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Qual a posição da Rússia no hodierno sistema-mundo?

2017

Virgílio Rafael Feliciano Monteiro Dias Qual a posição da Rússia no hodierno "sistema-mundo"? UMinho | 2017 Virgílio Rafael Feliciano Monteiro Dias Qual a posição da Rússia no hodierno "sistema-mundo"? Universidade do Minho Escola de Economia e Gestão Abril de 2017 Universidade do Minho Escola de Economia e Gestão Virgílio Rafael Feliciano Monteiro Dias Qual a posição da Rússia no hodierno “sistema-mundo”? Dissertação de Mestrado Mestrado em Relações Internacionais Trabalho efectuado sob a orientação da Professora Doutora Sandra Dias Fernandes Abril de 2017 Declaração Nome: Virgílio Rafael Feliciano Monteiro Dias Endereço electrónico: [email protected] Número do cartão de cidadão: 13463845 Escola: Escola de Economia e Gestão Departamento: Relações Internacionais e Administração Pública Designação do Mestrado: Relações Internacionais Título da Dissertação: Qual a posição da Rússia no hodierno “sistema-mundo”? Orientador: Professora Doutora Sandra Dias Fernandes Ano de conclusão: 2017 É autorizada a reprodução integral desta dissertação apenas para efeitos de investigação, mediante declaração escrita do interessado, que a tal se compromete. Universidade do Minho, Abril de 2017 Assinatura: ___________________________________________ ii Agradecimentos Conceber os agradecimentos desta dissertação é um processo que se afigura injusto, considerando todos aqueles que de alguma forma influenciaram o meu pensamento ao longo da vida e que, de uma forma ou de outra, contribuíram para o meu desenvolvimento pessoal e, por conseguinte, para o próprio desenvolvimento deste trabalho. No entanto, mesmo reconhecendo esta importância, seria impossível listar os nomes de todas essas pessoas. De qualquer modo, julgo ser relevante fazer aqui alguns agradecimentos directos, considerando a significância de pessoas sem as quais ser-me-ia totalmente impossível concretizar este trabalho. São esses os casos da minha mãe e avó, que me deram todo os valores, apoio e sustento ao longo da minha vida, fundamentais para desenvolver as capacidades e condições que me permitiram aqui chegar. Da minha namorada que me apoiou e auxiliou, assim como ouviu muitos dos monólogos de reflexão que tive ao longo de todo o tempo em que este trabalho se processou. Também em memória do meu pai e tio-avó, que se revelaram decisivos na forma como moldei o meu pensamento e o gosto pelo cultivo do conhecimento. Aos meus amigos, com quem troquei ideias acerca da dissertação e que me forneceram novas perspectivas ou dados, que contribuíram para a construção de uma reflexão mais sólida. À minha orientadora, cuja orientação científica, material, temática e crítica foi da maior importância para o rigor que se exige a um projecto deste tipo, contribuindo dessa forma para um trabalho muito mais elaborado e completo. Agradeço também a todos aqueles, cuja referência directa me é impossível de destacar, mas que de alguma forma contribuíram para a conclusão desta dissertação. iii iv Qual a posição da Rússia no hodierno “sistema-mundo”? Resumo Neste trabalho analisamos a Rússia no período compreendido entre 1998 e 2015, fazendo para isso uso da Teoria da Dependência e do modelo de anпlise do “sistemamundo” de Immanuel Wallerstein. Considera-se que esta teoria irá contribuir para esclarecer o poder e o potencial deste país no seio das Relações Internacionais hodiernas, pois oПerece uma visуo destas numa perspectiva “centro”/”periferia”, em que o poder é um reflexo das relações de produção. O fim da URSS em 1991 marcaria um período de periferização da Rússia que se alastraria até ao ano de 1999, tendo um importante impacto do ponto de vista socioeconómico e político. Isto significou um aumento da “dependência” Пace ao “centro”, e em particular ao “centro heРemяnico” do “sistema-mundo”, através de um processo de enПraquecimento das suas estruturas produtivas e políticas. Procuramos estudar aqui a actual posição da Rússia no sistemamundo e qual a tendência que regista, considerando as alterações após 1999 com a chegada de Vladimir Putin ao poder. A dependência russa das exportações de petróleo e gás natural são o factor fundamental na sua relação com o sistema-mundo e da divisão internacional do trabalho a ele associada. Coloca-se a hipótese de a Rússia se encontrar numa posição “semi-periПérica”, reРistando uma tendência de melhoria da sua condiхуo sistémica rumo ao centro, ainda que com fragilidades e contradições associadas à sua estrutura económica e política, que limitam o seu desenvolvimento e acção. O nosso modelo de análise retoma os cinco níveis de “imperialismo” (e “dependência” a eles associada) apontados por Johan Galtung. Ou seja, a nível económico, comunicativo, cultural, militar e político. Também será aqui argumentado que a actual elite dominante na Rússia assume características semelhantes àquelas encontradas nos regimes da América Latina entre os anos de 1960-90, a que alguns autores denominaram de “burocrático-autoritários”, caracterizadas pelas suas perspectivas objectivistas, racionalistas e tecnocráticas. No entanto, é exactamente este regime que suporta a Rússia enquanto “semi-periferia”, que a impede de ascender a centro. Palavras-chave: imperialismo; teoria da dependência; sistema-mundo; desenvolvimento; semi-periferia; modelo burocrático-autoritário; Rússia. v vi What is Russia’s position in the hodiernal “world-system”? Abstract In this work, Russia is analyzed in the period from 1998 to 2015, using the Theory of Dependency and the “world-system” analysis model of Immanuel Wallerstein. We consider that this theory will contribute to clarify the power and potential of this country in today's International Relations, since it offers a vieа oП these in a “core”/”periphery” perspective, in which power is a reflection of the relations of production. The end of the USSR in 1991 would mark a period of Russia’s peripherization that would spread until the year 1999, having a significant socio-economic and political impact. This meant an increase in “dependence” on the “core”, and in particular on the “hegemonic core” of the “world-system”, through a process of weakening its productive and political structures. We are trying to study here the current position of Russia in the worldsystem and what trend it is taking, considering the changes after 1999 with the arrival of Vladimir Putin to power. Russia’s dependence on oil and natural gas exports is the key factor in its relationship with the world-system and the international division of labor associated with it. It is hypothesized that Russia will find itself in a “semi-peripheral” position, with a tendency to improve its systemic condition towards the core, although with weaknesses and contradictions associated with its economic and political structure, which limit its development and action. Our analysis model will make use of the five levels of “imperialism” (and “dependency” associated with them) pointed out by Johan Galtung. That is, economic, communicative, cultural, military and political. It will also be argued here that the current ruling elite in Russia assumes characteristics similar to those found in Latin American regimes between the 1960s and 1990s, which some authors have called bureaucratic-authoritarian, characterized by their objectivist, rationalist and technocratic perspectives. It is, however, exactly this regime that supports Russia as a “semi-periphery”, that prevents it from ascending to core. Key words: imperialism; dependency theory; world-system; development; semiPeriphery; bureaucratic-authoritarian model; Russia. vii viii Índice Lista de Siglas .................................................................................................................. xi Lista de Tabelas .............................................................................................................. xii Lista de Figuras ............................................................................................................. xiii Introdução ......................................................................................................................... 1 Parte 1 – Análise teórico-conceptual da Teoria da Dependência e perspectiva histórica da Rússia ......................................................................................................................... 17 1 – Abordagens ao imperialismo: da Teoria Clássica ao Estruturalismo de Galtung 17 1.1 – Teoria Clássica do Imperialismo ................................................................... 18 1.2 – A consolidação da Teoria Clássica do Imperialismo com Vladimir Lenin ... 24 1.3 – O Imperialismo Estrutural de Johan Galtung ................................................ 29 2 – Teoria da Dependência ......................................................................................... 35 2.1 – Sobre o conceito de “desenvolvimento” ........................................................ 35 2.2 – O surgimento da Teoria da Dependência ...................................................... 37 2.3.1 – Os conceitos de “centro”, “periПeria” e “semi-periПeria” ....................... 42 2.3.2 – Os monopólios – a inevitável tendência sistémica ................................. 47 2.3.3 – Exportação de capitais – o motor do expansionismo imperialista.......... 49 2.3.4 – Desenvolvimento associado dependente ................................................ 51 2.4 – O “sistema-mundo” ....................................................................................... 53 2.5 – O modelo burocrático-autoritário: as elites políticas e os interesses económicos ............................................................................................................. 57 3 – A Rússia no “sistema-mundo” numa perspectiva histяrica: 1950-1998 .............. 63 3.1 – Fase de 1950-1973 ......................................................................................... 65 3.2 – Fase de 1974-1984 ......................................................................................... 66 3.3 – Fase de 1985-1991 ......................................................................................... 68 3.4 – Fase de 1991-1998 ......................................................................................... 70 Parte 2 – Estudo da dependência russa no período 1998-2015 ...................................... 73 ix 4 – Avaliação dos graus de dependência russa ........................................................... 73 4.1 – Dependência socioeconómica........................................................................ 74 4.1.1 – Indicadores de dependência económica ................................................. 76 4.1.2 – As consequências da dependência económica na Rússia e outros dados complementares ................................................................................................ 101 4.2 – Dependência sociopolítica e cultural. .......................................................... 120 4.2.1 – Dinâmicas da dependência cultural russa ............................................. 121 4.2.2 – Manifestações da dependência política russa após 1998 ...................... 126 4.2.3 – Rússia: um exemplo de um regime burocrático-autoritário? ............... 132 4.3 – Os reflexos da dependência russa na sua política externa ........................... 142 4.3.1 – A dependência militar e os seus resultados na acção externa da Rússia .......................................................................................................................... 142 4.3.2 – A política externa russa ........................................................................ 146 Conclusão ..................................................................................................................... 155 Lista de Referências...................................................................................................... 169 x Lista de Siglas  B-A – Burocrático-Autoritário;  BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul;  CEI – Comunidade de Estados Independentes;  CEPAL – Comissão Económica para a América Latina;  EUA – Estados Unidos da América;  FMI – Fundo Monetário Internacional;  FSB – Serviços Federal de Segurança;  I&D – Investigação e Desenvolvimento;  IDE – Investimento Directo Estrangeiro;  OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico;  OCX – Organização para a Cooperação de Xangai;  OMC – Organização Mundial do Comércio;  ONU – Organização das Nações Unidas;  OSCE – Organização para a Segurança e Cooperação na Europa;  OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte;  OTSC – Organização do Tratado de Segurança Colectiva;  PCUS – Partido Comunista da União Soviética;  PIB – Produto Interno Bruto;  PNB – Produto Nacional Bruto;  UEE – União Económica Euroasiática;  URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas;  USD – United States Dollars. xi Lista de Tabelas Tabela 1: Ranking de Complexidade Económica em 2014. ........................................... 77 Tabela 2: Indicador de Complexidade Económica. ........................................................ 77 Tabela 3: Peso dos combustíveis nas exportações.......................................................... 78 Tabela 4: Índice de Diversificação de Exportações........................................................ 79 Tabela 5: Contribuição dos recursos naturais para o PIB. .............................................. 80 Tabela 6: Exportações de alta tecnologia. ...................................................................... 81 Tabela 7: Peso das exportações no PIB. ......................................................................... 82 Tabela 8: Peso das importações no PIB. ........................................................................ 82 Tabela 9: Termos de comércio líquidos do índice de comércio (2000=100). ................ 85 Tabela 10: Formação Bruta de Capital. .......................................................................... 86 Tabela 11: Percentagem de I&D no PIB. ....................................................................... 87 Tabela 12: Peso dos gastos públicos no PIB. ................................................................. 90 Tabela 13: Investimento público na economia nacional (percentagem do Orçamento Consolidado)................................................................................................................... 90 Tabela 14: Peso das receitas do petróleo e gás natural no Orçamento Consolidado da Federação Russa (%). ..................................................................................................... 91 Tabela 15: Valor acrescentado por sector na economia. ................................................ 92 Tabela 16: Investimento Directo Estrangeiro (percentagem do PIB)............................. 93 Tabela 17: Dívida pública externa (percentagem do PIB). ............................................ 96 Tabela 18: Percentagem das reservas de divisas face ao PIB......................................... 98 Tabela 19: Ajuda externa (milhares de milhões de USD a preços correntes de 2014). . 99 Tabela 20: Peso do consumo privado no PIB. .............................................................. 106 Tabela 21: População (em milhões). ............................................................................ 106 Tabela 22: PIB real (em milhares de milhões de USD a preços correntes de 2016). ... 109 Tabela 23: PIB real per capita (USD a preços correntes de 2016). ............................. 109 Tabela 24: Renda dos primeiros 20% e dos últimos 20% da população (percentagem do total). ............................................................................................................................. 110 Tabela 25: Índice de GINI. ........................................................................................... 111 Tabela 26: Índice de Desenvolvimento Humano. ........................................................ 112 Tabela 27: Esperança média de vida (anos). ................................................................ 112 Tabela 28: Mortalidade infantil por mil nascimentos. .................................................. 113 xii Tabela 29: Índice de Educação. .................................................................................... 113 Tabela 30: Taxa de desemprego. .................................................................................. 113 Lista de Figuras Figura 1: Evolução do peso dos combustíveis nas exportações russas. ......................... 79 Figura 2: Contribuição dos recursos naturais para o PIB russo. ..................................... 80 Figura 3: Preço médio do petróleo (USD). ..................................................................... 85 Figura 4: Investimento Directo Estrangeiro na Rússia (percentagem do PIB)............... 94 Figura 5: Dívida pública externa russa (percentagem do PIB). ...................................... 97 Figura 6: Crescimento do PIB russo. ............................................................................ 104 Figura 7: Crescimento do PIB e preço médio do petróleo entre 1996-2015. ............... 104 Figura 8: Distribuição do transporte de carga por tipo de meios de transporte. ........... 116 Figura 9: Investimento em infraestruturas relativamente ao PIB. ................................ 116 xiii xiv Introdução A Rússia tem experimentado desde o início dos anos 2000 uma nova fase de desenvolvimento, marcando assim uma mudança relativamente ao período vivido nos anos de 1990 caracterizados por retrocessos socioeconómicos, políticos, militares e culturais. Esta recente transformação foi essencialmente baseada nas rendas das exportações de matérias-primas e principalmente do petróleo e gás natural (Souza 2007, 26-33), aproveitando assim as grandes reservas destes recursos existentes no seu território, assim como a alta dos preços nos mercados internacionais, o que permitiu à Rússia encaixar elevadas receitas monetárias. Também a renacionalização de alguns sectores económicos considerados estratégicos (Nazet 2007, 57; Sapir 2013), as constantes desvalorizações do rublo (Souza 2007, 24) e o investimento através das reservas acumuladas (Souza 2007, 35-36) foram ferramentas usadas para potenciar o crescimento económico durante este período. Porém é necessário analisar e compreender a profundidade do impacto que este enfoque nas matérias-primas, em particular numa gama tão limitada, possui sobre a sua economia a curto, médio e longo prazo, para se conseguir compreender também as alterações políticas, quer a nível interno quer a nível externo. Após as crises nos anos 90, era fundamental a estabilização política interna, elemento que se encontrava ainda muito debilitado no final dessa década. Esta normalização deveria ser alcançada não só através da consolidação do poder Estatal, que foi fortemente debilitado após o fim da URSS (Sapir 2002, 2; 2013; Nazet 2007), mas também no que concerne aos conflitos no Norte do Cáucaso e às aspirações independentistas de algumas repúblicas desta região. Desde então os dirigentes políticos russos têm procurado restabelecer o “respeito” internacional da Rússia, apesar de, alegadamente, não almejarem que esta seja uma superpotência. Segundo as palavras de Vladimir Putin “nуo é ambiхуo por heРemonia ou qualquer outro estatuto eПémero de superpotência”1, argumentando que o que procuram para a Rússia é que esta seja “respeitada”, sendo para isso Пulcral que eбistam “relaхões iРuais entre todos os participantes da comunidade internacional”2 (Russia Today 2015). Todavia esta retórica 1 “[…] is not aspiring for hegemony or any ephemeral status of a superpoаer.” - tradução própria. 2 “[…] We аant equal relations аith all participants of the international community […]”, tradução própria. 1 da busca por “respeito” internacional tem servido como justificação e legitimação para o Estado russo fortalecer o seu jugo e autoritarismo quer sobre a própria população (Fernandes 2014), quer sobre os países vizinhos que faziam parte da ex-URSS, e popularizados por vários autores como sendo definidos na Rússia pelo termo “estranРeiro prябimo”3 (Safire 1994). Para além disso a elite política russa procura afirmar a Rússia num mundo multipolar, em que esta desempenharia uma política externa independente, isto é, seria um dos pólos principais nesta ordem mundial. Esta intenção ficou bem clara no discurso de Putin na Conferência de Segurança de Munique em 2007 (Putin 2007; Fernandes 2014). Porém, esta política externa independente, simultaneamente procurando evitar que haja qualquer tipo de intervenção externa, não é possível sem uma estrutura económica e material que a suporte. A preponderância da infraestrutura sobre a superestrutura é, aliás, um dos elementos nucleares da teorização marxista, já que a base desta se encontra no materialismo. No preПпcio р sua obra “Contribuiхуo para a Crítica da Economia Política” de 1859, Marб aПirma que é a totalidade das relaхões de produção que constitui a estrutura económica da sociedade e da qual deriva directamente a superstrutura legal e política ou, de uma forma mais generalizada, toda a organização social4. Cardoso e Faletto (1977, 11) defendem que, quando se estuda a dependência, é necessário encontrar um ponto em que o poder económico se expresse como dominação social e portanto política. Já Santos (2011 [1978], 51) afirma que: “Os elementos Пinanceiros, militares, políticos e culturais […] nуo podiam dar permanência a um sistema de relações integradas como as que assistimos no pós-guerra. Eles criam as condições que permitem tal permanência, mas não a determinam. Para encontrá-las temos de ir à infraestrutura do sistema para encontrar a célula deste processo mundial”5. E esta relação abrange quer a esfera interna quer externa das relações políticas desenvolvidas por um Estado. Tomando estas considerações como ponto de partida, 3 “ л 4 Tendo também jп abordado esta temпtica nos seus manuscritos sobre “A ideoloРia alemу” escritos em 1845, mas publicados н ру ь ” - tradução própria. apenas em 1932 (Marx 2000 [1932]). 5 “Los elementos financieros, militares, políticos y culturales que destacamos no podrían dar permanencia a un sistema de relaciones integradas como a las que asistimos en la posguerra. Ellos crean las condiciones que permiten tal permanencia, pero no la determinan. Para encontrarlas tenemos que ir a la infraestructura del sistema y buscar la célula de este proceso mundial.” tradução própria. 2 pressupõe-se que para suportar a sua superestrutura, a Rússia necessite de uma infraestrutura económica suficientemente desenvolvida que lhe permita competir dentro do sistema no qual participa. Tendo em conta que o próprio objectivo do sistema capitalista é a eterna acumulação de capital (Wallerstein 1993, 3), significa isto que a Rússia precisa de desenvolver constantemente as suas forças produtivas, a sua base económica e material, com vista a poder levar a cabo não só a defesa do seu próprio Estado internamente, mas também as suas ambições de seguir uma política externa o mais independente possível dentro do sistema-mundo. Sendo que o sistema-mundo é a nossa unidade de análise fundamental para a compreensão dos fenómenos aqui trabalhados sobre a Rússia. Este conceito refere-se ao presente sistema económico mundial, resultante da divisão internacional do trabalho e que pode ser definido de Пorma mais concreta enquanto “economia-mundo capitalista”. Para isso, um aspecto fundamental para alcançar uma solidez e estabilidade económica duradoura é uma política económica que seja o menos volátil possível às flutuações dos mercados internacionais. E isso é algo que de momento não se afigura existir na Rússia. Esta última afirmação toma particular importância se tivermos em atenção três situações recentes da história russa, a saber, as crises de 1998, 2008 e 2014. Todas elas coincidindo com fortes quebras no preço do petróleo nos mercados internacionais e todas elas provocando profundas recessões na economia russa (World Bank 2016a; Macro Trends 2016). Sendo esta matéria-prima um dos principais elementos que compõem a estrutura económica russa (World Bank 2016a), compreende-se melhor a causa da concomitância destas crises com a quebra do preço do petróleo. Em termos económicos é reconhecida a alta volatilidade dos preços das matérias-primas e os vários perigos associados à dependência nas exportações deste tipo de produtos, em particular daquilo que é conhecido como “Dutch disease” ou “doenхa holandesa”6 (Bresser-Pereira 2008). Esta fragilidade é também reconhecida oficialmente pelo aparelho governativo russo, tal como Dmitry Rogozin (in Sputnik International 2015a) colocou quando 6 Fenómeno característico de países possuidores de um elevado nível de dependência relativamente à exportação de recursos naturais, normalmente resultando em fluxos de capitais que provocam elevada procura em sectores não-transaccionáveis (serviços e construção), em particular em momentos em que os preços das matérias-primas se encontram elevados nos mercados internacionais. Daqui resulta um aumento de custos com o trabalho tanto nos sectores de bens não-transaccionáveis como de bens transaccionáveis, tal como uma diminuição na competitividade dessas economias. 3 aПirmou que “a Rússia necessita de uma Reconquista industrial”7 e disso depende o seu futuro. Ou até pelo discurso do antigo Presidente russo Dmitry Medvedev, quando aПirmava que “é impossível Рanhar a lideranхa baseando-se nas condições do mercado do petrяleo e Рпs natural”8, por isso identificou cinco prioridades de desenvolvimento tecnológico, nomeadamente: eficiência na produção, transporte e uso de energia; preservação e modernização de tecnologias nucleares; modernização de tecnologias de informação; infraestruturas terrestres e espaciais de comunicação próprias; e finalmente, avanços na produção de equipamento médico, métodos de diagnóstico e medicamentos (Medvedev in Russia Today 2009). Destaca-se aqui então um elemento que se torna determinante e condicionador no desenvolvimento económico russo e, de forma inerente, dos seus projectos políticos externos. Se tomarmos como exemplo a vertente militar como um dos pilares da afirmação russa, e o ambicioso projecto de rearmamento em curso programado até 2020 (Sputnik Internacional 2015b), tal como aquele que se espera que lhe suceda, tomamos consciência da importância que uma forte estrutura económica possui para a realização destas aspirações. Tomamos também consciência dessa importância, quando observamos a forma como a Rússia procura Пortalecer a sua “esПera de inПluência”, quer através da extensão da participação das suas empresas energéticas, em particular junto da sua vizinhança, quer através da participação militar nessa mesma região (Fernandes 2014), ou até mesmo fora dela, como recentemente na Síria. Mas também em termos de estabilidade social e política interna este factor apresenta-se como preponderante, em particular nas regiões problemáticas como o Norte do Cáucaso (Russia Today 2011). Além disso, a análise da estrutura económica permite-nos entender a relevância do enquadramento russo em fóruns multilaterais, como o BRICS ou como com os seus parceiros da União Económica Euroasiática, Organização para a Cooperação de Xangai, Organização do Tratado de Segurança Colectiva e da Comunidade de Estados Independentes, assim como as relações que entre estes se desenvolvem. Este aspecto leva-nos a reflectir sobre as questões do multilateralismo e da governação mundial dentro do contexto do sistema internacional actual. Não somente nas organizações supracitadas, mas de igual modo noutras organizações mais antigas, tal como o Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Organização das Nações Unidas, Grupo dos 7 “Russia needs to see an industrial Reconquista […]” - tradução própria. 8 “It’s impossible to gain leadership based on oil and gas market conditions.” - tradução própria. 4 89, Conselho OTAN-Rússia, Organização para a Segurança e Cooperação na Europa ou Organização Mundial do Comércio, que desempenham um papel de crescente relevância no sistema internacional como instrumentos de força usados pelos Estados mais fortes sobre os mais fracos (Wallerstein 2006, 55). Da mesma forma os aspectos que concernem ao declínio relativo da hegemonia norte-americana enquanto superpotência mundial, tal como o surgimento de novas potências regionais, como analisado por Hopkins et al (1996), leva-nos novamente a destacar a relevância que a multipolaridade (Galtung 1971, 105) e o crescimento daquilo que era anteriormente designado de periferia assumem no presente do sistema internacional e onde a Rússia desempenha um papel relevante. Analisando as funcionalidades destas organizações, observamos que, exceptuando a Organização do Tratado de Segurança Colectiva e Conselho OTAN-Rússia, todas as restantes são organizações que trabalham em áreas relacionadas com economia e desenvolvimento económico, tal como com políticas a eles associadas. Isto evidencia assim, mais uma vez, a necessidade de previamente entender em que nível de desenvolvimento se encontra a sua economia, em comparação com o resto do mundo, de forma a conseguirmos compreender também as verdadeiras capacidades da Rússia para interagir nos palcos internacionais e com outros Estados. Chegando a este ponto, onde se verifica a importância que o factor material e económico possui para a política interna e externa da Rússia, tal como os elementos que o limitam, propomo-nos partir para uma análise mais detalhada do fenómeno, que nos permita responder à seguinte questão, que se encontra no cerne da nossa investigação: Qual a posição da Federação Russa no hodierno sistema-mundo? Para ajudar a responder a esta questão central, procurar-se-á responder também a outras sub-questões derivadas. Tais como: “é a Rússia um país dependente?”; “que níveis de dependência evidencia nas пreas econяmica, política, militar, comunicativa e cultural?”. Se essa dependência inicial se confirmar, parte-se então para outras sub-questões: “quais as características que nos permitem evidenciá-la?”; “pertence р periferia ou semiperiferia e qual a tendência assumida da sua condiхуo?”; “serп isto um Пenяmeno contemporсneo ou historicamente continuado?”; “qual a relaхуo e o impacto que essa dependência poderá então possuir na forma como a Rússia interage no sistemamundo?”; “como é que a Rússia se aПirma no mundo e qual a relaхуo de causa e eПeito 9 Até à sua suspensão em 2014, resultado da crise envolvendo a Crimeia. 5 com a sua condiхуo dependente?”; “a Rússia possui estrutura para se reaПirmar?”; “qual o impacto do multilateralismo na dependência russa?”; e “podemos encaiбar o reРime político russo no modelo burocrático-autoritпrio?”. Todas estas perРuntas sуo Пeitas com o objectivo de compreender a natureza da melhoria de posição de poder da Rússia no sistema-mundo. A hipótese principal que será colocada é que a Rússia é de facto um país dependente no sistema-mundo e que se encaixa na caracterização de país da semiperiferia, quando considerados os cinco níveis de dependência apontados por Galtung (1971, 91). Ou seja, a Rússia evidencia características de dependência face a um conjunto de países mais desenvolvidos no sistema-mundo, o “centro” composto pelos EUA, Europa Ocidental e Japão (Chase-Dunn et al 2000, 79; Galtung 1971, 103-104), participando nas dinâmicas internacionais de forma desigual, quando comparada com estes países. Todavia possui ainda um certo grau de desenvolvimento e autonomia política, que lhe permite situar-se num patamar intermédio de importância no sistema internacional, desenvolvendo ainda relações intermediárias entre países totalmente PeriПéricos (dentro da lяРica de “interacхões Пeudais”10 descritas por Galtung (1971, 89)) e os países do centro, nomeadamente no processamento de algumas matériasprimas, no seu controlo para redistribuição no centro, e em aspectos militares, políticos, culturais e comunicacionais. A nossa hipótese converge com a análise de vários investigadores acerca de a Rússia ser historicamente considerada uma semi-periferia (Wallertein 2011 [1974]; Babones e Babcicky 2011, 11; Ruvalcaba 2013, 160). Sendo assim importará também procurar determinar qual o grau da sua condição semiperiférica no sistema mundo, para conseguir compreender se é um país que está numa fase de progressão positiva da sua posição ou se, pelo contrário, se encontra em decadência dentro do sistema. Acrescenta-se ainda a hipótese da Rússia apresentar características de um tipo de regime político e económico, que segue modelos semelhantes àqueles apontados por vários autores que trabalharam os regimes burocrático-autoritários existentes na América Latina nos anos de 1960 a 90 (Collier ed 1979). Onde as elites oligárquicas, através do controlo das estruturas coercivas do aparelho Estatal e sob a influência do capital monopolista e transnacional, procuram legitimar o seu poder junto da sociedade, 10 Processo através do qual desigualdades são mantidas e/ ou reforçadas (Galtung 1971, 89). 6 legitimando também uma condição subserviente na divisão internacional do trabalho e no sistema-mundo capitalista. Porém, ao contrário do que acontecia nos regimes latinoamericanos, a Rússia não assume uma posição favorável ao centro hegemónico, pelo contrário, procura seguir um caminho independente e autónomo deste. Se essas semelhanças com os regimes da América Latina se verificarem, significa também que a Rússia partilha as suas contradições, fragilidades e vulnerabilidades. O estudo do comportamento das suas elites e a forma como estas exercem o seu poder é de grande relevância para compreender qual a posição destas perante as estruturas sistémicas dominantes, potenciando-nos assim respostas face à forma como a Rússia interage no sistema-mundo. Para o desenvolvimento deste trabalho, toma-se por base a linha de pensamento materialista, que afirma que a realidade é uma construção social e que esta é determinada pelas relações materiais, ou seja, pela produção e reprodução de mais-valia (Marx 1999 [1859], prefácio; Marx 2000 [1932]). Daí a importância dada a priori ao factor económico para a análise aqui produzida, enquanto elemento chave na compreensão das dinâmicas estruturais no sistema internacional. O modelo teórico e analítico que será utilizado é aquilo que se define como Teorias Marxistas ou Críticas, dentro das quais será essencialmente focada a Teoria da Dependência. As Teorias Críticas contrastam com os restantes três quadros teóricos dominantes das RI (Realismo, Liberalismo e Construtivismo) por serem menos populares na actualidade, em consequência do fim do Bloco de Leste e da experiência socialista real nos países que o compunham (Fernandes 2013). Contudo a validade teórica destas ideias mantémse, sobretudo se se tiver em conta o crescente fosso de riqueza e de grau de desenvolvimento entre os vários países no mundo e também dentro das próprias sociedades, em particular desde os anos de 1980 (OECD 2014), revelando assim a permanência de uma dicotomia entre centro e periferia, aspecto fundamental na análise dependentista. As várias crises económicas ocorridas desde o fim do Bloco de Leste contribuem também para a contemporaneidade desta corrente de pensamento. Em particular se tomarmos por exemplo a crise que se seguiu a 2008, de natureza estrutural, que levou uma desaceleração do crescimento económico no mundo (World Bank 2016a; Sekhri 2009, 243) e que “[…] provou a imaturidade do sistema capitalista Рlobal e 7 questionou a Пorхa da ПilosoПia econяmica neoliberal”11 (Sekhri 2009, 243). Além disto, vários dos outros problemas elencados pelos teóricos da dependência permanecem actuais, como são os casos da dívida ou das balanças comerciais negativas que a periferia possui relativamente ao centro (Sekhri 2009, 250). Nestes aspectos a Teoria da Dependência providencia-nos as ferramentas que possibilitam não só uma abordagem alternativa, mas fundamentalmente uma perspectiva sistémica, unidisciplinar e holística. Centrando-se na totalidade dos fenómenos e não na soma de análises individuais na procura de respostas e explicações, ou seja, de uma forma contrária a uma perspectiva multidisciplinar. A escolha deste quadro teórico deriva assim não só das suas perspectivas menos usuais dentro das Relações Internacionais, proporcionando-nos um olhar alternativo sobre a Rússia e as suas potencialidades, mas essencialmente das suas capacidades elucidativas acerca das desigualdades económicas e de desenvolvimento, assim como os elementos que o promovem ou inibem, dinâmicas de conflito geopolíticas imperialistas (Lenin 1975 [1916], 95-100), das dinâmicas de conflito de interesses entre as partes (Galtung 1971, 81-83), entre outros aspectos que serão aqui discutidos. Sendo que estas particularidades são identificáveis como fruto dos antagonismos de interesses económicos e de interesses geopolíticos que deles derivam. Esta teoria permite-nos compreender o mundo como um sistema unido economicamente, porém socialmente desigual e politicamente dividido. É precisamente a ideia de que o capital não possui fronteiras e que o mundo é economicamente unido, mas socialmente desigual e politicamente dividido (ou talvez não tão dividido como possa parecer à primeira vista se considerar-mos a unidade sistémica existente), que nos leva a colocar de parte a Teoria da Interdependência (Santos 1970, 231). Isto porque a Teoria da Dependência reforça exactamente a ideia de que é a interdependência global, que é característica do sistema internacional actual, a causa destas assimetrias e consequentes conflitos (Galtung 1971, 81-83; Amaral 2012, 92). A Teoria da Interdependência surge nos anos 70 e afirma que a quebra da relação estabelecida entre duas ou mais partes, leva a que ambos percam (GriППiths e O’CallaРhan 2002, 160). Isto porque todos os Estados estão sujeitos a duas distintas dimensões: “vulnerabilidade” e “sensitividade”. A primeira destaca os aspectos relativos р distribuiхуo de custos 11 “[…] proved the immaturity of the global capitalist system and questioned the strength of the neoliberal economic philosophy” - tradução própria. 8 quando os Estados reagem a mudanças. A segunda procura compreender o grau de suscetibilidade dos Estados a mudanças que ocorram noutros Estados (Idem, ibidem). Esta análise centraria o seu estudo na crescente transnacionalização da economia, seja através de fluxos de capitais, seja através de empresas multinacionais; nas relações entre a URSS e EUA durante a Guerra Fria; nas cada vez mais influentes organizações internacionais; entre outros (Idem, ibidem). Um desenvolvimento desta teoria surge com a Teoria da Interdependência Complexa (Keohane & Nye 1977). Esta foca-se no papel do Estado dentro dos processos transnacionais, vislumbrando um processo de globalização em aprofundamento, ligando assim elementos comuns ao Realismo e ao mesmo tempo incorporando aspectos do Liberalismo (Rana 2015, 291; GriППiths e O’CallaРhan 2002, 158). Para isso centra-se em três aspectos que se encontram em mutação num sistema internacional cada vez mais globalizado: a crescente interdependência entre Estados em vários assuntos; a menor autonomia de decisão e de acção; e uma crescente fragilidade dos Estados quando se relacionam entre si (Fernandes 2010, 21). A solução apontada é a necessidade de fomentar a cooperação económica e política entre Estados, com vista à redução do conflito e aumento da cooperação entre estes. Porém, isto esconde não só formas de dominação entre Estados, mas também um acentuar dos conflitos de carácter classista entre os Estados e dentro dos Estados. Porque as dimensões de “sensitividade” e de “vulnerabilidade” destacadas assumem proporções diferentes dentro do sistema-mundo, havendo países e regiões mais “sensíveis” e mais “vulnerпveis” do que outros, e que portanto verуo essas ПraРilidades serem exploradas por agentes mais fortes no sistema internacional. Retomamos aqui uma questуo colocada por GaltunР (1971, 85): “quem beneПicia mais?”. Por isso, pressupostos como o facto de a cooperação proporcionar transferências de capitais e tecnologia para países menos desenvolvidos, a amenização de relações entre potências, o desenvolvimento ou até mesmo os direitos humanos, tornam-se à luz das Teorias do Imperialismo e da Dependência, aspectos altamente questionáveis dentro das perspectivas desta teoria, que procura legitimar um sistema que por natureza é opressor e explorador. É necessário ressalvar que a Teoria da Dependência é um quadro teórico constituído por várias correntes de vários autores de diferentes origens ideológicas, 9 realçando aspectos diferentes umas das outras, como se poderá verificar quando analisarmos a evolução destas perspectivas na primeira parte deste trabalho. Todavia isto parece afigurar-se como um ponto forte deste modelo teórico-analítico e não como uma desvantagem, permitindo assim explorar este tema de uma forma mais flexível quanto aos aspectos que consideramos mais relevantes e demonstrativos do nível de dependência russo. Durante o período em que a teoria se encontrava mais em voga o método de análise dos investigadores dependentistas centrava-se em abordagens essencialmente qualitativas, dada a dificuldade existente na época na recolha de dados que permitissem uma demonstração empírica mais profunda dos pressupostos afirmados. Contudo é esperado que ao longo deste trabalho se faça um extensivo uso de dados quantitativos, que permitam demonstrar a hipótese central apontada, dada a maior abundância de dados relativos à Federação Russa, do que aos países analisados pelos principais autores desta teoria nos anos 60, 70 e 80. Os primeiros passos dados em torno do conceito de dependência foram feitos por Hans Singer, Raúl Prebisch e Celso Furtado, pertencentes a uma corrente liberal reformista keynesiana, que observaram a relação desigual no comércio entre países. Aqui os países produtores de matéria-prima, quando exportavam os seus recursos para os países mais desenvolvidos e produtores de bens manufacturados, ficavam sempre a perder (Prebisch 1962 [1949], 81-86). Isto porque a matéria-prima é sempre mais barata e os seus preços mais voláteis do que os bens acabados, resultando numa constante acumulação de dívida (Ferraro 2008). São definidos os dois tipos de regiões envolvidas nesta relaхуo: os países do “centro”, que eram os países ou reРiões mais desenvolvidos e que correspondem hoje aos EUA, Europa Ocidental e Japão (Chase-Dunn et al 2000, 79; Galtung 1971, 103-104); e as reРiões “PeriПéricas”, que sуo as menos desenvolvidas relativamente aos anteriores, correspondendo à larga maioria dos países do mundo (Wallerstein 2011 [1974], 349; Blom e Charillon 2001, 51). Em qualquer análise dependentista das correntes críticas, surge também o conceito de “Imperialismo”, noхуo esta que ajuda a compreender o processo de dependência tal como a teoria que o procura explicar, e centrado fundamentalmente nas dinâmicas que emanam das nações do centro. Na verdade este conceito é indissociável de qualquer análise crítica sobre a dependência, como nos mostra Galtung (1971). Da mesma forma, para se aprofundar e complementar o estudo do imperialismo, é importante compreender as relações envolvidas na dependência (Santos 2011 [1979], 10 357), focadas na perspectiva das regiões periféricas. Se os estudos da dependência surgem nos anos de 1940, dentro de uma base liberal, será nos anos de 1960-70 que se irão consolidar, ao adoptar uma metodologia baseada na corrente de pensamento marxiana. Passam assim de uma simples análise de desigualdades comerciais e económicas, para uma ampla e abrangente análise social, política e económica. A exploração teórico-conceptual de “Imperialismo” que serп aqui desenvolvida demonstrará todo o peso e relevância que esta definição possui dentro deste quadro teórico. Para isso serão abordados quatro dos autores essenciais para a formulação do conceito, a saber, Rudolf Hilferding, Rosa Luxemburgo, Karl Kautsky, Vladimir Lenin (Amaral 2012, 11) e aos quais acrescentaremos Johan Galtung, pelo seu contributo na temпtica do “imperialismo estrutural”. Isto apesar do conceito base ter surgido pela mão de John Hobson em 1902, na obra “Imperialismo”. Outro conceito que serп aproПundado neste eбercício é o de “sistema-mundo”. Este modelo de análise foi desenvolvido pelo teórico Immanuel Wallerstein nos anos de 1970 e surge como crítica às ciências sociais existentes (Wallerstein 1998, 103) e, como tal, também se encaixa nos estudos críticos. De grosso modo este conceito significa o(s) sistema(s) económico(s) mundial(is) vigente(s), sendo o actual designado de “economia-mundo capitalista”, Пruto da divisуo internacional do trabalho, onde acontecem trocas intensivas de bens e serviços, tal como fluxos de capital ou de trabalho (Wallerstein 2011 [1974], 347-350). Wallerstein (2011 [1974], 347) define-o como: “um sistema social, que possui fronteiras, estruturas, membros de grupos, regras de legitimação e coerência. A sua vida é constituída por forças em conflito que o mantém unido pela tensão, e o quebram quando cada grupo procura internamente remodelá-lo para sua vantagem. Possui as características de um organismo, na medida em que tem um período de vida no qual as suas características mudam em alРuns aspectos e permanecem estпveis noutros.”12 Dentro desta economia-mundo existem muitas unidades políticas e culturais diferentes, encaixadas num sistema interestatal. Contudo, e apesar desta diversidade, a 12 “[…] a social system, one that has boundaries, structures, member groups, rules of legitimation, and coherence. Its life is made up of the conflicting forces which hold it together by tension, and tear it apart as each group seeks eternally to remold it to its advantage. It has the characteristics of an organism, in that it has a life-span over which its characteristics change in some respects and remain stable in others.” - tradução própria. 11 tendência está orientada para a homogeneização destes parâmetros (Wallerstein 2006, 23) e daí a principal unidade de análise ser o mundo como um todo (Wallerstein 1998, 106). Outra característica marcante deste modelo de análise é olhar para a história como uma realidade contínua, encarando-a numa perspectiva de totalidade de forma a conseguir analisar e procurar entender. Apesar de a podermos segmentar para a observar, não se deve descurar que cada caso deve ser estudado tendo em conta os que lhe precedem ou acompanham (Wallerstein 1974, 388-389), na medida em que a realidade é uma construção social e, como tal, possui um passado que a condiciona no presente. Wallerstein acrescenta também outro conceito de análise que será fundamental no trabalho que aqui serп desenvolvido: a “semi-periferia”. Esta semi-periferia é constituída pelos países que servem de intermediários entre os países do centro e da periferia, possuindo uma economia relativamente desenvolvida, contudo não o suficiente para poderem ser classificados como desenvolvidos (Wallerstein 2011 [1974], 349). Não obstante, a sua tónica é colocada nas relações desiguais entre países e não apenas nas relações entre classes dentro de países, como na teoria Marxista original (Wallerstein 1974, 405). Também a obra “O novo autoritarismo na América Latina”, editada por David Collier (ed. 1979), será relevante para aprofundar o estudo das dinâmicas de dependência e como elas actuam e se manifestam. Em particular com a descrição e deПiniхуo do conceito de “Estado burocrпtico-autoritпrio”, onde esta estrutura serve como ferramenta de legitimação da dominação dos países do centro sobre os países menos desenvolvidos, permitindo a penetração dos interesses dos primeiros nos dos últimos e procurando a sua aceitação. Para isso o Estado desenvolve um aparelho baseado fundamentalmente nas suas estruturas militares, com orientações tecnocráticas e onde procuram promover uma industrialização através de capitais estrangeiros investidos nos seus países (Collier ed. 1979, 24-25). Na obra de Cardoso e Faletto (1977, 56-58), baseando-se também nas experiências da América Latina, os autores descrevem o fenómeno de entrada de capitais externos nesses países como “desenvolvimento associado-dependente”. Este investimento eбterno é Пeito por empresas que vão em busca de produzir os seus produtos onde a mão-de-obra é mais barata, ajudando em certa medida o desenvolvimento económico desse país, através da incorporação de tecnologia que não está à disposição do país receptor. Porém não só os 12 fluxos de capitais e tecnologia estão dependentes do exterior, mas também as decisões económicas e até políticas passam a estar sob a influência dos agentes económicos estrangeiros, o que acaba por resultar numa centralização autoritária do poder no Estado (Cardoso e Faletto 1977, 61-62). O que será proposto neste trabalho é que o regime político em vigor na Rússia corresponde em vários aspectos às características normalmente apontadas aos regimes B-A, o que também nos ajudará a compreender melhor a situação de dependência existente no país, assim como as condicionantes que daí derivam. Importante também para este trabalho, serão as questões relativas ao “imperialismo estrutural” de Johan GaltunР (1971, 91), onde o autor concretiгa uma abordagem às razões por detrás da aceitação das relações de dominação inerentes ao imperialismo e, consequentemente, à dependência por este gerada. Para Galtung (1971, 83) é a harmonia de interesses entre as elites de cada país que permitem esta relação. Através desta harmonia de interesses criam-se relaхões de tipo “Пeudal” entre o centro e a periferia, em que os primeiros servem de soberanos sobre os segundos, estabelecendo redes de domínio sobre estes (Galtung 1971, 89). Para que esta relação se concretize e adense são utilizados cinco tipos distintos de imperialismo, com os tipos de dependência a eles associados, e que servem de instrumentos de dominação entre nações. Estes tipos de imperialismo destacados são: o económico, político (onde o estudo dos regimes B-A será de grande importância para a sua compreensão), militar, cultural e comunicativo (GaltunР 1971, 91). Pois para o autor “apenas o imperialismo imperПeito, amador, precisa de armas; o imperialismo profissional é baseado numa violência estrutural em veг de directa”13 (Galtung 1971, 91). Partindo destas perspectivas, e em particular do cruzamento das ideias de Galtung e Wallerstein, espera-se assim que esta teoria ajude a interpretar não só a estrutura económica russa, mas também política e social, e principalmente a capacidade de acção do Estado russo na sua orientação de reafirmação como grande potência. Pretendendo-se também que esta investigação possa servir de ferramenta analítica para futuros estudos, que se centrem na capacidade russa em agir no sistema internacional, contribuindo para esclarecer as suas dinâmicas e potencial de acção. Daí a pergunta de partida estabelecida acima de qual a posição da Rússia no hodierno sistema-mundo. Tal 13 “Only imperfect, amateurish imperialism needs аeapons; professional imperialism is based on structural rather than direct violence” - tradução própria. 