo aos homens. Como as performatividades masculinas foram elaboradas a partir
de uma construção social, histórica e cultural, elas podem se cristalizar com o passar dos
anos e se defrontarem com novos acontecimentos que exigem das sociedades e dos
sujeitos, novas relações. Assim, sustentar um conceito de masculinidade tradicional e
hegemônica em tempos de feminismo e capitalismo trata-se de uma tarefa árdua,
dolorosa e incessante. Desta feita, propus a partir deste projeto lançar outros olhares
sobre os homens, que vêm sendo discutidos pelos atuais estudos de gênero e por estudos
de seu próprio objeto. Busca-se unir tais estudos objetivando uma abordagem mais
analítica e relacional da questão.
Carmo (2010), se referindo às ideias de Badinter (1993), contribui explanando
que o feminismo não se trata do único desencadeador da famigerada “crise da
masculinidade”. Esta “crise” vem se desenvolvendo nos anos 80 e se delineia a partir de
dois fatores: o feminismo (e o questionamento feminino por direitos iguais) e o
capitalismo (e seus mecanismos exclusórios da economia de mercado). O movimento
feminista empoderou as mulheres pela luta por seus direitos e questionou a hegemonia
masculina, já o capitalismo e suas consequências de produção como o desemprego
(causado principalmente pelo exército de reserva e pela distribuição deficitária de
40
renda) assolam os sujeitos masculinos por subtraírem deles um dos recursos centrais da
construção de suas masculinidades, o trabalho. Como ser agora o detentor da palavra de
ordem? Como ser agora o provedor?
Além dos fatores mencionados, reflete-se também a questão da sexualidade
como outro recurso central na construção da masculinidade e na manutenção das
relações de gênero. Dentre as possibilidades de conceituar a sexualidade, Louro (2001)
afirma que a sexualidade é uma inscrição cultural e plural, não se trata de algo natural, a
sexualidade é o que confere historicidade e sentido ao corpo visto que atribui
identidades a ele. Desta feita, os corpos recebem sentidos socialmente. A própria
construção das identidades de gênero é cultural e histórica, visto que se dá em um
contexto e em uma cultura, sendo representação desta.
A sexualidade é uma das dimensões que orienta a construção das relações de
gênero, e assim também a constituição das identidades de gênero. A sexualidade é
significada nas relações pelas experiências num dado contexto social e histórico. As
experiências masculinas e as femininas constituem-se como identidades que dão sentido
ao prazer e configuram as regras e processos da vivência da sexualidade. Assim, os
sentimentos, valores e normas acordados na sexualidade orientam e são orientados pelas
relações de gênero. De acordo com Carmo (2010) a sexualidade trata-se de “uma
elaboração social”, uma elaboração que inclui os campos de poder e que revela o
contexto sócio-político de seu tempo.
A cristalização dos papéis de gênero submete sujeitos masculinos e femininos a
papeis que não os caracterizam em seus contextos histórico-sociais, tornam-se meras
reproduções hegemônicas e com sentidos antagônicos. Refletindo a construção social
das performatividade de gênero é possível pensar em vivências masculinas e femininas
mais libertárias e dialéticas em suas possibilidades e não apenas em suas limitações. Os
papéis de macho e fêmea tornam-se fardos dolorosos e insustentáveis ao passo que se
tornam prejudiciais a uma vivência satisfatória de gênero, tanto para sujeitos masculinos
quanto para femininos. Para ilustrar tal situação, explana-se a masculinidade
hegemônica.
As novas socializações têm se construído por encadeamentos de uma
globalização política, econômica e cultural, tais processos suscitam mudanças nos
papeis de gênero e na cultura, visto que exigem das identidades de gênero, novas formas
de se relacionar. Porém, nem todas as performatividades se implicam nestas mudanças.
A rapidez e a multiplicação intensa da construção de sentidos de identidade de gênero
41
envolvem os sujeitos masculinos e femininos em processos de constantes reflexões de
seus pensamentos, atitudes e seus desejos, porém nem todas as identidades de gênero se
identificam com isso e se dispõem a viver a velocidade e características desse processo.
As mudanças nas vivências da identidade de gênero são significadas de maneira
negativas, inferiorizadas ou não são significadas por homens que idealizam determinada
vivência de masculinidade e posicionam-se a favor do conceito tradicional e
hegemônica do que é “ser homem”. Esse caráter rígido de significar a vivência da
masculinidade constrói um perfil de masculinidade com lógicas relacionais baseadas na
heterossexualidade, comportamentos de evitação a traços que se assemelhem ao
feminino ou a homoafetividade e interpretações excludentes daqueles sujeitos que
performam masculinidades que não se enquadram na masculinidade hegemônica
cunhada por Connell (1987).
Ressalta-se que é preciso compreender as significações que mobilizam o sujeito
a sustentar essas performances hegemônica, visto que na contemporaneidade essas
vivências de masculinidade continuamente experimentam embates com as novas
sociabilidades e com os novos contratos afetivos. As mulheres mudaram, o mundo
mudou, as vivências de sexualidade mudaram e os homens também, assim, as
identidades masculinas hegemônicas sofrem um alto preço para sustentar tal vivência.
Em vista disso, advoga-se que é necessário buscar compreender o que há mais
por detrás dos processos masculinos que buscam custosamente sustentar a hegemonia
de suas identidades, pois acreditar que eles meramente lutam por um status de “macho
imponente” trata-se de uma opção paradigmática rasteira, sendo que os processos que
envolvem a masculinidade hegemônica tem se demonstrado como sérios desafios ao
pensamento contemporâneo no que tange à proposição de políticas públicas (Saúde do
Homem e Enfrentamento da violência contra a mulher) e produção de gênero (nas mais
diversas áreas).
Além da masculinidade hegemônica, mencionam-se outras vivências do
masculino. Bento (2013) discute a construção da masculinidade e explana sobre como
os estudos dos homens vêm se preocupando em delinear os processos sociais de
construção da masculinidade relacionando tais processos a contextos sociais específicos.
Ao se referir aos entrevistados por sua pesquisa, a autora os define como
42
“Masculinidades Críticas” 4 , caracterizando-os como homens que apresentam uma
reflexividade na construção de suas masculinidades. De maneira não generalizante, a
autora define a masculinidade crítica na tentativa de agregar a multiplicidade às
conceituações de masculinidade.
Welzer-Lang (2001) afirma que o contexto social dos homens se transformou e
que algumas masculinidades classificadas como “progressistas ou igualitaristas”
assumem a necessidade de mudanças nas relações de gênero e por isso, reformam suas
identidades masculinas de maneira a alcançar relações mais satisfatórias e libertadoras
para ambas as partes. Assim, esses sujeitos masculinos:
[...] se encarregam totalmente ou em parte do trabalho doméstico,
particularmente quando eles vivem sozinhos. Aqueles que lutam com as
mulheres pela paridade na política, aqueles que confrontados ao duplo
standart assimétrico do limpo e do sujo ou do amor tentam negociar, a
qualquer preço, um entendimento igualitário com as mulheres. Há também
aqueles que foram criados na mixidade e se confrontaram muito cedo com a
necessidade de encontrar uma forma comum com suas amigas mulheres,
algumas centenas de homens pró-feministas... (WELZER-LANG, 2001, p.
469)
O autor afirma que a caracterização “pró-feminista” foi eleita pelos homens e
mulheres que participavam do colóquio do GREMF no Québec em 1996. O evento
tinha o objetivo de agrupar homens anti-sexistas e masculinistas e propunha a
solidariedade dos homens com as análises feministas, destacando que era de
exclusividade delas a classificação “feminista”. Os sujeitos pró-feministas, que também
receberem influências do pró-feminismo europeu, problematizam a opressão das
mulheres e a alienação dos homens.
Explanou-se sobre diferentes performatividades masculinas no intuito de lançar
perspectivas mais analíticas e ao mesmo tempo mais abrangentes sobre o que se trata ser
a vivência masculina e o reflexo disso nas relações de gênero. “É necessário repensar e
reinventar as concepções vigentes de masculinidade e das relações de gênero… Não há
o que legitime o que é ser masculino, há uma identidade masculina construída”
(NOLASCO,1995, p. 28).
As mudanças sociais, históricas e culturais que vêm se refletindo na construção
das identidades masculinas são processos dialéticos à construção das identidades
4“Crítica no sentido de que há uma reflexividade tanto no modelo inculcado na socialização primária,
identificado como tradicional e hierárquico, como uma negação e até uma repulsa, por parte dos
entrevistados, dos homens que atualmente performatizam esse modelo”, Bento (2013, p.88).
43
femininas. Assim, realizar estudos das masculinidades sob abordagens apenas de
dimensões do “mundo” masculino, trata-se de uma estratégia superficial e limitada
frente às possibilidades de refletir as masculinidades em co-construção com as
feminilidades em um determinado tempo histórico e em uma dada sociedade.
Deste modo, nesta pesquisa propus estudar os sentidos de ética nas relações sob
a perspectiva dos homens, pois se acredita que as relações não se limitam às
performatividades de gênero (masculinas ou femininas), e sim se estendem à dança das
negociações de sentidos que envolvem todas as demais relações significativas na
história de vida do sujeito como: relações auto-reflexivas, de paternidade e filiação,
familiares, de trabalho, de amizade, com o sobrenatural, com a sociedade em geral e sua
cultura. As transformações nas performatividades de gênero perpassam “pela construção
de um projeto no qual estará sendo repensado o próprio modelo de funcionamento
político e social em que estão inseridos homens e mulheres” (NOLASCO,1995, p.181).
1.6. Gênero, Masculinidades e Ética nas relações – janelas para pensar a violência
e as relações de gênero da contemporaneidade
Nessa pesquisa foram analisadas as relações que os sujeitos masculinos
apontaram como significativas para eles como as relações familiares, conjugais, de
amizade, paternidade, de trabalho, dentre outras. Por questões metodológicas de
exposição da discussão ética nesse projeto, toma-se neste momento a relação conjugal
como cunho de análise para refletir sobre possibilidades de relacionar gêneromasculinidade-ética nas relações.
As relações de gêneros se baseiam na construção dialética das identidades de
gênero masculinas e femininas. Praun (2001) contribui afirmando que o conceito de
gênero implica um conceito de relação, uma vez que o universo dos sujeitos femininos
está inserido no universo dos homens e vice-versa. Dessa forma, o gênero acontece
apenas nas relações.
O que o feminismo reivindica e o que o machismo resiste apontam para uma
desconstrução dos significados de relações baseados em sentidos de gênero
cristalizados. As reproduções de tais sentidos cristalizados engessam as possibilidades
de ser do feminino e do masculino. E os estudos de gênero que se utilizam de
generalizações para descrever as identidades impedem a atualização e a discussão
contemporânea sobre as relações e os fenômenos de gênero.
44
O argumento de que o machismo é a causa central da violência de gênero não
está dando conta de compreender a complexidade das relações de gênero e os
contemporâneos processos sociais, históricos e culturais implicados nas relações. O
mundo mudou, as relações mudaram, mas os argumentos resistem em mudar e abrir
frestas para análises que podem mostrar os jogos bem mais complexos, multifatoriais e
abstratos que a violência de gênero pode articular.
Desta feita, se analisarmos a dialética da construção social das identidades
masculinas e femininas, podemos refletir que a violência conjugal, por exemplo, baseiase em relações desiguais, mas também se perpetra por complexas articulações afetivas
feitas entre as pessoas que de alguma forma, não reúnem e articulam recursos
suficientes para desenvolver a dimensão ético-relacional que favoreceria a convivência
ou pelo menos a negociação (as discussões de relacionamento). O machismo e o levante
do feminismo foram construídos na história, sociedade e cultura, desta feita, uma
discussão ética necessita ser priorizada para refletirem-se as sociedades que as pessoas
desejam viver. As discussões éticas dos relacionamentos amorosos, por exemplo, são
fenômenos mais recentes incluídos nas relações de gênero por homens e mulheres
contemporâneos que não querem viver majoritariamente entre tapas e beijos. Os casais
podem viver na modernidade um conceito de relacionamento que não é aquele de
implicações estritamente judaico-cristãs, pode ser para, além disso, o que Giddens
denominou de “relacionamento puro”, onde a pessoa:
Entra em uma relação social apenas pela própria relação, pelo que pode ser
derivado por cada pessoa da manutenção de uma associação com outra, e que
só continua enquanto ambas as partes considerarem que extraem dela
satisfações suficientes, para cada uma individualmente, para nela
permanecerem. (GIDDENS, 1993, p. 68-69).
Muitos deles priorizam aquela que chega a ser ridicularizada e rejeitada por
outros casais, a “DR” – discussão de relacionamento. No “relacionamento puro” há uma
democratização da vida pessoal, onde a relação se desenvolve pela cooperação e pela
responsabilidade mútua. Os componentes do casal são ativos e tem a liberdade de
transformar seus comportamentos e realizar mudanças no âmbito social.
As relações de poder que cristalizam e generalizam as vivências de gênero não
são as únicas causas de dificuldades das políticas em intervir nas problemáticas de
gênero. Na contemporaneidade há outros fenômenos expressados pelas relações que são
produzidos pelas atuais configurações das sociedades. Mencionam-se dois fenômenos.
45
O primeiro é o fato de que as pessoas hoje se utilizam cada vez mais da justiça
para se resguardarem e se apoiam em seus direitos para punir o parceiro pelos
mecanismos legais (exemplo: justiça que coibi a violência contra a mulher). O segundo
é o discurso igualitário que deixa margem para a generalização e cristalização dos
papéis de gênero e que extingue a possibilidade de discutir vivências de identidade de
gênero possíveis e desta feita, complexas. Ilustram-se tais fenômenos nos seguintes
casos.
1º caso: O casal vive uma conjugalidade violenta e ambos só conseguem chegar
a uma solução para seus problemas de casal na delegacia quando o delegado pune o
marido e libera a esposa para voltar a sua casa. Muitos casais hoje têm o mecanismo
legal como único recurso para sanar seus problemas de relacionamento, porém este
recurso tem um custo de liberdade para um e a solidão para o outro. Os delegados já até
caracterizam as mulheres que desejam tirar a queixa de seus maridos para resgatarem a
liberdade dele como “mulher de bandido” ou “mulher que gosta de apanhar”. Neste
caso, um casal que não formula recursos simbólicos suficientes por ausência de
discussões éticas nas relações do cotidiano, só encontra na justiça a única alternativa
para a “solução” de suas brigas. O problema é que a justiça hoje tem o papel imediato
de punir e o que seria uma solução para o casal, vira outro problema maior. Eles querem
deixar de brigar sem apenas se separarem, mas como concederam à justiça a
responsabilidade de resolver o problema por eles, acabam ficando com o prejuízo. A
justiça chama para si hoje o dever de resolver os problemas e escassamente investe em
estratégias para incentivar a discussão ética das relações em todas as suas possibilidades
no próprio âmbito do lar, e isso não deveria ser um papel só da justiça, mas de um
projeto de sociedade proposto por todas as políticas públicas em articulação no país.
2º caso: as campanhas afirmam que o homem não pode bater na mulher por ela
ser “frágil” (argumento das campanhas de conscientização da lei Maria da Penha que
por vezes usam rosas ou objetos delicados para representar uma mulher), quando na
verdade, o que necessita ser refletido é o que sustenta uma relação de violência no casal.
O homem não pode bater na mulher não só porque ela é frágil, mas porque ambos têm
direitos humanos iguais. A própria campanha já representa a mulher como algo inferior,
o que não é verdade. Precisa-se questionar também o porquê de necessariamente a
mulher ser só o lado frágil (sendo ela bem mais que essa generalizante representação),
quando em determinados casos, a mulher é quem consegue trabalhar bastante o dia
inteiro para sustentar a família e apanhou por motivos de ciúme do marido que se sente
46
impotente em casa por seu desemprego e por sua escassa participação na providência
alimentícia dos filhos. O machismo como relação de poder hegemônica é a explicação
central deste caso quando não se atenta para as atuais configurações familiares e para o
sistema de produção capitalista que orienta a economia do país e suas estatísticas de
desigualdade de renda. Tal sistema de produção influi no desemprego e no déficit do
desenvolvimento educacional dos cidadãos. Nas escolas, os cidadãos aprendem matérias
que não os servem e não chegam a discutir assuntos como a ética por ser filosófico
demais para um aluno no ensino médio. É mais proveitoso ao sistema educacional
(orientado pelo capitalismo) que os estudantes estudem para um vestibular, desta feita,
não necessitem atentar para as relações que vivem ou que viverão em sociedade, as
relações não são priorizadas, o mercado e a economia sim.
Por estes arranjos de fatores, a justiça por vezes não dá conta de entender o
porquê de muitas mulheres não conseguirem desapegar-se do afeto e da cumplicidade
com o agressor, por exemplo. Ao invés de apenas fecharem-se portas, haja a
necessidade de abrirem-se janelas para entender a violência de gênero e suas nuances.
Além disso, o extremismo das discussões de gênero pode não favorecer a
desconstrução dialógica da masculinidade hegemônica e do feminismo radical. As
mulheres podem querer viver suas feminilidades pela emancipação sexual e financeira
sozinhas, ou mesmo com um parceiro. Aquelas emancipadas com parceiro podem não
deixar de ser emancipadas por que tem um relacionamento. Os casais podem viver
reflexões éticas suficientes para negociarem seus projetos a dois a partir de seus
contratos individuais para o relacionamento e para seus objetivos próprios.
Mediante a necessidade de tais reflexões, neste projeto abordei os sentidos de
ética nas relações de gênero construídas por sujeitos masculinos que trabalham em uma
construtora. Tal iniciativa pautou-se em aspectos sociais, históricos e econômicos.
Sociais por analisar o contexto social brasileiro que constitui a massa da construção
civil por pedreiros, auxiliares de pedreiros e mestre de obras com escolaridades, renda e
outros aspectos em comum. Históricos por considerar as transformações históricas
ocorridas no país que ocasionaram o desenvolvimento do setor da construção civil nas
últimas décadas. E econômico por se basear nas estatísticas de desenvolvimento do país
a partir da expansão urbana via construção civil.
Elegi o cenário de um canteiro de obras devido o objetivo da pesquisa ter se
focado em participantes de identidades masculinas. O canteiro de obras se caracteriza
47
como um espaço predominantemente masculino, apesar do avanço da participação
feminina neste âmbito do mercado.
48
METODOLOGIA
2.1. Tipo de pesquisa
A pesquisa em Psicologia, orientada em seu papel social, desenvolve-se de tal
modo que teoria, métodos e técnicas devem estar em comum acordo com os fenômenos
psicossociais, priorizando a subjetividade. Isso fortalece a construção do conhecimento
de modo ético e coerente com as demandas da sociedade e com as perspectivas críticas
da área. A psicologia como promotora da cidadania e dos direitos humanos deve fazerse pela pesquisa como uma voz da denúncia das demandas do social, bem como,
defensora das dimensões do processo coletivo. Seu papel social é o de levantar
proposições para a reflexão das políticas públicas e do projeto de sociedade brasileiro.
Para tal, a psicologia vem articulando-se com diversas áreas e abordagens do
conhecimento para lançar alguns diferentes olhares a problemas frequentemente
refletidos pelos mesmos argumentos. Nesse projeto propus refletir dimensões que
constituem as subjetividades nas relações como a história, a cultura e o social. Tal
abordagem suscitou a necessidade de abrir possibilidades de articulação de
conhecimentos com epistemologias e métodos distintos e complementares, preocupados
com demandas semelhantes, mas com abordagens diferentes.
Menciona-se que se utilizou de contribuições da antropologia, sociologia,
filosofia e história para buscar compreender processos sociais imbricados nas relações
49
de gênero e no desenvolvimento ético destas relações. Isso exige que a própria
psicologia reinvente sua epistemologia e seus métodos com contribuições das demais
ciências. Tal iniciativa pode revelar à construção do conhecimento novas possibilidades
de compreender os processos psicossociais e as principais demandas coletivas, que
também são subjetivas, marcadas num tempo e num contexto.
O resgate do individual e da dimensão construtiva do conhecimento adquire
significação essencial no caso da psicologia. O desenvolvimento de uma
epistemologia para os processos envolvidos na construção teórica das formas
mais complexas que hoje se integram à representação do objeto da
psicologia, entre elas a subjetividade, exige identificar e satisfazer as
necessidades epistemológicas subjacentes a essa construção, o que implica
uma referência epistemológica no desenvolvimento de alternativas
metodológicas que, de forma integral, respondam a uma maneira diferente de
fazer ciência. (GONZALEZ REY, 2011, p.26).
Dentro dessa perspectiva, a qualidade científica pode não se restringir ao tipo de
amostra ou da natureza dos dados, mas na maneira como a mesma se articula de
maneira coerente nos aspectos teóricos e metodológicos, adaptando as técnicas e
amostragens de pesquisa ao objeto e objetivos propostos. A pesquisa deve atender ao
social, não somente compactá-lo em dados por técnicas e métodos, é um fazer
implicado. A pesquisa deve dizer sobre o social e não meramente generalizá-lo. Desta
feita, pensei em orientar esse estudo pela pesquisa qualitativa.
A pesquisa qualitativa não corresponde a uma definição instrumental, é
epistemológica e teórica, e apoia-se em processos diferentes de construção do
conhecimento, voltados para o estudo de um objeto da pesquisa quantitativa
tradicional em psicologia. A pesquisa qualitativa se debruça sobre o
conhecimento de um objeto complexo: a subjetividade, cujos elementos estão
implicados simultaneamente em diferentes processos constitutivos do todo,
os quais mudam em face do contexto em que se expressa o sujeito concreto.
A história e o contexto que caracterizam o desenvolvimento do sujeito
marcam sua singularidade, que é a expressão da riqueza e plasticidade do
fenômeno subjetivo. (GONZALEZ REY, 2011, p.50-51).
Considerando a história e o contexto, une-se à orientação da pesquisa qualitativa,
a abordagem sócio-histórica do desenvolvimento humano que compreende tal processo
como dinâmico e multifacetado. Propus uma pesquisa que considerou a dialética e a
história das relações sociais e que atribuiu aos processos de subjetivação pelas
significações a reflexão necessária. Considera-se então que a pesquisa não se
caracterizou como uma coleta de dados, e sim como uma construção de dados, visto que
os dados são um retrato provisório da vivência das pessoas (ROSA, 2002).
A articulação entre a psicologia sócio-histórica e a pesquisa qualitativa pode
possibilitar um tratamento de dados que mais se aproxime da dimensão psicossocial do
50
participante. A perspectiva qualitativa pode ser utilizada como uma via de acesso à
maneira como se processa mentalidades singulares e sociais. Segundo Fernando Luiz
Gonzales Rey apud Silva (2004), o estudo de ocorrências singulares é uma
possibilidade importante para a construção teórica de processos sociais, visto que em
cada sujeito, a construção social da mente se faz de maneira única na processualidade de
si, e essa é contínua através das ações dos sujeitos que são concretos e constituem-se em
diferentes espaços também concretos.