13 como compreender também mais sobre as dinâmicas internacionais de dominação existentes e que condicionam a acção dos Estados no sistema internacional. Para que este trabalho seja elaborado, será adoptado um modelo de análise que o dividirá em duas partes centrais. Primeiramente será desenvolvida uma revisão bibliográfica, que se centrará na análise teórico-conceptual da Teoria da Dependência e das suas bases de pensamento. Este exercício terá como objectivo construir uma visão sobre o tema ao longo da história e dentro da perspectiva de vários autores, de forma a construir a base teórica do nosso estudo de caso mais adiante. Tendo isto em conta, será iniciada a nossa abordagem com a Teoria Clássica do Imperialismo, segundo as formulações de diversos autores, e a Teoria Estrutural do Imperialismo de Galtung (1971); apenas após ter esta temática do imperialismo consolidada partiremos para a Teoria da Dependência propriamente dita, dado esta ser considerada como complementar da primeira e da necessidade de estudar as consequências do imperialismo na periferia (Amaral 2012, 27), estando por isso indissociáveis uma da outra. Nesta fase será ainda desenvolvida uma análise e enquadramento histórico da Rússia, que incidirá sobre o período de 1950-1998. A selecção recai sobre este período em particular, dadas as transições económicas e políticas verificadas durante o mesmo e como forma de ter uma compreensão abrangente das suas estruturas ao longo do tempo, tal como o seu impacto na actualidade. Do mesmo modo esperamos aqui perceber qual a posição sistémica ocupada pela Rússia ao longo do tempo e quais as alterações que presenciou, tendo como objectivo estabelecer um ponto de comparação com o período em análise e identificar os ciclos históricos subjacentes ao quadro teórico escolhido para este trabalho. Na segunda parte deste trabalho seguiremos para o período central do nosso estudo situado entre 1998-2015. Aqui serão desenvolvidos os cinco elementos relativos ao imperialismo apresentados por Galtung – e, por consequência, à dependência por eles provocada –, assim como várias vertentes da Teoria da Dependência, de forma a possibilitar uma resposta à nossa questão de partida, sub-questões e hipótese. Para isso será simultaneamente desenvolvida uma análise de dados macroeconómicos e socioeconómicos, que nos permitam encontrar indicadores que sustentem o estudo das temáticas aqui materializadas. No tratamento dos dados económicos, o primeiro momento será inteiramente dedicado aos elementos directamente causadores de dependência económica, fazendo para isso o cruzamento de vários factores apontados 14 pelos diversos teóricos da dependência, expressos em tabelas e gráficos que, através do cruzamento dos dados recolhidos em diversas fontes, permitem a comparação entre a Rússia, a média do G7 e dos EUA individualmente. O G7 será usado neste trabalho dado representar o grupo de países mais desenvolvidos nas áreas socioeconómicas e militares no mundo. O segundo momento será direccionado para compreender as consequências da dependência russa, utilizando também diversos elementos apresentados em tabelas e gráficos, e onde se inclui também o estudo das infraestruturas. Este elemento é incluído por Galtung (1971, 92) na dimensão comunicacional, contudo aqui será estudado juntamente com a dimensão socioeconómica dadas as suas relações materiais de base. O estudo das dinâmicas económicas será, por conseguinte, de grande importância para construir a análise da capacidade de acção externa da Rússia. Dada a importância dos elementos económicos na sociedade, estes influenciam de forma directa as restantes formas de dependência. Daí serem os primeiros a serem analisados. Em todos os restantes domínios é claro o destaque que a economia assume, seja nos interesses políticos e a forma como eles se desenvolvem e se defendem, seja na capacidade de produção de armamento, de desenvolvimento tecnológico ou na produção de conhecimento. Posteriormente a nossa investigação passará para os aspectos relacionados com a esfera sociopolítica e cultural. Para isso serão primeiramente abordadas as questões relativas à dependência cultural, procurando estabelecer a posição russa no sistemamundo entre quem aprende e quem ensina, tomando um enfoque social e ideológico. O ponto seguinte tratará dos aspectos associados com a dependência política, assim como com a manifestação de sintomas de dependência nesta área, procurando indagar acerca das dinâmicas que a provocam e que a mantêm. Será aqui feita uma análise de carácter mais descritivo e usando aspectos mais gerais dependentistas. No último ponto da esfera sociopolítica será trabalhado o modelo burocrático-autoritário aplicando-o ao caso de estudo e procurando discernir as diferenças e semelhanças entre os modelos latinoamericanos das décadas de 1960-90 e o modelo russo do século XXI. Finalmente procurar-se-á compreender as manifestações da dependência russa na sua interacção com o sistema-mundo. Aqui inicialmente será feito um balanço da dependência militar russa, buscando depreender as capacidades de produção e acção militares russas no sistema-mundo. Para isso urge constatar a posição russa passível de providenciar segurança e protecção dentro do sistema-mundo, comparando-a para isso 15 com o centro. Seguidamente abordamos a política externa russa e o seu relacionamento quer com os países do centro quer com outras regiões periféricas. Neste aspecto torna-se importante compreender a capacidade da Rússia em produzir decisões que sejam seguidas por outros países, quer de forma directa, quer no âmbito multilateral através de organizações internacionais de que faz parte. Procurar-se-á aqui também entender melhor qual a importância russa num sistema internacional com dinâmicas crescentemente multipolares, buscando discernir qual o seu papel através das conclusões previamente obtidas. 16 Parte 1 – Análise teórico-conceptual da Teoria da Dependência e perspectiva histórica da Rússia 1 – Abordagens ao imperialismo: da Teoria Clássica ao Estruturalismo de Galtung Não é a consciência do homem que determina a sua existência, mas a sua existência social que determina a sua consciência. (Marx 1999 [1859]) Apesar dos estudos da dependência apenas surgirem no final dos anos de 1940 dentro de uma lógica liberal keynesiana com Raúl Prebisch, Hans Singer e Celso Furtado (Amaral 2012, 29; Cravinho 2008, 185; Couto 2007, 46), os teóricos que surgem nos anos 60 e 70 vão basear os seus fundamentos a uma corrente de pensamento que remonta aos trabalhos e ao método de Karl Marx. Através da análise da evolução dos diferentes estágios do capital, Marx observa que é o desenvolvimento das relações materiais que determinam as estruturas sociais e as relações entre os homens (Marx 1999 [1859], preПпcio). O “materialismo histяrico” (baseado no materialismo dialético) torna-se assim na ferramenta metodológica e analítica que servirá de base à Teoria do Imperialismo, na sua fase mais desenvolvida. De seguida faremos uma análise a alguns autores da Teoria Clássica do Imperialismo, iniciando a temática através da visão de vários dos primeiros autores que contribuíram para esta. Posteriormente passaremos para a análise de Vladimir Lenin, sendo que esta já reflecte uma consolidação sobre o tema. Por fim, terminaremos com um tópico de Johan GaltunР e a sua obra “Imperialismo Estrutural”. 17 1.1 – Teoria Clássica do Imperialismo Ainda que a temática do imperialismo, enquanto fenómeno novo, surja pelas mуos do economista liberal John Hobson, na sua obra “Imperialismo” de 1902, ele serп essencialmente aprofundado por teóricos marxianos posteriormente. É, no entanto, importante distinРuir o “imperialismo” que aqui serп analisado, e que se convenciona de “novo imperialismo”, conceito surРido no Пinal do século XIX e que se distinРue daquele que eбistia anteriormente. Este “novo imperialismo” é essencialmente um fenómeno económico e que daqui deriva para outras esferas da estrutura social. A distinхуo Пeita por Hobson (1902, 324) acerca deste novo imperialismo é que “o novo imperialismo distingue-se do antigo, primeiro porque substitui a ambição de um único e crescente império pela teoria e prática de impérios em competição, cada um motivado pela cobiça de engrandecimento político e ganhos comerciais; segundo, pelo domínio do sector financeiro ou de investimentos, sobre os interesses comerciais”. Os principais autores desta teoria são, por ordem cronológica das suas obras de referência, Hobson (Imperialismo 1902), Rudolf Hilferding (O Capital Financeiro 1910), Rosa Luxemburgo (A Acumulação de Capital 1913), Karl Kautsky (O Imperialismo 1914) e Vladimir Lenin (O Imperialismo, fase superior do Capitalismo 1916). Passemos entуo р deПiniхуo daquilo que hoje se convenciona ser a “Teoria Clпssica do Imperialismo”. Hobson (1902, 82-83) aПirma que “Imperialismo” é a “súbita procura por mercados estranРeiros, por manuПacturas e por investimentos que Пoi maniПestamente responsпvel pela adopхуo do Imperialismo como política […] Eles necessitavam do Imperialismo porque eles desejavam fazer uso dos recursos públicos do seu país de forma a encontrar usos proveitosos para o seu capital, que de outra forma seria supérПluo”14. LuбemburРo (1951 [1913], 446) deПiniria imperialismo como “a expressão política da acumulação de capital na sua luta competitiva por aquilo que ainda resta do ambiente não-capitalista”15. Kautsky colocaria o imperialismo como “um produto do capitalismo industrial altamente desenvolvido. Consiste no impulso de todas as nações capitalistas industriais a submeter e anexar regiões agrárias cada vez mais 14 “It is this sudden demand for foreign markets for manufactures and for investments аhich is avowedly responsible for the adoption of Imperialism as a political policy […] They need Imperialism because they desire to use the public resources of their country to find profitable employment for the capital аhich otherаise аould be superfluous.” - tradução própria. 15 “Imperialism is the political expression of the accumulation of capital in its competitive struggle for what remains still open of the non-capitalist environment.” - tradução própria. 18 vastas, independentemente da nacionalidade dos povos que as habitam” (Kautsky in Amaral 2012, 20). Lenin (1975 [1916], 108) aПirma que “se Пosse preciso dar uma definição o mais breve possível do imperialismo, dever-se-ia dizer que o imperialismo é a fase monopolista do capitalismo”, na qual a Пase concorrencial do capitalismo deu lugar à fase monopolista, como veremos mais à frente. Todavia é necessário ter em conta aquilo que é a evolução do imperialismo enquanto fase de um sistema caracterizado pela dominação e opressão, como apontado pelos autores que aqui analisamos. Tal como as dialécticas de classe, também o imperialismo acompanhou a evolução dos meios de produção. Se anteriormente as relações entre classes se desenvolviam numa relação de força muito mais directa e visível (como nas relações entre senhor e escravo ou entre senhor e servo), com o surgimento das relações de classe entre capitalista e proletário, também o capitalismo (em particular na sua fase imperialista) assume formas de dominação mais subtil, em que apenas recorre à força em última instância. Se o proletário é obrigado a vender a sua força de trabalho, de se alienar ao capitalista, como forma de obter um salário que permita a sua manutenção enquanto indivíduo e da sua família, também o Estado menos desenvolvido dentro do sistema-mundo, monetarizado e capitalista, necessita de alienar a sua mais-valia, de forma a garantir a sua sobrevivência dentro do sistema, sob pena de deixar de existir na sua presente forma. É aqui que surge a nossa análise sobre o “Imperialismo Estrutural” e da “violência estrutural” de Johan GaltunР (1971), que veremos mais à frente. Passemos então a abordar os contributos de alguns autores para a Teoria Clássica do Imperialismo, em que se destaca particularmente Luxemburgo, contudo referindo também alguns aspectos importantes de Hilferding e Kautsky. Rosa Luxemburgo (1871-1919) foi uma das primeiras pessoas a trabalhar o imperialismo de uma forma aprofundada e parte para a sua análise sobre o tema através dos problemas encontrados no processo de reprodução do capital descrito por Marx, elaborando a partir daqui a sua teoria das crises (Amaral 2012, 15). Na sua obra descreve que na sociedade capitalista o único objectivo que guia a reprodução é o lucro e não mais a satisfação das necessidades da sociedade, como acontecia anteriormente nas sociedades comunistas agrárias e esclavagistas/ feudais (Luxemburg 1951 [1913], 32-43). Como Luxemburgo (Luxemburg 1951 [1913], 42) coloca “a produхуo capitalista não é a produção de bens de consumo, nem é meramente a produção de mercadorias: é acima de tudo a produção de mais-valia. A expansão da reprodução, de 19 um ponto de vista capitalista, é a expansão da produção de mais-valia, apesar de isso acontecer sob a forma de produção de mercadorias e sendo assim a produção de bens de consumo”16. Esta relação é descrita como sendo um perpetuum mobile (Luxemburg 1951 [1913], 39) e desenvolve-se dentro de uma lógica de expansão eterna do capital (Idem, 40-41). Então para que esta reprodução aconteça necessita de existir a procura suficiente para que possa ser absorvida, ou como Luxemburgo expõe (1951 [1913], 47): “Assumamos que o capitalista pode continuar a sua capitaliгaхуo anual de metade da sua mais-valia por um determinado número de anos. Para este propósito não é suficiente que os meios de produção, trabalho e mercados em geral sejam próximos, estes factores devem ser encontrados em proporções que permitam manter o seu processo de acumulaхуo”17. Esta ideia leva-nos para aquilo que Luxemburgo define como a teoria das crises (Amaral 2012, 16), ou seja, a insuficiência da procura face à oferta, o que limita o processo de reprodução. Qual a solução proposta por Luxemburgo para a sobreprodução existente no mundo capitalista como forma de evitar ou sair das crises? A resposta é o fenómeno do imperialismo, ou seja, a exportação de capitais (quer sob a forma de empréstimos ou investimentos), colonização e os conflitos geopolíticos (Amaral 2012, 18). Estes aspectos já haviam sido, aliás, referidos previamente por Hilferding (1877-1941) na sua obra de 1910, que apontava estes fenómenos como sendo resultado da monopolização de capital sob alçada das instituições financeiras (Amaral 2012, 14). Como vimos anteriormente, para Luxemburgo, o imperialismo é a expansão do sistema capitalista para o que resta do mundo não capitalista, a financeirização, em termos globais, do que outrora não era uma mercadoria, através da abertura de novos mercados. Esta transformação é explicada por Luxemburgo através de vários processos que podem ocorrer. A exportação de capitais, sendo um desses processos, decorre da necessidade da colocação da produção excedente existente nos países capitalistas, noutros países. Os empréstimos cumprem assim um papel inicial daquilo que é a exportação de capitais, servindo para que os países menos desenvolvidos comprem as mercadorias ao país 16 “Capitalist production is not the production of consumer goods, nor is it merely the production of commodities: it is pre- eminently the production of surplus value. Expanding reproduction, from a capitalist point of view, is expanding production of surplus value, though it takes place in the forms of commodity production and is thus in the last instance the production of consumer goods.” - tradução própria. 17 “Let us assume noа that the capitalist can continue the annual capitalization of half his surplus value for a number of years. For this purpose it is not sufficient that means of production, labour and markets in general should be forthcoming, but he must find these factores in a proportion that is strictly in keeping аith his progress in accumulation.” - tradução própria. 20 credor. Um dos exemplos dados é o da expansão das redes ferroviárias durante o século XIX, contudo era aplicável a muitas outras mercadorias (Luxemburg 1951 [1913], 421). Nos casos em que se tratavam de colяnias, essa construхуo servia apenas “uma política imperialista, de monopolização económica e de subjugação económica das comunidades atrasadas” (Idem, ibidem). Todavia, nos casos em que o devedor era um país independente, estes empréstimos fornecidos serviriam para pagar a construção dos caminhos-de-ferro aos próprios países credores. Onde a procura não existe, ela é criada “voluntariamente ou pela Пorхa” (LuбemburР 1951 [1913], 427), apenas tendo um único objectivo: a acumulação de capital; destruindo assim as organizações económicas antigas dessas regiões. Na sua obra é feita uma análise extensiva do processo de transformação da economia egípcia para o sistema capitalista de produção e trocas comerciais, no qual os empréstimos desempenham um papel fulcral na construção de infraestruturas de forma a aumentar a produtividade (Luxemburg 1951 [1913], 429). Contudo, de forma a realizar este mesmo objectivo de aumentar a produtividade o “EРipto Пicou preso na rede do capitalismo europeu, para nunca mais dele Пicar livre” (LuбemburР 1951 [1913], 430)18. Esta “rede” possuía como elemento de aderência os juros associados aos empréstimos e a contínua necessidade de aumentar a produtividade para os poder pagar, e não necessariamente para melhorar as condições de vida do país. O país encontrava-se tão embrenhado nesta relação, que a produtividade não conseguia acompanhar a escalada dos juros, sendo necessários novos empréstimos para os poder pagar (Luxemburg 1951 [1913], 434). É a constante transformação da economia camponesa egípcia, para uma economia capitalista que alimentará esta importação de capitais. O controlo da economia encontrava-se cada vez mais nas mãos de capitalistas estrangeiros e a exploração dos servos egípcios era cada vez maior, quer em termos de trabalho forçado, quer em termos de impostos, que contribuíam como Пontes de capital: “Despido de todas as ligações obscuras, estas relações consistem no simples facto de que o capital europeu absorveu em grande medida a economia camponesa egípcia. Enormes partes de terra, trabalho e inúmeros produtos do trabalho, obtidos pelo Estado como impostos, 18 “Egypt became caught up in the аeb of European capitalism, never again to get free of it.” - tradução própria. 21 Пoram convertidos em capital europeu e Пoram acumulados” (LuбemburР 1951 [1913], 438)19. Para que o processo de extracção de mais-valia da força de trabalho dos países não-capitalistas seja realizado, existe a necessidade de se concretizarem trocas comerciais. De forma a compreender este processo, Luxemburgo (1951 [1913], 444) utiliza o exemplo da Turquia e do seu processo de transПormaхуo de “economia natural” para uma economia capitalista. Nesta situação, como forma de realizar a mais-valia, aquilo que anteriormente era um simples produto de subsistência das populações, como os cereais, ao ser cobrado como imposto pelo Estado, passa a ser considerado como uma mercadoria, possuindo um valor, o que pode acontecer mesmo ainda antes da sua produção, sob a forma de garantia. Desta forma, este capital, já pode ser utilizado para as despesas estatais. Esta relação é fundamental para compreender os processos de extração de mais-valia dos países menos desenvolvidos. Contudo todo este processo não se desenvolve meramente numa base pacífica e sem recurso ao conflito. Se, como Luxemburgo (1951 [1913], 446) observa, os “economistas clпssicos […] tinham tido esperanхas num desenvolvimento pacíПico da acumulação de capital e de um comércio e indústria que apenas podem prosperar em tempos de paг”20, o propósito de conseguir novos mercados e do livre comércio, levava que este processo fosse muitas vezes conseguido de forma violenta, como no caso das Guerras do Ópio, entre a Inglaterra e a China (Luxemburg 1951 [1913], 447). Na Europa, durante a fase concorrencial do capitalismo, a tendência inicial de livre comércio entre as várias nações, daria lugar à colocação de fortes barreiras tarifárias, fruto do processo acumulação capitalista e de formação de monopólios (Luxemburg 1951 [1913], 449-451). Os monopólios possuíam agora a força necessária para exercer pressões sobre os governos nacionais, de forma a defenderem a sua acumulação. O fecho dos mercados na Europa levaria a uma nova e intensificada fase de expansão colonial, em busca de novos mercados. O “livre-comércio” seria apenas aplicado aos países mais fracos e não-capitalistas, incapazes de competir com os países mais desenvolvidos (Luxemburg 1951 [1913], 449-451). 19 “Stripped of all obscuring connecting links, these relations consist in the simple fact that European capital has largely sаallowed up the Egyptian peasant economy. Enormous tracts of land, labour, and labour products without number, accruing to the state as taбes, have ultimately been converted into European capital and have been accumulated.” - tradução própria. 20 “Classical economics […] had had high hopes of a peaceful development of the accumulation of capital and of a trade and industry аhich can only prosper in times of peace.” - tradução própria. 22 O fenómeno de formação de monopólios é um dos principais pontos abordados por Hilferding, que o considera como o início de uma nova fase, em que a concentração de capital teria originado a formação de monopólios capitalistas, baseados essencialmente na fusão do capital industrial com o capital financeiro, com a predominância deste último (Amaral 2012, 12), tal como Marx havia previsto quando falava da crescente concentração e centralização do capital (Marx 1974 [1867], 396-397). Por considerar que o processo de formação de monopólios se tratava de uma nova fase da transformação do capitalismo, considerava também que o imperialismo seria então a “Пase mais recente do desenvolvimento capitalista”, como surРe no subtítulo da sua obra21 (Hilferding 1981 [1910]). Já Kautsky (1854-1938), apesar de reconhecer que o imperialismo havia substituído o livre comércio, concebeu no entanto que isto se tratava de uma solução política, premeditada e deliberada, por parte das nações desenvolvidas, com o objectivo de suprir a necessidade de bens primários existente no capitalismo industrial e resultante do diferencial de desenvolvimento verificado entre o sector agrícola e industrial, através da apropriação e ocupação de terras (Kautsky 2004 [1914]). Na opinião de Kautsky o resultado final da competição monopolista entre as potências imperialistas da altura, em busca de um monopólio global para elas próprias, poderia resultar em alРo que o autor desiРnaria de “ultra-imperialismo”, uma “Пase” superior do capitalismo em que o monopяlio seria detido por “uma Пederaхуo dos mais fortes, que renunciam à sua corrida armamentista”, uma “santa alianхa dos imperialistas” (Kaustky 2004 [1914])22. A crescente necessidade de competir por novos mercados e de acumulação de capital acentuaria então o fenómeno do militarismo. Se, nas fases iniciais do capitalismo, o militarismo se baseava na conquista de novos territórios, agora era: “[...] usado para subjuРar as colяnias modernas e destruiхуo das orРaniгaхões sociais das sociedades primitivas, para que os seus meios de produção pudessem ser apropriados, e forçadamente introduzir o comércio de mercadorias em países onde a estrutura social tinha sido oposta a isso e de tornar os nativos em proletariado, obrigando-os a trabalhar por salários nas colónias. É responsável pela criação e expansão de esferas de interesse para o capital europeu em regiões não-europeias, por extorquir concessões nas ferrovias de países atrasados e por 21 “A study of the latest phase of capitalist development.” - tradução própria. 22 “[…] a federation of the strongest, аho renounce their arms race. […] a holy alliance of the imperialists.” - tradução própria. 23 Пorхarem reivindicaхões do capital europeu enquanto credor internacional.” (Luxemburg 1951 [1913], 454)23 Luxemburgo associa também o militarismo a mais um processo de transferência de capital da classe trabalhadora para os monopólios, através dos impostos que são utilizados para a aquisição de material militar (Luxemburg 1951 [1913], 454-455). Sendo que as políticas militaristas contribuem para a acumulação de capital por parte dos monopólios, estes incentivam a que haja uma acentuação do próprio militarismo, assim como da utilização da força no exterior, como forma de valer esses mesmos interesses, numa relação de duplo proveito: lucros na indústria do armamento e abertura de novos mercados (Luxemburg 1951 [1913], 466). 1.2 – A consolidação da Teoria Clássica do Imperialismo com Vladimir Lenin Lenin (1870-1924) foi um dos autores que abordou a temática do imperialismo de forma mais aprofundada e completa, fazendo-o também através das contribuições dadas por outros autores anteriores e de uma forma dialéctica, o que lhe permitiu ter uma visão mais crítica e completa sobre o que até aí havia sido escrito. Ele afirmava que a chave da compreensão do imperialismo se encontrava na fase de desenvolvimento em que o capitalismo se encontrava. Tinha-se dado uma transformação da essência do capitalismo, passando de um capitalismo de base concorrencial e de competição, para uma fase de concentração de capital e monopólio, sendo esta uma fase inevitável e mais avançada do capitalismo. Inevitável, porque a livre concorrência gerava ela mesma a concentração de capital, necessária pelo crescente volume de capital envolvido no processo de produção. Ou seja, o capitalismo concorrencial gerava em si mesmo a sua própria contradição, isto é, o monopólio (Lenin 1975 [1916], 29-36). Sendo o monopólio superior aos pequenos competidores, dada a sua capacidade de os condicionar, passa assim a submeter todos “ao seu juРo, р sua arbitrariedade” (Lenin 23 “[…] employed to subject the modern colonies, to destroy the social organizations of primitive societies so that their means of production may be appropriated, forcibly to introduce commodity trade in countries where the social structure had been unfavorable to it, and to turn the natives into a proletariat by compelling them to work for wages in the colonies. It is responsible for the creation and expansion of spheres of interest for European capital in backward countries, and for enforcing the claims of European capital as international lender.” - tradução própria. 24 1975 [1916], 39), e fazendo uso das crises como elemento que possibilitava uma concentração de capital ainda maior (Lenin 1975 [1916], 42), passando assim a dominar o próprio sistema. O autor (Lenin 1975 [1916], 143-144) descreve as manifestações do capitalismo monopolista como sendo quatro, a saber: 1 – O monopólio é um produto da concentração da produção num grau muito elevado do seu desenvolvimento; 2 – Os monopólios vieram agudizar a luta pela conquista das mais importantes fontes de matérias-primas; 3 – O monopólio surgiu dos bancos; 4 – O monopólio surgiu da política colonial. Neste processo os bancos desempenhavam um papel fundamental, em particular os monopólios bancários, expressão máxima do capital financeiro. Lenin (1975 [1916], 46) descreve um processo de concentração de capital cada vez maior e mais expressivo sob o domínio deste capital financeiro, sendo que estas instituições controlavam crescentes fluxos dos capitais existentes. Neste sector a velocidade de absorção, incorporação e subordinação das instituições mais pequenas, verificava-se a uma velocidade superior àquela encontrada no capital industrial. Mas um novo processo começava a tomar forma, a fusão entre capital industrial e capital financeiro, sob a alçada deste último (Lenin 1975 [1916], 56). Cada vez mais o capital à disposição do sector industrial era providenciado pelo sector bancário, sendo controlado por este último, dada a concentração de capital que possuíam (Lenin 1975 [1916], 63). A promiscuidade entre funcionários do Estado e o capital era algo também apontado na sua obra (Lenin 1975 [1916], 74). Posteriormente parte para anпlise da eбportaхуo de capitais. Aqui aПirma que “o que caracteriza o velho capitalismo, no qual dominava plenamente a livre concorrência, era a exportação de mercadorias. O que caracteriza o capitalismo moderno, no qual impera o monopяlio, é a eбportaхуo de capitais” (Lenin 1975 [1916], 79). Esta noхуo é fundamental para a análise do capitalismo monopolista e financeiro, ou imperialismo. Lenin prossegue, afirmando que desta forma que o: 25 “capitalismo [consaРra-se][…] ao aumento desses beneПícios através da exportação de capitais para o estrangeiro, para os países atrasados. Nestes países atrasados o lucro é em geral elevado, pois os capitais são escassos, o preço da terra e os salários relativamente baixos e as matérias-primas baratas. […] A possibilidade da exportação de capitais é determinada pelo facto de uma série de países atrasados terem sido já incorporados na circulação do capitalismo mundial, terem sido construídas as principais vias férreas ou iniciada a sua construção, terem sido asseguradas as condições elementares para o desenvolvimento da indústria, etc. A necessidade da exportação de capitais obedece ao facto de que em alguns países o capitalismo ‘amadureceu eбcessivamente’ e o capital (dado o insuПiciente desenvolvimento da aРricultura e a miséria das massas) carece de campo para a sua colocaхуo ‘lucrativa’” (Lenin 1975 [1916], 80). Evidencia-se aqui já uma grande proximidade com aquilo que os teóricos da dependência abordariam mais tarde, quando centram as suas atenções nas exportações de capitais através do Investimento Directo Estrangeiro, dívida e ajudas, como veremos mais adiante. Também a questão da partilha do mundo entre as potências imperialistas é descrita por Lenin. Nesta situação o capitalismo levou à formação de um mercado global, em que os monopólios anteriormente confinados às fronteiras dos países que lhe deram origem, disputam agora o mercado global, em busca da formação de um “supermonopяlio mundial” (Lenin 1975 [1916], 85). Os Рrupos capitalistas estabeleciam relaхões entre si, com vista a uma “partilha econяmica do mundo”, ao mesmo tempo que também os Estados estabeleciam relações que permitissem a “partilha territorial do mundo”, o que naquela época siРniПicava a disputa por colяnias, numa “luta pelo territяrio econяmico” (Lenin 1975 [1916], 93). Lenin (1975 [1916], 101) ressalva que “a política colonial e o imperialismo eбistiam jп antes da Пase última do capitalismo e até mesmo do capitalismo”, todavia considera que quaisquer “consideraхões ‘Рerais’ sobre o imperialismo, que esquecem ou releРam para seРundo plano as diferenças radicais entre as formações económico-sociais, degeneram inevitavelmente em trivialidades vaгias ou em jactсncias”. Denota-se aqui a importância que o pensamento de Marx e o materialismo histórico possuem, nomeadamente o desenvolvimento das relações materiais e a determinação das estruturas sociais. 26 O imperialismo serve também como ferramenta de apaziguamento social dentro dos países desenvolvidos, contribuindo para o escoamento da produção e para o fornecimento de mercadorias mais baratas a estes, assim como para a entrada de rendimentos provenientes do exterior. Formava-se nos países desenvolvidos uma distinхуo entre uma “camada superior” de operпrios e uma “camada inПerior, operпria propriamente dita”, em que a primeira vivia das rendas provenientes do estranРeiro, usando como exemplo o caso de Inglaterra em que cada vez mais gente vivia de rendimentos (Lenin (1975 [1916], 125). A predisposição do imperialismo é para separar cateРorias de privileРiados entre os operпrios e “para os separar das Рrandes massas do proletariado”, “acentua-se o oportunismo entre os operпrios”, provocando uma “decomposiхуo temporпria do movimento operпrio” (Lenin 1975 [1916], 126). Lenin, recuperando EnРels, chama a este processo de “aburРuesamento” do proletariado (Idem, ibidem). Nуo obstante, este “apaгiРuamento” é Пeito sobre uma base de dominaхуo social. Gera-se uma “superestrutura eбtra-econяmica”, Пruto do capital Пinanceiro, das suas políticas e ideologias, e que recusam a liberdade (Lenin 1974 [1916], 103). Citando HilПerdinР, reПere que “o capital Пinanceiro nуo quer a liberdade, mas a dominaхуo” (Lenin 1975 [1916], 103). Esta dominação é imposta, quer dentro das nações imperialistas, quer nos seus feudos, sejam eles colónias ou países formalmente independentes, mas que são dependentes nas áreas financeiras e diplomáticas, também referidos como protectorados ou semi-colónias. Nestes a dominação é feita, criando laços entre as elites de colonizados e colonizadores (Lenin 1975 [1916], 104). Desta relação entre as potências imperialistas e as suas colónias ou protectorados, é mantida também uma relaхуo de “Estado usurпrio versus Estado devedor”, em que o primeiro é uma potência imperialista e o seРundo é um seu dependente. O primeiro exporta capitais para o segundo e vive das rendas extorquidas deste. Esta relação é mantida de forma formalmente pacífica, contudo, em caso de necessidade, o recurso à intimidação pelo uso da força militar é sempre a ferramenta escolhida quando o devedor dá indícios de não querer pagar ou de se revoltar contra o credor (Lenin 1975 [1916], 120). Desta relação faz também parte o processo de concentração política e do uso da força. A seguinte afirmação de Lenin (1975 [1916], 138) evidencia bem o seu pensamento: “sob o capitalismo não se concebe outro fundamento para a partilha das esferas de influência, dos interesses, das colónias, etc, 27 além da força de quem participa na divisão, a força económica, geral, financeira, militar, etc”, Lenin continua aПirmando que “a Пorхa dos que participam não se modifica de forma idêntica, visto que, sob o capitalismo, é impossível o desenvolvimento igual das diferentes empresas, trusts, ramos industriais e países”. E se inicialmente o processo de concentração política se desenvolve internamente, numa fase mais avançada será transportado para as disputas territoriais por colónias ou semi-colónias em todo o mundo (Lenin 1975 [1916], 114-115), onde as diferenças referidas anteriormente serão evidenciadas. Aqui têm também grande impacto as estruturas comunicativas que ajudam a desenvolver as relações de produção entre as metrópoles e as suas dependências (Lenin 1975 [1916], 115-117). O mote desta relação é-nos dado por Schulze Gaevernitz (in Lenin 1975 [1916], 120): “o credor estп mais solidamente ligado ao devedor do que o vendedor ao comprador”. A aПirmaхуo anterior serve para demonstrar a transformação que existiu, do capitalismo baseado nas trocas comerciais, para um capitalismo financeiro baseado na extração de rendimentos. Para Lenin (1975 [1916], 107) o imperialismo demonstra assim ser “uma Пase particular do capitalismo”, e que “surРiu como desenvolvimento e consequência directa das características Пundamentais do capitalismo em Рeral”. Mas essa transПormaхуo apenas aconteceu quando o capitalismo alcançou um grau de desenvolvimento bastante avançado. Trata-se duma estrutura social, algo inerente ao próprio sistema, e não apenas uma política resultado de uma qualquer decisão deliberada. Esta ideia será reforçada, quando o autor faz uma acérrima crítica a Kautsky, por este considerar o imperialismo como uma opção política e não como fase do capitalismo (Lenin 1975 [1916], 109). Ainda dentro da análise feita a Kautsky, e às suas afirmações em defesa da livre concorrência em detrimento do monopólio, Lenin atesta que até se pode admitir que a livre concorrência poderia ter um efeito positivo no desenvolvimento da economia e do comércio, contudo “quanto mais rпpido é o desenvolvimento do capitalismo, mais intensa é a concentração da produção e do capital que engendra o monopólio. E os monopólios nasceram já precisamente da livre concorrência!” (Lenin 1975 [1916], 133). Podemos então definir em cinco pontos essenciais, apontados por Lenin (1975 [1916], 108), o imperialismo, a saber: 28 1. A concentração da produção e do capital, levada a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida económica; 2. A fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse “capital Пinanceiro”, da oliРarquia Пinanceira; 3. A exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância particularmente grande; 4. A formação de associações monopolistas internacionais de capitalistas, que partilham o mundo entre si; 5. O termo da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes. 1.3 – O Imperialismo Estrutural de Johan Galtung Johan Galtung (1930-), na sua obra de 1971 “Uma Teoria Estrutural do Imperialismo”, aborda as questões que subjaгem a desigualdade entre os países que desiРna como “centro e “periferia”, colocando a tяnica analítica nas questões da “violência estrutural” (GaltunР 1971, 81) e da Пorma como esta é usada num sistema imperialista. O autor deПine imperialismo como “uma relaхуo de dominaхуo entre colectividades, particularmente entre nações. É uma relação de dominação de tipo sofisticado que atravessa nações, baseando-se numa testa-de-ponte que o centro da nação do centro estabelece no centro da nação Periférica, para benefício mútuo de ambos”24 (Galtung 1971, 81). O imperialismo surge como um “subtipo de alРo, que possui ele mesmo subtipos a serem eбplorados mais tarde”25 (Idem, ibidem) e é uma “combinaхуo de relaхões intra e internacionais”26 (Galtung 1971, 84). A distinção com a definição marxista-leninista é feita na base de o autor a considerar “reducionista”, na medida em que ela se fundamenta meramente nas relações económicas. Galtung (1971, 24 “[…] as a dominance relation between collectivities, particularly between nations. It is a sophisticated type of dominance relation which cuts across nations, basing itself on a bridgehead which the center in the Center nation establishes in the center of the Periphery nation, for the joint benefit of both” - tradução própria. 25 “It is a subtype of something, and has itself subtypes to be eбplored later.” - tradução própria. 26 “[…] combination of intra- and inter-national relations.” - tradução própria. 29 81) considera, no entanto, que “o imperialismo é uma relaхуo estrutural mais Рeral entre duas colectividades, e deve ser entendido a um nível Рeral […]”27. Posteriormente é analisada a temпtica do “conПlito de interesses”, enquanto “situaхуo em que as partes perseРuem objectivos incompatíveis”28 (Idem, ibidem). Aqui é aquele que estп de Пora que deПine os objectivos “verdadeiros” para serem seРuidos pelas partes, independentemente dos valores que as partes procuram de forma explícita (Galtung 1971, 82). O conflito de interesses existe quando está presente a desarmonia nas condições de vida das partes e em particular quando esta aumenta. Da mesma forma, esse conflito diminui ou deixa de existir, quando as diferenças nas condições de vida diminuem ou desaparecem (Galtung 1971, 82). Podemos então concluir que o conflito existe enquanto a diferença permanecer presente. Relacionando “conПlito de interesses” com o conceito de imperialismo, Galtung (1971, 83-84) estabelece três pontos basilares: 1. “eбiste uma harmonia de interesses entre o centro do centro e o centro da periferia”; 2. “eбiste maior desarmonia de interesses dentro da naхуo PeriПérica do que dentro das nações do centro”; 3. “eбiste desarmonia de interesses entre a periferia na nação do centro e a periferia da naхуo PeriПérica”, sendo que a primeira se considera mais prябima do centro da nação centro do que da periferia da nação Periférica, pois os resultados do imperialismo acabam por beneficiar de alguma forma a periferia da nação do centro (ex.: preços mais baixos de matérias-primas provenientes da periferia, levam também a preços mais baixos no produto de consumo final no centro). São também definidos dois mecanismos básicos existentes nas relações entre as partes envolvidas, a saber, o “princípio de relaхуo de interacхуo vertical” e o “princípio de estrutura de interacхуo Пeudal” (GaltunР, 1971, 85). O primeiro é descrito como o processo de transação de bens, serviços e capitais, entre nações desenvolvidas, que exportam bens manufacturados, e nações em desenvolvimento, que exportam matériaprima. Esta relação é composta por diferentes níveis de processamento, sendo que 27 “[…] imperialism is a more general structural relationship between two collectivities, and has to be understood at a general level […]” - tradução própria. 28 “[…] situation аhere parties are pursuing incompatible goals.” - tradução própria. 30 “processamento” é deПinido pelo autor como o acto de “impor Cultura sobre a Natureгa”29 (Galtung 1971, 86), ou seja, o processo em que o Homem reduz ao mínimo o elemento “Natureгa” num dado produto e onde a “Cultura” assume uma maior relevância na essência desse mesmo produto. A questão que surРe daqui é “quem beneПicia mais?”, relativamente aos resultados da interacхуo entre países desenvolvidos e menos desenvolvidos (Galtung 1971, 85). O resultado destes fluxos é uma crescente desigualdade entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, fruto do processo de incremento de trabalho (Cultura) na matéria-prima (Natureza). Neste processo os primeiros possuem uma maior capacidade para gerar valor e que se reforça e expande ao longo tempo, ao passo que os países menos desenvolvidos não experimentam os incentivos que lhes permitem desenvolver a sua própria capacidade produtiva. O seРundo princípio é eбposto como o “Пactor que mantém e reПorхa esta desigualdade, protegendo-a”30 (Galtung 1971, 89). É a relação que estrutura a interacção não só entre o centro e a periferia, determinando-a como vertical, mas também restringindo as interacções entre periferia e periferia, ou entre estas e o centro numa base multilateral, sendo que a relação com o resto do mundo é condicionada e monopolizada pelo centro, resultando numa limitação sobre a periferia que a impede de interagir com outros centros (Galtung 1971, 89). Isto significa que existe uma concentração de parceiros de comércio, quer para importações quer exportações para as periferias, e resultando também em concentração numa gama limitada de produtos a exportar por parte destas (Galtung 1971, 90). Analisaremos o nosso estudo de caso aplicando os tipos de imperialismo estabelecidos por Galtung (1971, 91). Estes são os seguintes: 1. Imperialismo económico; 2. Imperialismo político; 3. Imperialismo militar; 4. Imperialismo comunicacional; 5. Imperialismo cultural. O imperialismo económico baseia-se nas relações desiguais descritas acima. O imperialismo político baseia-se na concentração do poder de decisão no centro, 29 “[…] imposing Culture on Nature.” - tradução própria. 30 “[…] the factor that maintains and reinforces this inequality by protecting it.” - tradução própria. 31 “alРumas naхões produгem decisões, outras providenciam obediência”31 (Galtung 1971, 92). Esta relação pode ser desenvolvida através de assistência por parte da nação do centro à periferia, por exemplo, ou simplesmente através de imitação da primeira pela última, eбistindo “uma aura especial de leРitimidade em qualquer ideia que emane do centro”32 (Idem, ibidem). O imperialismo militar é fundamentado na capacidade de produção militar que apenas as nações do centro possuem, dada a capacidade de processamento ao seu dispor. Sendo assim é o centro quem providencia segurança e protecção. O imperialismo comunicacional serve como um meio para manter as relações de tipo feudal. Para isso o centro faz uso da capacidade, que apenas ele dispõe, de desenvolver a tecnologia mais avançada de transportes e comunicações. Aqui também a comunicação social desempenha um papel relevante. E traçando um paralelismo com a economia o autor aПirma que “a periferia […] produz eventos que o centro transforma em notícias. Isto é feito treinando jornalistas para verem os eventos através dos olhos do centro, e estabelecendo uma cadeia de comunicação que filtre e processe eventos para que eles encaiбem no padrуo Рeral”33 (Galtung 1971, 93). E por fim o imperialismo cultural que estabelece uma divisão entre aquele que ensina e aquele que aprende. Assim é o centro quem define o que vale a pena ser ensinado, enquanto a periferia fornece aqueles que vão aprender. A aceitação desta relação por parte da periferia é vista pelo centro como forma de validação de si mesmo como centro, reforçando-o assim (Idem, ibidem). Para GaltunР (1971, 101) o “imperialismo é uma questуo de Рrau e se Пor perfeito é um perfeito instrumento de violência estrutural. Quando é menos do que perfeito algo deve ser substituído pelo que é perdido em violência estrutural: violência directa ou, pelo menos, a ameaхa de violência directa”34. O autor afirma que é neste tipo de situações que o imperialismo militar se torna fundamental, proporcionando condições para desenvolver os restantes tipos de imperialismo. Não obstante, compreende-se que o imperialismo militar, dentro de uma perspectiva de dominação 31 “[…] some nations produce decisions, others supply obedience.” - tradução própria. 32 “[…] a special aura of legitimacy to any idea emanating from the Center.” - tradução própria. 33 “[…] the Periphery also produces events that the Center turns into news. This is done by training journalists to see events with Center eyes, and by setting up a chain of communication that filters and processes events so that they fit the general pattern.” tradução própria. 34 “Imperialism is a question of degree, and if it is perfect it is a perfect instrument of structural violence. When it is less than perfect something must be substituted for what is lost in structural violence: direct violence, or at least the threat of direct violence.” - tradução própria. 32 estrutural, surgirá sempre como arma de recurso, enquanto ferramenta que força os restantes tipos de imperialismo em caso de extrema necessidade. Isso significa que, para se promover o “imperialismo perПeito”, serуo os restantes tipos de imperialismo descritos por Galtung que assumem maior nível de relevância e em particular o imperialismo económico, enquanto principal forma de sustentação dos restantes, dadas as suas características infraestruturais e materiais. 33 34 2 – Teoria da Dependência A razão de ser do capitalismo é a eterna acumulação de capital. (Wallerstein 1993, 3) 2.1 – Sobre o conceito de desenvolvimento Para se iniciar uma análise ao conceito de dependência importa, primeiramente, rever outro conceito ao qual este está subjacente. Alude-se aqui ao conceito de desenvolvimento, ou, talvez melhor ainda, ao binómio desenvolvimento/ subdesenvolvimento. Antes de mais é relevante aПirmar que o “desenvolvimento é, em si mesmo, um processo social”35 e que “nуo basta considerar as condiхões e eПeitos sociais do sistema econяmico”36 (Cardoso e Faletto 1977, 7). Modelos de desenvolvimento sуo também uma “abstracхуo ideolяРica”, pois reПerem-se a objectivos de desenvolvimento que se pretendem alcançar tendo por base padrões de desenvolvimento alcançados por outros países considerados desenvolvidos (Santos, 2011 [1978], 334), aquilo a que Cardoso e Faletto (1977, 9) desiРnam de “eПeito de demonstraхуo” e para o qual Prebisch (1962 [1949], 77) alerta acerca da necessidade de cuidado na “assimilaхуo de estilos de vida” dos países desenvolvidos. As perspectivas dos autores dependentistas evidenciam uma crítica à visão tradicional das causas do subdesenvolvimento, abordadas pelos autores da Teoria do Desenvolvimento na altura representados essencialmente pelos defensores da Teoria da Moderniгaхуo (Santos 2011 [1978], 332). Esta última coloca o “subdesenvolvimento como uma ausência de desenvolvimento” e que o “[…] ‘atraso’ dos países subdesenvolvidos era explicado pelos obstáculos que neles existiam ao seu pleno desenvolvimento ou moderniгaхуo” (Santos in Amaral 2012, 28). Existe assim uma tentação de copiar modelos de desenvolvimento passados, como forma de emular 35 “[…] desarrollo es, en sí mismo, un processo social […]”- tradução própria. 36 “[…] no basta considerar las condiciones y efectos sociales del sistema económico.” - tradução própria. 35 determinados estágios de desenvolvimento pelos quais os países mais desenvolvidos passaram. A explicação dependentista é radicalmente diferente e assume quatro pontos fulcrais pelos quais passará a sua análise. Primeiro, existe uma relação próxima entre o subdesenvolvimento dos países periféricos com o desenvolvimento dos países avançados. Segundo, desenvolvimento e subdesenvolvimento são duas faces da mesma moeda, ou seja, são parte intrínseca de um único sistema. Terceiro, o subdesenvolvimento não é um estágio a partir do qual se parte para o desenvolvimento. Quarto, e último ponto, a dependência não se evidencia apenas nas relações dos países dependentes com o exterior, mas também nas dinâmicas internas desses mesmos países (Amaral 2012, 32). Dentro da economia mundial capitalista, “todas as sociedades se movem paralelas e juntas para uma nova sociedade”37 (Santos 2011 [1978], 334), dentro de um processo histórico, que apesar de contínuo, não é linear. Desta forma modelos de desenvolvimento não podem ser copiados e implantados noutros países considerados subdesenvolvidos, pois essas experiências históricas estariam completamente ultrapassadas, assim como “‘modelos’ de sociedade desenvolvida [nуo] sуo cristaliгaхões de metas por alcanхar”38. O desenvolvimento acontece “como uma experiência especíПica que se dп em certas condiхões histяricas especíПicas” e por isso eбiste “a necessidade de deПinir estas condiхões histяricas que dуo o enquadramento possível de um processo de desenvolvimento”39 (Santos 2011 [1978], 335). Santos (2011 [1978], 355) aПirma que “a ciência do desenvolvimento (socioloРia ou economia) só é ciência quando abandona o pressuposto de uma meta formal por alcançar e do caminho para a alcançar e se lança na compreensão do desenvolvimento como um processo histяrico”40. Pelas palavras de Andre Gunder Frank trata-se aqui do “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, “o produto necessпrio de quatro séculos de capitalismo”41 (Frank in Wallerstein 1974, 392), existindo assim uma relação causal e indissociável entre 37 38 “[…] todas las sociedades se mueven paralelas y juntas hacia una nueva sociedad.” - tradução própria. “[…] ‘modelos’ de desarrollo eбistentes no se pueden repetir y tampoco los ‘modelos’ de sociedad desarrollada son cristalizaciones de metas por alcanzar.” - tradução própria. 39 “[…]como una experiencia específica que se da en ciertas condiciones históricas específicas. […] la necesidad de definir estas condiciones históricas que dan el marco posible de un proceso de desarrollo.” - tradução própria. 40 “La ciencia del desarrollo (sociología o economía) solo es ciencia cuando abandona el supuesto de una meta formal por alcanzar y del caminho para alcanzarla y se lanza a la comprensión del desarrollo como processo histórico.” - tradução própria. 41 “[…]’underdevelopment … is the necessary product of four centuries of capitalism itself.” - tradução própria. 36 desenvolvimento e subdesenvolvimento, provocada pela acção das grandes corporações multinacionais, Estados desenvolvidos e organizações internacionais (Wallerstein 2006, 12; Cardoso e Faletto 1977, 12). Esta relação é também indissociável da própria lógica de acumulação capitalista, apontada pelos autores sobre o imperialismo acima mencionados, que rege a economia mundial e que acentua diferenças económicas e sociais entre classes, países e regiões. Por fim, é também importante realçar a diferença entre o conceito de “subdesenvolvido” e “carente de desenvolvimento”, onde o último se reПere р situaхуo das sociedades “que nуo mantém relaхões de mercado com os países industrialiгados” (Cardoso e Faletto 1977, 12)42. 2.2 – O surgimento da Teoria da Dependência A Teoria da Dependência surge nos anos de 1940 e 50, como resposta a modelos de desenvolvimento que, como vimos atrпs, consideravam o “subdesenvolvimento como uma ausência de desenvolvimento” e que “[…] o ‘atraso’ dos países subdesenvolvidos era explicado pelos obstáculos que neles existiam ao seu pleno desenvolvimento ou moderniгaхуo” (Santos in Amaral 2012, 28), ou seja, apontavam as causas do subdesenvolvimento como possuindo origens endógenas aos próprios países, excluindo do seu discurso qualquer influência externa. Rejeitando as teses da Teoria da Modernização, o surgimento da Teoria da Dependência e das suas diversas correntes, deriva da necessidade de compreender a relação que se estabelece numa base de dependência estrutural entre a periferia relativamente a um centro desenvolvido (Blom e Charillon 2001, 51) e em particular sobre a análise do subdesenvolvimento da América Latina (Santos 2011 [1978], 355). Os primeiros a assumirem esta relação de dependência estrutural são Hans Singer, Raúl Prebisch e Celso Furtado (Amaral 2012, 29), afirmando que existia uma deterioração dos termos de troca entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos, sendo que os primeiros ficariam favorecidos, pois o valor dos bens manufacturados seria sempre superior ao das matérias-primas e menos volátil à flutuação de preços (Prebisch 1962 [1949], 81-86), resultando daqui uma relação de comércio desigual, que provocaria 42 “[…] que no mantiene relaciones de mercado con los países industrializados.” - tradução própria. 37 graves desequilíbrios financeiros nas regiões periféricas. Desta forma a solução para os países subdesenvolvidos passaria por um processo de industrialização, aumentando a produtividade e permitindo reter integralmente a mais-valia produzida, em vez de a transferirem para os países centrais (Prebisch 1962 [1949], 72), numa lógica de industrialização por substituição de importações (Cardoso e Faletto 1977, 5). Esta contrastava com o anterior enfoque na exportação de matérias-primas, nomeadamente produtos agrícolas e minerais, onde estes sectores eram dominados pela oligarquia tradicional, herdeira da era colonial (Cardoso e Faletto 1977, 20). Este domínio do sector produtivo também se reflectia numa dominação política e social, e por isso a presença dos sectores oligárquicos no aparelho do Estado era significativa (Idem, ibidem). Porém este tipo de política económica está fortemente condicionado pelas dinâmicas de mercado mundiais controladas pelas economias centrais (Cardoso e Faletto 1977, 21). Onde exista uma falta de capacidade para desenvolver as forças produtivas locais, desenvolveu-se uma forma relativamente diferente de dependência, caracterizada por Santos (2011 [1978], 368) como dependência financeiro-industrial. Nesta, o desenvolvimento da produção de matérias-primas era controlado e financiado pelo próprio centro, havendo assim uma subordinação total destas economias aos agentes externos. E assim estes sectores tornavam-se aqueles que apresentavam um nível tecnológico superior ao restante apresentado na economia onde se incluíam, pois tornavam-se “prolonРaхões tecnolяРicas e Пinanceiras das economias centrais”, a contrapartida era também os lucros pertencerem à economia central (Cardoso e Faletto 1977, 22-23). A aposta neste tipo de crescimento económico faz-se com base nas vantagens comparativas de cada região, assim o resultado é a aposta na monoprodução e pouca diferenciação do aparelho produtivo (Cardoso e Faletto 1977, 27), o que propiciava que as economias ficassem altamente expostas aos défices da balança comercial, dada a relação dos termos de troca, em que o país dependente saía sempre prejudicado (Santos 2011 [1978], 372). Para que a mudança de política económica ocorresse, estes países deveriam centrar-se ao mesmo tempo na aquisição de tecnologia, que lhes permitisse diversificar a estrutura produtiva e aumentar a produtividade, e na definição de uma política de investimentos públicos, através da criação de infraestruturas, ou seja, baseavam-se na crença de que o desenvolvimento dependia da própria capacidade interna de definir políticas económicas (Cardoso e Faletto 1977, 5). 38 Porém esta teoria mantinha a “ideia do desenvolvimento económico como continuum, […] [pois] nуo considerava o desenvolvimento e o subdesenvolvimento como fenómenos qualitativamente diversos, marcados pelo antagonismo e a complementaridade […] mas tуo-somente como expressões quantitativamente diПerenciadas do processo histяrico da acumulaхуo de capital” (Marini in Amaral 2012, 30). Tal como era uma visão institucionalista e reformista, acreditando na possibilidade de transformação sistémica a partir do interior do próprio sistema (Cravinho 2008, 186), dentro da tradição keynesiana e associada à CEPAL43. As suas políticas económicas na América Latina baseavam-se na industrialização para substituição de importações (Prebisch 1962 [1949], 129) assente na burguesia nacional e no Estado, apostando nos seus mercados internos suficientemente grandes e procurando ao mesmo tempo exportar (Cardoso e Faletto 1977, 5 e 47). O falhanço da implementação destas políticas em alguns países viram as expectativas da CEPAL goradas durante os anos de 1950 e 60, quando a estagnação atingiu esses mesmos países (Cardoso e Faletto 1977, 6), demonstrando que não eram simples questões de política económica a implantar nos países subdesenvolvidos, mas que eram questões estruturantes bem mais profundas. Santos (2011 [1978], 437) refere mesmo a necessidade de “combater qualquer tendência para eбplicar o subdesenvolvimento e a dependência por meio dos mecanismos de intercсmbio”44, considerando as causas destes dois fenómenos como sendo bem mais complexas do que o inicialmente julgado. Surge assim, nos anos 1960 e 70, uma nova corrente da Teoria da Dependência de base marбiana. Esta nova corrente dependentista procurava “estudar a natureгa e o alcance da crise Рeral do capitalismo contemporсneo”45 (Santos 2011 [1978], 7), sentida neste período. Esta crise, juntamente com as contradições encerradas dentro da própria natureza do capitalismo, resultava num aumento das desigualdades entre o centro e a periferia, agravando o processo de desenvolvimento dos últimos, ao mesmo tempo que reforça o dos primeiros (Santos 2011 [1978], 8-9). Para estes autores importava então compreender os processos de extração de capitais da periferia para o centro, sob o 43 44 CEPAL (Comissão Económica para a América Latina). “Hay que combatir cualquier tendencia a eбplicar el subdesarrollo y la dependência por medio de los mecanismos de intercambio.” - tradução própria. 45 “[…] estudiar la naturaleza y el alcance de la crisis general del capitalismo contemporáneo.” - tradução própria. 39 prisma da lógica de acumulação global capitalista, pois o subdesenvolvimento e o desenvolvimento eram elementos de um mesmo sistema, não excludentes, mas complementares (Amaral 2012, 32). Um aspecto no qual todos os teóricos dependentistas convergem é que: “[…] a dependência é um componente estrutural do desenvolvimento na periferia, de tal modo que as formas externas de exploração não são exclusivas [a]quando da determinação da condição mais ou menos depende da periferia, devendo haver necessariamente uma combinação entre os condicionantes externos e internos de transformação, sendo que estes últimos se compõem pela contradição existente entre as classes locais dominantes (que integram a aliança no poder) e as dominadas (que estуo Пora desta alianхa)” (Amaral 2012, 36). Por isso o enfoque da análise dependentista centra-se nos factores que determinam o desenvolvimento ou a sua inibição, partindo do ponto de vista das periferias. Cardoso e Faletto, apesar de aqui se incluírem, pertencem àquilo que é designado como a corrente weberiana da dependência, baseada numa lógica capitalista de desenvolvimento associado dependente, que afirma que a industrialização deve ser conseguida através da integração dos países dentro do sistema, aproveitando os capitais estrangeiros investidos nos seus países como forma de promover o desenvolvimento económico. A Teoria da Dependência é vista como o resultado necessário para complementar a Teoria do Imperialismo, analisando o resultado das dinâmicas imperialistas na periferia (Amaral 2012, 27). E, tal como nos conceitos de desenvolvimento/ subdesenvolvimento, também no conceito de dependência existe uma inerência de relatividade, neste caso enquanto “relaхуo de subordinaхуo entre naхões formalmente independentes, em cujo âmbito as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência” (Marini in Amaral 2012, 42). Isto é, existe uma relação de dependência relativamente a nações mais desenvolvidas e a economia dos países periféricos acaba por sofrer condicionantes que impedem o desenvolvimento independente, assegurando que esta dependência se prolonga no tempo e limitando assim a sua capacidade de decisão e de acção (Santos 2011 [1978], 361). A dependência é uma manifestação interna, numa relação de causa-efeito (Cardoso e Faletto 1977, 11; Santos 2011 [1978], 356). Tal como a sua noхуo “alude 40 directamente às condições de existência e funcionamento do sistema económico e do sistema político, mostrando as vinculações entre ambos, tanto no que se refere ao plano interno dos países como ao eбterno”46 (Cardoso e Faletto 1977, 12). Este aspecto fica também bem patente no objectivo presente no trabalho de Cardoso e Faletto (1977, 11): “Como o objectivo deste ensaio é eбplicar os processos econяmicos como processos sociais, requer-se encontrar um ponto de intersecção teórica onde o poder económico se expresse como dominação social, isto é, como política; pois, através do processo político, uma classe ou grupo económico procura estabelecer um sistema de relações sociais que lhe permita impor ao conjunto da sociedade um modo produção próprio, ou pelo menos procura estabelecer alianças ou subordinar o resto dos grupos ou classes a fim de desenvolver uma forma económica compatível com os seus interesses e objectivos. Os modos de relação económica, por sua vez, delimitam os marcos em que tem lugar a acção política.”47 Considerando tudo isto, surРe entуo a seРuinte questуo: “quais os Пactores externos que inibem o desenvolvimento da periferia?”. Assumindo que sуo as condicionantes estruturais que inibem o desenvolvimento das regiões periféricas, é necessário olhar para os mecanismos usados pelo centro para exercer o seu domínio e hegemonia, dentro dessa mesma estrutura. Santos (2011 [1978], 368) afirma que as formas históricas de dependência estão condicionadas: 1. “Pelas Пormas bпsicas da economia mundial, que tem as suas prяprias leis de desenvolvimento”; 2. “Pelo tipo de relaхões econяmicas dominantes nos centros capitalistas e os modos como se eбpandem para o eбterior”; 46 “La noción de dependencia alude directamente a las condiciones de eбistência y funcionamento del sistema económico y del sistema político, mostrando las vinculaciones entre ambos, tanto en lo que se refiere al plano interno de los países como al eбterno.” - tradução própria. 47 “Como el objetivo de este ensayo es eбplicar los procesos económicos como procesos sociales, se requiere buscar un punto de intersección teórica donde el poder económico se exprese como dominación social, esto es, como política; pues, a través del proceso político, una clase o grupo económico intenta establecer un sistema de relaciones sociales que le permitan imponer al conjunto de la sociedad un modo de producción propio, o por lo menos intenta establecer alianzas o subordinar al resto de los grupos o clases con el fin de desarrollar un forma económica compatible con sus interese y objetivos. Los modos de relación económica, a su vez, delimitan los marcos en que tiene lugar la acción política.” - tradução própria. 41 3. “Pelos tipos de relaхões econяmicas eбistentes no interior dos países que se articularam na condição dependente, no seio das relações económicas internacionais geradas pela expansão capitalista”48; E define três formas de dependência diferentes, a saber: a dependência colonial, de característica comercial-exportadora; a dependência financeiro-industrial; e a dependência tecnológico-industrial (Santos 2011 [1978], 368). Na primeira, o Estado colonialista, juntamente com o capital comercial e financeiro exercia o domínio das relações económicas sobre as colónias, impondo assim a sua vontade e determinando essas mesmas relações. O segundo é caracterizado pelo domínio dos monopólios que procuram investir no exterior para a produção de bens primários que são procurados e consumidos no centro. O terceiro é característico do período pós-Segunda Guerra Mundial e caracteriza-se pelas empresas transnacionais que investem no exterior, mas com vista a fornecer os mercados internos das periferias (Santos 2011 [1978], 368-369). De seguida, iremos analisar alguns dos fenómenos e conceitos centrais da Teoria da Dependência. 2.3.1 – Os conceitos de centro , periferia e semi-periferia Importante também, para nos lançarmos numa abordagem mais ampla sobre as dinсmicas da dependência, é deПinir claramente os conceitos de “centro”, “periferia” e de “semi-periferia”. E veremos aqui que as relaхões entre países mais nуo sуo do que uma “luta de classes” transportada para o campo da política internacional, fruto da divisão internacional do trabalho dentro do sistema capitalista (Blom e Charillon 2001, 51). Johan GaltunР Пoi um dos primeiros a deПinir conceptualmente o que era o “centro” e o que era a “periferia” (Mahler 1980, 52). Para GaltunР (1971, 81) “o mundo consiste em nações do centro e periferia; e cada nação por seu turno, tem os seus centros e periferia”49, sendo estes últimos representativos das classes existentes dentro dessas 48 “1. Las formas básicas de la economía mundial, que tiene sus próprias leyes de desarrollo; 2. el tipo de relaciones económicas dominantes en los centros capitalistas y los modos como se expanden hacia el exterior; 3. los tipos de relaciones económicas existentes en el interior de los países que se articularon en la condición dependiente, en el seno de las relaciones económicas internacionales generadas por la eбpansión capitalista.” - tradução própria. 49 “The аorld consists of Center and Periphery nations; and each nation, in turn, has its centers and periphery.” - tradução própria. 42 mesmas nações. Esta distinção não é meramente conceptual, pois é visível nas interacções entre nações, naquilo que o autor define como relações de verticalidade (Galtung, 1971, 104). Aprofundando mais os conceitos através de uma análise empírica prévia, Galtung (1971, 103) afirma que existem três aspectos que os definem: o primeiro é em termos de propriedade absoluta, como por exemplo variáveis de desenvolvimento, onde o centro está bem classificado e a periferia não; o segundo é em termos de relações de interacção, como por exemplo na composição do comércio, onde o centro enriquece mais do que a periferia; e, por fim, em termos de interacção de estrutura, como por exemplo nas concentrações de bens e parceiros de comércio, onde o centro está colocado num ponto fulcral da rede de interacções, ao contrário da periferia, sendo que esta apresenta níveis de concentração maiores. Todavia podem existir casos de relatividade quanto à centralidade de uma nação, pois em alguns aspectos pode-se considerar central, porém noutros poderá ser periférica (Galtung 1971, 104). A periferia não apresenta uma delimitação geográfica evidente, sendo caracterizada pela dominação sofrida (Blom e Charillon 2001, 51). Para Chase-Dunn et al (2000, 79) os Estados do centro possuem maior autonomia política, militar e económica do que os Estado periféricos, que por sua vez são mais pobres e fracos. No centro, o papel do Estado é fundamental, servindo-se de uma máquina estatal forte, que aliada à cultura nacional, proporciona as condições que mantêm as desigualdades internas ou eбternas dentro do sistema, como uma “mпscara ideolяРica e justiПicaхуo para a manutenхуo dessas disparidades” (Wallerstein 2011 [1974], 349). Um outro aspecto relevante que Wallerstein (Idem, ibidem) acrescenta ao conceito de “periferia” é definindo-a como “пrea” e nуo como Estado, justiПicando que nesta o Estado pode até nem existir, como no caso das colónias, ou ter um baixo nível de autonomia como numa situação neo-colonial. Os centros estão associados a impérios e as relações entre impérios são relações entre os centros dos centros destes impérios (Galtung 1971, 105). Apesar de em situações normais estes impérios poderem competir entre si, existem outras situações mais atípicas, em que são concebíveis relações de cooperação entre impérios para a protecção do sistema enquanto tal, se o mesmo for partilhado por ambos, ou no caso de não o ser para proteger as próprias relações imperialistas (Idem, ibidem). Galtung afirma que as relações entre impérios se dão essencialmente entre centros desses impérios, pois traça um padrão de interacção verticalizado entre centro e periferia, 43 descrevendo-as como relações de tipo feudal, servindo estas relações para manter e reforçar a desigualdade entre os centros e as periferias (Galtung 1971, 89). Nesta lógica a periferia de um império vê a sua interacção com a periferia de outro império limitada (Idem, ibidem). Tal como a periferia de um império não interage com o centro de outro império (Idem, ibidem), excepto nas situações atípicas acima descritas. Estas situações atípicas são importantes para analisar um mundo multipolar através das perspectivas do imperialismo e da dependência, já que estas situações implicam relações entre os impérios. Assim “do ponto de vista das nações da periferia, um mundo com mais impérios, o que significa acima de tudo um mundo com mais nações centro, é pelo menos potencialmente um mundo com mais possibilidades”50 (Galtung 1971, 105). Outro conceito que fará parte da nossa hipótese principal, serп o de “semiperiferia”51. E apesar do termo em si ser especialmente trabalhado por Wallerstein, já anteriormente GaltunР (1971, 104) havia Пeito menхуo a uma “terceira naхуo entre as nações do centro e periferia”52, tal como a uma respectiva terceira classe social53. Esta nação é descrita como intermediária, particularmente produzindo bens semiprocessados, que trocaria com o centro por bens altamente processados, ou com a periferia por matérias-primas. Tal como também serviria como intermediária na relação feudal existente. Esta nação intermediária estaria também atrás do centro em termos tecnológicos, mas à frente da periferia. Para Wallerstein (2011 [1974], 349) as semiperiferias são: “пreas que estуo entre o centro e a periferia numa série de dimensões, como a complexidade das actividades económicas, na força da máquina do Estado, integridade cultural, etc. Algumas destas áreas foram áreas-centro em versões anteriores de uma dada economia-mundo. Outras foram áreas periféricas que 50 “[…] from the viewpoint of the Periphery nations. A world with more empires, which above all means a world with more Center nations, is at least potentially a world with more possibilities.” - tradução própria. 51 Existem outros autores que, posteriormente, desdobram o conceito de semi-periferia em dois ou mais tipos (Ruvalcaba 2013, 155-156). 52 “[…] a third nation betаeen the Center and Periphery nations.” - tradução própria. 53 Posteriormente, outros autores aprofundariam e complementariam o conceito, como Fernand Braudel, André Gunder Frank, Janet Abu-Lughod, Giovanni Arrighi e Jessica Drangel, Christopher Chase-Dunn, Peter Taylor e Colin Flint, Kees Terlouw, Ben Deurdder, José Maurício Domingues, Carlos Antonio Aguirre e Peter Wilkin (Ruvalcaba 2013, 142). 44 posteriormente foram promovidas, por assim dizer, como resultado de mudanças geopolíticas de uma economia-mundo em eбpansуo.”54 Estas áreas são consideradas como elemento essencial no contexto de uma economiamundo, pois “deПlectem parcialmente as pressões políticas que grupos essencialmente localizados em áreas periféricas poderiam de outra forma direccionar contra os Estados do centro e os Рrupos que operam dentro e através das suas mпquinas estatais” (Idem, ibidem). A semi-periferia assume assim um papel mais político do que económico, apesar de também na área económica ter um lugar bem definido dentro da economia-mundo, pois oferece estabilidade ao sistema, permitindo que este seja menos polarizado, sendo esta região ao mesmo tempo exploradora e explorada (Wallerstein 1974, 405). No aspecto económico a semi-periferia acaba por desempenhar um papel de receptora de processos de produção obsoletos nos países centrais, contudo ainda relevantes dentro da economia-mundo, antes de estes passarem para a periferia (Wallerstein 2006, 29), sendo que este processo se desenrola através de “desnacionaliгaхões” e de Investimento Directo Estrangeiro (IDE), ou por simples transferência tecnológica (Amaral 2012, 65). Os Estados semi-periféricos vivem numa constante luta, não só pela sobrevivência enquanto tal, mas também procurando ascender a Estado do centro. Para isso fazem constante uso do poder do aparelho do Estado, para conseguirem melhorar a sua capacidade produtiva, de acumulação de capital e também procurando melhorar a sua força militar (Wallertein 2006, 56-57). Por isso são as regiões que mais empregam políticas de proteccionismo comercial, procurando proteger os seus processos de produção da competição externa, em particular de outras regiões semi-periféricas (Wallerstein 2006, 29-30). A concorrência e competição entre estas regiões e o centro, têm como resultado “uma contínua rivalidade interestatal que normalmente toma a Пorma de uma desiРnada balanхa de poder”55 (Wallerstein 2006, 57). Internamente as semi-periferias são caracterizadas por possuírem fortes assimetrias regionais, possuindo dentro das suas fronteiras cidades ou regiões com 54 “There are also semiperipheral areas аhich are in betаeen the core and the periphery on a series of dimensions, such as the complexity of economic activities, strength of the state machinery, cultural integrity, etc. Some of these areas had been core-areas of earlier versions of a given world-economy. Some had been peripheral areas that were later promoted, so to speak, as a result of the changing geopolitics of an expanding world-economy.” - tradução própria. 55 “[…] an ongoing interstate rivalry which normally takes the form of a so-called balance of power […].”- tradução própria. 45 características semelhantes àquelas encontradas em países desenvolvidos (apesar de não disporem da mesma qualidade de serviços infraestruturais), ao mesmo tempo que grande parte das suas cidades evidenciam características menos desenvolvidas e periféricas (Ruvalcaba 2013, 149-150). Mas também as assimetrias sociais ganham destaque (Arrighi e Drangel in Ruvalcaba 2013, 146), existindo grandes diferenças nos rendimentos auferidos pela sua população. A permanente convivência entre aspectos sociais antagónicos significa também que é nestas regiões que as tensões sociais se manifestam mais acentuadamente, aumentando o potencial de revoluções sociais que colocam em causa o sistema dominante (Chase-Dunn in Ruvalcaba 2013, 150). Estas diferenças ajudam a compreender o facto de as semi-periferias servirem um papel fundamentalmente político no sistema-mundo, sendo regiões tampão entre o centro e a periferia, dado ser nelas que se observa de uma forma mais vincada as desigualdades encontradas em ambas as regiões, funcionando assim para aliviar as possíveis tensões existentes entre o centro desenvolvido e a periferia menos desenvolvida. Ruvalcaba (2013, 153) descreve várias características encontradas em regiões semi-periféricas: “Ao contrпrio dos estados do centro, os estados semi-periféricos não possuem altos níveis de estado social e desenvolvimento socioeconómico, o que lhes impede – pelo menos a curto e médio prazo – de garantir bens públicos globais e de determinar um clima político totalmente favorável para os seus interesses a nível global. Ainda assim, os estados semi-periféricos contam com mercados nacionais enormes e dinâmicos, extensões territoriais suficientes, grandes exércitos e níveis de intercâmbio comercial consideráveis. Isto permite-lhes – para além de garantir a sua protecção territorial e prevenir tentativas de invasão – criar projectos infraestruturais internos e externos às suas fronteiras, idealizar socioculturalmente em espaços regionais, exercer liderança e eventualmente supremacia entre os seus vizinhos, impelindo sistemas de integração e implantando uma política externa pró-activa em defesa dos interesses reРionais.”56 56 “Differently from the core states, the semiperipheral states lack high аelfare and socioeconomic development levels, which stop them – at least in the short and medium run – to guarantee global public goods and to determine a totally favorable political climate for their own interests in a global level. Nonetheless, the semiperipheral states count on huge and dynamic national markets, sufficient territorial extensions, large armies and considerable levels of commercial interchange. It allows them – 46 Tendo em consideração os atributos enunciados até aqui, compreende-se melhor a dupla natureza que a afirmação de Wallerstein (2006, 55) possui, se aplicada às regiões semiperiПéricas, quando este sustenta que “todos os estados sуo teoricamente soberanos, mas estados Пortes conseРuem muito mais Пacilmente ‘intervir’ nos assuntos internos de estados mais Пracos do que o contrпrio”. Isso siРniПica que os Estados mais Пortes Пaгem pressão sobre os mais fracos, para que as suas elites sejam aceitáveis para os primeiros, assim como para que os mais fracos os sigam nas arenas internacionais ou ajudem a influenciar outras nações igualmente fracas. Esse esforço de influência é praticado também em aspectos culturais, forçando as nações mais fracas a aceitar determinados padrões culturais, como políticas linguísticas, políticas educacionais, comunicação social, entre outros (Idem, ibidem). Sendo as regiões semi-periféricas intermediárias no sistema-mundo, seriam regiões que sofreriam este tipo de influências externas por parte do centro, ao mesmo tempo que procurariam resistir-lhes e exercer influências semelhantes à periferia a si contígua. E estes aspectos são fundamentais para entender as relações de dependência. 2.3.2 – Os monopólios – a inevitável tendência sistémica O processo de acumulação capitalista mundial determina que, mesmo numa situação do capitalismo concorrencial, a tendência sistémica seria direccionada para o monopólio, sendo esta umas das contradições do capitalismo e que define o próprio imperialismo, como já vimos acima quando analisámos Lenin (1975 [1916], 29-36). Esta característica é aliás apontada por autores, quer do imperialismo quer da dependência. Wallerstein (2006, 18) deПende que “os processos que sуo relativamente monopolizados são muito mais lucrativos do que aqueles que ocorrem no mercado livre”, isto propiciaria que os países do centro, onde se encontram os processos de produção mais avançados, se tornassem ainda mais ricos. O monopólio é particularmente importante quando as tecnologias utilizadas exigem um elevado nível de concentração de capitais, quer para a sua investigação quer para o seu uso (Block e besides guaranteeing their territorial protection and preventing invasion attempts – creating infrastructural projects inside and outside their frontiers, ideating socioculturally in regional spaces, exercising leadership and eventually supremacy among their neighbors, impelling integration systems and deploying a proactive foreign policy in defense of the regional interests.” - tradução própria. 47 Keller 2009, 3). Este aspecto é tão relevante que a presença do Estado no desenvolvimento tecnológico é cada vez maior (Idem, ibidem). Da mesma forma, atingir economias de escala é fundamental (Santos 2011 [1978], 50) e este é outro aspecto onde as empresas monopolistas se encontram em vantagem sobre as restantes. A acumulação de capitais faz também com que os centros de decisão estejam localizados onde ela for mais avançada, tal como os centros tecnológicos, de consumo, militares, culturais, entre outros. O controlo dos mercados financeiros e comerciais é apenas um exemplo, porém um dos mais poderosos, deste tipo de mecanismos (Amaral 2012, 42). O expoente máximo que cristaliza em si os frutos da acumulação de capital nos países do centro não é o Estado em si, mas sim as corporações multinacionais ou transnacionais, de características monopolistas, as quais Theotónio dos Santos caracteriza como “células da economia internacional” (Santos 2011 [1978], 9). O Estado serve apenas como elemento de externalização de custos e como escudo de defesa das empresas monopolistas, aumentando as taxas de lucro destas (Wallerstein 2006, 26), através da influência política exercida pelas próprias empresas monopolistas (Santos 2011 [1978], 54). Importa então definir quais as características que a empresa monopolista actual (a empresa multinacional/ transnacional) assume e que Santos (2011 [1978], 55) resume da seguinte forma: “Ela é hoje em dia o centro de decisуo administrativa, econяmica e política que conduz a uma gigantesca concentração económica e centralização financeira e administrativa; a uma união estreita e contraditória entre as empresas e os Estados; à integração dos mercados de todos os países capitalistas; a um crescimento enorme do comércio mundial”.57 Contudo importa aqui sublinhar que a utiliгaхуo do conceito de “monopяlio” é mais a referência a uma tendência do que propriamente à situação concreta, que poderíamos deПinir mais correctamente como “oliРopяlica” (Santos 2011 [1978], 79). Wallerstein (2006, 26) define-os como “quase-monopяlios”. Da mesma Пorma que o conceito de “multinacional” nуo elimina a “base nacional de operaхуo e eбpansуo” das empresas 57 “Ella es hoy en día el centro de decisión administrativa, económica y política que conduce a una gigantesca concentración económica y centralización financiera y administrativa; a una unión estrecha y contradictoria entre las empresas y los Estados; a la integración de los mercados de todos los países capitalistas; a un crecimiento enorme del comercio mundial.” - tradução própria. 48 (Idem, ibidem), sendo apenas um conceito com objectivos ideológicos que lhe permitam “superar os estreitos limites do nacionalismo” (Santos 2011 [1978], 83), tendo em vista o seu fim teleológico de prosseguir a acumulação de capital, mas agora além-fronteiras. O monopólio é resultado da necessidade de limitar a concorrência nos mercados, de forma a manter as altas taxas de lucro (Wallerstein 2006, 26). Para isso, fazem uso do aparelho de um Estado suficientemente forte para lhe garantir a sua exclusividade, o seu estatuto de quase-monopólio, e o sistema de patentes é reflexo dessa relação, que reserva os direitos de propriedade e uso aos seus detentores, criando uma exclusividade e garantindo que existe apenas um vendedor de produtos associado a essa patente, garantindo assim elevadas taxas de lucro (Idem, ibidem). Mesmo que exista a violação da patente ou que expire a validade desta, pelo menos o quase-monopólio foi garantido durante algum tempo, assegurando assim os lucros associados a essa exclusividade (Idem, ibidem). Outros exemplos do resultado desta relação entre o Estado e os monopólios são as restrições e tarifas alfandegárias, subsídios ou isenções fiscais ou até mesmo a intervenção política ou militar em países mais fracos que procurem proteger os seus mercados (Idem, ibidem). 2.3.3 – Exportação de capitais – o motor do expansionismo imperialista Lenin (1975 [1916], 80) aПirmou que “o capitalismo [consaРra-se][…] ao aumento desses benefícios [excedentes de capitais] através da exportação de capitais para o estrangeiro, para os países atrasados. Nestes países atrasados o lucro é em geral elevado, pois os capitais são escassos, o preço da terra e os salários relativamente baixos e as matérias-primas baratas”. Este é entуo outro dos mecanismos de efeitos mais evidentes e com grande impacto na periferia. As exportações de capitais, nomeadamente sob a Пorma de dívida, “ajudas” internacionais e IDE, sуo apontadas como as principais ferramentas do imperialismo já pelos autores clássicos do imperialismo, como vimos anteriormente, e nunca perderam importância para as análises sobre a temática até hoje. Prova disso é o enfoque dado pelos autores contemporâneos ao assunto. Fruto dos frequentes desequilíbrios da balança de pagamentos dos países dependentes, surge a exportação de capitais, como forma de colmatar estes défices (Santos 2011 [1978], 65 e 392). Desta forma consegue-se manter o fluxo de exportação de mercadorias para o 49 exterior, muitas vezes a preços mais altos, ao mesmo tempo que se subjuga politicamente e economicamente as regiões receptoras (Idem, ibidem). O resultado é um saldo negativo nos fluxos de capitais nas regiões receptoras de capitais externos (Global Financial Integrity, 2016), como veremos de seguida. Analisemos então os fenómenos da dívida, “ajudas” e IDE, para compreender a eбtensуo das suas consequências nas regiões periféricas. Comecemos pela dívida que, apesar de ser uma transferência de capitais momentânea dos países desenvolvidos para os menos desenvolvidos, a longo prazo acaba por ter o efeito contrário, devido aos juros associados à acumulação de dívida externa. Assim, dá-se um contínuo fluxo de recursos que, em vez de serem utilizados para desenvolver as regiões periféricas, servirão para aumentar ainda mais o processo de acumulação de capitais no centro (Mahler 1980, 33), através da sobre-exploração dos países dependentes (Santos 2011 [1978], 66). Esta dívida acaba por ter como consequências, não só a drenagem de recursos, mas também o surgimento de influências políticas externas sobre a periferia (Mahler 1980, 33; Santos 2011 [1978], 65). Tal como provoca uma dificuldade acrescida em situações de flutuações económicas externas e outras anomalias internas ou externas, ao ter a sua dívida vinculada ao exterior, dificultando políticas económicas independentes (Mahler 1980, 33). As denominadas “ajudas” internacionais sуo outro destes mecanismos que promovem o desenvolvimento de relações de dependência entre o centro e a periferia. Um dos principais efeitos são as condições em que estas “ajudas” sуo concedidas р periferia, tal como o efeito encoberto que costumam ocultar. Em muitas situações são providenciadas com objectivos de promoção de sistemas políticos que servem de resistência às mudanças sociais nessas regiões, que permitiriam seguir políticas económicas e de desenvolvimento autónomas (Mahler 1980, 32). Tal como acabam por provocar um aumento da dependência comercial, em particular quando estas “ajudas” são concedidas para comprar determinadas mercadorias ao país dador ou quando promovem a entrada de empresas e investimentos desse mesmo país (Idem, ibidem). Por fim temos o IDE, uma transferência de capitais semelhante à dívida, na medida em que envolve uma grande transferência de capitais inicial do país do centro para a periferia, contudo a longo prazo significará uma maior transferência de capitais no sentido contrário, fruto da alta exploração da mão-de-obra local pelas empresas do 50 centro, em especial do ponto de vista da mais-valia relativa (Santos 2011 [1978], 378 e 389). Se, à primeira vista, os efeitos do IDE são um aumento rápido do crescimento, através da acumulação de capital e do próprio nível de conhecimento e técnica no país receptor (Moura 2009, 4), um olhar mais cauteloso revela outros efeitos mais perversos. Este mecanismo é essencialmente utilizado pelas empresas monopolistas transnacionais, porém pode ser também usado por outras. E promove uma divisão do trabalho em moldes hierárquicos entre regiões, sendo que cada empresa desempenha papéis diferentes dentro do grupo económico de que faz parte e dentro de uma relação de verticalidade (Mahler 1980, 31). Para além disso, e como vimos quando analisámos as características da empresa monopolista transnacional, os investidores externos desempenham um papel condicionante nas estruturas políticas do país receptor de IDE (Idem, ibidem; Moura 2009, 17). Este tipo de fluxo possui também como efeito a inibição de competição interna, colocando entraves às empresas locais (Santos 2011 [1978], 374), atraindo o capital local (Mahler 1980, 31; Moura 2009, 12) (quer mão-deobra, quer investimentos), aumentando o desemprego (através da utilização de tecnologia que requer menos mão-de-obra), colocando o patamar tecnológico muito acima daquele existente na região, causando assim dependência tecnológica face ao exterior (Moura 2009, 5-7; Santos 2011 [1978], 374), sem no entanto haver uma transferência tecnológica para as empresas locais (Moura 2009, 19-20) e a “imprevisibilidade e instabilidade de Пluбos de IDE” acaba por aumentar a dificuldade na previsão e tomada de políticas económicas (Moura 2009, 16). 2.3.4 – Desenvolvimento associado dependente O desenvolvimento associado dependente, ou como Santos (2011 [1978], 369) mais tarde deПiniria “dependência tecnolяРico-industrial”, surРe nos anos de 1950 como resultado da necessidade de exportação de capitais pelo centro, mas numa configuração diferente daquela que até aí predominava, que se baseava apenas em investimento financeiro, como a dívida (Cardoso e Faletto 1977, 56). Agora, o investimento externo, era feito directamente na capacidade produtiva das economias periféricas, ou seja, no desenvolvimento de indústrias. Para isso, faz uso do insucesso da industrialização para substituição de importações, baseada em capitais internos, que permitiu abrir mercados 51 novos e que agora eram preenchidos por estas empresas externas (Idem, ibidem). Apesar de se falar aqui de um desenvolvimento promovido por agentes externos, acelerando a industrialiгaхуo e contribuindo com “knoа-hoа”, a situaхуo de dependência mantém-se, visto que o fluxo de capitais e as decisões económicas estão dependentes do exterior (Cardoso e Faletto 1977, 58), tal como toda a tecnologia provém, da mesma forma, do exterior (Santos 2011 [1978], 375). Ao contrário da fase de dependência financeiro-industrial (Santos 2011 [1978], 368), o resultado da produção não é orientada para a exportação tendo em vista os países do centro, pelo contrário, o seu mercado é a própria periferia. Isto é resultado do aproveitamento das classes médias já existentes nessas regiões, mas também do aumento do padrão social que resulta da inserção destas indústrias mais avançadas nestes países (Cardoso e Faletto 1977, 57). A mão-de-obra é mais especializada, dá-se um desenvolvimento do sector terciário, tal como uma distribuição mais equitativa dos rendimentos no sector industrial e existe um reinvestimento de capitais na economia, para continuar a promover o mercado interno (Cardoso e Faletto 1977, 58), o que não acontecia anteriormente. Todavia, este processo possui alguns elementos perversos e contraditórios como, por exemplo, nas relações sociais das economias periféricas, pois dará origem a dois tipos de proletariado: um mais “moderno”, que trabalha nestas empresas de capital estranРeiro; e outro mais “tradicional”, que se mantém liРado рs indústrias nativas (Cardoso e Faletto 1977, 57). Isto é resultado dos desequilíbrios tecnológicos presentes na estrutura produtiva, fruto da alta concentração de capital e tecnologia nas empresas de capital estrangeiro, o que acaba por resultar na utilização de menos mão-de-obra (Santos 2011 [1978], 378), tornando assim o sector mais moderno do proletariado muito mais pequeno, contudo este serve como “amortiгador das pressões que vêm debaiбo”, ou seja, impedem movimentos de massas do sector tradicional (representado pelas classes mais baixas) que coloquem em risco o sistema político (Cardoso e Faletto 1977, 63). Outro exemplo são as vantagens providenciadas pelos governos locais para a fixação destas empresas nos seus países, por exemplo isenção de taxas alfandegárias, financiamento directo ou empréstimos, clientes preferenciais, entre outros (Santos 2011 [1978], 378). Por fim, este tipo de desenvolvimento impõe limitações ao crescimento do mercado interno, dado promover a manutenção de relações de produção atrasadas, de forma a manter a taxa de exploração da mão-de-obra a mais elevada possível (Santos 52 2011 [1978], 378-379), pois apesar de possuir um operariado melhor remunerado relativamente ao proletariado tradicional, ainda assim é muito menor a remuneração do que a praticada nos países do centro, dentro das próprias lógicas da divisão internacional do trabalho, daí tornar este processo rentável (Mahler 1980, 66). O resultado prático deste tipo de dependência nos Estados da América Latina, foi a transformação daquilo que eram anteriormente Estados populistas, que representavam a aliança entre a burguesia nacional e operários, em Estados empresariais (Cardoso e Faletto 1977, 61). Sinónimo disto é a adaptação do aparelho do Estado à regulamentação económica externa, visto que os agentes económicos procuram influenciar o Estado em seu benefício, o que normalmente resulta em centralização autoritária de mais poder sobre a populaхуo no Estado e na “ Пacilitaхуo da implantaхуo do modo de produхуo capitalista nas economias dependentes” (Idem, ibidem). Este período Пicou caracteriгado pelos diversos “Рolpes militares” que ocorreram na América Latina, em que o aparelho militar passava a assumir a forma de corporação “tecnoburocrпtica” (Cardoso e Faletto 1977, 62), como veremos mais р Пrente, quando analisarmos o complexo burocrático-autoritário. 2.4 – O sistema-mundo Interessa então esclarecer qual a unidade de análise utilizada para o nosso estudo, a estrutura que condiciona as acções dos Estados e em particular aqueles cujas estruturas internas são mais frágeis, forçando-os assim a uma dependência ao nível económico, político, cultural, social, militar, entre outros. Immanuel Wallerstein desenvolve, nos anos de 1970, um conceito ao qual chama de “sistema-mundo” (Wallerstein 2011 [1974], 347) e um modelo de análise, não uma teoria como o autor sublinha (Wallerstein 1998, 103), que o procura estudar e compreender. Este modelo surge como resposta aos teóricos das ciências sociais que procuravam emular teorias que apenas haviam sido aplicadas na Europa e América do Norte, à totalidade do mundo (Wallerstein 1998, 104). E, por conseguinte, como resposta aos teóricos da modernização, que procuravam recriar estágios evolutivos noutras regiões do planeta, como forma de promover o desenvolvimento nessas zonas (Idem, ibidem). É também 53 importante ter em mente que é o “sistema-mundo” a unidade de anпlise neste modelo e não os Estados nacionais individualizados (Wallerstein 2006, 16). Existem quatro debates que estão na origem do modelo: os conceitos de centro e periferia, juntamente com a Teoria da Dependência; o conceito marбiano de “modo de produхуo asiпtico”, sobre modelos alternativos de estruturas econяmicas que colocam em causa a inevitabilidade de estágios de desenvolvimento; o debate histórico sobre a transição do feudalismo para o capitalismo; e o debate sobre a “Histяria total” (Wallerstein 2006, 11-16). A noхуo de “sistema-mundo” é deПinida da seРuinte Пorma: “[…] é um sistema social, um que possui Пronteiras, estruturas, membros de grupos, regras de legitimação e coerência. A sua vida é feita das forças conflituosas que o sustêm através da tensão e o quebram quando cada grupo procura eternamente moldá-lo para seu benefício. Possui as características de um organismo, pois possui um período de vida no qual as suas características mudam em alguns aspectos e permanecem estáveis noutros. Pode-se definir as suas estruturas como sendo em diferentes momentos fortes ou fracas em termos de lяРica interna do seu Пuncionamento”58 (Wallerstein 2011 [1974], 347). Acrescentando a esta definição o autor afirma ainda que “o que caracteriгa um sistema social […] é o Пacto de que a vida dentro dele é larРamente contida em si e que as dinсmicas do seu desenvolvimento sуo maioritariamente internas”59 (Idem, ibidem), contudo “eles [sistemas-mundo] são definidos pelo facto de que a sua contenção enquanto entidade económica-material é baseada na extensiva divisão do trabalho e de que contêm em si uma multiplicidade de culturas”60 (Wallerstein 2011 [1974], 348). Daqui concluímos que o sistema-mundo é um sistema social, mais concretamente relacionado com os modos de produção, funcionando dentro de dinâmicas históricas de 58 “A аorld-system is a social system, one that has boundaries, structures, member groups, rules of legitimation, and coherence. Its life is made up of the conflicting forces which hold it together by tension, and tear it apart as each group seeks eternally to remold it to its advantage. It has the characteristics of an organism, in that it has a life-span over which its characteristics change in some respects and remain stable in others. One can define its structures as being at different times strong or weak in terms of the internal logic of its functioning.” - tradução própria. 59 “What characterizes a social system in my vieа is the fact that life аithin it is largely self-contained, and that the dynamics of its development are largely internal” - tradução própria. 60 “[…] they are defined by the fact that their self-containment as an economic-material entity is based on extensive division of labor and that they contain within them a multiplicity of cultures.” - tradução própria. 54 lonРo praгo (“lonРue durée” (Wallerstein 2006, 18)), a uma escala Рlobal (porém nуo necessariamente abrangendo a sua totalidade) e de que existe a possibilidade teórica de existência de mais do que um tipo sistema-mundo. Existem quatro impulsos a este modelo de análise e que o autor destaca como sendo: 1. Globalidade – num modelo centrado numa unidade de análise, como o sistemamundo, e não numa única sociedade ou Estado, a globalidade surge como essencial para o estudo de todos os processos a ele associados (Wallerstein 1998, 106); 2. Historicidade – derivando do ponto anterior, “se os processos Пossem sistémicos, então a história (toda a história) do sistema […] seria o elemento crucial para o entendimento do presente estado do sistema”61 (Idem, ibidem); 3. Unidisciplinaridade – vertendo do segundo ponto, o autor considera que é impossível separar processos em lógicas diferentes. Centrando-se na totalidade, este modelo de análise coloca de parte disciplinas individualizadas, que procuram visões próprias e autónomas sobre a realidade. Diferente de “multidisciplinaridade”, pois nуo aceita as divisões eбistentes nas ciências sociais, como acontece com esta. (Idem, ibidem); 4. Holismo – assumindo um sentido “histяrico-epistemolяРico”, que parte dos pontos anteriores, os defensores do modelo rejeitam as fronteiras dentro da ciência e a diferenciação dos tipos de conhecimento, procurando uma reconstrução diferente na forma de produzir ambos (Wallerstein 1998, 106107). Wallerstein (2011 [1974], 348) destaca dois tipos de sistema-mundo que eбistiram até hoje na Histяria do Mundo, o “império-mundo” e a “economia-mundo”. Um “império-mundo” é caracteriгado por um único sistema político cobrindo toda a zona sobre o seu controlo (Idem, ibidem). Uma “economia-mundo” é deПinida como “uma Рrande гona РeoРrпПica dentro da qual eбiste uma divisуo do trabalho e por isso uma troca interna significativa de produtos básicos ou essenciais tal como fluxos de 61 “If the processes аere systemic, then the history – the entire history – of the system (as opposed to the history of subunits, take separately and comparatively) was the crucial element in understanding the present state of the system.” - tradução própria. 55 capital e trabalho”62, outra das características essenciais de uma “economia-mundo” é que “não é delimitada por uma estrutura política unitпria”63 (Wallerstein 2006, 23). Chegando aqui perguntamo-nos: qual o tipo de sistema-mundo em que vivemos hoje em dia? Para Wallerstein (2006, 23; 2011 [1974], 384-349) o moderno sistemamundo é uma economia-mundo capitalista, cujas origens remontam ao século XVI, período no qual apenas se confinava a algumas partes da Europa Ocidental e onde se deram várias transformações socais, nomeadamente o surgimento de uma classe assalariada (Wallerstein 1974, 394) e da divisão do trabalho (Wallerstein 2006, 24), mas a partir do qual se expandiu para cobrir a totalidade do planeta, algo que apenas foi alcançado nos séculos XIX e XX (GriППiths e O’CallaРhan 2002, 337; Wallerstein 1974, 390). Aliпs, Wallerstein (2006, 24) sublinha que o “sistema capitalista nуo pode eбistir noutro enquadramento que não seja o de economia-mundo”64, pois a sua razão de ser é “a eterna acumulaхуo de capital”65 (Wallerstein 1993, 3), ou como Luxemburgo (1951 [1912], 39) colocava: “mais-valia ad infinitum”. Dentro do sistema-mundo capitalista as regiões dividem-se em centro, periferia e Semi-periferia (GriППiths e O’CallaРhan 2002, 336-337), como acima mencionado. Não obstante, Wallerstein (1993, 3-4) identifica várias contradições que o sistema capitalista encerra em si. Um sistema cuja razão de ser é a eterna acumulação de capital, necessita também de constante expansão espacial, o que já atingiu os seus limites físicos na actualidade. O sistema é também forçado a uma constante externalização de custos pelos produtores individuais, o que pode estar próximo de alcançar os seus limites. A constante, ainda que lenta, proletarização das classes trabalhadoras do planeta é igualmente fundamental, porém isto provoca aumentos nos custos do trabalho e gera tensões e riscos políticos. A ideologia política dominante, o liberalismo, vê cada vez mais ameaçada a sua tarefa de promover a paz social, pois a sustentabilidade dos orçamentos de Estado e das dívidas públicas, usados na manutenção dos Estados sociais, está em risco, colocando em risco a própria estabilidade do sistema. 62 “[…] a large geographic zone within which there is a division of labor and hence significant internal exchange of basic or essential goods as аell as floаs of capital and labor.” - tradução própria. 63 “A defining feature of a world-economy is that it is not bounded by a unitary political structure.” - tradução própria. 64 “[…] a capitalist system cannot exist within any framework except that of a world-economy.” - tradução própria. 65 “The raison d’ètre of capitalism is the endless accumulation of capital.” - tradução própria. 