Na pesquisa qualitativa, as problematizações não são apenas questões que serão
verificadas como verdadeiras ou não na construção dos resultados. São questões que
emergem e que podem ir se transformando no decorrer da pesquisa, isso porque nesse
tipo de pesquisa se está em constantemente processo de transformação e elaboração.
Neste processo de mudança/transformações estão inclusos o pesquisador, os sujeitos
pesquisados e o objeto de estudo escolhido. Paralelamente à eleição do objeto, é
imprescindível compreender que o objeto da pesquisa social é histórico e de natureza
qualitativa. É importante também sempre contextualizá-lo, visto que possui
subjetividade e não está fora do contexto do pesquisador (SEVERINO, 2002).
Quanto à modalidade de pesquisa, essa se enquadrou na modalidade de pesquisa
de cunho exploratório. Tal modalidade se trata de uma investigação de caráter empírico
que objetiva desenvolver o conhecimento sobre um determinado fenômeno para
fomentar discussões importantes sobre questões que envolvam o fenômeno. De acordo
com Marconi e Lakatos (2003, p.188), “as pesquisas exploratórias são compreendidas
como investigações de pesquisa empírica cujo objetivo é a formulação de questões ou
de um problema, com tripla finalidade: desenvolver hipóteses, aumentar a familiaridade
do pesquisador com um ambiente, fato ou fenômeno para a realização de uma pesquisa
futura mais precisa ou modificar e clarificar conceitos”. Considera-se que outros olhares
sejam necessários ser lançados sobre a questão de gênero, principalmente no que se
concerne à ética nas relações, desta feita, propus nesta pesquisa, abordar a construção
ética nas relações de gênero de forma a tentar desvelar nuances até então não incluídas
nas discussões de gênero que abordam, por exemplo, a conjugalidade e as
masculinidades.
51
2.2. Contexto da pesquisa
O estado do Amazonas passa por um desenvolvimento urbano acelerado desde a
instalação do Polo Industrial de Manaus, a Zona Franca de Manaus. A Zona Franca de
Manaus (ZFM) foi criada pela Lei Nº 3.173 de 06 de junho de 1957, como Porto Livre.
A ZFM - A zona franca de Manaus é considerada empreendimento coordenado com o
Plano de Valorização Econômica da Amazônia com o objetivo de desenvolver o norte
do país através da instalação de um polo industrial com incentivos fiscais direcionados a
grandes indústrias nacionais e internacionais que possuíssem o interesse de instalarem
suas produções em uma zona franca, usufruindo de isenções fiscais e outros incentivos.
Dez anos depois, o Governo Federal, por meio do Decreto-Lei Nº 288, de 28 de
fevereiro de 1967, ampliou essa legislação e reformulou o modelo, estabelecendo
incentivos fiscais por 30 anos para implantação de um polo industrial, comercial e
agropecuário na Amazônia. Foi instituído, assim, o atual modelo de desenvolvimento,
que engloba uma área física de 10 mil km², tendo como centro a cidade de Manaus, e
está assentado em Incentivos Fiscais e Extrafiscais, instituídos com objetivo de reduzir
desvantagens locacionais e propiciar condições de alavancagem do processo de
desenvolvimento da área incentivada (SUFRAMA, 2014).
A partir de tal processo urbano, o desenvolvimento da cidade de Manaus foi o
maior da região Norte. Manaus é hoje o 12º maior centro urbano do país (estimativa
IBGE, 2005). A cidade vem se desenvolvendo aceleradamente. A taxa de crescimento
da cidade tem sido maior que a taxa nacional. A cidade recebeu nos últimos 20 anos
inúmeros migrantes de outros estados e a zona urbana da cidade passa por um “inchaço
populacional”. Tal processo tem abarrotado a cidade que cada vez mais amplia suas
zonas periféricas através de uma ocupação desordenada, acelerada e agressiva
(NOGUEIRA, SANSON, PESSOA, 2007).
Este processo histórico trouxe a Manaus um aparato de indústrias e mobilizou o
mercado com empregabilidade e circulação financeira. Não se busca discutir a
efetividade deste “desenvolvimento” trazido por essa estratégia governamental, apenas
se menciona tal processo histórico e econômico para contextualizar as implicações do
desenvolvimento econômico e, consequentemente urbano da cidade de Manaus.
Inicialmente, a infraestrutura da cidade necessitou ser modificada para receber as
indústrias e estas passaram a empregar manauaras e demais habitantes do interior em
funções fabris de operações. A circulação financeira em Manaus atraiu migrantes de
52
outras regiões do país trazidas pelo distrito para trabalharem em funções de gestão das
empresas, bem como, pessoas do interior do Amazonas e demais estados do norte para
as funções de operadores do distrito industrial. Tal processo favoreceu o aceleramento
da urbanização da cidade e intensa ampliação demográfica na cidade de Manaus.
Com o acelerado aumento demográfico e econômico, a cidade passou a
potencializar o ramo da construção civil e o mercado ampliou-se principalmente para as
funções de pedreiros, mestre de obras, profissionais de engenharias, arquitetura, etc.
O desenvolvimento econômico favoreceu o emprego de profissionais de baixa
escolaridade que possuíssem experiência com construção. A formação profissional de
pedreiros e mestre de obras se faz recente em Manaus através de cursos
profissionalizantes. Em sua maioria, durante muitos anos, tais profissionais aprendiam o
ofício de pedreiro e mestre de obras de forma transgeracional ou por “bicos” para obter
dinheiro na adolescência.
Além disso, os incentivos provenientes de políticas habitacionais vêm
desenvolvendo o setor da construção civil, principalmente depois do lançamento do
Programa de Aceleração do Crescimento - PAC em janeiro de 2007. O PAC se trata de
um conjunto de políticas econômicas com o objetivo de acelerar o crescimento
econômico do país. Tais incentivos destacaram o programa Minha Casa Minha Vida,
cujo objetivo era dar moradia para as famílias, renda aos trabalhadores e
desenvolvimento para o Brasil (SANTOS E DUARTE, 2010).
Tais políticas de desenvolvimento e urbanização alavancaram a economia e o
mercado de trabalho em Manaus/Amazonas. A construção civil avançou e empregou
jovens e veteranos pedreiros que constituíram a massa da construção civil na cidade.
Segundo o relatório “Juventude e Trabalho Inserção Produtiva dos Jovens no
Mercado de Trabalho de Manaus” publicado pela Secretaria Municipal do Trabalho e
Desenvolvimento Social – Prefeitura de Manaus (2014), dentre as demais áreas que se
desenvolveram em Manaus, a Construção civil, que respondia por pouco mais de 2 mil
empregos jovens em 2000, e que representava 2,7% do total de empregos jovens,
cresceu em números absolutos e de participação, alcançando 7.386 empregos e 4,4%
dos postos de trabalho ocupados por trabalhadores jovens.
Em Manaus, dentre as obras existentes na cidade, elegi como campo de pesquisa
a obra localizada na Rua do Bombeamento, nº 385, Bairro da Compensa. A construção
possuía engenheiros, mestres de obras, serventes, eletricistas e demais trabalhadores
53
pertencentes à construção civil. Nessa construção, foi possível ter contatos com um
significativo número de trabalhadores.
A obra possuiu 80 trabalhadores entre mestres de obra, eletricistas e serventes,
oferecendo acesso a subjetividades diversificadas. Desta feita, houve a possibilidade de
se abarcar faixas etárias e vivências diversas de forma a contribuir com o que busca os
objetivos metodológicos da pesquisa. A obra construiu um empreendimento de quatro
torres com apartamentos de 69 a 82 m². O empreendimento dispõe de um espaço físico
dividido em quatro ambientes: escritório, refeitório, área de convivência e espaço de
construção.
A construtora forneceu autorização formal à pesquisadora para utilização de seu
espaço bem como apresentou ciência do cunho da pesquisa.
2.3. Os participantes
O pedreiro é um profissional do âmbito da construção civil que realiza a
construção de fundações, paredes e acabamentos. Para tal, o pedreiro deve dominar o
conhecimento sobre a utilização de matéria-prima, de equipamentos e uma série de
ferramentas e técnicas de construção.
No Brasil, segundo estudo realizado pelo DIEESE (2001), a construção civil é
um setor que apresenta certas particularidades dentro do universo produtivo da
economia brasileira, desempenhando um papel fundamental no seu desenvolvimento.
Os dados do IBGE, relativos aos anos de 1998/99, demonstram que o setor responde,
sozinho, por 10,3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional e por 6,6% das ocupações
no mercado de trabalho, sem contar os efeitos positivos da atividade na geração de
empregos ao longo de toda sua cadeia produtiva.
Duarte (2002) em seu relato de pesquisa no mundo da construção civil revela:
Analisar aspectos da economia informal significa compreender o ‘mundo do
trabalho’, onde estão inseridos a maioria dos jovens e adultos pertencentes às
classes sociais subordinadas de nossa sociedade. Significa compreender uma
‘cotidianidade’ permeada, muitas vezes, por relações de exploração e de
submissão. Segundo meus entrevistados, a maioria deles iniciou seus
trabalhos nos canteiros de obra ainda muito cedo, em torno dos dez anos,
encaminhados geralmente pelo pai ou algum parente próximo. Construir a
própria casa ou acompanhar alguém de mais idade para ajudar no serviço,
havia sido a ‘escola’ que todos frequentaram. (DUARTE,2002, p.199)
54
Os trabalhadores da construção civil são a base da urbanização brasileira, e esta
emprega um grande contingente dos trabalhadores mais pobres. A construção civil é
composta, quase que totalmente, por trabalhadores do sexo masculino, com média de
idade superior a dos demais setores da economia, Duarte (2002). Além disso, há uma
baixa taxa de escolarização entre os trabalhadores desse ramo e ela emprega, também,
uma grande quantidade de migrantes e jovens que estão aprendendo um ofício.
55
Quanto à construção social da masculinidade, os homens que trabalham em
obras convivem com riscos e procedimentos cotidianos que os expõem a necessidades
de sentirem-se mais resistentes do que realmente são (masculinidade hegemônica).
Muitos são envolvidos com o consumo de álcool, bem como, na violência urbana, o que
envolve também a violência domiciliar (incluindo a violência contra a mulher e filhos).
Por outro lado, hoje
há o desenvolvimento dos relatos de homens sobre o envolvimento deles em processos
como pais que criam seus filhos sozinhos, que aprenderam atividades consideradas
“femininas”. Apesar de muitos disfarçarem ou negarem as novas dimensões de suas
vivências masculinas, outros reivindicam o reconhecimento de novas masculinidades e
o fim da representação hegemônica do que é ser masculino e do que é ser feminino.
Ser pedreiro ou trabalhar com reparos, trata-se da profissão mais acessível ao
público dos sujeitos masculinos de baixa renda e baixa escolaridade que querem obter
recursos financeiros para se sustentar e sustentar sua família. Vincula-se tal processo à
deficitária distribuição de renda no país, à baixa qualidade na educação pública, ao
escasso acesso dos serviços assistenciais ao público masculino e demais dificuldades
das políticas públicas que ainda são desafios dos governos federal, estadual e municipal
quanto a implicações de gênero na construção e proposição destas.
Em trabalhos realizados com homens autores de violência em Manaus,
compartilho alguns dados. Mediante a necessidade de cumprimento das prerrogativas da
Lei Maria da Penha (Lei 11.340) que prevê a criação de programas de atendimentos a
homens ou mulheres lésbicas autores de violência conjugal contra a mulher, a
Universidade Federal do Amazonas (UFAM) em parceria com a Secretaria de Estado de
Justiça (SEJUS), executou em 2012 uma estratégia de intervenção psicossocial a partir
do projeto “Educação e Atenção Psicossocial a Homens Autores de Violência
Conjugal”.
O projeto era voltado a atendimentos a grupos de homens autores de violência
conjugal contra a mulher, que foram denunciados e cumpriam processos judiciais. O
projeto implementou-se por meio de intervenções junto ao Serviço de Educação e
Responsabilização do Agressor (SARE), desenvolvido pelo Departamento de Direitos
Humanos da Secretaria de Estado Justiça, Direitos Humanos do Amazonas – SEJUS.
Entre os 5 participantes, 4 trabalhavam em serviços informais como pedreiros. Não se
trata de uma estatística fatalista, trata-se de um dado que despertou a atenção da equipe
de trabalho.
56
Silva (2014) desenvolveu uma pesquisa com homens usuários de serviços de
saúde e entrevistou homens que traziam em seus discursos dificuldades em relação aos
cuidados de si. Dos 6 usuários, 4 trabalhavam em funções relacionadas à construção
civil. Nessa pesquisa que investigou sentidos de saúde e modos de cuidar de si de
homens usuários de UBS, uma das conclusões do projeto foi que a maioria dos homens
entrevistados se queixavam de problemas de saúde e eram homens de profissões
relacionadas com construção e reparos.
Os jornais também noticiam diariamente ocorrências de adolescentes que
cometem ato infracional, homens acusados de violência contra a mulher e,
principalmente, vítimas de homicídios urbanos são em sua maioria identidades
masculinas, classificados nas profissões de ajudante de obra, pedreiro e ocupações a
fins.
Tais dados não objetivam associar uma profissão à vivência de vulnerabilidades
pelo gênero masculino, mas sim destacar a relação que aspectos econômicos e sociais
como renda, escolaridade e ocupação, são fatores que caracterizam os processos de
vulnerabilização a qual as identidades masculinas estão suscetíveis em função da
cristalização e generalização das vivências de gênero. Além dos aspectos de gênero,
destaca-se também o papel do capitalismo no processo de precarização do trabalho na
construção civil, tal qual como ocorre nos canaviais.
Nesses novos tempos, ao refletir sobre a sociedade capitalista na
contemporaneidade, E. Dias (2006) diz que: ‘hoje, passado o susto e
eliminada a aparentemente a tendência antagonista internacional, ela pode
revelar sua face real: para os subalternos, a possibilidade de acesso, real e
efetivo, no mundo da política e do bem estar social é quase nula, reduzindoos, abertamente, à pura sobrevivência’ (p. 43). E, é nessa condição de luta
pela sobrevivência que ainda está submerso um número expressivo de
trabalhadores da construção civil, mesmo que isto exija pôr-se em risco
permanente, de sofrer acidentes fatais ou incapacitantes ou mesmo
desenvolver agravos que afetem a sua saúde. Por fim, nos marcos do
capitalismo contemporâneo, continua a ocorrer um desperdício da vida como
apontava Karl Marx ao analisar os primórdios do capitalismo moderno e,
consequentemente, da saúde do trabalhador. (SILVA; MENEZES, 2013).
Escolhi o público da construção civil como participantes para esse trabalho, pois
o campo da construção civil trata-se de uma área de ocupações que são
majoritariamente apontadas como profissões de sujeitos masculinos que são
protagonistas de estatísticas brasileiras negativas. A pesquisa foi aplicada na construção
civil devido essa ser composta amplamente por trabalhadores com identidades
masculinas, por ser evidenciada pelo processo capitalista que orienta a atual economia
brasileira e por representar a massa operária caracterizada nas estatísticas
57
governamentais pela desigualdade social através de dados de exclusão na distribuição
de renda e cidadania.
A pesquisa abordou os participantes em número de três (3) a seis (6) homens
adultos trabalhadores da construção civil. Utilizei o termo identidades masculinas
devido à pesquisa partir da orientação de que as identidades masculinas não,
necessariamente, são homens. A pesquisa considera a identidade de gênero e não parte
de classificações sexuais baseadas em se dotar ou não um pênis.
Utilizei critério de saturação empírica e teórica para definir o número de
participantes abordados. A saturação empírica realiza-se quando o pesquisador verifica
que já possui as informações concernentes aos seus objetivos de pesquisa, já a saturação
teórica ocorre quando a relação entre o campo e o pesquisador não produz mais as
informações necessárias para o construto da teorização objetivada (FONTANELLA,
2011).
O quantitativo de participantes foi definido como um número suficiente para o
acesso a diferentes singularidades, mas ao mesmo tempo suficiente para oferecer escuta
a história de vida de cada um, aos casos de vida destes. Desta feita, o número de
participantes não se caracteriza como amostra estatística, e sim a possibilidade de
estudar casos de vida.
Tal posicionamento se baseia na orientação da pesquisa
qualitativa que aborda os significados e as vivências dos sujeitos em todas as suas
dimensões, contextos e relações.
O número ideal de pessoas a ser considerado na pesquisa qualitativa deixa,
dessa forma, de ser um critério quantitativo, passando a se definir pelas
próprias demandas qualitativas do processo de construção de informação
intrínseco à pesquisa em curso; isso dá uma dimensão teórica a essa questão
que tem sido totalmente ignorada nos marcos da pesquisa positivista
(GONZALEZ REY, 2010, p.112-113).
Partindo de tais compreensões, propus estudar os sentidos produzidos pelos
sujeitos masculinos acerca da ética nas relações de gênero. O estudo dos sentidos como
construções das singularidades inscritas em um social revela possibilidades de
compreenderem-se os processos que constituem as relações e orientam as significações
psicossociais. A dimensão do sentido dos processos psíquicos possibilita chegar ao
geral pelo singular, pois o estudo das singularidades “permite acompanhar um modelo
de valor heurístico para chegar a conclusões que estão além do singular e que são
58
inexequíveis sem o estudo das diferenças que os caracterizam” (GONZALEZ REY,
2010, p.113).
2.4. Instrumentos de construção de dados
Considerando que o instrumento é uma “ferramenta interativa”, Gonzalez Rey
(2011) propõe construir os dados da pesquisa junto com os participantes através da
eleição de instrumentos abertos pautados numa vinculação efetiva entre pesquisador e
participante. Compreende-se que o instrumento pode ser um facilitador para a
construção de dados, e não um descritor direto do conteúdo subjetivo dos participantes,
visto que a relação na pesquisa é considerada como protagonista da construção dos
dados. Desta feita, elegi dois instrumentos de forma a aproximar-se da realidade do
sujeito pela tentativa de conhecer sua situação sócio-econômica e história de vida.
Os instrumentos foram um questionário sócio-econômico e o instrumento aberto
chamado relato de história de vida. O primeiro busca conhecer aspectos da vida pessoal
e social do sujeito a partir de questionamentos sobre sua renda, bairro, estado civil,
filhos, dentre outros, já o segundo objetiva conhecer o sujeito por sua própria história,
pelo que ele tem a dizer, sua história de vida. Esse segundo instrumento pode ser
considerado aberto e bastante interativo por se tratar de uma atividade de relato e
recordações. Acredita-se que a utilização de instrumentos abertos possibilita a
“expressão do sujeito em toda a sua complexidade e aceita o desafio que implica a
construção de ideias e conceitos sobre a informação diferenciada que expressam os
sujeitos estudados” (GONZALEZ REY, 2011, p.81-82).
Elegi o instrumento de história de vida em função de sua possibilidade de
auxiliar na compreensão do sujeito por suas relações como uma dança ininterrupta, de
passos contínuos e ao mesmo tempo de bruscas transformações de ritmos. O que
confere riqueza ao estudo das relações de gênero como acordos (construções éticas) em
encontros e desencontros de pares (são dois sustentados e constituídos por muitos
outros).
A partir do instrumento história de vida, serão explorados temas focais como a
constituição e vivência das relações em geral, sejam amorosas, fraternais, parentais,
dentre outras. Através da história de vida pode-se conhecer a construção do
subjetivo/social através das recordações articuladas às representações e sentimentos
presentes.
59
Recontar trata-se de uma atividade de recordar, reviver e refletir baseado na
constituição presente, o que integra a este, possibilidades de significar o passado em
contribuição reflexiva ao hoje e em prospecções para adiante. “Somente a posteriori
podem-se imputar, aos retalhos caóticos de vivência, as conexões de sentido que os
convertem em ‘experiência’” (SOARES apud PAULILO, 2013).
A partir das histórias de vida perpassadas pelas informações sócio-econômicas
do sujeito, pode ser possível conhecer, pelo que o sujeito deseja expressar, o sentido de
ética nas relações de gênero através dos fatos que considera importante, das pessoas que
fizeram parte de seu desenvolvimento e das relações significativas que constituíram a
orientação do que considera como relações hoje. Buscou-se compreender o que o sujeito
considera como ética em uma relação de gênero, o que constitui esse caráter ético, qual
o sentido ético que mantém, encerra ou mantém e encerra suas relações de gênero.
Objetivei compreender através dos relatos do sujeito as vivências que constituem a ética
que vive nas relações, os fatos, crenças, pessoas e processos que o auxiliam na
orientação sobre como proceder com o outro, como se relacionar com o outro,
relacionando-se consigo.
Devido ao aspecto interacional do relato de história de vida, tal técnica
necessitou de reflexões práticas para que a mesma resultasse no que a pesquisa buscou,
cumprindo os preceitos éticos e construindo-a atendendo às relevâncias acadêmicas e
sociais (para a própria comunidade a ser pesquisada).
2.5. Procedimento de abordagem dos participantes e registro dos relatos de
história de vida
O procedimento de abordagem dos sujeitos masculinos e realização do registro
das histórias de vida seguiram as seguintes etapas:
1. Acreditando-se que “toda pesquisa qualitativa deve implicar o desenvolvimento
de um diálogo progressivo e organicamente constituído, como uma das fontes
principais da produção de informação” (GONZALEZ REY, 2011, p.56), durante
o expediente, interagi com os homens de forma a conhecer suas dinâmicas, suas
rotinas e assuntos gerais, esse procedimento ocorreu durante 4 semanas para
construir vínculos com estes. “O clima da pesquisa é um elemento significativo
para a implicação dos sujeitos nela” (GONZALEZ REY, 2011, p.56). Além
60
disso, expliquei o motivo de minha aproximação em tais momentos. A
pesquisadora percorreu em diferentes dias da semana (incluindo os finais de
semana) todos os andares da obra, todas as unidades em cada andar e todos os
espaços de construção, onde conheceu pedreiros, azulegistas, carpinteiros,
vidraceiros, entre outros profissionais;
2. Em seguida, compreendendo que o sujeito “é ativo no curso da pesquisa, ele não
é simplesmente um reservatório de respostas, prontas a expressar-se”
(GONZALEZ REY, 2011, p.55), abordei alguns sujeitos masculinos, expliquei
os objetivos da pesquisa, os procedimentos dessa e realizei os convites para
participação dos deles na pesquisa. Abordei aqueles que já possuíam o interesse
pelo assunto abordado e aqueles que não demonstraram maiores interesses, mas
que haviam contado partes de suas histórias à pesquisadora;
3. Após os homens terem aceitado o convite, junto comigo, agendaram um dia,
horário e local para a realização da atividade de pesquisa no espaço da obra.