56 Pode-se ainda acrescentar que a existência de um mercado totalmente livre tornaria a acumulação de capital impossível, pois forçaria o lucro a tender para zero, o que deixaria de tornar a produção apetecível para os privados e por isso os vendedores preferem sempre o monopólio, que lhes permite ter grandes margens de lucro (Wallerstein 2006, 25-26), como já vimos anteriormente. E à medida que o tempo passa, a produção de determinadas mercadorias torna-se cada vez mais competitiva, sendo cada vez menos lucrativa (Wallerstein 2006, 27), dada a sobreprodução existente, comparada com a procura (Wallerstein 2006, 30). Daí que existam lutas políticas entre os agentes do mercado, de forma a exercerem influência que lhes seja benéfica para eles próprios e prejudicial para os seus adversários, sendo que isto é feito quer a nível interno de cada Estado, quer a nível externo (Wallerstein 2006, 26-27). Isto gera uma divisão dos processos de produção no mundo, no qual aqueles que apresentam altas taxas de lucro nos países desenvolvidos são mantidos nos países do centro, os que, pelo contrário, apresentarem baixo rendimento ou mesmo rendimento negativo, são deslocalizados para as regiões periféricas (Wallerstein 2006, 28). Como Wallerstein (2006, 29) declara: “o que hoje é um processo do centro tornar-se-á um processo periПérico amanhу”66. Porém este tipo de mudanças não provoca quaisquer alternações na estrutura do sistema em si. Para explicar o fenómeno de flutuação da economiamundo, oscilando entre períodos de expansão e períodos de contracção, Wallerstein (2006, 30-31) faz uso dos ciclos de Kondratieff, onde os períodos de expansão são considerados fase-A e os de contracção de fase-B. 2.5 – O modelo burocrático-autoritário: as elites políticas e os interesses económicos O modelo Burocrático-Autoritário67 é aqui utilizado pela sua capacidade em auxiliar à compreensão dos fenómenos de dependência política. Este é um modelo que foi originalmente utilizado na análise das experiências autoritárias na América Latina após os anos de 1960 (Collier ed 1979, 3) e que perduraram até aos anos 90. Esta anпlise surРe nos anos 70 com Guillermo O’Donnell, como tentativa de eбplicar o 66 “[…] what is a core-like process today аill become a peripheral process tomorroа.” - tradução própria. 67 A partir daqui definido como B-A. 57 aparecimento desses regimes autoritários, associando o seu surgimento a determinados níveis de industrialização capitalista dependente, que eram precedidos por uma crise económica (Kaufman 1979, 168), traçando assim uma relação causal entre política e estrutura económica e com o fim da própria democracia nesses países (Collier ed 1979, 20-21 e 4). Contudo existia uma preocupação empírica entre vários autores para que o modelo fosse limitado na sua definição, procurando critérios mais estreitos e ligados às suas “amarras histяricas e empíricas”, que evitassem que ele Пosse Рeneraliгado e usado de forma indiscriminada (Kaufman 1979, 246), ao mesmo tempo que outros procuravam aplicar o modelo a outras regiões (Collier ed 1979, 396). Esta divergência na aplicação do modelo é, em si, resultado da própria dificuldade existente entre os vários autores para definir o modelo B-A. Passemos então a explorar e procurar definir este modelo. O’Donnell, р semelhanхa de autores dependentistas68, distingue três tipos de regimes que surgem na América Latina: 1. O oligárquico, caracterizado pela predominância de elites políticas, ligadas à exportação de matérias-primas, nomeadamente minerais e agricultura, servindo o Estado apenas para a manutenção dos seus interesses (Collier ed 1979, 23-24); 2. O populista, em que já existe competição política e representação política de várias classes, onde o Estado promove a industrialização baseada nos bens de consumo e a expansão do mercado interno (Collier ed 1979, 24); 3. O burocrático-autoritário, onde existe exclusão de vários sectores políticos relativamente ao aparelho do Estado e em que as figuras centrais deste são uma tecnocracia militar e civil que colabora intimamente com o capital externo com vista a promover uma industrialização mais avançada (Collier ed 1979, 24-25). Porém esta definição de regime B-A é alarРada por O’Donnell. O autor (O’Donnell 1979, 292-293) estabelece então oito pontos que considera serem características essenciais para caracterizar o Estado B-A, a saber: 1. O Estado garante e organiza a dominação exercida através de uma estrutura de classe subordinada às facções altas de uma burguesia oligopolizada e transnacionalizada; 68 Ver Theutónio dos Santos (2011 [1978]) e Cardoso e Faletto (1977). 58 2. “[…] é composto por orРaniгaхões nas quais especialistas em coerхуo têm um peso decisivo, tal como aqueles que procuram atinРir a ‘normaliгaхуo’ da economia”69; 3. “É um sistema de eбclusуo política de um sector popular previamente activado que é sujeito a um severo controlo num esforço de eliminar o seu prévio papel activo na arena política internacional”70; 4. “Esta eбclusуo envolve a supressуo da cidadania […] esta supressуo inclui a liquidaхуo das instituiхões da política democrпtica […] [e] também envolve uma neРaхуo do popular: proíbe […] quaisquer apelos р populaхуo como povo e, claro, como classe”71; 5. “[…] também é um sistema de eбclusуo econяmica do sector popular, enquanto promove um padrão de acumulação de capital que é altamente enviesada para beneficiar grandes unidades oligopólicas de capital privado e algumas instituiхões do Estado”72; 6. “Corresponde a, e promove, uma crescente transnacionaliгaхуo da estrutura produtiva, resultando em mais desnacionalizações da sociedade, em termos do grau em que é de facto contida dentro âmbito da autoridade territorial que o Estado aПirma eбercer”73; 7. “Através das suas instituiхões esПorхa-se por ‘despolitiгar’ assuntos sociais, lidando com eles através de supostos critérios neutrais e objectivos de racionalidade técnica”74; 8. “[…] Пecha os canais de acesso р representaхуo dos interesses populares e de classe”75. 69 “[…] it is comprised of organizations in which specialists in coercion have decisive weight, as well as those whose aim it is to achieve ‘normalization’ of the economy.” - tradução própria. 70 “It is a system of political eбclusion of a previously activated popular sector which is subjected to strict controls in an effort to eliminate its earlier active role in the national political arena.” - tradução própria. 71 “This eбclusion involves the suppression of citizenship, in the tаofold sense defined above. In particular, this suppression includes the liquidation of the institutions of political democracy. It also involves a denial of lo popular: it prohibits (enforcing the prohibition with coercion) any appeals to the population as pueblo and, of course, as class.” - tradução própria. 72 “BA is also a system of economic eбclusion of the popular sector, inasmuch as it promotes a pattern of capital accumulation which is highly skewed toward benefiting the large oligopolistic units of private capital and some state institutions.” - tradução própria. 73 “It corresponds to, and promotes, an increasing transnationalization of the productive structure, resulting in a further denationalization of society in terms of the degree to which it is in fact contained within the scope of the territorial authority which the state claims to eбercise.” - tradução própria. 74 “Through its institutions it endeavors to ‘depoliticize’ social issues by dealing аith them in terms of the supposedly neutral and objective criteria of technical rationality.” - tradução própria. 59 Estes pontos serão aplicados ao nosso estudo de caso entre as páginas 136 e 140. Outros académicos acrescentam mais algumas características que ajudam a compreender o modelo. Cardoso (1979, 35-36) afirma que, ao contrário de anteriores regimes autoritários característicos da América Latina, onde imperava o caudilhismo e a liderança de um só homem, no complexo B-A é a instituição militar que impõe os seus interesses na sociedade e no Estado, fruto da profissionalização das suas estruturas e tendo como justiПicaхуo a “racionalidade” do seu eбecutivo (Cardoso 1979, 41). Por outro lado, Kaufman (1979, 246) contesta a necessidade de uma massa grande de tecnocratas. Cardoso, porém, estende-se na distinção entre o novo autoritarismo e aquele que caracterizou os regimes fascistas e corporativistas europeus, afirmando que o primeiro procura acima de tudo instalar a apatia nas massas da população, dispensando, para isso, dos partidos para fazer a sua ligação com a sociedade (Cardoso 1979, 36). Não obstante, mantém a lógica corporativista que faz a ligação entre os trabalhadores e as gerências empresariais, e de ambas com o Estado, mas sem este adoptar a forma corporativa de paz social (Cardoso 1979, 36-37). Da mesma forma o Estado B-A carece de ideologia nacionalista e de superioridade racial (Cardoso 1979, 37). O próprio inimigo do Estado encontra-se dentro das suas fronteiras, na forma das classes populares e os seus aliados, sendo que quando se reПerem a “naхуo” esta nуo é personalizada no povo desse país, mas sim nas instituições estatais, numa lógica de serviço às instituições e não a um suposto interesse superior e externo a elas (Kaufman 1979, 294-295), como acontecia com outros regimes autoritários. Ainda assim mantém uma natureza imponente, marcial e de superioridade racional, características desses reРimes (O’Donnell 1979, 310). E, por todos estes aspectos, caracteriгado como um fenómeno relativamente novo. Importa também compreender os factores que deram origem ao surgimento a este tipo de regimes. Existe a ideia, entre alguns autores, de que para cada estágio de acumulação de capital há um tipo de regime apropriado, contudo outros consideram que esta perspectiva levanta bastantes dúvidas (Cardoso 1979, 39 e 54). Para os teóricos da modernização o crescimento económico, da indústria e do mercado serviriam para limitar o surgimento de regimes despóticos (Hirschman 1979, 62), Mas o aparecimento destes regimes demonstra exactamente o contrário. Eles surgem numa fase mais 75 “[…] closing the channels of access for the representation of the popular and class interests.” - tradução própria. 60 avançada de desenvolvimento e de acumulação de capital. Contrastando com as anteriores fases de desenvolvimento orientado para fora (característico dos regimes oligárquicos) e da fase de industrialização para substituição de importações (característica dos regimes populistas) (Hirschman 1979, 66-67), a nova fase autoritária na América Latina centrava-se essencialmente na produção de bens de consumo duráveis e na desigualdade no consumo interno (Hirschman 1979, 79-80). Dados os fenómenos que estão na sua origem destes regimes serem partilhados e de natureza económica, acaba também por haver uma transversalidade relativamente às suas políticas económicas, que envolvem a contenção inflacionária herdada dos regimes populistas, como o congelamento de salários, baixas taxas alfandegárias, aumento de impostos, défice fiscal reduzido e desvalorização monetária (Kaufman 1979, 176). Desta forma, procuravam expandir a diversidade das exportações, desenvolvimento da infraestrutura económica e promoção de investimento privado na indústria pesada essencialmente com financiamento de multinacionais (Idem, ibidem), tendo em vista um processo de intensificação de capital76 nas suas economias (Collier ed 1979, 26). Este processo de intensificação de capital requer, no entanto, elevados níveis de tecnologia, experiência administrativa e capital, o que significa a inerente presença de empresas que cristalizem em si grandes acumulações de capital, ou seja, significa a presença de empresas multinacionais (Collier ed 1979, 26-27), sendo estes os grandes interesses económicos por detrás dos regimes B-A. Apesar de Kaufman (1979, 248) afirmar que inicialmente os regimes B-A não tinham como objectivo a intensificação de capital ou, sequer, se possuíam estratégias definidas com vista a desenvolver esse processo. Podemos então concluir que a definição do modelo Burocrático-Autoritário não é consensual entre os diversos autores, existindo diversas nuances na sua caracterização e até utiliгaхуo. Porém, os pontos produгidos por O’Donnell, e reproduгidos acima, estabelecem de forma genérica os principais aspectos que definem o modelo em questão. E apesar de alguns autores não acreditarem na preponderância dos factores económicos para o surgimento destes regimes (Cardoso 1979, 40), outros apontam o facto de que estes factores económicos, nomeadamente os externos, no seu processo de expansão e internacionalização, provocam pressões que forçam mudanças políticas, de 76 IntensiПicaхуo de capital (“deepeninР”), significa o estabelecimento de indústrias de bens de capital, como aço, petroquímica e maquinaria e equipamento pesados (Kaufman 1979, 205). 61 forma a criar, reforçar ou manter as suas relações económicas (Collier ed 1979, 371 e 383). Isto faria sentido mesmo quando usando o argumento de que o surgimento deste tipo de regimes derivou da necessidade de conter novas revoluções que copiassem o modelo cubano de 1959 (Collier ed 1979, 384), já que essa argumentação colocaria sempre as relações políticas ligadas aos interesses económicos por detrás delas. 62 3 – A Rússia no sistema-mundo numa perspectiva histórica: 95 - 1998 Foi a interacção da economia do tipo soviético com a economia mundial capitalista, a partir dos anos 60, que tornou o socialismo vulnerável. (Hobsbawm 2011 [1994], 250) Para uma compreensão mais alargada deste trabalho, será aqui feita uma exposição da estrutura socioeconómica russa ao longo de um determinado período de tempo, que se considera ser o mais adequado, dadas as alterações que aquele território sofreu durante este espaço temporal. Alterações estas que englobam tanto mutações políticas, com o fim da URSS e do próprio sistema político (e a consequente independência das suas quinze repúblicas constituintes, terminando o processo em 26 de Dezembro de 1991), como as mutações económicas pelas quais aquela região passou, começando pelo período soviético e posteriormente com a independência russa. Para além da análise a estas mudanças, procuramos aqui também determinar e expor alguns dos elementos que demonstram uma continuidade entre a Rússia no período soviético e pós-soviético, em particular na sua relação sistémica com o sistema-mundo. Na busca de procurar explicar a relação da URSS com o sistema-mundo, Wallerstein (1974, 397 e 415) afirmou a existência de um único sistema-mundo, do qual também a URSS faria parte. Este aspecto foi também destacado por Andre Gunder Frank (1992, 36) e por Babones e Babcicky (2011, 3). As razões para Wallerstein o afirmar partem da unicidade da divisão internacional do trabalho, em que cada vez mais os agentes económicos operavam de forma interdependente (Wallerstein 1974, 397). Não é uma simples troca comercial entre duas partes que determina a participação num mesmo sistema-mundo, mas sim o resultado dessa interacção. Para se poder afirmar que participam no mesmo sistema-mundo, é necessário que haja um perdedor e um vencedor nessa relação. Contudo, mesmo que ambos tirem algum tipo de vantagens dessa troca, apenas um pode obter o máximo lucro, o máximo de vantagens, pois o jogo 63 da troca de mais-valia é um jogo de soma-nula, dado ser esse o objectivo do próprio sistema capitalista: a produção para concretizar o máximo de lucro possível (Wallerstein 1974, 398). Da mesma Пorma é importante lembrar que o “capitalismo liberal” e o “socialismo” sуo duas vertentes do mesmo tipo de “sociedade industrial” (Idem, ibidem). Wallerstein (1974, 411) considera também que a Revolução Russa surgiu do declínio da posição do Império Russo no sistema-mundo, de semi-periferia (posição ocupada desde a sua incorporação no sistema-mundo no século XIX (Babones e Babcicky 2011, 11)) para periferia, com as consequências sociais que isso acarreta. A Revolução de Outubro de 1917 teve como resultado a reversão desse processo, através de uma retirada semi-mercantilista da economia-mundo, que lhe permitia uma acumulação de capital impossível de alcançar se estivesse totalmente integrada (Babones e Babcicky 2011). Como tal, no final da Segunda Guerra Mundial a URSS estabelecia-se como um “membro muito Пorte da semi-periferia e podia começar a procurar obter o seu estatuto de centro”77 (Wallerstein 1974, 411). Como vimos anteriormente, a relação de dependência da URSS face ao exterior nunca deixou de existir totalmente, contudo agravou-se consideravelmente a partir de 1973, provocando uma deterioração constante da sua economia, até culminar no seu colapso político. Usando a conceptualização marxiana: a infraestrutura condicionou a superestrutura. Ou seja, foi a participação da URSS no sistema-mundo capitalista que levou ao seu colapso económico e político (Frank 1992). O período aqui tratado marca um ponto de inflexão na forma de integração e participação que esta região teve no sistema-mundo, mesmo que nunca tenha deixado de participar completamente neste mesmo sistema. E este ponto de inflexão situa-se no ano de 1973. Ao mesmo tempo, o período que se segue demonstra o momento em que se evidencia uma drástica aceleração da sua integração no sistema-mundo e, como se irá demonstrar, do aumento do seu grau de dependência neste mesmo sistema. Sendo assim, torna-se relevante observar estes períodos e as fases a eles subjacentes, como forma de compreender melhor quer o passado recente, quer a situação actual vividos pela Rússia e em particular pelo grau de dependência por ela evidenciado. Ao mesmo tempo permite-nos constatar que a posição russa no sistema-mundo nem sempre foi a mesma, oscilando ao longo do tempo. 77 “[…] very strong member of the semi-periphery and could begin to seek full core status.” – tradução própria. 64 Iniciando o nosso estudo pelo período soviético, podemos dividir a evolução da economia soviética em três fases compreendidas entre 1950 e 1991. Mazat e Serrano (s.d., 2) fazem esta divisão da seguinte forma: uma primeira fase entre as décadas de 1950 e 1973 (Mazat e Serrano s.d., 5), caracterizada por uma extensa acumulação de capital baseada na produção de bens industriais e rápido crescimento económico (daí começarmos esta análise por esta fase, de forma a termos presente a importante mudança na estrutura económica que teve lugar); uma segunda fase, que parte de 1974 até 1984 (Mazat e Serrano s.d., 14), onde se evidencia uma intensificação da utilização de capital, mas também forte aposta na exploração de matérias-primas, nomeadamente petróleo (Hobsbawm 2011 [1994], 250), resultando numa desaceleração da economia; e finalmente o período 1985 até 1991, onde as reformas da Perestroika78 levam a fracos desempenhos económicos, que culminariam mais tarde no aprofundamento da crise social e política e subsequente desintegração da União Soviética. Sapir (2013) inicia o seguinte período de análise da economia russa ainda durante a época soviética79, dividindo em dois períodos distintos. O primeiro, de 1991 a 1998, que descreve como a “primeira Пase de transiхуo” da economia centraliгada soviética, para uma economia liberal de mercado. Esta fase é caracterizada por uma forte crise económica quase contínua até ao seu final. A fase seguinte inicia-se, segundo o autor, ainda em 1998 e podemos estendê-la até à actualidade, mais concretamente até 2015. Nesta fase, denota-se um novo crescimento económico, intervalado por algumas crises, baseado nas rendas das exportações de petróleo e gás natural, e com forte intervenção Estatal na economia, em particular em alguns sectores considerados estratégicos (Sapir 2013; Nazet 2007, 64). Esta última fase será o principal foco da nossa investigação na Parte II deste trabalho. 3.1 – Fase de 1950-1973 Comecemos por analisar a estrutura económica soviética a partir do início dos anos de 1950. Por esta época passaram três Secretários-Gerais do Partido Comunista da 78 79 , cujo siРniПicado é “reestruturaхуo”. Por motivos práticos faremos aqui a divisão entre o período soviético e pós-soviético. Apesar dos anos de 1990 e 1991 fazerem parte do período inicial dos processos de privatização da economia soviética, veremos que o processo começa ainda antes. Por isso faz-se a divisão destes períodos tendo em conta as mudanças de regime político que tiveram lugar na Rússia, o que se espera que ofereça uma melhor compreensão dos acontecimentos em causa, evitando misturar os dois períodos. 65 União Soviética (PCUS): Josef Stalin, Nikita Khrushckev e Leonid Brezhnev. A economia soviética era caracteriгada por ser uma “economia de comando planiПicado, que operava sobre condições de escassez de capital, com a propriedade estatal dos meios de produхуo”80 (Mazat e Serrano s.d., 2). No sentido de permitir uma rápida industrialização e acumulação de capital, a aposta centrava-se na criação de condições para a intensificação de capital, por isso as indústrias privilegiadas eram as de produção de bens de capital, ou seja, indústria pesada (Mazat e Serrano s.d., 4). Sendo já esta uma das prioridades desde os anos de Josef Stalin (Stalin 1972 [1952], 22-23). Daí que, em 1960, as suas principais exportações fossem maquinaria, equipamentos, meios de transporte e metais (Hobsbawm 2011 [1994], 460), porém as trocas comerciais com o exterior eram reduzidas (Mazat e Serrano s.d., 5). Contudo, nos anos 70 já se faziam sentir alguns dos efeitos da transição de prioridade industrial, iniciada em 1956 com Nikita Khruschov, numa tendência de liberalização da economia (Keeran e Kenny 2008 [2004], 47) e orientação para a produção conjunta de bens de capital e de consumo. Mesmo assim a produção de bens de capital continuou o seu crescimento relativo dentro da economia soviética (Mazat e Serrano s.d., 7). Este modelo de desenvolvimento conseguiu obter um crescimento médio do PNB81 cifrado em 5,0% entre 1961-1973 (Sokoloff 1993, 187) 82 , comparado com os 4,4% dos EUA no mesmo período (CIA 1986, 2). 3.2 – Fase de 1974-1984 Após 1973 a situação iria alterar-se. Com a crise do petróleo de 1973 a URSS aproveita a oportunidade para conseguir fáceis receitas de moeda forte, usando as suas extensas reservas de petróleo, sendo que em 1980 o comércio externo soviético atingia cerca de 20% do seu PIB, aumentando a uma média anual de 26% entre 1970 e 1980 80 “[…] аas a planned command economy, аhich operated under conditions of capital scarcity, аith state oаnership of the means of production.” – tradução própria. 81 Produto Nacional Bruto 82 Existe uma escassez de dados fiáveis sobre a economia soviética e os que existem divergem muitas vezes entre si. Ao mesmo tempo, existe também um amplo debate sobre o método estatístico utilizado para compilar a informação sobre a economia soviética, sendo que várias tentativas de conversão para a medição da riqueza produzida pela economia soviética foram feitas, com resultados bastante diferentes entre si, porém mostrando tendências de crescimento semelhantes (Mazat e Serrano s.d., 6). A utilização destes dados sobre o PNB da URSS provém das várias fontes utilizadas por Georges Sokoloff (1993) para traçar a história do desenvolvimento económico soviético. Para informações adicionais ver também o projecto Angus Maddison que procura estimar o desenvolvimento económico de várias regiões ao longo da história, incluindo a URSS (Quandl 2014) 66 com os seus parceiros comerciais da Europa Ocidental (Mazat e Serrano s.d., 21-22). Esta moeda forte era usada para permitir a importação de tecnologia e equipamento dos países ocidentais, de forma a suprir as necessidades internas e potenciar o seu desenvolvimento83. Isto apesar de a investigação científica estar a um nível bastante avançado na URSS, contudo a utilização destes avanços técnicos era sobretudo centrada na indústria militar, havendo um incremento tecnológico nos sectores civis relativamente pequeno e limitado (Mazat e Serrano s.d., 17). A URSS procurava, desta forma, potenciar o seu desenvolvimento e crescimento económico. Desta forma as importações de produtos de consumo variados, bens de capital e tecnologia nas áreas das tecnologias de informação, electrónica e química, provenientes do ocidente, aumentavam a um ritmo elevado, provocando défices de moeda forte no comércio, sendo estes financiados através de empréstimos junto da banca externa (Mazat e Serrano s.d., 20-22). O impacto deste enfoque na exportação de matérias-primas é também verificado na composição das exportações soviéticas, que em 1970 tinham um impacto de 26% sobre o total e em 1980 passavam para 51,5%, sendo estas essencialmente compostas por petróleo e gás natural (Mazat e Serrano s.d., 23). É a partir deste período que a economia soviética passa a estar vulnerável face à economia mundial capitalista e ao comportamento dos seus mercados (Hobsbawm 2011 [1994], 250), dada a importância que as receitas dependentes destas matérias-primas tinham nas importações realizadas no Ocidente. Este aspecto tem particular importância especialmente a partir da segunda crise do petróleo em 1979 que, após provocar um pico no preço, este irá decrescer fazendo com que o valor das exportações soviéticas também desça e, por consequência, as importações também tiveram de ser limitadas (Mazat e Serrano s.d., 23). A intervenção soviética no Afeganistão, nesse mesmo ano, provocaria também a imposição de sanções por parte dos países ocidentais a muitos produtos, aproveitando assim a dependência soviética face a essas importações (Mazat e Serrano s.d., 23-24). Usando as palavras de Hobsbaаm (2011 [1994], 461): “ao contrпrio da URSS do período entre guerras, praticamente fora da economia mundial e portanto imune à Grande Depressão, agora o socialismo estava cada vez mais envolvido nela, e portanto nуo imune aos choques dos anos 70”, aspecto que se continua a veriПicar até р data do 83 As importações soviéticas de maquinaria, metais, artigos de consumo industriais, entre outros, atingem em 1985 cerca de 60% da totalidade das suas importações, invertendo assim a relação anteriormente existente (Hobsbawm 2011 [1994], 460). 67 presente trabalho, como iremos observar adiante, quando analisarmos a dependência socioeconómica russa. Outro dos problemas evidenciados, em particular a partir desta fase, era a corrupção e estagnação política que ocorria dentro da sociedade soviética e que se agravaria ainda mais na fase seguinte (Keeran e Kenny 2008 [2004], 48 e 51). Mesmo a chegada de Iuri Andropov a Secretário-Geral do PCUS em 1982 e a sua tentativa de inverter a tendência verificada, através de várias reformas, não estimulou os resultados esperados, dado ter morrido apenas 15 meses após assumir o cargo (Keeran e Kenny 2008 [2004], 53-63). Tendo em conta estas condicionantes, o crescimento médio da economia soviética entre 1974-78 abrandou e ficou-se pelos 3,4% e entre 1979-85 voltou a abrandar, tendo o seu crescimento passado para 2,1% (Sokoloff 1993, 187), notando-se assim uma tendência decrescente da sua taxa de crescimento média do PNB. Ao passo que, no período de 1975-80, a economia dos EUA cresceu em média 3,7% e entre 1980-85 o valor médio foi de 2,3% (Sokoloff 1993, 187). Uma interpretação feita por alguns autores acerca desta desaceleração da economia tem por base ser uma possível consequência da maturidade alcançada pela economia soviética (Sakwa 2013, 66). Este argumento faz sentido incluindo a URSS no sistema-mundo e afirmando que dentro deste esta teria alcançado um estágio de desenvolvimento relativamente avançado, a partir do qual a sua mutação sistémica rumo ao centro estaria mais condicionada. Todavia, esta hipótese carece de uma análise mais aprofundada para explicar a totalidade do fenómeno. 3.3 – Fase de 1985-1991 O período seguinte, iniciado em 1985, é caracterizado pela chegada de Mikhail Gorbatchov a Secretário-Geral do PCUS assim como pelas suas reformas, como é o caso da Perestroika iniciada em 1986. O objectivo dessas reformas era dinamizar novamente a economia soviética, invertendo assim a tendência verificada nos últimos anos, e acima mencionada, através de mudanças profundas no próprio sistema, nomeadamente através de reformas de mercado, procurando a sua liberalização (Mazat e Serrano s.d., 24-25). Reformas como a Lei das Empresas Estatais (Mazat e Serrano s.d., 25) ou a Lei das Cooperativas (Brooks 1988) visavam um forte aumento da liberdade de acção das empresas estatais e do florescimento da iniciativa privada. Estas 68 reformas tiveram um efeito totalmente contrário àquele que era esperado, provocando uma desorganização acelerada da economia soviética, que anteriormente era garantida pelo gabinete de planeamento Gosplan (Mazat e Serrano s.d., 26; Sakwa, 2013, 67). Esta desorganização resultou num efeito de espiral recessiva, tendo como consequências a quebra de receitas por parte do Estado soviético, queda no investimento, aumento acelerado dos salários superior ao crescimento da produtividade, consequente inflação, escassez de produtos, crescimento do mercado negro e corrupção generalizada (Mazat e Serrano s.d., 27-28). Os acontecimentos que tiveram lugar na URSS neste período fizeram surgir uma nova classe dentro da sociedade soviética, fruto da generalização do mercado negro e da corrupção a ele ligada, com repercussões até aos nossos dias, como teremos oportunidade de verificar quando estudarmos as dimensões da dependência sociopolítica e cultural russa. Aqueles que controlavam o fornecimento de produtos dentro dos mercados paralelos acumulavam também grandes quantidades de riqueza, o que lhes permitiu Пormarem uma classe de capitalistas ricos, para quem “prosseРuir para o capitalismo era essencial para a sobrevivência dos seus novos neРяcios” (Kotг in Mazat e Serrano s.d., 28). Esta classe era essencialmente composta pelos gestores das empresas estatais (Mazat e Serrano s.d., 30) e, tendo como finalidade a defesa dos seus interesses de classe, desempenharia um papel fulcral na dissolução da URSS. Outro aspecto relevante a acontecer neste período foi o preço do petróleo. A década de 1980 tinha-se iniciado com um pico do preço de petróleo que havia atingido os 40 dólares, comparando com os anteriores cerca de 15 dólares do final da década de 70. Contudo, verificou-se uma queda dos 30 dólares por barril, para apenas 10 dólares, entre o final de 1985 e o início de 1986, tendo-se mantido normalmente abaixo dos 20 dólares a partir daí, só voltando brevemente à casa dos 30 dólares entre Agosto e Dezembro de 1991 (Trading Economics 2016a). A forte quebra evidenciada a partir de 1986 veio provocar um forte desequilíbrio nas contas da URSS, especialmente da balança comercial, que ficou ainda mais agravado quando se começou a verificar uma quebra na própria produção petrolífera soviética (Mazat e Serrano s.d., 29). A falta de capacidade para importar bens de consumo agravou ainda mais a escassez de produtos que se evidenciava, fruto das reformas económicas (Idem, ibidem). Estes problemas económicos que o país vivia provocaram uma resposta negativa por parte da banca ocidental à qual era devedor, que fez com que as taxas de juro dos empréstimos cedidos disparassem e que os prazos para os pagamentos ficassem cada 69 vez mais curtos. Isto provocou uma acentuada subida da dívida pública externa da URSS, tendo subido de 14,9 mil milhões de dólares em 1985, para 45,4 mil milhões em 1991 (Mazat e Serrano s.d., 30). A deterioração das finanças soviéticas fizeram com que, em 1991, as reservas de divisas estrangeiras e de ouro soviéticas estivessem completamente exauridas (Idem, ibidem). Todos os problemas económicos da URSS se aРravavam continuamente, provocando um eПeito “bola de neve”. Desta Пorma, a economia soviética que teve um crescimento médio do PNB de 2,25% entre 1986-1989, passa para um estado de recessão económica de -3,7% em 1990 e no ano seguinte a recessão agrava-se ainda mais passando para os -13% (Sokoloff 1993, 187). A par do colapso económico, o colapso político tomava também forma, tendo culminado com a independência das suas repúblicas entre 1990 e 1991, e assim a 26 de Dezembro de 1991 é decretada oficialmente a dissolução da URSS. 3.4 – Fase de 1991-1998 Após a independência russa em 1991, o processo de privatização da sua economia Пoi acelerado, através daquilo que é conhecido como a “Terapia de Choque” (Engdahl 1993). Os seus efeitos práticos são largamente discutidos, contudo desde muito cedo se considerou que era um “absoluto desastre” (EnРdahl 1993, 6). O plano teve início em 2 de Janeiro de 1992 e foi traçado em conjunto entre o novo Presidente da Federação Russa, Boris Yeltsin; a sua equipa para os assuntos económicos, liderada por Yegor Gaidar, Ministro da Economia e das Finanças da RSFSR 84, e Jeffrey Sachs, economista da Universidade de Harvard; e o Fundo Monetário Internacional (FMI)85 (Idem, ibidem). Este consistia na reversão do controlo de preços de 90% dos bens de consumo e 80% dos bens industriais, nos restantes o Estado declarou a subida dos preços em cerca de 350%, sendo que no final de Janeiro já se situavam nos 500%. A impressão de dinheiro foi também parada, tal como houve uma subida das taxas de juro de 2% para 80%, de forma a conter a inflação criada. Também o comércio externo foi totalmente liberalizado, excepto para o gás e petróleo (Idem, ibidem). Tudo isto levou a que o país entrasse num estado de hiperinflação e que a economia caminhasse para o colapso. Como forma de cortar nos gastos públicos e ir ao 84 República Socialista Federativa Soviética da Rússia. 85 Organização para a qual entraria no dia 1 de Junho de 1992 (IMF 2016). 70 encontro das exigências do FMI, de modo a ser garantido um crédito de 24 mil milhões de dólares (Engdahl 1993, 7), o governo cortou o financiamento às empresas públicas, o que as levou a acumular défices elevados, provocando falências e ineficiências na indústria. Isto apesar destas empresas poderem contrair dívidas entre si ou ao Banco Central, o que não tinha impacto no orçamento governamental. Porém, estas medidas resultaram numa quebra na produção industrial de 20% e a um défice orçamental de 17% em 1992, com as consequências sociais daí derivadas, como a pobreza que atingiu 40% do total da população em 1993 (Milanovic 1998, 186) e tendo alcançado mais de 60% em 1998 (Denisova 2012, 13). O processo de privatização iria quebrar as ligações de colaboração e interdependência existentes entre as várias empresas e laboratórios espalhados pela URSS (Nazet 2007, 58). Para além disto, o processo foi conduzido de forma bastante duvidosa, o que explica o ressentimento dos russos face a esse processo e àqueles que com ele lucraram (Nazet 2007, 60; Sapir 2013). Durante este período houve três grandes fases de privatização das empresas estatais, sendo a última em 1997 (Nazet 2007, 60-61). Em 1998 uma crise financeira global atinge, de forma muito particular, uma Rússia já bastante fragilizada. Esta crise teria um forte impacto na economia russa, pois combinaria a falta de capacidade em cumprir o serviço da dívida pública, com uma forte desvalorização do rublo (Sapir 1999, 1). Na sua origem está a crise financeira asiática de 1997, que provocou um caos financeiro global e, por consequência, levou a que houvesse instabilidade nos mercados mundiais, o que atingiu uma Rússia cuja economia se baseava essencialmente na exportação de matérias-primas, nomeadamente petróleo e gás natural (Sapir 1999, 2 e 4). O preço do petróleo cairia de cerca de 25 dólares em Janeiro de 1997, para cerca de 12 dólares em Junho de 1998, apenas retomando valores em torno dos 25 dólares no final de 1999 (Trading Economics 2016a). Para além disso, vários factores estruturais e políticos ajudaram a agravar a situação ou, pelo menos, a que houvesse maior dificuldade em controlá-la (Idem, ibidem). Só nesse ano a economia russa cairia 4,6% (Sapir 2013). Como resultado deste período entre o início de 1991 e o final de 1998 a economia russa perderia cerca de 43% do seu PIB, passando de 691,7 mil milhões de dólares86 (com que iniciou o ano de 1991), para 398,3 mil milhões em 1998 (Sapir 2013). Passaria de uma composição do PIB onde a indústria representava 38% deste, 86 A preços de 2004. 71 para 32,6% no ano de 2000 (Nazet 2007, 68). Sapir (2013) fala-nos ainda do atraso acumulado pela Rússia durante este período de transição, tendo em conta estimativas de crescimento médio de 1,5% que a Rússia poderia ter em condições normais, acumulando prejuízos no PIB de 380,9 mil milhões de dólares até 1998 e prejuízos totais de 2082,5 mil milhões de dólares. Em vez disso o crescimento médio entre 1991 e 1998 seria de -6,3% (Souza 2007, 23).  Verifica-se após o período soviético a Rússia passa por um processo de enfraquecimento da sua posição hierárquica dentro do sistema-mundo, um processo de periferização onde as reПormas que tinham em mente a “dessovietiгaхуo” do país desempenharam um papel central. Os mecanismos que normalmente caracterizam este processo de “mobilidade descendente” e identiПicados por DerluРuian e Wallerstein (2011, 4) encontram-se todos presentes na Rússia ao longo deste período, como a “ПraРilidade do Estado, Пorхa oliРпrquica, desindustrialiгaхуo e comércio de ‘comprador’87”88. Por conseguinte, os mesmos autores afirmam que durante este período “em veг de [haver um movimento da] URSS para mais perto do centro, a desorganizada morte do estado soviético produziu um recuo para a periferia”89 (DerluРuian e Wallerstein 2011, 30), “assemelhando-se mais ou menos ao Terceiro Mundo”90 (Idem, 32). Isto mesmo considerando a posição semi-periférica historicamente usufruída pela Rússia e supramencionada. A compreensão do processo de periferização ocorrido na Rússia, durante este período, possibilita-nos interpretar de forma mais clara quais os motivos que levam à mudança de políticas que lhe seguiriam, e quais as opções tomadas. 87 “comprador” – Uma pessoa que age como agente para organizações estrangeiras ocupadas em investimentos, comércio ou exploração económica ou política (Oxford Dictionaries, 2017). 88 “[…] state аeakness, oligarchic strength, deindustrialization and comprador trade […]” – tradução própria. 89 “Instead of moving the USSR closer to the core, the messy demise of Soviet state produced recoil to periphery” – tradução própria. 90 “[…] the post-Soviets found themselves someаhere more or less ressembling the Third World.” – tradução própria. 72 Parte 2 – Estudo da dependência russa no período 1998-2015 4 – Avaliação dos graus de dependência russa [Os Estados semi-periféricos] usam o poder do estado nas arenas interna e interestatal de forma bem consciente para aumentar o estatuto do seu estado enquanto produtor, enquanto acumulador de capital e enquanto força militar. A sua escolha é em última instância bem simples: ou eles têm sucesso em ascender na escada hierárquica (ou pelo menos manterem o seu lugar) ou eles serão empurrados para baixo. (Wallerstein 2006, 56-57) Nesta fase do trabalho serão analisados os graus de dependência russa a vários níveis. Será então desenvolvida a fase que se inicia ainda em 1998 e se estende até 2015, fazendo para isso uso dos cinco tipos de imperialismo (e associada dependência) enunciados por Johan Galtung (1971, 91), tal como aplicando os pressupostos da Teoria da Dependência em geral acima referidos. A nossa análise será iniciada na dependência socioeconómica, onde se incluirão as dimensões económica e a parte infraestrutural da comunicativa, utilizando vários dos indicadores socioeconómicos recolhidos na literatura trabalhada e que mantêm hoje a sua pertinência, dado continuarem a ser elementos macroeconómicos trabalhados e quantificados na actualidade. Posteriormente iremos passar para a dependência sociopolítica e cultural, que engloba um tratamento mais aprofundado das elites na Rússia e onde incluiremos as dimensões associadas à dependência cultural (incluindo aqui as questões da comunicação social retiradas da dependência comunicativa) e política, onde também será testada a nossa hipótese sobre se a Rússia se encaixa no modelo B-A. Por fim, será analisada a capacidade da Rússia interagir no sistema-mundo, debruçando-nos primeiramente sobre a dependência militar e por fim sobre a política externa. No final desta análise espera-se obter uma visão 73 sistémica da Federação Russa, que nos permita ter uma melhor compreensão das suas capacidades em termos de política externa e como interage no sistema internacional. Ao longo desta segunda parte do nosso trabalho espera-se também testar as nossas hipóteses iniciais e que importa por isso relembrar. Conjecturou-se inicialmente que a Rússia evidenciava características de país dependente dentro do sistema-mundo, encaixando, de forma mais específica, naquilo que designa por semi-periferia. Para que tal seja verdade, a Rússia necessita de evidenciar atributos de dependência face aos países do centro, integrando-se numa relação desigual face a estes. Afirmou-se também que, no entanto, a Rússia possui ainda um determinado grau de desenvolvimento e autonomia política, o que a faz situar-se num grau intermédio de importância dentro das dinâmicas em prática no sistema-mundo. Esta posição permite-lhe ocupar também uma relação de mediadora entre as nações totalmente Periféricas e as Centrais, dentro dos princípios destacados por GaltunР (1971, 89), desiРnados de “interacхões Пeudais”. Esta relação é desenvolvida não só em aspectos comerciais ou de processamento e de controlo de recursos, para posterior redistribuição no centro, mas também em aspectos militares, políticos, culturais e comunicacionais. 4.1 – Dependência socioeconómica Nesta secção será desenvolvida uma análise comparativa através dos dados à disposição nas várias dimensões económicas que serão aqui abordadas. A escolha recai neste tipo de análise dada a necessidade de fazer comparações com os países considerados desenvolvidos, para assim se conseguir entender a sua própria posição dentro do sistema-mundo. De forma a melhor compreender essas dimensões aqui abordadas, os indicadores analisados serão separados em dois campos distintos. O primeiro será composto por indicadores directamente relacionados com as questões da dependência económica da Rússia, ou seja, os factores económicos que provocam a dependência. A selecção destes indicadores é feita tendo por base a literatura revista anteriormente, onde se destacam: 1. Os diferentes níveis de processamento (Galtung 1971, 86; Wallerstein 2011 [1974]); 74 2. Dependência da exportação de matérias-primas (Galtung 1971, 85; Mahler 1980, 29-30); 3. Concentração numa limitada gama de produtos exportados (Galtung 1971, 90; Cardoso e Faletto 1977, 27; Mahler 1980, 29-30); 4. O tipo de importações (Prebisch 1962 [1949], 127); 5. Crescente importância do Investimento Directo Estrangeiro (Amaral 2012, 65; Santos 2011 [1978], 368; Mahler 1980, 31); 6. Deterioração dos termos de troca (Prebisch 1962 [1949], 81-86; Santos 2011 [1978], 372; Mahler 1980, 29-30); 7. Fraco desenvolvimento tecnológico (Cardoso e Faletto 1977, 5); 8. Fraco investimento público (Cardoso e Faletto 1977, 5); 9. Crescimento da dívida (Mahler 1980, 33; Santos 2011 [1978], 65-66); 10. “Ajudas” internacionais (Mahler 1980, 32). O segundo campo será constituído pelos indicadores que expressam as consequências desta dependência económica na Rússia. Neste será reflectido o impacto que a dependência económica possui sobre a estrutura socioeconómica e as limitações que impõe, quer na sociedade quer no próprio Estado, procurando traçar algumas conclusões sobre o assunto em questão. Os indicadores utilizados serão, nomeadamente: a relação entre o preço do petróleo nos mercados globais e o crescimento económico russo; o PIB real e PIB real per capita; a evolução demográfica; a importância do consumo privado no PIB; rendimentos do top e dos últimos 20% da população; Índice GINI; Índice de Desenvolvimento Humano; esperança média de vida; mortalidade infantil; Índice de educação; e taxa de desemprego. Serão aqui também observadas as principais políticas económicas tomadas pelos governos russos desde 1998 até 2015, de forma a compreender quais as principais estratégias utilizadas durante este período. Outra dimensão que é directamente afectada pela dependência económica, e que iremos aqui inserir, trata-se daquilo que Johan GaltunР aПirma ser a пrea “comunicacional”. Apesar de GaltunР separar o “imperialismo comunicacional” num domínio prяprio, a íntima ligação de raíz material existente entre a questão infraestrutural, inserida neste, e as questões económicas permite-nos agregar ambas na mesma análise. Excluindo daqui, no entanto, a vertente que trata a comunicação de notícias e a forma como estas são processadas, parte que iremos incluir na análise sociopolítica da Rússia que será feita mais adiante. 75 Os dados expostos nas tabelas apresentadas serão relativos à Rússia individualmente, à média representante do G7 e aos EUA individualmente. O G7 surge nestas tabelas dado representar o grupo de países mais desenvolvidos em termos socioeconómicos e político-militares no mundo. São estes países mais desenvolvidos que constituem o centro do sistema-mundo, como afirmado pelos vários autores (ChaseDunn et al 2000, 79; Galtung 1971, 103-104). Os EUA surgem separadamente por representarem o país com maior produção de riqueza dentro do próprio G7 e do mundo. Estas tabelas também contam com as diferenças existentes nos diversos indicadores entre a Rússia e o G7, e a Rússia e os EUA, como forma de entender o que os distingue. Para se compreender melhor a evolução dos nossos objectos de análise, são colocados diferentes períodos, com curtos intervalos entre eles e que variam de acordo com a disponibilidade dos dados nas fontes utilizadas. Estes períodos estão compreendidos entre 1998 e 2015. 4.1.1 – Indicadores de dependência económica Uma economia, para se considerar ser possuidora de avançadas relações de produção, necessita de possuir um elevado grau de processamento, quando comparada com as restantes economias do mundo. Como Galtung (1971, 87) afirma, a técnica de processamento baseia-se na capacidade de “impor Cultura sobre a Natureгa”. A imposição de cultura sobre a natureza é, no fundo, o mesmo que Marx (1975 [1891], 102) expunha na sua Teoria do Valor, quando falava da execução de trabalho sobre a matéria: “uma mercadoria tem um valor, porque é a cristaliгaхуo de trabalho social. A grandeza do seu valor, do seu valor relativo, depende da maior ou menor quantidade dessa substância social nela contida; isto é, da quantidade relativa de trabalho necessário para a sua produхуo”. E quando se Пala em elevados Рraus de processamento, Пala-se em acumulaхуo de trabalho numa mercadoria, ou seja, “ao calcularmos o valor de troca de uma mercadoria, temos que adicionar à quantidade de trabalho empregue em último lugar a quantidade de trabalho previamente incorporada na matéria-prima da mercadoria e o trabalho aplicado nas ferramentas, nos utensílios, máquinas e edifícios que serviram para esse trabalho” (Marб 1975 [1891], 104). 76 Para alguns autores esta é exactamente a melhor forma de compreender o problema da deterioração dos termos de troca, pois a explicação encontra-se não no preço relativo dos produtos transacionados, mas sim na própria natureza e condições em que são produzidos (Mahler 1980, 30). De forma a observar este grau de processamento em concreto, usamos aqui o indicador de complexidade económica, um indicador que mede eбactamente o “quуo diversiПicado e compleбo é o cabaг de eбportaхões de um país”91, o que acaba por servir como “medida do conhecimento numa sociedade que se traduг nos produtos que Пaг”92 (The Atlas of Economic Complexity, 2016b), ou seja, a imposição de trabalho, de cultura, na natureza por uma dada sociedade e que é extraído tendo por base as exportações de cada país. É então de esperar que os países mais desenvolvidos possuam um cabaz de exportações mais complexo do que países menos desenvolvidos. Olhando para a Tabela 1 verificamos que de facto os países que compõem o G7 são todos países relativamente bem posicionados no ranking mundial, exceptuando o Canadá, ao passo que a Rússia se posiciona bem atrás. Tabela 1: Ranking de Complexidade Económica em 2014. Rússia 50º Canadá 39º França 17º Alemanha 2º Itália 15º Japão 1º Reino Unido 10º EUA 14º Fonte: The Atlas of Economic Complexity (2016a). De seguida, a Tabela 2 permite-nos concluir que a Rússia tem sofrido uma degradação da sua complexidade económica, contudo também os países que compõem o G7 têm visto regredir esse mesmo aspecto. Ainda assim, a regressão russa é superior àquela verificada pelo G7, como se pode observar no alargamento da diferença relativamente a este grupo. Tabela 2: Indicador de Complexidade Económica. Indicador de Complexidade Económica 1998 2000 2005 2010 2014 Rússia EUA Média G7 0,70 0,53 0,62 0,32 0,05 1,97 1,89 1,73 1,52 1,36 1,98 1,86 1,76 1,56 1,44 Diferença com G7 -1,28 -1,33 -1,14 -1,24 -1,39 Diferença com EUA -1,27 -1,36 -1,11 -1,20 -1,31 Fonte: The Atlas of Economic Complexity (2016a). 91 “ECI ranks hoа diversified and compleб a country’s eбport basket is.” – tradução própria. 92 “A measure of the knoаledge in a society that gets translated into the products it makes.” – tradução própria. 77 Analisemos então os factores que contribuem para uma baixa complexidade económica e para o degradar desse mesmo factor na economia russa. Se a complexidade económica é a imposição de trabalho ou cultura sobre a natureza, então uma economia com baixa complexidade económica possuirá uma destacada importância de elementos da natureza, com baixos graus de trabalho incorporados. Ou seja, será uma economia baseada essencialmente em recursos naturais. E um dos elementos que caracterizam uma economia dependente é exactamente a dependência da exportação de matériasprimas (Galtung 1971, 85; Mahler 1980, 29-30). Importa por isso ter em conta este aspecto considerado na Tabela 3, abaixo: Tabela 3: Peso dos combustíveis nas exportações. Combustíveis nas exportações (%) 1998 2000 2005 2010 2015 Rússia EUA Média G7 39 51 62 66 63 2 2 3 7 8 2,6 4,3 6,3 8,3 6,9 Diferença com G7 36,4 46,7 55,7 57,7 56,1 Diferença com EUA 37,0 49,0 59,0 59,0 55,0 Fonte: World Bank (2016a). Obtém-se aqui uma das causas que explicam a constante diminuição da complexidade económica quer da Rússia, quer do próprio G7. Salienta-se que a dependência russa face às exportações de combustíveis é bastante acentuada, chegando em 2015 a contribuir com 63% do total de todas as exportações e tendo alcançado o seu máximo de dependência em 2013, quando as suas exportações dependiam em 71% dos combustíveis, tendo registado uma queda desde então (ver Figura 1). Da mesma forma, a diferença relativa ao G7 também aumentou ao longo do tempo, mesmo registando um ligeiro decréscimo em 2015 face a 2010. 78 Figura 1: Evolução do peso dos combustíveis nas exportações russas. Combustíveis nas exportações russas (%) 80 70 60 50 40 30 20 10 0 2015 2014 2013 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 Combustíveis nas exportações (%) Fonte: World Bank (2016a). A Figura 1 demonstra-nos que a sua diversificação de exportações é relativamente baixa, concentrando-se numa limitada gama de produtos, como também é evidenciado pelo seu índice de diversificação de exportações, onde valores mais altos correspondem a uma menor diversificação, como se lê na Tabela 4. Tabela 4: Índice de Diversificação de Exportações. Índice de diversificação de exportações 2000 2005 2010 Rússia EUA Média G7 2,879 3,288 3,543 1,644 1,542 1,484 1,770 1,743 1,718 Diferença com G7 1,109 1,545 1,825 Diferença com EUA 1,235 1,746 2,059 Fonte: Knoema (2016). Contudo, tomar somente estes dois aspectos em conta não reflecte de forma esclarecedora o estado de dependência da economia russa face aos combustíveis. É necessário ter em atenção qual a contribuição dos recursos naturais no PIB, de forma a compreendermos a evolução registada ao longo do tempo. 