Nenhuma das entrevistas foi remarcada, todas ocorreram nos dias combinados, a
dificuldade encontrada foi obter a atenção dos trabalhadores em meio a muito
trabalho, permaneci horas e horas aguardando um momento de folga ou um
momento menos atarefado de alguns trabalhadores;
4. A atividade de relato de história de vida ocorreu em espaços distintos. O espaço
oferecido pela administração da construtora foi a sala da qualidade, porém,
somente o primeiro relato de história de vida ocorreu na referida sala, pois
percebi que durante a participação do primeiro homem, este não se demonstrou
suficientemente à vontade para falar, chegando a sussurrar em determinados
momentos, foi então que avaliei que a sala não oferecia privacidade necessária
ao participante, pois esta ficava ao lado da sala da administração. Apesar de eu
ter sugerido a troca de sala, o primeiro participante preferiu permanecer onde
estava;
5. Após o ocorrido com o primeiro participante, consegui outra sala, a sala da
segurança no trabalho, foi nesta que os demais participantes conseguiram relatar
suas histórias com maior privacidade.
61
2.6. Aspectos éticos
A construção de dados se respaldou nos procedimentos éticos e recomendações
do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas, bem como, na
resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde que orienta pesquisas realizadas
com seres humanos. Os riscos que podem ocorrer em relação ao participante durante a
pesquisa são a mobilização de conflitos psicológicos negativos causados pela
mobilização emocional durante o relato de história de vida. Se isso acontecer,
encaminharia o participante à Faculdade de Psicologia que oferece o serviço de
atendimento psicológico gratuito no Centro de Serviço de Psicologia Aplicada - CSPA
(clinica-escola do curso de psicologia da UFAM). Quanto aos benefícios, a escuta de
sua história de vida possibilitou ao participante a recordação, o reviver e o refletir de sua
história e relações de forma que ele pôde mobilizar novas atitudes e percepções para
com suas principais dificuldades e potenciais de vida.
2.6.1. Critérios de inclusão e exclusão dos participantes da pesquisa
Os sujeitos masculinos foram abordados e, de acordo com seus interesses em
participar da pesquisa, fizeram a adesão de suas participações nos procedimentos
através de suas ciências via Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE. Os
critérios de inclusão dos participantes na pesquisa foram: possuírem idades a partir de
18 anos e terem vínculo empregatício na obra como pedreiros, auxiliares de pedreiros e
mestre de obras. Além de, essencialmente, interessarem-se na proposta de pesquisa e
concordarem em participar.
Os critérios de inclusão foram eleitos a título metodológico de forma a
perceberem dados construídos na realidade, desta feita, configuraram-se com
necessidades de ponto de partida e limites instrumentais, mas também conferiram
possibilidades de exploração de uma realidade específica e orientam o foco da pesquisa
sobre o que o pesquisador se propôs estudar. Em seguida, alinhados aos critérios de
inclusão, mencionam-se os critérios de exclusão.
Os critérios de exclusão abrangeram aspectos autônomos, legais, institucionais e
logísticos. O não interesse do sujeito masculino pelo assunto e em participar da pesquisa
foi um critério de exclusão autônomo. O critério legal de exclusão foi o homem não
possuir 18 anos ou mais e não assinar a TCLE. O critério de exclusão institucional foi o
62
sujeito masculino não fazer parte do quadro de trabalhadores da obra. A pesquisadora da
obra o termo de autorização para a pesquisa, o que garante a ciência social e o suporte
institucional ao homem. E por fim, o critério logístico de inclusão foi o sujeito
masculino estar impossibilitado de participar da pesquisa no dia da realização da
atividade agendada com ele.
2.6.2. Pedido de autorização junto à instituição
A autorização de utilização do espaço e participação nas atividades cotidianas da
obra foi providenciada via liberação formal da gestão da obra. Mediante termo de
autorização emitido pela construtora, a pesquisadora teve acesso ao espaço da obra para
realização das entrevistas logo que o projeto foi aprovado pelo CEP.
2.7. Análise dos dados
Considera-se que os dados construídos durante a pesquisa são constituídos por
informações expressadas pelos sujeitos, mas também, por elementos que surgem na
interação do pesquisador e do participante no contexto da pesquisa. Desta feita,
compreende-se que o dado é um “elemento que adquire significação para o problema
estudado, o qual pode proceder dos instrumentos utilizados ou das situações imprevistas
que surgem no curso da pesquisa” (GONZALEZ REY, 2011, p.110).
A partir dos discursos dos participantes, explorei os sentidos produzidos por
estes e quanto aos sentidos, compreende-se que eles não são apenas respostas prontas,
lineares e lógicas, mas também, “expressões do sujeito muitas vezes contraditórias,
parciais, que nos apresentam indicadores das formas de ser do sujeito, de processos
vividos por ele” (AGUIAR e OZELLA, 2006, p.228). Desta forma, a análise dos dados
fundamentada pela proposta dos núcleos de significação pôde contribuir com uma
abordagem mais multifatorial e dinâmica dos dados.
No processo de organização dos núcleos de significação – que tem como
critério a articulação de conteúdos semelhantes, complementares e/ou
contraditórios –, é possível verificar as transformações e contradições que
ocorrem no processo de construção dos sentidos e dos significados, o que
possibilitará uma análise mais consistente que nos permita ir além do
aparente e considerar tanto as condições subjetivas quanto as contextuais e
históricas. (AGUIAR e OZELLA, 2006, p.310).
63
A etapa de análise de dados foi realizada a partir da técnica de análise de núcleos
de significação sob a fundamentação da teoria das redes de significações existente na
psicologia sócio-histórica. A exploração das redes de significações existentes nos
discursos possibilitou a compreensão das produções subjetivas via sentidos.
Durante a pesquisa, as histórias de vida foram registradas em diários de campo e
áudios. Anotaram-se as percepções dos entrevistados, reações comportamentais,
afetivas e valorais dos participantes, bem como análises realizadas durante demais
interações. Tais situações observadas e/ou experimentadas durante o desenvolvimento
da atividade de pesquisa contribuíram com o registro do contexto da pesquisa. As
entrevistas tiveram os áudios gravados (perante autorização via TCLE) e transcritos.
Os dados transcritos apresentaram o discurso dos participantes na íntegra, sem
correções ou alterações. Para preservar o sigilo quanto à identidade dos participantes,
atribuíram-se nomes fictícios aos participantes.
Descrevo a partir desse momento o processo de tratamento dos dados
construídos durante a pesquisa. Inicialmente, a partir dos discursos dos participantes,
realizei a construção de pré-indicadores, em seguida após uma outra leitura, aglutinei as
ocorrências de discursos semelhantes, isolei as ocorrências singulares que estavam
intimamente respondendo aos objetivos de pesquisa e ainda, separei discursos que
poderiam ser importantes à discussão complementar das categorias de discussão, tal
etapa se orientou como um “processo de aglutinação dos pré-indicadores, seja pela
similaridade, pela complementaridade ou pela contraposição, de modo que nos levem a
menor diversidade” (AGUIAR e OZELLA, 2006 p.230).
Enfim, neste exercício, consegui concatenar os discursos em uma estrutura
composta de zonas de significação, núcleos de significação e os indicadores. Desta feita,
as zonas de significação compreendiam macro-categorias, os núcleos de significação
seriam as próprias categorias a serem discutidas no trabalho e os indicadores seriam os
argumentos de discussão da categoria.
Munida das histórias de vida transcritas e das anotações resultantes dos diários
de campo, compus uma planilha de dados. A planilha possuía 4 abas, 1 aba de
caracterização dos participantes onde continham informações sócio-econômicas,
informações contextuais do momento em que foi realizado o relato de história de vida
no curso da pesquisa e por fim, o próprio relato da história de vida do participante.
Na aba 2 continha os relatos individuais dos participantes em uma coluna e uma
segunda coluna continha os discursos resumidos em assuntos recorrentes, contraditórios
64
e complementares. A partir da organização dos dados na aba 2, percebi que os dados
informavam uma concatenação dos assuntos relatados pelos participantes. Estes
expressavam zonas de significação que chamei de: indicações éticas, contra-indicações
éticas e reflexões normativas que chamei também de exercício ético.
Percebendo isso, criei na aba 3, um mapa de discursos que foram marcados por
cores diferentes para a visualização das 3 zonas de significação: indicações éticas (na
cor amarela), contra-indicações éticas (na cor vermelha) e reflexões normativas (na cor
verde). Essas colorações foram filtradas de modo que eu as visualizasse isoladamente
para realizar uma mais aprofundada análise, foi quando consegui identificar os núcleos
de significação que compunham as macro-categorias, chamadas de zonas de
significação. Além disso, distribuindo os discursos, foi possível posicionar o que se
tratava de um núcleo de significação e o que se tratava de um argumento que sustentava
o núcleo, o indicador. Verificando essa organização nos discursos, foi possível criar
uma aba de número 4 que seria a estruturação da análise, a partir desta aba foi possível
construir e visualizar tal estrutura que está disposta na Tabela 2 abaixo.
Em suma, os dados compuseram a seguinte lógica: os discursos se organizam em
zonas de significação que resumem os núcleos de significação, sendo que os núcleos
são aqueles que especificam essas zonas, estas últimas resumem os indicadores, e esses
especificam os núcleos. Assim, os dados são categorizações que se resumem e se
especificam ao mesmo tempo. Tentei expressar tal arranjo através da figura 1 abaixo.
Figura 1: Arranjo dos núcleos de significação
65
Esta percepção de resumo e especificação que se complementam, traz bastante à
ideia da sócio-histórica explicada pela rede de significação que demonstra a dialética
das informações construídas pelas pessoas, onde o contraditório se complementa ao
semelhante e ambos se tornam um só discurso, que pode ou não ser linear, mas que diz
sobre si, pela própria pessoa. Ou seja, uma lógica de não lógica. A teoria da rede de
significação assume essa complexidade dos processos de significação, bem como seu
caráter sistêmico, e considera tais dinâmicas uma rica fonte de estudo do
desenvolvimento humano.
A importância da metáfora de rede reside na idéia de relações, de
entrelaçamento, na multiplicidade de fios de interligação em combinações
pluridimensionais. À primeira vista, a complexidade parece ser um fenômeno
quantitativo, por envolver um número muito grande de interações e
interferências de unidades. Porém, como Morin frisa, a complexidade não
compreende apenas quantidades de unidades e interações, mas também as
incertezas no seio de sistemas ricamente organizados; indeterminações,
fenômenos aleatórios, dado que os processos congregam contradições que
são complementares, sem deixar de ser antagônicas (ROSSETTIFERREIRA, 2008, p.152).
A estrutura da planilha de dados foi composta por 1 zona de significação, 5
núcleos de significação e 22 indicadores que se dividem em 3 classificações: indicações
éticas, contraindicações éticas e performatividades de gênero, como se pode visualizar
na Tabela 1. Os 5 núcleos de significação revelados foram refletidos sob a abordagem
da rede de significação. Cada um deles foi mencionado e discutido no capítulo de
resultados e discussão.
66
Tabela 1: Classificações dos núcleos de significação
67
A partir articulação teórico-metodológica descrita nesse capítulo, busquei
compreender a processualidade dos sentidos de ética nas relações de gênero e suas
dimensões constitutivas, contextualizando os homens num tempo, numa sociedade e em
uma cultura, considerando suas vivências e relações, e aproximando-se do que têm a
dizer sobre seus problemas e suas esperanças.
68
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados construídos durante a atividade de pesquisa revelaram 5 núcleos de
significação. Os núcleos fundamentaram os resultados desse estudo e o cruzamento
destes com as histórias de vida estruturou didaticamente a discussão da pesquisa.
Antes de mencionar os núcleos e realizar suas respectivas discussões,
apresentaram-se os participantes da pesquisa e suas histórias de vida. Tais histórias
foram apresentadas inicialmente de forma completa e depois cruzadas aos núcleos de
significação através de seus episódios de modo a fundamentar a discussão do trabalho.
3.1. Caracterização socioeconômica dos participantes
Os participantes da pesquisa foram 5 sujeitos masculinos que receberam nomes
fictícios para o sigilo de suas identidades. Eles possuíam idades entre 32 e 61 anos,
trabalhavam na obra, sendo 1 deles encarregado de obra e os demais pedreiros,
possuíam renda de valores entre R$560,00 a R$3.500, quanto a escolaridade, a maioria
não possuía o ensino fundamental completo, apenas um chegou a cursar o ensino médio,
mas não completou. A maioria dos sujeitos não era natural da capital do estado, sendo
de outros estados ou do interior do Amazonas, 3 possuíam casa própria e 2 viviam em
casa cedida, seus estados civis se distribuíam entre solteiro (1), casados (2) e a maioria
convivia em união estável (2) com suas companheiras, em média possuíam 3 filhos e
69
todos moravam na periferia da cidade. A maioria possuía o hábito de beber, mas não
fumavam.
Na Tabela 2 é possível visualizar a caracterização dos participantes, e a partir
dela, teci análises que entrecruzaram as informações e a constituição psicossocial destes
em suas histórias de vida.
Cada um dos participantes recebeu o nome de cantores que se expressaram como
homens em relações com mulheres através de músicas. Tais músicas se popularizaram e
contribuíram com a expressão de subjetividades masculinas inquietas em suas relações.
Tabela 2: Caracterização dos participantes
Apesar do perfil socioeconômico dos participantes apresentarem diferenças, em
sua maioria apresentaram semelhanças em suas histórias de vida, tais roteiros de suas
experiências apresentam roteiros de afinidades. Existe uma relação negativa entre o
perfil socioeconômico dos participantes e o hábito do consumo de álcool. 4 dos 5
participantes possuem baixa escolaridade e renda relativamente baixa considerando a
divisão desta pelo número de componentes do grupo familiar. Estes participantes
consomem bebida alcoólica, e esta relação os inclui em um perfil populacional de
pessoas que fazem o uso do álcool como socializador e como usufruto de lazer e
descontração. A pesquisa de Abreu (2012) observou elevada prevalência de consumo
nocivo de álcool associado a sujeitos sexo masculino com baixo nível de escolaridade e
de renda familiar mensal.
70
Percebi nesse processo a relação entre a experiência de trabalho na adolescência
e o consumo de álcool. Os participantes em sua maioria relataram que consomem álcool
ou (aprenderam a consumir e não mais consomem com tanta frequência) por motivos
diferentes e os motivos que mais chamaram a atenção foram: o sujeito ter aprendido a
beber sob influência de outros sujeitos masculinos para provar masculinidade e deixar
de ser considerado uma criança, e ainda, beber porque trabalhava muito e “ninguém é de
ferro”. Tais discursos revelam que a relação entre a inserção precoce no mercado de
trabalho e o consumo do álcool, configuram para os homens um arranjo que faz parte da
construção de suas masculinidades, visto que o consumo do álcool pode significar ser
aceito e se tornar igual aos outros em rituais masculinos, além disso, o recurso da bebida
pode ser um método de socialização masculina frente à necessidade de relaxar após um
dia excessivo de trabalho. A bebida seria o que os configura “humanos” frente à
mecanização de suas forças de trabalho na construção civil sob o paradigma capitalista,
e a socialização a partir dela os possibilita criar laços com sujeitos masculinos que
vivem a mesma situação de exaustão.
A recorrência do abandono dos estudos para trabalhar, devido à necessidade de
complementação de renda para sua família, assemelha-os por seus roteiros de vida e
perfil socioeconômico. Deixar os estudos e ingressar precocemente no mercado de
trabalho os trouxe responsabilidades e consequentemente sociabilidades adultas. O
poder financeiro obtido pelo alcance de um salário e a necessidade de um lazer com seu
grupo social os auxiliou a se constituírem como adolescentes precoces na vida adulta, e
o álcool participou desse processo como um integrador social e subjetivo. A visão
sócio-histórica do desenvolvimento dá sentido a essa compreensão, uma vez que nessa
perspectiva, o desenvolvimento humano é caracterizado como um processo contínuo do
nascimento à morte que ocorre em um ambiente cultural e em um código social a partir
de interações com o outro, onde toda pessoa é ativa. (ROSSETTI-FERREIRA et al,
2004).
Um fenômeno psicossocial interessante neste processo repetido pelos
participantes é o fato da maioria destes contarem suas histórias a partir das experiências
de trabalho, todas iniciadas ainda na adolescência. A profissão de pedreiro exercida por
estes participantes os assemelha devido à forma e motivo pelo qual foi incluída em suas
vidas. Todos vivenciaram uma infância pobre com os pais e precisaram complementar a
renda para obterem melhores condições de vida. Não se justifica a escolha da profissão
apenas pelo argumento da necessidade, mas afirma-se que até hoje, a profissão é uma
71
possibilidade de ingresso no mercado de trabalho das grandes cidades sem maiores
exigências de escolaridade ou aperfeiçoamento técnico, trata-se de um campo que se
oferece ao aprendizado da função por necessitar essencialmente de força de trabalho, e
essa se faz para os adolescentes como uma atração para a obtenção de experiências,
visto que são eficientes forças de trabalho devido à saúde, energia e necessidade de
obtenção de um ofício.
O fato dos participantes começarem a contar suas histórias de vida a partir da
adolescência evidenciando suas primeiras experiências de trabalho pode revelar que
para, os participantes, o início de suas histórias parte de suas mais significativas
experiências psicossociais providenciadas pelo trabalho durante a adolescência. Sendo a
infância um evento não tão significativo quanto suas mais consideráveis experiências de
adolescentes que objetivavam uma integração psicossocial ao mundo dos adultos. Tal
processo se constitui como aquele descrito pelas redes de significação que se compõem
a partir de elementos pessoais, relacionais e contextuais perpassados por dimensões
culturais ideológicas e de poder. Um processo de matriz sócio histórica com
implicações de natureza semiótica e polissêmica “a qual tem concretude e se atualiza
continuamente no aqui e agora da situação, ao nível dialógico das relações”
(ROSSETTI-FERREIRA et al, 2004, p.17).
Compreende-se que tal necessidade de contar suas histórias a partir do trabalho
na adolescência revela a centralidade do trabalho nas identidades dos homens. Ou seja,
a função social do trabalho configura suas identidades de gênero. O tornar-se masculino
passa pelo trabalho, como se este tivesse a função de transformar crianças em sujeitos
masculinos, como se a ascensão ao status de homem viabilizasse uma proteção para não
ser desvalorizado ou rechaçado pelos outros homens, visto que se tornou igual a eles,
está no mesmo patamar, não é mais uma criança indefesa, já consegue “sentir o peso”.
O mesmo processo ocorre também com o fato de se constituir uma família, mas isso
será discutido nas sessões posteriores.
Pontua-se que a socialização que postula o trabalho como uma centralidade
trata-se de um processo que remonta a idade clássica, passa por toda a história e se
estabelece com o advento do capitalismo e a sociedade do consumo na sociedade
moderna e contemporânea. Porém, como a força de trabalho se tornou necessidade
motriz do capitalismo, as mulheres foram inclusas nesta massa e as mesmas passaram a
competir com eles nesse mercado, onde eles passaram a dividir com elas essa
socialização. Uns conseguiram lidar com isso de maneira positiva como Chico, e outros
72
nem tanto como Zé. Tal questão também é discutida nas sessões posteriores como
ilustração da abordagem sócio histórica de gênero como uma categoria relacional.
Como exposto anteriormente, na Tabela 2 é possível visualizar os dados sócioeconômicos e complementares dos participantes e também seus contextos na pesquisa.
Além das informações sócio-econômicas e contextuais dos participantes, apresento
neste momento a história de vida de cada um deles em resumo e em seguida passo para
os tópicos que exporão os resultados construídos após a análise dos relatos.
Considero importante o leitor conhecer a história de cada um dos participantes
para acompanhar minhas interpretações das informações construídas sobre eles, e então
também poder refletir na perspectiva da compreensão dos estudos de gênero. Tal é o
ensejo que esse trabalho suscite inquietações e se transforme em pontos de partida.
A seguir, discutirei acerca dos núcleos de significação construídos a partir das
histórias de vida dos participantes e de seus sentidos de ética nas relações de gênero
proferidos em seus discursos. Foi eleito um núcleo de significação no discurso de cada
participante.
3.2. Núcleos de significações
3.2.1. Odair – o acordo como compromisso ético pela relação de gênero.
“Vamos fazer um acordo!”
Odair é um mestre de obras de 65 anos de idade que já viveu 4 relacionamentos
em sua vida. Segundo ele, os relacionamentos o ensinaram a necessidade de se chegar a
consensos com suas parceiras para que as relações fossem satisfatórias. Em cada
relacionamento aprendeu algo diferente através dos tipos de experiências. Antes de
abordar-se o núcleo de significação revelado por Odair, descreve-se sua história de vida.
Odair nasceu em Eirunepé-AM, família de descendência cearense, tem 13
irmãos e teve uma infância boa "porque eu vim de uma família muito, muito boa"
porque "meus pais, minha mãe deram toda a atenção que um filho gostaria de ter",
apesar de ser da "classe pobre", segundo o mesmo. Além disso, brincou bastante com os
irmãos. Os pais eram agricultores, o pai era muito trabalhador e os filhos nunca o viram
com raiva e a mãe era "carinhosa, prestando todos os requisitos que um filho gostaria de
ter também". Aprendeu com os pais tudo de "caráter, de moral, de alegria". Com o pai
73
aprendeu a "ser bom pagador. Não mentir. Ser sério, ser um homem sério. Respeitar
para ser respeitado. Isso eu aprendi com ele". Não vivia atritos com os irmãos. Quanto à
educação "papai herdou tudo dos nossos avós e eu herdei tudo do papai". Orgulha-se de
ser descendentes de cearenses porque o os cearenses são um povo muito sério, gostam
de tudo "direito", isso significa que "no meu caso, por exemplo, eu copiei tudo do meu
pai porque eu nunca vi o papai brigando, eu nunca vi o papai se alterando com ninguém,
um homem que respeitava e era respeitado, sempre pagou suas contas em dia tudo
certinho". Aos 20 anos veio morar em Manaus e estudou até a quarta série. Viveu 4
relacionamentos amorosos significativos, sendo que o primeiro começou no interior e
vieram morar em Manaus, o relacionamento durou 13 anos e não deu certo porque a
esposa o "trocou por outro". O segundo durou 10 anos e acabou porque a esposa
adoeceu e não quis permanecer casada porque "não queria tá com um homem do lado
que ela não pudesse assim... servir ele". A terceira relação durou 4 anos e terminou
porque a esposa não gostava dele, apenas ele dela, Odair afirma que ela "nasceu pra não
gostar de ninguém", apesar de suas tentativas em fazer dar certo, a relação acabou, ela
afirmava que: "eu era um homem que toda mulher desejaria de tá ao lado". Atualmente,
vive com a esposa e duas enteadas há 9 anos. Sobre o atual relacionamento, afirma: "ela
diz que gosta de mim, que me ama. Eu também amo ela. Nós não briga, nós não
discute". Sua esposa foi sua professora. Apesar de estar bastante satisfeito com o atual
relacionamento, gostaria de ainda estar no primeiro: "eu gostaria de tá com minha
primeira família e ter criado todos os meus filhos. Esse era meu desejo”, porque gostaria
de ter feito como o pai "meu pai quis criar todos os filhos. Quis ver chorar, quis ver rir,
tudo isso. E eu tinha o mesmo desejo". Não se lembra de já ter ouvido sobre a palavra
"gênero". Para ele, ética, apesar de não entender muito bem o que seja, significa "uma
coisa séria né!? uma coisa que se leva a sério, mas não tenho o perfil do que é
realmente".
Odair relatou uma história de vida em que recebeu uma educação baseada no
afeto e na cultura familiar cearense que foi transmitida de geração em geração. Seus
pais o educaram com disciplina e carinho, o que pode tê-lo orientado em suas relações.
A demonstração de afeto não foi informada como um problema para o participante.
Palavras como amor, carinho, cuidado e diálogo foram frequentemente usadas por ele
ao se referir a uma relação. Segundo Odair, não há episódios de violência vividos por
ele em suas relações, apenas menciona relacionamentos sem êxitos por motivos
74
externos ao participante, motivos que envolviam principalmente decisões feitas pela
parceira.
Questionei o participante sobre o que ele acreditava ser uma forma de se
conduzir em uma relação para que esta fosse satisfatória para o casal. Entre seus
principais argumentos, Odair destacou a necessidade do acordo entre os dois.
“Como é que nós vamo fazer pra continuar vivendo?” “Porque você gosta de
uma coisa que eu não gosto”. “Eu não aceito o que você faz”. “Eu não mudo,
você não muda”. É conversar pra chegar num consenso. Como nós vamos
viver de hoje em diante? Aí chegar num consenso: “Bem! então vamos fazer
um acordo, vai ser assim”.
O participante defendeu o consenso como um objetivo que deveria ser alcançado
e que produziria um acordo entre o casal para a manutenção da relação.
Complementando seu sentido sobre a ética na relação de gênero, Odair foi preciso ao
destacar a importância do respeito ao direito do outro, e ao seu direito, bem como,
defendeu a alteridade para uma relação satisfatória:
“[...] você tem que respeitar os direitos do seu parceiro e ser respeitado nos
seus direitos. Nossos defeitos, nosso jeito de ser, nossa cor, nossa postura
dentro dos limites legais. Se a gente aprender, no meu ponto de vista, se você
aprender a respeitar o outro, o Espaço do outro e ser respeitado também no
seu espaço da maneira que a gente é eu acho que o relacionamento tudo vai
bem. Acho que todo casal gostaria de ser”.
Ao se referir às contraindicações éticas para uma relação, Odair ressaltou a
ausência de afeto, o individualismo e a falta de diálogo e cumplicidade como aspectos
que dificultam uma relação e impedem a vivência de um relacionamento satisfatório
para ambos.
“Olha, na minha pesquisa (risos), eu acho que é uma falta de afeto dos dois.
A pessoa “eu sou muito eu ela é muito ela”, “ela faz o que ela quer que eu
faço o que eu quero” e aí a gente não se dá bem. No meu ponto de vista não.
No meu ponto de vista, se num conversar, se tiver uma dificuldade não sentar
numa mesa e conversar os problemas e encontrar uma maneira de resolver o
problema junto, pra mim isso faz a separação do casal”.
Odair descreve-se como um sujeito masculino que tem a figura do pai como um
exemplo de masculinidade ideal, sua socialização durante a adolescência e vida adulta
adicionou características à sua identidade de gênero, mas não alterou sua orientação
macro de performatividade masculina baseada no exemplo do pai, pelo contrário,
reforçou-a. O participante se coloca como uma subjetividade de referência às outras
75
pessoas também, assim como, seu pai foi para ele. Para isso, refere-se à seriedade e à
disposição ao outro como suas principais virtudes. Odair descreve-se da seguinte
maneira:
“Ser um homem sério, ser um homem que não gosta de brincadeira, ser uma
pessoa presente em qualquer hora que a pessoa precisar e tá ali pra ajudar,
pra fazer qualquer coisa e mostrar meu perfil de vida, como é que eu sou,
como é meu relacionamento na rua e em casa. Eu tento passar isso pras
pessoas. E daí as pessoas tirem a lição de que precisa”.
Em suma, compreendi que Odair refere-se à constituição de sua masculinidade
como um processo em que aprendeu a ser sério no sentido de coerente, bem como,
disposto às necessidades do outro. Ele expressa que a tradição cearense de ser “honesto”
está relacionada à educação afetiva recebida pelos pais que eram amorosos e
cuidadosos. Além disso, por ser um homem de 65 anos, viveu mudanças políticas e
sociais desde os anos 50 em que se viu o desenvolvimento político e econômico do país
onde homens e mulheres passaram a concorrer no mercado de trabalho e onde os
direitos referentes às causas de gênero se difundiram. Tais processos participaram da
constituição subjetiva de Odair que produziu o sentido de ética tratado aqui como
“acordo”.
As ações das pessoas se articulam pela coordenação de papéis e contra-papéis
que são desenvolvidos nas relações por apropriações dialéticas e criativas dos sujeitos.
Nas interações há o embate de ações, emoções, motivações e significações dos distintos
e múltiplos participantes. O desenvolver se dá através dos consensos e contradições nos
conflitos e crises fundamentais ao processo de constituição das pessoas e das situações.
Deste modo, concomitantemente, “pessoas e rede de significações são contínua e
mutuamente transformadas e reestruturadas, canalizadas pelas características físicas,
sociais e temporais do contexto no qual as interações ocorrem” (ROSSETTIFERREIRA et al, 2004, p.161).
Outro aspecto que discuto é o afeto como cuidado. Odair se refere ao afeto
através de palavras como amor, carinho e cuidado. Compreendi que Odair relaciona o
cuidado ao afeto como aspecto ético para suas relações, visto que sua educação familiar
é considerada por ele como algo que exerceu êxito em seu desenvolvimento subjetivo
nas relações, o que estimula Odair a reproduzir isso em suas relações para que estas
também alcancem um êxito, que seria a satisfação em estar junto do outro. Foucault já
se referia ao cuidado na idade clássica como uma forma de se conduzir
76
satisfatoriamente na relação com o outro. O autor mencionou textos estóicos dos dois
primeiros séculos para ilustrar a transformação do modelo de relação entre os esposos,
que depois de ser uma convenção social, somente se tornou uma “arte de viver casado”
que demandava um cuidado e uma reciprocidade afetiva entre os esposos. O texto
abaixo abordado por Foucault assemelha-se ao sentido de Odair sobre o vínculo
conjugal.
[...] aquele que se preocupa consigo mesmo não deve somente se casar, ele
deve dar à sua vida de casamento uma forma refletida e um estilo particular.
Esse estilo, com a moderação que ele exige, não é definido unicamente pelo
domínio de si e pelo princípio de que é preciso governar a si próprio para
poder dirigir os outros, ele se define também pela elaboração de uma certa
forma de reciprocidade no vínculo conjugal que marca tão fortemente a vida
de cada um, o cônjuge, enquanto parceiro privilegiado, deve ser tratado como
um ser idêntico a si e como um elemento com o qual se forma uma unidade
substancial. Tal é o paradoxo dessa temática do casamento na cultura de si,
tal como foi desenvolvida por toda uma filosofia: nela, a mulher-esposa é
valorizada como o outro por excelência; mas o marido deve reconhece-la
também como formando unidade com ele. Em relação às formas tradicionais
das relações matrimoniais, a mudança foi considerável (FOUCAULT, 2012,
P.164-165).
Em sua principal indicação ética, Odair menciona o consenso como uma
ferramenta para o alcance do acordo entre o casal e tal acordo garantiria a manutenção
da relação. Porém, o participante declara que para tal, existe a necessidade do respeito
ao direito do outro, e ao seu direito. E ao expor o respeito aos direitos, refere-se a si e ao
outro como se defendesse a importância da alteridade para uma relação satisfatória. Em
minhas leituras sobre relações contemporâneas, Giddens (1993), refere-se ao
relacionamento puro como uma relação em que o casal opta em estabelecer um
relacionamento baseado no afeto e experimentando direitos iguais visto que a relação
não se basearia em papéis cristalizados de gênero nem em convenções sociais. Porém,
para tal, seriam necessários o reconhecimento e o respeito aos direitos do outro, além do
afeto como base, por isso classificou esse tipo de relacionamento como “relacionamento
puro”.
Como contraindicação ao relacionamento baseado no afeto, nos direitos e na
alteridade: a ausência de afeto, o individualismo e a falta do diálogo, bem como da
cumplicidade, seriam os aspectos que dificultariam uma relação e impediriam a vivência
de um relacionamento satisfatório para ambos.
Ao defender o acordo para a manutenção de uma relação satisfatória, Odair
acredita que seria possível uma ética para as relações de gênero baseada em direitos
77
iguais, no afeto através do cuidado e no diálogo. O participante indica a possibilidade de
uma relação necessitar de aspectos igualitários e de vinculação em todos os sentidos, o
que revela que pode existir uma contextualização favorável às relações na
contemporaneidade que pode ser refletido e desenvolvido, ou seja, podem existir
educações, socializações, hábitos, direitos, dentre outros aspectos relacionais que
favoreçam vivências mais satisfatórias de gênero que precisam ser pensados, discutidos,
descobertos e experimentados.
3.2.2. Zé – a cristalização dos papéis de gênero como exercício ético para a relação.
“...ela é uma pessoa que eu chego em casa dá aquele amor, aquela força,
aquele coração, aquele respeito. Já fez minha comidinha. Já preparou a
merenda”
Zé é um pedreiro de 53 anos de idade que já viveu 6 relacionamentos em sua
vida. Segundo ele, os relacionamentos não deram certo por falta de respeito, que
segundo ele, seria o fato de suas parceiras não seguirem suas recomendações e suas
necessidades. O motivo do atual relacionamento está dando certo e sendo satisfatório é a
sua companheira não acreditar em “fuxicos” e o esperar em casa com a comida feita,
exemplos de demonstração de amor, segundo Zé. Antes de abordar-se o núcleo de
significação revelado por Odair, descreve-se sua história de vida.
Zé nasceu em Manacapuru/AM, seus pais eram agricultores, a mãe tinha 3 filhos
quando se casou com o seu pai, o pai "era daquela pessoa que o seguinte... que ferro era
ferro e pau era pau. Sabe? Respeitador mesmo!". O participante afirma que o pai
demonstrava carinho pelos filhos ensinando o respeito, com castigos e "peia". Já a mãe,
"pessoa boa, caridosa, cheia de amor sabe?!", que encobria as saídas dos filhos,
enquanto o pai "pai já era diferente. Ele ficava de butuca olhando pra saber a hora que
eu ia chegar... Ele não gostava de enganar ninguém". Apesar de afirmar que viveu uma
infância "não muito boa", refere-se a tal época como uma época que existia respeito em
relação aos pais e aos mais velhos, em que existia a palmatória, a sabatina. Pela maneira
como se referiu, aparenta dar muita importância a tais instrumentos de educação
existentes em sua infância. Ele aprendeu a respeitar as pessoas através dos castigos do
pai "eu aprendi muito. Isso aí me trouxe esse respeito", se não fizesse o que o pai
mandasse, apanhava. Hoje, não educa seus enteados da mesma forma, apesar de achar
que essa seria a melhor maneira, hoje não pode bater por causa do conselho tutelar,
78
então acredita ser melhor conversar. Aos 5 anos pegou uma doença que "dava no juízo
da pessoa" que tira metade do saber da pessoa "aquela sabedoria que você tem de
tabuada, das quatro operações...", mas acredita que "tudo que deus faz é uma coisa que a
gente não pode ir contra deus sabe?! Eu podia ser aquela pessoa sabida, uma pessoa
muito importante, hoje em dia eu tinha carro, tinha moto, tinha isso e aquilo, mas deus
num quis", prefere ser uma pessoa "intermediária" e não rica, pois assim tem alegria
dentro de casa e não é do tipo de "encher o bolso de dinheiro e ser aquela pessoa que
num olha pra ninguém" Na juventude ainda, em virtude de sua idade, não tinha amor
por sua mãe "14 a 16 anos, você num é aquela pessoa que tem aquele amor pela sua
mãe. Eu fiz muito minha mãe sofrer", mas compensa isso dando amor na vida adulta.
Estudou até a quarta série. Aprendeu a beber com 14 anos através das influências das
"Colegagis". Saiu de casa aos 15 para os 16 anos porque queria sentir o peso do
compromisso com uma mulher, queria "saber se era bom mermo. Que meu pai era uma
pessoa que assumia um compromisso sério". Viveu 6 relacionamentos, o seu primeiro
relacionamento foi aos 16 anos quando se envolveu com uma mulher de 32 anos, que
possuía 3 filhos, uma criança de 3, de 7 e de 8 anos. A esposa e as crianças: "veio tudo
pra minha responsabilidade e o compromisso todinho fui eu", e assumiu porque
desejava saber como era esse “peso”, porque como o pai sentia, queria sentir também.
Na juventude, trabalhou bastante, mas perdeu bastante dinheiro porque não "sabia
raciocinar", gastava seu dinheiro com bebida. Ele afirma que brigou bastante na rua por
qualquer motivo e também porque "quando a gente é jovem, nós não queremos perder,
todos nós queremo ganhar". Era rancoroso, mas acredita que seu rancor "era do
inimigo... do capeta". Ao ser jovem, "era que nem o passarinho voando no ar sabe. Mas
só que aquela alegria era por pouco tempo". Deus o livrou das brigas na rua e ao passo
que entrou em um relacionamento com uma mulher, os episódios de brigas na rua foram
diminuindo. Seu primeiro relacionamento durou 15 anos e terminou por motivos de
ciúmes "da parte dela". O segundo durou de 3 a 4 anos e acabou pelo mesmo motivo do
primeiro. O terceiro, o quarto e o quinto relacionamento também terminaram por ciúmes
advindos de suas parceiras. Está no sexto relacionamento há 10 anos, mas já houve
crises nesse atual devido à traição por parte de Zé. É pedreiro há 20 anos e aprendeu
"ralando...Sendo ajudante. Sendo mandado. Sendo enganado pelos meus próprios
colegas". Aprendeu a ser pedreiro para sustentar a família e porque era uma profissão
mais "fácil" de aprender. Nunca ouviu falar nas palavras "gênero" e "ética". Deseja
envelhecer junto a atual esposa.
79
Zé relatou sua história de vida em que recebeu uma educação baseada no
castigo, na rigidez e no respeito por parte do pai, contudo, baseada também no afeto por
parte da mãe. Ao se referir que com o pai “ferro era ferro e pau era pau!”, expos que a
educação familiar recebida na infância e adolescência não era inclinada ao diálogo, mas
sim à rigidez e aos castigos físicos e psicológicos. Sua infância foi finalizada com o
trabalho pesado e sofrido através de “bicos”, também em função da pobreza, e sua
juventude com a assunção de uma família própria aos 16 anos, mas com frequentes
episódios de violência nas ruas antes de se casar pela primeira vez. Tais variáveis
podem ter se implicado na produção de suas relações que segundo ele se baseiam
estritamente no respeito. O Zé se refere ao respeito como prioridade ao afeto. O
participante menciona o respeito como antecessor ao amor, visto que se uma relação
segue a lógica do respeito, esta será satisfatória. Porém, viu-se a seguir que o
participante posiciona o sentido de respeito no campo da obediência às leis dos papéis
cristalizados de gênero às suas próprias leis. Zé não se refere à vivência de episódios de
violência nas relações vividas, apenas menciona o ciúme como motivo único do
encerramento de seus 5 relacionamentos anteriores ao atual.
Questionei o participante sobre o que ele acreditava ser uma forma de se
conduzir em uma relação para que esta fosse satisfatória para o casal. Entre seus
principais argumentos, Zé mencionou o exemplo de sua esposa que cumpre o seu papel
de gênero, considerado ideal por ele, que se trata de uma demonstração de respeito:
“Ela é uma pessoa que eu chego em casa dá aquele amor, aquela força,
aquele coração, aquele respeito. Já fez minha comidinha. Já preparou a
merenda. ‘Mô vem merendar’. Entendeu? Então eu digo: ‘Merende também,
vamo merendar junto’. Fica à vontade, mas com respeito, assistindo
televisão. Não tem motivo de ter discussão nenhuma”
Segundo o participante, o respeito seria a demonstração da obediência ao papel
de gênero atribuído à mulher, pelo participante, de ser prestativa ao seu marido através
dos serviços domésticos, além de ser complacente ao não provocar intrigas entre eles e
seguir as instruções dele para o satisfatório funcionamento da relação. Para o
participante e o seu sentido de respeito, a relação deveria ser administrada pelo homem,
onde este criaria as instruções a serem cumpridas pela mulher com sua participação
perante conveniência, sendo nesta exercida uma hierarquia e uma unilateralidade.
Complementando seu sentido sobre a ética na relação de gênero, Zé destacou
80
novamente a importância do respeito para uma relação ser satisfatória, mas desta vez se
referiu a um respeito mútuo:
“Uma relação é o seguinte, se a gente conseguir viver bem eu acho que você
tem que ser... eu tenho que lhe respeitar e você me respeitar. É isso”.
Ao se referir às contraindicações éticas para uma relação, Zé ressaltou que o
amor e o carinho são demonstrados pela anulação da necessidade de conflito por parte
de sua parceira. Desta feita, o questionamento ou a reinvindicação da parceira, que
poderia causar conflitos, deveriam ser anulados pela mesma para harmonia do casal.
Para isso, a instrução do participante à parceira seria ela não provocar discussões, não
acreditar em fuxicos da vizinhança e colegas que poderiam trazer conflitos para o lar,
para a relação.
“Ter aquele amor, aquele carinho. Você chegar, não tem discussão, não
acreditar na vizinhança que cria os problema, não acreditar nas colegage. Isso
aí vem trazendo fuxico pra dentro de casa”.
Zé se descreve como um sujeito masculino que se relaciona sua masculinidade
ao valor de posses, ou seja, o valor dado à sua dimensão masculina se orienta pelo valor
do que tem como posses financeiras ou de bens. Ele não se refere a algum homem como
referência para si, apenas menciona os valores ensinados pelo pai de educação rígida
baseada no respeito e no cumprimento de regras através do castigo, e o valor de saber
assumir o “peso” de uma família (a responsabilidade), nos sujeitos masculinos com
quem conviveu na adolescência onde se digladiavam nas ruas buscando um vencedor e
nos homens que o fizeram sofrer durante o aprendizado de sua profissão. Zé não
consegue referir-se a vivências positivas perante outros sujeitos masculinos, apenas
perante sujeitos femininos. Porém, estas vivências positivas referenciam-se ao
cumprimento do papel de gênero de forma sexista, o que o ensinou o funcionamento de
achar que as mulheres só poderiam estabelecer relações satisfatórias com ele se fossem
obedientes ao papel cristalizado atribuído ao feminino. Porém, o que ele pode não
perceber, é o fato de que, quando essas parceiras não cumpriam esse papel, seus
relacionamentos acabavam, que é o fato destas não aceitarem a infidelidade. O que para
ele, indiretamente, era um problema delas e não dele, este é um papel que elas precisam
ser obedientes e não ele. As mulheres na contemporaneidade já não aceitam o fato das
masculinidades serem bígamas, como aceitavam em décadas passadas, visto que eram
81
educadas para servir o marido, que as sustentavam, o que para Zé é um valor que ele
precisa ter, para sustentar seu papel cristalizado de gênero. Tal dinâmica, não favorece a
vivência satisfatória de gênero por Zé. Ao descrever sua masculinidade, ele apenas se
referiu ao argumento abaixo:
“Eu sou o tipo de pessoa que gosta de passar bem em casa graças a deus e
minha família. Num me falta nada”.
Em suma, compreendi que Zé se refere à constituição de sua masculinidade
como um processo em que aprendeu o respeito no sentido de obediência aos papéis de
gênero cristalizados, bem como, atribuiu valor à responsabilidade por uma família de
forma a provê-la como cumprimento de seu papel de gênero, à base do sofrimento como
um valor. Para a manutenção de relações com esse funcionamento que se referenda, Zé
reivindica isso das mulheres, visto que se faz a sua parte, exige que elas também
cumpram e sejam obedientes ao funcionamento, assumindo seus papéis de mulher, uma
visão sexista e com valores patriarcais.
A questão da hegemonia do patriarcado está tão arraigada na vida cotidiana,
no mundo social, que, por vezes, parece “natural” que assim seja. Bourdieu
chama a atenção ainda para as estratégias e práticas que determinam a
construção social dos corpos e resultam na incorporação da dominação por
parte dos homens – desde o ato sexual à divisão sexual do trabalho.
Naturaliza-se a dominação masculina como se ela fosse inerente à condição
social humana. Como fato histórico produzido, ela pode sofrer mudanças, o
que exige pensar em formas de traçar alternativas para fugir deste esquema
de perpetuação da dominação masculina, bem como pensar nas instituições
que a produzem e reproduzem como a escola, a família e a igreja
(CONNELL, 2000) ” (NASCIMENTO, 2001, p.21).
Zé recebeu uma educação baseada na violência das figuras masculinas, tanto na
infância, quanto na adolescência e vida adulta. Sua infância ocorreu durante
transformações mundiais como a construção do muro de Berlin e a instauração da
ditadura militar no Brasil. Tais variáveis à disposição do desenvolvimento de Zé podem
ter contribuído com características rígidas que o ajudaram a reforçar uma educação de
funcionamento machista e sexista, sem trocas afetivas entre subjetividades masculinas,
produzindo sujeitos de masculinidades hegemônicas. Não busco justificar que o fato de
Zé adotar valores machistas em suas relações seja causado por tais variáveis. Apenas
destaco que os funcionamentos subjetivos se constituem também com valores de sua
época e com afetos ausentes substituídos por valores, que no caso de Zé, menciono o
82
respeito. Zé constituiu o respeito como sentido de ética na relação de gênero, o
cumprimento (ou a obediência) dos papéis cristalizados de gênero seria o respeito. Seu
cumprimento de provedor seria o respeito demonstrado a sua parceira como ética (como
maneira de se conduzir para uma relação satisfatória) e a subserviência desta, a ele, seria
a demonstração e cumprimento do papel dela.