79 Tabela 5: Contribuição dos recursos naturais para o PIB. Contribuição dos recursos naturais para o PIB (%) 1998 2000 2005 2010 2014 Rússia EUA Média G7 16,2 43,5 39,3 22,6 16,2 0,4 1,0 1,5 1,4 1,1 0,5 1,2 1,6 1,2 1,0 Diferença com G7 15,7 42,3 37,7 21,4 15,2 Diferença com EUA 15,8 42,5 37,8 21,2 15,1 Fonte: World Bank (2016a). Aqui observamos que o impacto dos recursos naturais para o PIB nos países do G7 é bastante baixo, como aliás seria de esperar em economias desenvolvidas. Já no caso russo, a importância destes elementos para a produção de riqueza no país é significativa. Olhando para a Figura 2 registamos porém que a diminuição dessa importância tem sido gradativa, apesar de algumas oscilações, sendo o ano de 2000 aquele em que se registou um impacto maior cifrado em 43,5% e caindo para 16,2% até 2014. Figura 2: Contribuição dos recursos naturais para o PIB russo. Contribuição dos recursos naturais para o PIB (%) 50 40 30 Contribuição dos recursos naturais para o PIB 20 10 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 0 Fonte: World Bank (2016a). É reconhecido que a economia russa é ainda hoje menos diversificada do que era no tempo da URSS (The Moscow Times 2015). Porém, olhando para a Figura 2, como é que se explica que a economia russa não evidencie um aumento da sua diversificação e complexificação? Uma explicação para este fenómeno é-nos dada por uma das consequências daquilo que é considerado como “Dutch disease”, característico de países com um elevado grau de dependência em recursos naturais (EBRD 2012, 13). Nos países em que este fenómeno se evidencia, uma das ocorrências verificadas é a elevada procura nos sectores não-transaccionáveis, nomeadamente serviços e construção, em 80 momentos em que os preços das matérias-primas se encontram altos. Isto leva a um aumento de preços e a uma valorização do câmbio monetário (Idem, ibidem). Todavia, isto acarreta consequências negativas para outros sectores da economia. Com este aumento de preços, no sector dos bens não-transaccionáveis, também o custo do trabalho na indústria aumenta, pois os custos do trabalho em bens transaccionáveis e não-transaccionáveis estão normalmente ligados. Este aspecto, aliado à valorização cambial, leva a uma menor competitividade dos sectores industriais e agrícolas (Idem, ibidem). Quando, mais à frente, atentarmos à Tabela 15 compreenderemos mais aprofundadamente o que aqui foi exposto. Comparando o impacto das exportações de recursos naturais, observado anteriormente, com o impacto das exportações de alta tecnologia na economia (Tabela 6), podemos tirar mais conclusões. Tabela 6: Exportações de alta tecnologia. Exportações de alta tecnologia (% do total de exportações) 1998 2000 2005 2010 2015 Rússia EUA Média G7 Diferença com G7 Diferença com EUA 12 16 8 9 10 33 34 30 20 18 21,3 23,7 19,9 17,1 17,1 -9,3 -7,7 -11,9 -8,1 -7,1 -21,0 -18,0 -22,0 -11,0 -8,0 Fonte: World Bank (2016a). Na Rússia, estas têm sofrido apenas pequenas flutuações, mantendo um peso relativamente semelhante ao longo do tempo e que podemos considerar bastante baixo quando comparado com os países do G7. Apesar de quer este grupo quer os EUA evidenciarem fatias maiores das suas exportações associadas à alta tecnologia, denota-se uma gradual diminuição da sua importância nas exportações. Percebe-se a importância de todos os factores analisados anteriormente, quando se estuda o peso que as exportações possuem sobre a produção de riqueza de um país. Este indicador é, aliás, essencial para compreender até que ponto a economia de um país é orientada para as exportações, sendo utilizado em vários estudos da dependência (Mahler 1980, 37). Apesar das exportações serem importantes, enquanto fonte de receitas que permitem a um país importar de outros países sem incorrerem em dívida, elas podem possuir características danosas. Uma economia fundamentalmente orientada 81 para as exportações, faz com que nações formalmente e politicamente independentes evidenciem características que as fazem assemelhar-se a países colonizados ou recentemente descolonizados, em especial quando se tratam de exportações que incorporem baixos níveis de processamento. Isto porque existe uma grande dependência nas condições de negociação impostas pelo mercado mundial, que é controlado pelos países centrais, nomeadamente em relação a preços, quotas, entre outras condições (Cardoso e Faletto 1977, 21). Tabela 7: Peso das exportações no PIB. Exportações (total de exportações/ PIB) 1998 2000 2005 2010 2015 Rússia EUA Média G7 31,2 44,1 35,2 29,2 29,5 10,5 10,7 10,0 12,4 12,6 23,3 25,3 25,1 25,5 28,1 Diferença com G7 7,9 18,8 10,1 3,7 1,4 Diferença com EUA 20,7 33,4 25,2 16,8 16,9 Fonte: World Bank (2016a). No parâmetro da contribuição que as exportações possuem para o PIB, a Rússia apresenta em 2015 valores muito semelhantes àqueles encontrados na média do G7, com uma diferença de 1,4%, sendo que no ano de 2000 essa diferença era de 18,8%. Sendo que no caso russo essa relação tem vindo a diminuir, enquanto no caso do G7 tem vindo a aumentar. Já no caso dos EUA, conclui-se que estes possuem uma baixa dependência face às exportações na sua produção de riqueza, o que significa que possuem um mercado suficientemente grande para absorver a maior parte da sua produção. No que toca às importações é importante ter em conta não apenas a relação entre estas e o PIB, mas também o seu tipo, ou seja, se se tratam de importações vitais para o funcionamento da economia, como por exemplo máquinas, tecnologias, produtos semiprocessados, matérias-primas ou mesmo alimentos; ou se são importações de bens de consumo duráveis ou de bens de capital que não são vitais para o desenvolvimento (Prebisch 1962 [1949], 127). Na Tabela 8 vemos o peso das importações no PIB. Tabela 8: Peso das importações no PIB. Importações (total de importações/ PIB) 1998 Rússia EUA Média G7 24,6 12,3 22,114 82 Diferença com G7 2,486 Diferença com EUA 12,3 2000 2005 2010 2015 24,0 21,5 21,1 21,2 14,3 15,5 15,8 15,5 24,714 24,857 26,329 27,871 -0,714 -3,357 -5,229 -6,671 9,7 6,0 5,3 5,7 Fonte: World Bank (2016a). Constata-se que os EUA apresentam uma tendência crescente, mas a sua percentagem de importações é ainda assim bastante menor que a média do G7 ou a Rússia. Esta última mantém um nível de importações muito semelhante à média do G7, apesar de registar uma tendência decrescente, enquanto este regista uma tendência crescente. Isto demonstra que a Rússia apresenta uma dependência cada vez menor de importações de produtos com origens exteriores para a satisfação das suas necessidades. Importa também perceber a composição das importações russas, a fim de podermos traçar conclusões mais proveitosas e ter uma visão mais esclarecedora do nível de dependência evidenciado pela economia russa. Para isso, escolhemos o tipo de bens de consumo duráveis importados em maior quantidade pela Rússia, sendo estes os automóveis (The Atlas of Economic Complexity 2016c). Aqui observamos que se em 1998 e 2000 representavam 3% da totalidade das importações (1,71 mil milhões de USD), em 2005 eram já 8% das importações (7,36 mil milhões de USD), em 2010 baixariam para os 5% (11,1 mil milhões de USD) e em 2014 totalizavam 6% das importações (17,7 mil milhões de USD) (The Atlas of Economic Complexity 2016c). Em termos absolutos concluímos que se registou um crescimento contínuo, enquanto em termos relativos as importações de automóveis oscilam ao longo do tempo. Em relação aos bens de capital93 a Rússia apresentava em 1998 cerca de 36% do total das suas importações, em 2000 cerca de 39%, em 2005 cerca de 44%, em 2010 cerca de 45%, em 2013 atinge os 48% e em 2014 cai para cerca de 41% (The Atlas of Economic Complexity 2016c). Nota-se então um crescente peso dos bens de capital nas importações russas, apesar da queda registada entre 2013 e 2014, o que significa que uma parte cada vez maior das importações é utilizada para expandir a capacidade de produção da economia russa. Apesar da participação da Rússia na OMC desde 2012 limitar a aplicação de medidas proteccionistas comerciais, como restrições, tarifas alfandegárias, entre outros, isso não impede a Rússia de ser dos países com maior nível de medidas proteccionistas 93 Dada a complexidade existente neste âmbito foram selecionados como bens de capital apenas algumas das grandes categorias de mercadorias importadas. Assim o que é aqui apresentado inclui valores aproximados das importações com fins industriais de maquinaria, produtos eléctricos, transportes (excepto automóveis e aeronaves), metais e produtos minerais. 83 e discriminatórias comerciais. Entre Novembro de 2008 e Outubro de 2015 a Rússia foi o segundo país do G2094 com maior número de medidas discriminatórias implementadas, num total de 478 medidas, apenas atrás da Índia que possuía 504 medidas e imediatamente à frente dos EUA com 377 medidas (Evenett e Fritz 2015, 22). A protecção comercial é um elemento utilizado pelos Estados como forma de protecção do monopólio, já discutido pelos autores clássicos do imperialismo como Lenin (1975 [1916], 32) e elemento recorrente em vários autores dependentistas, como já aqui foi mencionado. É uma forma de promoção da acumulação de capital (Wallerstein 2006, 25) e que portanto é usada pelos Estados de modo a melhorar a sua condição sistémica, ao mesmo tempo em que promovem a liberalização económica de outros Estados mais fracos com menores capacidades de competir nos mercados mundiais em determinados produtos (Wallerstein 2006, 26). As semi-periferias são, normalmente, as regiões que mais recorrem a políticas proteccionistas, tentado proteger a sua produção interna da concorrência exterior (Wallerstein 2006, 29-30). A utilização destas medidas por parte das elites russas surge então um dos elementos escolhidos para promover a sua acumulação de capital e, por conseguinte, melhorar a posição da Rússia no sistema-mundo, em particular num determinado grupo de sectores considerados como “estratéРicos”, e que veremos de Пorma mais aproПundada р Пrente. Como vimos anteriormente, Prebisch (1962 [1949], 81-86) afirmava que a longo prazo existia uma deterioração dos termos de troca entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos, em que os primeiros saíam favorecidos face aos segundos. Isto é, ao longo do tempo o valor das exportações de um país menos desenvolvido iria diminuir relativamente ao valor dos preços pagos pelas suas importações (Mahler 1980, 38). O que significaria que um país que melhorasse os seus termos de troca, estaria a melhorar as suas condições financeiras e, portanto, a acumular mais riqueza ao longo desse mesmo período, ao passo que um país que piorasse os seus termos de troca estaria exactamente na posição contrária. A Tabela 9 mostra-nos então a evolução registada desde o ano 2000. 94 Grupo que inclui as 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia. 84 Tabela 9: Termos de comércio líquidos do índice de comércio (2000=100)95. Termos de comércio líquidos do índice de comércio (2000=100) 2000 2005 2010 2014 Rússia EUA Média G7 Diferença com G7 Diferença com EUA 100 138,3 159,8 182 100 97,2 97,1 95,9 100,0 100,1 96,7 95,2 0,0 38,2 63,1 86,8 0,0 41,1 62,7 86,1 Fonte: World Bank (2016a). É curioso notar que a evolução neste aspecto tem sido favorável à Rússia, ao passo que a posição dos países do G7 e dos EUA se tem degradado. Talvez isto se explique por duas razões diferentes. Relativamente à ligeira descida do G7 e dos EUA, a causalidade deve-se, possivelmente, à decrescente importância que os produtos de alta tecnologia, e portanto de alto valor acrescentado, possuem nas suas exportações. No caso russo a explicação encontra-se principalmente no grande aumento de preços dos combustíveis nos mercados mundiais, em particular desde 2003/2004, isto apesar da sua volatilidade, como se pode ver na Figura 3. Figura 3: Preço médio do petróleo (USD). Preço médio do petróleo (USD) 120 100 80 60 Preço médio do petróleo (USD) 40 20 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 0 Fonte: Investing (2016). A fim de haver desenvolvimento da capacidade produtiva, é necessário haver investimento direccionado para a Formação Bruta de Capital. Este aspecto reflecte o que cada país investe anualmente no desenvolvimento das suas forças produtivas. É 95 Este índice mede a relação entre o valor das importações e o valor das exportações de um dado país num determinado período. Um valor acima de 100 significa que houve uma variação positiva na balança comercial, enquanto um valor abaixo de 100 representa uma evolução negativa da balança comercial. 85 portanto um elemento fundamental para qualquer país e, em particular, para aqueles que possuem relações de produção atrasadas relativamente aos países considerados mais avançados. Atentemos à Tabela 10. Tabela 10: Formação Bruta de Capital. Formação Bruta de Capital (percentagem do investimento no PIB) 1998 2000 2005 2010 2015 Rússia EUA Média G7 Diferença com G7 Diferença com EUA 15 19 20 23 21 23 24 23 18 20 21,9 22,4 21,1 20,0 20,3 -6,9 -3,4 -1,1 3,0 0,7 -8,0 -5,0 -3,0 5,0 1,0 Fonte: World Bank (2016a). Aqui observa-se um crescente peso do investimento no PIB russo, o que demonstra uma preocupação no desenvolvimento das forças produtivas do país, passando de 15% em 1998, para 21% em 2015. Por outro lado, no G7 e nos EUA, o peso do investimento tem vindo a diminuir ao longo do tempo, passando no primeiro caso de 21,9% em 1998 para 20,3% em 2015 e no segundo caso de 23% em 1998 para 20% em 2015. O que significa que a Rússia investe mais do que o G7 no desenvolvimento da sua capacidade produtiva, o que não acontecia em 1998. O seu investimento possui três origens que se destacam e que Sapir (2013) apontou: auto-financiamento, os créditos entre empresas e os subsídios públicos, federais ou regionais. Nesta área também toma especial importância o forte controlo exercido pelo Estado sobre a banca russa, directa ou indirectamente, como resultado das graves insuficiências do sistema bancário russo, apesar de ainda assim continuarem a existir anomalias (Nazet 2007, 62; Sapir 2013). O domínio científico é uma derivação da relação imperialismo/dependência cultural, em que também existe uma divisão internacional do trabalho entre o centro e a periferia (Galtung 1971. 93). Contudo, dada a relação directa e até sobreposta com os domínios económicos, decidiu-se incluí-lo aqui, ainda que Galtung lhe dedicasse um ponto específico na sua obra (Idem, 91-93). À semelhança do que acontece nas restantes manifestações da divisão internacional do trabalho, o centro providencia equipas de prospecção de matérias-primas, que se deslocam para a periferia de forma a recolher informação e que, posteriormente, irão processar nas universidades do centro e cujo uso será em seu benefício. Isto está, de certa forma, patente na estrutura económica russa, 86 onde os recursos minerais desempenham um papel fundamental e onde as companhias de exploração transnacionais operam, em conjunto com as companhias nacionais, na prospecção e extracção de recursos, mesmo que estas últimas sejam as dominantes. A Rússia não desenvolve assim uma relação estrutural típica de centro-periferia, assumindo uma maior autonomia, como veremos de seguida. Para que o desenvolvimento tecnológico aconteça, é necessário existir investimento direccionado para a investigação e desenvolvimento (I&D). E este aspecto é fundamental para qualquer país que procure potenciar a sua capacidade produtiva e a sua posição relativa no sistema-mundo. Será portanto de esperar que países mais desenvolvidos e avançados dediquem uma maior percentagem do seu investimento à I&D, enquanto os países menos desenvolvidos investam menos. Os dados correspondentes à nossa análise encontram-se compilados na Tabela 11. Tabela 11: Percentagem de I&D no PIB. Percentagem de I&D no PIB 1998 2000 2005 2010 2013 Rússia EUA Média G7 0,95 1,05 1,07 1,13 1,13 2,50 2,62 2,51 2,74 2,81 2,02 2,10 2,14 2,23 2,27 Diferença com G7 -1,07 -1,05 -1,07 -1,10 -1,14 Diferença com EUA -1,55 -1,57 -1,44 -1,61 -1,68 Fonte: World Bank (2016a). A hipótese inicial confirma-se: o G7 investia em média cerca de 2,02% do seu PIB em I&D em 1998, sendo que em 2013 se verificava um aumento e alocava já 2,27% da sua produção de riqueza anual. Já os EUA em 1998 investiam 2,5% e em 2013 2,81%. Também na Rússia se nota uma evolução positiva nestes parâmetros, passando de 0,95% em 1998, para 1,13% em 2013. Não obstante, a diferença de investimento nesta área entre a Rússia e o G7 tem aumentado, e se em 1998 era de -1,55%, em 2013 era já de -1,68%. É amplamente conhecida a decadência da investigação na Rússia, após o colapso da URSS (EBRD 2012, 72), tal como os esforços até aqui gerados para inverter a situação não têm correspondido totalmente às espectativas ou, no mínimo, são ainda difusos. Isto porque a Rússia continua ainda a contar com poucos centros de investigação de alta qualidade (EBRD 2012, 77). Ainda assim procura centrar os seus esforços em alguns sectores que considera serem centrais. Através de uma política 87 directiva, o Estado russo designou sete áreas estratégicas de investigação, nomeadamente: tecnologias de informação; nano-sistemas; eficiência energética; tecnologia médica; espacial; e nuclear. Sendo que estes campos de investigação absorvem cerca de 35% da totalidade dos fundos públicos alocados à I&D (EBRD 2012, 75). E já em 2009 o então Presidente Dmitry Medvedev havia identificado cinco prioridades de desenvolvimento tecnológico: a eficiência na produção, transporte e uso de energia, preservação e modernização de tecnologias nucleares, modernização de tecnologias de informação, infraestruturas terrestres e espaciais de comunicação próprias e a necessidade de avanços na produção de equipamento médico, métodos de diagnóstico e medicamentos (Medvedev in Russia Today 2009). A investigação nestes âmbitos é essencialmente desenvolvida em grandes centros de investigação como, por exemplo, em Kazan, Novosibirsk, entre outros, sendo o mais recente símbolo desse investimento o centro tecnológico de Skolkovo, perto de Moscovo (Zavyalova 2016; The Guardian 2015). Desta forma, verificamos que a relação que a Rússia possui com o sistemamundo não se desenvolve no típico modo entre centro-periferia, mas sim de um modo em que o país periférico assume maior responsabilidade no processo, evidenciando assim uma independência mais evidente nesta relação e onde o Estado desempenha um papel importante, como aliás seria de esperar num país semi-periférico (Wallerstein 2006, 56-57). Não obstante, a Rússia surge neste âmbito não como uma definidora de tendências, mas sim como um país que segue as tendências definidas pelo centro. Onde, exceptuando os sectores da defesa e aero-espacial (Gackstatter et al 2014, 302), a Rússia se encontra claramente atrás do centro em termos tecnológicos, isto mesmo apesar do crescimento do investimento em I&D ao longo dos últimos anos. Considerando os dados relativos à formação bruta de capital russa (ligeiramente superiores à média do G7), os dados do investimento em I&D (cerca de metade da média do G7) e o facto de a Rússia se encontrar em 43º lugar no Índice de Inovação Global (atrás de todos os países do G7) (Cornell University et al 2016, 20), podemos especular que a formação de capital russo se concentra fundamentalmente em produtos de baixo ou intermédio incremento tecnológico, o que é confirmado pelos dados da OCDE (EBRD 2012, 21) e também vai ao encontro do que seria de esperar num país semi-PeriПérico. Wallerstein (2006, 29) aПirma que “aquilo que é um processo de país do centro hoje, torna-se um processo periПérico amanhу”, passando por um declínio 88 “primeiro para países semi-periПéricos, e depois para países periПéricos”96. Sendo assim a Rússia é receptora de processos produtivos intermédios, que deixaram de ser lucrativos nos países do centro, porém ainda o são em países menos desenvolvidos. Mesmo que esta transferência de processos produtivos não se dê de forma directa (por exemplo através de IDE, que como veremos na Tabela 16 e Figura 4 assume níveis muito baixos) mas apenas pelo desenvolvimento da capacidade produtiva interna, em sectores que, não sendo de alta tecnologia, mantém a sua competitividade nos mercados globais, quando considerados os custos de produção na Rússia. Neste conjunto incluemse indústrias de bens semi-processados e de bens de capital, como químicos, matériasprimas processadas, maquinaria e equipamentos, têxteis, entre outros (EBRD 2012, 21). Não sendo assim um país que desenvolva de forma extensiva a sua área tecnológica e crie os seus próprios produtos de última geração, como no caso dos países mais desenvolvidos. Para que esta tendência se inverta é necessária uma política de investimento que seja orientada fundamentalmente pelo Estado, usando para isso as suas instituições de ensino e de investigação, sendo esta a estratégia normalmente usada pelas semiperiferias, onde o Estado intervém de Пorma a manter ou elevar o seu estatuto “como produtor, como acumulador de capital e como Пorхa militar”97 (Wallerstein 2006, 5657). Esta ideia é também reforçada por Block e Keller (2008), quando afirmam que a crença de que toda a inovação provém do sector privado é errada e que o Estado tem um papel importante a desempenhar nesta área. Este investimento influencia não só as áreas tecnológicas e infraestruturais (como estradas, caminhos de ferro, portos, aeroportos, etc.), mas também educação, bem-estar social, saúde, entre outras despesas correntes, onde o investimento do Estado é de capital importância para o desenvolvimento de áreas onde o capital privado não investe ou fá-lo de forma insuficiente. E se compararmos o peso dos gastos públicos no PIB, observamos que a Rússia se encontra ligeiramente atrás da média do G7 (Tabela 12). 96 “[…] what is a core-like process today will become a peripheral process tomorrow. […] first to semiperipheral countries, and then to peripheral ones.” – tradução própria. 97 “[…] to raise the status of their state as a producer, as an accumulator of capital, and as a military force.” – tradução própria. 89 Tabela 12: Peso dos gastos públicos no PIB98. Peso dos gastos públicos no PIB (%) 1998 2000 2005 2010 2013 Rússia EUA Média G7 25,0 21,2 19,9 21,9 19,6 18,7 17,9 20,6 16,5 13,8 34,4 33,4 34,9 23,6 22,1 Diferença com G7 -9,4 -12,2 -15,0 -1,7 -2,5 Diferença com EUA 6,3 3,3 -0,7 5,4 5,8 Fonte: World Bank (2016a). Regista-se até uma tendência decrescente do investimento estatal na economia nas várias partes observadas. Passando a Rússia de 25% em 1998, para 19,6% em 2013. Na média do G7 passou de 34% em 1998, para 22,1% em 2013. Ainda assim a diferença entre a Rússia, o G7 e os EUA tem vindo a diminuir ao longo do tempo. Não obstante, no que concerne ao investimento do Estado na economia, tem-se registado uma relativa estabilização desde 2010, oscilando entre os 13% e 17% (Tabela 13). Já no que concerne a investimento público em I&D as instituições públicas russas, como institutos de investigação, são responsáveis por cerca de 75% da sua totalidade (EBRD 2012, 69). Tabela 13: Investimento público na economia nacional (percentagem do Orçamento Consolidado). 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 8,93 11,65 13,97 20,46 14,49 13,39 13,97 13,43 16,97 14,012 99 Fonte: Ministry of Finance of the Russian Federation (2016) . SeРundo Sapir (2013), “a partir de 2003/2004, a necessidade de uma política de desenvolvimento garantindo um forte retorno da presença do Estado e uma melhor distribuição da riqueza tornou-se cada vez mais evidente, não só por razões económicas e sociais, mas também por raгões políticas”100. O que significou que o Estado começou a utilizar as grandes empresas públicas em sua posse, como a Gazprom, Rosneft, Transneft e Rosoboronexport, para servirem de investidoras e promoverem o desenvolvimento industrial no país (Sapir 2013). Os fundos de estabilização, utilizados pelo Estado russo, como forma de promoção de grandes projectos em conjunto com o 98 Para a média do G7 relativa aos anos de 1998 e 2000 não dispomos de dados referentes ao Japão. 99 Cálculos próprios. 100 “À partir de 2003/2004, la nécessité d’une politique de développement assurant un fort retour de la présence de l’État et une meilleure distribution des richesses devenait de plus en plus évidente, non seulement pour des raisons économiques et sociales mais aussi pour des raisons politiques.” – tradução própria. 90 sector privado, são outra das formas de incentivo à diversificação económica e desenvolvimento de tecnologias inovadoras (Nazet 2007, 58). Para que o investimento público russo se concretize é, porém, necessário ter em atenção a importância que o petróleo e o gás natural possuem nas receitas do Estado russo, em particular dado estes recursos serem tão importantes para a economia russa e ao mesmo tempo com preços tão voláteis nos mercados globais. A Tabela 14 oferecenos uma perspectiva sobre este assunto: Tabela 14: Peso das receitas do petróleo e gás natural no Orçamento Consolidado da Federação Russa (%). 2006 27,70 2007 21,67 2008 27,15 2009 21,94 2010 23,89 2011 27,05 2012 27,54 2013 26,73 2014 27,77 2015 21,77 Fonte: Ministry of Finance of the Russian Federation (2016)101. E aqui é bastante óbvia a importância que os combustíveis possuem no Orçamento Consolidado da Federação Russa, tal como a condicionante existente sobre a capacidade do Estado investir na sua economia usando os seus próprios recursos. Além disso, olhando para a tabela não se verifica sequer uma tendência que nos permita concluir que existe uma diminuição relativamente a este parâmetro, oscilando os valores entre os 21,94% e os 27,77% ao longo do período observado. O que significa que durante este período o Estado não tem conseguido estimular o desenvolvimento de outras fontes de receita, que lhe permitam tornar-se mais independente das receitas referentes ao petróleo e gás natural. Em 2005 Пoram deПinidas as quatro “Prioridades Nacionais”, onde o Estado teria um papel interventivo: saúde, educação, habitação e integração agro-industrial (Sapir 2013). Tal como também uma estratégia de intervenção industrial, que dividia o sector em três áreas de prioridade (Sapir 2013): 1. Um sector de máxima prioridade, onde o Estado deve ser o único a controlar, sendo esse sector o da energia e matérias-primas; 2. O sector de indústrias estratégicas diversas, onde o Estado não controla directamente, mas define orientações estratégicas, permitindo também intervenção de capitais externos; 101 Cálculos próprios. 91 3. Outras indústrias variadas, consideradas não estratégicas e onde o Estado não intervém, limitando-se a fazer cumprir a legislação aplicável. Uma das características assumidas pelas empresas detidas pelo Estado é que estas devem desenvolver as suas actividades como empresas privadas (Nazet 2007, 57). Os aspectos abordados até aqui saem reforçados quando se atenta no contributo de valor acrescentado por sector da economia. Tabela 15: Valor acrescentado por sector na economia102. Percentagem do sector primário no PIB 1998 2000 2005 2010 2014 Percentagem do sector secundário no PIB 1998 2000 2005 2010 2014 Percentagem do sector terciário no PIB 1998 2000 2005 2010 2014 Rússia EUA Média G7 5,6 6,4 5,0 3,9 4,2 Rússia 1,2 1,2 1,2 1,2 1,3 EUA 1,8 1,7 1,3 1,3 1,3 Média G7 37,4 37,9 38,1 34,7 32,1 Rússia 23,5 23,2 22,0 20,3 20,7 EUA 27,7 27,1 25,0 24,4 23,7 Média G7 57,0 55,6 57,0 61,4 63,7 75,3 75,6 76,9 78,5 78,0 70,5 71,2 73,6 74,4 75,1 Diferença com G7 3,8 4,8 3,7 2,6 2,9 Diferença com G7 9,7 10,8 13,1 10,3 8,4 Diferença com G7 -13,5 -15,6 -16,6 -13,0 -11,4 Diferença com EUA 4,4 5,2 3,8 2,7 2,9 Diferença com EUA 13,9 14,7 16,1 14,4 11,4 Diferença com EUA -18,3 -20,0 -19,9 -17,1 -14,3 Fonte: World Bank (2016a). De facto comprova-se que não só a Rússia mantém parcelas maiores de produção no sector primário, quando comparada com os países mais desenvolvidos, como também o faz no sector secundário. Isto apesar de haver uma tendência decrescente em ambos. Em contrapartida a importância do sector terciário cresce desde 2000. Contudo, no caso russo e tendo em consideração o que já foi analisado até aqui, tudo parece apontar para que o crescimento do sector terciпrio seja uma consequência do Пenяmeno “Dutch disease” abordado anteriormente, dada a importância que as receitas das exportações de 102 Os valores referentes à média do G7 não contam com os dados relativos ao Canadá, exceptuando no ano de 2010. 92 matérias-primas possuem em relação ao PIB, levando a um fluxo elevado de capitais do qual resulta uma elevada procura nos sectores não-transaccionáveis, onde se incluem os serviços. Na maioria dos países desenvolvidos a produção industrial encontra-se deslocalizada, sendo concentrada em países semi-Periféricos ou Periféricos, pois como foi referido anteriormente, esses processos deixaram de ser lucrativos e são então movidos para países menos desenvolvidos, onde os custos de produção são mais baixos. Estes processos ocorrem através da deslocação de capitais, quer através de IDE, através de dívida ou de ajuda. As empresas monopolistas transnacionais (ou multinacionais) são disso o melhor exemplo, actuando em todo o mundo, mantendo, no entanto, os seus centros de capital, de decisão, tecnológicos, etc., nos países desenvolvidos, como já vimos anteriormente. Os países do centro continuam assim a deter a maioria dos capitais, pois é neles que a centralização e concentração desses mesmos capitais é superior, tal como o poder decisório sobre estes103. Um reflexo disto é a importância da sua banca, seguros e a área financeira no geral na economia mundial e daí o peso do sector terciário ser bastante importante nestes países, quando comparado com outros, onde os bancos representam muitas vezes as maiores companhias existentes104. Veja-se então os aspectos relacionados com transferência de capitais. Tabela 16: Investimento Directo Estrangeiro (percentagem do PIB). IDE (percentagem do PIB) Rússia EUA Média G7 1998 2000 2005 2010 2015 1,02 1,05 2,03 2,83 0,36 1,97 3,12 1,06 1,73 2,28 1,96 5,02 2,98 1,55 1,58 Diferença com G7 -0,94 -3,97 -0,95 1,28 -1,21 Diferença com EUA -0,95 -2,08 0,97 1,10 -1,92 Fonte: World Bank (2016a)105. Aqui constata-se que o peso do IDE na Rússia é mais baixo quando comparado com os países do G7 e dos EUA individualmente. Significando isto que a Rússia depende menos do IDE do que seria expectável num país semi-periférico. Isto apesar de ter 103 Isto apesar de, cada vez mais, se encontrarem empresas chinesas nos lugares cimeiros dos rankings globais das grandes companhias (Schaefer 2016). 104 Para compreendermos melhor esta particularidade, atentemos às listas elaboradas pela revista Forbes sobre as maiores companhias do mundo no ano (Chen 2015a) e aos maiores bancos do mundo (Chen 2015b) no ano de 2015. 105 Cálculos próprios. 93 registado um crescimento acentuado entre 1998 e 2008, e em 2013 era o quarto país com maior entrada de IDE no mundo (Makarov e Morozkina 2015, 48), sendo que, desde então, a importância do IDE tem diminuído, registando em 2015 apenas 0,36% da totalidade do PIB. Figura 4: Investimento Directo Estrangeiro na Rússia (percentagem do PIB). IDE (percentagem do PIB) 5 4,5 4 3,5 3 2,5 2 1,5 1 0,5 0 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 IDE (percentagem do PIB) Fonte: World Bank (2016a). Apesar do potencial russo para a produção de recursos naturais poder gerar a ideia de que o IDE se foca essencialmente nesse sector, essa crença não se revela verdadeira. O sector que absorve a maioria do investimento é a área financeira (37% em 2010 e 16% em 2013 (Makarov e Morozkina 2015, 51)) e do retalho (16% em 2010 e 23% em 2013 (Makarov e Morozkina 2015, 51)), sendo que a exploração de metais absorvia cerca de 8% em 2010 e 16% em 2013 e a de combustíveis 11% em 2013 (Makarov e Morozkina 2015, 51). Já o sector das manufacturas surge em terceiro lugar com 18,3% do total em 2014 (Santander Trade 2016). O sector das altas tecnologias representa apenas entre 4 a 5% da totalidade do IDE na Rússia, o que é considerado um valor baixo (Makarov e Morozkina 2015, 51), e que demonstra que grande parte do sector se desenvolve com investimento interno, dentro dos centros de investigação previamente mencionados. A explicação para a baixa presença de capitais estrangeiros no sector dos recursos naturais deve-se não só às limitações legais impostas pelo próprio Estado russo à presença de empresas estrangeiras, naquilo que consideram ser um sector estratégico (Makarov e Morozkina 2015, 52), como já vimos acima, mas também aos 94 periРos evidenciados, nomeadamente de “transparência, da estabilidade política e da interacхуo com as autoridades públicas” e que servem de aРravantes Пace рs oportunidades oferecidas (Saveliev 2012; US Department of State 2015). A crise envolvendo a Rússia e a Ucrânia só veio evidenciar mais ainda estes aspectos. Outro factor relevante do IDE na Rússia é a sua origem. Em 2014 o Chipre106 era o principal investidor, com uma quota de 33,8%, surgindo em segundo lugar a Holanda com 14,7% (Santander Trade 2016), ou seja, juntos perfazem quase metade do IDE alocado na Rússia. Olhando para os baixos valores de IDE no sector das indústrias e em particular de alta tecnologia, conclui-se que o seu impacto possui ainda uma baixa importância na globalidade da economia russa, nomeadamente na transferência de novas tecnologias, know-how, formação da força de trabalho, integração na economia global, aumento da concorrência, desenvolvimento e reestruturação empresarial, efeitos enumerados por Moura (2009, 5). Isto apesar dos esforços por parte do governo em melhorar o seu perfil de risco junto dos investidores (Saveliev 2012). Tomando os princípios acima reПeridos do “desenvolvimento associado dependente”, destacam-se aqui algumas semelhanças entre o caso russo e os casos da América Latina analisados por Cardoso e Faletto (1977). Existe uma vontade oficial, por parte do Estado russo, em atrair capitais estrangeiros, particularmente no sector tecnológico, tendo em vista suprir as necessidades do mercado interno, numa lógica de “substituiхуo de importaхões” (Sputnik Neаs 2016b). Quer a contribuiхуo na substituição de importações, quer a particularidade da aposta recair sobre o sector tecnológico eram aspectos destacados pelos autores Cardoso e Faletto na sua obra (1977, 56-58). E, à semelhança da realidade observada por Santos (2011 [1978], 378) também em relação à América Latina, na Rússia o aparelho de Estado procura atrair estes investidores eбternos através de “Рarantias de lonРo termo, priviléРios e outras preПerências” (Sputnik Neаs 2016b). Porém, neste caso, apesar da vontade oПicial por parte do Estado russo em atrair capitais estrangeiros o resultado, até aqui, não tem sido o esperado, como se observa nos indicadores acima analisados. Convém também afirmar que, mesmo considerando esta vontade oficial, as restrições impostas à operação de capitais externos nos sectores determinados como estratégicos pelo Estado e onde 106 É no entanto relevante considerar que o Chipre é um local onde elevadas quantidades de capitais russos são depositados, pelo que parte deste IDE proveniente do Chipre pode ser apenas um retorno de capitais originalmente russos (Clover e Weaver 2017). 95 este participa quase exclusivamente, limita a acção dos capitais privados em investir na Rússia. Para além disto, importa também destacar os perigos associados a este tipo de políticas. Ou seja, a diferenciação em termos de rendimento existente entre os dois tipos de proletariado eбistentes nestes casos, resultado dos “desequilíbrios tecnolяРicos” que provocam altas concentrações de capital e tecnologia nas empresas de capital estrangeiro (Santos 2011 [1978], 378). Desta forma, originar-se-iam dois tipos de proletariado: o proletariado “moderno”, associado ao capital eбterno, e o proletariado “tradicional”, liРado ao capital interno (Cardoso e Faletto 1977, 57), alРo que provocaria elevadas procuras dentro dos sectores não-transaccionáveis por parte do primeiro, levando a um encarecimento do custo de vida e consequente descida do nível de vida do segundo. Além do mais, este tipo de desenvolvimento, baseado em capitais transnacionais, está associado a regimes tecnocráticos e autoritários, que estudaremos mais à frente quando fizermos a análise à dependência política existente na Rússia. No que concerne à exportação de capitais por países do centro, outro dos métodos normalmente utilizados é através da dívida, sendo também este um dos mais antigos, já referido também por Vladimir Lenin (1975 [1916], 121-122), como vimos atrás. Tabela 17: Dívida pública externa (percentagem do PIB). Dívida pública externa (% do PIB) 1999 2000 2005 2010 2014 Rússia EUA Média G7 99,0 59,9 14,2 11,0 17,9 60,1 55,9 63,3 95,2 104,1 78,6 76,4 83,1 103,7 116,3 Fonte: Trading Economics (2016b). 96 Diferença com G7 20,4 -16,5 -68,9 -92,7 -98,4 Diferença com EUA 38,9 4,0 -49,1 -84,2 -86,2 Figura 5: Dívida pública externa russa (percentagem do PIB). Dívida Pública Externa (% do PIB) 120 100 80 60 Dívida Pública Externa (% do PIB) 40 20 2014 2013 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 0 Fonte: Trading Economics (2016c). Também neste parâmetro a Rússia apresenta valores inferiores expectáveis numa economia dependente, tal como uma acentuada tendência decrescente entre 1999 e 2007, e apenas a partir de 2008 se iniciam pequenas, mas graduais subidas do peso da dívida pública externa. Porém, o G7 tem registado uma acentuada subida na dívida pública desde 1999, sendo que a média do G7 se situa nos 116,3% do PIB, bem acima dos 17,9% do caso russo. Do mesmo modo que acontece com a regulação de preços no mercado mundial operada pelos países do centro, também no caso da dívida esta regulação é encontrada. Daí a importância das agências de rating, que estabelecem classificações associadas à dívida de cada país, derivando estas classificações do risco de incumprimento por parte dos devedores. Contudo, estas agências de rating, na sua maioria sediadas em países do centro107, servem como ferramentas de controlo financeiro sobre a periferia, impondo assim directivas de política económica aos países a que estão associadas (Bagchi 2006, 7). Se averiguarmos as reservas de divisas das partes em questão, conseguiremos constatar ainda mais acerca da capacidade de acumular divisas por parte dos Estados. Isto porque as reservas permitem a um país “superar Пlutuaхões do comércio internacional ou interrupхões de capital estranРeiro”, assim como permitem “abrir 107 As três maiores aРências de ratinР sуo a Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch Group, sendo que as duas primeiras se encontram sediadas nos EUA e a última no Reino Unido e EUA (Standard & Poor’s (2016); Moody’s (2016); Fitch RatinРs (2016)). 97 espaхo para o Estado poder manobrar no campo da política econяmica eбterna”108 (Mahler 1980, 39). Tabela 18: Percentagem das reservas de divisas face ao PIB. Percentagem das reservas face ao PIB 1998 2000 2005 2010 2015 Rússia EUA Média G7 4,4 10,6 23,9 31,4 24,1 1,6 1,2 1,4 3,3 0,6 4,0 4,2 5,0 7,2 6,5 Diferença com G7 0,5 6,5 18,8 24,3 17,6 Diferença com EUA 2,8 9,4 22,4 28,2 23,5 Fonte: World Bank (2016a)109. Verificamos aqui que a Rússia possui largas reservas de divisas estrangeiras e de ouro em sua posse, sendo que a evolução em relação a 1998 é bastante considerável. Por seu turno, os países do G7 registam apenas uma ligeira subida, ao passo que os EUA descem. Todavia, a comparação da percentagem de reservas acumuladas entre estes e a Rússia é bastante favorável para a última, significando isto que consegue passar por crises de uma forma menos dolorosa para as suas finanças públicas e para a sua economia. Este aspecto é de grande relevância dada a volatilidade dos preços do petróleo e as frequentes crises por eles provocadas na economia russa. Ainda assim, comparativamente com outros países que dependem largamente da sua produção de petróleo, as reservas russas e os seus fundos de estabilização são percentualmente menores (EBRD 2012, 16). Não obstante, a acumulação de reservas possui também um aspecto negativo, pois leva a que haja maior quantidade de moeda interna a circular, levando a uma situação de endividamento público interno, dada a necessidade de reduzir a inflação provocada pelos fluxos de capitais externos (Amaral 2012, 119). Em termos de exportações de capitais, falta-nos ainda considerar os fluxos de ajuda externa recebidos. 108 “[…] limited reserves are hypothesized to limit an LDC’s ‘ability to ride out international trade fluctuations or interruptions of foreign capital’ and to reduce ‘the room for manoeuvre open to the state in the eбternal economic policy field’.” – tradução própria. 109 Cálculos próprios. 98 Tabela 19: Ajuda externa (milhares de milhões de USD a preços correntes de 2014)110. Ajuda (milhares de milhões de USD) 1998 2000 2004 2010 2013 Rússia EUA Média G7 1,18 1,55 1,33 -0,52 -0,63 -12,10 -13,21 -24,04 -31,85 -31,79 -7,46 -7,65 -9,67 -13,07 -13,69 Diferença com G7 8,54 9,22 10,98 12,55 13,06 Diferença com EUA 13,18 14,78 25,35 31,33 31,16 Fonte: World Bank (2016b); OECD (2016a). Também nesta vertente a Rússia regista índices menores do que o esperado para um país dependente e periférico, talvez evidenciando aqui a sua passagem de economia totalmente periférica para um novo estágio de desenvolvimento. Ainda assim convém referir que os fluxos de ajuda recebidos do centro pela Rússia terminaram apenas a partir de 2004 (OECD 2016b; Rakhmangulov 2010, 51) e que os registos encontrados de passagem a Estado doador apenas se iniciam em 2010. No que toca ao G7 verificamos que tem crescido a ajuda providenciada por estes Estados ao exterior ao longo do tempo.  Considerando os aspectos relativos à dependência da economia russa aqui tratados, verifica-se que existe de facto uma dependência ao centro do sistema-mundo. Em todos os principais indicadores económicos apontados pelos autores dependentistas, a Rússia registou tendências típicas de regiões dependentes, exceptuando em alguns casos. No que toca aos níveis de processamento evidenciados, a Rússia continua a registar uma menor complexidade nas suas exportações quando comparada com os países mais desenvolvidos. Mesmo assim, observa-se que desde o ano 2000 existe uma drástica redução da contribuição dos recursos naturais para o PIB (Tabela 5), ainda que isto não pareça reflectir-se num aumento significativo do peso do sector das altas tecnologias na economia, mas sim de sectores que incorporam graus tecnológicos intermédios na cadeia de valor do sistema-mundo. Esta afirmação sai reforçada considerando que, apesar do forte aumento na formação bruta de capital desde 1998, o aumento verificado em I&D foi bastante baixo, tendo até aumentado a diferença face ao G7 neste aspecto, demonstrando assim a tímida aposta existente neste sector. Isto leva110 Os valores relativos à Rússia de 1998, 2000 e 2004 estão a preços correntes de 2016. 99 nos a concluir que, em relação aos níveis de processamento, dependência da exportação de matérias-primas e fraco desenvolvimento tecnológico, a Rússia apresenta características tipicamente encontradas em países dependentes. No entanto, esta situação não se verifica em todos os indicadores. Por exemplo, relativamente às importações e quanto ao seu tipo. Desde o ano de 1998 a tendência do impacto das importações no PIB tem-se encontrado em decréscimo, o que evidencia uma maior capacidade em suprir as suas necessidades internas com a sua própria produção. Ao mesmo tempo, a composição das suas importações evidencia a crescente importância que a aquisição de bens de capital (utilizados para potenciar a sua produção interna) possui, significando que os bens de consumo assumem uma menor relevância (exceptuando os bens de consumo duráveis, como observámos). Também o IDE não assume uma significativa relevância na economia russa, manifestando até valores consideravelmente baixos ao que seria expectável numa economia dependente. Para compensar esta falta de IDE na Rússia é o Estado que assume um papel importante enquanto dinamizador da economia, utilizando para isso as suas grandes empresas públicas, sobre as quais possui um elevado nível de controlo. Este é um factor comum entre as semi-periferias (Wallerstein 2006, 56-57), todavia contrário aos regimes B-A, como veremos adiante quando analisarmos se a Rússia se encaixa ou não dentro desta classificação. Já os gastos públicos em despesas correntes ainda apresentam níveis mais baixos do que aqueles encontrados no G7. Nos termos de troca, a tendência ao longo dos anos tem sido favorável à Rússia, contrariamente ao que seria de esperar num país dependente. Tal como o próprio peso da dívida pública externa é marginal, ainda que registando um ligeiro crescimento após a crise de 2008 (Trading Economics 2016c). De igual modo, tem-se verificado um aumento das reservas de divisas ao longo do tempo, porém também aqui as consequências da crise de 2008 deixaram a sua marca, levando a uma quebra nestas (World Bank 2016a). Relativamente às ajudas económicas externas, a Rússia passou de país receptor, para um país dador, todavia evidenciando fluxos bastante mais baixos do que aqueles encontrados na média do G7, o que assinala um marco importante na inversão da sua saúde económica no período analisado. Regista-se também um aumento do peso do sector terciário na economia, seguindo a tendência dos países mais desenvolvidos, mas que pode porém estar relacionado com o fenómeno de “dutch disease”. 100 Existe, pois, um esforço e uma evolução a ele associada, no sentido de melhorar a posição da Rússia no sistema-mundo. Para isso o período de 1998-2000 foi fundamental, revelando-se como o ponto de inflexão da sua situação, travando a forte tendência de periferização dos anos de 1990 e potenciando a consolidação do seu lugar enquanto semi-periferia. Ainda que o caminho percorrido desde então tenha sido bastante irregular e contendo em si bastantes fragilidades e contradições, os dados quantitativos aqui analisados dos factores de dependência permitem-nos concluir que se tem registado uma evolução positiva. E isto mantém-se mesmo considerando a forte desaceleração observada após a crise financeira global ocorrida em 2008 e que teve fortes repercussões na Rússia através da queda dos preços do petróleo nos mercados internacionais, levando a uma ulterior situação de estagnação económica neste país. Não obstante, a nossa análise à presente circunstância fica condicionada se se considerar a crise ucraniana após 2014, que veio agravar a situação económica russa e que revelou de uma forma mais evidente as fragilidades económicas deste país. Contudo, este caso distorce também o nosso estudo quanto à evolução económica russa no curto prazo. Não só porque pode encerrar em si os elementos que capacitem as condições para um agravamento da crise existente, como também pode conter aqueles que optimizem as conjunturas e, acima de tudo, a própria estrutura russa. 4.1.2 – As consequências da dependência económica na Rússia e outros dados complementares A crise de 1998 forçou os dirigentes russos ao afastamento das políticas económicas liberais até aí praticadas (Sapir 2002, 2). Posteriormente, a Rússia inicia uma fase de recuperação, cujos factores, apontados por Sapir (2002, 4-6; 2001, 4-7), são os seguintes: 1. Uma política de preços baixos e controlados para os transportes e energia; 2. A desvalorização do rublo, o que levou a ganhos de competitividade das empresas nos mercados mundiais; 3. Ganhos de produtividade no trabalho, em que a capacidade industrial instalada absorveu mais força laboral, alcançando assim maiores economias de escala; 101 4. Regulações forçadas nos fluxos de capital, impedindo assim fugas de capital e especulação económica; 5. As empresas começaram a investir mais no aumento da produção; 6. Melhoria da disciplina de pagamentos nos sectores públicos e privados; 7. Redução do comércio interno de géneros, através de maior liquidez e confiança financeira. Ao mesmo tempo observou-se uma subida nos preços do gás e do petróleo nos mercados mundiais, logo a partir do final de 1999 (Trading Economics 2016a). Acerca deste período Sapir (2013) aПirma que o “Estado voltou […] a chamar a si as responsabilidades, seja de maneira directa ou indirecta”111, quer isto dizer, voltou a assumir uma posição forte na economia do país, intervindo de forma declarada, ao contrário do que havia acontecido anteriormente. Nazet (2007, 65) usa a expressão “quase-mercado” para deПinir a situaхуo que a Rússia passa a viver durante este período. Expressão esta, cuja definição se assemelha com o conceito de “semi-retirada mercantilista”, utiliгado por Wallerstein (1974, 413), que consistia no processo utiliгado quer pela União Soviética, quer pela China após a revolução de 1949, países onde se procedeu a nacionalizações maciças, mas que mantinham relações comerciais com o exterior, mesmo que limitadas. No caso russo, após o ano 2000, a escala de nacionalizações, apesar de não ter sido tão profunda como nos casos anteriores, desenvolveu-se ainda assim em sectores fundamentais e de alto rendimento. Esta ideia acaba por ir ao encontro de outro conceito, utiliгado por Sapir (2013), sobre “arcaiгaхуo”, em que se evidencia “a presenхa do passado no presente”112, onde “elementos arcaicos perduram dentro de um processo de moderniгaхуo”113. Existe o recurso a processos e estruturas antigas para potenciar os processos de modernização. Contudo, Sapir (2013) destaca o paradoxo do arcaísmo/ modernismo, em que “o novo sя se pode desenvolver baseando-se na permanência de elementos mais antiРos”114, pois é impossível modificar toda a estrutura económica e social de uma só vez. Sendo que este procedimento serve também para 111 “L’État s’est donc retrouvé sommé de prendre ses responsabilités, soit de manière directe, soit de manière indirecte.” – tradução própria. 112 “[…] présence du passé au sein même du présent […]”– tradução própria. 113 “[…] ou des éléments archaïques perdurant au sein même d’un processus de modernisation […]”– tradução própria. 114 “Le nouveau ne peut se développer qu’en s’appuyant sur la permanence d’éléments plus anciens.” – tradução própria. 102 atenuar possíveis tensões sociais contrárias, que possam ocorrer aquando do processo de transição. Desta forma, assiste-se a renacionalizações em sectores considerados estratégicos, que envolvem tecnologia avançada e onde o Estado intervém: a aeronáutica, a energia (petróleo, gás e nuclear) – tal como as áreas de produção associadas –, telecomunicações, defesa e o sector automóvel (Sapir 2013; Nazet 2007, 57). Estas áreas são consideradas como fulcrais em termos de segurança nacional e daí a justificação para a presença directa do Estado, sendo financiadas através dos capitais provenientes das rendas das exportações de hidrocarbonetos (Sapir 2013) e cujo acesso por capitais externos está condicionado desde que, em 2005, foi publicada uma lei que restringia esse acesso em 39 actividades económicas consideradas como estratégicas (Nazet 2007, 57). A economia russa passa então a comportar-se dentro dos modelos de capitalismo de Estado (Nazet 2007, 57). Este processo de renacionalização seria acentuado ainda mais após Vladimir Putin assumir o cargo de Presidente da Federação Russa no ano de 2000. Sapir (2013) estima que em 2003 o Estado russo controlasse apenas 20% de todo o sector industrial, tal como 35% das acções de capitalização bolsista de empresas do país, 34% do volume de negócios e 21% do emprego na indústria. Contudo esta percentagem aumenta de forma constante. As restantes grandes empresas que não estão sob o controlo do Estado, encontram-se na posse dos oligarcas fiéis à elite dominante, um grupo financeiro monopolista, com um forte controlo sobre a economia do país (Nazet 2007, 66). Atentemos agora ao crescimento económico russo ao longo do período 19982015 (Figuras 6 e 7). 