As orientações presentes em sentidos produzidos por pais, parceiras, colegas de
rua e de trabalho em suas experiências de vida foram compartilhadas com Zé, foram
adotados pelo participante aqueles sentidos com os quais mais se identificava ou julgava
conveniente. Estes sentidos são refletidos nas relações propostas por Zé em suas
relações e vividos pelo casal, fundindo-se, contrapondo-se ou ressignificando-se aos
sentidos de suas parceiras. Tal processo se caracteriza como uma rede em que o sujeito
está imerso em um universo simbólico que se constitui como um processo social,
histórico e cultural e este universo simbólico contém a produção de significados que são
compartilhados na construção de sentidos sobre o mundo e sobre si enquanto
constituição de si próprio pelo sujeito. O referido processo de desenvolvimento se
constitui através da dinâmica concomitante de segmentação e unificação de fragmentos
das experiências, percepções e projeções que envolvem passado, presente e futuro.
Inclui-se a este processo a articulação entre a reprodução de modelos com fusão e
repetição de ações, bem como, o confronto entre eles com a diferenciação e a criação de
modelos, vinculados às necessidades, aos sentidos e às produções interpretativas de
cada pessoa (ROSSETTI-FERREIRA, 2000).
Zé exemplificou a indicação ética ao mencionar a demonstração de respeito de
sua parceira quando ela o espera em casa com a comida pronta. Para ele, se a parceira
faz isso, ou seja, se ela cumpre seu papel de complacência e subserviência, não há
motivos para brigas. Zé considera que o respeito seria o sinônimo de amor, força e
coração. Ou seja, o afeto é a própria obediência aos papéis de gênero. Para Zé, quando
não cumpre o papel de gênero idealizado por ele, esta não tem afeto e causa brigas,
portanto, não merece seu afeto, isto se reflete no número de relações frustradas vividas
por ele. O sentido ético de Zé se baseia no cumprimento de uma performance masculina
hegemônica em relação a si, e ao outro, e tal sentido dificulta a vivência de uma relação
satisfatória. Na relação conjugal, “os parceiros podem sustentar contratos violentos de
conjugalidade ao não refletirem a dimensão ético-relacional do cotidiano que os vincula,
bem como por cristalizarem e imporem um ao outro papeis de gênero que não
favoreçam a relação” (SILVA et al, 2015, p. 174).
83
Em suas contraindicações éticas para uma relação, Zé considera que o amor e o
carinho ocorrem quando sua parceira evita o conflito e não reivindica nada ou o
questiona, pode ser entendido como uma atitude imperiosa e hegemônica. A atitude dele
se associa a atitudes de um ditador, e suas parceiras se prestam a tal tipo de relação
somente até determinado ponto, quando não mais cumprem a suas instruções, seus
relacionamentos terminam. Tanto que o motivo recorrente de seus relacionamentos
encerrarem-se é o fato de suas parceiras desconfiarem de sua fidelidade. Para elas
deveria ser um cumprimento do papel dele na relação, visto que elas cumprem a
fidelidade, mas quando percebem que a desigualdade está instaurada (que na minha
opinião, está instaurada desde o início), pois ele não está cumprindo, elas renunciam à
relação. E Zé acredita que permanece com a razão visto que não dialoga com elas sobre
a fidelidade, porque acredita que não deve dar satisfações a elas, pois para ele, para a
relação dar certo, ela deve ser em sua essência desigual, estando ele em superioridade.
Ele propõe isso às parceiras e aos poucos se instaura, elas, porém, concordam ou
resistem, mas fica insustentável um dia porque elas não percebem que não se trata
somente do cumprimento do papel de gênero, mas também de um imperioso patriarcal
que elas se submeteram ao associá-lo ao afeto. A mulher vive então um complexo entre
submissão e resistência, visto que sua performatividade é considerada importante ao
modelo proposto de relação, porém, não consegue sustentar a limitação de sua liberdade
ao precisar performar assim para o contínuo da relação.
[...] a naturalização desse ‘enlace’ nas sociedades ocidentais torna complexa a
posição da mulher, principalmente no que diz respeito à sua cumplicidade
junto ao universo de referências que toma o masculino, não apenas como
complementar, mas como definidor do feminino. Nesse contexto, cabem à
mulher determinados atributos associados à natureza (seus instintos, a
feminilidade construída a partir do corpo feminino, etc.). Isso explica, em
parte, a sua clausura no doméstico, no universo da reprodução. Universo
privado no qual é tecida a trama que aprisiona a mulher e, simultaneamente,
torna-a singular e indispensável. E ela vive essa situação de forma ambígua:
gosta de ser indispensável, mas se ressente com a limitação de sua liberdade
(GREGORI, 1993, p. 193-194).
Zé possui um sentido de ética bastante contraditória em suas relações de gênero.
Ele tem dificuldade em relacionar ética e justiça, tanto que une a palavra respeito à
noção de imperativo. Ao defender que ambos em uma relação devem cumprir seus
papéis, Zé inclui nesse imperativo, sua tendência valorativa do machismo. Ele busca
dizer que se deve ter uma igualdade de cumprimento de papéis, mas ao cumprir a sua
parte, inclui o fato de ser um sujeito masculino como uma forma de beneficiar-se,
84
fazendo a relação ser desigual em benefício próprio. O respeito então deveria instaurar a
igualdade somente até certo ponto que lhe beneficiasse daí para frente deveria se
desenvolver de forma desigual e da forma que lhe conviesse. Apesar desse sentido de
ética nas relações de gênero ser um sentido bastante contraditório ao sentido de ética
como uma forma de se conduzir em relação ao outro para uma vivência satisfatória, esse
é o sentido de Zé, este é o seu funcionamento. E este pode ser o sentido de muitos
sujeitos masculinos que vivem a violência conjugal ou a solidão, visto que muitas
mulheres contemporâneas não conseguem mais sustentar tanta desigualdade e
permanecem tentando alcançar a igualdade em uma relação de agressões ou procuram
relações que as façam mais felizes. Esta dinâmica pode ser entendida como um processo
interativo que produz sentidos que são testados, rejeitados ou admitidos à realidade do
relacionamento e ao passo que são constituídos durante o relacionar, muitos casais
apresentam dificuldade de perceber quando ele começou a ser acordado entre ambos e
só começam a tentar refleti-lo quando passou a ser prejudicial ao relacionamento.
No processo interativo, portanto, o conjunto das ações possíveis de serem
realizadas e o fluxo dos comportamentos são delimitados, estruturados,
recortados e interpretados pela ação do outro e, também, por um conjunto de
elementos orgânicos, físicos, interacionais, sociais, econômicos e
ideológicos. Todos eles interagem dinâmica e dialeticamente, compondo uma
rede, a qual contempla condições macro e micro-individuais e estrutura um
universo semiótico. Esta possibilita não só os processos de construção de
sentido em uma dada situação interativa, como os processos de
desenvolvimento (ROSSETTI-FERREIRA, 2000, p.4).
Zé teve em sua vida, poucas relações que o incentivassem a refletir seus
conceitos e muitas oportunidades de reforçá-los. Os valores aprendidos com o pai, com
os colegas, com as mulheres e com as instituições o incentivaram a buscar uma
igualdade, mas majoritariamente o incentivaram a se proteger da violência e da
injustiça. Apanhando bastante da vida (e batendo também) e com escassas referências
de uma experiência afetiva, Zé pode ter aprimorado suas estratégias de defesa, onde sua
sobrevivência e integridade seriam a sua prioridade, colocando sua ética em relação ao
outro como algo secundário, tornando-se essa ética, algo tão complexo que ele se perde
nela mesmo, sofrendo por ela também. Tal funcionamento de Zé, apesar de lhe
beneficiar até certo ponto, acaba prejudicando sua vida e trazendo sofrimentos
recorrentes e cíclicos. Ao não refletir essa sua ética, Zé permanece em relacionamentos
de competição por uma hegemonia para não ser massacrado por eles.
Existem pessoas que perante o mesmo quadro de vida, poderiam desenvolver
estratégias relacionais bem mais eficazes. Mas para aqueles que não conseguem tal
85
feito, a oportunidade de refletir suas constituições masculinas e suas relações, poderia
ser uma possibilidade para olhar para sua vida e suas relações, e fazer disso um
recomeço, dar a isso novos significados para fazerem-se mais felizes, e fazer os outros
felizes através de uma relação.
Nesse sentido, caminhar na direção de um não silêncio em relação aos
homens, a possibilidade de abrir espaços masculinos de reflexão onde se
procure desconstruir o que existe enquanto modelo hegemônico,
desaprendendo o silêncio acerca deles mesmos e dos assuntos mencionados
anteriormente, pode se constituir em uma alternativa às formas tradicionais
de exercício de poder (PANIAGUA, 2000 apud NASCIMENTO, 2001, p.
26).
Muitos homens não chegam a refletir suas próprias atribuições em uma relação,
apenas reproduzem funcionamentos anteriores, mas há sujeitos masculinos que
conseguem avaliar esse funcionamento e aprimorá-lo para uma experiência relacional
mais satisfatória, que é o caso de nosso próximo participante. Bento (2013) traz em sua
dissertação de mestrado outra classificação de um estilo de masculinidade que destoa do
estilo hegemônico. Ao se referir aos entrevistados por sua pesquisa, Bento os define
como “Masculinidades Críticas”, caracterizando-os como homens que apresentam uma
reflexividade na construção de suas masculinidades e que adotam condutas mais
igualitárias em seus relacionamentos, além de combaterem o sistema sustentado pelo
machismo para vivências mais libertárias para si e suas parceiras.
3.2.3. Tim – desconstruindo o machismo como ética para uma relação satisfatória.
“Aí então hoje é ela que diz para mim o que é certo, o que é errado. Aí o
meu machismo foi... Eu tinha que deixar aquilo de fora. Esquecer, porque eu
já tinha feito por muitos anos aquilo, nunca deu certo [...]. Então a partir do
momento que eu larguei esse machismo, essa coisa, então as coisas foram
mudando [...] Tudo isso eu estou aprendendo, porque eu não aprendi. É ver...
Que eu não via antes... Então muitas coisas, como isso, eu fui aprendendo.”
Tim é um mestre de obras de 52 anos de idade que já viveu 3 relacionamentos
significativos em sua vida. Cada relacionamento representou um momento de sua vida
que necessitava de mudanças subjetivas nele e que exigia o desenvolvimento de sua
masculinidade para lidar com suas dificuldades. Os relacionamentos foram considerados
pelo participante como aprendizados sofridos, mas que o desenvolveram. Antes de
abordar-se o núcleo de significação revelado por Tim, descreve-se sua história de vida.
86
Tim nasceu em Monte Alegre/PA, morava na colônia com seus pais agricultores
e 9 irmãos. Relatou que trabalhou muito em sua infância na roça para sobreviver.
Chegou a afirmar que na época seu "divertimento era trabalhar" e que trabalhava "tipo
escravo mesmo, o cara tinha que trabalhar. Deitava 08 horas... 10 horas da noite, você
acordava meia-noite, para ir trabalhar de novo", desde os 6 anos de idade. O motivo do
trabalho precoce é atribuído ao fato de a vida na roça ter recursos limitados, como por
exemplo, só uma casa de torrar farinha para toda a comunidade. E se não torrassem a
farinha, não poderiam vender na cidade e obter o sustento. Os momentos de diversão
eram quando iam para o culto e tinham a oportunidade de brincar nessa atividade, "mas
muitas vezes, até quando saía do culto, você ainda ia trabalhar. Arrancar mandioca e
fazer isso aí". A relação com os irmãos era de conflitos e muita rigidez porque os irmãos
se cobravam entre si a igualdade na realização das tarefas e isso gerava
desentendimentos. Ressalto uma fala de Tim bastante significativa "quando se ganhava
presente no Natal, era um terçado e uma foice". Tim descreveu seus pais como muito
rígidos, principalmente sua mãe, a figura que mais os agredia. Segundo ele, a agressão
acontecia por qualquer motivo. O pai era um homem trabalhador, generoso e de coração
bom, além disso, "... Ele era sempre o chefe da comunidade. Tudo, as pessoas sempre
faziam pelas ideias dele. Cada vez que as pessoas admiravam ele, por ele ser um cara
trabalhador, um cara virado mesmo. E a gente ia fazer... Como ele era trabalhador, a
gente era também”. Porém, o seu defeito era beber demais e gastar o dinheiro obtido
com o trabalho na roça "ele gastava tudo. Ele ia na sexta e voltava na segunda. Se ele
fosse na quarta-feira, ele só voltava na segunda. E gastava tudo. A compra que vinha às
vezes não dava para a semana". Para Tim, seu pai era caracterizado como " Sempre ele
era o cara", a sua mãe questionava o pai, mas as decisões eram sempre dele. A mãe era
dona de casa rígida e quem efetuava as agressões "não tinha carinho, não... tinha essas
coisas de muito carinho, não. É só falando mesmo como... Se tivesse falando com
animal mesmo". Um dos maiores aprendizados obtidos na infância foi o que seu pai os
aconselhava a se proteger nas relações "saia fora. Se viu, diz que não viu". O método de
educação da mãe era a reprodução das falas do esposo aos filhos. Os pais eram muito
honestos e ensinaram isso aos filhos.
Ao descrever sua infância e adolescência de trabalho árduo e de poucos recursos
na roça, Tim afirma "minha vida foi sofrimento". Um momento de lazer era quando
jogavam bola. Depois que foi estudar na cidade de Monte Alegre, durante suas férias
voltava para a colônia para trabalhar. Quando sua irmã mais velha, que já morava em
87
Monte Alegre, precisou cursar o ensino médio na cidade de Santarém/PA, Tim precisou
interromper os estudos para trabalhar na colônia e assim ajudá-la a se sustentar na nova
cidade. Tal fato foi relatado por Tim como um trauma (uma "revolta") para ele porque
não esquece. Apesar de sua irmã o prometer que o tiraria da colônia, Tim, quando
conseguiu voltar aos estudos, já não conseguiu retomar com as mesmas energias, então
interrompeu os estudos e foi trabalhar já na cidade onde sua irmã cursou o ensino
médio. Tim estudou até o segundo ano do ensino médio, montou uma taberna e foi
aprender a ser pedreiro para completar a renda.
Aos 21 anos, casou-se. Tomou tal decisão porque já bebia e estava tendo
conflitos com sua irmã porque gostava de ir a festas, então queria mais autonomia, então
casou. A união foi selada também porque a família de sua namorada gostava bastante
dele pelo fato de ser trabalhador. “...que eu já bebia e vivia em festa, então começou a
ficar ruim, aí eu já fiquei namorando... Como eu era um cara virado, trabalhador
também, aí foi que o pessoal gostava de mim, porque eu era assim, eu nunca ficava
parado, não vivia malandrando, trabalhava. E tudo envolvia, em termo de trabalho.
Então foi que essas pessoas ficaram gostando de mim, porque eu era assim. Aí eu me
casei para sair mesmo de... Já da guarda da minha irmã, que eu achei que eu tinha que
sair fora e viver minha vida". Foi ajudante de pedreiro, montador de móveis, ajudante de
caminhão, comerciante, dentre outras profissões. Após 16 anos de casamento se separou
porque "o problema todo era eu. Que eu queria ser casado, mas solteiro também", além
disso, a bebida causava muitos conflitos entre o casal, então a esposa pediu para ele
escolher. E ainda, acidentou-se e não conseguiu trabalhar, o que acumulou dívidas e sua
esposa era muito honesta, isso a desagradou bastante. Aprendeu a beber aos 8 anos de
idade no roçado, bebia o restante do copo dos adultos, os adultos usavam a bebida para
terem mais coragem para "derrubarem pau no machado [...] o resto que sobrava dos
copos que meu pai bebia, eu bebia. Eu estava derrubando roçado lá, ele bebeu até
álcool, cachaça, tudo, sobrava no copo e eu bebia [...] gostar, não gostava.... Bebia
porque via os outros beberem. Eu pensava assim, ‘como é...’... Diziam assim, ‘bebe
logo aí para virar homem logo, ser homem. Quando tu crescer, tu já...’, aquele negócio,
quando crescer.... Aí eu achava que aquilo ali era.... Então por isso aí que eu comecei a
beber muito cedo".
O seu primeiro casamento durou 15 anos e lhe gerou 3 filhos, sua relação com os
filhos era de carinho e procurava educá-los como o pai o educou, mas sem bater neles.
Considera que foi um sujeito muito machista e quando sua esposa procurava ouvir os
88
conselhos das amigas, irritava-se. Seu segundo relacionamento durou 7 anos e acabou
por causa de brigas da companheira por ciúmes e desentendimentos, além do seu
machismo. Atualmente vive um novo relacionamento há 3 anos, onde procura fazer
diferente. Procura dar mais razão para a companheira e reduzir o machismo, visto que
ela teve uma "criação diferente da que eu vivi". Acreditava que "um dia eu ia encontrar
uma pessoa que tentasse me ajudar a mudar". Nunca ouviu falar na palavra gênero. Para
ele, ética é "tipo uma lei". Na relação, deve haver diálogo e os dois "têm que trabalhar
juntos". Não tem amigos, porque seu pai o ensinou que amigo só é Deus. Sua amiga é
sua companheira. Hoje, resolve seus conflitos: "Me silencio, fico por ali, tento resolver
de um jeito que... De maneira diferente como eu resolvia primeiro".
Tim relatou uma história de vida em que recebeu uma educação baseada na
rigidez, na agressão física e no trabalho pesado, com poucas demonstrações de afeto,
mas com ferrenhas cobranças de disciplina. Criado no interior do Pará, em uma
comunidade do município de Monte Alegre, aprendeu cedo o peso da inchada e o corte
certeiro do terçado. Sua educação familiar se baseou na fusão da responsabilização e da
violência, tratava-se de um mini adulto, segundo sua descrição. O envolvimento com o
álcool desde cedo e suas responsabilidades cobradas com violência o auxiliaram a
construir um funcionamento irredutível e escassamente adepto ao diálogo. Segundo
Tim, seus dois primeiros relacionamentos não tiveram êxito por causa de seu machismo,
mas também, por suas parceiras não o terem ajudado a aprender como funcionar de
forma satisfatória para sustentar uma relação, o que tem conseguido desenvolver em seu
atual.
Questionei o participante sobre o que ele acreditava ser uma forma de se
conduzir em uma relação para que esta fosse satisfatória para o casal. Entre seus
principais argumentos, Tim destacou a necessidade da parceria espontânea (voluntária)
entre o casal na relação, baseado no compartilhar e no trabalho conjunto pela relação:
“É. Tipo assim, uma... Tem outra palavra, que eu não estou lembrado, é
sempre... Olha, eu sou uma pessoa que ajudo muito em casa, mas eu sempre
fiz isso. Mas quando eu fazia, eu achava... Hoje eu faço porque... Mas sempre
eu gostava de fazer. Tudo o que eu fazia antes em casa é porque eu gostava
de fazer mesmo. Eu não fazia por dizer assim, "não, eu fiz isso e agora tu vai
ter que fazer isso". Não, eu fazia porque... Como eu faço hoje também. Tipo
mesmo uma parceria... Não, é outro nome. Mas tudo o que a gente faz tem
que compartilhar com o outro. Eu acho que em tudo, dentro de casa, fora, a
pessoa tem que ser... Como é que se diz? Assim, tem que trabalhar junto”
89
Para que tal parceria fosse espontânea de modo que o trabalho conjunto (baseado
no compartilhar) favorecesse a relação, seria importante que as pessoas mudassem
através de seus aprendizados, seria uma tarefa árdua e que demandaria tempo, mas
necessária para uma relação satisfatória:
“Porque na vida da gente... Se você quiser mudar, a gente vai mudando. Você
não muda de uma hora para outra, não. E quando você vai mudando, vai
aparecendo muitas dificuldades... Tudo isso eu estou aprendendo, porque eu
não aprendi. É ver... Que eu não via antes... Então muitas coisas, como isso,
eu fui aprendendo.”
A contraindicação ética para uma relação apontada por Tim seria da ausência de
parceria, visto que quando não há um elo que sustenta o casal, como pessoas que se
constroem juntas, as dificuldades de se relacionar aparecerão e a relação pode chegar ao
fim.
“A partir do momento que não tem mais esse elo (a parceria) dos dois, as
coisas começam a dar errado”.
Tim classifica sua vivência masculina em 2 momentos: o primeiro se refere à
vivência machista de sua masculinidade que o fez sofrer e suas parceiras também; e o
segundo e atual se refere à experiência de uma luta própria para a desconstrução de seu
machismo para a vivência de uma relação mais satisfatória. Chamei o primeiro
momento de “Eu, machista!” E a segunda de “Desconstruindo o machismo de minha
masculinidade”. Como “Eu, machista!”, Tim descreve-se como uma pessoa irredutível,
impulsivo e egocêntrico:
“Era que eu... Sempre eu era... O machista de sempre. Tinha que ser o que eu
falasse, se não fosse, já era. Tinha que... Eu já saía fora e pronto”.
Tim acredita que nesse seu primeiro momento, era um tipo de pessoa difícil de
lidar e que as pessoas acabavam se afastando dele, além disso, sofria muito, porque suas
tentativas de impor suas ideias causavam violência às pessoas e contra ele próprio. Tal
funcionamento foi lhe gerando prejuízos como a separação causada nos dois primeiros
relacionamentos, prejuízos esses que o fizeram uma pessoa solitária. E após conhecer
90
sua 3ª parceira 5 (a pessoa que recebeu uma educação diferente daquela recebida por
Tim), ela se dispôs a ensina-lo como se relacionar de maneira mais satisfatória, foi
quando necessitou rever sua masculinidade e seu machismo.
“...então hoje é ela que diz para mim o que é certo, o que é errado. Aí o meu
machismo foi... Eu tinha que deixar aquilo (o machismo) de fora. Esquecer!
porque eu já tinha feito por muitos anos aquilo, nunca deu certo... “
No
seu
segundo
momento
“Desconstruindo
o
machismo
de minha
masculinidade”, Tim passou a questionar seus comportamentos machistas e avaliá-los
com maior rigidez, focando nos aprendizados obtidos em sua atual relação. Para isso,
vêm desenvolvendo recursos para monitorar e controlar seu machismo, como por
exemplo, a percepção da “vinda” do comportamento machista e o exercício do silêncio:
“Porque sempre fui um cara que eu compartilhei coisas diferentes que eu
vivo hoje. O que eu aprendi é que eu vou ter que fazer o que eu comecei a
fazer, no começo. Achava que eu era... Como eu falei, que eu era machista, às
vezes ainda sou, mas às vezes quando eu quero entrar nisso aí eu me lembro e
fico calado, porque eu não ficava calado. Então eu tinha muitas respostas na
hora. Muitas das coisas que eu vejo, aí é para eu falar, como eu falava antes,
eu deixo passar. Aí eu saio fora, porque eu... Aí eu deixo as coisas
acontecerem”.
Atualmente, apesar de ainda não ter conseguido desenvolver sua habilidade
social do diálogo e preferir exercitar o silêncio e por vezes a esquiva perante um
conflito, Tim acredita que desenvolveu mais sua humildade perante seu “ego
estourado”, pois consegue perceber o quanto as suas palavras ofensivas doem nas outras
pessoas, ou seja, o aspecto empático dele pode ter se desenvolvido durante a
desconstrução do machismo pelo aprendizado de novas formas de lidar com as
dificuldades relacionais.
5
Interessante ressaltar que sua atual parceira recebeu uma educação familiar no modelo cearense
semelhante ao relatado pelo participante Odair, onde a disciplina era acompanhada pelo afeto, o que ajuda
a desconstruir algumas noções ríspidas da educação nordestina.
91
“Hoje em dia eu resolvo as coisas diferentes, assim. Eu tento ver as coisas
sem agressão, sem palavrão, mas fico sempre... Me silencio, fico por ali,
tento resolver de um jeito que... De maneira diferente como eu resolvia
primeiro. Pesquisadora: como é que o senhor resolvia antes? Ah, ficava
falando... Se tivesse... O que eu estava fazendo de errado, eu ia lá em cima. Ia
resolver lá. Falava, discutia e ameaçava, aquela coisa lá. E hoje em dia, não.
Eu fico calado. Eu tenho mais humildade. Eu acho que é humildade. Aquilo...
Fico... Tento resolver, mas de outras maneiras. Conversar já eu... Às vezes eu
consigo. Às vezes eu fico mais calado do que conversar, assim. Pesquisadora:
o que o senhor não consegue conversar? É porque as coisas... Ainda tem
aquele... O meu ego sempre foi assim, meio... Ego estourado. Então se é de
eu discutir com a pessoa, falar coisas que... Porque para muita gente a
verdade dói. E para a gente também. Mas aí eu pego, fico calado, ou então
saio, espero outro dia, em outra hora, para poder resolver, assim. Na mesma
hora, assim, eu saio fora”.
Em síntese, compreendi que a educação familiar do campo recebida por Tim o
auxiliou na construção de uma subjetividade resistente ao sofrimento da pobreza, da
violência como disciplina, do trabalho pesado, da posterior adaptação à vida na cidade.
Porém, a referência da resistência acabou se associando à figura do pai e dos sujeitos
agricultores de sua comunidade que conseguiam derrubar o pau à base do machado, mas
não conseguiam lidar com suas próprias dificuldades emocionais, pois nesse contexto,
não havia como apenas passar a foice no sofrimento. A necessidade de crescer logo e ter
força, para não se parecer como um menino desprovido de masculinidade, o integrou a
uma dependência química do álcool para se parecer com os sujeitos masculinos adultos,
para se sentir forte. Quando a necessidade de modificar suas possibilidades no contexto
exige do sujeito a transformação de suas significações, este passa a procurar
sociabilidades com que possa compartilhar significações mais contextualizadas aos seus
desejos, mas ao mesmo tempo que realiza esse movimento para atender a suas
necessidades, recebe também limitações, outras próprias ao novo conjunto de
significações compartilhadas como um processo de sujeição-sujeito de sua liberdadenova sujeição.
Esse processo de transformação de significações, entretanto, carrega fatores
limitantes, dados pelas estruturas orgânicas e ambientais, em estreita
interdependência com o simbólico. Assim, elementos filogeneticamente
determinados e culturalmente significados, limitam as condições físicas e
psicológicas dos indivíduos para a ação, determinam ciclos de repetições
necessários à própria sobrevivência e canalizam as ações mais para certas
possibilidades e não para outras (Valsiner, 1987). Esta canalização varia ao
longo da história individual e social e, no caso de representações e valores
sociais, verifica-se uma maior persistência, com uma maior dificuldade de
mudanças, exigindo por vezes verdadeiras crises e rupturas com relação a
modelos antigos de pensamento e de afeto, (ROSSETTI-FERREIRA, 2000,
p.14).
92
E tal dinâmica para lidar com as pessoas se estendeu aos seus colegas de bar e às
suas parceiras, foi quando teve que perceber que tal funcionamento afastava as pessoas
e o fazia sofrer.
Mas para concluir tal percepção, necessitou perder relações até
conhecer uma pessoa, que teve uma criação diferente da sua, para reaprender a lidar
com os outros e consigo. O referido processo constituído por Tim e os fatos de sua vida
produziu sentidos de ética nas relações que foram se transformando até chegar ao
sentido de hoje e prosseguirá em formação para relações mais satisfatórias.
O sentido ético de se desconstruir para conseguir ser parceiro do outro 6 em uma
relação trata-se de um sentido recente para Tim, mas que para ele já vale à pena, pois
está aprendendo e o que mais Tim dá valor nisso é a oportunidade de estar sendo
ensinado, visto que nunca teve a oportunidade de ser ensinado com afeto, apenas com
sofrimento. Hoje, aprende com afeto.
O sentido ético defendido por Tim trata-se da necessidade de uma parceria
espontânea (voluntária) entre o casal na relação, baseado no compartilhar e no trabalho
conjunto pela relação. Tal trabalho conjunto necessita que as pessoas mudem,
transformem suas subjetivações através dos aprendizados produzidos na relação.
Compreendo que tal sentido ético permite-nos visualizar como a construção social da
masculinidade está necessariamente inclusa na maneira como os sujeitos constroem suas
éticas para lidar com o outro na relação de gênero, ou seja, no social indissolúvel do
sujeito. “Quando afirmamos que os sentidos são elementos constitutivos e que
expressam a subjetividade [...] estamos enfatizando a importância de uma dimensão
subjetiva da realidade, entendida como uma síntese entre objetividade e subjetividade”,
(AGUIAR et al, 2009, p. 64). Desta feita, reforço que trabalhar com sujeitos masculinos
temas como relações de gênero e não se trabalhar a sua história e constituição da
identidade de gênero é o mesmo que se tratar a doença de uma pessoa, jogando o seu
corpo fora ou desativando suas funções orgânicas. Por esta configuração das
problemáticas de gênero que este trabalho visou contribuir com políticas e intervenções
que auxiliem na potencialização de relações mais satisfatórias pelas pessoas, através da
desconstrução e ressignificação das identidades de gênero, considerando suas histórias e
os recursos sócio históricos que a auxiliaram a se constituir à maneira como são
atualmente, de forma que possam refletir suas constituições e seus funcionamentos
vislumbrando formas mais libertárias de vivenciar suas identidades de gênero e suas
6
Aludo aqui ao conceito de “artesanato cotidiano de si” de Foucault (2012).
93
relações. Contribuir para refletir a construção de políticas que possuam uma finalidade
prática de alcance dialético geral /singular dos sujeitos, suas relações e os fenômenos
que vivenciam.
‘
Estamos bem longe de uma forma de austeridade que tende a sujeitar todos
os indivíduos da mesma forma, [...], sob uma lei universal [...]. As poucas
grandes leis comuns à da cidade, da religião, ou da natureza que permanecem
presentes, mas como se elas desenhassem ao longe um círculo bem largo no
interior do qual o pensamento prático deve definir o que convém fazer. E
para isso ela não tem necessidade de algo como um texto que faça as leis,
mas de uma techné ou de uma "prática" de um savoir-faire que, levando em
conta os princípios gerais, guie a ação no seu próprio momento, de acordo
com o contexto e em função de seus próprios fins. Portanto, não é
universalizando a regra de sua ação que, nessa forma de moral, o indivíduo se
constitui como sujeito ético; é ao contrário, por meio de uma atitude e de uma
procura que individualiza sua ação que modulam e que até podem dar um
brilho singular pela estrutura racional e refletida que lhe confere.
(FOUCAULT, 2012, p. 77)
A contraindicação ética para uma relação defendida por Tim como a ausência de
parceria representa a importância que ele dá para a vinculação, para a cumplicidade do
casal. Como a relação, para Tim, é uma oportunidade para se melhorar para si e para o
outro, essa parceria denota o trabalho conjunto e a cumplicidade de ambos. Tim
centraliza nos relacionamentos amorosos, a experiência afetiva que não alcança com
familiares e amigos. É como se o afeto só pudesse ser vivenciado e desfrutado em
relacionamentos amorosos, sendo a família e amigos, outro tipo de experiência
relacional. Tanto que Tim não menciona amigos, pois seus amigos são deus e sua
parceira, além disso, não menciona relacionamentos significativos com familiares em
seu relato de vida. Ele relatou que perante frustações amorosas, recorreu ao álcool para
lidar com o problema, visto que amigos e familiares não se configuravam como recurso
de apoio e desabafo.
Essa centralização do afeto no relacionamento amoroso, que não se estende a
outras relações que poderiam lhe oferecer suporte, acaba prejudicando Tim ao lidar com
a frustração, pois a bebida se representa como um remédio, em que o efeito desta
permite um sofrimento solitário, sem o julgamento de terceiros, visto que é no bar onde
se afogam as mágoas e liberam-se as amarras. Na contemporaneidade, beber e ouvir
músicas de amores e paixões frustrados configura-se como um processo de subjetivação
para as pessoas que passam por isso, pois as letras das músicas falam sobre seu
sofrimento e os bares se representam como espaços de vivência “aceita” deste
sofrimento, visto que são os lugares daqueles que vivem a “sofrência” ou que procuram
94
outro relacionamento, visto que o seu não deu certo. Tanto que as músicas de bastante
sucesso no Brasil se centralizam em temas como amar, beber, sofrer, bem como, ficar
solteiro e afirmar que a fila anda. São formas de lidar com o sofrimento que não se
configuram como disposição à reflexão e construção de habilidades para lidar melhor
com as relações, nesses espaços há a catarse do sofrimento, mas há também a
banalização das relações (a fila anda) e a cristalização do afeto como algo complexo e
que causa sofrimento (amar é sofrer e isso nunca vai mudar).
Refletir estes contextos e ocorrências é importante visto que “os ‘pares’, a
‘turma’, o ‘pessoal’, que se reúne no futebol, no bar, na rua, fazem parte da socialização
de meninos e rapazes e têm grande importância na construção das masculinidades” (DA
MATTA, 1997, BARKER, 1998, 2000, CONNELL, 2000 apud NASCIMENTO, 2001,
p. 58). Os bares como únicos espaços para tais processos de subjetivação podem deixar
de ser a opção mais eficaz, se existisse a possibilidade de espaços psicossociais de
trocas, de reflexões das relações, das performatividades de gênero e de significação dos
afetos. Apoio iniciativas como a de Nascimento (2001) com grupos de homens, onde o
autor compreendeu que:
Existe um silêncio em torno do cotidiano da vida privada dos homens. Ter
espaços onde se possa desaprender esse silêncio, sem julgamentos ou críticas
a piori, refletir sobre as formas que aprenderam para condução de suas vidas
no mundo privado e público, construir formas alternativas a uma condição
masculina conectada com o sistema hegemônico, nos parece uma alternativa
interessante para desconstruir esta mesma hegemonia. (NASCIMENTO,
2001, p.59).
A identificação de 2 momentos na construção de sua masculinidade através das
relações, revela-nos que Tim é uma pessoa que experimenta um momento na
contemporaneidade em que sujeitos masculinos estão aderindo à necessidade de refletir
suas performatividades para conseguir lidar com as transformações vividas pelas
mulheres, onde as relações passam a ter demandas diferenciadas em relação a outras
épocas. Tim pode se tratar do tipo de masculinidade hegemônica7 (“Eu,machista!”) que
vem buscando entrar em um processo de desconstrução de si para a vivência de uma
masculinidade crítica8 (“Desconstruindo o machismo de minha masculinidade”). Utilizo
a categorização da masculinidade nesse momento, mas apenas para título didático,
7
8
Connell (1987)
Bento (2012).
95
porque o que quero dizer é que os homens de educação machista vêm necessitando
desenvolver masculinidades mais libertárias para si e suas parceiras nas relações
contemporâneas, pois alguns funcionamentos deste sistema já enfrentam sérias barreiras
na sociedade em que o feminismo e a diversidade sexual expandem suas ideias e
posicionamentos.
Claro que existem performatividades masculinas que encontram nessas barreiras
um estímulo para se cristalizar ainda mais em seus posicionamentos, mas sujeitos
masculinos como Tim, tentam transformar a si a ponto de querer reaprender através da
produção de novas habilidades para o lidar. Tim pode não seguir exatamente o que seria
a masculinidade hegemônica a caminho da masculinidade crítica, pode ser que ele esteja
em um percurso em que se classificaria outro tipo de masculinidade, mas o que ressalto
aqui é esse movimento que é importante para essas pessoas, são possibilidades, são
criatividades para viver satisfatoriamente uma relação, por mais difícil que seja essa
desconstrução psicossocial, onde habilidades sociais, afetos e atitudes estejam
necessitando nascer ou funcionar por outro ângulo 9 . Deixo essa análise para outros
trabalhos e centro-me em concluir minha análise de seu sentido ético de relação de
gênero.
Tim nos traz a referência de que a ética pode ser a reflexão que fundamenta a
atitude de viver uma relação, para com o outro se aprender a ser melhor para si, sendo
melhor para esse outro. Ou seja, a dialética em que a ética se configura, demanda-nos
ações sobre como se convém nos conduzir em uma relação com outro, só que para isso,
a minha constituição vai se modificar quando a relação com esse outro me demanda
desenvolvimentos diferentes do que já possuo na relação para comigo, na minha
constituição psicossocial. Ou seja, será possível ser ético se eu me dispuser a me
modificar para mim na relação para esse outro também. Se eu quiser uma relação
satisfatória, necessitarei refletir como devo me conduzir para uma relação que seja
conveniente para ambos, e quando se precisa ser conveniente para o outro, eu
necessitarei me modificar para essa relação, assim como o outro para viver essa relação
comigo. Essa dinâmica foi descrita por Foucault (2002, p. 161) ao se referir à
9
É válido ler o artigo de Silva et al (2015) que se utiliza dessa perspectiva para trabalhar com homens
autores de violência. A proposta de intervenção foi promover um espaço grupal diferenciado de escuta e
diálogo, para que os autores aprendessem a analisar os mobilizadores sociais, culturais e psicológicos de
suas condutas e transformassem seus modos de lidar com os outros e consigo mesmos de forma a serem
capazes de promover diálogos (interpessoais e intrapessoais) pautados no reconhecimento e cuidado dos
direitos e desejos de cada pessoa.
96
Econômica formulada por Hierocles “o casamento exige um certo estilo de conduta em
que cada um dos cônjuges leva a própria vida como uma vida a dois, e em que, juntos,
eles formam uma existência comum”.
É difícil até tentar explicar isso em um texto, imagine refletir isso no dia a dia
corrido das relações nos tempos atuais. Por isso a necessidade de se possibilitarem
espaços de reflexões das relações para sujeitos masculinos e femininos. Espaços de
atenção psicossocial para a reflexão ética da vivência nas relações afetivas podem
contribuir para a desconstrução de uma sociedade que hoje se baseia em heranças
positivistas que se referendam através de procedimentos, métodos, padrões,
classificações, cristalizações e ideais. Pode-se favorecer a reflexão de que os
relacionamentos não vêm com manuais e as pessoas não são programáveis, elas
convivem e produzem dinâmicas e fluxos próprios para viver satisfatoriamente, mas
para isso, necessitam ser empoderados para a potencialização de suas reflexões, para a
resolução de seus problemas, para a ressignificação de seus valores e de seus conceitos.
3.2.4. Milton – o diálogo como sentido de respeito e confiança que favorece o
exercício ético para a manutenção satisfatória da relação de gênero.
“Tem que ter respeito, respeitar um ao outro e confiar um no outro, que é
uma coisa que tem que ter porque se não tiver, não vão viver juntos, não vive
com qualidade nenhuma, e ajudar, conversar, entendeu? Diálogo!”
Milton é pedreiro de 37 anos de idade que já viveu 3 relacionamentos
significativos em sua vida e atualmente é solteiro. Segundo ele, os relacionamentos com
a mãe e irmão, bem como os conjugais, ensinaram-no a ser honesto e honrar com seus
compromissos com respeito, confiança, cumplicidade. Tais aspectos poderiam ser
resultantes de relações que favoreceram o diálogo para uma relação satisfatória. Apesar
de ter vivenciado violências em alguns relacionamentos, preferiu se constituir como um
homem tranquilo e não adepto à violência, porque do contrário, poderia ser agredido por
suas parceiras. Escolheu permanecer solteiro até encontrar a mulher “certa” para se
relacionar e viver mais feliz, vive atualmente sozinho com o filho. Antes de abordarmos
o núcleo de significação revelado por Milton, vejamos sua história de vida.
Milton é natural de Manaus/AM, viveu uma infância "boa" de brincadeiras e
estudo. Estudou até a quinta-série. É filho de mãe solteira que trabalhava como operária
no distrito. O pai o ajudava apenas financeiramente na infância, mas somente até os 7
97
anos, e como demonstrava não gostar de oferecer tal ajuda, a mãe se cansou e informou
ao filho que seria melhor ambos trabalharem para não dependerem do pai. Então,
Milton foi ser ajudante de mestre de obras aos 14 anos. Aprendeu a profissão com um
mestre de obras conhecido de seu irmão. Na época estava completando 14 anos e pesava
cerca de 50 kg, porém, os pacotes de cimento tinham o mesmo peso e o mestre não via
potencial nele para ajudar na obra, mas a partir da insistência de Milton, incluiu-o na
obra. Desejou trabalhar porque "em casa morava nós, eram 05 irmãos tudo pequeno, aí
eu parti para esse ramo de construção civil". Deste modo, precisou deixar os estudos aos
poucos "aí foi tempo que a gente foi crescendo e foi largando o estudo e pensando no
futuro para trabalhar, quer dizer, nós não pensamos no estudo na verdade". Chegou a ser
vendedor de picolé e jornal, mas acabou voltando para a construção civil, pois
acreditava que era de onde conseguia uma renda melhor, apesar de ser "pesado". “Aí...
fui trabalhando, trabalhando, aí fui desenvolvendo, fui desenvolvendo, fui crescendo".
Trabalhou ainda no distrito industrial, mas seu irmão o aconselhou a se
profissionalizar na construção civil, então seguiu o conselho e trabalhou como ajudante
até conseguir uma oportunidade como pedreiro. Construiu sua casa nos fundos da casa
da sua mãe. Sua mãe hoje é aposentada, tem um irmão ferreiro, outro mecânico e 2
feirantes. Para se divertir, costuma beber com os colegas da obra depois do futebol, no
final de semana em que recebem. Possuía uma boa relação com os irmãos, com exceção
do irmão mais velho, porque tinham conflitos em função dele ser "mandão". Com a
mãe, aprendeu a ser responsável e nunca "deixar de honrar com seus compromissos".
Durante a juventude, não gostava de festas, apenas de trabalhar. Começou a
beber aos 17 anos, pois "geralmente quando trabalhava assim trabalha avulso, você
recebe por semana, então você juntava com os colegas, 05, 06, tem pedreiro, servente,
carpinteiro, pintor, eletricista ‘Para aqui, vamos tomar uma cerveja’, a semana todinha
trabalhando por que a gente não pode tomar uma cerveja, né? Ninguém é de ferro, é isso
que eu falo, paremos lá ‘Ah não, não quero’, ‘Toma aí rapaz’, então bastou estar lá, foi
aí que até hoje, não é assim, mas é dia de vale e dia de pagamento". Entre seus dois
relacionamentos mais duradouros, viveu um na juventude que durou 3 anos, mas
terminou porque ela tinha um filho e precisou mudar de estado.Com ela aprendeu "a ser
uma pessoa honesta, digno do que fazer e honrar com os compromissos". Próximo de
completar 15 anos saiu de casa para morar sozinho pagando aluguel, pois vivia atritos
com o irmão mais velho que era muito rígido. Uma dificuldade que vivenciou foi o fato
de, por ser menor de idade, não poder trabalhar.
98
Os momentos mais prazerosos que viveu foram quando jogava bola. Aos 19
anos viveu sua primeira união estável, o relacionamento durou 7 anos e acabou, pois,
sua esposa tinha muito ciúme dele e sentiu-se sufocado frente às cenas feitas por ela.
Segundo Milton, eram acusações inventadas por ela. Teve dois filhos com essa
companheira. Durante o relacionamento, sua esposa tentou matá-lo por sufocamento
com o travesseiro por ciúmes. O segundo relacionamento durou 6 anos e não deu certo
porque a sua esposa já possuía um filho e ao ter um filho de Milton, ela gostava de sair
e não cuidava da criança que chegou a adoecer, então ele decidiu se separar. O terceiro
relacionamento durou 2 anos e acabou porque a esposa não tratava bem o filho de
Milton e muitos conflitos foram gerados por isso, então decidiram se separar,
principalmente porque ela chegou a agredir a criança. Milton se considera "um cara
tranquilo, nunca procurei, assim, de responder, falar, gritar, sempre converso, sempre
converso". Mora sozinho com o filho mais novo, os demais moram com a primeira
esposa. Atualmente é solteiro, acredita que ainda não achou a pessoa "certa" para casar.
Possui amigos do tempo de sua infância e se relaciona bem com eles. Considera a mãe e
um irmão como pessoas que mais o ensinaram sobre a vida e com quem tem um bom
diálogo. Uma de suas principais lembranças da adolescência foi o fato de ter se
apaixonado por uma moça e se envolvido com ela, mas com pesar relatou que ela foi
morta na idade adulta em função de violência contra a mulher cometida por seu atual
companheiro. Nunca ouvir falar nas palavras "gênero" e "ética", mas ao receber a
explicação do que investigamos como ética na pesquisa, ele respondeu que ética quer
dizer "respeito". Em suas relações, perante conflitos, "preferia ficar quieto, calado,
porque senão ia até apanhar".
Milton relatou uma história de vida em que foi abandonado pelo pai, mas
recebeu o suporte da mãe que assumiu sua educação sozinha e dos demais filhos.
Recebeu uma educação baseada no afeto e no trabalho como responsabilização para um
futuro “melhor”. Admira bastante sua mãe que é caracterizada por ele como “guerreira e
batalhadora”. Aprendeu a dar valor ao trabalho e ao diálogo para uma vida desprovida
de pobreza e com parceria desenvolvida com as mulheres com quem teve relação
conjugal. Palavras como respeito, ajuda, confiança e diálogo foram frequentemente
usadas por ele ao se referir a uma relação. Segundo Milton, seus 3 relacionamentos
anteriores não obtiveram êxitos por motivos de ciúmes, separação geográfica e agressão
ao seu filho por parte de suas parceiras.
99
A pesquisadora questionou o participante sobre o que ele acreditava ser uma
forma de se conduzir em uma relação para que esta fosse satisfatória para o casal. Entre
seus principais argumentos, Milton destacou que o diálogo como demonstração de
respeito, cumplicidade e confiança. Para ele, o diálogo possui o sentido destes 3
aspectos mencionados e se classifica como ética para Milton.