103 Figura 6: Crescimento do PIB russo. Crescimento do PIB russo (%) Crescimento do PIB russo 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 12 10 8 6 4 2 0 -2 -4 -6 -8 -10 Fonte: World Bank (2016a). Figura 7: Crescimento do PIB e preço médio do petróleo entre 1996-2015. Crescimento do PIB (%) e preço médio do petróleo (USD) 120 100 80 2015 2014 2013 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 60 USD 1996 12 10 8 6 4 2 % 0 -2 -4 -6 -8 -10 40 20 0 Crescimento do PIB Preço médio do petróleo Fontes: World Bank (2016a) e Investing (2016). Na Figura 7 conseguimos perceber a relação existente entre o preço médio do petróleo nos mercados internacionais e o crescimento económico russo. Este gráfico permite-nos observar de forma mais evidente as tendências experimentadas pela 104 economia russa e a proporcionalidade directa com os preços de petróleo. A economia russa apenas regista crescimento positivo quando os preços do petróleo crescem ou se mantém. Por outro lado, observa-se que quando existem quebras no preço do petróleo, como se pode observar em 1998, 2008 e 2015, o crescimento registado é negativo. O que aliás seria espectável numa economia fortemente dependente da exportação de matérias-primas e em particular tão concentrada num único recurso. Este é, aliás, outro aspecto de uma economia orientada para as exportações. Existe uma clara tendência para o seu desenvolvimento económico depender do dinamismo económico dos mercados globais, ou seja, das economias centrais (Cardoso e Faletto 1977, 22). Souza (2007, 24) distingue três fases distintas de crescimento no período de 1999 a 2006. Para o autor existe uma primeira fase entre 1999 e 2000, na qual o crescimento é essencialmente impulsionado pelos ganhos de competitividade do rublo, dada a sua desvalorização na crise precedente. Desta forma o crescimento seria um efeito automático da inflação, que teria reduzido as despesas reais (não-indexadas a moeda estrangeira) da economia russa, ao mesmo tempo que as receitas reais (estas sim indexadas ao exterior) subiam. As importações também sofreram um corte, dada a inflação, o que levou a que acontecesse um excedente nas contas russas. Outra das consequências foi o aumento da produção industrial em vários sectores (Souza 2007, 24-25). Esta fase converge com aquela apresentada por Sapir (2002, 4-6; 2001, 4-7) para o mesmo período. A segunda fase desenvolveu-se entre 2001 e 2006, suportada pela subida dos preços de petróleo, gás e carvão nos mercados mundiais, ao mesmo tempo que se verificava uma subida na produção de petróleo russo. No ano de 2000 os preços tinham voltado a superar a marca de 28 dólares por barril de petróleo, o que significava um forte aumento relativamente ao ponto que havia atingido em 1998. Isto provocou um considerável aumento do valor das exportações russas na sua globalidade, permitindo a arrecadação de receitas importantes, ao mesmo tempo que contribuía para o crescimento da economia russa. O impacto da exportação de petróleo na totalidade das exportações russas passava assim para cerca de 51% (Tabela 3). Estes efeitos verificaram-se ao longo de todo o período entre 2000 e 2006. O processo foi acompanhado por um crescente aumento da produção de petróleo e gás, de forma a satisfazer as necessidades da economia russa (Souza 2007, 26-33). Porém, também o sector industrial continuou a crescer neste período, como por exemplo na produção de maquinaria (Souza 2007, 33105 34). Da mesma forma também do lado do consumo interno a procura aumentou, fomentando assim o crescimento económico. Este crescimento do consumo interno era feito graças à subida dos salários reais e à valorização do rublo (Souza 2007, 34). Todavia, aquilo que caracteriza o crescimento nesta fase é ter sido feito essencialmente com base nas exportações, isto apesar de o consumo possuir um peso cada vez mais importante (Souza 2007, 35) e em particular após o ano de 2000 (Tabela 20). Tabela 20: Peso do consumo privado no PIB. Peso do consumo privado no PIB (%) 1998 2000 2005 2010 2015 Rússia EUA 59,6 46,2 49,4 50,6 51,9 64,9 66 67,2 68,2 68,4 Média G7 58,9 59,1 59,4 60,3 60,0 Diferença com G7 0,7 -12,9 -10,0 -9,7 -8,1 Diferença com EUA -5,3 -19,8 -17,8 -17,6 -16,5 Fonte: World Bank (2016a). Apesar de a Rússia apresentar uma evolução positiva quanto ao peso do consumo privado desde o ano 2000, encontra-se ainda bastante distante das médias do G7, que em 2015 são ainda superiores em 8,1%. A grande importância no crescimento do consumo privado é colocada, pois permite alcançar escalas de produção mais elevadas, em particular num momento em que a tecnologia assim o exige (Santos 1978 [2011], 50). E neste aspecto a Rússia conta com uma população consideravelmente grande quando comparada com os países do G7, exceptuando os EUA, tendo então um potencial considerável de expansão do seu mercado interno (ver Tabela 21). Tabela 21: População (em milhões). População (em milhões) 1998 2000 2005 2010 2015 Rússia Canadá França Alemanha Itália Japão Reino Unido EUA 147,67 146,60 143,52 142,85 144,10 30,25 30,77 32,31 34,01 35,85 60,19 60,91 63,18 65,03 66,81 82,05 82,21 82,47 81,78 81,41 56,91 56,94 57,97 59,28 60,80 126,40 126,84 127,77 128,07 126,96 58,49 58,89 60,40 62,77 65,14 275,85 282,16 295,52 309,35 321,42 Fonte: World Bank (2016a). 106 Sendo que aqui destaca-se também a tendência decrescente registada pela Rússia entre 1998 e 2008 (World Bank 2017), que coloca sérios problemas no desenvolvimento do país e na sua mão-de-obra disponível, mesmo considerando a inversão desta tendência. Por fim, temos a terceira fase, que se desenvolve após 2006, em que o crescimento da economia russa é baseado essencialmente no investimento. O investimento alcança os cerca de 22% do PIB e entre 2006 e 2007 a Rússia experimentou fluxos de capitais positivos e crescentes, algo que até aí não havia acontecido. Continuou também a verificar-se um aumento no preço do petróleo, contribuindo assim para a acumulação de mais divisas e para o crescimento da economia. Os gastos públicos também aumentaram durante este período (Souza 2007, 35-36). Souza (2007, 39) afirma que a Rússia afigurava encaminhar-se para um modelo de crescimento mais sustentável, baseado num maior investimento interno e externo. Mas em 2008 uma nova crise financeira é despoletada no mundo e a Rússia é novamente atingida de forma violenta. Os efeitos da crise na economia russa fazem-se sentir principalmente no ano seguinte, levando a uma quebra de 7,8% no PIB, isto apesar de em 2008 já ter sido verificada uma desaceleração da economia de 8,5% em 2007 para 5,2% (World Bank 2016a). Contudo, graças às largas reservas de divisa estrangeira acumuladas ao longo dos últimos anos de excedente fiscal, a intervenção do governo russo considera-se ter sido bem sucedida em evitar um impacto maior (Sutela 2010, 3-4). Mesmo assim os efeitos de curto prazo fizeram-se sentir essencialmente por três formas diferentes: sob a forma de queda nos preços das exportações, através de um recuo no volume de exportações e pela retirada de capitais externos investidos no país (Sutela 2010, 4). Mais uma vez, o preço do petróleo, juntamente com o do gás, seria o grande responsável pela quebra no valor das exportações russas. Após o pico do preço do petróleo registado no final de 2008, em que alcançou os 145 dólares por barril, o seu valor passa rapidamente para a casa dos 30 dólares por barril no final de 2009 (Trading Economics 2016a). É necessário também registar o fluxo negativo de capitais verificado neste período, onde cerca de 148 mil milhões de dólares saíram do país (Sutela 2010, 5). Para além da utilização das reservas de divisas, outra das soluções encontradas foi a gradual desvalorização do rublo, ainda no final de 2008, o que foi visto como uma resposta necessária, já que as exportações iriam sofrer uma quebra acentuada na segunda metade de 2008 (Sutela 2010, 6). Mesmo assim em 2010 a Rússia voltaria a crescer a 4,5% (World Bank 2016a). 107 Este crescimento continuaria a verificar-se até 2014, não obstante ser possível observar uma clara tendência da economia russa: a constante desaceleração do crescimento económico. Se em 2010 a Rússia cresceu 4,5%, em 2011 cresceria 4,3%, em 2012 esse valor seria de 3,4%, em 2013 o crescimento cairia para 1,3% e em 2014 para apenas 0,6% (World Bank 2016a). Durante este período o preço do petróleo oscilaria, geralmente, entre os 80 e os 100 dólares por barril, verificando-se apenas uma nova quebra significativa no preço do petróleo em meados de 2014 (Trading Economics 2016a). Apesar do crescimento, o ano de 2014 foi marcado por mais uma crise que afectou a economia russa. A crise teve uma dupla origem e cujas causas ocorreram sensivelmente no mesmo espaço temporal: a acentuada descida dos preços do petróleo a partir de Julho até Dezembro de 2014; e o conflito geopolítico ucraniano com as tensões resultantes do envolvimento da Rússia, de onde derivam sanções aplicadas a esta (World Bank 2015, iii). As soluções empregues pelo governo russo foram, mais uma vez, a desvalorização do rublo, através da liberdade de flutuação da moeda nos mercados de câmbio, porém não antes de tentar controlar estes fluxos através do gasto de cerca de 30 mil milhões de dólares das suas reservas (World Bank 2015, 9-10). O livre fluxo da taxa de câmbio foi fortemente influenciado pelas flutuações do preço do petróleo, tendo tendência para as acompanhar, reflectindo-se assim numa elevada desvalorização da moeda (World Bank 2015, 9). Outra medida posta em prática foram as aplicações de dinheiro das reservas de divisas, de forma a compensar as saídas de capital para fora do país (World Bank 2015, 10). Estas saídas de capitais cifraram-se na ordem dos 130 mil milhões de dólares durante 2014 (World Bank 2015, 12-13). Quanto às sanções aplicadas de forma multilateral, os seus efeitos são ainda difíceis de quantificar (World Bank 2015, 41). Várias tentativas têm sido feitas para compreender os impactos directos e indirectos das sanções sobre a economia russa. Contudo, vários problemas metodológicos dificultam a tarefa de perceber qual o seu real impacto (World Bank 2015, 34). Em resposta a estas sanções a Rússia aplicou o seu próprio conjunto de sanções, banindo vários produtos de países ocidentais (World Bank 2015, 36; Johnston 2015). Porém, apesar dos problemas atrás identificados, podemos observar que as sanções atingiram a economia russa de três maneiras diferentes. A primeira foi a crescente volatilidade do rublo nos mercados internacionais, dados os fluxos de capitais negativos (World Bank 2015, 37-38). A segunda foi o aumento das restrições impostas à Rússia no acesso aos mercados financeiros internacionais, o que já se observava ainda antes do surgimento das tensões geopolíticas (World Bank 2015, 108 38). E por fim, o agravamento da queda da confiança dos consumidores e dos negócios a nível interno, que levou a uma descida no consumo e no investimento (World Bank 2015, 39-41). Para além disto, destacam-se também as restrições à aquisição de tecnologia externas (World Bank 2015, 37), que também era uma das limitações ao desenvolvimento estrutural apontadas por Santos (2011 [1978], 375). Ainda assim, e tendo em conta o decréscimo relativo a 2010, a evolução do crescimento económico russo durante o período 1998-2015 é observável na evolução do seu PIB quando comparado com os países do G7 e os EUA em particular, como demonstrado pela Tabela 22. Tabela 22: PIB real (em milhares de milhões de USD a preços correntes de 2016). PIB real 1998 2000 2005 2010 2015 Rússia Canadá França Alemanha Itália Japão 271,0 259,7 764,0 1524,9 1326,0 1510,8 1368,4 2203,7 2647,0 2421,7 2243,2 1950,0 2861,4 3417,3 3355,8 1226,8 1142,2 1853,5 2126,7 1814,8 3914,6 4731,2 4571,9 5495,4 4123,3 631,4 739,5 1164,1 1614,0 1550,5 Reino Unido 1537,1 1554,8 2418,9 2403,5 2848,8 EUA 9089 10285 13094 14964 17947 Fonte: World Bank (2016a). E aqui de facto nota-se a forte evolução registada pela Rússia desde 1998, multiplicando cinco vezes o seu PIB entre 2000 e 2015. Como nota de comparação os EUA multiplicam o seu PIB duas vezes. Contudo, este grande crescimento russo é apenas resultado da forte quebra registada ao longo dos anos 90 e, como já foi referido anteriormente, o crescimento económico tem sofrido desde 2010 uma constante desaceleração e até recessões (Figura 6). Olhando para o PIB per capita russo, ou seja, a riqueza média produzida por cada cidadão russo, e comparando com a média do G7 e com os EUA, conseguimos tirar mais conclusões acerca da produtividade de cada uma das economias (Tabela 23). Tabela 23: PIB real per capita (USD a preços correntes de 2016). PIB real per capita Rússia EUA Média G7 1998 2000 2005 2010 1835 1772 5324 10675 36450 36450 44308 48374 27057 27204 36817 42202 109 Diferença com G7 -25222 -25432 -31493 -31527 Diferença com EUA -34615 -34678 -38984 -37699 2015 9057 55836,8 40373 -31316 -46779,8 Fonte: World Bank (2016a). Aqui destaca-se claramente a menor produção de riqueza média evidenciada por cada cidadão russo, quando comparado com o que acontece no G7. A diferença em relação à média do G7 é de cerca de quatro vezes menor e relativamente aos EUA é de cerca de cinco vezes e meia. Esta diferença é o espelho de uma economia com uma capacidade de criar valor acrescentado consideravelmente menor do que os países mais desenvolvidos, situando-se bem atrás destes na escala de criação de valor. Isto é um claro sintoma dos factores de dependência económica externa analisados anteriormente. Para além disso a Rússia é um país com fortes assimetrias sociais, o que aliás é também uma característica mais acentuada em países periféricos e semi-periféricos. Olhando para a Tabela 24, que nos mostra a renda dos 20% mais ricos e dos 20% mais pobres, percebemos um pouco mais acerca de como se encontra distribuída a riqueza nos países observados. Tabela 24: Renda dos primeiros 20% e dos últimos 20% da população (percentagem do total)115. Renda do top 20% Rússia EUA Média G7 1998 2000 2005 2010 2013 Renda dos últimos 20% 1998 2000 2005 2010 2013 44,6 43,7 47,8 47,4 48,3 Rússia s.d.116 46,1 46,0 45,8 46,4 EUA s.d. s.d. 41,5 41,5 41,6 Média G7 6,2 6,4 5,8 5,8 5,9 s.d. 5,4 5,2 5,1 5,1 s.d. s.d. 6,2 7,0 7,0 Diferença com G7 s.d. s.d. 6,3 5,9 6,7 Diferença com G7 s.d. s.d. -0,4 -1,2 -1,1 Diferença com EUA s.d. -2,4 1,8 1,6 1,9 Diferença com EUA s.d. 1 0,6 0,7 0,8 Fonte: World Bank (2016a). Podemos constatar que na Rússia houve um aumento da concentração de rendas nos 20% mais ricos da população, tendo subido 3,7% entre 1998 e 2015 em relação ao total 115 Sem dados para algumas das médias aqui calculadas. 116 S.d. = Sem dados. 110 da população, o que demonstra uma tendência para a acumulação e concentração de riqueza nas camadas socioeconómicas mais elevadas. Nos EUA e na média do G7 esta tendência de concentração de riqueza ao longo do tempo é menos significativa, tendo crescido 0,3% no primeiro (2000-2015) e 0,1% no segundo (2005-2015). Desta forma a Rússia vê a sua diferença relativamente aos EUA passar de -2,4% em 2000 para 1,9% em 2015. Enquanto em relação à média do G7 essa diferença passa de 6,3% em 2005 para 6,7% em 2015. Isto significa que é na Rússia que essa concentração de riqueza se processa de forma mais acelerada, quando comparada com os países do centro. Por outro lado, os rendimentos obtidos pelos 20% mais pobres, desenvolvem na Rússia e nos EUA uma tendência decrescente no seu percurso temporal, sendo que na primeira descem 0,3% entre 1998 e 2015 e no segundo também descem 0,3% entre 2000 e 2015. Na média do G7 o rendimento obtido pelos 20% mais pobres sobe 0,8% entre 2005 e 2015. Desta forma a diferença da Rússia em relação aos EUA passa de 1% em 2000 para 0,8%, o que significa que a Rússia possui uma distribuição de rendimentos nos 20% mais pobres mais elevada do que os EUA, mesmo que essa relação esteja a diminuir. Quando comparada com o G7 essa relação é desfavorável à Rússia, onde a diferença passa de -0,4% em 2005 para -1,1% em 2015, mostrando assim que os 20% mais pobres na Rússia não possuem uma distribuição de rendimentos tão elevada, em termos percentuais, como na média do G7. Um outro dado que nos pode ser útil é o índice de GINI, utilizado para medir a desigualdade na distribuição de rendimentos, onde valores mais altos significam maior desigualdade social. Tabela 25: Índice de GINI. Índice GINI Rússia EUA Média G7 1998 2000 2005 2010 2013 38,1 37,1 41,4 40,9 41,6 s.d. 40,5 40,6 40,5 41,1 s.d. s.d. 34,6 34,3 34,4 Diferença com G7 s.d. s.d. 6,9 6,6 7,2 Diferença com EUA s.d. -3,4 0,8 0,4 0,5 Fonte: World Bank (2016a). Observamos a este respeito que a desigualdade de rendimentos tem sofrido um crescimento na Rússia desde 1998, tal como nos EUA, tendo descido apenas ligeiramente na média do G7. Estas duas tabelas aqui mostradas anteriormente, 111 confirmam também aquilo que os teóricos do imperialismo e da dependência, principalmente aqueles inspirados por Marx, estabelecem ser o processo de acumulação de capital (Luxemburgo 1951 [1913], 39; Wallerstein 1993, 3), sendo aqui evidenciado o seu reflexo nas classes sociais dos países analisados. Importante ter em conta é também o desenvolvimento humano que se regista nestes países, sendo este aspecto um reflexo do desenvolvimento de uma sociedade. Usamos para isso o Índice de Desenvolvimento Humano, como indicador que mede esta mesma questão. Este indicador, apesar das críticas que lhe são apontadas sobre fundamentar-se em modelos padrão de desenvolvimento ocidentais (Bawa e Seidler 2009, 32-33), torna-se ainda assim importante para perceber em que posição se situa a Rússia no sistema-mundo onde esses padrões imperam. Tabela 26: Índice de Desenvolvimento Humano. Índice de desenvolvimento humano 2000 2005 2010 2014 Rússia EUA Média G7 Diferença com G7 Diferença com EUA 0,717 0,750 0,783 0,798 0,883 0,897 0,909 0,915 0,858 0,877 0,894 0,900 -0,141 -0,127 -0,111 -0,102 -0,166 -0,147 -0,126 -0,117 Fonte: United Nations Development Programme (2016a). Neste ponto a Rússia situa-se num patamar que pode ser designado como de desenvolvimento humano alto (United Nations Development Programme 2016b). Já no caso dos EUA e da média do G7, estes países são considerados países com um desenvolvimento humano muito alto (United Nations Development Programme 2016b). Observando outros factores relacionados, como por exemplo a esperança média de vida, a mortalidade infantil, o índice de educação ou taxa de desemprego, conseguimos ter uma visão mais aprofundada dos aspectos sociais nestes países. Tabela 27: Esperança média de vida (anos). Esperança média de vida Rússia EUA Média G7 1998 2000 2005 2010 67 65 65 69 77 77 77 79 78,4 78,9 79,7 81,0 112 Diferença com G7 -11,4 -13,9 -14,7 -12,0 Diferença com EUA -10 -12 -12 -10 2014 70 79 81,6 -11,6 -9 Diferença com G7 15,7 15,1 9,4 6,0 5,1 Diferença com EUA 14 13 7 4 3 Fonte: World Bank (2016a). Tabela 28: Mortalidade infantil por mil nascimentos. Mortalidade infantil por 1000 nascimentos 1998 2000 2005 2010 2014 Rússia EUA Média G7 21 20 14 10 9 7 7 7 6 6 5,3 4,9 4,6 4,0 3,9 Fonte: World Bank (2016a). Tabela 29: Índice de Educação. Esperança média de vida Rússia EUA Média G7 1998 2000 2005 2010 2014 67 65 65 69 70 77 77 77 79 79 78,4 78,9 79,7 81,0 81,6 Diferença com G7 -11,4 -13,9 -14,7 -12,0 -11,6 Diferença com EUA -10 -12 -12 -10 -9 Diferença com G7 5,2 3,5 0,1 -0,6 -2,1 Diferença com EUA 8,7 6,5 1,9 -2,4 -1,1 Fonte: United Nations Development Programme (2016a). Tabela 30: Taxa de desemprego. Taxa de desemprego (%) Rússia EUA Média G7 1998 2000 2005 2010 2013 13,3 10,6 7,1 7,3 5,1 4,6 4,1 5,2 9,7 6,2 8,1 7,1 7,0 7,9 7,2 Fonte: World Bank (2016a). Percebemos que em todos estes indicadores a Rússia se encontra consideravelmente atrás de todos os países considerados desenvolvidos, exceptuando na taxa de desemprego. Ainda assim regista uma evolução em todos estes indicadores, diminuindo a sua distância às economias mais desenvolvidas. A dimensão comunicativa é relevante para qualquer análise que se debruce sobre a estrutura económica e social de um dado país. É reconhecida a capacidade do 113 investimento em transportes e comunicações – infraestruturas em geral117 – de estimular o crescimento económico e produtividade de qualquer país a longo prazo, sendo estes dois últimos factores claramente mais desenvolvidos onde as infraestruturas também o são. Isto acontece não só porque os investimentos em infraestruturas geram um impacto directo sobre o crescimento do PIB e postos de trabalho daí resultantes, mas também porque ajudam a reduzir custos de produção, alargam a área de recrutamento de trabalhadores, aumentam a competitividade e o fluxo de investimento, ajudam a reorganizar o uso do território e promovem a expansão do desenvolvimento a locais previamente inacessíveis (Ernst & Young 2014, 9). Mas só é possível desenvolver meios de comunicação e transporte avançados, assim como manter elevados níveis de investimento em infraestruturas, se se possuir relações de produção também elas de última geração, o que significa que é necessária uma elevada capacidade de produção industrial (Galtung 1971, 92). Ou seja, apenas os países mais desenvolvidos têm a capacidade de desenvolver, produzir e utilizar as infraestruturas mais avançadas, destacando-se assim dos restantes que não possuem a mesma capacidade, numa clara relação de natureza vertical existente na divisão do trabalho internacional na área comunicativa e dos transportes (Idem, ibidem). Galtung destaca também a natureza típica das estruturas de interacção feudal reflectidas neste campo (Idem, ibidem). O resultado é uma estrutura onde o centro possui ao seu dispor os mais avançados meios de comunicação/ transporte, ao passo que a periferia apenas tem acesso a meios de gerações mais atrasadas, muitas vezes em segunda mão (Idem, ibidem). Importa então esclarecer qual a situação russa neste âmbito e como esta influencia a sua interacção no sistema-mundo. A extensão territorial da Rússia possui uma influência negativa sobre o desenvolvimento das infraestruturas ao dispor da população, dada a necessidade de ter acessos que permitam alcançar territórios muitas vezes remotos. Esta necessidade é ainda mais vigente quando as maiores zonas de extracção mineira e petrolífera russas se encontram em zonas também elas remotas e às quais é necessário aceder e tornar o fluxo de matérias e pessoas possível. Estas distâncias incorrem num aumento do custo de produção que pode em alguns casos chegar aos 30%, tornando assim as empresas que operam nestas regiões menos eficientes e capazes de competir no mercado global (Gazprombank 2014, 20). 117 Toma-se aqui por infraestruturas aquilo que inclui estradas, caminhos-de-ferro e metros, portos, oleodutos e gasodutos, aeroportos, rede de distribuição energética, telecomunicações e outras estruturas de utilidade pública. 114 As limitações à mobilidade na Rússia assumem assim um carácter consideravelmente maior do que nos países mais desenvolvidos, sendo este um elemento limitador ao próprio desenvolvimento económico russo (Idem, ibidem). O legado de infraestruturas deixado pela URSS, apesar de estar longe do ideal, era considerado razoavelmente capaz de suprir as necessidades então existentes. Contudo, 20 anos de desinvestimento em infraestruturas provocaram sérias limitações118, levando à sobreutilização das infraestruturas, ao envelhecimento destas e consequente diminuição das velocidades médias de transporte (Gazprombank 2014, 21). Por exemplo, calcula-se que em 2013 o comprimento total de pontos de estrangulamento na via ferroviária russa se situasse em cerca de 8100 Km (9,4% do total de ferrovias), aumentando este valor a uma média de 500 Km por ano (Gazprombak 2014, 36). Também a rede de distribuição energética alcançou um nível de obsolescência bastante avançado, onde 50% de toda a rede ultrapassou o seu tempo máximo de vida, ou as redes de distribuição de aquecimento e de água, onde as perdas se situam em 30% e 60% respectivamente (Gazprombank 2014, 48-50). Este tipo de ocorrências possui sérias consequências no transporte de mercadorias assim como no seu custo final e na economia em geral, especialmente se tivermos em conta que os caminhos de ferro são o principal meio de transporte de mercadorias. Por outro lado, avalia-se que uma diminuição dos custos de transporte a nível geral em 10%, provoca um aumento de 0,12% do PIB (Gazprombank 2014, 37). Na Rússia, o único sector dos transportes que se considera estar abaixo do nível máximo de utilização é o dos portos, situando-se a sua utilização em 75% da capacidade máxima (Gazprombank 2014, 44). Olhando para a Figura 8 podemos ver quais os principais meios de transporte utilizados para transportar mercadorias na Rússia. 118 O investimento em infraestruturas até meados dos anos 2000 situava-se em cerca de 1%, muito abaixo dos 3% recomendados (Gazprombank 2014, 21). 115 Figura 8: Distribuição do transporte de carga por tipo de meios de transporte. Distribuição do transporte de carga por tipos de meios de transporte 50 45 40 35 30 % 25 20 15 10 5 0 46,75 45 Gasodutos/Oleodutos Caminho-de-ferro 4,95 3,3 Estrada Mar Fonte: Gazprombank (2014, 35 e 46). E na Figura 9 podemos ter uma visão mais esclarecedora sobre o investimento existente em infraestruturas em vários países. Figura 9: Investimento em infraestruturas relativamente ao PIB119. Investimento em infraestruturas 9 8 8 7 6 6 % do PIB 5 4 3 3 2,6 2,8 2,9 3 3,3 3,4 2 1 0 Russia Japan Germany France USA United Canada Kingdom India China Fonte: Gazprombank (2014, 22). 119 O valor relativo ao investimento em gasodutos e oleodutos na Rússia é de 0,7%, sobrando assim 2,3% para os restantes sectores. 116 Observa-se que a Rússia realiza um investimento anual muito semelhante àquele encontrado em países desenvolvidos. Contudo é necessário destacar que a Rússia possui uma necessidade maior de investimento dada a situação de obsolescência das suas infraestruturas e que uma importante fatia desse investimento é centrada em gasodutos e oleodutos. Existe então uma necessidade de investimento nas infraestruturas na Rússia, de forma a potenciar o seu desenvolvimento. Para isso estão em curso desde 2010 planos para uma forte aposta neste sector. Mas o fraco desempenho económico nos últimos anos tem colocado entraves à plena implementação dos programas previstos, dado o declínio no orçamento de Estado120. Prevê-se, ainda assim, um aumento absoluto nos gastos até 2020, todavia também uma queda em relação ao PIB, passando de cerca de 1,508 triliões de rublos em 2010 (3,3% do PIB), para 2,43 triliões de rublos em 2020 (2,2% do PIB). Estes projectos incluem não só a modernização das infraestruturas existentes, como a sua expansão e criação de novas, como é o caso do projecto da Linha de Alta-Velocidade Moscovo-Kazan, modernização das infraestruturas na Crimeia, construção de vários portos, expansão dos metros, construção de novas autoestradas, caminhos-de-ferro, oleodutos e gasodutos, telecomunicações, entre outros (Gazprombank 2014). Os gasodutos e oleodutos adquirem uma especial importância no poder desempenhado pela Rússia no sistema-mundo, daí o seu peso no sector das infraestruturas e no investimento que é feito nestas. Estas estruturas permitem-lhe recolher o petróleo e gás natural produzidos em vários dos países da Ásia Central, para que posteriormente se juntem à sua produção interna e sejam processados internamente, para de seguida redistribuir nas regiões que lhe importam estes produtos, sejam eles a Europa ou a China (Egiazarian 2013, 66-68). É devido a esta aposta estratégica que a Rússia possui o domínio do trânsito de gás natural e petróleo 121 naquela região do mundo, mesmo que não detenha o monopólio (Idem, ibidem), assegurando assim uma posição de grande força no sector energético a nível mundial. Este é, ainda assim, um 120 Estima-se que a participação Estatal directa no investimento em infraestruturas de transportes se tenha cifrado em 54% em 2014, chegando a 98% se incluirmos as empresas públicas, sendo os restantes 2% relativos a investimento privado. E em 2020 calcula-se que o investimento directo do Estado chegue a 65%, mais 31% relativo às empresas públicas, totalizando assim 97%, onde os restantes 3% serão relativos a investimento privado (Gazprombank 2014, 26). 121 No caso do petróleo o domínio russo é menor. 117 relacionamento na cadeia de produção e no sistema-mundo típico das semi-periferias, servindo de intermediária nas relações entre a periferia e o centro. No que toca a telecomunicações a Rússia tem tido um forte crescimento desde os anos 2000 (Eurasian Development Bank 2010, 9). Em relação à internet, por exemplo, apesar de se ter encontrado consideravelmente atrasada relativamente aos países mais desenvolvidos, entre 2010 e 2015 a taxa de penetração da internet na Rússia passou de 37% para 70% (East-West Digital News 2016). A importância da internet é demonstrada por dados da OCDE, segundo a qual por cada 10% de penetração de internet de banda larga num dado país, há um acréscimo de 1,5% ao seu PIB (Gazprombank 2014, 49). Em relação a redes móveis de comunicação em 2006 já possuía uma taxa de utilizadores superior a 105% (Eurasian Development Bank 2010, 12). Estes são sectores de alta tecnologia e portanto de utilização intensiva de capital. E dada a sua rápida obsolescência, requerem actualizações ou substituição a cada 5-7 anos (Gazprombank 2014, 49). Por isso os projectos nesta área devem ser constantes, acompanhando a evolução tecnológica no sector. Importa também aqui incluir a capacidade de desenvolvimento e utilização de comunicações por satélite. Este tipo de meio de comunicação adquire uma especial relevância no caso russo, onde a necessidade de chegar a zonas remotas e de baixa densidade habitacional faz com que se torne mais económico de utilizar quando comparado com redes terrestres convencionais, como os cabos de cobre ou fibra óptica (Eurasian Development Bank 2010, 36). Estas limitações são, afinal, a principal razão de a Rússia se encontrar na periferia dos principais “nяs” de comunicaхуo Рlobal, num Пenяmeno denominado de “Asian Рap” (Eurasian Development Bank 2010, 30). De momento a Rússia, apesar de ainda possuir um número de satélites baixo, quando comparada com os EUA ou a Europa, olha para esta área como fundamental para o seu desenvolvimento. E para isso contribui a autonomia bastante significativa que apresenta, relativamente a outros países, dada a sua capacidade própria de produção de satélites, assim como o seu transporte para o espaço, estando previsto um forte crescimento no sector (Eurasian Development Bank 2010, 37). Exemplos marcantes da capacidade russa nesta área são o seu sistema de posicionamento global, de nome GLONASS e actualmente em operação; e o sistema de comunicações pessoais de órbita baixa Gonets (Eurasian Development Bank 2010, 37-38). 118  Resumindo este tópico, verifica-se então que o período de 1998-2015 é caracterizado por várias fases. Contudo, aquilo que o caracteriza de forma mais genérica é, como foi dito acima, a estabilização política (que abordaremos de forma aprofundada na dimensão da dependência sociopolítica) e económica do país, especialmente se comparado com o período anterior. Neste novo período destaca-se essencialmente: o ressurgimento de uma forte presença do Estado na economia, em particular num grupo de sectores considerados estratégicos; uma crescente dependência nas receitas da exportação de matérias-primas, em particular o petróleo e a consequente fragilidade associada à volatilidade dos seus preços nos mercados mundiais, havendo apenas uma ligeira descida nos últimos anos; a incerteza quando à duração das reservas de petróleo russas (Clemente 2016; Russia Today 2016b); a consequente dependência destas receitas por parte do Estado para poder investir na economia; uma diminuição do contributo das matérias-primas para o PIB; houve um aumento do consumo privado face ao PIB, porém a níveis ainda inferiores aos de 1998 e distantes da média do G7; de 1998 a 2008 houve um forte decréscimo populacional; a Rússia exibe fortes assimetrias na distribuição de rendimentos e com uma tendência crescente; o seu IDH tem verificado uma evolução positiva bastante significativa desde o ano 2000. No que toca às suas infraestruturas a Rússia surge como um país capacitado de uma relativamente desenvolvida rede de infraestruturas, mas possuindo também sérias limitações. Não só a sua extensão territorial é um importante elemento condicionador, como o acelerado estado de obsolescência e insuficiência das suas infraestruturas, potenciam um embaraço à economia russa, cujos escassos investimentos projectados não parecem ser suficientes para ultrapassar. Para além disso, o investimento russo nesta área encontra-se bastante concentrado nos tão necessários gasodutos e oleodutos, que transportam o principal recurso exportado pelo país, mas postergando os investimentos noutros tipos de infraestruturas também fundamentais. Como aposta de futuro estratégica na área das telecomunicações destacam-se as comunicações por satélite, onde a capacidade tecnológica russa poderá ser um importante pilar de afirmação, em particular num meio que oferece tantas possibilidades num país com uma extensão tão grande e com consideráveis áreas remotas. Tendo em conta todos os dados analisados ao longo da abordagem económica aqui realizada, concluímos que a Rússia possui um grau de desenvolvimento claramente inferior àquele verificado nos países do centro. Registando, por consequência, aquilo 119 que os autores dependentistas designam por dependência face a estes países. Também se descarta a Rússia de ser uma periferia a nível económico dada a sua mistura de processos mais “avanхados” com outros mais “atrasados”, como é reПleбo da sua estrutura produtiva, onde conjuga uma relativa dependência da exportação de matériasprimas, com um sector industrial significativo, mas não sendo fundamentalmente de alta tecnologia (ainda que também opere neste sector). Outros indicadores socioeconómicos aqui analisados também nos permitem excluir a Rússia da classificação de país periférico, como é o caso do seu Índice de Desenvolvimento Humano ou o Índice de Educação, que a colocam em posições acima da média. A tendência observada ao longo do período analisado demonstra uma ligeira evolução da sua situação, assim como uma diminuição da sua diferença relativamente ao centro. O resultado expressa-se numa melhoria da condição da Rússia no sistema-mundo em termos socioeconómicos, ocupando uma posição semi-periférica na escala de produção de valor. Assumindo uma função de produtora de bens semi-processados dentro do sistema-mundo, recebendo para isso os processos de produção obsoletos nos países centrais, uma vez que se encontra atrás do centro em termos tecnológicos, contudo à frente da periferia se considerarmos a sua posição no Índice de Inovação Global (Cornell University et al 2016, 20). 4.2 – Dependência sociopolítica e cultural. A dependência é uma manifestação interna das dinâmicas imperialistas nos países pertencentes ao sistema-mundo, mas também com implicações ao nível externo. Esta vinculação aplica-se, igualmente, aos fenómenos da dependência política e cultural. Para Galtung (1971, 92), esta relação apresenta também semelhanças àquelas encontradas na divisão internacional do trabalho, existindo nações que produzem decisões (centro) e outras que as recebem e providenciam obediência (periferia). Compreender esta relação é fundamental para determinar o posicionamento de uma região no sistema-mundo e a forma como interage dentro dele. Conceitos como “desenvolvimento” e “moderniгaхуo” sуo parte desta relaхуo, servindo como padrões geoculturais definidos pelo centro para que a periferia siga e imite, sem contudo alguma vez desafiar a posição do centro dentro do sistema (Idem, ibidem). Este tipo de conceitos, onde também podemos incluir os conceitos de “democracia” ou “direitos 120 humanos”, servem para Пundamentar um estatuto de leРitimidade por parte do centro dentro do sistema. Para interpretar a globalidade do fenómeno temos, primeiramente, de analisar as ocorrências internas e apenas posteriormente é possível partir para a análise interrelacional e sistémica. Tendo isto em mente, trataremos aqui das manifestações directamente internas da dependência russa, nomeadamente daquelas relacionadas com a dependência cultural e com os reflexos da dependência política russa a nível doméstico, para no tópico seguinte passarmos para o estudo das relações externas da Rússia no sistema-mundo. 4.2.1 – Dinâmicas da dependência cultural russa A dependência cultural é resultado do imperialismo cultural imposto pelos países desenvolvidos do centro, de onde, através das dinâmicas comunicacionais e dos canais por elas criados, se propagam tendências culturais por intermédio de um efeito de demonstração, que assume características em muito semelhantes àquelas evidenciadas na divisão do trabalho internacional. Neste caso, a divisão encontra-se entre aqueles que ensinam e aqueles que aprendem, mas como GaltunР distinРue “nуo é a divisуo do trabalho em si […] que constitui o imperialismo, mas a localiгaхуo dos proПessores e dos aprendiгes”122 (1971, 93). Nesta relação, os professores seriam providenciados pelo centro, ao passo que os aprendizes seriam providenciados pela periferia. Mas a relação de dominação não se fica por aqui, não só existe esta clara distinção entre a localização de professores e aprendizes, como também é o centro que define aquilo que deve ser ensinado, as tendências culturais em vigor (teorias, tecnologia, ideologia, modas, etc), assim como o planeamento da obsolescência destas mesmas tendências. Tudo isto ao mesmo tempo em que a periferia procura seguir o modelo do centro, como forma de agradar a este (Idem, ibidem). Existe, portanto, um efeito de demonstração quase unidireccional, e daí a constante diferença temporal existente entre a estrutura cultural periférica e a central nestes domínios. Se, porventura, a periferia ousa inverter esta relação, a resposta do centro exibe-se, muitas vezes, sob uma forma agressiva, na 122 “[…] it is not the division of labor as such […] that constitutes imperialism, but the location of the teachers, and of the learners […]” – tradução própria. 121 procura de defender o seu modelo de qualquer contestação que o coloque em causa (Idem, ibidem). Isto porque, quando a periferia aceita a transmissão cultural providenciada pelo centro, não só valida a cultura com origem neste, como aceita a sua hegemonia, ajudando a afirmar e reforçar a posição hegemónica do centro e a diferença existente entre ambos (Idem, ibidem). Portanto, qualquer recusa ou tentativa de inversão relativamente aos fluxos culturais por parte da periferia face ao centro, constitui uma directa contestação da posição hegemónica deste último, sendo então encarada por este como uma ameaça à sua própria posição dentro da estrutura. Aquando da nossa análise à fase histórica russa de 1991-1998, tal como veremos quando abordarmos a dependência política russa, destacou-se o peso directo que a influência norte-americana teve na direcção política tomada pela Rússia ao longo dos anos de 1990. Em particular através do uso das “legiões de missionários e evanРeliгadores políticos” (Cohen 2000), que procuravam disseminar as suas perspectivas ideológicas numa Rússia em transição. Este tipo de transmissão adquire não só uma fisionomia política, se tivermos em consideração o seu objectivo, mas também um formato cultural, quando considerado o processo em que decorreu. A relação desenvolveu-se numa nítida relação entre professor e aprendiz, onde a elite dos EUA definia o que a elite e as restantes massas da Rússia deviam aprender, tal como procedia à transferência desses conhecimentos. Do outro lado, havia na Rússia, ou pelo menos por parte das suas elites, uma clara intenção de adquirir os conhecimentos transmitidos e colocá-los em prática, daí a colaboração entre as duas partes, como também já vimos atrás e como aprofundaremos à frente. Observava-se assim um processo no qual a elite da Rússia se submetia à vontade e à hegemonia ditada pelo centro, ao qual se encontrava agora subordinada, validando assim a posição dos EUA como única superpotência global, em claro contraste com o que ocorrera ao longo da Guerra Fria. Porém, a deriva que Vladimir Putin representou, ao não cumprir com as espectativas inicialmente previstas pelas elites que o haviam escolhido como sucessor de Boris Yelstin, como já abordámos, colocou em causa a relação previamente existente de transmissão cultural entre centro e periferia, mesmo que não tenha invertido ou sequer completamente acabado com esta. Ainda assim, passa a existir uma tentativa de diminuir e limitar o fluxo provindo do centro, ao mesmo tempo que a Rússia procura seguir um caminho mais autónomo do que aquele até aí trilhado. Esta alteração de 122 relações coloca assim em causa a própria posição do centro dentro da estrutura global, pois existe uma contestação à sua posição enquanto elemento dominante. Se os EUA e o Ocidente se procuram afirmar enquanto promotores do seu modelo geocultural123 no mundo baseado nos valores liberais (Wallerstein 2007, 23) e, nomeadamente, no seu modelo de democracia, capitalismo, direitos humanos, entre outros, a mudança de rumo evidenciada na Rússia veio colocar um freio à sua implementação internamente ou, pelo menos, dentro dos modelos propostos pelo centro. O resultado disto espelha-se no debate e na indefinição geral ainda existente na Rússia acerca da sua identidade e ideias nacionais, que orientem não só a sua sociedade internamente, mas também a sua percepção do mundo e da sua posição neste (Karaganov in Likhacheva e Makarov 2014, 5). Este debate e indefinição na sociedade russa são fruto da rejeição, por parte da sua elite, não só do modelo soviético anteriormente seguido, mas também do modelo Ocidental, gerando assim um vazio que importa preencher. A posição geográfica da Rússia, tal como o seu passado, desempenham aqui papéis fundamentais na construção de uma nova identidade. Contudo, as perspectivas existentes em cima da mesa, apesar de procurarem evocar aspectos diferentes da História russa, possuem pontos comuns entre si. As características mais evidentes desta identidade russa e que as várias partes em debate procuram afirmar, fundamentam-se essencialmente no tradicionalismo, conservadorismo, independência e autonomia (Likhacheva e Makarov 2014, 21-24). Dos cinco debates predominantes existentes124 apenas um propõe uma aproximação aos valores Ocidentais, sendo que os restantes apontam para caminhos que divergem destes, uns de forma mais aprofundada, outros menos, contudo a tendência é clara. O que significa que existe uma clara divergência e assumida por uma grande parte da sociedade, relativamente aos valores propalados pelo centro, procurando uma afirmação própria e autónoma. 123 Wallerstein (2007, 23) deПine “Рeocultura” como a “parte mais escondida [da estrutura da economia-mundo] e, por isso, a mais diПícil de avaliar, mas cuja eбistência Пaг com que subsista”. O autor chama-lhe de “‘Рeocultura’ enquanto analoРia com a geopolítica, não por significar um aspecto supralocal ou supranacional, mas porque representa a marca cultural dentro da qual opera o sistema mundial” - “[…] la parte más oculta a la vista y, por tanto, la más difícil de valorar, pero sin la cual no subsistiría. La denomino ‘geocultura’ por analogía con la geopolítica, no porque se trate de un aspecto supralocal o supranacional, sino porque representa el marco cultural dentro del que opera el sistema mundial” – tradução própria. 124 Os cinco debates são, a saber: o eclesiástico, da doutrina russa, neo-imperial ou neo-soviético, nacionalista/ultra-nacionalista e o movimento de ocidentalização liberal (Likhacheva e Makarov 2014, 21-24). 123 Cruzando esta perspectiva russa, focada nas tradições, com o modelo apontado por Wallerstein que aqui apresentamos, poderemos tirar algumas conclusões. Este declara que: “Quando as classes sociais dominantes locais sуo ameaхadas por qualquer consciência de classe insipiente por parte das classes mais baixas, a enfâse na cultura local serve para deflectir os conflitos internos locais, criando em vez disso solidariedade local contra o exterior. Se, além disso, esta classe dominante local se sentir a si mesma oprimida pela classe mais alta do sistema-mundo, eles sуo duplamente motivados a perseРuir a criaхуo de uma identidade local”125 (Wallerstein 2011 [1974], 353). Tomando esta perspectiva, o comportamento das elites russas serviria não só para conter pressões internas provindas das classes mais baixas descontentes, fruto dos fortes retrocessos sociais que tiveram lugar nos anos 90, e que subitamente haviam adquirido algum tipo de consciência de classe. Mas, ao mesmo tempo, também para fazer frente aos constrangimentos impostos pela classe dominante no sistema-mundo, procurando afirmar-se como independente desta. Para que esta reacção tenha sucesso é fundamental o controlo dos meios de comunicação (Ruvalcaba 2013, 151). Para que este todo processo se desenvolva é fundamental ter em atenção o que GaltunР desiРna comunicativas 126 por “versуo especial” da natureгa vertical das relaхões (Galtung 1971, 93) e que o autor insere nos fenómenos derivados do imperialismo comunicativo. Surge daqui então o interesse em abordar a comunicação de 125 “When the local dominant strata are threatened by any incipient class-consciousness of lower strata, emphasis on local culture serves well to deflect local internal conflict, creating instead local solidarity against the outsider. If, in addition, these local dominant strata feel themselves oppressed by higher strata of the world-system, they are doubly motivated to pursue the creation of a local identity.” – tradução própria. 126 Galtung afirma existir uma “versуo especial” da natureгa vertical das relaхões comunicativas, na qual o autor destaca uma combinação dos aspectos culturais e comunicacionais, e que se reflecte na comunicação de notícias (Galtung 1971, 93). Sendo os países do centro os possuidores das maiores agências de comunicação social, actuam sobre a periferia de uma forma muito semelhante àquela encontrada na esfera de produção, com a sua divisão do trabalho internacional. Nesta relação as notícias disseminadas na periferia passariam por um processo idêntico aos produtos processados aí consumidos. Aqui a periferia providenciaria as matérias-primas, que neste caso se desiРnariam por “eventos”, enquanto o centro as processaria em “notícias” e posteriormente distribuiria, após um processo de ПiltraРem realiгado por jornalistas treinados para “verem os eventos através dos olhos do centro” e que traхariam as tendências dominantes no campo (Idem, ibidem). Esta relação desenvolver-se-ia nestes termos pois é o centro da periferia quem produz e lê estas notícias, e portanto são eles que procuram saber mais e o mais relevante acerca do centro em torno do qual orbitam, através das relações de interacção feudal (Idem, ibidem). 124 notícias na Rússia e como estas são processadas. Na Rússia a televisão desempenha ainda um grande papel na disseminação de notícias e informação. Acompanhando este meio de comunicação existe também a internet. O primeiro meio de comunicação está normalmente associado a um público mais velho, enquanto o segundo a um público mais jovem, isto apesar de televisão e internet se influenciarem mutuamente nas notícias e temas que consideram ser relevantes (Cottiero et al 2015, 2). Mas a presença do Estado neste sector é bastante acentuada, destacando por exemplo os canais de televisão Russia Today ou Rossiya-1, onde as mensagens disseminadas estão de acordo com a visão do Estado acerca dos assuntos tratados (Cottiero et al 2015, 4). Dado o posicionamento político da Rússia ser diferente dos países centrais no sistema-mundo, e em particular no que concerne a questões internacionais, onde a Rússia se procura afirmar num mundo multipolar (Putin 2007), a comunicação social russa nas mãos do Estado torna-se na ferramenta fundamental de contestação da visão predominante propagada pelos países do centro, não só internamente mas também externamente, determinando e afirmando assim a sua própria agenda política. Sendo usada pelas elites dominantes como forma de legitimação e de defesa dos seus interesses, uma necessidade característica de qualquer regime político e, por isso, também dos regimes burocrático-autoritários, como analisaremos adiante. Esta característica é, aliás, bem patente se tomarmos em consideração a cobertura feita, por exemplo, ao conflito ucraniano (Cottiero et al 2015, 5-8) ou as contínuas posições marcadamente anti-americanas (Cottiero et al 2015, 8-10) e portanto anti-hegemónicas relativamente à potência central do sistema-mundo. Se seria de esperar que num país periférico as notícias fossem processadas de acordo com a visão do mundo que o centro possui, como Galtung afirmava (1971, 93) tal não acontece na Rússia, ou pelo menos não acontece de uma forma predominante na sua comunicação social. A comunicação social Estatal assume-se assim como um elemento basilar da afirmação da Rússia no sistema-mundo, procurando adoptar uma posição independente daquela determinada pelo centro deste. A utilização do Estado para a competição sistémica é, aliás, uma prática comum por parte das semi-periferias (Wallerstein 2006, 56-57). 125  À semelhança de outros indicadores já aqui analisados, também a nível cultural a Rússia revela características em tudo expectáveis de encontrar numa região semiperiférica. A contenção do fluxo cultural existente durante os anos de 1990 é um dos principais factores que contribuem para esta conclusão. Existe uma clara rejeição dos modelos ocidentais e a adopção de uma posição contrária à da potência hegemónica e dos seus aliados, procurando afirmar interna e externamente um conjunto de valores que são maioritariamente consensuais na sociedade russa. Para isso os meios de comunicação social na posse do Estado desempenham um papel fulcral, contudo e apesar de tudo isto, a Rússia não surge ainda como definidora de tendências à escala global. 4.2.2 – Manifestações da dependência política russa após 1998 Como acima referido, o colapso da URSS foi decisivo para as mudanças políticas e económicas que a Rússia sofreria nos anos 90. Não obstante, é importante destacar algumas características marcantes que a Rússia apresentava e que se assemelhavam àquelas encontradas, no final do século XIX e início do século XX, nos territórios recém-colonizados ou que haviam ganho recentemente a sua independência. Quer isto dizer que se tratava de uma vasta região onde as relações capitalistas não estavam internalizadas e onde a propriedade privada não se encontrava instituída de forma generalizada. Com a transformação sistémica operada e o rápido processo de privatização consequentemente desenvolvido na Rússia, significava que novos territórios se encontravam abertos para a expansão dos mercados capitalistas (Goldman 2004; Souza 2007, 4-6; Nazet 2007, 60-61). Nesta situação, alguns sectores, cuja capacidade de financiamento própria era insuficiente, passavam agora a contar com investimento externo, nomeadamente o petróleo e o gás (Ögütçü 2002, 4). Este processo tomava forma essencialmente através de assistência técnica, empréstimos, garantias ou ajuda internacional nos diversos sectores e não tanto através de IDE (Wedel 1999, 1), tendo origem essencialmente nos EUA, que para esse fim faziam uso do FMI (Wedel 1999; Odling-Smee 2006; McClintick 2006). 126 É essencial destacar a influência norte-americana na Rússia, que é evidente se tivermos em conta o peso que FMI e a Universidade de Harvard (Wedel 1999; OdlingSmee 2006; McClintick 2006), assim como outras organizações ideológicas, fundações ou instituições de educação, tiveram junto do governo russo, na mudança política e econяmica em curso no país naquele período, Пaгendo para isso uso de “leРiões de missionпrios e evanРeliгadores políticos”127 (Cohen 2000), num claro sintoma de dependência cultural já aqui abordado. Existia uma vontade de replicar na Rússia o que havia acontecido anteriormente na América Latina e as semelhanças entre os dois casos adensam-se quando atentamos a Cohen (2006) que afirma que os modelos económicos de mercado livre e privatizações em larga escala, que desde os finais dos anos de 1980 eram apontados para a Rússia, tinham forte inspiração nos mesmos modelos apontados na década anterior como solução para o Chile. E os paralelismos não se ficavam apenas nos modelos económicos, estendendo-se também aos modelos políticos propostos. Cohen (2006) realça ainda que aqueles que apoiavam Iéltsin eram também admiradores de Augusto Pinochet, e portanto viam neste um exemplo a ser praticado na Rússia. As reformas económicas pretendidas para aplicar na Rússia deviam ser suportadas por uma “mуo de Пerro”, usando para isso “medidas anti-democrпticas”. Paralelismo que coincide com a nossa hipótese de a Rússia apresentar características em comum com o modelo burocrático-autoritário e que analisaremos à frente. Após a crise económica do ano 1998 destaca-se uma mudança na orientação política, que leva ao afastamento das políticas económicas liberais até aí praticadas (Sapir 2002, 2). Com esta transformação a Rússia altera também a relação previamente existente, num processo semelhante àquele verificado nas regiões colonizadas que haviam Рanho recentemente a sua independência e desiРnado por “ruptura com o pacto colonial” (Cardoso e Faletto 1977, 16), todavia assumindo que a Rússia possuía a sua independência política formal. Esta relação é estabelecida tendo em conta que em determinadas situações a vinculação das economias periféricas ao sistema-mundo se desenvolve em moldes “coloniais”, enquanto noutros casos o Пaг em termos de “sociedades nacionais” (Cardoso e Faletto 1977, 12). Este processo tinha origem no fortalecimento de grupos nacionais a nível interno, que procuravam defender os seus próprios interesses e que entravam em conflito com os interesses externos, que até aí dominavam as relações de produção nesses países (Cardoso e Faletto 1977, 20). O que 127 “[…] legions of American political missionaries and evangelists […]” – tradução própria. 127 se encaixaria na lógica apontada por Galtung (1971, 108-109), quando se refere ao conflito de interesses existente entre o centro do centro e o centro da periferia, podendo resultar numa luta de libertação de carácter nacionalista por parte dos últimos e assumir até uma condição populista. Cardoso e Faletto (1977, 20) explicam também que, aquando dessas alterações, os grupos internos organizavam alianças entre os produtores nacionais e os grupos oligárquicos. O caso russo surge-nos num formato mais complexo do que este acima descrito e para evitar equívocos chamar-lhe-emos uma “ruptura com o vínculo de dominaхуo previamente eбistente”, dentro dos moldes de um país sob dominação neo-colonial, que não possui a sua autonomia decisória e que pretende quebrar com esta ligação. Passemos então a analisar as semelhanças. Durante os anos 90 os oligarcas haviam consolidado o seu poder, fruto do processo de privatização e consequente apropriação de terras, assim como de importantes indústrias (Goldman 2004; Odling-Smee 2006, 154). Com o objectivo de defender os seus interesses e os seus monopólios, estes grupos oligárquicos utilizavam o seu poder de forma a influenciar o poder político, determinando assim a legislação e a sua implantação (Hale 2004, 172; Odling-Smee 2006, 154). São exemplos disso as bem conhecidas ligações de Berezovsky às elites políticas em torno de Yelstin e em particular no que concerne à ajuda dada a Putin, quando este se candidata pela primeira vez à presidência russa (Hale 2004, 176; Stuermer 2009, 62). Putin surge em 1999 como um produto de recurso, construído e apresentado pelas elites russas, em alternativa às opções políticas para Primeiro-Ministro até aí proporcionadas e que haviam falhado (Stuermer 2009, 61-62). Putin era a derradeira hipótese. A escolha recai nele dado o reconhecimento deste possuir a capacidade de pressionar elementos não apreciados pelo Kremlin (Hale 2004, 176). Daí até se tornar no “herdeiro de Yelstin”, seria apenas mais um passo (Hale 2004, 1976; Stuermer 2009, 61). E para isso muito contribuiria a Segunda Guerra da Chechénia, iniciada em 1999, tal como a resposta dada por Putin à mesma (Hale 2004, 177-179). Este conflito iria consolidar a sua imaРem interna como sendo um “herяi nacional” e “salvador da naхуo russa”, para o qual a imprensa detida e controlada por Bereгovsky daria muito suporte (Stuermer 2009, 63). Ao mesmo tempo, um novo partido tomava Пorma, o “Edinstvo” (Unidade), controlado também pelos oligarcas e pelo Kremlin, e que serviria para preparar o caminho para a campanha de Putin às presidenciais de 2000 (Idem, ibidem) e que este ganharia. 128 O resultado dessa vitória eleitoral não seria, no entanto, o inicialmente esperado pelas elites económicas russas. Vladimir Putin iria reorganizar o aparelho de Estado à sua maneira, instalando, para isso, pessoas fiéis nos principais cargos do poder (Bremmer e Charap 2007, 84). O poder ficaria dividido entre três grupos principais, previamente existentes, e normalmente designados por liberais, tecnocratas e os “siloviki”128 (Bremmer e Charap 2007, 85). Dentro destes, os últimos são, provavelmente, o grupo mais poderoso e representam a elite que concentra grande parte do poder na Rússia. O grupo é constituído fundamentalmente por membros das Forças Armadas, FSB e outros serviços ligados à área da segurança no Estado (Stuermer 2009, 96), como aliás o próprio nome indica. Ao assumir cargos nas mais variadas e importantes posições dentro do aparelho estatal russo, procuram concentrar o poder no Estado, limitando ao mesmo tempo o poder dos oligarcas que não colaborem (Stuermer 2009, 98-99). Controlam não só as estruturas de poder coercivo, como também estruturas com significativo poder regulador dentro da economia, assim como na área enerРética e dos recursos (Bremmer e Charap 2007, 86). Dentro desta “elite” eбiste um Рrupo ainda mais restrito, desiРnado por “clу de Sуo PetersburРo”, e constituído por velhos aliados de Putin naquela cidade (Stuermer 2009, 102). Porém, a própria utilização do termo “siloviki” assume proporхões muitas veгes enganadoras, abrangendo indivíduos que não fazem, nem nunca fizeram, parte das estruturas de poder coercivo do Estado (Bremmer e Charap 2007, 86), como o caso de alРuns membros do acima mencionado “clу de Sуo PetersburРo” (Stuermer 2009, 102). Daí se considerar que os “siloviki” sуo aqueles que se encontram unidos pelas ideias políticas, interesses e controlo sobre os recursos que possuem em comum, e não tanto pelo seu passado (Bremmer e Charap 2007, 86). Estas ideias políticas e interesses são, fundamentalmente, o nacionalismo económico, cultural e religioso, a restauração da importância russa nos palcos internacionais, a consolidação do poder político e económico num Estado altamente centralizado e controlado por eles próprios. Os seus próprios interesses económicos são também relevantes, contudo considera-se que os recursos à sua disposição são essencialmente focalizados na manutenção do seu poder dentro da Rússia (Bremmer e Charap 2007, 88-90). Como qualquer estrutura militar 128 – palavra russa que designa aqueles que são provenientes dos serviços secretos, serviços de segurança ou do ramo militar e que representam o aparelho coercivo do Estado (Bremmer e Charap 2007, 86). 129 este grupo é caracterizado pela alta hierarquização das suas estruturas, existindo vários níveis de importância entre os seus membros (Bremmer e Charap 2007, 86). O resultado desta concentração de poder nesta nova elite política provocaria um confronto com as anteriores elites oligárquicas, que anteriormente detinham a maior fatia de poder na Rússia. Se anteriormente os oligarcas, como Berezovsky, Abramovich ou Khodorkovsky, eram protegidos pelo FSB e pelo Estado (Stuermer 2009, 57), agora passavam a ser considerados seus inimigos, em particular caso os seus interesses colidissem com os da nova elite. Exemplo disso foi o caso de Khodorkovsky, antigo director-geral da importante empresa energética Yukos, que em 2003 foi acusado de fraude fiscal, sendo preso em 2005 e cumprindo nove anos de cadeia, saindo em liberdade apenas em 2013. Quanto à sua empresa, foi nacionalizada e incorporada na Rosneft e Gazprom. Estes mesmos que o ajudaram a construir e beneficiavam do regime russo, passavam agora a ser os que mais se insurgiam contra este, algo que Derluguian e Wallerstein (2011, 29) descrevem como: “os mais altos chamamentos pelo Estado de direito e puniхуo dos ‘Рatos Рordos’ normalmente provêm das Пacхões da elite que aРora se encontram no lado perdedor”129.  Verifica-se então que os grupos de interesse nacionais saem fortalecidos após a eleição de Putin, mesmo que estes não sejam os antigos grupos oligárquicos russos. Destaca-se uma nova elite dominante, que na procura de defender os seus interesses, entra em conflito com a elite económica e política até aí dominante e que era também aquela que possuía fortes ligações ao exterior, mesmo sendo composta por cidadãos russos. Esta anterior elite dominante, ao promover a integração aprofundada da Rússia no sistema capitalista e, por consequência, no próprio sistema-mundo, assume um carпcter que se encaiбa naquilo que Theotяnio dos Santos deПine por “sяcios menores do imperialismo” (2011 [1978], 76). O que nуo siРniПica que a nova elite nуo procure cumprir o mesmo propósito. Como observámos, os novos grupos de interesse nacionais não procuram retirar a Rússia do sistema, apenas procuram uma integração diferente, mais fechada, em que o Estado (o aparelho por eles controlado) administra sectores considerados estratégicos, numa visão mais mercantilista, não obstante, sem deixar de 129 “The loudest calls for the rule of laа and punishing of ‘fat cats’ typically come from the elite factions аho currently find themselves on the losing side” – tradução própria. 130 participar no sistema de divisão internacional do trabalho, isto é, sem deixar de participar no sistema capitalista per se. Este processo continua a desenvolver-se através de uma relação com as elites dominantes do sistema-mundo e que é promovida pela nova elite russa. E, apesar de este vínculo ser de tipo diferente daquele que existia previamente, a elite russa continua a desempenhar aquilo que Galtung (1971, 81) descreve como uma “relaхуo de tipo soПisticado […] para beneПício mútuo de ambos”130, onde o centro da nação periférica actua como testa-de-ponte do centro da nação centro, dado o seu papel na manutenção das relações de dominação sistémicas existentes. Não obstante, podemos considerar que existiu uma ruptura com o vínculo de dominação previamente existente, havendo assim uma nova aliança nas estruturas de poder russas, que permitiu um novo alinhamento nas relações de poder internas, assim como um fortalecimento do Estado nacional. O que levou a que a Rússia assumisse uma característica encontrada nas nações semi-periféricas, onde a principal classe exploradora é de origem doméstica, contrastando com a realidade das periferias onde a classe exploradora é fundamentalmente estrangeira (Babones e Babcicky 2011, 2). Até aí, a classe oligárquica dominante possuía fortes conexões com interesses externos, como forma de a defender e legitimar. Para isso foi fulcral o controlo do sector exportador e outros sectores estratégicos por parte da nova elite. As probabilidades de êxito de impor uma nova ordem nacional na Rússia e que impedissem esta de regressar a uma economia planificada e centralizada com os seus meios de produção socializados (um receio recorrente até meados dos anos 90 (Goldman 2004; Odling-Smee 2006, 162), derivavam em Рrande parte da “situaхуo de mercado” Рerada pelo Рrupo que controlava as exportações ou o sector produtivo dominante – aspecto também destacado por Cardoso e Faletto (1977, 20) em relação às economias que haviam quebrado o pacto colonial. Estes autores (1977, 20) aПirmam, relativamente a estas economias, que “neste sentido a organização de uma administração e de um exército nacional, não local ou caudilhesco, foi decisiva para estruturar o aparelho estatal e permitiram a transformação de um poder de facto numa dominação de jure”131. E aqui podemos destacar a 130 “It is a sophisticated type of dominance relation […] for the joint benefit of both.” – tradução própria. 131 “En este sentido la organización de una administración y de un ejército nacional, no local o caudillesco, fue decisiva para estructurar el aparato estatal y permitir la transformación de un poder de facto en una dominación de jure […]” – tradução própria. 131 importância anteriormente ilustrada, que os quadros ligados ao FSB132 e às elites militares possuíram na estabilização do aparelho de Estado russo (Goldman 2004)133. Esta captura do aparelho de Estado por uma elite é apontada por vários autores como um elemento que pode potenciar a ascensão de países periféricos à semi-periferia, contudo será esta mesma elite dominante que impedirá que o Estado ascenda ao estatuto de centro no sistema-mundo (Babones e Babcicky 2011, 14; Ruvalcaba 2013, 147-149). Por isso mesmo deve ser cuidada qualquer leitura que considere que o Estado russo é sólido internamente. Pelo contrário, pois a necessidade encontrada de se fortalecer é exactamente o reflexo da sua posição periférica em relação ao centro (Derluguian e Wallerstein 2011, 4). 4.2.3 – Rússia: um exemplo de um regime burocrático-autoritário? Existe uma crença, por parte dos defensores da Teoria da Modernização, de que níveis mais avançados de industrialização e livre comércio promovem o desenvolvimento de tendências mais democráticas e igualitárias dentro de uma dada sociedade. Não obstante, a realidade tem demonstrado não existir uma ligação assim tão directa entre desenvolvimento e democracia. Pelo contrário, a história tem até demonstrado que níveis mais elevados de industrialização e liberdade comercial podem levar ao “colapso da democracia e a uma crescente desiРualdade”134 (Collier ed. 1979, 3-4; também analisado por Hirschman 1979, 62). Quando foi acima apresentado o que era o modelo burocrático-autoritário (B-A), concluiu-se que a definição do modelo de Estado B-A não é unânime entre os diversos autores que procuram trabalhar o tema. Por conseguinte, a aplicação do próprio modelo a outros contextos e regiões, como é aqui o caso, é também algo que incorpora bastantes divergências e dúvidas. Mesmo assim, se relembrar-mos a deПiniхуo inicial de O’Donnell, denotamos eбistirem alРumas semelhanças que nos fazem evocar o caso russo, considerando o que já foi tratado até aqui. O’Donnell descreveu o modelo de Estado B-A como aquele onde existe exclusão de vários sectores políticos relativamente ao aparelho do Estado e em que as figuras 132 Ф 133 – Serviço Federal de Segurança. Este aspecto será abordado de forma mais detalhada quando analisarmos a dependência política russa e o modelo Burocrático- Autoritário. 134 “[…] the collapse of democracy and an increase in inequality.”- tradução própria. 132 centrais deste são uma tecnocracia militar e civil, que colabora intimamente com o capital externo com vista a promover uma industrialização mais avançada (Collier ed. 1979, 24-25). Tendo em conta esta definição destacam-se claramente semelhanças com o nosso caso de estudo. Isto é, a Rússia apresenta-se como um Estado onde as figuras centrais são uma tecnocracia militar e civil, que restringe a acção de outros sectores políticos. O que nos suscita mais dúvidas é a ligação íntima entre o aparelho do Estado e o capital externo mencionada na definição, em particular se tivermos em conta os níveis de IDE existentes no país, tal como a sua evolução. Passemos então a abordar esta temática mais aprofundadamente, fazendo uso desta curta definição, mas também dos pontos fulcrais apontados por vários autores que se debruçaram sobre o assunto, comparando ao mesmo tempo com a realidade russa. Os autores que trabalharam o modelo B-A, normalmente, tomavam por exemplo a realidade latino-americana, afirmando que esta havia passado por duas fases antes de culminar no Estado B-A. Estas fases eram o Estado oligárquico e o Estado populista (Collier ed. 1979, 23-25), como visto anteriormente. Para Cardoso e Faletto (1977, 1617) a primeira fase iniciava-se, seРundo, através da “ruptura com o pacto colonial” nos países latino-americanos e com a sua independência formal. A segunda fase baseava-se numa realidade em que existe alguma forma de democracia e representação dos vários sectores sociais de um dado país e onde a política económica procurada se centra na substituição de importações (Idem, ibidem). Para O’Donnel os reРimes B-A eram um resultado directo da exaustão do modelo de substituição de importações, que levava a uma profunda crise económica, e por isso seria também um resultado directo dos regimes populistas (in Collier ed. 1979, 26). E a solução económica encontrada pelas novas elites políticas desses países estaria num processo de “deepeninР”, em que a produção se centraria em bens semi-processados e de capital (Idem, ibidem). Contudo, nem todos os autores suportam esta relação (Kaufman in Collier ed. 1979, 247-248). Outro processo que é característico da fase B-A é a aposta na produção de bens de consumo duráveis, como automóveis e armamento, procurando um desenvolvimento económico semelhante às economias ocidentais já desenvolvidas (Hirschman in Collier ed. 1979, 79-80). Transportando estas fases e características para o caso russo conseguimos traçar alguns paralelismos entre a fase oligárquica e a Rússia dos anos 90, onde os oligarcas russos do petróleo e de outros sectores chave da economia, associados maioritariamente 133 às exportações, juntamente com entidades externas, comandavam os destinos do Estado em seu favor, procurando aprofundar a integração da Rússia no sistema-mundo capitalista. Contudo, as parecenças com esta fase ficam-se por aqui. Nesta fase de desenvolvimento, as nações recentemente independentes da América Latina encontravam-se unidas ao sistema-mundo apenas em termos económicos e não tanto em termos políticos. Mas no caso russo, como vimos anteriormente, a interferência norteamericana era tão grande e os interesses políticos e económicos tão interligados que a Rússia evidenciava algumas características que se assemelhavam àquelas encontradas nas colónias latino-americanas analisadas por Cardoso e Faletto (1977), isto apesar da sua independência formal. E enquanto Cardoso e Faletto (1977, 16-17) identificavam a classe oliРпrquica como o movimento impulsionador da “ruptura colonial”, no caso russo a necessidade de impedir o retorno a uma economia com os meios de produção socializados, fez com que a relação servil e dependente, face ao aliado externo, fosse mantida. Segundo Stephen Cohen (2006), vemos que os enviados norte-americanos à Rússia nos anos 90 e que apoiavam Yeltsin eram também admiradores de Augusto Pinochet, vendo no modelo político-económico praticado no Chile como algo a emular na Rússia. Assim como as reformas a ser aplicadas deveriam ser suportadas por uma “mуo de Пerro”, através de “medidas anti-democrпticas”. É importante reПerir, a título de comparação, que o regime de Augusto Pinochet é apontado pelos teóricos do modelo BA como um dos exemplos deste tipo de regimes (Cardoso in Collier ed. 1979, 24; Collier ed. 1979, 8; Kaufman in Collier ed. 1979, 179; O’Donnell in Collier ed. 1979, 285). Mas olhando para Yeltsin observamos que este não se tornou no tão desejado estabilizador da situação política e económica, apesar de ter sido um grande impulsionador do tipo de medidas pretendidas ao longo do seu período de governação (Idem, ibidem). A crise instalada no final dos anos 90 abria assim lugar à necessidade de encontrar uma solução que correspondesse de forma mais completa às espectativas iniciais. E essa resposta, como também já vimos, surgiu na figura de Putin. Não obstante, apesar das semelhanças existentes entre a fase oligárquica nos países da América Latina e a Rússia, não se consegue vislumbrar nesta última uma fase correspondente à fase populista. A transição ocorrida entre 1998-2000 aparenta saltar esta fase, ou pelo menos esta não teve tempo de se desenvolver e assumir uma forma clara e explícita, passando imediatamente para aquilo que se configura ser a fase B-A 134 russa. Mas se usarmos a relaхуo entre substituiхуo de importaхões e “deepeninР” de O’Donnell (in Collier 1979, 26), tal como a aposta em bens de consumo duráveis, e tendo em conta o desenvolvimento industrial e económico russo, vemos que a Rússia procura alcançar estes objectivos normalmente associados com regimes B-A (Sputnik News 2015a; Medvedev in Russia Today 2009). Aquilo que podemos concluir até aqui é que, apesar de encontrarmos parecenças, a Rússia não passa por processos totalmente semelhantes de causalidade normalmente apontados para a formação de um regime BA, como os que são encontrados na realidade latino-americana trabalhada pelos autores do modelo B-A nos anos de 1970, assumindo até aqui bastantes características próprias. Continuemos então a analisar se as características evidenciadas pelo regime russo actual correspondem com aquilo que se define ser um regime B-A. De acordo com Cardoso (in Collier ed. 1979, 52) os regimes B-A procuram inserir-se no sistema internacional tentando aproveitar possíveis oportunidades que se lhe afigurem proveitosas. Para isso estes regimes celebram acordos com empresas transnacionais, afirmando servir o interesse geral da nação. Porém, ao longo do tempo, cimenta-se como óbvia a ideia de que o objectivo de servir os interesses da população não é a principal finalidade, mas sim o fortalecimento do Estado e da sua estrutura burocrática. Este é, aliás, um aspecto que facilmente se destaca quando observamos o comportamento da elite russa dominante e a sua acção no Estado (Bremmer e Charap 2007). Mas na aПirmaхуo que vimos anteriormente de O’Donnell, este Пrisava claramente a ligação com o capital externo. No caso russo esta ligação é significativamente mais ténue e difusa. Em vez disso observa-se uma forte participação estatal na economia, assumindo a liderança na intervenção em vários sectores que considera serem estratégicos. Cardoso (in Collier ed. 1979, 53) afirma que no Estado BA as empresas estatais assumem também um papel importante. Não com um objectivo de instaurar um regime de capitalismo de Estado, mas como forma de facilitar o desenvolvimento capitalista nessa região, assim como reforçar a posição daqueles que se encontram no poder. Na Rússia a realidade observável remete-nos para esta afirmação, em particular se tivermos em conta alguns aspectos aqui trabalhados e também apontados por vários autores, como Sapir (2013), Nazet (2007, 57) e Bremmer e Charap (2007), onde o Estado detém várias empresas transnacionais em sua posse e as usa em defesa dos seus interesses. Assim, se tivermos em conta a relação entre o capital externo e a realidade russa, parece destacar-se uma característica inovadora 135 relativamente aos regimes B-A na América Latina. Ou seja, o Estado russo possui também ele uma extensiva relação com empresas transnacionais monopolistas, contudo neste caso estas são maioritariamente nacionais e detidas pelo próprio Estado. Isto talvez seja explicado tendo em conta a acumulação de capital à disposição destas empresas e a fase de desenvolvimento em curso no país, o que não acontecia nas suas semelhantes latino-americanas. Desta forma, o aparelho burocrático russo não encontrou uma necessidade de submissão a ambições externos às suas, à semelhança do que acontecia com os seus congéneres latino-americanos, podendo assim seguir uma via de defesa dos seus interesses bem mais independente e desligada desses interesses externos, colocando até restrições à acção destes internamente. Para além da aПirmaхуo anterior de O’Donnell, este estendeu a deПiniхуo de Estado B-A a mais oito pontos, abordados anteriormente nas páginas 58 e 59. Atentemos então a cada um deles. No primeiro ponto deПinido por O’Donnell, este aПirma que o Estado é o Рarante e organizador da dominação de classe existente relativamente à burguesia oligopolizada e transnacionaliгada (O’Donnell in Collier ed. 1979, 292). Transitando então para o caso em questão, notamos que o aparelho de Estado russo assume uma forma mais aprofundada desta realidade. A burguesia oligopolizada e transnacionalizada, formada durante os anos 90, apesar de continuar a existir, deixou de possuir o papel preponderante na definição da política corrente. Porém, é importante destacar que se gerou uma nova burguesia, também ela oligopolizada e transnacionalizada, e que é agora formada pelos mesmos que tomaram as rédeas do poder político e das instituições a este ligadas (Bremmer e Charap 2007, 86-89). Esta usa o aparelho de Estado, aproveitando o seu poder coercivo, para impor uma dominação de classe favorável a esta mesma nova burguesia. Sendo assim, pode-se afirmar que o primeiro aspecto apontado por O’Donnell, corresponde р actual circunstância russa. No segundo ponto é destacado que o Estado tem os seus alicerces fundamentais de funcionamento no aparelho coercivo que o constitui. Ao mesmo tempo existe uma Пorte tendência das suas elites para a normaliгaхуo da economia (O’Donnell in Collier ed. 1979, 292). E também aqui o caso russo demonstra paralelismos evidentes. A subida de Putin ao poder foi marcada pelo seu carácter de recurso, em grande parte dado o reconhecimento da sua habilidade e predisposição para pressionar indivíduos e 136 organizações que fossem adversos à estrutura política e económica até aí dominante (Hale 2004, 176). Mas também a sua governação desde então tem reforçado ainda mais esta natureza coerciva. O círculo de poder desenvolvido em sua volta, baseado essencialmente em torno dos chamados “siloviki” é um claro eбemplo do que é aqui tratado. Ao mesmo tempo os aspectos de normalização da economia assumem ser um forte componente dos objectivos desta elite dominante. Kaufman apontava que um traço comummente partilhado entre os regimes B-A é que estes haviam herdado, nos seus respectivos Estados, uma situação económica de crise (in Collier ed. 1979, 168 e 176). Nos casos analisados da América Latina, os regimes políticos precedentes, denominados como populistas, haviam colapsado dada a sua incapacidade em lidar com a crise económica que enfrentavam. A resposta dada pela elite dominante, receosa de movimentações sociais que colocassem em causa o seu poder, era o Estado B-A (Hirschman in Collier ed. 1979, 71). Por conseguinte, o discurso da “normaliгaхуo” econяmica surРia como Пerramenta Пundamental na resposta a essa mesma crise. Esta resposta vem normalmente associada a medidas de austeridade económica, de forma a combater a dívida pública externa e a inflação, que ameaça o valor da propriedade (Kaufman in Collier ed. 1979, 172; Hirschman in Collier ed. 1979, 76). A preocupação evidenciada na Rússia face a um possível retorno a uma economia planificada, dado o descrédito a que as reformas até aí desenvolvidas haviam sido votadas (Goldman 2004; Smee 2006, 162), obrigou a uma resposta em tudo semelhante àquela encontrada na América Latina. Significa isto que para manter as relações de produção, até aí dominantes, havia que tomar um rumo autoritário que impedisse os avanços dessas movimentações sociais contrárias à ordem instalada, tal como promover uma recuperação económica que colocasse termo à crise até vivida. A resposta surgiu sob a forma de um antigo oficial dos serviços secretos do FSB. Esta tentativa de conter os movimentos sociais contrários ao poder instalado, leva-nos ao terceiro ponto destacado por O’Donnell (in Collier ed. 1979, 292), ou seja, a exclusão política de um sector popular anteriormente activado. Na Rússia, o primeiro passo foi blindar o acesso aos postos de chefia dentro do aparelho de Estado, impedindo que influências externas a este, nomeadamente dos grandes negócios que até aí compravam os favores administrativos em seu benefício (Bremmer e Charap 2007, 84), e colocando nestes cargos pessoas de confiança à elite governativa. Apesar de neste caso em concreto não podermos aqui falar de um sector propriamente popular, dado 137 aqueles a quem o acesso à política é negado se tratarem duma elite influente no governo anterior, falamos no entanto da exclusão de um sector que não faz coincidir os seus interesses com os da elite dominante naquele momento. Outro método de exclusão utilizado, e aqui sim relativamente aos sectores populares, foram as leis anti-greve (Obrazkova 2015) e anti-protesto (Demirjian 2014) aprovadas desde a eleição de Putin em 2000, para além das próprias acções de repressão e violência policial durante manifestações (Sandford 2011). Este esforço de exclusão tem como objectivo a imposição de uma ordem sobre a sociedade determinada pelo regime em vigor. Através desta dominação social procura-se Пorхar uma “normaliгaхуo” dentro dos padrões aceites pelo governo, que não coloque em causa o seu poder e os interesses que representa (O’Donnell in Collier ed. 1979, 292; Kaufman in Collier ed. 1979, 166). E para isso o uso da repressão é um fenómeno recorrente neste tipo de regimes, sendo a sua resposta às pressões sofridas internamente e procurando justificar estas acções em nome da “seРuranхa nacional” (Cardoso in Collier ed. 1979, 49), na Rússia esta realidade ficou bem mais patente após a revisão ao Código Criminal em 2012 (Roudik 2012). O quarto ponto indicado por O’Donnell encontra-se intimamente relacionado com o anterior, na medida em que sugere a supressão da cidadania, onde se insere a supressão das instituições da democracia, tal como a negação da dimensão classista representada pelo sector popular. Como visto no parágrafo anterior, a supressão ou o condicionamento de instituições na Rússia é um processo utilizado pelo poder governativo como arma de contenção de movimentações populares contrárias aos seus interesses. Este processo já é, aliás, utilizado desde os tempos de Iéltsin, como quando em 1993 mandou bombardear o Congresso dos Deputados do Povo da Rússia, o parlamento russo na altura, dissolvendo de seguida este órgão e substituindo-o, inconstitucionalmente, pela Assembleia Federal da Rússia (Cohen 2000). Ou através das medidas de negação de protecção e direitos sobre os trabalhadores, num momento de forte convulsão económica que levou uma elevada percentagem de cidadãos russos à pobreza (Idem, ibidem). O processo que se seguiu tomou um rumo de continuidade desta “normaliгaхуo” da ordem social. Eбemplo disso sуo, para além das previamente mencionadas legislações impeditivas ou condicionadoras de movimentações sociais contrárias, os apelos de Putin para que os sindicatos cumpram um papel colaborativo com o governo e que não funcionem como instrumentos de tensão social ao 138 reivindicarem o que “nуo pode ser cumprido” (Ashаin e Clarke 2002, 60). Estes exemplos revelam restrições impostas pelo governo às actividades políticas de organizações externas ao aparelho político vigente. O’Donnell suРere também que o regime B-A se apresenta como conПrontando uma “naхуo doente”, em Пunхуo da crise que lhe precede, e com o objectivo de a “curar” invoca no seu discurso o “interesse Рeral”, procurando identificar este interesse geral com os interesses do próprio aparelho estatal e com os seus interesses (O’Donnell in Collier ed. 1979, 293-295). E na Rússia, com o seu Estado centralizado e organizado em torno das suas estruturas de segurança e defesa, tal como de outros sectores envolvidos, a sua burocracia opera nos seus cargos de forma a dirigir a política consoante os seus objectivos (Bremmer e Charap 2007, 88). Para isso contribui também de forma decisiva o controlo por parte do Estado dos meios de comunicação, promovendo através destes ideias que sirvam como deflectoras de pressões internas. A título de exemplo relativamente a essas ideias temos o caso das tradições, como visto anteriormente. Mas o Estado B-A ao promover um padrão de acumulação de capital altamente concentrado e monopolizado, representado pelas suas oligarquias, serve também como sistema de exclusão económica face ao sector popular, levando a elevadas desigualdades na distribuição da riqueza. Este aspecto de exclusão econяmica do sector popular corresponde ao quinto ponto descrito por O’Donnell (in Collier ed. 1979, 293). E, no que concerne a este aspecto, o caso russo já foi empiricamente tratado anteriormente neste trabalho. No sexto ponto é afirmado que o Estado B-A “corresponde e promove uma crescente transnacionalização da estrutura produtiva, resultando numa maior desnacionaliгaхуo da sociedade”135 (O’Donnell in Collier ed. 1979, 293). O autor acrescenta que o processo de privatização é característico deste tipo de regimes (O’Donnell in Collier ed. 1979, 295). Este é, porém, um aspecto em que no caso russo o Estado parece exercer forte influência de forma a restringir este tipo de processo. Exemplo disso é a crescente intervenção estatal na economia russa desde 2000, como também já vimos atrás, quando analisámos as questões da dependência económica. O Estado procura despolitizar as questões sociais fazendo uso de uma retórica racionalista, objetivista e tecnocrática. O objetivo deste tipo de argumentação é completar o processo de exclusão dos sectores populares, dando-lhe uma legitimidade 135 “It corresponds to, and promotes, an increasing transnationalization of the productive structure, resulting in a further denationalization of society […]” – tradução própria. 139 que suporte a sua luta contra estes, que considera serem “irracionais” e “prematuros” nas suas reivindicaхões (O’Donnell in Collier ed. 1979, 293), ao mesmo tempo que procura um “consenso tпcito” da populaхуo (O’Donnell in Collier ed. 1979, 296). O pedido de Putin aos sindicatos é um exemplo. Mas também a própria estruturação da sua elite no poder (Bremmer e Charap 2007), assim como dos discursos públicos desta (Russia Today 2009). E este é o sétimo ponto indicado por O’Donnell. O oitavo, e último ponto, descreve o culminar do processo de afunilamento das instituições públicas num Estado B-A, após as restrições impostas ao sector popular. Isto é, aqueles que têm acesso aos mais altos cargos do Estado e das suas instituições são os mesmos que se encontram no topo da pirâmide de poder, sendo representados pelas elites de organizações públicas ou privadas, em particular pelo aparelho securitпrio do Estado e de Рrandes companhias oliРopolistas (O’Donnell in Collier ed. 1979, 293). O exemplo dos siloviki, que vimos acima, aponta o paralelismo entre o caso russo e a realidade aqui tratada, onde este mesmo grupo é composto pelas elites das forças de segurança russas, assim como por membros de grandes grupos económicos, públicos ou privados (Bremmer e Charap 2007). Nos casos latino-americanos havia uma situação de partidos únicos, assim como uma suposta postura anti-ideológica, procurando separar a estrutura governativa de qualquer dialéctica política e assumindo uma postura totalmente tecnocrática, sendo esta a ideologia oficial (Cardoso in Collier ed. 1979, 43). O que acaba por diferenciar a Rússia dos casos latino-americanos nestes pontos anteriormente mencionados é a manutenção de um sistema pluripartidário, com eleições que decorrem dentro de moldes em muito semelhantes àqueles encontrados em outras democracias liberais, apesar de alegados casos de corrupção e ilegalidades lhe serem associados (Bershidsky 2016). O domínio por parte das estruturas de poder instaladas tem sido crescente desde o ano 2000, quer em termos de assentos na Duma quer na Presidência, sendo um regime com elevados índices de popularidade mesmo em contexto de crise (Russia Today 2016a). Significa isto que existe uma base de legitimação por parte da população russa em relação a esta elite. Mas a diferença fica-se apenas pela fachada democrática existente na Rússia. Pois a postura anti-ideológica e tecnocrática é também aqui adoptada, assim como um discurso que a procura legitimar (Sputnik News 2016c) sob uma forma orаelliana de “neаspeak” (Hobsbaаm 2008, 52). Esta tecnocracia é legitimada através 140 do arРumento da “eПicпcia do seu trabalho, em veг da lealdade a um ou outro Рrupo”136 (Sputnik News 2016c). E as tecnocracias são conhecidas pelo seu pragmatismo e racionalismo na defesa da modernização capitalista (Kaufman in Collier ed. 1979, 289), por possuírem baixa tolerância a divergências políticas, assim como aos resultados das crises económicas, olhando para as movimentações populares como obstáculos ao crescimento económico (Cardoso in Collier ed. 1979, 27).  Como vimos aqui, o regime político russo em vigor possui muitas características em comum com os regimes Burocrático-Autoritários da América Latina do século passado, apesar de não partilhar de toda a causalidade que lhe dá origem. Em ambas as realidades encontram-se o uso da repressão, e sem fazer aqui uma análise que quantifique os graus atingidos; colocação em prática de políticas tecnocráticas, em particular no âmbito económico; e partilha de uma forte intimidade com grandes empresas transnacionais monopolistas, apesar de no caso russo estas terem a sua origem internamente, ao contrário dos casos latino-americanos. Mas se a Rússia partilha estas características então também deverá partilhar das suas contradições, fragilidades e vulnerabilidades (Collier ed. 1979, 392). Estas contrapartidas envolvem não só aspectos económicos, e que também são comuns a outros regimes políticos que participam no sistema-mundo, mas fundamentalmente problemas políticos. Em particular através da descredibilização do regime aos olhos da população a longo prazo e especialmente nos sectores de massas onde reúne o seu apoio (Idem, ibidem). Mesmo existindo um sistema pluripartidário na Rússia, o desgaste das suas instituições pode atravessar um processo semelhante àquele pelo qual os regimes B-A da América Latina passaram. No caso destes Пoi o desaparecimento dos sectores “subversivos” dentro das suas Пronteiras que ditou o descrédito da repressão ao longo do tempo (Collier ed. 1979, 393), sendo que estes eram o inimigo comum que fazia reunir apoio em torno do governo. Mas no caso russo, a solução aparentemente encontrada de momento, após o esmorecimento da questão do Norte do Cáucaso nos últimos anos, surge sob a forma de um inimigo externo. Especialmente considerando os acontecimentos mais recentes, em particular com a questão ucraniana, onde a Rússia procura defender a sua esfera de influência na 136 “[…] most important for them is the effectiveness of their work, rather than loyalty to one group or another.” – tradução própria. 141 Europa de Leste através da manutenção de um regime favorável na Ucrânia, tal como em idênticas disputas de esferas de influência com os EUA/ OTAN, quer na Europa de Leste, quer noutras regiões do globo. O principal objectivo é a promoção de uma imagem, interna e externamente, de pertença por parte da Rússia ao grupo dos principais pólos num mundo crescentemente multipolar, ideia que procura representar o país como um dos “centros” no sistema-mundo. 4.3 – Os reflexos da dependência russa na sua política externa Tendo previamente analisado a influência da praxis imperialista nos domínios sociopolíticos e culturais internos na Rússia e em que medida esta última incorpora as decisões provenientes do exterior, importa finalmente abordar as suas consequências ao nível da política externa, assim como perceber se a Rússia consegue produzir decisões que sejam seguidas por outros. Para isso é necessário analisar o comportamento da Rússia no sistema-mundo, compreendendo qual a sua posição sistémica enquanto potência militar e quais os seus enfoques doutrinais neste campo, assim como de que forma esta se relaciona com os restantes países, quer directamente, quer através de organizações internacionais de que faça parte. A compreensão destes relacionamentos permitir-nos-á, também, ter uma visão mais clara sobre as dinâmicas da crescente multipolaridade do sistema internacional e do papel russo neste processo. 4.3.1 – A dependência militar e os seus resultados na acção externa da Rússia Quando se trata da temática imperialista, os processos militares surgem como os mais óbvios, dada a sua natureza mais directa, evidente e difícil de esconder. Contudo, esta vertente é apenas a que mais se destaca dentro dos cinco processos que constituem o imperialismo e é normalmente a arma de último recurso. Relembrando a afirmação de Galtung, já aqui mencionada, este diг que “apenas o imperialismo imperПeito e amador necessita de armas; o imperialismo profissional baseia-se na violência estrutural em vez 142 de violência directa”137 (1971, 91). E, como vimos também acima, para um país ser um centro em aspectos militares necessita previamente de uma estrutura económica capaz de suportar todo o aparelho militar, que lhe permita destacar-se dentro do sistemamundo (Galtung 1971, 92). Ou seja, também aqui a divisão internacional do trabalho desempenha um papel de grande relevância, pois apenas um país capaz de gerar equipamentos de alta tecnologia e que possua fábricas capazes de produzi-los em quantidades suficientes, pode ser uma grande potência militar. A necessidade de uma estrutura económica que opere numa escala de valor elevada é fundamental para essa produção e também para o sustento de tais forças. E, ao mesmo tempo, também só esses países é que possuem uma estrutura social compatível e suficientemente desenvolvida para suportar um exército moderno, treinado e disciplinado. Se a capacidade económica não se verificar, o que normalmente ocorre é uma dependência face àqueles que a possuem, através da importação de equipamentos e conhecimentos. E essa necessidade é tanto maior quanto a constante evolução tecnológica (Idem, ibidem). Daí não ser esperado que um país que, dentro da estrutura da divisão internacional do trabalho, se situe numa gama de produção associada a produtos de baixo valor, seja capaz de suportar um exército suficientemente grande, moderno e treinado que lhe possibilite ser um centro militar. Todavia, apesar da Rússia não se situar como um centro económico no sistemamundo, esta surge-nos normalmente referenciada como a segunda potência militar no mundo (Global Firepower 2016; Credit Suisse 2015, 41)138, tal como também em 2015 era o quarto país com maiores gastos militares (SIPRI 2016a). Para além disto a Rússia situava-se, também em 2015, como o segundo maior exportador de material militar no mundo (SIPRI 2016b). Se o primeiro e terceiro aspectos se explicam dadas as elevadas quantidades de material militar herdado da ex-União Soviética e que ainda hoje fazem parte dos seus arsenais, incluindo as armas nucleares, assim como os centros de I&D e indústrias de defesa, factores que permitiram à Rússia se manter até hoje como a segunda potência militar no mundo. O segundo aspecto é explicado pela importância que as elites políticas russas dão à manutenção de uma força militar considerável e a sua 137 “Only imperfect, amateurish imperialism needs аeapons; professional imperialism is based on structural rather than direct violence.” – tradução própria. 138 Inclui-se este tipo de rankings mesmo tendo em consideração todas as suas limitações em quantificar o poder militar de um país, alРo que enРloba uma compleбidade muito superior aos “mais de 50 Пactores” utiliгados para compilar o ranking da Global Firepower e ainda maior no caso das seis variáveis relativas ao ranking do Credit Suisse. 143 modernização, bastando olhar para o crescimento do orçamento da defesa desde 1998 (SIPRI 2016c) e em particular como este não acompanha o crescimento do PIB (World Bank 2016a). Tem sido dada uma particular atenção para reformar e reforçar as forças armadas após a Guerra Russo-Georgiana de 2008 (Kosnik 2016, 145). Onde, apesar da clara vitória da Rússia, várias foram as deficiências operacionais identificadas e que era urgente corrigir, assim como outras lições que foram retiradas do conflito (Kosnik 2016, 146; Giles 2015, 3). Com o objectivo de alterar esta realidade foi lançado um ambicioso programa de moderniгaхуo das Пorхas armadas intitulado de “Perspectiva Futura das Forças Armadas da Federação Russa e Prioridades para o seu Desenvolvimento para o Período de 2009-2020”139, cujo objectivo era elevar a percentagem de equipamento moderno dos cerca de 10% existentes em 2009 para cerca de 70% até 2020, assim como aumentar o grau de prontidão e operacionalidade das suas forças (The International Institute for Strategic Studies 2010, 211-213)140. Este processo decorre maioritariamente com recurso às indústrias e tecnologias internas, mesmo apesar dos crescentes problemas neste sector (Kosnik 2016, 155-158). Os primeiros resultados evidentes desta reforma foram vistos aquando da ocupação da Península da Crimeia em 2014, mesmo que não possibilitem observar o impacto geral das reformas operadas (Giles 2016, 16; Golts e Kofman 2016, 9-10). Não obstante, foi clara a capacidade de envio de tropas e a organização evidenciada na sua deslocação no terreno, algo que não se verificou, por exemplo, aquando da Segunda Guerra da Chechénia (Golts e Kofman 2016, 9). As operações na Síria vêm também trazer uma melhor compreensão às novas capacidades adquiridas pelas forças russas, onde se afirmaram capazes de manter um ambiente de elevada intensidade de operações aéreas, semelhantes àqueles observados nas forças ocidentais (Idem, 10-11). A doutrina militar russa define, como uma das principais ameaças à Rússia, a intensificação dos conflitos regionais à sua volta (President of the Russian Federation 2015), o que se confirma tendo em conta os mais recentes conflitos em que a Rússia se tem encontrado envolvida. Daí notar-se uma crescente prioridade na utilização de forças 139 140 В Ф ч 2009-2020 . Considera-se que em 2015 a percentagem de equipamento moderno se situe nos 47,2%, ou seja, 97% do esperado até àquele ano (Sputnik News 2016a). Mesmo duvidando do cumprimento total do programa (Golts e Kofman 2016, 7; The International Institute for Strategic Studies 2016, 171) é ainda assim assinalável o processo de reequipamento até aqui alcançado (Giles 2016, 13). 144 especiais ou outras “Forхas de Reacхуo Rпpida” com enПoque na projecхуo de poder, isto é, alta mobilidade estratégica, elevados níveis de prontidão e elevada capacidade de combate (Golts e Kofman 2016, 9-12; The International Institute for Strategic Studies 2016, 165). A sua doutrina refere ainda a decrescente probabilidade de uma guerra em larga escala, que recorra a utilização maciça de armas convencionais e nucleares, contudo sem descartar esta hipótese (President of the Russian Federation 2015). Toda esta percepção é desenvolvida considerando um mundo crescentemente multipolar (Idem). A Rússia tem assim vindo a afirmar-se como uma potência regional, que mesmo sendo incapaz de competir abertamente com a OTAN, e os EUA em particular, consegue ainda assim operar nas suas próprias imediações, como as intervenções na Geórgia e Ucrânia evidenciam, tal como continua a demonstrar uma maior capacidade militar relativamente a qualquer membro da OTAN individualmente, exceptuando os EUA141 (Giles 2016, 17; Gressel 2015, 5). Para além disso evidencia também a capacidade de manter forças em intensas operações de combate fora da sua zona de vizinhança directa, como no caso da Síria, porém numa escala relativamente pequena. E mesmo não possuindo uma economia que opere numa escala de valor elevado, quando comparada com outras economias desenvolvidas, consegue ainda assim manter umas forças armadas relativamente modernas, treinadas e em quantidades consideráveis, recorrendo maioritariamente às suas próprias indústrias e centros de I&D. Não se verifica assim uma condição de dependência na Rússia em matéria militar, mesmo que existam algumas transações de equipamentos e conhecimentos (Gressel 2015, 3-4).  Apesar de tudo isto, talvez seja difícil afirmar que a Rússia é hoje um centro militar dentro do sistema-mundo, dado a sua influência não conseguir rivalizar com aquela demonstrada pelos EUA, sendo que estes sim são o único centro hegemónico dentro do sistema-mundo142. A Rússia opera e exerce a sua influência essencialmente a um nível regional, como é característica das semi-periferias, ao passo que de um centro se requer que o faça a uma escala global. Quanto muito poderíamos afirmar que a 141 Para além do grau de prontidão registado nas forças russas ser superior àquele que se encontra entre algumas das forças europeias (Gressel 2015, 8). 142 Em 1996 Wallerstein ainda descrevia que em relaхуo “рs Пorхas armadas e a tudo o que lhe estп associado na Rússia”, eбibia características de centro (in Egiazarian 2013, 66). 145 Rússia é uma semi-periferia em crescendo, mas, considerando as suas aspirações estratégicas, ainda muito longe de se tornar um centro. Esta caracterização sai reforçada se tivermos em consideração os aspectos de divisão do trabalho em matéria de segurança apontados por Galtung, onde a Rússia procura ainda afirmar-se como uma nação que providencie segurança enquanto os seus dependentes fornecem a disciplina e os soldados necessários. Ou, de uma forma mais geral, uma relação onde a Rússia processe a obediência providenciada por um conjunto de Estados seus dependentes, em decisões que estes cumpram e implementem (Galtung 1971, 92). Isto é claro, quando se observam as organizações de segurança, a que a Rússia pertence e onde participa, que têm um pendor claramente regional, como a Organização do Tratado de Segurança Colectiva ou a Organização para a Cooperação de Xangai, sendo que nesta última a sua influência fica claramente dividida com a exercida pela China. Para qualquer disputa a uma escala global são necessários à Rússia sólidos aliados, que a ajudem a equilibrar a balança claramente desequilibrada neste momento (Gressel 2015, 5). Todavia, é importante considerar que a “Rússia nуo possui nem a vontade nem a capacidade de competir com o ocidente р escala Рlobal”143 (Gressel 2015, 13), como também Putin destaca, quando aПirma que “nуo é ambiхуo por heРemonia ou qualquer outro estatuto eПémero de superpotência”144 o que a Rússia procura (Russia Today 2015). E em vez do conПronto directo, a Rússia parece preПerir Пaгer uso das suas “vantaРens tпcticas como Пorma de contornar as desvantaРens estratéРicas”145 (Giles 2016, 25). 