“O que favorece um relacionamento, na verdade, é você ter respeito,
conversar com seu companheiro ou companheira, que às vezes você passa o
dia trabalhando aqui em uma empresa dessas, no solzão quente, é
encarregado ‘Vem para cá, faz aquilo, vem para cá’, o que acontece aqui em
um canteiro de obra você tem que deixar aqui no canteiro de obra, não levar
para casa, entendeu, porque geralmente você está com cabeça quente, aí você
sai daqui você chega em casa, você joga em cima da sua esposa, que não tem
nada a ver. Então, a mesma coisa a sua esposa, a esposa que está em casa
esperando por você, que você vai chegar na porta de casa a mulher vem com
uma cara desse tamanho, já vai logo te xingando, vai falando, entendeu.
Então esse negócio de pessoas que se amigam juntas tem que ter respeito,
respeitar um ao outro e confiar um no outro, que é uma coisa que tem que ter
porque se não tiver, não vão viver juntos, não vive com qualidade nenhuma, e
ajudar, conversar, entendeu? Diálogo! ‘Como foi teu trabalho?’, é isso”.
O participante defendeu a assunção das tarefas domésticas pelo homem como
demonstração de cumplicidade que favorece a vivência de uma relação satisfatória para
ambos, o que denota a desconstrução dos papéis cristalizados de gênero quando se
refere que se orgulha em lavar roupas melhor que suas parceiras:
“todas as mulheres com quem eu convivi nunca esperei por elas, eu sempre
procurei fazer, não esperar por elas, sempre ajudando elas a dar conta, tanto é
que quando eu vivia com elas eu lavava roupa melhor do que elas, não sei se
era para me enganar, mas roupa branca para mim tem que ser bem branca
mesmo, bem limpinha, se tiver um pretinho para mim já está suja, aí para
mim é uma coisa que eu gosto de coisa branca limpa”.
Além da responsabilidade mútua pelo cuidado da casa, o participante defendeu
também, que a cumplicidade nos afazeres domésticos está relacionada ainda a busca do
entendimento do outro, de sua rotina. Para ele, o trabalho fora de casa equivale-se ao
trabalho doméstico, visto que demandam o mesmo nível de dificuldades tanto para a
mulher que fica em casa, quanto para o homem que sai para trabalhar, e quando se
busca considerar essa dificuldade vivida por ambos, exerce-se a cumplicidade e
desenvolve-se a igualdade.
“Eu procurava no máximo entender, entendeu, entender porque quando está
em casa tem uma dificuldade porque ‘Ah porque em casa eu faço isso e
aquilo, não! é que nem no teu trabalho, aqui a gente lava, passa, tudo isso’ ”.
100
Ao se referir às contraindicações éticas para uma relação, Milton ressaltou que a
agressão é algo que dificulta a vivência da relação por se configurar como uma atitude
contrária ao diálogo, ao afeto, ao cuidado e à valorização do outro.
“Quando tem discussão você passa para agressão, então a melhor coisa que
você tem que ir é conversar, resolver, melhor coisa que você tem é resolver
conversando...a pessoa quando gosta... Uma pessoa quando gosta de outra
pessoa ela não bate, não maltrata, entendeu, procura dar valor, cuidar daquela
pessoa”.
Milton descreve-se como um sujeito masculino adepto ao respeito, à franqueza,
à coerência e à cordialidade através do diálogo e da tranquilidade, visto que já foi
agredido e já foi vítima de tentativa de homicídio. Segundo ele, necessitou desenvolver
tais habilidades porque caso tentasse reagir às suas companheiras durante conflitos,
corria o risco de ser agredido, "preferia ficar quieto, calado, porque senão ia até
apanhar". Com a mãe, irmão e companheiras aprendeu a respeitar as pessoas, bem
como, a respeitar a si, visto que devido suas relações não terem êxito, preferiu ficar
sozinho e ser mais criterioso com a busca de uma parceira, pois não queria viver
relações de violência ou maiores diferenças por enquanto, por isso estava solteiro e
morava com o filho, responsabilizando-se pela educação do menino. As figuras da mãe
e do irmão o orientaram na constituição de sua masculinidade para a responsabilidade, a
coerência, a autonomia e o respeito. Milton procurou se distanciar de figuras de
violência e desrespeito como suas ex-parceiras e seu pai, tentando centrar-se em figuras
que reforçassem em si o respeito e o diálogo para a vivência do afeto.
“O que eu sou, eu sou um cara sincero, gosto de respeitar, gosto de conversar,
que é uma coisa que eu gosto ... então eu gosto de ser sempre correto, com
coisa certa, tem que ser certo para mim, e conversar e dizer o que é verdade,
se é verdade é verdade, se é mentira é mentira, então falo a verdade...Eu
sempre fui um cara tranquilo, nunca procurei, assim, de responder, falar,
gritar, sempre converso, sempre converso”.
Em suma, compreendi que Milton ao se referir à constituição de sua
masculinidade como um processo em que aprendeu a ser adepto ao diálogo e ao respeito
para uma relação, em poucas situações se refere a palavras como amor, paixão e afeto.
Pela maneira como ele descreve o desenvolvimento de suas relações, Milton considera a
ética de ser respeitoso através do recurso do diálogo como antecedente à produção
afetiva na relação. Ou seja, o afeto pode ser algo desencadeado pelo estabelecimento do
101
respeito ou durante o desenvolvimento da relação. Tanto que hoje, Milton procura a
parceira “certa”, ou seja, alguém que possua os “requisitos” para uma relação
satisfatória. Suas experiências conjugais o ensinaram como um relacionamento pode ser
insatisfatório, então Milton, hoje tem o cuidado de procurar se relacionar somente com
quem possa favorecer junto com ele essa relação satisfatória buscada. Percebi que o
participante sabe o tipo de pessoa com quem não quer se relacionar hoje, porém, ele
demonstra não saber como encontrar essa pessoa e nem qual seria o tipo de pessoa que o
atrairia para uma relação. Conclui que preferindo manter-se solteiro, Milton reflete
sobre isso enquanto fica consigo mesmo e seu filho.
Milton foi educado por uma mãe independente que se lançou a trabalhar no
distrito industrial para sustentar os filhos enquanto o pai os rejeitava. Ela ensinou as
crianças a trabalharem e se responsabilizarem pela situação econômica da família. Tal
processo pode ter ensinado Milton a cuidar da casa e a valorizar o trabalho da mulher
fora de casa, considerando o peso que as tarefas de casa exerciam também sobre ela,
fato que o ajudou a compreender a questão feminina do trabalho e da multijornada e o
sensibilizou a colocar-se mais facilmente no lugar delas. Tais ensinamentos podem ter
ajudado Milton na desconstrução de alguns papéis cristalizados de gênero e a acreditar
que através da cumplicidade nos afazeres de casa, seria possível obter uma relação mais
igualitária que favoreceria a satisfação de ambos na relação.
Milton se negou a identificar-se com o irmão “mandão” e acabou se
identificando mais com o irmão adepto ao diálogo, o que contribuiu também com sua
constituição masculina. Sua socialização ocorreu com colegas de rua e depois com
colegas de trabalho e segundo ele, a necessidade de se socializar, exigia também o
cumprimento de rituais para ser reconhecido como homem, o que o aproximou do
álcool. E tal socialização se tornou seu momento de lazer. Porém, a socialização
masculina pela qual passou, favoreceu a inclusão em um grupo, mas não favoreceu a
interação de afetos como o desabafo de problemas, segundo Milton, ele não tem
amigos, assim como Tim, amigos só considera a mãe. Percebi que essa construção
social da masculinidade é feita por referências familiares, por necessidades, por
preferências, bem como por estratégias de autopreservação, dentre outros.
102
[...] os sentidos não são respostas fáceis, imediatas, mas são históricos.
Constituem-se a partir de complexas reorganizações e arranjos, em que a
vivência afetiva e cognitiva do sujeito, totalmente imbricadas na forma de
sentidos, é acionada e mobilizada. A mobilização interna e a qualidade desses
arranjos e rearranjos vão depender tanto do momento específico do sujeito,
como das condições objetivas geradoras da mobilização. Essa situação, como
uma totalidade, afetará e tencionará, de modo especial a algumas zonas de
sentidos (específicas, apesar de fluidas e contraditórias), não necessariamente
ligadas, de modo claro e direto, à situação específica estimuladora, mas
àqueles sentidos que, pelo seu ‘tom emocional’ (Vygotsky, 2003), foram
naquele momento, mais intensamente acionados. Seguramente, tais sentidos
foram constituídos ao longo da história do sujeito, a partir de situações
outras, contendo outros apelos, tanto cognitivos quanto afetivos” (AGUIAR
et al., 2009, p. 63-64)
Refletir essa construção social da masculinidade seria uma forma de
compreender como as masculinidades se tornaram o que são hoje e que masculinidades
gostariam de se tornar para relações satisfatórias. Espaços de reflexões da construção
social da masculinidade e das relações poderia ser uma oportunidade para questionar as
funções rituais como a socialização pelo álcool vivida por Milton e a essencialidade do
imperativo de que um sujeito homem não deve ter amigos, porque não deve confiar seus
sentimentos a outros homens.
O sentido de ética de Milton trata-se do diálogo como demonstração de respeito,
cumplicidade e confiança. Pode-se perceber que as experiências positivas e negativas de
relações vividas por Milton o auxiliaram a construir sua masculinidade e seu sentido de
relação atual, onde refletindo sobre o que seria mais coerente Milton busca “acertar” em
suas novas relações, refletindo sobre elas de forma que procura uma pessoa “certa” para
se relacionar, e nesse interim, prefere permanecer solteiro. Tal conduta pode apresentar
Milton como uma masculinidade reflexiva em relação a um ideal de relação que
acredita ser conduzido pelo respeito e o diálogo. Ele sabe o que quer, mas reflete
sozinho isso, sem a participação de um outro nesse processo, por isso, pode ainda se
referir a uma relação ideal.
Quanto a sua contraindicação ética para uma relação, Milton mencionou a
agressão entre o casal. Ele afirmou que nunca usou de violência com suas parceiras, mas
que já foi vítima de agressão por elas. Ao ser perguntado se alguma vez fez boletim de
ocorrência sobre a agressão, respondeu que não, demonstrando inicialmente que não se
tratava de algo comum e depois certa vergonha. Não tem como saber se Milton chegou
a agredir também suas parceiras, mas sabe-se que já foi vítima da violência conjugal e
se calou. Considerar a violência como um funcionamento conjugal em que neste há o
compartilhamento de significações que constroem sentidos éticos distintos e
103
consonantes entre os sujeitos da relação e que esses sentidos éticos se refletirão em
condutas de um para o outro, trata-se de uma possibilidade para pensarmos a ética que
sustenta a violência ou que a encerra na relação. Ao invés de apenas se pensar os lados
da violência, há a necessidade de pensar o funcionamento das relações violentas e as
éticas sustentadas pelos componentes do casal na referida relação que faz a manutenção
desta, que a torna um ciclo violento.
Os parceiros de interação, através de suas ações, podem lançar um recorte ou
interpretação diversa, resultando no confronto e necessidade de negociação
de novas significações as quais, por sua vez, irão reestruturar o contexto e a
rede de significações do sujeito e dos demais parceiros. Desta forma, segundo
esta visão de desenvolvimento, não cabe uma perspectiva evolutiva em um
sentido sempre ascendente. A construção de significações por parte do sujeito
ocorre em negociações dinâmicas e permeadas por crises, que determinam,
sempre, a perda de outras possibilidades, por vezes até então existentes, ou
que não chegam a se efetivar. (ROSSETTI-FERREIRA, 2000, p.21).
O respeito e o diálogo como conduta ética para uma relação de gênero
satisfatória revela que, a construção da masculinidade de Milton baseada no respeito,
franqueza, coerência e cordialidade, reflete-se no sentido dele sobre como se conduzir
em uma ralação para a satisfação do casal. Ou seja, compreendo que para se pensar as
relações necessita-se incluir nesta reflexão a construção social das identidades de
gênero. Além disso, Milton destaca em suas falas que o afeto não seria o principal
componente de uma relação satisfatória, mas o funcionamento dela baseado no diálogo
como demonstração de respeito seria fundamental. O participante indica a possibilidade
de que uma relação possui uma complexidade que precisa ser refletida, visto que nela
existe a necessidade do afeto, mas também de um funcionamento igualitário e para isso,
os componentes do casal precisam desenvolver o recurso do diálogo para compatibilizar
o respeito às necessidades da relação e das suas performatividades de gênero.
3.2.5. Chico – a parceria como ética para uma possível simetrização na relação.
“Tudo o que a gente faz, tudo o que a gente decide, tudo o que a gente
trabalha junto. Tudo isso é conversado, não é, "ah, vou fazer... Não!”. Tudo é
conversado....Graças à Deus. Nós vendemos muito Romanel, nós vendemos
Jequiti, aqui e na obra dela. A gente vai vivendo... Eu acho que
relacionamento é aquelas pessoas que vivem junto bem, trabalham, se
esforçam...”
Chico é um pedreiro de 32 anos de idade que já viveu 1 relacionamento que
durou 10 anos e atualmente, vive outro há 3 anos. O primeiro relacionamento o ensinou
104
a necessidade do diálogo, do carinho e da parceria para que uma relação se tornasse
satisfatória. No atual relacionamento, vivencia tais aspectos e julga-se bastante satisfeito
com a maneira como a relação é conduzida por ambos. Antes de abordarmos o núcleo
de significação revelado por Chico, vejamos sua história de vida.
Chico é natural de Manaus/AM, filho de pai pedreiro e mãe lavadeira, a família
era composta por 12 filhos. Sua mãe era muito esforçada e seu pai muito trabalhador e
ambos possuíam uma relação de bastante união entre eles e carinho com os filhos.
Aprendeu a ser trabalhador com os pais. Desde os 8 anos trabalhava com o pai que era
pedreiro e também carpinteiro. Aos 10 anos foi morar sozinho em casa alugada porque
queria "crescer na vida", nessa época trabalhou como caseiro na residência de um
mecânico que precisou viajar. Aos 13 anos foi contratado por uma instituição para
trabalhar como aprendiz, qualificou-se e permaneceu trabalhando no mesmo lugar até a
vida adulta. Morou em abrigo para conseguir a função de aprendizagem e depois de 2
acidentes de trabalho, pediu demissão, passou 9 anos nessa instituição. Em seguida, foi
morar no interior e passou 3 meses lá, onde conheceu sua primeira esposa, viveram 10
anos juntos. Nessa época, trabalhou 6 anos no distrito industrial como ajudante de carga
e descarga e depois conferente e conferente líder. Sua esposa não trabalhava apesar dos
incentivos de Chico para que ela trabalhasse também. A união estável acabou porque a
relação "esfriou", além disso, Chico reclamava que ela não possuía iniciativa para
resolver os problemas. Ele construiu uma casa para ela e seus 3 filhos e a deu.
Depois do primeiro relacionamento, Chico ficou sozinho e hoje está há 3 anos
casado com uma nova esposa que o pegou de surpresa ao organizar o casamento no civil
sem comunicá-lo, mas ficou muito feliz com a iniciativa desta. Ela já possuía 2 filhos de
um relacionamento anterior e hoje ambos vivem com o casal. A esposa também é da
construção civil e trabalha como rejuntadora. Chico possui relação estável, segundo o
mesmo, com os 3 filhos da primeira relação, vendo-os no final de semana e paga pensão
para estes. Em seu atual relacionamento, demonstra-se muito satisfeito, porque "tudo é
conversado" e porque "a gente trabalha junto". Acredita que o diálogo e o carinho são
muito importantes para uma relação, fato que aprendeu com o primeiro relacionamento
amoroso que não deu certo pela ausência disso.
Chico não sabe o que significam as palavras "gênero" e "ética". Estudou até a
quinta-série. Uma recordação boa que possui foi o fato de trabalhar em equipe quando
estava empregado como aprendiz. Uma recordação difícil foi a vida morando sozinho. É
pedreiro há 3 anos. Foi trabalhar na construção civil porque era uma forma de "ganhar
105
mais", mas pensa em ter um negócio próprio junto com a sua esposa. Para
“desestressar”, consome álcool. Para resolver os conflitos intra-conjugais, gosta de
conversar "tudo o que acontece, as diferenças a gente conversa".
Chico relatou uma história de vida em que seus pais e irmãos se relacionavam
com afeto e união. Vivendo uma infância pobre, começou a trabalhar muito cedo,
chegando a morar sozinho no início de sua adolescência. Orientado pelo objetivo de
“melhorar de vida”, sempre trabalhou bastante e não tinha tempo para “namoricos”,
priorizando sua renda e seu desempenho no trabalho. Após viver um relacionamento
que não deu certo porque este “esfriou” (sem carinho e sem diálogo) e porque sua
esposa não tinha “iniciativa para nada”, ficou sozinho e em seguida encontrou uma
pessoa com quem vive até hoje, uma parceira com perfil diferente de sua primeira
esposa, alguém que possui iniciativa e é adepta do diálogo e do carinho para
“crescerem” juntos.
A pesquisadora questionou o participante sobre o que ele acreditava ser uma
forma de se conduzir em uma relação para que a mesma fosse satisfatória para o casal.
Entre seus principais argumentos, Chico destacou a necessidade do diálogo de iniciativa
dos dois componentes da relação, para uma cumplicidade, para uma parceria, para
acordos.
“no casamento a gente tem que ter conversa, em uma família tem que ter
conversa tanto da mulher como o homem. Onde ele está errado, onde a gente
pode consertar... Eu acho que relacionamento é aquelas pessoas que vivem
junto, bem, trabalham, se esforçam para ter aquilo... Eu acho que, eu falo
com ela assim, tudo o que acontece, as diferenças a gente conversa. A gente
vai passear, "bora.", a gente vai trabalhar junto, "bora.", entendeu?”.
Para complementar seu sentido ético de relação de gênero, Chico afirmou que o
diálogo é capaz de combater o individualismo e favorecer o atingimento de objetivos de
vida ao produzir cumplicidade, acordo, metas, responsabilidades e trabalho em conjunto
para viverem uma estabilidade financeira e conjugal.
“Tudo o que a gente faz, tudo o que a gente decide, tudo o que a gente
trabalha junto. Tudo isso é conversado, não é, "ah, vou fazer... Não!” Tudo é
conversado....Graças à Deus. Nós vendemos muito Romanel, nós vendemos
Jequiti, aqui e na obra dela. A gente vai vivendo... Eu acho que
relacionamento é aquelas pessoas que vivem junto bem, trabalham, se
esforçam para ter aquilo, para comprar alguma coisa, um objetivo na vida..
ela diz: "olhe, tem um serviço pra gente fazer, quer ir lá?", eu digo, "bora.".
Um ajudando o outro. Uma vez estava, ela é rejuntadora, ela pegou um
contrato para fazer sábado e domingo e eu fui com ela”.
106
Chico se refere ainda aos efeitos do diálogo. Ele percebe que quanto mais o
diálogo for desenvolvido, maior será a capacidade de os componentes do casal serem
empáticos um com o outro e assim, alcançarem uma satisfação para ambos através da
relação.
“É. Essa aí tudo que a gente pensa quando eu vou falar ela já tinha falado,
tudo dado certo, graças à Deus”.
Em contrapartida, a contraindicação ética para uma relação mencionada por
Chico se trata da “falta de diálogo e carinho” da parte de ambos. Segundo o
participante, há uma importância do diálogo e do afeto entre os componentes do casal,
mas ele complementa que a iniciativa em relação a esses dois aspectos se deve a ambos
e não somente a um, além disso, precisa ser espontânea.
Chico não usou de uma descrição para dizer sobre sua masculinidade,
mencionou apenas que o aspecto importante de sua performatividade masculina é o fato
dele incentivar suas parceiras a trabalharem, a buscarem “algo melhor” porque
relacionamentos acabam e estas precisam garantir algo para si, sendo autônomas. Por ter
colegas mulheres, incentivava estas, bem como sua parceira a se desenvolverem
financeiramente, para conquistar sua independência em seus relacionamentos:
“Eu sempre incentivava as mulheres, no caso ela ou as outras que eu
converso porque eu tenho muita colega mulher e eu digo assim, "olha, vocês
têm que arrumar um trabalho porque, às vezes, nem tudo dá certo para nós””.
Chico apresenta uma performatividade masculina baseada nos valores do
trabalho e da igualdade, isso se reflete em suas relações quando se refere ao seu
relacionamento conjugal como um trabalho em equipe para o desenvolvimento da
família com afeto e parceria, em que desconstrói concepções cristalizadas de gênero que
julgam a mulher como representante do lar. Sua esposa é rejuntadora e trabalha em uma
obra, exercendo um trabalho no mesmo ramo que o seu e ambos trabalham bastante
para conseguir estabilidade na vida e criarem os filhos. Como seus pais que trabalhavam
fora de casa, Chico se referenda nesse tipo de relação para viver a sua. Além disso,
aprendeu com o relacionamento anterior as atitudes que ajudam um relacionamento a
107
falir e compreendeu o que necessitaria desenvolver na sua próxima relação para que ela
fosse satisfatória.
O participante se foca bastante em seus desempenhos e se demonstra flexível
para aprendizados que o ajudem a desenvolver sua vida. Desta feita, percebi que Chico
procura em sua parceira valores que se assemelhem aos dele, porque se apega aos
valores que dão certo e o distanciam do retrocesso, mas também se demonstra aberto a
novos aprendizados que o ajudem a evoluir, tanto que acredita que o diálogo que produz
os acordos é sua principal ferramenta para lidar com os problemas e com necessidades
para o desenvolvimento do casal. Foucault (2012), fundamentando-se na Erótica
Platônica, define o que eu poderia falar de Chico quanto ao seu sentido de relação. O
sujeito participante não procura a metade de si mesmo em uma parceira, e sim a verdade
com a qual se identifica, concorda ou admira. Uma verdade que o ajudaria a se
desenvolver, uma verdade com a qual se sente aparentado a partir da sua própria
verdade.
A dinâmica explorada no parágrafo anterior orienta a constituição masculina de
Chico e se desenvolve em suas relações, o que tem favorecido estas e produzido
satisfação para ele na maneira como se conduz em relação ao outro. O que o faz
acreditar que o diálogo para o afeito, cumplicidade e parceira é responsável pela
simetrização entre os componentes da relação, o que favorece a vivência de uma
satisfação nesta.
Ainda se referindo ao diálogo, Chico relaciona o diálogo à empatia, afirmando
que o nível de diálogo se compatibiliza no nível de empatia do casal e este processo
desenvolve a relação de forma satisfatória. Tal construção ética sugere a importância da
sintonia entre as subjetividades que optam em se relacionar. A referida sintonia pode ser
entendida como o que Foucault (2012) discute em seu livro História da Sexualidade II:
o uso dos prazeres, o autor afirma que o trabalho de si como uma “elaboração do
trabalho ético”, objetiva o alcance da Teleologia, ou seja, o sujeito a partir do artesanato
que faz de si nas relações se transformará em um “sujeito moral de sua própria
conduta”, onde não agirá somente conforme as regras. Este produzirá um modo de ser
(uma conduta ética) que alcançará o que ele mesmo considera como sujeito moral,
estabelecendo uma posição própria frente aos preceitos morais e se tornando o sujeito
moral que ele mesmo considera ser um sujeito moral. E alcançando essa teleologia, ele
poderá desfrutar de “uma tranquilidade perfeita da alma”, o que para Chico, pode ser
uma sintonia perfeita com sua parceira, para a tranquilidade de sua alma.