4.3.2 – A política externa russa Como foi visto anteriormente, a semi-periferia assume, no sistema-mundo, um papel mais político do que económico, servindo para deflectir e/ou absorver tensões políticas que possam existir entre a periferia e o centro. São por isso importantes elementos para a estabilidade do sistema-mundo (Babones e Babcicky 2011, 5). Através de uma estrutura de interacção vertical e feudal, como descrito por Galtung (1971, 104), espera-se que estas regiões se relacionem com as regiões periféricas envolventes ou a si submissas, mantendo com estas relaхões directas, Пormando assim “Пortes laços de 143 “Russia has neither the аill nor the capacity to compete аith the West on a global scale.” – tradução própria. 144 “[Russia] is not aspiring for hegemony or any ephemeral status of a superpoаer.” – tradução própria. 145 “Russia thus remains in a position to leverage tactical advantages to offset strategic disadvantages.” – tradução própria. 146 harmonia de interesses entre elas”146, sendo que estas relações são o reflexo da harmonia de interesses entre as classes dominantes de ambas as regiões. No caso da Rússia, observamos que os países que a envolvem assumem um carácter de especial relevo nas suas prioridades de relacionamento, sendo desiРnados por “estrangeiro próximo” (SaПire 1994). Neste termo sуo incluídos todos os países que Пaгiam parte da ex-URSS e que a Rússia pretende que estejam subordinados à sua esfera de influência. Tudo isto se desenvolve ao mesmo tempo em que a Rússia se encontra dependente do centro do sistema-mundo, nomeadamente em relação a investimentos, tecnologia, comércio, etc, como observado neste trabalho aquando da nossa análise a estas dimensões. Existe, por parte da Rússia, uma “aparente estratéРia de renovado mercantilismo na Bielorrússia, Ucrânia147, no Cпucaso e Ásia Central”148 (Babones e Babcicky 2011, 12), sendo que é fundamentalmente para estes países que as empresas russas se expandem e procuram novos investimentos, em particular nos sectores do comércio e energia (Egiazarian 2013, 58 e 67-68). No entanto, as parcerias assumem, tendencialmente, um carácter de baixo incremento tecnológico, sendo essencialmente focadas na extracção e transporte de recursos. Mas é também destes países que provêm grande parte dos imigrantes que completam a tão necessária força laboral russa (Idem, ibidem). Para além disto, há ainda a importância que estes países assumem no que toca aos aspectos securitários da Rússia, servindo como tampão a ameaças exteriores a este espaço, sobre o qual a Rússia ainda mantém algum tipo de influência (Egiazarian 2013, 66). Neste sentido, a Rússia tem, desde o final da URSS, desenvolvido esforços de aprofundamento da integração regional, com vista a reПorхar o seu papel de “líder” no conjunto de países que orbitam na sua esfera de influência, assumindo assim um carácter de interacção feudal (Galtung 1971, 89). Alguns exemplos mais paradigmáticos deste processo são organizações como a Comunidade de Estados Independentes 146 “[…] firm ties of harmony of interests betаeen them.” – tradução própria. 147 Hoje envolvida numa guerra civil que deriva do choque de interesses entre a Rússia, os EUA e União Europeia e que divide o país em duas facções antagónicas, que representam exactamente esses mesmos interesses em conflito. 148 “Russia’s apparent strategy of reneаed mercantilism in Belarus, Ukraine, the Caucasus, and Central Asia […]” – tradução própria. 147 (CEI)149, a Organização do Tratado de Segurança Colectiva (OTSC) que deriva da anterior, a União Económica Euroasiática (UEE) e, em certa medida, a Organização para a Cooperação de Xangai (OCX), partilhando nesta última a liderança política com a China. E é curioso notar que os pilares fundamentais, sobre os quais estas organizações trabalham, são a segurança regional e contra-terrorismo, economia, desenvolvimento, integração regional e aspectos políticos em geral, ao mesmo tempo que procuram servir de tampão à influência norte-americana na região da Ásia Central. E mesmo que as organizações com os projectos mais ambiciosos – UEE e OCX – estejam ainda numa fase muito inicial, os passos dados na integração têm sido positivos (Yesdauletova e Yesdauletov 2014, 8; Bailes e Dunay in Bailes et al 2007, 27-29; Boland 2011). Verifica-se assim uma tendência para a Rússia procurar exercer o seu domínio regional através de organizações com fundamentos multilaterais, mas nas quais o seu peso é tão grande, comparativamente com as restantes nações participantes, que é a própria que colhe os maiores benefícios, exceptuando no caso da OCX, onde estes benefícios são partilhados com a China150. Nestes casos, a Rússia comporta-se não só como uma “naхуo do centro que processa a obediência providenciada pelas nações da periferia em decisões que podem ser implementadas”151, para usar a expressão de GaltunР (1971, 92), mas também num “centro que providencia protecção [enquanto] a periferia [providencia] a disciplina e os soldados necessпrios”152 (Idem, ibidem). A importância que a soberania e não intervenção em assuntos internos dos Estados membros assumem nestas organizações (Yesdauletova e Yesdauletov 2014, 11; Bailes et al 2007, 9) não esconde as relações de dependência geradas no seio destas organizações, muito pelo contrário. O enfoque dado à estabilidade política existente nos países participantes, em particular através da dimensão que o contra-terrorismo e contrainsurgência assumem tanto na OTSC como na OCX (Weitz 2014, 2; Bailes e Dunay in Bailes et al 2007, 9), vem realçar aquilo que Bailes e Dunay (in Bailes et al 2007, 9) deПinem, quando Пalam da OCX, como “um pacto para a sobrevivência de reРime: uma 149 Apesar de este projecto estar bem aquém das espectativas que lhe eram inicialmente reservadas (Hansen 2013, 146-147; Rowe e Torjesen 2009, 15-16). 150 Pode-se até argumentar que é mesmo a China a maior beneficiada nesta organização, em particular no campo económico, onde é claramente o país que mais tem a ganhar com este projecto (Bailes et al 2007, 28). 151 “[…] Center nations processing the obedience provided by the Periphery nations into decisions that can be implemented” – tradução própria. 152 “[…] Center providing the protection and the Periphery the discipline and the soldiers needed […]” – tradução própria. 148 coligação pro-status quo, tal como anti-terrorista”153. Desta forma verifica-se uma manutenção da estrutura produtiva mais atrasada, nos países menos desenvolvidos, permitindo uma extração da mais-valia por parte dos países mais desenvolvidos, a exemplo do que Santos (2011 [1978], 377) refere quando fala da manutenção de estruturas dependentes em países dependentes. Olhando para as relações comerciais existentes actualmente entre a Rússia e os países envolvidos (Egiazarian 2013, 60; The Atlas of Economic Complexity 2016d), compreende-se que existe uma grande concentração de importações por parte destes países relativamente à Rússia (em média de 32%)154. De igual modo, olhando para os investimentos feitos pela Rússia e tendo em conta que estes países não possuem estruturas industriais desenvolvidas, verifica-se qual o tipo de produção que a Rússia pretende ver desenvolvida e praticada na região, para que assim a possa importar e processar no seu país, baseada na extração de recursos naturais (Egiazarian 2013, 6768). Aqui, o petróleo e gás natural são os principais focos de atenção da Rússia e daí a sua concentração de esforços nos países da Ásia Central, sobre os quais detém bastante influência e que acabam assim por ser determinantes na sua estratégia de domínio energético colocada em prática. É através da manutenção destas relações de produção centradas na extração de recursos naturais nos países a si periféricos, que a Rússia procura extrair a mais-valia produzida na região, incorporando-a assim, para que posteriormente possa exportar estes produtos semi-processados para os países mais desenvolvidos. Esta é uma relação de natureza imperialista, desenvolvida numa escala média da produção, onde a Rússia serve de intermediária entre o centro e a periferia do sistema-mundo, ou seja, de semi-periferia na divisão internacional do trabalho. Para que esta estratégia prossiga o seu caminho e se aprofunde é fundamental para a Rússia fazer uso de todos os recursos à sua disposição, nomeadamente nas áreas económica, comunicativa, cultural, militar e política. Daí estas dimensões terem sido abordadas anteriormente de uma forma mais aprofundada, procurando quantificar o potencial da Rússia dentro do sistema-mundo, concluindo que esta se situa numa posição sistémica intermediária nos factores abordados (semi-periferia) e, portanto, com uma capacidade de exercer influência e causar dependência sobre alguns Estados mais fracos do que ela própria, que se tornam assim suas periferias, numa relação de interacção vertical e, ao 153 154 “[…] a pact for regime survival: a pro-status quo, as well as anti-terrorist, coalition.” – tradução própria. Países incluídos: Arménia, Azerbaijão, Bielorrússia, Cazaquistão, Geórgia, Quirguistão, Tajiquistão, Turquemenistão e Uzbequistão. 149 mesmo tempo, de tipo feudal. Este tipo de relação com a periferia é descrito por Marini (in Amaral 2012, 64-65) através da eбpressуo “subimperialismo”, que o deПine como “[…] a Пorma que assume a economia dependente ao cheРar р etapa dos monopяlios e do capital Пinanceiro”, no qual sуo necessпrios dois Пactores Пundamentais: “um aparato produtivo nacional de composição orgânica mediana (em relação ao que se verifica no resto do mundo) e o eбercício de uma política eбpansionista relativamente autяnoma” (Amaral 2012, 65). Outro aspecto, que assume uma relevância fundamental no tipo de interacção que a Rússia possui no sistema-mundo, é a condição da potência hegemónica neste. Para Wallerstein (1993, 4) uma série de factores apontam para uma queda da hegemonia relativa dos Estados Unidos da América no sistema-mundo. O mais importante é a crescente concorrência por parte de outras potências nos mercados globais, o que provoca a queda na taxa de lucro, espelhada na fase B do ciclo de Kondratieff, como considerado pelo autor. Esta concorrência levou a uma deslocalização da produção no sistema-mundo e, portanto, a uma perda relativa de importância dos EUA no mundo. Esta fase de decadência tem como resposta, por parte dos EUA, políticas que procuram evitar e contrariar esta tendência em curso, muitas vezes de carácter unilateral (Idem, ibidem) e violento. Considerando então esta ascensão de potências concorrentes à potência imperialista ainda hegemónica, destaca-se um Рrupo que procura “construir uma ordem mais iРual e multipolar, alternativa р autoridade do G7”155 (Ruvalcaba 2013, 167) e no qual a Rússia participa: os BRICS156. A participação russa neste grupo tem-se destacado como uma clara afirmação da sua parte enquanto potência de relevo na nova ordem multipolar, emergente desde o início dos anos 2000 e em maior evidência após a crise de 2008. E esta multipolaridade, que deriva do desenvolvimento de novas potências que não só contestam a hegemonia norte-americana e do ocidente desenvolvido em geral, como também possuem cada vez mais os meios e os argumentos para o fazer, provoca um recrudescimento do conflito geopolítico à escala global. Algo que, aliás, já Vladimir Lenin (1975 [1916]) apontava quando falava da partilha económica do mundo: 155 “[…] the construction of a more equal and multipolar order, apart from the authority of G7 […]" – tradução própria. 156 Brasil, Russia, Índia, China e África do Sul. 150 “A época do capitalismo contemporсneo mostra-nos que se estão estabelecendo determinadas relações entre os grupos capitalistas com base na partilha económica do mundo, e que, ao mesmo tempo, em ligação com isto, se estão estabelecendo entre os grupos políticos, entre os Estados, determinadas relações com base na partilha territorial do mundo, na luta pelas colяnias, na ‘luta pelo territяrio econяmico’”. É a evolução das condições materiais das potências emergentes que as coloca em rota de colisão com os interesses do centro, possibilitando assim esta “luta pelo territяrio econяmico”, uma luta por novos mercados que intensifica a concorrência e acentua a tendência para a queda da taxa de lucro. Por consequência, acentua também o declínio da potência hegemónica, ao mesmo tempo que as novas potências se procuram afirmar como centros e melhorar a sua posição no sistema-mundo. E, historicamente, tem sido exactamente nestes momentos em que o centro hegemónico possui a sua posição em risco, que a Rússia se tem aproximado mais de uma posição central no sistema-mundo (Derluguian e Wallerstein 2011, 13-14). Todavia, esta disputa não significa necessariamente que evolua para um conflito armado, ainda assim essa hipótese nunca fica completamente excluída, sendo por vezes desenvolvida através de terceiros, como observamos na Ucrânia, com os rebeldes pró-russos em Donbass (Gressel 2015). A situaхуo que oriРina desta disputa é chamada de “balanхo de poder” por Wallerstein, que a eбplica como a “situaхуo em que nenhum estado soгinho conseРue automaticamente aquilo que pretende na arena interestatal”157 (2006, 57). Não obstante, apesar desta disputa existente entre a Rússia e o centro, a primeira participa em organizações nas quais os EUA e os países ocidentais desenvolvidos também fazem parte. São disso exemplo o FMI, o Banco Mundial, OMC, G8158, Conselho OTAN-Rússia, OSCE e ONU. Estas são organizações internacionais, fundadas e dominadas pelo centro hegemónico, que procuram fazer valer os seus interesses (Wallerstein 2006, 86) e onde o peso da Rússia se torna secundário159. Para GaltunР as orРaniгaхões internacionais sуo “acima de tudo um meio onde a inПluência circula, com ambos os centros juntando-se como membros e encontrando-se um ao 157 “[…] situation in аhich no single state can automatically get its аay in the interstate arena.” – tradução própria. 158 Até à sua suspensão em 2014, resultado da crise envolvendo a Crimeia. 159 Mesmo se tivermos em consideração a ONU e o facto de a Rússia ser um membro permanente do Conselho de Segurança. 151 outro” (1971, 95)160. Os “centros” aqui descritos pelo autor sуo as elites de cada país, o que nos traг р mente a ideia de relaхões multilaterais, ou seja, “instituiхões e temпticas que envolvem múltiplos países (três ou mais) a trabalhar em concertação de uma maneira sustentпvel”161 (Rowe e Torjesen eds. 2009, 1), em que essas elites de cada país procurariam fazer valer os seus interesses, negociando com os seus semelhantes de outros países. Sendo a Rússia um parceiro de relevância e poder de decisão secundários, a sua estratégia nestes âmbitos assume contornos diferentes daqueles encontrados nas organizações onde o seu peso é determinante. Não sendo a potência dominante nestas organizações, procura assumir um discurso no qual o multilateralismo ganha uma importância maior. Mas na prática procurando que se trate apenas de um multilateralismo de “Рrandes potências” (Roаe e Torjesen eds. 2009, 8), onde busca defender a existência de esferas de influência em que a intromissão de outras potências seja limitada (Idem, 14) e focando-se na discussão de temas-chave da área internacional (Idem, 19), ostentando um estilo claramente defensivo. Algo particularmente evidente, por exemplo, na forma como a Rússia participa no Conselho de Segurança da ONU (Legvold in Rowe e Torjesen eds. 2009, 22). Esta deПesa das esПeras de inПluência é Пeita tendo em conta o “objectivo de criar uma estrutura que seja essencial para o mundo; uma estrutura na qual o mundo não seria capaz de funcionar sem a Rússia e as alianхas que a envolvem”162, como afirmou o Vice-Primeiro Ministro Victor Khristenko (in Rowe e Torjesen eds. 2009, 15). Desta forma, o multilateralismo funcionaria como uma ferramenta de afirmação da Rússia num mundo multipolar (Legvold in Rowe e Torjesen eds. 2009, 21-22), ao mesmo tempo que serviria para enfraquecer a posição hegemónica do centro dominante, colocando em causa o seu modelo de governação global em prática (Idem, 28).  Tendo todos estes aspectos em consideração, observa-se claramente a posição periférica que a Rússia possui face ao centro dominante em matérias de interacção dentro do sistema-mundo. Ao mesmo tempo, destaca-se a sua posição central em 160 “But above all it is a medium in аhich influence can floа, аith both centers joining as members and finding each other.” – tradução própria. 161 “By ‘multilateralism’ аe refer to institutions and issue areas that involve multiple countries (three or more) working in concert in a sustained manner.” – tradução própria. 162 “[…] our goal is creating a structure that is essential for the world; a structure in which the world would not be unable to function аithout Russia and the alliances involving it.” – tradução própria. 152 relação aos países que pertencem à sua esfera de influência. Considerando estas duas particularidades, leva-nos a concluir que a Rússia se situa numa posição semi-periférica no sistema-mundo, ocupando assim uma posição intermediária entre as potências do centro e a periferia a si contígua. Ao mesmo tempo tenta destacar-se e juntar-se ao grupo de países centrais, através de uma posição que se procura afirmar como alternativa àquela presentemente dominante no sistema-mundo. Esforça-se por apresentar uma ideia de que “um mundo com mais impérios […] é pelo menos potencialmente um mundo com mais possibilidades”, para citar GaltunР (1971, 105), buscando reunir um conjunto de nações em torno de si que também não se revêm nos ideais representados pelo centro hegemónico. A Rússia exibe um comportamento tipicamente característico das semiperiferias, onde o aparelho do Estado é usado interna e/ou externamente, tendo como objectivo melhorar a sua posição dentro do sistema-mundo, quer como produtor e acumulador de capital, quer como força política e militar, não possuindo muitas hipótese relativamente a isto, pois “ou eles têm sucesso em ascender na escada hierárquica (ou pelo menos manterem-se) ou eles serуo empurrados para baiбo”163 (Wallerstein 2006, 56-57). 163 “[…] either they аill succeed in moving up the hierarchical ladder (or at least staying put) or they аill be pushed doаn.” – tradução própria. 153 154 Conclusão Ao longo deste trabalho, o objectivo essencial, para o qual se apontou, foi situar a posição da Rússia no hodierno sistema-mundo capitalista. Este desígnio levou à análise das capacidades russas de interacção neste mesmo sistema. Para nos auxiliar nesta tarefa, procurou-se estudar uma série de sub-questões, que permitissem construir uma base de resposta sustentada, colocando a hipótese de a Rússia se situar naquilo que é designado como semi-periferia do sistema-mundo. De modo a dar resposta às nossas questões e demonstrar a nossa hipótese principal, utilizou-se a Teoria da Dependência, dada a sua capacidade de explicação de fenómenos sociais, políticos e económicos numa perspectiva estrutural. Esta teoria adopta, a partir dos anos de 1960-70, uma sistematização de base marxiana e materialista, passando a servir como complemento à Teoria do Imperialismo e centrando-se nos efeitos do imperialismo sobre os países periféricos e menos desenvolvidos. Daí que o elemento base de análise seja o factor económico, a partir do qual se estrutura a análise dos restantes factores. Para além desta teoria foi também usado o modelo de análise do sistema-mundo, elaborado por Immanuel Wallerstein a partir dos anos de 1970 e servindo como complemento à Teoria da Dependência. Este modelo procura explicar as dinâmicas internacionais tendo por base fenómenos sistémicos, tomando uma perspectiva global, historicista, unidisciplinar e holística. Com o objectivo de determinar o grau de dependência russo faz-se uso de cinco dimensões de dependência distintas (económica, política, cultural, comunicacional e militar), mas complementares e interligadas entre si, baseando-nos no trabalho de Johan Galtung (1971). No auxílio à determinação da dependência política faz-se ainda uso do modelo burocrático-autoritário, originalmente usado no estudo de alguns regimes políticos da América Latina entre os anos de 1960-1990. Este modelo centra-se na explicação dos processos de legitimação da dominação do centro sobre a periferia e considerou-se contribuir para a análise ao estudo de caso em questão. Passemos a sintetizar as conclusões obtidas. A primeira vertente considerada foi a socioeconómica, dada a sua preponderância no quadro teórico utilizado. Nesta incluíram-se as análises dos graus de dependência de Galtung que incluem não só a dimensão económica, como também a parte da dimensão comunicacional correspondente às infraestruturas de um modo geral. E aqui a conclusão inicialmente retirada acerca da posição russa neste aspecto é bastante 155 clara: considerando a dependência da economia russa em relação à exportação de matérias-primas, significa que, da posição que a Rússia ocupa na divisão internacional do trabalho, resulta uma dependência face ao centro, isto é, EUA e restantes membros do G7, sendo portanto sistémica. Esta inferência permite-nos excluir a Rússia de uma posição central dentro do sistema-mundo, contudo não nos permite compreender a sua verdadeira posição dentro deste, nem perceber a tendência seguida pelo país, isto é, se apresenta uma evolução ou regressão na sua condição sistémica. Como vimos, após o fim da URSS e ao longo dos anos 90, a Rússia assistiu ao seu declínio relativo e absoluto, fruto da profunda crise socioeconómica e política vivida durante esse período. Houve um claro retrocesso e uma tendência de periferização da sua condição sistémica. Todavia, essa relação seria alterada após a crise de 1998 e em particular com a chegada de Vladimir Putin ao poder em 1999. A tendência a partir daí seria a de consolidação da Rússia como semi-periferia, verificando-se para isso uma evolução positiva, diminuindo a sua diferença para um centro num estado de declínio relativo. Para esta reversão muito contribuiria a forte presença do Estado russo na economia, contrariando as políticas dos anos 90 de liberalização económica. Essa presença não foi desenvolvida em todos os sectores económicos, à semelhança do que acontecia durante o período soviético, mas sim em sectores considerados estratégicos e fundamentais para o Estado russo. No entanto, a dependência evidenciada pela Rússia face à exportação de matérias-primas, em particular de petróleo e gás natural, fortemente agravada durante os anos 90, continuar-se-ia a verificar, mesmo que em tendência decrescente ao longo dos anos 2000. Ao mesmo tempo, verifica-se também uma diminuição do sector industrial relativamente à riqueza produzida pelo país, sendo que o único sector que tem registado um crescimento significativo é o terciário. Possivelmente em consequência do Пenяmeno de “dutch disease”. Deste fenómeno, normalmente, origina-se uma elevada procura nos sectores não-transaccionáveis, quando os preços das matérias-primas exportadas se encontram em alta nos mercados internacionais, levando assim a um fluxo significativo de capital em circulação no mercado interno. Isto provoca uma elevação dos salários e preços, tal como gera um desequilíbrio de rendimentos entre o proletariado moderno e o tradicional (trabalhadores associados ao capital transnacional vs. trabalhadores associados aos outros sectores). A acrescentar a esta reconhecida dependência, há a incerteza quanto à mudança deste enfoque económico, cujas tentativas de alteração não têm produzido os resultados pretendidos. 156 Em relação às suas infraestruturas (um dos elementos que compõem a dimensão comunicacional da dependência), destaca-se aqui não só o peso que o factor geográfico impõe sobre a Rússia, nomeadamente considerando a sua extensão territorial e os constrangimentos infraestruturais que daí advêm, mas fundamentalmente o factor material e económico como motor de sustentação e dinamização deste sector. Os vários anos de decadência a que todas as infraestruturas russas foram votadas após o colapso da URSS (ainda que os oleodutos e gasodutos não tenham sido tão afectados), determinaram um elevado estado de obsolescência destas. Esta obsolescência tem como consequência um aumento dos custos no produto final e, portanto, uma diminuição da competitividade dos produtos russos nos mercados mundiais, sendo assim uma condicionante ao seu desenvolvimento e, por conseguinte, uma condicionante à sua própria posição no sistema-mundo, dada a importância das infraestruturas na dinamização económica e crescimento a longo prazo. Este é um dos sectores onde as reservas de capitais acumuladas, através das exportações de matérias-primas, poderão assumir um carácter fundamental em reverter a situação verificada, permitindo à Rússia investir e modernizar as suas infraestruturas. Contudo, o investimento tem sido, até aqui, substancialmente inferior ao necessário, mesmo considerando os programas em curso e os que se encontram planeados. O único sector das infraestruturas que tem recebido uma significativa importância e investimentos suficientes tem sido aquele ligado ao transporte das principais matérias-primas exportadas pela Rússia, nomeadamente, os gasodutos e oleodutos que percorrem a Rússia e alguns dos seus países periféricos. O que demonstra bem a magnitude da importância que o petróleo e o gás natural possuem em termos políticos e económicos para a Rússia. Na área das telecomunicações a Rússia encontra-se relativamente desenvolvida, mesmo que não de uma forma comparável àquela encontrada nos países do centro. Não obstante, a Rússia possui ainda uma posição periférica no fluxo de comunicações global, quando as suas características geográficas centrais entre a Europa e a Ásia lhe poderiam possibilitar um carácter igualmente central nas comunicações entre estas duas reРiões. Em veг disso, o que se veriПica é um “vaгio” que é contornado por esses mesmos fluxos. Ou seja, a questão geográfica russa assume aqui uma dupla particularidade: enquanto elemento potenciador, dada a sua posição; e enquanto elemento limitador, dada a sua extensão. O desenvolvimento de tecnologias de comunicação, incluindo satélites, exibem 157 traços cruciais para o próprio desenvolvimento da Rússia e da melhoria da sua posição relativa no sistema-mundo. Internamente, mas também cada vez mais externamente, estes meios de comunicação ganham uma crescente relevância na contenção e resistência face às tendências de dominação com origem no centro hegemónico do sistema-mundo, assim como enquanto ferramentas de afirmação da Rússia dentro deste, como vimos quando estudámos a dimensão sociopolítica e cultural. Pesando todos estes elementos surge a questão de “por quanto tempo mais serп sustentпvel este modelo de desenvolvimento?”, que nos últimos anos parece ter dado sinais de se encontrar esgotado, considerando a forte desaceleração económica evidenciada pela Rússia. Esta dependência em relação à exportação de matérias-primas é um fenómeno típico das economias mais periféricas e que, portanto, condiciona a acção russa no sistema-mundo. Mesmo assim, as receitas de capital acumulado através das exportações destas matérias-primas desempenham um papel fundamental, enquanto fontes de financiamento de infraestruturas e de uma economia mais diversificada, que apresente uma incorporação de valor superior nos seus produtos. Desta forma, após pesar e avaliar o conjunto dos indicadores observados, concluímos que a Rússia se encontra numa posição intermediária na escala de produção de valor do sistema-mundo e da sua divisão internacional do trabalho. O seu enfoque na produção de bens primários ou semi-processados distancia-a claramente dos países mais desenvolvidos. E o sector tecnológico é disto exemplo. Aqui, apesar de não se encontrar numa posição totalmente periférica, está consideravelmente longe das capacidades evidenciadas pelas economias mais desenvolvidas do centro. O próprio investimento neste sector é ainda substancialmente baixo quando comparado com o centro, sendo que grande parte da formação bruta de capital realizado na Rússia se centra em indústrias de bens semi-processados e de capital. Não obstante, a Rússia notabiliza-se por possuir um baixo nível de dívida pública externa, o que lhe confere um grau de autonomia, independência e flexibilidade nas suas políticas económicas bastante considerável, quando comparada com qualquer economia dependente e periférica, que normalmente possuem elevados níveis de dívida pública externa. E mesmo quando se verificam fluxos baixos de IDE no país, esta realidade não é de todo negativa, permitindo assim que uma maior percentagem da mais-valia gerada no país não seja deslocada para os países do centro, como usualmente acontece nos países dependentes com investimento externo, tal como uma maior autonomia nas suas políticas e estratégias económicas. A 158 Rússia parece assim distanciar-se de um modelo de desenvolvimento associado dependente, ainda que por vezes pareça querer atrair investimento externo. Por isso, é o Estado, através das suas grandes empresas estatais, que assume uma posição de responsabilidade enquanto dinamizador da economia a nível interno. Porém, é a própria participação da Rússia no sistema-mundo, e a competição pela sobrevivência neste, que a condena ao objectivo da eterna acumulação de capital, sob pena de colocar em risco a sua própria existência. E o caminho seguido até aqui não tem sido ausente de dificuldades, que revelam as suas fragilidades e contradições. Ainda que possamos concluir, com a análise quantitativa aqui realizada, que se tenha verificado uma evolução positiva na diminuição da sua dependência face ao centro do sistema-mundo. Todavia, vimos também que após a crise de 2008, para além da grave recessão observada no ano seguinte, registou-se também uma desaceleração geral da economia tendendo para a estagnação. E a crise de 2014 veio acrescentar ainda mais dúvidas quanto à estrutura económica russa, ainda que considerando o seu carácter excepcional e conjuntural. Assim, a análise aqui realizada fica condicionada por estes acontecimentos relacionados com o conflito geopolítico existente em torno da Ucrânia, pelo menos no que toca a perspectivas económicas de curto prazo. Isto porque esta crise pode gerar não só os factores que potenciem um agravamento das condições económicas, como pode despertar as autoridades russas para a necessidade de alteração da estrutura económica russa, caso haja uma verdadeira intenção de prosseguir um rumo que posicione a Rússia como um centro do sistema-mundo. Posteriormente, passámos para a análise da vertente da dependência sociopolítica e cultural russa, que nos surge como condensadora das dimensões atrás trabalhadas. O reflexo mais evidente da superestrutura que é determinada pela base socioeconómica. Por isso, iniciámos a nossa abordagem através das questões relacionadas com a dependência cultural, onde também aí as tendências verificadas actualmente pela Rússia são dissonantes daquelas observadas durante os anos de 1990. Se neste período a Rússia se posicionava no sistema-mundo de uma forma totalmente periférica, submetendo-se à hegemonia cultural que emanava do centro e orientada, principalmente, pelas elites norte-americanas, após a eleição de Putin essa relação sofreria um forte revés. O resultado foi uma diminuição no fluxo cultural proveniente do centro, ao mesmo tempo que a Rússia passa a seguir um caminho mais autónomo, no qual o Estado desempenha um papel importante em traçar novas tendências e na 159 construção de uma nova identidade. E, apesar desta mudança de situação colocar em causa a própria posição hegemónica do centro no sistema-mundo, rejeitando o seu modelo, este processo desenvolve-se sem no entanto a Rússia rejeitar o modelo capitalista e, portanto, a sua própria integração no sistema-mundo. Este modelo desenvolve-se no meio de uma incerteza identitária, fruto quer da rejeição do modelo liberal ocidental, quer do modelo soviético anteriormente em vigor na Rússia. Mesmo assim, as tendências gerais que predominam são caracterizadas por valores tradicionalistas, conservadores, de soberania e autonomia, promovidos internamente. Daí que a Rússia não coloque em causa o sistema capitalista e apenas procure uma forma de integração diferente daquela que é imposta pelo centro às nações mais fracas. Este modelo, de contradição da tendência hegemónica do centro, serve também como elemento de consolidação do poder internamente, através da deflexão das pressões sociais classistas em direcção a um inimigo externo, o que limita a contestação social interna. Daí que os meios de comunicação social (o outro elemento que compõe a dependência comunicacional) assumam uma importância considerável e por isso uma parte significativa destes se encontrem nas mãos do aparelho estatal, como aliás é característico das semi-periferias. Ainda assim a Rússia surge-nos não como uma definidora de tendências culturais ou científicas a nível global, mas sim como um país que normalmente segue tendências traçadas externamente. Após este balanço das questões culturais passámos para as questões relacionadas com a dependência sociopolítica. Verificou-se anteriormente que as graves falhas evidenciadas pela adopção do modelo de democracia liberal e de políticas de liberalização económica na Rússia, durante os anos 90, levaram a que o modelo Ocidental ficasse descredibilizado perante a sociedade russa e as suas elites. O resultado desta descredibilização provocou uma alteração da ordem social que levou a uma ruptura com o vínculo de dominação previamente existente face ao centro, num processo semelhante àquele verificado nas regiões coloniais aquando da sua ruptura com o pacto colonial. O surgimento de Putin, como um produto de recurso, foi determinante para esta alteração. Promovido pela elite oligárquica então dominante e favorável ao centro, dadas as suas reconhecidas capacidades em pressionar e coagir elementos antagónicos aos interesses instalados no poder, esperava-se dele que ajudasse a manter a relação de dominação previamente existente, evitando que possíveis movimentos sociais, emanados da crise, pudessem surgir e colocar em causa o modelo 160 de economia baseado na propriedade privada, voltando ao antigo modelo onde imperava a socialização dos meios de produção. Contudo, a reorganização do aparelho de Estado orquestrada por Vladimir Putin e as elites a si associadas consolidaria no topo do poder político e socioeconómico russo uma nova elite dominante, os siloviki, sendo esta intimamente ligada aos aparelhos repressivos do Estado. Para esta nova elite dominante o Estado deveria assumir um estatuto bem mais centralizado, quer a nível político quer económico, quando comparado com o que normalmente acontece nas democracias liberais, levando a um consequente conflito com as antigas elites oligárquicas e ao afastamento destas últimas do poder. Esta alteração nas relações de poder levou a um reforço dos grupos de interesse nacionais, ainda que estes não sejam os antigos grupos oligárquicos dominantes, mas sim um novo grupo oligárquico que o substituiu. Porém, esta mutação não significou uma retirada do sistema-mundo ou sequer uma alteração do modelo socioeconómico base, o que indica que a elite russa continua a actuar enquanto testa-deponte do centro da nação centro na Rússia, dado o seu papel na manutenção das relações de dominação sistémicas existentes e que beneficia ambos. Contudo, existe um tipo de integração diferente daquele normalmente encontrado em nações totalmente periféricas, uma integração mais fechada, onde o Estado assume um papel central na economia. Em termos sociais, esta transformação deu origem a que a principal classe exploradora no país passasse a ser de origem doméstica, ao contrário do que normalmente acontece nas economias periféricas, mas dentro dos moldes encontrados nas semi-periferias. O papel desta nova elite seria determinante em travar o processo de periferização da Rússia, ajudando à consolidação e ascensão do seu grau de semi-periferia no sistema-mundo. Ainda assim, é esta mesma elite que também a impede de ascender ao estatuto de centro no sistema-mundo, servindo assim para manter e travar avanços nas relações de produção que permitissem por sua vez evoluções políticas, sociais e económicas. Para isso a nova elite oligárquica russa iria adquirir características em muito semelhantes àquelas encontradas nos regimes da América Latina dos anos 1960-90, os quais vários autores classificaram por regimes B-A. Isto ainda que não encaixe perfeitamente nas fases que levam à ascensão deste tipo de regime e usualmente identificadas pelos vários autores. Porém, as divergências existentes na definição do modelo permitem-nos a oportunidade e flexibilidade de aplicação ao caso russo. Para que o regime B-A subsista é fundamental a influência que o capital monopolista e 161 transnacional possui na defesa do regime. Mas se, no caso das periferias, este capital é de origem externa, no caso russo este possui uma origem essencialmente doméstica, surgindo sob a forma de empresas estatais controladas pela elite oligárquica no poder. É esta diferença, relativamente à periferia, que permite a existência de orientações e políticas alternativas e até certo ponto contrárias àquelas propaladas pelo centro hegemónico. Pois aqui o capital monopolista, fundamental na fase imperialista do capitalismo, tem uma origem nacional, impedindo que o Estado se submeta de uma forma tão exposta às ambições externas às quais a periferia se encontra geralmente subserviente. Também nos oito pontos utiliгados por O’Donnell (in Collier ed. 1979, 292-293) para caracterizar o modelo B-A, a Rússia apresenta fortes semelhanças com este, reforçando a nossa percepção de que o modelo serve para analisar este país. Atentemos a uma rápida conclusão de cada um destes pontos: 1. O Estado russo afirma-se como o garante e organizador da dominação de classe existente, servindo os interesses da nova classe oligárquica russa, que por sua vez domina o próprio aparelho de Estado; 2. O Estado russo possui os seus alicerces no aparelho repressivo que o compõe, manifestando uma postura autoritária, tal como tendências normalizadoras da economia (sendo isto fruto de uma crise económica que precedia o próprio regime); 3. Existe uma tentativa de contenção de movimentos sociais contrários ao poder instalado, sejam eles populares ou não; 4. Há uma supressão das instituições da democracia e negação da dimensão classista representada pelo sector popular, sendo este um processo já em curso ainda antes da própria instalação do regime; 5. A burocracia opera nos seus cargos de forma a defender os seus interesses. Desta forma o Estado B-A promove padrões de acumulação de capital extremamente desiguais e serve como sistema de exclusão económica face ao sector popular; 6. É suposto o Estado B-A favorecer uma crescente transnacionalização da estrutura produtiva, resultando numa desnacionalização da sociedade. Contudo, neste ponto a Rússia não se enquadra no que é normalmente característico dos regimes B-A ou, pelo menos, não o faz de uma forma tão evidente. Isto porque o 162 Estado russo não promove um processo privatizador da sua economia, pelo contrário. 7. O aparelho de Estado russo procura despolitizar as questões sociais, assumindo uma postura tecnocrática, objectivista e racionalista; 8. Aqueles que possuem cargos no Estado são aqueles que se encontram no topo da pirâmide do poder, usualmente os siloviki ou a eles associados. Como se verifica, exceptuando o ponto 6, a Rússia apresenta características gerais normalmente identificadas num regime B-A, seguindo sete dos oito pontos identificados por O’Donnell. Para além disto, é apontada como característica destes regimes a existência de um partido único no poder. E apesar de isto não se verificar na Rússia, existe um domínio acentuado do partido ligado à oligarquia dominante (Edinstvo), levando a que na prática, desde o ano 2000, o domínio deste partido seja quase incontestado. Para que este domínio tenha o sucesso pretendido, tem sido fundamental a prática de um discurso que procure legitimar o Estado e o regime junto da sociedade, onde a necessidade de um inimigo ao regime é basilar. Nos regimes da América Latina esse inimigo era interno, na Rússia após a quase completa eliminação das ameaças internas no Cáucaso Norte esse inimigo passou a ser externo, sendo representado pelo centro hegemónico do sistemamundo, ou seja, os EUA e os seus aliados. Mas se a Rússia partilha das características encontradas nos regimes B-A, isso significa que também deverá partilhar das suas contradições, fragilidades e vulnerabilidades. Em particular se tomarmos uma perspectiva de longo prazo, seja ela de base económica, social ou política. Uma nova crise económica que provoque graves retrocessos sociais, seria um sério obstáculo à manutenção deste regime. E esta realidade surge com ainda mais relevo se tivermos em consideração as questões da dependência económica evidenciadas pela Rússia relativamente ao seu aparelho produtivo. A alta instabilidade dos preços do petróleo e gás natural nos mercados mundiais é algo que se manifesta como uma ameaça constantemente presente. Por fim analisámos os reflexos da dependência russa na sua interacção com o sistema-mundo enquanto semi-periferia deste. Neste sentido, o nosso estudo iniciou-se através do balanço da dependência militar e dos seus reflexos na acção externa russa. Concluímos aqui que esta é a dimensão em que a posição russa se encontra mais 163 solidificada e mais perto do centro hegemónico do mundo. Mesmo considerando o peso fundamental que os elementos económicos possuem na sustentação deste sector, assim como as fragilidades que a Rússia evidencia na sua economia, esta consegue posicionarse relativamente bem dentro do sistema-mundo. Apesar disto, esta localização sistémica deve-se, em grande parte, à herança soviética em todo o sector militar, seja em quantidades de material, indústrias, tecnologias e I&D. Ainda assim, as forças armadas recebem uma considerável atenção por parte da elite política, sendo um dos sectores prioritários do investimento público. Nos últimos anos, as forças armadas russas têm vivenciado reformas significativas, assim como um forte investimento, de forma a capacitar as forças russas para o cumprimento dos objectivos estratégicos definidos pela sua elite política. O sentido dado a estas reformas é um claro reflexo do que a doutrina russa exige, centrando-se na capacitação para as suas forças operarem em zonas fundamentalmente contíguas à Rússia, como aliás é característico da praxis semiperiférica. Porém, a Rússia falha em ser um centro, na medida em que apesar das largas capacidades militares que possui, apenas secundárias face à potência hegemónica, os EUA, a sua influência fica-se limitada à esfera regional. Ao mesmo tempo, a Rússia falha em ter aliados suficientes, dos quais processe a obediência por eles fornecida, ao mesmo tempo que lhes providencia a segurança que eles necessitam, mesmo que procure desenvolver esforços nesse sentido a nível regional. Por tudo isto a Rússia não se consegue assumir como uma potência global, mas apenas como uma potência regional, com limitadas capacidades de projecção de poder para além da sua zona envolvente. E, posteriormente, observámos o resultado que o conjunto das dimensões acima analisadas possuem na política externa russa e na sua interacção com o sistema-mundo. A sua condição semi-periférica ao nível económico, comunicativo, militar e cultural expressa-se assim também na sua condição semi-periférica na política, quer internamente (como já concluímos) quer externamente. Isto significa que a Rússia não se apresenta no sistema-mundo como uma região que consiga expressar o seu domínio sobre áreas significativas do globo – como seria de esperar de um centro –, em vez disso centrando a sua influência essencialmente nas regiões a si periféricas. É nestas zonas que a Rússia logra em influenciar e exercer um domínio em seu favor. Para isso faz uso, não só das típicas relações bilaterais, mas também de várias organizações multilaterais que procuram promover um aprofundamento da integração regional, económica, 164 política, cultural, militar e comunicativa. São estas particularidades que nos permitem definir a Rússia como uma semi-periferia no sistema-mundo, onde o domínio que opera se limita a um âmbito regional. As características fundamentais evidenciadas por esta influência são variadas, onde se destaca o enfoque na manutenção da soberania e do princípio da não interferência nos regimes aliados, como forma de garantir a dependência destes face à Rússia, dado a sua própria segurança e preservação dependerem da segurança providenciada por esta. Nesse sentido o combate ao terrorismo e insurgência surgem como elementos fundamentais na manutenção da estabilidade desses regimes dependentes da Rússia, assim como a defesa contra outras ameaças externas. As próprias relações comerciais mantidas entre a Rússia e os Estados envolventes são disso um exemplo. Existe por parte da Rússia um relevante esforço na manutenção das relações de produção existentes, que têm por base essencialmente os bens primários que possam posteriormente ser processados na Rússia. Isto porque, qualquer alteração na infraestrutura da sociedade poderia significar uma alteração da superestrutura, o que poderia colocar em risco a relação de dominação actualmente existente. Ao mesmo tempo, esta conservação da estrutura produtiva permite à Rússia assegurar o seu estatuto de região que processa as matérias-primas da periferia em bens semi-processados, que posteriormente trocará com o centro, servindo assim de intermediária na divisão internacional do trabalho entre as duas zonas. De forma contrária, a sua relação com os países do centro revela um papel secundário face a estes, nomeadamente dentro das organizações multilaterais. Sendo também esta uma ferramenta importante para se afirmar dentro do sistema. Estes são fóruns onde as elites dominantes da Rússia se relacionam com as elites dominantes dos países do centro, procurando influenciá-las ao mesmo tempo em que também são influenciadas. Nestes casos o discurso russo centra-se fundamentalmente num multilateralismo de grandes potências, onde pratica uma táctica claramente defensiva na esperança de preservar e conservar a sua esfera de influência relativamente a agentes externos que a coloquem em causa ou que a procurem limitar. Nesse sentido a Rússia promove a discussão de assuntos que, na sua perspectiva, considera serem centrais na área internacional e que vão ao encontro dos seus interesses. A Rússia procura assim usar o multilateralismo como um meio que promova a sua afirmação enquanto pólo 165 central num mundo crescentemente multipolar, ao mesmo tempo que procura enfraquecer a posição hegemónica dos EUA dentro do sistema. Na evolução e fortalecimento da posição da Rússia dentro do sistema-mundo, muito tem contribuído a decadência relativa do centro hegemónico do sistema. A ascensão de um mundo cada vez mais multipolar tem promovido o crescimento das semi-periferias dentro do sistema, processo no qual a Rússia desempenha um papel relevante. O próprio crescimento económico russo tem sustentado de forma significativa o reforço da sua posição dentro do sistema, expandindo assim a sua influência aos seus vizinhos e usando como recurso político o seu domínio sobre o sector energético, até mesmo nas relações com outros países mais desenvolvidos. Desta forma a Rússia continua a procurar melhorar a sua posição dentro do sistema-mundo, reforçando para isso o seu estatuto enquanto produtor, acumulador de capital e de força militar, mesmo que permaneça um país de cariz dependente. Sendo assim e ao que tudo indica, as conclusões finais deixam poucas dúvidas acerca da posição sistémica da Rússia enquanto região semi-periférica, contudo numa tendência ascendente. E esta posição ocupada no sistema-mundo é um fenómeno continuado, dado ser considerado que a Rússia tem historicamente sido uma semi-periferia, mesmo com flutuações no seu grau ao longo do tempo. Todavia, apesar desta trajectória ascendente registada, a estrutura russa actualmente existente começa a demonstrar estar perto dos seus limites, como observamos pelo abrandamento da economia russa nos últimos anos. A estrutura actual evidencia fragilidades em cumprir o objectivo de a Rússia competir e se reafirmar no mundo, ficando constantemente dependente dos preços das matérias-primas e dos preços definidos pelo mercado mundial dominado pelo centro hegemónico. O próprio facto de a Rússia atribuir uma ênfase significativa à vertente militar do imperialismo é um sinónimo da sua fraqueza em impor uma dominação estrutural, o tipo de imperialismo que GaltunР (1971, 91) aПirma ser “imperПeito”. Sem uma transiхуo económica profunda, que reencaminhe a Rússia para um rumo mais sustentável, baseado em relações de produção de valor acrescentado mais alto, comparáveis com os do centro, esta sofrerá uma estagnação ou recessão que colocará novamente a sua posição dentro do sistema em causa, assim como a própria credibilidade do seu regime político externamente e em particular internamente. Da mesma forma, só através do desenvolvimento da sua economia e infraestruturas é que a Rússia poderá melhorar a 166 sua posição relativamente às áreas políticas, comunicativas, culturais e militares, tal como a sua capacidade em influenciar outras nações a seguir e defender os seus interesses no mundo. Não obstante, isso também significa que a Rússia terá de operar mudanças no tipo de regime em vigor, sendo que este impede neste momento a Rússia de evoluir rumo ao centro, ainda que tenha sido e continue a ser um elemento importante na sua consolidação enquanto região semi-periférica após os anos 90. A necessidade da consolidação das suas instituições políticas é fundamental e isso significa o abandono do modelo de Estado baseado no aparelho coercivo que protege as elites oligárquicas dominantes. Algo que não será facilmente alcançável, pois isso significaria uma transição de poder contrária aos interesses da elite dominante. O modelo actualmente em vista pelo regime russo centra-se numa transformação económica, rumo ao centro, mas que mantenha intactos os interesses da elite russa. Outro modelo alternativo significaria uma substituição total em relação ao actual, acabando com as elites oligárquicas. Actualmente o modelo Ocidental liberal encontrase descredibilizado na sociedade russa, e rejeitado também pela elite dominante que procura um modelo próprio que garanta a sua continuidade no poder e de participação no sistema-mundo. Derluguian e Wallerstein (2011, 37) colocam de parte também o modelo nacionalista, que num país multiétnico seria uma opção que colocaria sérios problemas de estabilidade social. Que outro modelo surge como opção? Esta é uma dúvida que fica em aberto. Ainda assim, a principal questão que surge é: será a Rússia capaz de progredir e desenvolver-se o suficiente para se tornar num centro do sistemamundo? Ou outra questão mais audaz: ambicionará a Rússia manter a sua participação no sistema-mundo, prolongando assim a sua competição e luta pela sobrevivência dentro deste? 167 168 Lista de Referências Amaral, M.S., 2012. Teorias do Imperialismo e da Dependência: a atualização necessária ante a financeirização do capitalismo. Universidade de São Paulo. 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