108
O possível alcance de tal teleologia referida por Foucault, segundo Chico,
ocorreria através do diálogo, visto que o sujeito avaliaria suas ações a partir do discurso
do outro e construiria uma conduta para si baseada na reflexão do que deseja viver em
uma relação e do que é demandado pelo outro e por ele próprio no alcance de tal
vivência satisfatória. No processo de constituição de sua subjetividade, o sujeito
considera seu contexto, suas relações e suas identificações bem como confrontações no
fundamento das redes de significados que compõem os sentidos em sua vida e nesse
processo, a empatia seria o objetivo de Chico em sua conduta ética, para isso,
desenvolve o diálogo para o alcance de tal objetivo. Tal empatia pode ser entendida
como uma igualdade semiótica, ou uma só linguagem da relação para ambos
(organização de uma linguagem mútua), e essa linguagem compartilhada e sustentada
por eles através dos significados, auxiliaria cada um constituir um sentido ético de
relação que se convergiriam e contribuiriam com a vivência de uma plena satisfação na
relação. Essa linearidade poderia não ser possível, visto que os sentidos não se
constituiriam de maneira tão cartesiana, mas complexa, dinâmica e multifatorial. Porém,
para o participante, isso seria possível e por isso busca. Mas vale à pena refletir tal
desejo dele e relacioná-lo à possibilidade e se criar contextos sociais que permitissem e
incentivassem abstrações como esta de Chico. O participante busca sentidos éticos para
as suas relações, discutindo as possibilidades, limitações e novas formas de ser e se
relacionar.
Constrói-se, desta forma, a consciência individual, formada pela impregnação
da pessoa pelo conteúdo semiótico historicamente criado por grupos sociais
organizados, com os quais se relaciona. Os signos em geral, e a linguagem
dentre eles, são apropriados através da interação com parceiros diversos –
cada um com recursos sócio-históricos de ação e nível de desenvolvimento
diferentes – em práticas sociais diversas, onde os indivíduos confrontam os
significados que atribuem às situações e às suas próprias ações. O
comportamento é, portanto, um fluxo contínuo, recortado, interpretado,
significado pelo contexto, pelas próprias ações, pelas ações do outro e pela
situação, sendo continuamente constituído e transformado, ao mesmo tempo
que constitui o outro e a situação. Nesse processo, ocorre uma contínua
transformação da rede de significações, enquanto constituem-se,
reciprocamente, a subjetividade e os conhecimentos de cada indivíduo.
(ROSSETTI-FERREIRA, 2000, p.22).
Chico acredita que a cumplicidade confere igualdade e satisfação aos
componentes do casal, visto que ambos constroem juntos a relação e dão ritmo e
harmonia à conjugalidade, o que gera os resultados esperados. Mas, para ele, tal
igualdade exige também o cumprimento de responsabilidades no acordo do
109
relacionamento, ou seja, existe um fluxo que necessita funcionar e que ambos precisam
estar engajados nisso, tal fluxo é sustentado pelo diálogo e pelo cumprimento das
responsabilidades acordadas, por este motivo, para o participante, a ausência do diálogo
e do carinho por iniciativa espontânea dos dois pode ser uma contraindicação para a
relação. Porque a ausência do diálogo e do carinho interrompe o fluxo e tira o
fundamento afetivo deste.
Chico sustenta um sentido ético de relação em que o diálogo é o principal
representante simbólico da relação, pois ele é quem será o elo subjetivo entre os
componentes do casal e a linguagem que sustentará o fluxo de afetividade/conveniência
que baseia a relação. Assumir um acordo que leva em consideração a igualdade, o
trabalho em conjunto, as responsabilidades e o afeto espontâneo mútuo, seria uma
forma de se desenvolver a cumplicidade que conferiria benefícios à relação e essa, se
tornaria cada vez mais satisfatória. Chico nos traz um sentido ético que tem feito,
segundo ele, sua relação “dar certo” e para isso ressalta a desconstrução dos papéis de
gênero, o trabalho de si, a afetividade, os valores familiares, o acordo e a perspectiva
como componentes da complexa dinâmica que constrói as relações. Proporcionar que
sujeitos masculinos como Chico possam falar de suas estratégias para a construção de
uma relação satisfatória pode se tratar de uma importante ação para a valorização da
experiência masculina nas relações, de forma que relatos como os dele sejam uma
perspectiva para homens que objetivem tal experiência. Dar voz a sujeitos masculinos
como Chico é uma forma de difundir as possibilidades de vivências masculinas mais
criativas e libertárias.
A construção deste trabalho trouxe contribuições às discussões de gêneros
voltadas aos homens e às relações. Partir da perspectiva de uma construção social da
masculinidade e associá-la à produção das relações de gênero através da construção
ética do sujeito possibilitou considerar a produção subjetiva da identidade de gênero em
uma sistematização intrinsecamente relacional.
As experiências de afeto e igualdade na construção subjetiva do homem podem
favorecer que este constitua uma ética baseada no cuidado e no diálogo. Visto que a
referência de relações igualitárias e de afetiva vinculação pode orientar a necessidade de
produzir um contexto favorável às relações para que estas sejam norteadas (ou mesmo
reproduzidas, como no caso de Odair) da referência inicial que foi exitosa na construção
da subjetividade do sujeito homem. Tal construção ética pode nos revelar a
possibilidade da consideração, reflexão e desenvolvimento de educações, socializações,
110
éticas e outros aspectos relacionais que favoreçam vivências mais satisfatórias de
gênero. Mas para isso, o projeto de uma sociedade necessita favorecer que seja
valorizada, pensada e discutida a dimensão relacional para se descobrir e experimentar
vivências mais criativas e libertárias para todos.
Para alguns sujeitos masculinos que tiveram a oportunidade de vivenciar
relações afetivas suficientes para utilizarem essas como referências para as demais, a
construção de um contexto e de uma condução ética favorável às relações satisfatórias
pode ter um nível de complexidade distinto daqueles que viveram intensa violência em
sua construção social de suas identidades de gênero. Certos homens podem construir um
referencial de relação que busque relacionar ética e justiça, mas apresentam dificuldade
em
sustentar
tal
orientação,
visto
que
não
conseguiram
experimentar
e
psicossocialmente aprender isso (como é o caso de Zé). Nas relações destes homens, o
conflito e o imperativo (do machismo ou necessariamente da rigidez) são presentes e
produzem sofrimentos que auxiliam a cristalizar cada vez mais as experiências de
gênero, escassamente existindo oportunidades de reflexão da construção social
masculina e o reflexo disso nas relações de gênero. O funcionamento de homens, que
não têm a oportunidade de refletir seus sentidos éticos e que reproduzem formas de lidar
aprendidas, dificulta a vivência de uma igualdade, tal sentido de igualdade muitas vezes
é revestido de desigualdade em virtude da ausência da reflexão e do exercício da
conveniência e da banalização das relações.
Em contrapartida, existem sujeitos masculinos que conseguem “dar o salto”, ou
seja, transpor a dificuldade de perceber sua inflexibilidade e por vezes o seu
funcionamento machista em busca de uma experiência relacional exitosa. Tim
contribuiu com esta pesquisa ao sugerir que seria possível com o outro, aprender a ser
melhor para si, sendo melhor para esse outro. A iniciativa de sujeitos como Tim
necessita de atenção e voz, visto que a dialética apontada pela ética defendida por Tim,
não se trata de uma busca simples e encontra entraves na relação e no social. Espaços de
reflexão e uma sociedade que incentive a transformação das relações partindo das
desconstruções das vivências de gênero cristalizadas auxiliariam esses sujeitos em suas
caminhadas, bem como, suas parceiras, suas famílias, seus amigos, suas vidas.
O afeto seria um componente importante para as relações, mas homens como
Milton acreditam que não só de amor, vive uma relação. O respeito, a franqueza, a
coerência e a cordialidade seriam aspectos importantes às relações e que deveriam partir
dos componentes do casal. Sendo assim, o afeto não garantiria o êxito de uma relação,
111
mas o desenvolvimento de uma série de habilidades para a sustentação desta. O
desenvolvimento de tais habilidades seria compatível à evolução do diálogo.
Determinadas músicas e produções literárias na contemporaneidade trazem a
centralidade do afeto nas relações e escassamente se discute o que mais uma relação
precisa. Será se só o amor é o essencial? Seria importante refletir as relações e suas
constituições para chegar a conclusões sobre o que cada relação precisa. A sociedade
basear-se em romances e manuais amorosos pode estar limitando suas possibilidades
relacionais.
O acordo intersubjetivo proporcionado pelo diálogo é uma ferramenta produzida
pela ética defendida por Chico, assim, a ética que considera o diálogo como sustentação
da relação exerce estratégias que favorecem a linguagem afetividade/conveniência. Por
essa necessidade de conjuntura abstracional, a construção da ética nas relações de
gênero se trata de uma tarefa árdua e complexa, pois depende da desconstrução dos
papéis de gênero, do trabalho de si, da afetividade, da educação familiar, cultura, de
habilidades para o acordo e alteridade, além de perspectiva de vida, dentre outros. Por
isso, necessita tanto de incentivo, reflexão e favorecimento por parte de nosso projeto de
sociedade. Homens como Chico precisam de voz e de valorização da experiência
masculina nas relações, para que outros sujeitos masculinos enxerguem a possibilidade
de refletir suas masculinidades e relações e consigam fazer suas éticas para relações
satisfatórias. Há a necessidade de se incentivar a pensar e criar e não somente investigar
e punir.
As éticas construídas pelos participantes em suas histórias de vida e relações
ressaltaram que as condutas para uma relação satisfatória necessitariam de afeto,
igualdade, respeito (disfarçado ou não de desigualdade), franqueza, coerência,
cordialidade, acordo intersubjetivo e do diálogo. Porém, segundo a particularidade
deles, cada dimensão destas possuiria entrecruzamentos, dinâmicas, sentidos e
intensidades diferentes e que precisariam ser acordadas com essas conjunturas que
também ocorrem no outro, o que revela a complexidade deste processo. O que ajuda a
constatar que as relações possuem uma dialética entre o universal e o intrínseco. Tal
dialética impediria de aplicarem-se manuais de instruções às relações e leis sem
reflexividade às ocorrências de direitos e deveres de gênero, bem como às intervenções
sobre fenômenos das relações de gênero como violência e saúde.
Estes argumentos ajudam a pensar a seguinte questão: se os homens sabem o que
poderia ajudá-los a viver relações mais satisfatórias, por que não conseguem viver isso
112
nas relações? Pode ser que o que eles me disseram que vivem em suas relações pode
não se compatibilizar com a realidade (ou com o que suas parceiras pensam sobre o que
vivem na relação), pode ser que eles tenham dificuldades de viver relações satisfatórias
apesar de saberem como deveria ser, ou não. Em alguns momentos, os participantes
relatam não conseguir exercer o diálogo em suas relações, apesar de acreditar que o
diálogo seja a resolução, ou então contaram situações em suas vidas que apesar de
acreditarem na igualdade de gênero, foram rígidos e machistas. Por que será esse
fenômeno ocorre? Minha hipótese seria de que não basta saber o que fazer, o que fazer é
amplamente difundido no social através de campanhas e movimentos, é necessário
refletir sobre esse fazer como construção ética em que seria necessário que as histórias
de vida das pessoas e seus sentidos fossem consideradas e refletidos juntos com a
necessidade da construção do como se conduzir em relação ao outro para uma vivência
satisfatória a dois.
113
CONCLUSÃO
“[...] É por isso que se há de entender
Que o amor não é um ócio
E compreender
Que o amor não é um vício
O amor é sacrifício
O amor é sacerdócio
Amar
É iluminar a dor
- como um missionário”.
Chico Buarque.
Atualmente, sabe-se o que fazer, mas não se sabe como fazer, por isso a
dificuldade, a lacuna no “lidar”. O saber fazer se baseia em ideais de relação e de
performatividade de gênero que foram instruídas por leis e educação através da história
e cultura, porém, o ideal se baseia na prescrição e não na recomendação, que são ações
diferentes. Quando a organização social institui o que precisa ser feito, ela nega o
aspecto subjetivo em função de um social, porém, partindo da compreensão de que o
subjetivo e o social são indissociáveis, revela-se a necessidade de se constituir ações de
recomendação que incentivem a reflexividade ao invés de se apenas instituir e punir. A
desconstrução de um paradigma de gênero ou a atualização deste necessita da ampliação
da reflexividade dos valores, da contemporaneidade e consequentemente, das relações.
Por este motivo que a necessidade da reflexão ética nas relações de gênero se revela
através dos relatos dos sentidos éticos produzidos por esses homens.
114
Aspectos como abstração, reflexividade, alteridade e assertividade, necessários
ao desenvolvimento do diálogo, destacam-se nas dificuldades e nas potencialidades
relatadas pelos participantes. A ineficiência ou a potência destes aspectos dificultam ou
os ajudam a desenvolver o lidar nas relações. A pesquisa identificou a necessidade dos
participantes em relacionar os sentidos que orientam suas vidas às suas atitudes em
relação a si e ao outro como o cuidado, o afeto e a conveniência.
A construção da ética nas relações de gênero se desenvolve como uma reflexão
cotidiana e contínua, visto que se baseia em uma conjuntura de processos com múltiplos
componentes que geram uma linguagem, um discurso, ou seja, sentidos que orientarão a
maneira de se conduzir em uma relação. Na referida conjuntura, incluem-se os
processos de construção da identidade de gênero e constituição subjetiva,
contextualizados por fenômenos sociais, históricos e culturais. Desta feita, a infinita,
emaranhada e ativa rede de significações que constituem os sentidos éticos nas relações
configuram o caráter complexo do trabalho de si como reflexão ética para uma relação,
em uma relação. Devido à referida complexidade, ressalto como árduo o trabalho de
reflexão ética nas relações e por isso se justifica a intensa necessidade de reflexão das
relações.
Os participantes não associaram suas reflexões éticas à palavra ética em si, na
verdade, não conseguiram fazer uma definição para esta palavra. Não conhecem a ética
pela palavra ética. Tal fenômeno pode revelar o quanto os participantes não possuem
familiaridade com o termo e suas definições, podendo revelar ainda, o quanto nossa
sociedade ainda mantém em círculos inacessíveis a discussão do que seria a ética e da
importância da construção e reconstrução desta no desenvolvimento das relações.
Falando um pouco sobre o percurso da pesquisa, ressalto as dificuldades e o
potencial encontrado nesse caminho. Dentre as dificuldades experimentadas, a rejeição
da primeira construtora a qual submeti a proposta de pesquisa foi um fato que atrasou
bastante o processo de obtenção da aprovação do CEP. A empresa demorou a emitir a
negativa de autorização e eu precisei lidar com a espera e com a atitude da empresa em
não se interessar em ceder seu campo para a realização da pesquisa. Não foram
informados os motivos da rejeição. Perante o primeiro “não”, tive dificuldades em
conseguir o acesso em outra empresa, cheguei a conseguir a autorização de um colégio
próximo à obra da primeira empresa para abordar e realizar a pesquisa com os
trabalhadores da obra que se interessassem em participar da pesquisa, mas tal iniciativa
foi vetada pelo comitê de ética. Outra dificuldade foi, após conseguir a autorização de
115
uma segunda construtora, obter um espaço com privacidade suficiente para os
trabalhadores se expressarem. Por fim, a escassez de tempo dos trabalhadores fez com
que eu necessitasse passar mais tempo na obra. Contudo, dentre os potenciais
encontrados, a necessidade de passar mais tempo a obra favoreceu meu vínculo com os
trabalhadores, além disso, a construtora que autorizou a pesquisa foi bastante
colaborativa para comigo, o que favoreceu a execução deste trabalho.
As possíveis limitações da pesquisa podem ter sido a presença de determinada
parcialidade no discurso dos trabalhadores, visto que estavam contando suas histórias de
vidas em uma sala que não tinha a total privacidade necessária, caso tivesse, quem sabe
conseguiriam relatar mais detalhes de suas histórias. O tempo também foi escasso, visto
que quando os mesmos já estavam se sentindo mais à vontade para falar, o sinal de
retorno do intervalo tocava e o diálogo precisava ir se resumindo aos poucos.
Considero que a pesquisa obteve êxito em seu intento e pode contribuir com
outras pesquisas sobre relações de gênero de forma a construírem discussões sobre
relações mais satisfatórias. Além disso, o desenvolvimento de tal discussão pode
favorecer a construção de políticas públicas que considerem cada vez mais os
fenômenos psicossociais de forma que as pessoas e suas relações sejam trazidas para o
centro da solução. Tal processo pode contribuir para a constituição de um contexto
social, histórico e cultural menos desigual e cada vez mais livre.
Esse trabalho conseguiu contribuir com reflexões sobre possibilidades de
constituir-se e conviver visto que evidenciou considerar a reflexão da construção social
das identidades de gênero nas relações via processos éticos. A ética e sua ação reflexiva
na relação são capazes de constituir orientações para o desenvolvimento da convivência
de forma que duas vidas consigam fazer de uma relação, a satisfação de si, a satisfação
mútua. Por isso, minha mobilização é tecida pelo desejo de contribuir com reflexões
sobre possibilidades de ser e se relacionar. E acredito que o “artesanato cotidiano de si”
na relação com o outro pode revelar possibilidades criativas e libertárias para se viver.
116
REFERÊNCIAS
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122
ANEXOS
123
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
FACULDADE DE PSICOLOGIA
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado (a) a participar da pesquisa “Sujeitos masculinos em construção: sentidos
de ética nas relações de gênero de trabalhadores de uma obra da construção civil em Manaus”. A
pesquisa é de responsabilidade das pesquisadoras Iolete Ribeiro Silva e Fabiane Aguiar Silva e pretende
compreender os sentidos de ética que os trabalhadores produzem em suas relações de gênero.
Informamos que sua participação é voluntária e poderá ser realizada através do preenchimento de um
questionário e pelo relato de sua história de vida. Os riscos que podem ocorrer em relação a você durante
a sua participação na pesquisa são a mobilização de conflitos psicológicos negativos causados pela
mobilização emocional durante o relato de história de vida, se isso acontecer, a Faculdade de Psicologia
oferece o serviço de atendimento psicológico gratuito no Centro de Serviço de Psicologia Aplicada CSPA, na clinica-escola do curso de psicologia da UFAM.
Caso você aceite participar da pesquisa, você estará contribuindo com a construção de conhecimentos
importantes para a produção de intervenções sociais que favoreçam as relações de gênero. Mesmo após
ter aceitado participar da pesquisa, você tem o direito de desistir de participar em qualquer etapa da
pesquisa. Você terá a liberdade de retirar seu consentimento por qualquer motivo e sem prejuízos a sua
pessoa. A participação na pesquisa não ocasionará nenhum custo ou despesa a você.
Os resultados da pesquisa serão publicados, porém, a sua identidade não será divulgada. Se você aceitar
participar da pesquisa, precisamos que você assine este documento, que está em duas vias, uma delas é
sua e a outra é do pesquisador responsável. No caso de dúvidas você pode procurar as responsáveis pela
pesquisa no laboratório de Desenvolvimento Humano da Faculdade de Psicologia da Universidade
Federal do Amazonas, endereço: Av. Rodrigo Otávio, 4200 – Setor Sul – Campus Universitário – Bloco
X, Bairro Coroado, Manaus/Amazonas ou entrar em contato com as mesmas pelo fone (92) 3305-4550 e
pelos e-mails
[email protected] e
[email protected]. Para qualquer outra informação,
você poderá entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa – CEP/UFAM, na Rua Teresina, 495,
Adrianópolis, Manaus-AM, telefone (92) 3305-5130.
Expressando o meu consentimento sobre as informações acima a mim repassadas, afirmo que estou sendo
informado por escrito e verbalmente sobre os objetivos dessa pesquisa e em caso de divulgação,
AUTORIZO a publicação.
Eu_______________________________________________________idade:_____Sexo:_____________
Naturalidade:________________ Portador(a) do documento RG Nº.____________________ declaro que
entendi os objetivos, riscos e benefícios da minha participação na pesquisa e concordo em participar.
______________________________________________
Assinatura do participante
______________________________________________
Testemunha*
______________________________________________
Assinatura do Pesquisador Responsável
Impressão do dedo
polegar. Caso não
saiba assinar.
Manaus, _________ de _____________de 2015
124
INSTRUMENTO DE PESQUISA
I .Questionário sócio-econômico:
Cód. do Entrevistado: ______________
Bairro:____________________________
Idade: _____ Profissão:_____________ Casa própria ( ) Casa Alugada ( ) Casa cedida ( ) Outros ______
Religião:________________ Hábitos: ( ) Bebe ( ) Fuma ( ) Outros hábitos _________________________
Estado Civil: ___________________
Escolaridade: _________________________
Naturalidade: ______________________
Renda Mensal: ________________________
Filhos? ( ) Sim ( ) Não
Se afirmativo, quantos? __________
II. Roteiro para especificar temas da história de vida
Enunciado:
Conte-me sua história de vida. Fique à vontade para falar sobre os relacionamentos mais significativos
que você experimentou em sua vida.
Itens exploratórios:
-Construção social das masculinidades:
Recordações da infância e adolescência.
Performatividades masculinas e femininas.
Princípios aprendidos na educação familiar, escolar ou em outras relações.
Pessoas em que inspirou seu desenvolvimento.
Fatos significativos nas relações vividas.
Aprendizados mais significativos da vida.
Dificuldades e conflitos vividos.
Alegrias e prazer vividos.
Vivências atuais.
Outras informações.
-Relações de gênero:
Sentido de relação.
Relações mais significativas vivenciadas.
Pessoas importantes.
Principais aprendizados.
Opiniões sobre o amor, paixão...
Decepções vividas.
Conquista e intimidade.
Outras informações.
-Sentidos de éticas nas relações de gênero:
Sentido de ética na relação.
O outro e a alteridade.
Comportamentos que favoreceram ou dificultaram as relações.
Outras informações.
Orientação:
Buscar compreender o que os participantes consideram ser ético em uma relação, relacionar o sentido de
ética à construção de suas masculinidades – se têm um ideal de ética e se exercem, se não, por que não
exercem? O que os dificulta de exercer? Se não têm, o que utilizam para construir suas relações? –
compreender como se constitui ética em uma relação de gênero.
125
PARECER DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA